7/24/2019 As construes discursivas de uma Pelotas imaginada
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I Seminrio de Estudos Literrios Pelotas: da formao contemporaneidadeISSN 2359-2478
As construes discursivas
de uma Pelotas imaginada
Resumo: Dentro da perspectiva de umaLingustica Aplicada Indisciplinar e Crtica,este estudo pretende refletir sobre a maneiracomo os discursos, como prticas designificao, constituem o imaginrio coletivoda cidade de Pelotas, de cidades imaginadasque ultrapassam a fico e passam a ocupar,a partir da identificao cultural, a imagemque as pessoas tm da cidade e de si
mesmas. A fim de desenvolver esta reflexo eexplicitar esse processo, so analisadosalguns dos discursos que concorreram para aformao e para a emergncia de identidadespara a cidade de Pelotas.
Palavras-chave: Pelotas. Discursos. Cultura.Identidades.
Simone Xavier Moreira
Mestre em Histria da Literatura pelaUniversidade Federal do Rio Grande
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Consideraes inicias
Considerada um polo econmico e cultural na segunda
metade do sculo XIX, Pelotas preserva em seu cenrio urbano os
registros de tempos de opulncia e cultura. H muita histriaespalhada pelas ruas, praas, fachadas dos prdios histricos e
monumentos, no entanto, a maior parte da populao, na pressa
do dia a dia, provavelmente nunca tenha refletido sobre a relao
existente entre sua vida particular e os acontecimentos da cidade.
Mesmo passados mais de um sculo deste perodo de apogeu, ainda
impera entre os mais destacados historiadores, entre
pesquisadores e escritores, uma viso positivista do passado, que
perpetua a imagem de Pelotas como a capital cultural do Rio
Grande.
No obstante, algumas vertentes crticas propem outros
pontos de vista para a compreenso da histria de Pelotas e
questionam, por exemplo, a representao do passado construda e
consolidada a partir do culto a valores relacionados a uma
estrutura social tradicional e permeada por desigualdades.
Esse modelo identitrio, assumido por grande parcela da
populao pelotense em diversas ocasies, incentivado pelopoder pblico, pela academia, pela mdia local, pelas instituies
culturais, entre outros. Porm, no possvel afirmar que essa
identidade seja um produto imposto por um grupo ou indivduo,
mas sim que, aps ser registrada em livros e materiais didticos,
ser ensinada nas escolas do municpio, ser propagada pela mdia
insistentemente, a histria contada construda a partir das
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lembranas de algumas pessoas, em geral, membros da elite
econmica, poltica e cultural da cidade passou a fazer parte do
senso comum. assim que escutamos a Histria de Pelotas,
assim que a contamos.Para elucidar tais inferncias e propor uma reflexo acerca
da responsabilidade dos agentes envolvidos com a educao,
especialmente os linguistas aplicados, e com o objetivo de
compreender quem fala e o que fala, ou seja, pela observao da
posio discursiva e do discurso, buscou-se uma aproximao com
as reflexes de Michel Foucault e Stuart Hall. Este procedimento se
d no intuito de compreender de que forma os discursos, como
prticas de significao, constituem o imaginrio coletivo da
cidade de Pelotas, de cidades imaginadas que ultrapassam a fico
e passam a ocupar, pela identificao cultural, a imagem que as
pessoas tm da cidade e de si mesmas.
1 O poder criador da linguagem
Segundo Alastair Pennycook (1998, p. 29), o que falta
concepo de linguagem a compreenso de que a lngua um
sistema de significao de idias que desempenham um papelcentral no modo como concebemos o mundo e a ns mesmos.
Compreendendo a linguagem deste modo, pode-se inferir que a
partir do poder criador da linguagem que podemos recriar nossas
condies de existncia, imaginar vidas novas, inventar um mundo
diferente, dar existncia a situaes ditas impossveis; e o recurso
necessrio para tanto a palavra que no deve ser compreendida
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como simples forma de registro daquilo que existe, mas como um
instrumento de criao do novo.
Por sua vez, para que seja possvel a interao entre os
membros de uma comunidade lingustica uma cidade, porexemplo necessrio que se convencionem vnculos entre
expresses e contedos. Na perspectiva foucaultiana, esse tipo de
relao pode ser compreendida como o estabelecimento de regras,
as quais regem os jogos de linguagem e so partilhadas pelos
jogadores. As regras so o fator que indica o que ou no
permitido no jogo. Logo, uma produo social, que ao ser
compartilhada, vai constituindo e sendo constituda pelo uso e
pelas convenes sociais (FOUCAULT, 2007).
Segundo o filsofo,
trata-se de determinar as condies de seufuncionamento, de impor aos indivduos que ospronunciam certo nmero de regras e assim de nopermitir que todo mundo tenha acesso a eles.Rarefao, desta vez, dos sujeitos que falam; ningumentrar na ordem do discurso se no satisfizer a certasexigncias ou se no for, de incio, qualificado parafaz-lo (FOUCAULT, 2007, p. 36-37).
A partir dessa perspectiva, torna-se possvel pautar as
questes discursivas acerca da cidade de Pelotas, como
proposies seguindo regras, e inferir que o sujeito que ao seguir
a regra, torna-a portadora de sentido.
A existncia da regra por si s, j um indicativo de que elafaz parte de uma inveno, e como tal, possui um valor atributivo.
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Nesse sentido, percebe-se que algumas questes merecem uma
ateno especial na hora de pensar sobre as possibilidades de
criao e de manuteno de realidades, a partir do uso da
linguagem. Logo, possvel supor que todo movimento narrativotem um objetivo.
Nessa perspectiva, percebe-se que os fragmentos de
micropoderes, de acordo com Foucault (1996), ou jogos de
linguagem, nos termos de Hall (1997), servem como mecanismos
do disciplinamento dos saberes, como ttica para a constituio do
sujeito do discurso. Nesse contexto, diversos mecanismos podem
ser recrutados com a finalidade de tornar coletiva a opinio de
pequenas pores das sociedades, isto , de naturalizar uma forma
de compreender determinados fatos ou at a sociedade como um
todo. Dentre eles, o mais poderoso a linguagem. atravs da
linguagem que os homens constroem e destroem realidades, quedeterminam e que alteram os rumos do mundo; por meio da
linguagem que ideias e perspectivas so expressas e que culturas
so promovidas e se estabelecem.
Branca Falabella Fabrcio (2006, p. 46), em Lingustica
Aplicada como espao de desaprendizagem, afirma que a
linguagem uma prtica social e, ao estud-la, estamos estudando
a sociedade e a cultura das quais ela parte constituinte e
constitutiva (Ibid., p. 49). Nessa perspectiva, a linguagem afeta
questes que operam diretamente na sociedade contempornea e,
portanto, nossas prticas discursivas envolvem escolhas que tm
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impactos diferenciados no mundo social e nele interferem de
formas variadas (Ibid., p. 49).
importante destacar, o enfoque dessa linguista aplicada, a
conscincia da impossibilidade de se obter verdades objetivas einquestionveis, da busca de um real, caracterizada por um
determinismo explicativo que parece ignorar os aspectos
inescapavelmente ideolgicos e polticos envolvidos em sua prpria
forma de teorizar o discurso, o conhecimento e o mundo social
(Ibid., p. 50). Conforme a autora,
a mudana de rumo, longe de se comprometer coma salvao de destitudos ou menos desenvolvidos,v nesses espaos excedentes a possibilidade desurgimento de novas formas de percepo e deorganizao da experincia no comprometidas comlgicas e sentidos histricos viciados (FABRCIO, 2006,p. 51-52).
Outro linguista a partilhar de tais ideias Luiz Paulo da Moita
Lopes. Ele afirma que [no] estamos diante de uma nova verdade,
mas sim de alternativas para a pesquisa em nosso campo, que
refletem vises de mundo, ideologias, valores etc. de seus
proponentes e que, claro, como outras, tm suas limitaes e so
contingentes (MOITA LOPES, 2006, p. 21).
Fabrcio (2006, p. 48), ao refletir sobre a necessidade de uma
reviso das bases epistemolgicas da LA, defende que nossas
prticas discursivas no so neutras, e envolvem escolhas
(intencionais ou no) ideolgicas e polticas, atravessadas por
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relaes de poder, que provocam diferentes efeitos no mundo
social. Tambm, se foi atravs da linguagem que se constituiu
uma cultura que acomoda e aliena, atravs da linguagem uma
mudana poder ser promovida, logo, como indica a autora,
a LA [...] encontra-se em processo de reconstruo,reinventando-se, em termos de regime de no-verdade, i.e., uma forma de vida que, em lugar deinvestir na delimitao de um perfil disciplinarclaramente contornado, passa a apostar no dilogo
transfronteiras (envolvendo diversas reas e diferentesmodos de produo de conhecimento) e a assimilar ametfora da trama como modo de conhecer entendendo que o conhecimento produzido e asverdades a ele atribudas so deste mundo,fabricados pela prpria sociedade que neles se apoia(FABRCIO, 2006, p. 52).
Nesse sentido, somam-se a esta reflexo as contribuies de
Pennycook (1998) que, em defesa de uma abordagem crtica em LA
traz para o debate o senso de responsabilidade social ao lembrar
uma srie de iniquidades que assolam o mundo inteiro, afirmando
que precisamos ir alm da viso que postula que a poltica
domnio dos estados-nao ou dos lderes polticos e nos perceberdentro de um conjunto de relaes de poder que so globais em
sua essncia (PENNYCOOK, 1998, p. 23). O autor convida a uma
reviso sobre nossas bases culturais e ideolgicas no intuito de
percebermos como elas podem contribuir para a perpetuao das
injustias, j que o aprendizado de lnguas est intimamente
ligada tanto manuteno dessas iniquidades quanto s condies
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que possibilitam mud-las. Logo, dever da LA examinar a base
ideolgica do conhecimento que produzimos (Ibid., 24).
Neste sentido, o pesquisador alerta que enquanto
continuarmos ensinando lnguas de forma trivial, ou seja,objetivando apenas capacitar os alunos para que faam uso
produtivo dos mecanismos de comunicao, estaremos
alimentando o mesmo sistema excludente que molda sujeitos para
os padres da acomodao, que no tero acesso ao poder nem
capacidade de questionamento daquilo que lhes parecer normal.
Ao aceitar determinada questo como normal, estabelecendo
uma associao entre esta, ainda enquanto linguagem, e o mundo,
emerge o poder que normaliza e significa. Ao acrescentarmos
regularidade discursiva a uma proposio, fazemos com que ela
acabe por constituir-se em uma realidade. nesse sentido que vem
sendo alterada a maneira como o conhecimento promovido narea dos estudos da linguagem e do discurso, de forma que a
relao com outras reas, com novas perspectivas tericas e
metodolgicas, faz-se essencial na investida de atender
complexidade do cotidiano contemporneo e heterogeneidade do
sujeito social. Sendo assim, Fabrcio sublinha que
a perspectiva da criao, da multiplicidade dosignificado e da valorizao dos contextos de uso dalinguagem para a compreenso do sentido instigou, narea da LA, o emprego de metodologias de anlise dodiscurso que possibilitam a reflexo sobre essasintersees entre linguagem, cultura, sociedade esubjetividades (FABRCIO, 2006, p. 58).
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Para a autora, esse foco no processo de inveno e de
fabricao permanente do mundo social que nos acorda para a
possibilidade de e responsabilidade por mudanas e construode valores, sentidos e futuros sociais possveis (Ibid., p. 58, grifos
da autora). Nessas condies, fundamental compreender o
sujeito social de maneira indissociada das prticas discursivas que
o constituem com uma posio social, cultural e historicamente
determinada. Lingustica Aplicada (LA) cabe o desafio de buscar
repensar o social e o subjetivo das prticas discursivas por meio
das quais nos constitumos, produzimos sentido e nos relacionamos
no e com o mundo.
Na concepo de Michel Foucault (2008), uma formao
discursiva
um feixe complexo de relaes que funcionam comoregra: ele prescreve o que deve ser correlacionado emuma prtica discursiva, para que esta se refira a tal ouqual objeto, para que empregue tal ou qualenunciao, para que utilize tal conceito, para queorganize tal ou qual estratgia. Definir em sua
individualidade singular um sistema de formao ,assim, caracterizar um discurso ou um grupo deenunciados pela regularidade de uma prtica(FOUCAULT, 2008, p. 82).
Assim, compreendendo o discurso como prtica regrada,
pode-se empreender uma leitura dos documentos oficiais em busca
de regularidades que funcionam como leis, que dispem
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determinados enunciados e deles extrair os significados mais
profundos e at escondidos, os quais permitem compreender o
como as iniquidades referidas por Pennycook (1998) so
perpetuadas em nossas prticas cotidianas enquanto sujeitos, masespecialmente, enquanto professores, a partir do disciplinamento.
A disciplina, como afirma Foucault (2007, p. 36), " um princpio
de controle da produo do discurso. Ela lhe fixa os limites pelo
jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualizao
permanente das regras".
Partindo dessa compreenso, diversos so os fatores que
devem ser considerados. Stuart Hall (1997) desenvolve uma
reflexo a respeito da aproximao entre a subjetividade e a
objetividade, quando se trata da questo cultural. Para o terico,
nossas identidades so construdas culturalmente, na linguagem e
pela mesma, assim no mais possvel falar em uma identidadefixa j que o ser humano est em constante processo de formao,
o que coloca as identidades em uma perspectiva fragmentada,
sendo multiplamente construdas ao longo de discursos, prticas e
posies que se cruzam e at podem ser antagnicas (HALL, 2000,
p. 37). Neste contexto, no so s as definies pessoais que nos
constituem, mas principalmente a relao que estabelecem com os
aspectos objetivos presentes nas aes e nas estruturas sociais
contextualizadas em um determinado tempo e lugar.
Ao desenvolver sua teoria sobre a virada cultural, Hall
afirma que ela est intimamente ligada a esta nova atitude em
relao linguagem, pois a cultura no nada mais do que a soma
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de diferentes sistemas de classificao e diferentes formaes
discursivas as quais a lngua recorre a fim de dar significado s
coisas (HALL, 2000, p. 9). Nesse sentido, compreendendo a
cultura como um elemento regulador e a linguagem como criadorada realidade, torna-se indispensvel trazer para a Lingustica
Aplicada a reflexo acerca dos mecanismos atravs dos quais
culturas so impostas e desigualdades so perpetuadas.
2 A criao de Pelotas
Segundo Sandra Pesavento,
[u]ma cidade possui seus mitos, suas lendas, suashistrias extraordinrias, transmitidas de boca emboca, de gerao em gerao, atravs da oralidade. Ahistria de uma cidade tambm o ouvir dizer, orelato memorialstico que se apoia no s nalembrana pessoal de quem evoca, mas tambmnaquilo que foi contado um dia por algum cujo nomeningum mais sabe. (PESAVENTO, 2007, online)
Dessa forma, elementos pertencentes cultura popular e s
tradies acabam fundindo-se aos fatos histricos, ou seja, a
Histria vai sendo construda mais a partir dos relatos de memrias
e de testemunhos do que de fontes documentais. Em muitos casos,
na ausncia de elementos que deem corpo histria, as lendas e
mitos populares pertencentes ao imaginrio passam a ocupar a
narrativa.
Nesse processo, no so os personagens comuns, os
representantes das diversas categorias do povo que preenchem as
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pginas dos livros de Histria, mas sujeitos sustentados por uma
rede complexa e intrincada de conexes dentro de um solo
histrico, econmico, poltico e sociocultural (FABRCIO, 2006,
p.55). A linguista Branca Fabrcio, ao refletir sobre essas relaes,comenta que
vistas pelas lentes foucaultianas, as instituies e asdiferentes reas de conhecimento exercem poder namedida em que so construtoras e divulgadoras dediscursos e verdades, criando fatos e instaurando
realidades e possibilidades de exigir e agir.Contribuem, assim, ativamente para a constituio davida social e para a gerao de sistemas de redes deforas interdependentes. Essas redes, encontrando-seem relao de co-pertinncia, produzem um domnioinstvel, flexvel e reconfigurvel, de acordo comcontextos e momentos histricos especficos(FABRCIO, 2006, p. 55).
No trecho a seguir, retirado do prefcio da segunda edio
de A Cidade de Pelotas (1922), obra encomendada pela
intendncia municipal por razo da comemorao do primeiro
centenrio da cidade, possvel perceber alguns dos critrios
estabelecidos para a definio do perfil de quem poderia escrevera histria do municpio.
E muito bem inspirada andou a nossa municipalidadeao entregar to ingente tarefa a um pelotense ilustrepor todos os ttulos, consagrado homem de letras,socilogo, pensador, estudioso da histria ptria e
apaixonado pesquisador do passado destes rinces dePelotas Fernando Lus Osorio (filho).
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Neto de Osorio o Legendrio e filho do MinistroFernando Lus Osorio, nasceu Fernando Osorio em1886. Formou-se com distino em Direito, naFaculdade Livre de Cincias Jurdicas e Sociais do Rio
de Janeiro, em 1910 (LOPES, 1962 In: OSRIO, 1997, p.9).
Como se pode perceber, a tarefa delegada a um tipo de
indivduo do qual destacam-se a cultura, a instruo, a riqueza e a
influncia e, consequentemente, essas caractersticas so
compreendidas pelo leitor como um ideal, como fatoresindispensveis para o cumprimento da referida incumbncia. Logo,
sendo um verdadeiro representante da elite intelectual pelotense,
membro de uma famlia ilustre e tradicional, Fernando Osrio, de
seu ponto de vista, disps as informaes s quais teve acesso,
organizando-as de forma a destacar a superioridade do povo de
Pelotas, que ainda se encontrava envolvido pelos despojos dos
tempos de glria.
Segundo Branca Fabrcio (2006), percebe-se a relevncia de
empreender esforos para situar scio historicamente as prticas
discursivas e associ-las s suas condies de produo, circulao
e interpretao (FABRCIO, 2006, p. 49). Se como afirma Fabrcio,em clara referncia ao pensamento de Michel Foucault, o discurso
sobre as coisas que cria as coisas em si (FABRCIO, 2006, p. 54),
e compreendendo que qualquer critrio de atribuio de sentido
existncia de coisas, eventos e experincias ocorre
necessariamente no mbito lingustico-semntico (FABRCIO,
2006, p. 50), pode-se considerar essencial a investigao dos
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mecanismos que do base e sustentao criao de outras
realidades atravs do discurso. Nesse sentido, Fabrcio destaca a
importncia de refletir e de discutir tais questes no para
encontrar correspondncias, mas para entender de onde viemos ede qual patamar movimentamos saberes e articulamos o novo
(FABRCIO, 2006, p. 46).
Tomando por base o caso da cidade de Pelotas, sabe-se que
esta se forma a partir da explorao da mo de obra escrava e da
atividade agropastoril. Tem um pice econmico na segunda
metade do sculo XIX que lhe oportuniza enviar jovens para
importantes universidades da poca inicialmente para Coimbra,
depois So Paulo, Frana, Rio de Janeiro, entre outros e, logo,
ganha statusde polo cultural, por seus costumes importados, pela
influncia que sofreu da Europa.
Porm, via documento, o que se comprova a emergnciaeconmica, o crescimento e a expanso da cidade em termos
financeiros. Factualmente, o que temos so indcios de um
equilbrio entre os avanos da cidade diante das demais
localidades de porte semelhante, naquele perodo.
Citando outro exemplo, em 1849, os pelotenses foram
parabenizados pelo correspondente do Dirio do Rio Grande, por
no terem desejado publicar um peridico qualquer. Fernando
Osrio (1997, p. 362), ao comentar essa informao, relaciona-a ao
que ele chama de exemplo, pouco animador, do jornalismo
dissolvente da cidade vizinha. Realmente, o primeiro jornal de
Rio Grande (a cidade vizinha) havia encerrado as atividades h
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poucos anos, mas desde 1846 os rio-grandinos j publicavam o Eco
do Sul, que assim como o primeiro, O Noticiador(1832-1836), era
amplamente utilizado pelos pelotenses para publicao de atas,
notas fnebres, anncios comerciais, entre outros. Sendo assim, no mnimo vlido pensar que as rivalidades existentes nesse
perodo entre as duas cidades podem ter influenciado na opinio
explicitada e que o fato de s em 1851, com a publicao do
Pelotense, a cidade de Pelotas chegar era da imprensa, pode ser
considerado um atraso.
Outro aspecto interessante na histria da cidade, que pode
ser encontrada na grande maioria dos relatos a respeito da
fundao da freguesia de So Francisco de Paula (LOPES, 1912;
OSRIO, 1997; MAGALHES, 1993, dentre outros), que foi Pinto
Martins, um portugus vindo do Cear, que trouxe para a regio a
tcnica do charqueamento, embora essa verso no sejafundamentada em documentos e, ao contrrio; existam provas de
que Pinto Martins no esteve na regio no perodo indicado 1780
e, principalmente, que existem registros muito anteriores do
salgamento de carne na regio (MONQUELAT; MARCOLLA, 2012).
Existem pesquisas recentes indicando a predominncia da
atividade agropastoril no perodo das charqueadas (Ibid., 2012);
h, ainda, diversos estudos que reivindicam a participao dos
negros, junto aos portugueses, na constituio de Pelotas como a
Cidade do Doce (KOSBY; RIETH, 2008). Diante desses relatos e de
tantos outros que constituem uma histria da cidade de Pelotas,
possvel perceber a forte presena dos mitos e das lendas que
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foram compondo o imaginrio dos pelotenses e, na falta de
documentos histricos, foram dando corpo Histria de Pelotas.
Somando-se a tais questes a escassez de espaos pblicos de
sociabilidade, o tratamento dado ao patrimnio pblico (visto aspraas mal cuidadas, as epidemias frequentes devido falta de
saneamento e a poluio irreversvel do Arroio Santa Brbara), a
demora com que foi fundado o Gabinete de Leitura e do
surgimento de escritores locais, pode-se perceber que foram
manifestaes esparsas as que constituram a vida cultural da
cidade, no sculo XIX. Porm, ainda no incio do sculo XX, j
envolta por uma aura de Capital Cultural e integrando o
movimento em prol da construo de uma identidade nacional,
preocupao latente na historiografia da poca, os escritores
pelotenses e demais incentivadores da cultura, atravs da
valorizao exacerbada da cor local, resgatando termos e imagensque contriburam para a concepo de uma Pelotas com atributos
de princesa, consolidaram os elementos que dariam base para uma
cultura ainda perpetuada.
Consideraes finaisDiversos termos emergiram na linguagem das artes para
designar uma imagem capaz de, em alguns casos, retratar a
cidade e, em outros, criar uma cidade ficcional, tais como Princesa
do Sul, Atenas do Sul, Atenas do Rio Grande, Flor do Sal, Tapera e
Satolep. Alm de termos oriundos do marketing como Capital
Cultural e Cidade do Doce. Ao se tornarem representativas de
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culturas, essas expresses passam a influenciar diretamente a vida
social e, tendo em vista a perspectiva de uma Lingustica Aplicada
Crtica, no podem passar ao longe das reflexes desta rea.
Segundo Pennycook,
Se ensinarmos, tendo por meta a competnciacomunicativa, e no explorarmos como o uso dalinguagem foi historicamente construdo em torno dasquestes de poder e de dominao, ou como, nos seususos cotidianos, a linguagem est sempre envolvida emquestes de poder, estaremos, uma vez mais,desenvolvendo uma prtica de ensino que tem mais aver com acomodao do que com acesso ao poder(PENNYCOOK, 1998, p. 31).
Nesse contexto, este trabalho sem perder de vista a
especificidade de seu objeto de investigao, qual seja, o estudo
de prticas especficas de uso da linguagem em contextos
especficos (SIGNORINI, 1998, p. 101), buscou apropriar-se de
metodologias e de prticas interdisciplinares para problematizar o
uso da linguagem em contextos mltiplos, tornando patente que
apenas teorias lingusticas no so suficientes para descrever e
interpretar os enunciados nas prticas discursivas contemporneas.
Logo, compreende-se que a
LA precisa dialogar com as teorias que tm levado auma profunda reconsiderao dos modos de produzirconhecimento em cincias sociais (cf. Signorini,1998b), na tentativa de compreender nossos tempos ede abrir espao para vises alternativas ou para ouvir
outras vozes que possam revigorar nossa vida social ouv-la compreendida por outras histrias. Isso parece
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ser imperioso em uma rea aplicada, que, em ltimaanlise, quer intervir na ou falar prtica social(FABRCIO, 2006, p. 23).
Percebe-se, portanto, a importncia de refletir sobre oslimites que separam a fico da realidade e os efeitos de uma
possvel confuso entre as duas. A partir de determinados
suportes, uma realidade pode ser criada e difundida, no entanto,
esses processos tm consequncias diretas na sociedade. O
enfoque dado a certas histrias ou verses de uma histria pode
ser determinante para a maneira como essa histria ser
assimilada pelas pessoas. Tendo em vista a perspectiva assumida,
algumas ideias podem ser reforadas e outras esquecidas.
Todavia, no se pretende, com este estudo, criticar ou
questionar a autoimagem dos pelotenses, sua maneira de
compreender a cidade como guardi de uma histria que merece
ser preservada, uma capital cultural merecedora do status de
Princesa do Sul, visto que essa perspectiva vlida e verdadeira
como representao de uma cultura. Segundo Hall (1997), a
identificao cultural entre os indivduos se d de forma subjetiva
e, embora estes possam no se sentir completamente identificadascom uma perspectiva seja de uma Pelotas culta e imponente,
seja de uma Pelotas que vive de memria e ostentao ou tantas
outras existentes acabam sentindo-se atrados por e acomodando-
se a uma delas, j que estas perspectivas so constitudas de
sentido por determinados fatores histricos ou que fazem parte da
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atual situao, no caso deste estudo, da cidade e do imaginrio
dos pelotenses.
O que se pretende, ento, relativizar essas representaes
da cidade, agregar reflexes que busquem dar conta dasconsequncias das mesmas, j que h, na cidade de Pelotas, uma
matriz cultural que compreende ser Pelotas destacada dos demais
municpios por sua cultura, por sua histria e por sua
superioridade. Logo, h a necessidade de oferecer sociedade
outras representaes do passado e novas linhas de compreenso
que apontem para a urgncia de reflexo, de fundamentao e de
posicionamentos menos categricos.
Deste modo, infere-se que as prticas discursivas vinculadas
educao, e mais especificamente ao ensino de lnguas,
subjetivam os sujeitos envolvidos no processo educativo no sentido
da homogeneizao do saber. As temticas que decorrem do ensinode lnguas so extremamente importantes, pois trata-se de uma
rea ampla e potencialmente rica, capaz de impulsionar o
desenvolvimento do indivduo ou restringir seu campo de
possibilidades. Suas dimenses afetam um campo maior que a
escola, inclusive pelos campos cultural, poltico, social, econmico
e educacional, colocando em pauta as diversas estruturas de poder
que permeiam este processo.
Atravs dessa compreenso, conclui-se que os discursos
produzem identidades, que a cidade como uma arena de disputas
estabelecidas a partir do saber e do poder; que alguns campos do
saber so mais valorizados do que outros; que as identidades so
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construdas socialmente e as verdades so uma construo humana
e podem ser colocadas em suspenso. Por fim, colocar nossas
verdades em suspenso no significa o demrito das mesmas, mas a
atitude reflexiva de questionar os fatos, que exigem uma teoria;e que essa teoria no pode ser elaborada sem que aparea, em sua
pureza no sinttica, o campo dos fatos dos discursos a partir do
qual so construdas (FOUCAULT, 2008, p. 29).
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