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Autores: Sílvia MONTEIRO; Júlio PACHECO, Lúcio MIRANDA e George S. FREIRE
Riscos naturais e planejamento – Casos de Cabo Verde e Moçambique
junho de 2014
RESUMO:
Desequilíbrios impostos pelas relações Ser Humano/Natureza criam fragilidades
que potencializam manifestações de riscos e vulnerabilidade em comunidades urbanas
das cidades da Praia, em Cabo Verde, e da Beira, em Moçambique, cada vez mais
expostas, à medida que crescem desvinculadas de políticas que contemplem o
desenvolvimento integrado dos espaços, por meio do planejamento e do ordenamento
do território. Como base em pensamento geossistemico, articulado com a análise
bibliográfica e documental, análise de dados estatísticos e visitas de campo, tornou-se
possível distinguir as manifestações dos fenômenos e impactos ambientais relativos a
ocupação de áreas de riscos naturais nestas cidades, destacando o planejamento urbano
como resposta eficaz e necessária para a sua gestão.
Palavras-Chave: Riscos naturais; Vulnerabilidade Ambiental; Planejamento; Cabo
Verde; Moçambique.
ABSTRACT
Imbalances imposed by relations Human / Nature creates weaknesses that
leverage manifestations of risk and vulnerability in urban communities in the cities of
Praia in Cape Verde and Beira in Mozambique, increasingly exposed, as they grow
unrelated policies that address the development of integrated spaces, through planning
and land use planning. As a basis for geosystemic thinking articulated the literature
review and documentary analysis of statistical data and field visits it became possible to
distinguish the manifestations of the phenomena and environmental impacts related to
occupation of areas of natural hazards in these towns, highlighting the urban planning
and effective response and necessary for management.
Keywords: Natural hazards; Environmental Vulnerability; Planning, Cape Verde,
Mozambique.
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1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento das sociedades e as relações entre o Ser Humano e a Natureza
sempre foram marcadas por desequilíbrios acentuados, sobretudo no tempo
contemporâneo. Estas observações são referenciadas na teoria dos sistemas
apresentada por Santos (2011, p.19) ao afirmar que “a sociedade, ao se apropriar do
território e dos recursos ambientais, interfere significativamente nos fluxos energéticos
e, consequentemente, na funcionalidade dos sistemas naturais”, desconsiderando as
fragilidades destes sistemas.
Estas intervenções humanas provocaram modificações nos ambientes naturais
promovendo desequilíbrios, que resultaram em problemas ambientais. Observam-se,
tanto na dimensão empírica, como com base na produção científica, em que, de maneira
gradativa e acentuada, o Ser Humano vai ocupando e intervindo em espaços naturais de
grande fragilidade, desencadeando, assim aumento da vulnerabilidade1 das sociedades
diante de fenômenos perigosos, ocasionando, por vezes, perdas consideráveis.
A problemática dos riscos naturais e ambientais2 ao se tornarem cada vez mais
preocupantes desencadeou o interesse de estudiosos e pesquisadores em compreender
melhor ambos os fenômenos e a sua relação com as sociedades.
A literatura consultada sugere o entendimento de que nos países em
desenvolvimento, as manifestações de riscos naturais têm aumentado e afetado
negativamente as sociedades, sendo que esse processo parece não se encontrar
diretamente relacionado com o aumento da magnitude e intensidade dos fenômenos
1 Vulnerabilidade - Grau de perda de um elemento ou conjunto de elementos expostos, em resultado da ocorrência de um processo (ou acção) natural, tecnológico ou misto de determinada severidade (ZÊZERE et al. 2009).
2 Risco natural é entendido como a probabilidade de ocorrência de um fenômeno potencialmente danoso, de origem natural, capaz de pôr em causa a vida humana e/ou as suas atividades e bens (MONTEIRO, 2007). Segundo Zousa e Zanella (2010), a expressão risco natural, apesar da sua forte vinculação com os fenomenos extremos da natureza, deve ser compreendida sob um ponto de vista mais abrangente, remetendo à noção de risco ambiental, em que os riscos passam a ser tratados também como fenómenos sociais, já que atingem populações socialmente vulneraveis.
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perigosos, mas sim, com a crescente vulnerabilidade das sociedades, entre as quais a
ocupação de áreas consideradas de risco3.
Na perspectiva dos estudos e pesquisas produzidos, a crescente vulnerabilidade é
mais preocupante nas áreas urbanas, devido à intensa urbanização (fenômeno que se
verifica em escala global, com mais de 50% da população mundial concentrada nas
cidades4), as quais produzem modificações de forma acelerada nos ambientes naturais,
proporcionando um aumento dos riscos nos territórios respectivos. Assim,
“Quando se investiga o risco ambiental e os impactos negativos decorrentes da sua concretização, fica evidenciado que as cidades de países menos desenvolvidos são mais atingidas, dado o maior grau de vulnerabilidade de suas populações, principalmente as que ocupam áreas com frágeis condições ambientais” (SOUZA e ZANELLA, 2010, p.152).
Por outro lado, os estudos e a percepção da realidade empírica levam à
constatação que, na maioria das cidades dos países em processo de desenvolvimento,
considerando seus problemas intrínsecos, há indicadores de crescimento não
compatíveis com os indicadores de desenvolvimento5.
Todavia, estes problemas podem ser minimizados recorrendo ao planejamento e
ao ordenamento do território, de forma a alcançar um desenvolvimento sustentável que
denote equilíbrio entre o ambiente e a economia, com perspectiva de promover
integração social e cultural, sobretudo com a dimensão intrageracional.
Há necessidade de integrar o conceito de sustentabilidade tanto nas teorias como
nas técnicas de planejamento. Anterior à integração do conceito, as técnicas de
planejamento derivavam de uma visão exclusivamente empresarial e econômica,
baseada numa perspectiva orçamental e tendo em vista os lucros, não permitindo
visualizar necessidades em médio e longo prazo.
3 Área de risco – Áreas susceptíveis de serem afectadas por algum evento perigoso quer seja de origem natural, tecnológica ou mista, consideradas, portanto, impróprias à ocupação humana.
4 Segundo o WWF (2012).
5 Nascimento (2011), diferencia estes dois conceitos, referindo que o crescimento urbano como um processo quantitativo, demográfico e espacial, tratando-se de uma concentração demográfica crescente, enquanto que o desenvolvimento urbano é entendido como um estado superior do crescimento urbano, em que existe um equilíbrio entre o crescimento físico e o uso racional do ambiente natural, o desenvolvimento dos serviços de saúde e a urbanidade dos residentes da cidade.
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Em desenvolvimento sustentável onde se espera controlar, reduzir e evitar riscos
futuros é imperativo uma abordagem de gestão mais ampla, de mais longo prazo e com
perspectiva estratégica.
2. METODOLOGIA
O presente trabalho pretende abordar a problemática dos riscos naturais,
tomando como realidade empírica duas cidades de países localizados na África,
demarcadamente Cabo Verde e Moçambique, apresentando objetivamente alguns
elementos de manifestação de riscos ambientais nas áreas urbanas, especificamente nas
cidades da Praia e da Beira, destacando como o planejamento urbano poderia
corresponder a uma resposta eficaz e necessária para gestão.
Para materialização dos objetivos mencionados foram necessárias análises sobre
inter-relação dos componentes geoambientais, com base em pensamento
geossistêmico, enquanto possibilidade para compreender os fluxos interativos, internos
e externos dos processos atuantes, que resultam da inter-relação dos componentes
geoambientais e das atividades e processos desenvolvidos pelas comunidades em seus
assentamentos.
Nesse campo há um amplo e consistente debate no qual se buscou apoio,
sobretudo em Bertrand (2004), na obra Paisagem e Geografia Física Global. Este autor
conceituou geossistema como um tipo de sistema aberto, hierarquicamente organizado,
que resulta da combinação dinâmica e dialética, portanto instável, de fatores físicos,
biológicos e antrópicos. Para ele, geossistema é a combinação dinâmica que integra
potencial ecológico, representado pela geomorfologia, clima e hidrologia; a exploração
biológica natural que inclui vegetação, solo e fauna, bem como, as atividades antrópicas.
Além das contribuições de Bertrand, simultaneamente desenvolveu-se uma
revisão bibliográfica ampliada sobre o tema, destacando-se contribuições teóricas como
resultado de estudos e pesquisas desenvolvidas por RODRIGUEZ, (2010); SANTOS,
(2011); SOUZA, e ZANELLA, (2010); TAVARES, (2011); ARAÚJO, (2003); WWF, (2012),
dentre outros. Outra dimensão aplicada nas análises contidas no texto foram registros
sistematizados em observações de campo, desenvolvidos em áreas susceptíveis às
manifestações e a experiências/vivências dos autores.
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Com propósito de estabelecer diálogo entre a literatura especializada, informações
contidas em documentos oficiais, registros, mapas temáticos, percepções, registros das
observações diretas, a preocupação principal foi visualizar as manifestações e impactos
de riscos ambientais, bem como, as diretrizes bases para o planejamento territorial das
cidades da Praia e da Beira.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 Caracterizando os territórios: Cabo Verde e Moçambique
O arquipélago de Cabo Verde localiza-se no setor oriental do Atlântico Norte, a
cerca de 450 km da costa ocidental africana, entre os paralelos 17º 13´ e 14º 48´ N e os
meridianos de 22º 42´ e 25º 22´ W. Possui uma superfície de 4 033 km2 e dispõe de um
espaço marítimo exclusivo que excede 600 000 km2, sendo formado por dez ilhas e cinco
principais ilhéus (Figura-1).
Figura 1: Enquadramento Geográfico do Arquipélago de Cabo Verde. Fonte: DIVA-GIS, 2012.
Segundo Amaral (2007), em função dos ventos alísios, o arquipélago foi dividido
em dois grupos: barlavento (constituído pelas ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa
Luzia, S. Nicolau, Sal, Boa Vista) e o de Sotavento (Maio, Santiago, Fogo e Brava). A sul
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do arquipélago se localiza a ilha de Santiago e a sudeste desta, a capital do país, cidade
da Praia.
Constatam-se ao longo do arquipélago uma grande variedade de manifestações de
natureza ameaçadora e riscos relacionados à seca, desertificação, erosão acelerada,
cheias e/ou inundações de chuvas torrenciais frequentes na época chuvosa, intrínsecos
à posição do País no contexto climático global, assim como, pela sua localização na faixa
do Sahel, abalada pelas tempestades de areia e clima do deserto de Sahara. Outros
riscos relacionam-se a atividade tectogênica, com a origem na formação vulcânica, ainda
ativa, das ilhas do Fogo e registro de vários sismos de fraca magnitude, frequentemente
nas ilhas de São Antão, Brava e Fogo.
Moçambique localiza-se na África Austral, entre os paralelos de 10° 27' e 26º 52'
de latitude Sul e os meridianos de 30° 12' e 40° 51' de longitude este, ocupando uma
área de 801.590 km², banhado pelo Oceano Índico. Com uma extensão de costa
aproximada de 2.500 km, faz fronteira com a Tanzânia, Malawi, Zimbabwe, Zâmbia,
República da África do Sul e Suazilândia. Na região central do País encontra-se a cidade
portuária da Beira, capital política e administrativa da província de Sofala (figura 2).
Figura 2 – Enquadramento geográfico de Moçambique e da Beira
Fonte: DNTF, Moçambique, 2012.
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A localização geográfica de Moçambique nos trópicos e subtrópicos condiciona o
clima tropical, caracterizado por duas estações nitidamente diferenciadas, a estação fria
e seca, entre Maio a Setembro, e a estação quente e úmida entre Outubro e Abril, cuja
precipitação varia entre 800 a 1600 mm ao ano.
O País está susceptível a vários tipos de riscos naturais associados a grande
variabilidade climática, sendo os eventos relacionados com paroxismos climáticos mais
frequentes: cheias, secas, erosão, tempestades originadas por ciclones, incêndios
florestais e epidemias. Como consequência destes tipos de riscos há outros de origem
antropogênica, que acabam por agravar os já citados, como por exemplo, as queimadas
descontroladas, exploração excessiva de caça e pesca e, mais recentemente, a poluição
industrial e a mineração, que constituem problemas ambientais nacionais.
Considerando que Cabo Verde e Moçambique são países que, nos últimos anos,
têm conhecido um desenvolvimento acelerado, sobretudo em áreas urbanas, torna-se
necessário a adequação das políticas de ordenamento do território com vista a suavizar
os impactos e constrangimentos decorrentes dos riscos e vulnerabilidade naturais
produzidos no dia a dia dos citadinos.
3.2. Crescimento urbano e riscos associados
Na análise do crescimento urbano identificado sobre as cidades cabo-verdianas,
Nascimento (2011) afirma que o crescimento urbano é desproporcional ao
desenvolvimento urbano. A mesma autora considera ainda haver vários outros aspectos,
que contribuem para antecipação dos desequilíbrios e impactos ambientais urbanos
como a morfologia do espaço, elevada densidade demográfica, ocupação espacial
espontânea, composição física e química dos resíduos, impermeabilidade do solo que
normalmente se apresenta pavimentado provocando formação de poças de água
estagnada, foco de insetos e outros vetores transmissores de doenças.
A falta de políticas de ajuste territorial adequadas às necessidades humanas e de
organização urbana produzem ainda mau cheiro proveniente do deficiente sistema de
recolha e tratamento do lixo ou pela utilização indevida do espaço público para a
satisfação de necessidades fisiológicas. Ambas as situações evidenciam pouca civilidade,
demanda por serviços, equipamentos e infraestruturas públicas urbanas em decorrência
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do êxodo rural e da incapacidade de melhoramento das condições básicas urbanas
(NASCIMENTO, 2011).
A maior cidade de Cabo Verde, cidade da Praia, tem evidenciado um crescimento
acelerado da sua população, albergando, atualmente, cerca de 27% da população
nacional que foi de 491.683 habitantes, em 2010. (ver gráfico 1).
Em vinte anos, a sua população dobrou, passou de 61.644 em 1990 para 127.832
habitantes em 2010. O aumento populacional tem sido promovido por fluxos
migratórios internos (êxodo rural) e por imigração de cidadãos provenientes dos países
vizinhos da África Ocidental, em decorrência de inúmeros problemas, conflitos e tensões
de diferentes naturezas: política, econômica, cultural, étnica, ética e social.
Gráfico 1: Evolução da população da Cidade da Praia e de Cabo Verde
Fonte: INE - Instituto Nacional de Estatísticas de Cabo Verde.
Pela incapacidade de respostas efetivas das autoridades na provisão de meios e
estratégias adequadas à resolução dos problemas econômicos, sociais e ambientais, os
responsáveis políticos designam este tipo de crescimento de “incongruente” (TAVARES,
2011).
O arquipélago de Cabo Verde sempre foi vulnerável a manifestação de inúmeros
riscos naturais. Todavia, alguns dos riscos se destacam como: cheias/inundação e
movimentos de materiais em vertenes , fenômenos intensificados pela ocupação
sistemática de áreas inapropriadas para habitação como: vertentes declivosas de
encostas e leitos de cheia e valas de drenagem. Ambos os processos foram motivados
pelo crescimento urbano acelerado, principalmente na cidade da Praia, onde não foram
observados acompanhamento de políticas públicas de ordenamento territorial, como
respostas às demandas apresentadas.
1990 2000 2010
Praia 61.644 94.161 127.832
C. Verde 341.491 434.625 491.575
Nº
de
hab
itan
tes
Evolução da população, Praia e C. Verde -1990-2010
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Assiste-se, assim, à proliferação de bairros espontâneos em áreas inadequadas à
ocupação humana, devido à inexistência de qualquer tipo de planejamento, infra-
estrutura básica de saneamento, eletricidade e água para consumo. As ocupações nas
vertentes declivosas e nos fundos de vale são, em parte, decorrentes da precaridade dos
serviços da fiscalização do cumprimento da postura autarquica pelo órgao competente
na administração pública do País.
Na cidade existe um grande deficit de habitação, principalmente de tipo social,
ocorrendo, simultaneamente, uma grande especulação imobiliária, gestando
especulação em relação aos preços dos terrenos para construção e/ou as habitações,
traduzindo-se em dificuldade de acesso a terrenos para construção, mesmo sob o efeito
de intervenções da autarquia local.
As inundações e os movimentos em massa, principalmente fluxos e quedas de
blocos são frequentes, contribuindo quer para a degradação ambiental, quer para a
degradação da qualidade de vida dos citadinos. A vulnerabilidade é ainda maior em
zonas de elevada perigosidade, ocupadas pela população de baixa renda, sem grande
capacidade de resposta e de resiliência diante a manifestação de riscos. Estudos e
observações6 revelam que, a construção das habitações não segue nenhuma regra ou
diretrizes de engenharia da construção civil, assim como os materiais usados são
precários e/ou de baixo custo.
Em Moçambique, a crescente ocupação dos espaços urbanos resulta de um
complexo processo de origem alógena, que se implantou em território urbano,
reproduzindo formas de ocupação do espaço e de organização espaciais estranhas ao
ambiente local. Com a independência nacional, esses espaços têm sofrido profundas
alterações e reajustamentos que, apesar da configuração primária de políticas de
reorganização territorial, não têm eliminado o caráter segregador que os caracteriza
(ARAÚJO, 2003).
A cidade portuária da Beira encontra-se instalada na margem esquerda da foz do
rio Pungue, sendo uma área de planície aluvial de baixas altitudes cobertas por dunas de
areia e pântanos de alagamento. Registros sinalizam a chegada dos primeiros habitantes
nos finais do século XIX. Atualmente, a cidade representa um importante centro
6 Judite Nascimento, Carlos Tavares e Outros, são exemplos de investigadores que têm
dedicado a estudos do tipo.
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econômico que liga o litoral, a partir do porto, a vários países vizinhos do interior do
continente Africano.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística de Moçambique (2007), a população da
Cidade da Beira é de cerca de 436.240 habitantes, a maioria dos quais habitando em
bairros suburbanos. Nos últimos anos houve um crescimento populacional significativo,
elevando numericamente os indicadores de 46.293, em 1970, para 451.749 habitantes,
em 2010, portanto um crescimento aproximado de dez vezes mais no período de trinta
anos. Dentre as causas do crescimento consideram-se o maciço êxodo rural ocorrido,
simultaneamente, nos períodos da descolonização em 1975, da guerra civil 1976-1992,
bem como pelas altas taxas de natalidade (gráfico 2).
Gráfico 2 – Evolução da população da cidade da Beira, 1970 – 2007.
Fonte: INE- Instituto nacional de Estatística de Moçambique.
O crescimento populacional não tem sido acompanhado pela instalação de
infraestrutura de suporte urbano como rede sanitária, hospitalar, acessibilidade e
drenagem pluvial. A carência desses elementos gera vários problemas ambientais,
comprometendo a qualidade de vida dos citadinos.
Fatores de ordem natural também contribuem para o agravamento da situação, a
exemplo, as crises provocadas pelas cheias e inundações na cidade. Nesse cenário, são
vários constrangimentos produzidos aos cidadãos da Beira, como a dificuldade de
acessibilidade com problemas de trânsito, algumas vezes pondo em perigo a vida e os
bens da população.
O fato da cidade ter sido erguida em campos de dunas e pântanos, associado à
ausência de gestão e planejamento na ocupação do espaço urbano, sistemas de
saneamento deficientes e obsoletos, construções precárias e irregulares, degradação
1970 1980 1991 1997 2007 2010
poulação 46293 214613 294197 397368 436240 451749
Nº
de
Hab
itan
tes
Evolução da População da cidade da Beira
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das valas de drenagem pluviomarinhas criaram facilidades para a ocorrência de
problemas relacionados ao saneamento do meio, como acesso e recolha de resíduos
sólidos domésticos, coleta e canalização de esgotos, inundações pluviais e
pluviomarinhas.
Recentemente foram registrados na cidade alguns trabalhos de reconstrução de
infra-estrutura de tratamento de águas residuais, com substituição de condutas
primárias e/ou secundárias, reformas de postos de bombeamento, estações elevatórias
e saídas para o mar; entretanto em alguns bairros superpovoados, ocupados, sobretudo
pelas classes sociais desfavorecidas, como Munhava, Vaz, Chipangara, Goto e
Inhamudima, ainda são muito afetados pelas inundações, que, por sua vez, trazem
doenças infecciosas e parasitárias como malária, bilharziose, cólera, dentre outras.
Segundo o relatório de Política Nacional de População (MOÇAMBIQUE, 1998), as
principais consequências dos problemas ambientais urbanos existentes condicionam a
deterioração da qualidade de vida de uma população, cujas condições já são bastante
comprometidas por outros fatores como o desemprego, baixos rendimentos dos
agregados familiares, insegurança alimentar e insuficiência dos serviços básicos de
saneamento. No seu conjunto, todos estes problemas de natureza socioeconômica e
demográfica afetam, de maneira decisiva, a qualidade de vida dos citadinos.
É possível finalizar estas observações considerando: a elevada susceptibilidade a
eventos perigosos como as cheias e inundações propiciadas pela localização da
população em áreas de risco da cidade da Beira, elevada vulnerabilidade da população
pelas suas características socioeconômicas e demográficas, que são fatores de aumento
dos riscos existentes nos territórios, situação semelhante ao que acontece em Praia,
Cabo Verde.
3.3. Planejamento e ordenamento do território na gestão de riscos
A crescente preocupação pela massiva extração, exploração e consumo dos
recursos naturais, as variadas formas de poluição e os impactos sócio-ambientais
verificados nos últimos tempos desencadearam o surgimento de movimentos em defesa
da conservação e preservação ambientais que, associados aos avanços científicos e
tecnológicos em diferentes campos do saber, contribuíram para pressionar e determinar
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novos paradigmas sobre questões ambientais compatíveis com a evolução das
sociedades.
O planejamento e ordenamento do território constituem-se uma resposta
necessária e urgente a estes movimentos, de forma a assegurar apropriada gestão dos
riscos. Neste sentido queo plaanejamento assume-se como um processo, que procura
fundamentalmente intervir definidamente na realidade sobre a qual se projeta um
território, um município e/ou uma organização com intuito de modificar e orientar rumo
a uma situação diferente e substancialmente melhor que à inicial.
Em sentido amplo, o planejamento consiste na determinação de metas orientadas
por objetivos a médio e longo prazo, com previsão dos meios e formas para que os
objetivos tenham amplas probabilidades de serem alcançados, possibilitando, assim,
controle sobre as fragilidades e ameaças, desenvolvimento de atividade por meio da
definição de estratégias que oportunizem melhor aproveitamento dos recursos.
Estudos e pesquisas desenvolvidos por Rodriguez (2010), abordando experiências
de Planejamento Ambiental no Brasil, usando concepções sobre Geoecologia de
Paisagens, consideram o planejamento da paisagem como um conjunto de métodos e
procedimentos usados para criar uma organização espacial das atividades humanas em
paisagens particulares, visando assegurar a gestão da vida, a gestão sustentável e a
preservação das características básicas das paisagens que sustentam a existência
humana.
Assim, a gestão ambiental objetiva visa, por meio do planejamento, garantir o
ordenamento do território e das atividades humanas, para que estas
provoquem/produzam o menor impacto possível sobre o meio.
Considera-se por ordenamento do território o processo mediante o qual se orienta
a ocupação e utilização do território e se dispõe para melhorar a fixação no espaço
geográfico dos assentamentos (população e habitação), das infraestruturas físicas (as
vias, serviços públicos, as construções) e das atividades socioeconômicas.
Na perspectiva deste conceito, os termos gerir ou gerenciar, articulados ao
planejamento ambiental significam saber manejar as ferramentas existentes da melhor
forma possível, não necessariamente desenvolver técnicas ou pesquisas ambientais
(RODRIGUEZ et al., 2010).
Nesse contexto, a fixação de assentamentos urbanos sobre a Natureza quando
não planejados podem desequilibrar a estrutura determinada pela combinação de
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fatores ambientais e socioeconômicos. O conceito de planejamento, no cenário da
gestão ambiental e dos impactos produzidos pela ação humana, estabelece-se como
elemento mediador e regulador de conflitos entre interesses socioeconômicos, limites
de tolerância e capacidade de suporte dos geossistemas ocupados.
Nas cidades de Praia – Cabo Verde e Beira – Moçambique, o planejamento não
tem sido uma prática integrada ao desenvolvimento sustentável. Tavares (2011), afirma
que, na cidade da Praia, não foi desenvolvido o hábito de planejar de forma coerente e
sistemática, com uma visão inclusiva na gestão do solo.
Torna-se importante destacar que só recentemente, no decorrer do ano 2012, foi
apresentado o Plano Director Municipal (PDM) da Praia.
Assim, a mitigação dos problemas territoriais passará pela elaboração de planos e
pela execução de políticas, apostando na prevenção como forma de melhorar a
qualidade de vida das populações.
Ainda neste contexto, Tavares (2011), sugere uma série de medidas para mitigação
de problemas, como um Sistema de Cadastro Predial confiável. Dados desse Sistema de
Cadastro Profissional subsidiará transparência relativamente à propriedade que servirá
de suporte, entre outros aspectos, para a gestão do território e para o estabelecimento
de políticas de solos e de habitação, como forma a minimizar os riscos de exclusão social
e urbanística de grande parte da população residente, que podem comprometer a
sustentabilidade urbana.
Alternativa complementar apresentada vai à direção de organizar e implantar
políticas de ordenamento do território, que deem atenção à necessidade de criação de
condições nos centros secundários, como forma de aliviar a pressão demográfica nos
centros urbanos e preservar as áreas rurais como espaços atrativos, de modo a
contrariar a tendência atual do êxodo rural.
Uma política urbana integrada ao uso e ocupação dos solos e a necessidade
urgente de repensar nos bairros espontâneos para enquadra-los em planos de
recuperação/requalificação e/ou reordenamento, de modo a assegurar o crescimento
integrado (TAVARES, 2011).
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4. CONCLUSÕES
A temática dos riscos assume cada vez mais destaque na atualidade e as suas
manifestações são uma das maiores evidências dos desequilíbrios causadas pelas ações
humanas ao meio ambiente. O crescimento desordenado das áreas urbanas, produzido
sem o acompanhamento de infraestrutura básica, ocupação das áreas de riscos e a falta
de políticas que visem um desenvolvimento sustentável integrado criam fragilidades
ambientais que, por vezes, potencializam grandes desastres.
Verifica-se um aumento dos riscos urbanos potencializados, não exclusivamente
pelo aumento dos fenômenos perigosos, mas também pelo aumento da vulnerabilidade.
Observa-se ainda que territórios com maior fragilidade ambiental foram ocupados por
grupos e/ou comunidade de população mais carente, com baixos rendimentos, o que faz
com que essa população tenha uma precária capacidade de resistência e resiliência
frente aos eventos perigosos, cenários mais evidentes nos países em desenvolvimento,
onde a vulnerabilidade da população é acentuada.
Este estudo avalia os casos da cidade de Praia em Cabo Verde e Beira em
Moçambique, territórios susceptíveis a vários riscos naturais, sociais e ambientais
potenciados pelas ações antropogênicas. As cheias, inundações e deficiente sistema de
drenagem e saneamento do meio são destacados como fenômenos perigosos muito
frequentes nestas cidades, criando vários constrangimentos principalmente às
populações urbanas, acentuando o estado de exclusão e abandono a que são
submetidas.
O planejamento e o ordenamento do território constituem-se como resposta para
minimização dos riscos, sendo, no entanto, ainda pouco presente nas práticas de gestão
dos territórios em análise. Desta forma, os dados analisados evidenciam necessidade
urgente de criação de rotinas de planejar e fiscalizar a ocupação de territórios para
acompanhar a dinâmica acelerada do seu crescimento, por forma a atingir um
desenvolvimento integrado e sustentável.
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