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PRACS: Revista de Humanidades do Curso de Cincias Sociais UNIFAP. N. 1 dez 2008
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As Cincias Sociais na Contemporaneidade: paradigmas e conflitos
Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros1
Resumo
Analisando as profundas transformaes da sociedade a partir do sculo XX, neste trabalho so avaliadas asrupturas de paradigmas das Cincias Sociais no mundo contemporneo.
Palavras-chave: Estruturalismo, modernidade, ps-modernidade, mal da civilizao, paradigmas das cinciassociais
Abstract
Analyzing the deep transformations of society since the XX century, this work assess the paradigms ruptures ofSocial Sciences in the contemporary world.
Keywords: structuralism; modernity; post-modernity; problem of civilization; social sciences paradigms
Discutir paradigmas e conflitos na contemporaneidade mergulhar na
singularidade do tempo presente, representada pelo que o senso comum denominou gelia
geral, e o campo intelectual debate como mundo ps- moderno. As Cincias Sociais nacontemporaneidade expressam a quebra de paradigmas, no s na tradio cientfica, mas em
todos os nveis da vida social, seu objeto de estudo.
Se o termo paradigma, tradicionalmente significou conjunto de regras aceitas
consensualmente pela comunidade cientfica, processou-se uma socializao de seu uso, com
a banalizao do significado, transpondo-se culturalmente para os costumes e todas as
instncias da vida social, como representao ou prottipo de comportamentos socialmente
aceitos. Neste sentido, enquanto a dinmica, o desenvolvimento das cincias fsicas, da
natureza humanas e sociais, sofreram verdadeira revoluo com a teoria da relatividade, a
fsica quntica e diferentes explicaes do social, como evolucionismo, existencialismo,
estruturalismo e todas as correntes de pensamento que marcaram o sculo XX, o cotidiano
existencial, o indivduo e o inconsciente vo-se incorporando aos debates cientficos,
estruturando diferentes linhas tericas nas Cincias Sociais.
1Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros - Antroploga, Profa de Graduao e Ps-Graduao da Universidade doEstado do Rio de Janeiro UERJ; Dra em Cincias Sociais; Ps-Doutorado em Antropologia; Ps-Doutorado
em Cincia da Literatura; E-mail: [email protected]
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Para alm dos debates cientficos, ou at pela projeo deles e o uso dos
produtos materiais resultantes dos avanos tecnolgicos a partir da Revoluo Industrial,
palavras como progresso, liberdade, direitos humanos e tantos outros entes gerados nas
construes filosficas e cientficas, com o avano da imprensa e as concepes do fazer
poltica ganham a rua, so incorporados s chamadas preocupaes do homem comum,
impregnando todo o campo da cultura da modernidade. Transpondo o espao acadmico,
categorias elaboradas cientificamente so apropriadas pelo senso comum e transformadas em
slogans para consumo, dentro dos desdobramentos da modernidade, at a forma
contempornea de linguagem, que confunde o plano da metfora com o plano da metonmia,
num processo intencional de escondimento da ordem social, o que constitui princpio de
dominao. Nas Cincias Sociais coube a Claude Lvi Strauss a superao das distncias
hierarquizantes que privilegiavam, desde o sculo XIX, as formas do conhecer cientfico em
detrimento do conhecimento mgico. No incio dos anos sessenta esse intelectual,
demonstrando que esses dois tipos de conhecimento resultam de operaes diferentes - porm
com a mesma estatura, pe na mesma categoria valorativa a arte e a cincia, o que se constitui
importante quebra de paradigma, no mundo da cincia. Nesta perspectiva, resgata a lgica
prpria do mito e seu papel de, sobrenaturalizando a cultura e sobreculturalizando a natureza,dar soluo aos grandes paradoxos, que permanecem no real. O mito, recolhendo pedaos
heterclitos do tempo e do espao, constri o discurso estruturado pela linguagem. um
modelo lgico que resolve contradies, trajetos da natureza para a cultura e da cultura para a
natureza, fenmeno classificado como Compensao, por Jung. No mito todas as verses
so verdadeiras ao mesmo tempo, enquanto no real, contradies como homem x mulher, por
exemplo, no so nunca resolvidas.
Outro paradigma cientfico posto em questo por Strauss a relao entrenatureza e cultura. Discutida pelos filsofos da antiguidade grega, essa relao era resolvida
pela posio de centralidade do homem na natureza. Na classificao de gnero e espcie, o
homem, at meados do sculo XX, era denominado homo sapiens, sendo a cultura inscrita
no prprio processo de seu desenvolvimento. Para os iluministas, a relao natureza e cultura
balizada pela concepo de uma natureza submetida pelo homem, paradigma levado s
ltimas conseqncias pelas revolues urbansticas, tecnolgicas, estticas e de explorao
dos recursos naturais, realizadas pela fria modernizadora do mundo ocidental que instaura
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o progresso em ritmo acelerado, projetando-se, atravs do neo-colonialismo, sobre pases,
povos e culturas de diferentes continentes. O impulso para a mudana, caracterstica da
provisoriedade dos produtos do progresso, mercadorias a serem substitudas na dinmica dos
avanos tecnolgicos, torna-se verdadeiro ethos da cultura contempornea.
Esse paradigma tem sido paradoxalmente o mais combatido pelas Cincias
Sociais e mais respeitado pela sociedade contempornea, principalmente por homens de
negcios, consumidores e autoridades polticas, sendo seus maiores defensores os chamados
gestores das polticas pblicas.
Lvi Strauss, ao identificar o homem com a natureza, afirma que a felicidade
csmica, e que o pensamento selvagem se apia na lgica do sensvel. Essa identificao,
libertando a natureza do domnio do homem, instaura um novo campo nas Cincias Sociais,que passam a denunciar as tragdias advindas da natureza gerenciada, durante quinze sculos
pelo homem, em nome da racionalidade. Com o surgimento do sistema capitalista, o prprio
homem sofre deslocamento de posio na hierarquia das relaes, sendo posto a servio da
produo. Quebrando o domnio desse paradigma, surge outra relao, agora de oposio,
entre natureza e sociedade, exigindo-se um novo modelo de convivncia com a natureza, com
a responsabilidade de sua preservao, como condio de sobrevivncia da espcie humana
Este novo paradigma d corpo e importncia a duas cincias atualssimas; Ecologia e Estudosdo Meio Ambiente, infelizmente gerando verdadeira corrida a modelos de Manuseio do meio
ambiente de forma Sustentvel. a mais recente descoberta de tcnica de ganhar dinheiro,
continuar manuseando a natureza, e ainda ganhar notoriedade como promotor de
desenvolvimento sustentvel.
Como na cincia multiplicam-se teorias, na vida social essas correntes
aparecem representadas por diferentes concepes de mundo, norteando decises, tomadas de
posio, tanto em termos de dade, como de polade. Na contemporaneidade a dade- relaesentre os indivduos, sofre mudanas aceleradas, sob a vigncia de troca de valores, regendo-se
os comportamentos por interesses prprios da sociedade de consumo, fazendo com que a
polade das instituies, mesmo em ritmo mais lento, acompanhe as determinaes da
sociedade ps- moderna. Perdendo a segurana da tradio, todos os seres humanos,
submetidos acelerada globalizao, perdem referenciais identitrios, sem que disponham de
tempo para escolha, adaptao e construo de novos vnculos psicolgicos e afetivos em
relao a pessoas, espaos e situaes imprevisveis.
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Nas Cincias Sociais as mudanas de paradigma se efetivaram sob o choque de
duas guerras mundiais, o surgimento da sociedade sovitica e a corrida armamentista - guerra
fria, fenmenos que marcaram a face do mundo ocidental no sculo XX, dando conscincia
aos estudiosos do papel da violncia mais irracional, na defesa e imposio de concepes de
mundo. Atravessando um sculo de conflitos entre naes, em nome da liberdade e da
democracia, ou da experincia socialista, os estudiosos desgraadamente tiveram
oportunidade de observao participante de modelos da chamada civilizao ocidental,
perdendo a inocncia sobre as idias iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade,
elaboradas por intelectuais, eles prprios vivendo, em sua grande maioria, dos lucros do
trfico negreiro o que, luz de uma tica prtica, desnuda a falcia do modelo iluminista de
sociedade.Nas primeiras dcadas do sculo XX, o evolucionismo, campo cientfico onde
vicejaram as chamadas teorias racistas, duramente criticado por antroplogos como Franz
Boas na Europa e nos Estados Unidos, Arthur Ramos e Josu de Castro no Brasil, entre
outros, em todo o mundo, como uma ideologia legitimadora dos crimes do colonialismo
europeu, denunciando os efeitos do trfico negreiro na frica e extermnio dos povos
americanos, gneses das dificuldades enfrentadas pelas naes desses continentes na
incorporao das dinmicas da sociedade industrial moderna. Desde o sculo XIX,antroplogos j haviam elaborado o conceito de etnocentrismo, para denunciar o efeito
pernicioso da europeizao do mundo sobre as diversidades culturais, diminudas pelo
extermnio de povos e culturas. Na primeira metade do sculo XX, substituindo paradigmas
biologizantes de explicao da sociedade por modelos culturalistas, correntes de cientistas
sociais promoveram revolues cientficas e de mentalidades, contribuindo para mudanas
profundas nas instituies e no comportamento das pessoas, citando-se como exemplos no
Brasil, a promulgao de leis contra o racismo e o combate ao nazi-fascismo, como ideologiagenocdica contra a humanidade, negando-se a seus postulados, estatuto de cincia.
Na segunda metade do sculo XX, a partir da violncia exterminadora de duas
guerras, o mundo intelectual faz a anlise crtica da sociedade ocidental, acrescentando novas
categorias que pem em xeque afirmaes consagradas, como o humanismo inerente a essa
civilizao. Condenando modelos muito abrangentes, contidos em grandes leis histricas,
Agnes Heller resgata o cotidiano, enquanto Habermas insere a discusso sobre o individual.
Marcel Mauss, construindo o conceito de fato social total, fala de um inconsciente para alm
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do emprico observado nas instituies, incorporando a idia do poder do inconsciente,
categoria formulada por Freud. Exorcizando o horror da histria, Freud elaborou o mito da
razo, trabalhando o mal estar da civilizao. A partir da crtica a essa chamada apologia da
razo, Gaston Granger elabora uma histria desse conceito, negando sua absolutizao, e
afirmando o carter histrico de seus usos, representados por diferentes significados
atribudos ao termo, na histria da cincia.
Apesar da crescente desiluso com a cultura ocidental depois das duas
hecatombes de 1914 e 1939, em 1948 ocupa significativo espao polmico o lanamento do
livro do intelectual norte-americano naturalizado ingls, T S Eliot- Notas para uma definio
de cultura. Nesse ano o autor recebeu o Prmio Nobel de Literatura, por sua obra potica. No
livro polmico Eliot defende a teoria de que toda cultura surgiu e se desenvolveu ligada religio, retomando quase o caminho desenvolvido em As formas Elementares da Vida
Religiosa por Durkheim, de quem se diferencia primeiramente pela afirmao de que, numa
sociedade de classes, a cultura produzida por uma elite. Enquanto Durkheim acreditou na
formao de cidados a partir de uma educao laica para todos, desenvolvendo uma
Sociologia da Educao que mostrasse aos estudantes regras de socializao agregadora,
baseada em deveres e obrigaes do Estado e dos cidados, para Eliot a democratizao baixa
a qualidade da educao. Fazendo a apologia da cultura ocidental, afirma seu carterhumanista. Para ele a cultura um modo de vida integral e no o somatrio de elementos
Essa obra desencadeia uma srie de debates durante dcadas, sendo o mais
importante a rplica de seu antigo discpulo George Steiner, intitulada No Castelo do Barba
Azul- Algumas notas para uma redefinio da cultura, cuja primeira edio de 1970. Nessa
obra Steiner faz contundente crtica de carter tico s afirmaes de Eliot. Prope uma
reviso da cultura ocidental a partir dos fatos do sculo XX, afirmando que as imagens do
passado nos afetam tanto quanto os mitos, dos quais cita o mito do sculo XIX- JardimImaginrio da Cultura Liberal, difundindo confiana na superioridade do racionalismo,
atravs das obras de Hegel, Comte e Claude Bernard. Para ele as conquistas da Revoluo
Industrial- responsvel pelo enorme crescimento econmico do sculo XIX, guardou em seu
seio, gestou a primeira guerra, o fascismo, o nazismo e o holocausto. Ao mesmo tempo
interroga: por que o cristianismo ocidental no impediu ou condenou a crescente
desumanizao do trabalho das fbricas, at os campos de extermnio? Detendo-se na histria
da Europa nas duas guerras, Steiner ressalta a profunda irracionalidade que comandou a mais
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repugnante mortandade, a carnificina seletiva que tirou do cenrio um nmero estarrecedor de
estudiosos, principalmente os mais jovens, na primeira guerra. O humanismo no impedindo
os campos de extermnio, na primeira e na segunda guerra, submete-se lgica da empresa
blica.
As reflexes de Steiner nos encaminham para o clima de desolao que atingiu
as nascentes Cincias Sociais na Frana. Nesse perodo Durkheim se cercava de um grupo
privilegiado de jovens pesquisadores na redao da Revista Anne Sociologique, entre eles o
filho e um sobrinho. No final do conflito que ensangentou a Europa, entre 1914 e 1918,
perdendo o filho e a quase totalidade dos discpulos, restou a Durkheim o sobrinho Marcel
Mauss que desenvolveu a Escola Francesa de Sociologia, reestruturando com seus alunos a
tradio da srie Anne Sociologique.Steiner um crtico feroz da cultura ocidental, portadora, em sua perspectiva,
dos germens da destruio, que ele denomina barbrie. afirmao de Eliot, de uma
Educao redentria, Steiner replica mostrando que a educao na Alemanha nazista se
desenvolveu junto com os campos de concentrao, e que depois da destruio da guerra se
promoveu a implantao de modernssima industrializao. Encerra a anlise da cultura
ocidental defendendo a tese de que nenhuma cultura se afirma sem uma arqueologia constante
de suas tradies, de suas expresses. Nesse nvel de anlise, declara a falncia das previsesdo iluminismo, arrematando: Sem esperana, sem ncleo utpico, impossvel ser!
Avanando as reflexes sobre o presente e o futuro, esse autor denuncia como caractersticas
do mundo contemporneo, o banimento do silncio com a banalizao da msica, o recuo da
palavra expresso de compromisso - substituda pela mentira, a falta de leitura dos originais -
preferindo-se a leitura de especialistas sobre os autores e suas obras, o eclipse da palavra pela
perda da intercomunicao entre as pessoas e a falta de questionamento sobre o objetivo da
cincia - o que causa perda moral irreparvel. Para ele, na razo do mundo contemporneoest contida a desrazo, prpria de uma ps-cultura. Depois do clima blico que caracterizou
o sculo XX, essa cultura, diminuda depois da catstrofe, no pode se arvorar em paradigma
de nada.
Refletindo sobre a crtica desse autor, observa-se que ele no se refere, em sua
arqueologia da civilizao ocidental, ao genocdio perpetrado contra as populaes africanas
durante mais de quatrocentos anos, pela escravido surgida no incio da modernidade. A
mesma civilizao que no podia mais conviver com a servido da gleba, cria a condio de
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trabalho livre na Europa, instaurando a escravido dos nascidos no continente africano e o
extermnio dos chamados povos indgenas. Uma das caractersticas do mundo contemporneo
o resgate dessa histria, desmascarando-se o mito do processo civilizatrio desencadeado
pelo ocidente desde o sculo XVI, primeiro movimento de globalizao dessa cultura
humanista crist.
Longe dessa vertente do pessimismo, autores como Jean Paul Sartre e Edgar
Morin questionaram paradigmas cientficos utilizando outros tipos de argumentao. Sartre,
na perspectiva do existencialismo marxista, realiza estudos mais abrangentes da sociedade,
considerando aspectos materiais, sociais e espirituais do ser humano e do mundo em que
viveu. Incorporando conceitos das teorias marxista, existencialista crist e psicanaltica, o
autor supera uma das crticas mais recorrentes ao marxismo vulgar, por seu vis paralisantedos indivduos, que o lugar do homem na sociedade, a partir da idia da ao humana em
condies historicamente determinadas. Dando nova significao categoria marxista
sujeito histrico, Sartre recorre psicanlise e histria social e individual, elabora a
categoria possvel histrico para, enfatizando as condies do grupo social (famlia e classe)
de que faz parte o sujeito histrico, alm de suas condies materiais e psicolgicas de
existncia, entender a forma como o indivduo, ser social, participa da construo de seu
destino, de sua prpria existncia, de seu lugar no mundo. o possvel histrico de cadahomem, marcando sua singularidade no mundo em que vive. Do existencialismo Sartreano,
repetiu-se insistentemente nas dcadas de cinqenta, sessenta e setenta do sculo passado, a
sentena: O importante no o que a vida fez de voc, mas o que voc permitiu que a vida
fizesse de voc!
Disseminando-se como modismo o corpo terico existencialista adaptado pelo
senso comum, difundiu-se como cultura de uma poca, como forma mais avanada de
vivncia social a nouvele vague, o desfrutar a vida rompendo paradigmas institucionaisconsagrados, como a forma de vida amorosa de pessoas copiando o modelo existencialista do
casal Sartre Simone de Beauvoir. Criticados pelo Partido Comunista do qual faziam parte,
Lucien Goldman, Garaudy e Sartre, tanto quanto Camus, representaram a filosofia de uma
poca, a atitude diante do mundo do ps-guerra, o enfrentamento com o estabelecido,
modelando uma viso crtica da juventude contra antigas instituies, como a estrutura
universitria. Infelizmente foram estudados de forma superficial, com pouco aprofundamento
terico pelas multides de jovens que se deslocavam entre festivais, passeatas, slogans tipo
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proibido proibir, busca de uma aldeia global (inspirados no idelogo da comunicao, o
socilogo canadense Marshall McLuhan), mal interpretado por grupos que, em lugar de
entender suas reflexes sobre o papel das tecnologias da comunicao encurtando distncias
entre diferentes localidades do mundo, transformaram-no num profeta do retorno aldeia, a
formas de convivncia natural, idealizadas e postas em prtica nas aldeias alternativas dos
hippies. Num debate acirrado de uma assemblia estudantil na Faculdade Nacional de
Filosofia, em finais dos anos sessenta, um exaltado orador anunciava tempos em que o mundo
todo se comunicaria num s idioma, com um s governo, na aldeia global. Ctica, perguntei-
lhe: Falando qual idioma, e com que cacique, cara-plida?
As transformaes se impuseram aceleradamente no mundo do trabalho, nas
relaes internacionais e nos sistemas produtivos com o avano do capitalismo financeiro,culminando, na dcada de oitenta, com o anncio da globalizao, entendida como produto da
Revoluo da Ciberntica.
Atingindo a maturidade e se aproximando de um sculo de experincia vivida,
Strauss apresenta o sonho utpico de uma Sociedade Tecnotrnica onde se faria o progresso
sem explorao do homem e sem escravido. Projetando um futuro radiante, o filsofo
antroplogo concebe uma estrutura social harmoniosa, com a nova tecnologia a servio da
sabedoria.Situando cronologicamente a ps-modernidade nas manifestaes, lutas,
sonhos e desacertos da gerao 68, muitos autores citam como tipicidades do pensamento
atual o surgimento exacerbado de categorias que se autodenominam ps: ps-moderno, ps-
graduado, ps, ps..., mas principalmente um relativismo generalizado, uma insatisfao de
origem coletiva, com propostas de sadas individuais.
Tomando-se como centralidade um tema grato aos discursos humanistas e do
cristianismo, chama ateno a perda de importncia da categoria justia. Como afirmaBaudrillar, nesta cultura da simulao funde-se o real com o imaginrio, resultando desta
operao a cultura do simulacro conhecido como o hiper-real.
Exemplo da secundarizao da justia no mundo contemporneo registra-se no
sistema organizacional do governo do Estado do Rio de Janeiro: numa concepo
administrativa dos problemas da sociedade fluminense no explicada populao, foram
eliminadas a Secretaria de Justia e a Secretaria de Direitos Humanos, criou-se a Secretaria de
Segurana e, em nome da cidadania, surgiu a Secretaria de Assistncia Social e Direitos
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Humanos, desaparecendo a categoria justia de qualquer nvel da dinmica administrativa
da sociedade. como se, eliminando-se a instncia de recurso para exigncia de justia,
desaparecesse da sociedade a injustia, seja no plano da lei, seja no sentimento dos
injustiados. Esse fenmeno de opacidade do real Baudrillar categorizou como simulao
viral, uma indistino entre o certo e o errado, o bem e o mal. Oposies malditas para os
modernos, os neoliberais, que acusam de maniquesmo qualquer reivindicao de
transparncia, procurando agressivamente eliminar as chamadas patrulhas ideolgicas.
Desta maneira, a simulao viral contamina todas as categorias, fenmeno exemplificado pelo
sexo, que est em toda parte. H que se substituir a frustrao advinda da destruio das
utopias (de uma sociedade humana igual e justa), pela satisfao individual dos sentidos,
exigindo-se da humanidade que descubra o prazer do consumo, a realizao de podercomprar tudo que seus instintos e impulsos exigirem como prazer.
No realizadas as utopias, instaura-se o terrorismo de estado, bem representado
pela era Margareth Tatcher- Ronald Regan que, em nome do liberalismo e do estado-mercado,
resgata o princpio do mal, representado pela violenta represso contra trabalhadores,
supresso de seus direitos sociais, gastos astronmicos com polticas de segurana, invaso
de pases e, acima de tudo, o desemprego generalisado em nome do enxugamento e
concentrao das empresas transnacionais, para crescimento dos lucros. Sob o domnio doFMI e do Banco Mundial, o mundo volta fome e insegurana do ps-guerra, cabendo aos
pases chamados emergentes, mais uma vez, a sangria maior de suas foras produtivas, pelo
pagamento da dvida que, pela arbitrria mudana das taxas de juros, se torna impagveis. A
submisso dos pases dominados to aviltante que, reproduzindo o papel dos feitores de
senzala do regime escravista e dos contratadores do imprio que extorquiam impostos da
colnia, os governos eleitos, atravs do supervit primrio, retiram da riqueza produzida
pelo trabalho da nao: primeiro os bilhes de dlares para os credores internacionais,reservando as sobras para o atendimento da populao, ressalvadas os gastos de todas as
instncias da administrao, por onde escorre a sangria da corrupo, facilitada pela m
gesto do ente pblico. Numa cultura de simulacro, a cada nova lei de proteo a uma
categoria social, corresponde uma supresso real de seus direitos. Assim que, junto com a
lei de proteo aos idosos, vem o redutor do salrio dos aposentados e a cobrana de
previdncia dos aposentados. s leis de proteo ao menor, corresponde a diminuio e
malversao das verbas para sade e educao.
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Nesse cenrio de horror, as Cincias Sociais se entregam, predominantemente a
uma relativizao metodolgica de tal profundidade, que terminam por naturalizar fenmenos
como excluso social, tratada como mera categoria de anlise cientfica, esvaziada dos
homens e seu sofrimento decorrente do desemprego com seu rol de iniqidades, abrangendo o
nvel de falta de atendimento de todas as necessidades humanas, inclusive aquelas resolvidas
na Revoluo do Neoltico, como moradia, vestimenta e escrita. Porm no faltam ao debate
dos paradigmas de nossa poca, vozes como Zigmunt Baumer, Edgar Morin, Perry Anderson,
James Petra e outros autores que fazem do instrumental terico das Cincias Sociais
instrumentos de luta pelo equilbrio dos direitos sociais para todos, condenao da
irracionalidade do mercado que, transformando em mercadoria lucrativa todos os bens da
natureza e da produo humana, torna-se um atentado dignidade humana. Na lgica domercado, apenas aqueles que podem comprar tm direito vida, o que vale dizer que os
critrios do lucro so a lei que rege os ndices demogrficos do planeta, inclusive
estabelecendo polticas populacionais como esterilizaes em massa em regies de pobreza,
como ndia, Amrica Latina e frica.
Comemorando-se em 2009 os setenta anos da criao de cursos de Cincias
Sociais na Universidade do Brasil- atual UFRJ, setenta e seis anos na USP e setenta e cinco na
UDF - Universidade do Distrito Federal, resgata-se a importncia de muitos intelectuaisbrasileiros que, no sculo XX, lutando pela criao de Universidades no pas, com nfase para
os cursos de Cincias Humanas e Sociais, contriburam para o debate internacional sobre os
paradigmas da cincia e da sociedade de seu tempo. O pioneirismo desses intelectuais aparece
na discusso de temas como racismo e fome, alm de ruptura de paradigmas cientficos como
as explicaes biologizantes do sculo XIX, retomadas na dcada de trinta com a ascenso do
nazi-fascismo na Europa.
Neste ano de 2008 comemora-se o centenrio do mdico, gegrafo, socilogo,antroplogo e escritor Josu de Castro, o pesquisador que, a partir de estudos sobre as
condies alimentares de trabalhadores em Pernambuco- seu lugar de nascimento desenvolve
instrumental terico metodolgico que o leva a denunciar a insustentabilidade de paradigmas
cientficos, difundidos pela cultura letrada de sua poca, que tratavam a fome como um
fenmeno natural, produzido por catstrofes da natureza. Empregando saberes adquiridos nas
diferentes formaes tericas das profisses que exerceu, esse intelectual projetou-se
internacionalmente como o maior especialista no tema da fome, com a publicao do Livro
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Geografia da Fome, em 1946. As Cincias Sociais se tinham institudo no Brasil h vinte e
dois anos, e j introduziam novos paradigmas no pensamento cientfico. Traduzido em trinta e
quatro idiomas, o livro se transforma em best seller cientfico, reeditado aceleradamente em
todo o mundo, estudado nos cursos de medicina, geografia, poltica, sociologia e antropologia,
alm de se tornar leitura obrigatria de intelectuais em todo o mundo. Em seqncia, ampliou
os estudos, publicando Geopoltica da Fome e vrios livros como Homens e Caranguejos,
pelos quais recebeu prmios literrios. Pondo o conhecimento a servio da humanidade, Josu
de Castro criou o Instituto de Nutrio da Universidade do Brasil, foi Catedrtico de
Geografia Humana na U B, participou da criao da lei do salrio mnimo e como deputado
federal criou o projeto dos restaurantes populares, dos restaurantes universitrios e para
secundaristas, alm da obrigatoriedade da merenda escolar. Por duas vezes foi presidente daFAO, primeiro rgo efetivo criado pela ONU, para o combate fome .Nos debates sobre o
desenvolvimento brasileiro na dcada de cinqenta, lutou pela reforma agrria seguida de
escolarizao das populaes camponesas, a partir da fixao do homem no campo. Cassado
pelo golpe de 1964 viveu como professor em universidades europias falecendo no exlio em
Paris, em 1973.
Arthur Ramos, mdico, antroplogo, psiquiatra, pesquisador e pedagogo, foi o
primeiro catedrtico de Antropologia da Universidade do Brasil, a partir de 1939, tendoministrado a cadeira de Psicologia Social na UDF em 1935, sendo o criador dessa disciplina
no pas. Grande estudioso do negro no Brasil e nas Amricas, desde 1934 publicou livros e
artigos sobre o tema, dando importante contribuio s Cincias Sociais em seu tempo,
dialogando com os principais estudiosos do tema em todo o mundo. Recebendo intelectuais
de vrios pases, generosamente deu-lhes acesso a suas pesquisas, organizou um museu
particular sobre arte negra, alm de publicar quase quatrocentos ttulos, numa curta existncia
de quarenta e seis anos de idade. No campo das cincias da sade escreveu importantes obrassobre Psicanlise, correspondeu-se com Freud e os mais importantes intelectuais de seu
tempo, sendo o introdutor da psicanlise infantil na Bahia. Tambm publicou o primeiro livro
sobre Jung no Brasil, comparando seu mtodo de tratamento das neuroses e psicoses, com os
trabalhos de Freud e Adler. Participou, com Ansio Teixeira, da modernizao da rede pblica
de ensino do Distrito Federal, a partir de 1933. Distinguiu-se pelo resgate e reviso crtica da
obra de Nina Rodrigues, denunciando os paradigmas das explicaes biologizantes das teorias
racistas, optando, em consonncia com Franz Boas, pelas teorias culturalistas. Combatendo o
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racismo, participou de muitas associaes de negros, lanou em 1935 o primeiro Manifesto
Contra o Racismo, em 1942 criou a Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia-SBAE,
exercendo intensa militncia nas denncias contra o nazi-fascismo, em associao com a
UNE, os sindicatos e intelectuais que se engajaram nessa luta, no mundo inteiro. No ps-
guerra, denunciando a carreira armamentista da guerra fria, alia-se corrente pacifista
articulada em todo o mundo, na tentativa de se criar uma nova cultura expurgada dos germens
da destruio, posteriormente tema dos debates j apresentados neste artigo. Sua importncia
no campo das cincias, tanto quanto o posicionamento a respeito da aplicao do
conhecimento para a melhoria da condio humana, explicam o convite que lhe formulado
pelo presidente da UNESCO, para ser o primeiro Diretor efetivo do Departamento de
Cincias Sociais daquele rgo. Concebendo a Antropologia como a cincia que aborda ohomem em todas as perspectivas, do biolgico, cultural, psicolgico, a todos os nveis do
social, Ramos prope o conhecimento antropolgico como a cincia integral do homem,
recorrendo a todos os ramos do conhecimento, trabalhando a idia de Antropologia Aplicada.
Chegando a Paris em agosto de 1949, Arthur Ramos se entrega freneticamente
organizao do Departamento, trabalhando com seus companheiros de misso: Bertrand
Russel, Jean Piaget, Maria Montessori e Julien Huxley, sob a presidncia do intelectual Jaime
Torres Bodet, responsvel pela grande reforma da educao no Mxico. Como primeira providncia, Ramos se corresponde com intelectuais brasileiros, objetivando integrar as
Cincias Sociais aqui nascentes, no movimentado debate cientfico sobre o papel da UNESCO
e das cincias na reconstruo do mundo estilhaado do ps-guerra. Ao mesmo iempo
providencia a organizao do Boletim, onde publica o artigo A Questo Racial e o Mundo
Democrtico, defendendo um mundo sem preconceito racial, analfabetismo, fome, fbricas
de armas, dominao econmica de pases e corrupo poltica, paradigmas que norteariam a
construo de uma nova sociedade.Por sua posio central no mundo da cincia, das artes e da cultura, um
intelectual brasileiro, a partir da atuao da UNESCO, estava participando da elaborao de
novos paradigmas da cincia, colaborando para a reestruturao da cultura ocidental,
perseguindo o sonho utpico do conhecimento a servio do homem. No ltimo dia de outubro
de 1949 um enfarte fulminante retira Arthur Ramos da arena poltica e intelectual, sem que
tivesse podido consolidar o paradigma cientfico da interdisciplinaridade, j enunciado em sua
concepo de Antropologia como a cincia integral do homem.
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Cabe a Edgar Morin, intelectual atuante neste incio do sculo XXI, a
sistematizao do conceito de pensamento complexo como o paradigma cientfico das
Cincias Sociais contemporaneamente. Outro avano cientfico realizado por Morin, alm das
teorias sobre a cultura de massa no sculo XX, foi a ampliao do conceito de espcie humana
como homo sapiens sapiens , tradicionalmente aceito, decorrente da incorporao do
demens categoria, realizada por esse pensador. Constitui-se verdadeira revoluo de
paradigmas a concepo da espcie como homo sapiens sapiens demens. Dessa concepo,
que anula o mito da superioridade e do distanciamento da cincia no processo do
conhecimento, decorre a retomada de questionamentos j feitos por Steiner: qual a autonomia
do conhecimento cientfico? possvel desenvolver-se um conhecimento que se justifica por
seus prprios postulados? Para que serve esse conhecimento? No livro Cincia comConscincia, Morin investe contra a auto-avaliao da cincia, que deve responder aos
questionamentos da sociedade: Para que serve? Que benefcio traz para a humanidade
enquanto espcie? Para quem feita? A quem beneficia? Por que o desenvolvimento
acelerado das tecnologias da morte?
Transbordando do campo das cincias, essas indagaes inquietam a
humanidade acuada pelos custos da lgica belicista que impulsiona as polticas de segurana,
alimentadoras das tecnologias da morte. Aguando o clima do mal estar da civilizao, asestratgias de guerra preventiva e eliminao do terrorismo da era Busch produzem a cultura
do medo e a inverso de todos os valores, quando os oramentos do governo suprimem gastos
com o atendimento de sade, educao, moradia, previdncia social, enfim todas as aes
necessrias ao bem estar de grandes contingentes humanos vitimados pela misria.
Paradoxalmente, no pas mais rico do mundo, Estados Unidos da Amrica do Norte, conta em
seus relatrios escondidos pelas agncias de propaganda, com trinta e cinco milhes de
pessoas abaixo da linha pobreza. Uma pergunta que se impe se esse nmero estcontabilizado pela ONU, quando anuncia que dois teros da humanidade esto submetidos
violncia da fome.
Como se vivssemos um enredo de fico cientfica, no mesmo momento
histrico em que as Cincias Sociais recolhem esses dados sobre a ao dos sistemas
econmicos e polticos da administrao da sociedade humana, os desastres ecolgicos
parecem a denncia e a condenao dos quinze sculos de administrao da natureza pela
racionalidade dos produtores da cultura tecnologicamente mais avanada da histria.
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