Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
Assistência, Saúde e Sociedade: A Sociedade São Vicente de Paulo.
Ana Paula Magno Pinto
Introdução
Esta comunicação tem como objetivo apresentar o andamento da pesquisa de
doutoramento, sob o título Assistência, Saúde e Sociedade na Zona da Mata mineira
(1895-1930), que analisa as propostas de assistência à pobreza, numa ênfase nas
questões da saúde, da Sociedade São Vicente de Paulo em Minas Gerais, em especial na
Zona da Mata. O recorte temporal se inicia com os primeiros registros nas atas das
conferências vicentinas da intenção da irmandade de construir um hospital na região,
em 1895, até sua inauguração, em 1939. De forma mais específica, o estudo trata das
alternativas encontradas pela irmandade, em consórcio com as elites locais e o Estado,
para enfrentarem os problemas da pobreza no período em que a economia se encontrava
em transição para o capitalismo e transformava as cidades, trazendo-lhes características
modernas.
As principais fontes de pesquisa são as atas de conferências vicentinas realizadas
nas cidades da Zona da Mata mineira no período delimitado. São utilizadas as fontes
arquivísticas encontradas no Museu Histórico de Rio Pomba, que incluem documentos
relativos ao hospital São Vicente de Paulo, jornais regionais, livros de memorialistas; do
Conselho Central da Sociedade São Vicente de Paulo, localizado na cidade de Ubá, que
incluem os livros de atas das conferências da região, fichas de avaliação de confrades e
consorcias e fichas sobre os assistidos, materiais de catequese e publicações históricas
referentes à Sociedade; da prefeitura da cidade de Rio Pomba são utilizados os
documentos que se referem ao hospital como escrituras do terreno, plantas do edifício,
relação nominal dos vereadores e prefeitos da cidade, com a identificação profissional
de cada um, discursos proferidos na Câmara de vereadores sobre a irmandade e sobre o
hospital; do jornal O imparcial, único jornal local ainda em circulação na cidade, desde
o século XIX, das paróquias de São Manoel do Pomba e São Januário de Ubá, como
correspondências, registros das conferências vicentinas, de eventos realizados para
contribuição para a construção do hospital; arquivos particulares familiares de médicos,
farmacêuticos, membros da elite local e de vicentinos, entre outras. Tais fontes
Historiadora, Professora de História, Mestre em Memória Social e Documento pela UNIRIO e
doutoranda em História das Ciências e da Saúde pela FIOCRUZ.
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
permitem traçar o perfil da assistência vicentina na região da Zona da Mata de Minas
Gerais, assinalando as ações de caridade e dos tipos de socorros prestados e possibilitam
a reflexão sobre políticas sociais e de participação do Estado na sociedade beneficente,
no caso, a Sociedade São Vicente de Paulo.
A pesquisa está estruturada em duas partes interligadas, mas distintas. A
primeira parte, dividida em quatro capítulos, trata da confraria e de suas relações na
sociedade local. O primeiro capítulo apresenta a Sociedade São Vicente de Paulo. Tem
como argumento inicial o fato de que a irmandade se encontrava em período de
expansão e encontrou no Brasil condições favoráveis (especialmente o catolicismo) para
sua implantação, inicialmente no Rio de Janeiro e Minas Gerais. O segundo capítulo
trata dos vicentinos na Zona da Mata mineira, pretende discorrer sobre como os
vicentinos se implantaram na região, através de grupos paroquiais e fundando colégios
católicos. O capítulo três analisa a sociedade matense e as relações beneficentes com o
Estado na Primeira República: o que era público e privado na sociedade “familista”
mineira, no período de consolidação do período republicano. São analisadas as relações
entre os vicentinos e moradores da Zona da Mata em relação à assistência: a sociedade
tradicional e suas práticas em contato com as transformações econômicas como o café e
as novas relações com a mão de obra, a chegada da estrada de ferro e os novos
moradores, sem laços de solidariedade, o pauperismo, as novas especialidades
profissionais em processo de afirmação, como médicos e farmacêuticos, a ciência
conquistando espaços sociais, as práticas tradicionais de cura e os vicentinos
conquistando o reconhecimento da população. O quarto capítulo identifica e analisa as
elites em “consórcio”, como os vicentinos mobilizaram as elites católicas para promover
seu projeto de assistência aos pobres, enquanto as elites profissionais se envolviam no
projeto para a conquista de status social e profissional.
A segunda parte da pesquisa se refere à assistência e à saúde no projeto da
irmandade. O capítulo 1 identifica as cidades, o higienismo e a ordem positivista como
valores difundidos e transformadores sociais e arquitetônicos. O capítulo dois tem como
objetivo central a identificação dos novos moradores trazidos pelas novas necessidades
econômicas das cidades, a pobreza presente, a falta de laços de solidariedade e suas
consequências, especialmente em relação à saúde. O terceiro capítulo descreve e analisa
o projeto vicentino de assistência à pobreza, que inclui a fundação de diversas
instituições, como asilos, orfanatos, creches e o hospital, além de ações praticadas nas
visitas semanais aos assistidos, como o auxílio alimentação, aquisição de remédios,
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
entre outros. O quarto capítulo analisa a construção do hospital São Vicente de Paulo,
em Rio Pomba, principal objetivo dos vicentinos desde os primórdios de seus encontros
em conferências e do estabelecimento da irmandade na região, em 1895 e inaugurado
em 1939. Pensado nas mais diversas cidades, os vicentinos inauguraram pequenos
hospitais, mas construíram um maior em Rio Pomba, de acordo com as concepções
médicas vigentes e que atenderia a sociedade em geral e os pobres, em especial.
Estudos recentes sobre a História da Saúde no Brasil identificaram atores que
contribuíram para a conformação da assistência e da saúde no país, como as redes de
instituições filantrópicas. Na Primeira República, a assistência era entendida como um
conjunto de ações praticadas por instituições públicas e privadas, laicas e religiosas, que
não atuavam em campos opostos, mas complementares, em que era atribuído o caráter
público, como os cuidados à infância e à velhice, à maternidade e às doenças. Tais ações
eram praticadas em locais diversos, como hospitais, hospícios, asilos, orfanatos,
maternidades, postos médicos, entre outros (SANGLARD: 2008, p. 2-3).
Parte das reflexões da pesquisa pretende identificar o conceito de assistência nas
ações da confraria Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), período em que o
pauperismo avançava sobre as cidades, mobilizava grupos econômicos, políticos e
caritativos em busca de minimizar seus efeitos.
A Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP) é uma das maiores organizações
católicas da atualidade. Caracteriza-se pelas ações filantrópicas voltadas para minimizar
os efeitos da pobreza e da doença, através da construção de suas “obras unidas”, um
conjunto de instituições caritativas como asilos, orfanatos e hospitais. Refletir sobre o
conceito de assistência nas ações da confraria é o objetivo desta comunicação.
Considerações sobre pobreza e caridade
Os primeiros cristãos não identificaram a pobreza e suas consequências como
flagelo ou desgraça, mas como sinal da salvação, pois Jesus viveu como pobre e
defendeu a humildade (GEREMEK: 1986). Só seriam necessitados de cuidados e de
assistência aqueles que não possuíam condições de viver com autonomia, como os
miseráveis, doentes, crianças e idosos. Os cuidados e a assistência seriam tarefas cristãs,
as “boas obras”.
A doutrina católica apresentou as indulgências como um dos caminhos para a
salvação dos pecados. Os sacramentos (batismo, confissão, entre outros) seriam
responsáveis pela salvação do ato do pecado, mas o mal causado por ele seria reparado
pelas indulgências, as penas temporais. O perdão da pena temporal é chamado
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
“indulgência plena”, as demais formas de perdão são indulgências parciais. Estas são
mensuradas em número de dias. As indulgências foram concedidas pelas autoridades
eclesiásticas no início da Igreja Católica para reduzir as penitências, porque, a busca da
reparação dos pecados e seus males consequentes resultavam em torturas, mutilações e
em vários casos, a morte do pecador cristão.
Na Idade Média, as esmolas eram utilizadas em diversas obras de caridade para
os pobres, como igrejas, hospitais, leprosarias, instituições beneficentes, entre outras.
As ações de caridade, os cuidados e a assistência, seriam ações consequentes dos
pecadores, que buscavam a salvação.
A partir do século XII o crescimento do comércio gerou o abandono do campo e
os compromissos de ajuda mútua entre os camponeses se dissolveram, ocasionando o
aumento do número de pobres e miseráveis nas cidades. A concentração de pessoas nas
cidades em condições precárias contribuiu para os registros de epidemias e da
ampliação da pobreza e das doenças. A Igreja propôs critérios que definiriam os direitos
e deveres dos pobres, sugerindo que a caridade e suas ações assistenciais estivessem
condicionadas ao merecimento do assistido (GEREMEK:1986; VISCARDI: 2011).
Surgiu nas cidades uma nova categoria social, os trabalhadores desempregados ou
“indigentes”, oriundos dos campos, que perdeu sua identidade local ou profissional
(GEREMEK: 1986) e seus laços de solidariedade e ajuda mútua, constituiu num
problema social.
Após as reformas religiosas do século XVI, a pobreza e a caridade deixaram de
ocupar apenas os religiosos para ocuparem também os leigos católicos. Após o
surgimento de instituições religiosas leigas, como as Irmandades, Confrarias e as
Ordens Terceiras, que associavam a fé e o auxílio mútuo, as doações passaram a ser
destinadas a elas, que mantinham as obras de caridade (SANGLARD: 2008), incluindo
os hospitais de assistência aos pobres. Com valores do Renascimento e do Humanismo,
as esmolas, as doações de alimentos ou cuidados aos doentes abandonados ou
perseguidos adquiriram “alto valor espiritual”, disponível apenas aos portadores da
caridade e da compaixão, de ambos os sexos, determinados pelo dom, pela fé e pela
motivação espiritual da salvação (MARTINS: 2011). Os religiosos continuavam a ver
na caridade seletiva uma solução para o problema da pobreza, pois ações de assistência
poderiam preparar os indigentes merecedores para serem reconduzidos à sociedade,
mantendo discriminados ladrões, falsos mendigos, entre outros (VISCARDI, 2011). As
medidas de assistência pelo poder público ocorriam em situações pontuais, como nas
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
epidemias. As iniciativas públicas e privadas para a assistência aos pobres miseráveis,
crianças, doentes e idosos se mantiveram paralelas.
A Revolução Científica e o Iluminismo provocaram novas concepções para a
pobreza europeia no século XVIII, interferindo nas ações de assistência. Sanglard
explica que, em países como a França à ideia de caridade, de origem cristã, foi
adicionada a ideia de filantropia, como ações coletivas particulares leigas de
benemerência, de acordo com os filósofos das “Luzes”, reforçando as ações de
assistência como “utilidade social”, uma virtude dos filantropos, leigos, incluída ao
caráter caritativo, religioso (SANGLARD: 2008). A filantropia seria uma prática de
prevenção da miséria, e não uma forma de suavizá-la. Porém, caridade e filantropia não
eram ideias opostas. Surgiram associações ou sociedades filantrópicas particulares,
laicas ou confessionais, algumas associadas aos valores cristãos da caridade, voltadas
para a amenização da pobreza e da doença.
A industrialização e a urbanização redefiniram os pobres na Europa como
“classes trabalhadoras” e os baixos salários definiriam a pobreza. Geremek
(GEREMEK: 1986) usa o termo “pauperismo”, para designar a condição desta
categoria, que seria o alvo das novas políticas sociais higiênicas, enquanto os incapazes
de sobreviverem de forma autônoma, os pobres ou “indigentes”, continuariam assistidos
pelas iniciativas particulares de caridade e/ou filantropia, leigas e religiosas.
São Vicente de Paulo e a Congregação da Missão
São Vicente de Paulo (1581-1660) foi um sacerdote católico francês filho de
camponeses católicos, canonizado em 1737. Um dos protagonistas da Contrarreforma, a
atuação de Vicente de Paulo como sacerdote foi caracterizada pela dedicação aos
pobres, pela defesa da catequese e do hábito da “confissão” do povo, pelos retiros
espirituais para leigos e sacerdotes e pela fundação das conferências semanais nas
confrarias criadas por ele.
Vicente de Paulo fundou na França inicialmente, em 1612, a Confraria do
Rosário, masculina, para a prática de caridade, especialmente para o apoio de doentes,
que eram visitados diariamente (SSVP do Brasil: 1978). Percebendo as péssimas
condições de trabalho a que eram submetidos os trabalhadores nas cidades,
especialmente os que vinham dos campos, preocupou-se com a evangelização dos
pobres do “interior”. Fundou assim, em 1625, a Congregação da Missão, uma
instituição formada por padres seculares e leigos consagrados (irmãos), que recebeu
reconhecimento do Papa apenas em 1633. Os padres da Congregação da Missão foram
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
chamados “lazaristas”, porque a primeira sede foi nomeada como “Casa de São Lázaro”
e os leigos foram chamados de “irmãos vicentinos”. Fundou também o movimento das
Senhoras Damas de Caridade, feminino, com a orientação de Luísa de Marillac, que
mais tarde estabeleceu a Confraria das Irmãs de Caridade, atuais Filhas da Caridade
(SSVP do Brasil: 1978).
A missão principal da Congregação da Missão era atender aos apelos dos pobres
do interior e arredores das cidades, através de atividades como oração, confissão,
catequese e visita aos doentes. A Congregação foi dissolvida na Revolução Francesa e
reestabelecida em 1816, chegou ao Brasil em 1819, com os missionários portugueses e
franceses, nas províncias de Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Em Minas Gerais, os missionários vicentinos ligados à Congregação Lazarista
fundaram, em 1820, o Colégio Caraça, na cidade de mesmo nome, situado nas
montanhas mineiras. A proposta era formar as elites mineiras e brasileiras, nos valores
da religião católica e do espírito cristão consciente de seu papel na definição dos
destinos da nação. Entre os valores católicos, encontra-se a caridade e a atenção aos
pobres e aos doentes. Lá estudaram os presidentes Arthur Bernardes e Afonso Pena,
entre outros membros das elites mineiras. De acordo com Andrade, o Colégio Caraça
funcionou até 1912 e representou um modus operandi de formação das elites dirigentes
mineiras e brasileiras no período (ANDRADE: 2000).
A Sociedade São Vicente de Paulo e a assistência
As instituições devocionais foram responsáveis pela organização da assistência
aos pobres e doentes no Brasil desde o período colonial e o hospital representava a
caridade cristã, para abrigar doentes ou peregrinos. Sob a influência de São Vicente de
Paulo, a SSVP foi criada em 1883 em Paris pelo jovem Antoine Frédéric Ozanam
(1813-1853), aos vinte anos de idade, em conjunto com outros cinco universitários
católicos, como Conferência da Caridade e passou a se chamar Sociedade São Vicente
de Paulo em 1835. O grupo defendia a adaptação da Igreja Católica Romana às
condições sociais resultantes da Revolução Francesa. Ozanam foi beatificado em agosto
de 1997. Seu pai era médico e envolvido nos principais movimentos sociais da sua
época (SSVP do Brasil: 1978).
No Brasil, a Sociedade fundou sua primeira conferência em 1872, no Rio de
Janeiro, sob “invocação” de São José. De acordo com o Regulamento da Sociedade São
Vicente de Paulo no Brasil de 10 de janeiro de 1873, documento aprovado e assinado
pelo Bispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda, a Sociedade
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
se fazia presente no Brasil há “poucos meses” tendo o bispo presidido uma de suas
conferências após a primeira assembleia geral (REGULAMENTO DA SOCIEDADE
SÃO VICENTE DE PAULO, 1877: p. vi). Na ocasião, segundo consta no regulamento,
reuniram-se as duas conferências da cidade que já contavam com 60 “sócios”
(confrades). O pedido de aprovação do regulamento foi aceito pelo bispo, que escreve:
“a sociedade é muito conhecida e querida da Egreja de Deos e enriquecida de
indulgências pelos Summos Pontífices de Roma”. O bispo advertiu que o documento
tratava-se de uma reimpressão do regulamento que foi “mostrado e publicado em
Lisboa em 1857”.
A primeira parte do regulamento tem como título “Indulgências”. Nela, há
informações esclarecedoras acerca das reivindicações dos confrades. São cinco itens,
com as informações abaixo:
1 – Quando um membro é incorporado à confraria recebe 30 indulgências,“tendo-se
confessado 40”.
2 – Cada dia que assistirem a sessão ou assembleia da Sociedade, receberão 20 dias
de indulgências, “tendo-se confessado 40”.
3 – Cada dia que visitarem os pobres a seu cargo, receberão 30 dias de indulgências,
“tendo-se confessado 40”.
4 - Por cada dia em que assistirem aos exercícios espirituais ou só festas ou só
missas da sociedade, receberão 20 dias de indulgências, “tendo-se confessado
40”.
5 – Por cada dia que recitarem a oração Gratias agimus tibi ou sua tradução Senhor
nós vos damos graças, receberão 30 dias de indulgências, “tendo-se confessado
40”. (REGULAMENTO DA SOCIEDADE SÃOVICENTE DE PAULO, 1877:
p. 1).
Porém, sobre a assinatura do bispo, há uma advertência, que sugere a ocorrência
de controvérsias entre os membros da Sociedade sobre as indulgências a serem
concedidas pela benemerência praticada:
“concedemos por um título exposto em um dos números precedentes, não poderão
por essa ocasião ganhar por outro título de outro número: e que essas indulgências
concedemos uma só vez por cada dia e não por cada vez que cumprir-se a obra
presente”.
Sob o título de “Reflexões Preliminares”, o documento alertou:
a “Sociedade de São Vicente de Paulo” não deve ter sua origem atribuída a
ninguém, mas a um grupo de mancebos que discutiram os dogmas católicos em
reuniões literárias e acreditaram que além das palavras eram necessárias as obras”.
Ainda nas reflexões preliminares, há explicação acerca da organização
administrativa da confraria, explicando que, ao se tornarem numerosos, dividiram-se em
conferências “que não devem tomar nenhuma outra denominação para que ninguém a
considere como obra do homem, pois tudo é obra de Deus”. As conferências deveriam
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
ser conhecidas pelo nome das paróquias e unidas por cidades, por um conselho
particular. Os diversos conselhos particulares seriam unidos pelo conselho geral.
Outro título do Regulamento possui como título “Os fins da Sociedade”. Nele há
cinco subitens, que são:
1 – Manter seus membros por meio de exemplos e conselhos, na prática da
vida cristã.
2 – Visitar os pobres nos domicílios, dando-lhes consolo em espécie e
conselhos religiosos.
3 – Aplicar a educação religiosa elementar cristã aos membros, mesmo
encarcerados.
4 – Difundir livros morais religiosos.
5 – Prestar-nos a toda obra de caridade que couber nos nossos meios.
Essas finalidades nos sugerem que os membros devam ser letrados, pois
valoriza-se a evangelização e a difusão dos livros, além da caridade prática.
Num outro título do Regulamento, “A Sociedade deve praticar a virtude”, há
cinco enumeradas:
1 – Abnegação de si mesmo.
2 – Prudência cristã: não repelir os pobres cristãos de ambos os sexos –
evitar o escândalo.
3 – Amor ao próximo e zelo da salvação das almas.
4 – Mansidão e humildade, bem aventurado os mansos porque possuirão a
terra.
5 – Fraternidade.
As virtudes vicentinas acima descritas nos remetem às cidades em ordem, com
práticas caridosas e sem escândalos, além da garantia de retorno às ações.
No artigo segundo do Regulamento, há afirmação de que “nenhuma obra de
caridade deveria se considerar estranha à Sociedade”, seus membros deveriam “levar
o consolo aos enfermos e encarcerados, instruir as crianças pobres e prestar socorros
religiosos aos que carecem em relação à morte”.
Os capítulos que se seguem regulam as rotinas das conferências, que deveriam
ser iniciadas pelo presidente ao invocar São Vicente de Paulo recitando uma oração: a
seguir, o presidente deveria fazer uma leitura espiritual de escolha de um membro do
grupo. O secretário deveria fazer a leitura da ata da última sessão e apresentar os novos
sócios. Os membros deveriam se pronunciar. O tesoureiro faria a declaração do fluxo de
caixa e distribuiria os bilhetes aos sócios para que fossem entregues pessoalmente aos
pobres, de acordo com as necessidades pronunciadas e distribuídos às famílias. Todos
deveriam ouvir com benevolência as dificuldades e pedidos de conselhos para seus
comportamentos e deveriam distribuir os conselhos de acordo com a experiência da
caridade. Os pedidos de dinheiro, roupas e livros deveriam ser avaliados pela
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
conferência. Se aprovado, deveriam ser acompanhados de perto seu uso. Não deveria
ser aceita família para ser ajudada sem a aprovação prévia de suas necessidades pela
conferência. Os membros que precisassem se afastar das tarefas deveriam comunicar
previamente ao presidente e a conferência deveria ser finalizada citando a oração de São
Vicente de Paulo.
Adotaram como rotina da SSVP as reuniões para as orações com a invocação do
Espírito Santo e a coleta em dinheiro anônima, pois “o objetivo era menos de
beneficência e mais de moralização e confraternização” (BOLETIM DA SSVP do
Brasil: 1978). Após a conferência, faziam as visitas aos domicílios das famílias pobres
com o intuito de cadastrá-las e oferecer ajuda como os auxílios morais com a catequese
e materiais em forma de “vales”, para descontos com determinados fornecedores de
alimentos e assistência médica.
No Boletim nº 11, de novembro de 1886 da Sociedade de São Vicente de Paulo,
uma publicação mensal do Conselho Superior do Brasil, editado na Typographia
Montenegro, situada no Largo da Mãe do Bispo, com o preço da assinatura fixado em
3$000, há informação de que o papa Leão XIII encaminhou ao seu secretário, F. Della
Volpe, a concessão a todos os membros da Sociedade a “indulgência plena” nos dias de
festa da Imaculada Conceição da Santa Virgem e de São Vicente de Paulo.
De acordo com as atas das conferências do Conselho Central de Ubá, a partir de
1895 a SSVP já estava presente em bairros e cidades da Zona da Mata mineira. Era
composta por membros das elites locais, além de outros membros da sociedade, alguns
ex-alunos do Colégio Caraça. Em relação às ações da confraria, as elites realizaram as
“obras unidas”, instituições de apoio aos pobres “indigentes” e incapazes (crianças,
idosos e doentes). As instituições são orfanatos, asilos, pequenos ambulatórios
hospitalares, alguns com sede própria que mantinham leitos de internação e contavam
com o apoio dos profissionais de saúde católicos locais, especialmente os médicos e
farmacêuticos.
A confraria na Zona da Mata mineira seguiu a organização interna da SSVP
francesa, os valores caritativos e filantrópicos para a benemerência foram associados,
incluindo as doações dos confrades e consorcias, nem sempre registrados em
documentos ou tais registros se encontram preservados em seus acervos, pois as atas das
conferências registram a presença de confrades e consorcias, mas não há arquivos
específicos destes membros. Entre as diversas “obras unidas”, o principal objetivo da
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
confraria matense era a construção de um hospital beneficente, informação contida nas
primeiras atas, de 1895.
Havia uma preocupação no atendimento à saúde das famílias de presidiários e
“indigentes”. O hospital foi mencionado nas atas como uma “necessidade das cidades
modernas” (SSVP: ata da Conferência de 17/07/1895), as quais as elites matenses se
identificavam. Durante a Primeira República foram buscadas as condições para a
construção do hospital, sob diversos contextos. Havia consenso na confraria para a
localização do hospital na cidade de Rio Pomba, próxima a Ubá, Cataguases,
Leopoldina e Juiz de Fora. O Estado colaborou com quantias significativas para a
confraria em ocasiões diversas e convocando os grupos de confrades para atendimento
aos necessitados numa espécie de parceria ou consórcio e de consentimento às ações
vicentinas.
Os profissionais de saúde católicos colaboravam no atendimento nas obras
unidas da SSVP. Assim que as receitas médicas eram emitidas aos “indigentes”, a
confraria as encaminhava às farmácias para a finalidade de ter o medicamento adquirido
pelo “indigente”. Contudo, o Hospital São Vicente de Paulo da cidade de Rio Pomba, o
maior da região da Zona da Mata na Primeira República, iniciou suas atividades como
um pequeno número de ambulatórios mantidos pela confraria e só conseguiu a condição
de hospital após uma doação à confraria de um terreno feita pela prefeitura e da
instalação de uma comissão pró-hospital em Rio Pomba, formada por médicos
católicos, farmacêuticos e a confraria, com o apoio de Estado. Seu funcionamento como
hospital se iniciou em 1932, sob a legislação do governo Vargas, mas foi ampliado e
inaugurado em 1939.
A Zona da Mata mineira na Primeira República
A Zona da Mata mineira se situa na porção sudeste do estado, próxima aos
estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Segundo Chaves, a vida econômica e social
da região foi marcada, desde sua fundação, pela ação da Igreja Católica. Após o declínio
aurífero, a agricultura mercantil de subsistência ganhou maior destaque, num processo
que incluía a reavaliação do trabalho escravo e de base familiar, com produção pecuária
voltada para o mercado interno (CHAVES: 1999). Gomes afirma que esses agricultores
dedicavam-se ao mercado interno e mantinham relações sociais domésticas, que deram
certa identidade ao povo mineiro, incluindo relações entre escravos e senhores
(GOMES, 2005, p. 62).
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
No fim do século XVIII a região da Zona da Mata havia sido aberta à
colonização para locar, entre outros, os desempregados da já decadente região aurífera.
O café trouxe o progresso para a Zona da Mata mineira nos meados do século XIX e
primeiros anos da República. Ramais da Estrada de Ferro Leopoldina foram destinados
aos municípios; a ferrovia nasceu das necessidades de transporte da produção de café
até os portos do litoral. O incremento populacional e o fluxo comercial na Zona da Mata
mineira também trouxeram a pobreza e as doenças epidêmicas foram identificadas,
como a varíola e o cólera.
As profundas diferenças entre as regiões internas de Minas levaram a sociedade
mineira a novas composições, que não transformaram nem renovaram as elites. No final
do século XIX o Brasil favoreceu a imigração, que se dirigiu em grande parte aos
centros de cafeicultura, pecuária e novos mercados urbanos, mas Minas Gerais, com
suas fronteiras internas, teria uma posição geopolítica desfavorável em relação aos
estados do sul e de São Paulo para receber imigrantes, recebendo um fluxo menor em
comparação a São Paulo (GOMES: 2005). Por volta de 1883, vieram para a região
cafeicultora cerca de seis mil escravos para a lavoura. Com a Abolição, a região recebeu
imigrantes italianos, e de outras origens (O IMPARCIAL, 2014).
Wirth abordou a participação das elites mineiras na consolidação da República.
Afirmou que as bases culturais coloniais foram mantidas, desde a mineração. Segundo o
autor, as elites mineiras viajavam menos ao exterior, cultivaram princípios de lealdade e
reciprocidade, o que não favorecia programas políticos de mudanças e possuíam alto
senso de lugar e de família. Diferentemente das elites paulistas, que experimentaram
greves e grupos econômicos intermediários descontentes, chegando a tensões
sociopolíticas associadas à modernização, as elites mineiras eram mais conservadoras,
devido ao crescimento econômico menor e às características culturais locais (WIRTH:
1982). Destaca a importância do catolicismo, que influenciou o desenvolvimento da
ideia de caridade e de filantropia.
Ao analisar a participação de Minas Gerais na consolidação da república no
Brasil, marcado pelas relações entre os interesses políticos locais, Blasenheim ressaltou
a participação das elites da Zona da Mata na composição política republicana em seus
primórdios, nos níveis local, estadual e federal, na criação do PRM (Partido
Republicano Mineiro), importante articulador da chamada “política dos governadores”
(BLASENHEIM: 2013). A associação das elites ao projeto vicentino para a
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
conformação de um sistema de saúde na região é o objetivo central desta pesquisa em
andamento.
Considerações parciais
A Zona da Mata mineira é uma das regiões que se encontrava em plena transição
econômica para o capitalismo, com as novas atividades e relações de trabalho nas
indústrias, portanto, com a formação de uma “classe trabalhadora” em situação de
pauperismo, uma população crescente e desempregada, considerada como “indigentes”,
além da população considerada pobre incapaz, como crianças, idosos e doentes.
A Sociedade São Vicente de Paulo mineira era composta pelas elites católicas
que participavam da vida política da república recente e se mostravam interessadas na
normatização da vida pública, na organização das cidades para o seu progresso,
conforme o lema republicano positivista, com suas ações para o assistencialismo e
práticas de benemerência. Concordavam com as modernas concepções do trabalho
como um valor e com as modernas concepções de pobreza a ser assistida com auxílio
moral e material. O objetivo da assistência era, portanto, reconduzir o pobre ao mundo
do trabalho e manter a organização social.
A preocupação no cuidado com o pauperismo se deve também às modernas
concepções de doenças, como um fenômeno social que atinge a todos e que deve ser
evitada. O hospital era o objetivo principal da confraria, pois era o local de acolhimento
dos necessitados, evitando a ocupação com os doentes pobres nas ruas.
Podemos afirmar que a Sociedade São Vicente de Paulo encontrou na Zona da
Mata mineira um ambiente favorável ao seu estabelecimento e crescimento, devido às
características específicas da sociedade no período: predominantemente católica, com a
economia em transição para o capitalismo.
Referências
SSVP: ata da Conferência de 17/07/1895
ANDRADE, Mariza Guerra de. A educação exilada: Colégio do Caraça. Belo Horizonte: Editora
Autêntica, 2000 (Coleção Historial).
BLASENHEIM, Peter. Uma História Regional da Zona da Mata de Minas Gerais (1870-1906). Tese
de doutoramento desenvolvida na Universidade de Stanford, publicada em inglês em 1982. Tradução de
Maria Domingues Bitarello in LOCUS, revista de história, Juiz de Fora, v.36, n.01, p. 121-161, 2013.
BOLETIM DA SSVP do Brasil, 1886 e 1978.
CHAVES, Bráulio Silva. Instituições de saúde e a ideia de modernidade em Minas Gerais na Primeira
Metade do Século XX. In: MARQUES, Rita de Cássia; SILVEIRA, Anny Jackeline Torres;
FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves (orgs). História da Saúde em Minas Gerais: Instituições e
Patrimônio Arquitetônico (1808-1958). Barueri, SP: Minha Editora, 2011.
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS. Publicação comemorativa do 23º aniversário
do IBGE. 1959, v. 27. Acervo do Arquivo Público Mineiro – Belo Horizonte/MG.
GEREMEK, Bronislaw. A Piedade e a Forca. História da miséria e da caridade na Europa. Lisboa,
Portugal: Terramar, 1986.
MARTINS, Ana Paula Vosne. Gênero e Assistência: considerações histórico-conceituais sobre práticas e
políticas assistenciais in História, Ciências, Saúde – Manguinhos. v.1, n.1 (jul-out.1994). Rio de
Janeiro, Fundação Oswaldo cruz, Casa de Oswaldo Cruz, 2011.
O IMPARCIAL. As migrações e imigrações – Origem de nosso povo. Disponível em <
http://oimparcialriopomba.com.br/noticia/1697/As-migracoes-e-imigracoes-%E2%80 %93-Origem-de-
nosso-povo >. Acessado em 12 jan. 2014.
REGULAMENTO DA SOCIEDADE DE SÃO VICENTE DE PAULO, 1877.
SANGLARD, Gisele. Assistência entre o Liberalismo e o Bem-Estar Social. In: Anais eletrônicos do
XIII Encontro de História da Anpuh-Rio – Identidades, Rio de Janeiro, 2008.
_________________. Entre os salões e o laboratório: Guilherme Guinle, a saúde e a ciência no Rio de
Janeiro, 1920-1940. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2008.
SANTIAGO, Sinval Batista. História do Município de Rio Pomba. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1991.
SOCIEDADE SÃO VICENTE DE PAULO. Atas de conferências 1895-1939.
_____________. Vida de Frederico Ozanam. Rio de Janeiro: Conselho Superior do Brasil da SSVP -
CIA Brasileira de Artes Gráficas, 1978.
VISCARDI, Cáudia. Pobreza e assistência no Rio de Janeiro na Primeira República in História,
Ciências, Saúde – Manguinhos. v.1, n.1 (jul-out.1994). Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo cruz, Casa de
Oswaldo Cruz, 2011.
WIRTH, John D. O Fiel da Balança. Minas Gerais na Federação Brasileira 1889-1937. RJ: Paz e Terra,
1982.
Top Related