A P í T U L O I O
Mulher, gênero e política
Lú c i a A v e l a r
Eda natureza dos sistemas políticos democráticos a emergência de novas forças polí-
licas que se constituem por traços de identidade comuns aos seus membros tais como classe
social, relações étnico-raciais, religião, grupos tle cultura política e de gênero. Ao se constitu
írem, sua propensão é lutar por representação.Na democracia brasileira, as mulheres
mio um exemplo das forças de constituição nicente, apesar de sua relativa invisibilidade
no quadro da representação com autorização
eleitoral. Reconhecendo as dificuldades para t|Ue suas plataformas chegassem à agenda pú-
lilica, a saída encontrada foi a da representação rxiraparlamentar por meio dos canais abertos
nus várias instâncias do Estado. Fundindo o feminismo com a democracia, construíram uma
dinâmica que envolve diferentes organizações, loino os movimentos de mulheres, as redes
feministas que fazem a intermediação entre a mu iedade e o Estado, ONGs especializadas em
uiivocacy nos Legislativos e nos Executivos. O
BeNiifio para a análise é mapear tal dinâmica l|IH! tem logrado importantes avanços na le-
((l .lação e nas políticas públicas favoráveis às lliulheres. Nas seções que se seguem discuti
mos uma nova realidade de participação/re- bresentação por meio da qual as mulheres se
jlniistruíram como sujeitos políticos e demoli itlicos. Apresentaremos uma breve leitura
O contexto é tudo.
Mary Dietz
dos primeiros envolvimentos da mulher brasi
leira com a política, os fatores que facilitaram a construção dessa nova força, como a maior inserção no mercado de trabalho, maiores níveis
educacionais, participação nos movimentos de resistência no período da ditadura militar,
os ganhos na Constituinte de 1988 e financiamentos internacionais para ações propositivas
voltadas à melhoria do status da mulher na sociedade. Finalmente, discutiremos aspectos da
representação extraparlamentar das mulheres, entre eles, o feminismo de Estado.
A e m e rg ê n c ia da q u e s t ã o fem in ina, e m breve d igressão
Os movimentos para a emancipação da mulher e sua luta pelos direitos de cida
dania datam de meados do século XIX, mas
apenas na segunda década do século XX é que
o feminismo se firmou em resposta aos movimentos de liberação das décadas anteriores. Até chegar aí, na Europa - especialmente na
Inglaterra - e nos Estados Unidos, milhares de clubes femininos, debates em creches e sacristias de igrejas, panfletagem conforme o tema
do momento e congressos nacionais de liberação feminina levavam ao público suas reivin
dicações que, no geral, ficavam em torno de quatro exigências: igualdade de remuneração,
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CA igualdade de educação e oportunidades, cre
ches 24 horas e liberdade de contracepção e
aborto (Eley, 2005).Na sociedade norte-americana, o maior
envolvimento foi o das mulheres brancas, de
alta educação e status social. Na Europa Ocidental, a movimentação feminina emergiu lado a lado com as organizações operárias, em
prol do socialismo e da expansão dos direitos para a classe trabalhadora. Com exceção dos
socialistas utópicos do início do século XIX,
que incorporavam as plataformas femininas,
a soberania popular era entendida como uma prerrogativa masculina (Eley, 2005). A cada
etapa de luta dos movimentos de trabalhado
res, as demandas femininas eram jogadas para um futuro indeterminado, priorizando-se “a
questão social” e os movimentos de classe para
o acesso ao poder.Em meados do século XX o feminismo vai
se firmando como ideologia estruturadora dos movimentos de mulheres. Ele foi amplamente
definido como um conjunto de ideias voltadas
ao avanço do papel social e político da mulher com o questionamento das bases tradicionais do poder político de natureza patriarcal
(Randall, 1982).1 Em termos organizacionais, ideológicos e políticos, é um novo movimento social (Lovenduski, 1986). E crítico quanto
ao governo representativo e adepto da demo
cracia direta. Defende políticas públicas para a proteção contra a violência doméstica, acesso
ao aborto legal, direitos reprodutivos, direitos
1. Em texto publicado em 1995, apresentamos ideias sobre a condição da mulher na sociedade capitalista do ponto de vista de autores da Escola de Frankfurt. De modo fragmentário, ao criticarem a estrutura da sociedade burguesa-industrial dos movimentos fascistas, acabaram expressando concepções sobre a mulher e a contribuição dos seus movimentos para a liberação feminina (Avelar, 1995).
iguais. Tomou diferentes perspectivas confor me as grandes linhas do pensamento social, como o feminismo liberal, o socialista, o mar
xista e o radical, entre outros.O feminismo liberal no vasto terreno do
liberalismo seria expresso, pela formulação de
John Stuart Mill, como a procura pela liber dade, a igualdade perante as leis, o direito .1
educação. Para essa corrente, a socialização dí
ferencial entre meninos e meninas é a respou sável pelo status mais baixo das mulheres. 0
direito ao voto era visto como um instrumento crucial para a conquista de outros direitos, ao
trazer embutido o princípio da potencialidtuh' igualitária (Pizzorno, 1966). Mas a potcn
cialidade igualitária nada mais é do que uma
promessa de igualdade e não a real igualdade Como mostra Mary Dietz (1987), a igualdade
liberal é formal, e é longo o caminho para HO chegar à igualdade real. O princípio da igual
dade de acesso, diz a autora, não é suficientc, pois nele se encontra uma rede de conceitOn
como direitos, interesses, contratos e gover 110 representativo. Para o feminismo tais concei
tos são potencialidades, mas insuficientes puni se alcançar uma ‘boa vida’ entendida como 11
fruição plena dos direitos de cidadania.2O feminismo socialista prega reivindica*
ções socioeconômicas e políticas, sob o pfeN suposto de que a igualdade de gênero depcn
de da ação do Estado com políticas pública1, e
sociais que garantam assistência para os filhou das mães trabalhadoras, pagamentos igimk
igualdade na educação e mudança nas leis 1I1
2 . As contribuições do feminismo liberal no âmbilo ■ lil filosofia política e da ciência política foram respolsilvolfpelos fecundos debates que podem ser vistos em algin....autoras tais como Anne Phillips, Carol Pateman, N11111É Fraser, Iris Marion Young e Mary Dietz. Uma excclciltl bibliografia sobre o tema pode ser vista no artigo riliulffl de Mary Dietz (1987).
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acesso ao aborto. Em 1878, August Bebei publicou As mulheres sob 0 socialismo, livro que
em 1909 alcançou 50 edições e 15 traduções.
Nele apresentava o programa de direitos das mulheres. Dizia ele: as mulheres só seriam ver
dadeiramente libertadas pelo socialismo, por meio da independência econômica do trabalho fora de casa. A ‘questão da mulher’ só se
ria solucionada se “o Estado e a ordem social
existentes fossem radicalmente transformados ... as mulheres seriam libertadas da prisão do
méstica da família após a derrubada do capitalismo e assim encontrariam proteção social
para a criação dos filhos e o trabalho doméstico, socializado”.
Apesar da retórica emancipatória, a reali
dade nos sindicatos e nos partidos trabalhistas continuaria sendo excludente em relação às
mulheres. Os preconceitos, o paternalismo, o
sexismo continuaram menosprezando o ideário das mulheres. Sowerwine (citado por Eley) escrevia: “a tendência sindicalista também se
recusou a integrar as mulheres na sua liderança ou levar a sério as mulheres trabalhadoras.
Na Internacional de tendência sindicalista (se
tembro de 1913), houve uma única delegada”.3 Rosa Luxemburgo, filósofa marxista e militante da social-democracia alemã, foi uma expoente dessa corrente.4
O feminismo marxista é crítico quanto
tios fundamentos da sociedade capitalista e pa-
Iriarcal por serem responsáveis pela opressão
No livro citado de Eley, são várias as contribuições iiubre gênero, feminismo e a situação das mulheres nas urbanizações de esquerda no período da sua pesquisa: 1II50-2000. O atraso na construção das democracias, secundo ele, vem da exclusão sistemática das mulheres nos (unflitos de classe.
I As críticas das últimas décadas no contexto do neoli- lutralismo pregavam o recuo do Welfare State, acusando-o tle excessivo poder de interferência na vida dos indivíduos, iiliím de ter construído burocracias lentas e ineficientes.
decorrente da divisão sexual do trabalho: são
as mulheres que contribuem para a subsistência do capitalismo com seu trabalho não pago
na família. A liberação da mulher só será possível quando a estrutura patriarcal do Estado
capitalista for desmantelada (Alambert, 1985). Uma precursora do feminismo comunista foi
Alexandra Kolontai, que no início do século XX discutia o tema da “nova mulher e a moral sexual”.
A corrente do feminismo radical próxima à do feminismo marxista enfatiza o papel
da mulher na família como a base de toda a opressão, assim como as culturas patriarcais
que traçam o destino do ser humano conforme a biologia. São céticos em relação ao poten
cial transformador do Estado, afirmando que todo Estado é patriarcal e, por isso, jamais irá
incorporar os objetivos feministas (MacKin-
non, 1989) e que, por sua natureza, perpetua as desigualdades de gênero. A sociedade civil,
mais que o Estado, é o campo onde as mulheres deveriam concentrar suas energias de modo a
transformar as estruturas do patriarcalismo (Dietz, 1987; Dworkin, 1981; Daly, 1979). Como
saída, indicava a vivência em pequenos grupos
de contracultura, claramente hostis e separatistas, ideia que influenciaria as mulheres da geração dos anos 196o.5
Gênero e ciência política, breve resgate
A pesar dos avanços decorrentes da mobi
lização das mulheres, tal realidade não se tornaria objeto de estudo acadêmico an
tes da década de 1960, e com maior número de pesquisadores ao final da década de 1970 e
5 . As correntes políticas que informariam o feminismo vinham de todo o espectro político, dos liberais aos radicais de esquerda (Lovenduski, 1986).
nos anos 1980. Carroll e Zerilli (1993), convidadas a escrever sobre “ Feminist Challenges to Political Science” para publicação no periódico da American Political Science Association (APSA), The State of Discipline, mostraram o
baixo interesse pela área considerando o pequeno número de livros, artigos e teses acadê
micas sobre o tema. Após 1980, o campo de estudos cresce rapidamente, e em quase todos os congressos e conferências nacionais, regionais e internacionais multiplicam-se as mesas so
bre “Mulher e Política” e “Gênero e Política”. A primeira geração de pesquisas tratou de elabo
rar críticas aos estudos sobre comportamento político, participação política e políticas pú
blicas realizados sem a perspectiva de gênero. Uma exceção foi o texto pioneiro de Maurice Duverger La participation des femmes à la vie
politique, de 1955, um estudo encomendado pela Unesco. Duverger concluiu sobre a im
portância da inserção da mulher no mercado de trabalho e de níveis mais altos de educação
para seu maior interesse pela política e menor conservadorismo. Suas conclusões destoavam
de estudos posteriores, da década de i960, que continuavam reafirmando as teses da menor
participação política das mulheres, baixa efi
cácia política e um sistema de crenças pouco sofisticado (Almond; Verba, 1963; Devaud, 1968; Campbell, i960; Lane, 1978). As críticas feministas insistiam nos estereótipos embu
tidos nas análises quase nunca submetidas a teste empírico. Apontavam a necessidade de
reconstituir as categorias do cânone da análi
se política, de modo a incorporar as mulheres como um de seus focos (Zerilli, 2006). Zerilli argumenta que as variadas abordagens no
campo da teoria política feminista são fruto
da interlocução entre críticas feministas e não
delas com os autores da ciência política tradi
cional. Os diálogos se realizam desde um lugar de outsideness e constituem, assim, uma verda
deira comunidade teórica crítica.Na década de 1970 os movimentos de li
beração feminina ganhavam alcance interna
cional graças a fóruns como a Convenção dos Direitos Políticos da Mulher de 1952 e 1960, A Convenção para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher,
em 1979, foi um exemplo. Depois disso, houve a Conferência de Nairóbi de 1985, e a Qual
ta Conferência Mundial sobre a Mulher de 1995, realizada em Beijing (Pequim), um dos
eventos mais importantes pela participação de mulheres de todo o mundo. Outros fóruns Se
sucederiam desde então, tais como as Confe rências de População e Desenvolvimento, com reivindicações atentas para a diversidade dos
segmentos de mulheres. Os estudos na ciência
política receberam apoio financeiro das funda ções de pesquisa e ganharam espaço nos even
tos acadêmicos.Em publicação coordenada por Krook e
Childs (2010), um manual destinado ao ensino dos estudos e pesquisas sobre mulher, gênero
e política, os capítulos tratam de temas como “Mulheres e Movimentos Sociais”, “As Mullie
res e os Partidos Políticos”, “ Mulheres, Gênero e Eleições”, “ Gênero e Representação Política",
“Mulheres, Gênero e Políticas Sociais” e “ Mulheres, Gênero e o Estado”. O mercado editorial
passou a oferecer, crescentemente, publicações sobre o tema, nutrindo uma comunidade de
leitores que se expande cada vez mais. As inser
ções da temática em handbooks se multiplica«
ram - por exemplo, The Oxford Handbook < w political theory (2006). No Brasil, a produção acadêmica sobre os temas acompanhou o de
senvolvimento das ciências sociais e, desde eu
tão, é uma importante área de estudos, como stf
pode ver no mercado editorial brasileiro e nos
periódicos especializados no tema de gênero, entre outros a Revista de Estudos Feministas
(UFSC), Lybris (revista eletrônica da UnB), Cadernos Pagu (Unicamp) e Revista Ártemis
- Estudos de gênero, feminismo e sexualidade (UFPA), além de vários dossiês sobre “ Mulher
e Política” nos periódicos nacionais.
As m ulher es c o m o sujeitos políticos e democrát i cos
A s primeiras manifestações das mulheres brasileiras em direção à igualdade foram
pálidas expressões do que ocorria na Europa e
nos Estados Unidos. A imprensa feminina da segunda metade do século XIX era dirigida por senhoras de classe alta com a intenção de tor
ná-las úteis à sociedade. Entre as publicações
ilcstacavam-se o Jornal das Senhoras (1852), O Ikllo Sexo (1862), O Sexo Feminino (1873), O
(lomingo e o Jornal das Damas (1874), Myosotis (1875) e Echo das Damas (1879). O tema con
sensual era a importância da educação femi
nina para a sua emancipação (Hahner, 1981). No início da década de 1920, as líderes do nas-
icnte movimento das sujfragettes eram médi- ctls, dentistas, escritoras, escultoras, poetisas e
pintoras, engenheiras civis, cientistas, funcionárias públicas e parentes de políticos da alta
elite. Um grande nome, a pesquisadora BerthaI utz. Mesmo assim, não escaparam aos ata
ques da imprensa, que frequentemente as acu- miva de pertencerem ao terceiro sexo, carentes
1 lo charme feminino, histéricas, declassées.
Ao lado dos movimentos sufragistas, as mulheres também se envolveram com organi-
Ztições de esquerda, ao largo das repercussões il.ls organizações comunistas e socialistas no
Inicio do século XX. Dina Lida Kinoshita, físi
ca e ambientalista, membro da cátedra Unesco
para a “ Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância” do Instituto de
Estudos Avançados (IEA) da Universidade de
São Paulo, aponta os feitos de mulheres comunistas no início do século XX, como a pa
raense Erecinha Borges de Souza, que ingres
sou no Partido Comunista Brasileiro em 1927 e passou a desempenhar cargos importantes
no partido. No Socorro Vermelho Internacional, trabalhando contra a ditadura Vargas,
Sara Becker de Mello, Inês e Felícia Schechter
e Rachel Gerdel destacaram-se no partido. Ao longo da década de 1930, Patrícia Galvão, Nise da Silveira, Raquel de Queirós, Olga Be-
nario e Lisa Berger são algumas delas. Mas é no pós-Segunda Guerra Mundial que aumenta
o número de participantes. Fundam a Federa
ção Democrática Internacional de Mulheres, com Ana Montenegro como uma das líderes. Mas as décadas de 1960 e 1970 foram o grande marco.6
Uma conjuntura facilitadora ao envolvi
mento político das mulheres em escala muito maior do que em qualquer momento anterior
foi o período da luta contra as ditaduras no
continente. No Brasil, em 1964, as mulheres
aumentavam sua participação na educação, no mundo do trabalho, envolviam-se nos movi
mentos estudantis, tinham acesso aos métodos contraceptivos, acesso a terapias e psicanálise,
adotavam novos comportamentos afetivos e sexuais, com maior acesso ao mundo da cul
tura, fatores que facilitariam sua emancipação
(Beltrão; Diniz Alves, 2009; Pinto, 2003; Teles,
6. Na conjuntura internacional os movimentos feministas procuravam resolver o que Betty Friedan intitulou como “mal-estares sem nome”, para falar da insustentável hierarquia de gênero diante das mudanças no status social da mulher (Sarti, 1998).
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CA 1999). A imprensa dirigida às mulheres inseria
matérias de caráter emancipatório. Em uma
delas, na revista Claudia da editora Abril, a
articulista Carmem da Silva foi pioneira nos
assuntos da liberação feminina.A militância das mulheres nas organiza
ções clandestinas de esquerda e nos grupos guerrilheiros nas décadas de 1960 e 1970 tam
bém foi um instrumento de emancipação.7
No geral, eram jovens intelectualizadas, estudantes e professoras (Ridenti, 1990), operárias
metalúrgicas, trabalhadoras rurais. Prisões, torturas, exílios e humilhações foram práticas
sofridas por muitas dessas mulheres. Publicações recentes e depoimentos na Comissão
Nacional da Verdade e similares nos estados
federados aos poucos vão reconstruindo a vida das mulheres ativistas no período mili
tar.8 A hierarquia de gênero estava presente nas organizações de esquerda como se pode
ver nas publicações com depoimentos de ex- militantes (Ferreira, 1996; Costa, 1980; Colling,
1997; Moraes, 19850. Mas a elaboração daque
la hierarquia, segundo Costa et al. (1988), foi realizada principalmente no exterior, nos exílios, e em contato com os grupos feministas
internacionais.As mulheres atuavam simultaneamente
em várias frentes, mesmo não sendo feminis
tas, realizando uma dupla transgressão: a luta contra o regime militar e o questionamento
dos códigos tradicionais de conduta (Gianor- doli-Nascimento et al., 2007). Uma frente des
7 . Ridenti (1990) cita os grupos de esquerda do período militar e uma relação daqueles nos quais a participação feminina era mais destacada.
8. Ver, por exemplo, Azevedo, 1985; o jornal Estado de Minas publicou em junho de 2012 uma série de depoimentos de mulheres torturadas: “A Tortura de Esteia contada por Dilma”. Esteia foi o codinome de Dilma Rousseff. Ver, também: Rago, 2013.
tacada era a das universidades, de onde os gru
pos organizados de mulheres expandiram Sun participação e se envolveram com os movi mentos populares das periferias urbanas, jun
to às pastorais da Igreja católica de esquenl.i
as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), gru pos populares locais e associações de bairro:.,1' Com a ajuda das feministas, clubes de miic»
iniciaram a luta por creches e contra a caresl in,
a violência doméstica e a violência sexual. 1 111 meados da década de 1970 jornais da militAn
cia feminista entraram em circulação, como
Brasil Mulher, Nós Mulheres e Mulherio. I Ml, a politização crescente levou à organização <!■
Congressos como o de 1979, em São Paulo. < >II Congresso da Mulher Paulista, em 1980, lo)
organizado por 52 entidades com a participação de aproximadamente 4 mil mulheres ('Ir
les, 1999).A participação simultânea em movinn n
tos diferentes estendeu os horizontes polítiuM
das mulheres que aprendiam outras forniii» de fazer política além dos canais partidário», i'
nesse processo foram se construindo como mi jeitos políticos e democráticos. No final da < l< cada de 1970, duas grandes tendências pocli.iit.
ser identificadas: a corrente feminista que qtif
ria fazer da militância uma profissão, tr.ilm
lhando no campo da promoção da igualdmli de gênero e na formulação de políticas piíMI
cas, utilizando as várias entradas que o Eslmln
oferecia para o diálogo com os representii 111«1 da sociedade organizada e das Organizai, np| Não Governamentais (ONGs) feministas;1" |
outra tendência foi a da mobilização no pliillfl
9 . Entrevista concedida por Adriana Gragnani à ,minify São Paulo, out. 2013.
10. Entrevista concedida por Sonia Miguel à autOni I'1 1 sília, 2002.
212
local e regional, lado a lado com outros grupos
associativos da sociedade civil.Em relação ao primeiro grupo, as mu
lheres passaram a agir profissionalmente no
campo das ONGs, e a relação movimentos/ ONGs continuou sendo umbilical. Com fi
nanciamentos internacionais, passaram a viver de projetos temáticos frequentemente em
verdadeiro conflito de interesses com seus financiadores, diante da necessidade de adequar
suas prioridades com aquelas definidas pelas agências, tais como as Fundações Ford e Mc-
i Carthy e as Nações Unidas, quase sempre com feministas em altos cargos, as quais se torna
ram aliadas dos grupos de mulheres apoiando o modo diferenciado de agir na política,
principalmente no plano extraparlamentar. A motivação para o trabalho nas ONGs era fazer
política com outro arcabouço. Atravessaram a década de 1990 no trabalho de consolidar tal
lorma de participação/representação, e a par- lir de 2000 conseguem o reconhecimento pelo
listado brasileiro. No percurso, as feministas
nlcançaram maiores recursos de comunicação e organização e socializaram as novas gerações
com valores políticos e formas de ativismos inovadores.
O engajamento institucional dos movimentos e redes constituiu uma nova fronteira
ile representação democrática além da via eleitoral. Até que as pesquisas evidenciassem as
liovas instâncias de mediação entre sociedade
K Estado nos anos que se seguiram ao fim da
ditadura militar, as conquistas logradas pelas mulheres se apresentavam como um verda
deiro paradoxo (Htun, 2002) ou, até mesmo,11 in quebra-cabeças: com participação ínfima
li.i representação formal, como explicar os ga
nhos das mulheres nos campos da legislação e ilas políticas públicas?
A represen tação ex t r a p a r la m e n t a r das m ulheres brasileiras
Para compreender o quebra-cabeça, o argumento que emergia entre os pesquisado
res era o de que, por meio do associativismo,
construíam-se outras formas de representação
fundadas nas relações constitutivas entre Estado e sociedade (Avritzer, 2002; 2011; Gurza
Lavalle et al., 2006). Por meio do associativismo e da participação em instâncias ofertadas
pelo Estado, como o Orçamento Participativo,
os Conselhos e as conferências temáticas, em conexão com os movimentos, redes e ONGs, comissões e secretarias, estariam influencian
do o conteúdo da agenda pública, legitimando
temas não privilegiados pelos restritos canais advindos do voto (Mansbridge, 2003). Em suma, os interesses articulados nas organiza
ções civis e sedimentados nas redes aglutina- doras desses interesses passaram a ser trans
mitidos aos governos em paralelo aos canais
tradicionais de representação (Fung, 2003).Para se ter ideia do sucesso da representa
ção das organizações de mulheres, o Cfemea,
ONG feminista e braço legislativo da Articulação das Mulheres Brasileiras, uma das mais
importantes do país, analisou as leis federais aprovadas desde 1888, quando ocorreu legal
mente o fim da escravidão, e constatou que, no que tange aos direitos das mulheres, das 249
leis aprovadas, duzentas o foram após a Constituinte de 1988, um marco na mobilização das
mulheres na política brasileira (Ogando, 2011,
com base nos dados do Cfemea). Um marco, porque os movimentos de mulheres conseguiram que 80% de suas reivindicações fossem
incorporadas ao texto constitucional. A par
tir de 1990, as organizações feministas junto à Câmara Federal, assim como nas agências
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CA estatais, têm logrado avanços na legislação no
campo dos direitos das mulheres, com exceção para a legalização do aborto, tema trans
versal às muitas instituições representadas na Câmara, com fortes opositores (Rangel, 2012).
Mas, entre outros aspectos, a legislação avançou na criminalização da violência doméstica e do assédio sexual; no seguro-saúde para a reconstrução de mamas em caso de câncer; em licença-maternidade; em inovações no Código Civil quanto à igualdade de homens
e mulheres no casamento; na eliminação do pátrio poder; no seguro-desemprego para tra
balhadoras domésticas; no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS); em leis que dispõem
sobre a efetivação de ações que assegurem a
prevenção, a detecção, o tratamento e o seguimento dos cânceres de colo uterino e de mama (2008); e na assistência jurídica para
as mulheres em situação de prisão (2008). Em
abril de 2013, foi aprovada a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) que legisla sobre os
direitos das trabalhadoras domésticas, mais uma vitória após anos de mobilização da cate
goria profissional.Ao pesquisar as instâncias de mediação
das organizações de mulheres e de redes femi
nistas com o Estado, as quais denominou de Instâncias de Mediação de Temas de Gênero (IMTG), Patrícia Rangel (2012) constatou a
existência de agências de políticas para as mu
lheres, conselhos das mulheres, procuradorias das mulheres, bancadas nacionais, delegações,
comissões de assessorias, agências administrativas e comissões parlamentares, enfim, um
mosaico de organizações e redes com representação nas diferentes instâncias governamen
tais. Para a autora, as referidas instâncias em
conjunto com as femocratas incrementaram a representação das mulheres nos governos, co
locando na agenda das burocracias públicas ag
demandas feministas.A autora ressalta a importância das três
principais redes de articulação das plataformas
feministas: a Articulação das Mulheres Brasileiras (AMB), a Marcha Mundial das Mulhe res (MMM) e a União Brasileira de Mulheres
(UBM). São organizações formal e juridica
mente estabelecidas em todo o território na cional. Para exemplificar, Rangel aponta que a
AMB tem em seu ápice o Comitê de Política
Nacional, com 81 representantes dos agrupamentos estaduais, três secretarias executivas
e coordenadoras executivas nacionais com oito regionais no país. Essa rede dialoga com
as agências estatais e com a ONG CFemea em ações de advocacy advindas dos movimentos de mulheres. No seu quadro encontram se
pesquisadoras, redatoras, jornalistas e asses* soras, todas militantes feministas que trab.i
lham junto aos deputados, em parceria com .1 bancada feminina no Congresso. Os trabalhos de mobilização, articulação e representaçan
dessa ONG giram em torno de quatro temas:
“ Poder e Política”, “ Enfrentamento à Violência de Gênero”, “ Direitos Sexuais e Reprochi
tivos” e “ Trabalho e Proteção Social”. Por meio da advocacy, que é a ação coletiva, pública e
política em defesa dos direitos das mulheres, a finalidade é democratizar a esfera públic.i 0 conquistar mais justiça e igualdade (Roch i
gues, 2010). Diferentemente dos lobbies, cujas ações se dão de modo mais ou menos cia 11
destino, para benefício de grupos particulares de interesses, as ações de advocacy dirigidas ,11 >
Estado, aos partidos políticos e às organizaçóe* da sociedade civil têm como objetivo ampliai
alianças e promover mudança nos valores tu
dicionais de gênero. A AMB também se ai lí
cuia com outras ONGs, como o SOS Cor| «•'
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(Recife) e o Cunhã Coletivo Feminista (Natal), ambos bastante influentes e que mobilizam
organizações de mulheres de todo o país.Do lado do Estado, as agências de política
para as mulheres são, entre outras, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, fundado em
1985, ligado ao Ministério da Justiça, e a Secretaria de Direitos das Mulheres (Sedim), funda
da em 2002, sob o governo Fernando Henrique Cardoso. No governo Lula foram criadas a Se
cretaria de Política para as Mulheres (SPM) e a Secretaria de Política de Promoção à Igualdade
Racial (Seppir), ambas com status de Ministério. A Seppir mantém programas para as mu
lheres negras, trabalhando em parceria com a
SPM, com lideranças feministas reconhecidas,
com mecanismos de consulta, formulação e financiamento de projetos.
Art iculação entre pares e com o Estado
A s redes feministas AMB, UMB e MMM
articularam-se horizontal e verticalmen
te para a criação do Conselho Nacional dosI )ireitos da Mulher (CNDM), na instituição da
Secretaria de Política para as Mulheres (SPM) c da Seppir, na realização da I Conferência
Nacional de Política para Mulheres, na elaboração do Plano Nacional de Política para Mu
lheres e na criação das cotas por sexo. O Con
selho Nacional de Direitos das Mulheres é o principal espaço institucional de participação
da Articulação de Mulheres Brasileiras no governo federal, mas todas as outras redes tam-
hém ali se representam. As redes feministas se
m ticulam com outros atores, como a Seppir, o < onselho Nacional de Saúde, o da Juventude c o da Comunicação. No plano horizontal as
ivdes mantêm como aliados organizações de
iidvocacy, como o Social Watch Brasil, a Asso
ciação Brasileira de Organizações Não Gover
namentais (Abong), o Instituto de Estudos So- cioeconômicos (Inesc) e a Rede Feminista de
Saúde, entre outros. Trata-se de uma interação vertical e horizontal com o fim de comparti
lhar e fortalecer as temáticas principais para alcançar visibilidade na construção da agenda pública.
As organizações civis no campo da saúde são das mais antigas. No Executivo federal
encontram-se a Rede Nacional Feminista de
Saúde do Ministério da Saúde e a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento, com
institucionalidades reconhecidas. Destacados ativistas tornaram-se quadros governamen
tais, mudando a orientação do Ministério da
Saúde para políticas voltadas a coletividades mais amplas. Os programas para a saúde da
mulher são parte dessa história de construção política
de um ponto de vista político institucional
e sociológico, não porque seus atores são
atores políticos tradicionais e nem porque são subordinados aos seus ditames, mas
porque o Estado e as instituições políticas de um lado e os atores da sociedade civil
e os cidadãos, de outro, tornaram-se mutuamente constitutivos. (Gurza Lavalle; Isunza Vera, 2011)
No Ministério do Desenvolvimento Agrário encontra-se a Assessoria Especial de Gê
nero, Raça e Etnia (Aegre), que desenvolve
estudos sobre mulheres trabalhadoras rurais e acolhe a formulação de planos para as mulhe
res do campo, em parceria com a Secretaria Especial de Política para Mulheres e Movimentos
de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR) em suas seções municipais e estaduais. Pro
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CA move feiras feministas de economia solidária
juntamente à Rede de Produtoras Rurais. O projeto Formação e Articulação das Mulheres Rurais nos Territórios de Cidadania é mais
uma de suas iniciativas. Ademais, o Aegre acolhe as demandas do Movimento de Mulheres
Camponesas (MMC), outra organização de
destaque de trabalhadoras rurais.No Ministério da Justiça encontra-se o
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, que trabalha em parceria com movimentos e
redes feministas na formulação do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. É também ali que se encontra o
Departamento Nacional Penitenciário, assim
como as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e suas Secretarias estaduais. Já o Ministério de Desenvolvimento Social
incorporou em seus quadros lideranças femi
nistas que trabalham nos programas de combate à fome e no Bolsa Família e estabelecem cooperação com outros Ministérios e agências
estatais, na promoção de programas e políticas
para as mulheres.
Feminismo de Estado
A chave unificadora para entender a repre
sentação das mulheres além do âmbito
parlamentar é o conceito de feminismo de Estado. Ele é definido como “as atividades de
feministas e femocratas nos governos e administrações” ou como o feminismo institucio
nalizado em agências públicas, ou ainda como
a capacidade do Estado para responder às demandas das agências feministas, ou simples
mente como a advocacy dos movimentos de mulheres no âmbito do Estado (Lovenduski,
2005). Femocratas são feministas que trabalham na burocracia do Estado, influenciando
o processo político na formação da agenda pú
blica com os temas de interesse das mulheres, incrementando o debate, enfatizando a sua
importância para as mulheres e influenciando nas decisões da burocracia do Estado.
Na construção política do feminismo do Estado destaca-se o percurso histórico dos mo
vimentos feministas ao feminismo acadêmico, e dele aos cargos públicos e estatais. Mesmo
com as históricas tensões entre a militância li1 minista e a acadêmica, tratadas em alguns estu
dos (Teixeira, 2010), elas mantiveram laços de transversalidade e de cooperação mútua.
Teixeira entrevistou feministas que fize
ram tal percurso e descreve o caminho: se guiram da militância contra a ditadura à ml
litância feminista, de onde muitas mulhercN se alçaram às universidades, fundaram ON( Is,
ocuparam cargos nos governos. A experiência política somada à reflexão acadêmica inaugu
rou um novo espaço de militância, a militância acadêmica, particularmente nas áreas das ( li
ências Humanas e Sociais, em Letras e Litera
tura, na Saúde Pública e em Demografia."No âmbito do feminismo de Estado, tome
mos como exemplo o caso da ministra da Pio
moção da Igualdade Racial, Luiza Bairros. Hm
entrevista à pesquisadora Sônia Alvarez (201;! ela relata a dinâmica de militantes de movimen
tos que passam à militância acadêmica e depoli se alçam aos cargos de governo, sejam eles ihin
municípios, nos estados ou no Executivo fede
11. A produção de conhecimento na área contou com 11 estímulo de instituições e agências de fomento, como lolo caso na década de 1980 da Fundação Carlos Chagir, 1 da Fundação Ford, que lançaram editais para oito c o i i »
cursos sobre gênero. A Associação Nacional de Pós ( 11 a duação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) criuti em 1980 o Grupo de Trabalho GT Mulher. A partir «I» então proliferaram os Núcleos de Pesquisa nas Univoi'« sidades.
216
ral. Seu tema é o do racismo institucional, e seu trabalho no Estado se volta para a implemen
tação de medidas que o combatam. Ela aponta como exemplo de um projeto de política públi
ca a inclusão no II Plano de Política para as Mulheres da meta de formar 120 mil profissionais
da educação básica nas temáticas de gênero, relações étnico-raciais e orientação sexual. Outras
metas são a redução do analfabetismo das mulheres negras e maior ingresso no ensino superior, o que veio a gerar a polêmica discussão de
cotas para negros nas universidades.
Tendo vivenciado o processo participativo do movimento negro em suas distintas fases,
,1 ministra Luiza Bairros acompanhou a organização política dessa população e a formação
das múltiplas identidades, como a dos quilom- holas, dos jovens, das lésbicas e das trabalha
doras domésticas. Para ela um dos maiores
ganhos do movimento das mulheres negras foi lerem assegurado espaço político no campo das organizações civis, sem o que seria impos-
itlvel a visibilidade dos problemas das questões
específicas que as afetam: “Sou ministra, mas nunca saí do movimento negro. Você não sai ilisso!”, diz Luiza Bairros.
I spaços públicos promovidos
pelas a g ê n c ias est atai s e a 11‘pres entação das m ulheres
L v
A s dinâmicas da ligação entre a sociedade e o Estado, apontadas anteriormente, so-
nium-se outras experiências de representação «’ controle da sociedade civil em geral e, em
barticular, dos grupos organizados de mu
lheres. Entre elas incluem-se as Conferências Nueionais de Mulheres, os Conselhos Gestores
i> 11 Orçamento Participativo, três espaços de
Inovação institucional e de representação vol
tados à gestão compartilhada na definição de políticas e acompanhamento da implementação. Tais instâncias também se articulam com
os movimentos, associações e ONGs locais,
particularmente nos casos em que as mulheres recebem formação para se tornarem representantes nessas áreas participativas. São
inúmeras as experiências em que as Secretarias
municipais de mulheres e ONGs feministas formam as mulheres para serem delegadas
e conselheiras nas Conferências Estaduais e Nacionais, nos Conselhos Gestores e no Orça
mento Participativo.
As Conferências Públicas Nacionais tornaram-se espaços de ampliação da participação social no ciclo de políticas públicas no
país (Avritzer, 2012; Petinelli, 2011). Elas são promovidas pelas agências estatais e organi
zadas tematicamente, envolvendo governo
e sociedade civil (Moroni, 2005; Pogrebins- chi; Santos, 2011). São precedidas por etapas municipais e/ou estaduais e regionais. Desde
sua criação (1940) até 2010, foram realizadas
111 conferências nacionais, das quais 99 ocorreram após 1988, 72 delas entre 2003 e 2010,
durante os dois governos Lula (Petinelli, 2011). Foram iniciativas dos Ministérios e Secretarias
da Presidência. A Secretaria Especial de Direitos Humanos promoveu 24 conferências sobre
seis temas, e o Ministério da Saúde organizou
nove conferências em torno de nove temas. Estudando os públicos participativos das Conferências, Petinelli e Avritzer concordam em que
é a saúde, antiga área de participação dos ato
res da sociedade civil, a que apresenta maior
intensidade de envolvimento. Com forte mobilização nas últimas três décadas, seu impacto sobre as políticas públicas foi positivo, pois
se incrementaram os vínculos institucionais e
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CA não institucionais das novas formas de repre
sentação (Avritzer, 2012).Em 2004 realizou-se a I Conferência de
Política para as Mulheres, que procurou estabelecer as diretrizes para o I Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres (PNM I). A segunda conferência ocorreu em 2009. Ambas foram
precedidas por conferências municipais e regionais, em torno de 2 mil encontros munici
pais e 26 estaduais. Foram envolvidas cerca de 240 mil pessoas nos 2 anos de encontro, com
50% de atores estatais e 50% de movimentos e entidades civis. As conferências de promoção
de igualdade racial contaram com a participa
ção de 140 mil pessoas de associações e movimentos de mulheres e do movimento negro.
Ambas debateram temas de natureza social para a melhoria das condições das mulheres
e dos negros. A inserção das propostas defi
nidas por meio da deliberação pública (Peti- nelli, 2011) influenciou a formação da agenda
de políticas públicas, pois quase a metade das propostas aprovadas foi inserida na agenda do
governo federal.É significativa a articulação que antecede
as conferências nacionais no âmbito dos municípios - são as Conferências Municipais de
Mulheres. Elas são convocadas pelos Conse
lhos Municipais de Políticas para as Mulheres, ou Coordenadorias, ou Secretarias, em parce
ria com as secretarias estaduais das mulheres, mobilizando gestores, associações e entidades
da sociedade civil organizada, para discutir temas como a autonomia econômica e a par
ticipação das mulheres nos espaços de poder,
sobre educação e saúde, segurança etc. O mapa da distribuição das conferências municipais é uma tarefa ainda a ser realizada, mas basta
uma busca nos sites dos municípios brasileiros,
sobretudo os de maior porte, para verificar sua
ocorrência.Um exemplo é o que ocorreu no estado
de Minas Gerais.12 O Conselho Estadual da Mulher elaborou o regimento interno da III
Conferência Estadual para Mulheres, com a participação de 17 integrantes para definir a
estrutura e composição da Comissão Organi
zadora - representantes da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, da Marcha Mundial lias Mulheres (MMM), da Associação de Lésbicas
de Minas (Alem), da Associação Mulheres Bra
sileiras (AMB), do Núcleo de Estudos Política
para as Mulheres (Nepem-UFMG), da Rede Feminista de Saúde (RFS), da União Brasileira de Mulheres (UMB) e do Conselho Estadual
da Mulher (CEM), entre outras.Os Conselhos Gestores locais são ouli a
forma de participação institucional definida
a partir do marco legal. São amparados poi legislação nacional e têm como caracterísli
cas a formulação, o acompanhamento e a fiscalização das políticas nas três esferas goviT
namentais - municipal, estadual e nacional
(Lüchmann, 2012). As áreas dos Conselhos sau aquelas das políticas governamentais, como an
de Educação, Saúde, Assistência Social, Melo Ambiente, Planejamento Urbano e Transpor* te. Eles são constituídos com representantes
do Estado e de organizações civis, que divi
dem a definição da agenda e da dinâmica da
deliberação. Vistos sob o crivo da represenla ção, têm merecido a atenção de analistas que procuram saber em que medida tais espai/it
estão efetivamente ampliando o acesso de gru
pos sub-representados. Tomamos da literatura alguns exemplos que nos permitem avaliar »0
12. Ver www.conselhos.mg.gov.br.
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nessa instância a sub-representação feminina é a mesma dos governos e parlamentos, ou se nela as mulheres encontram melhores opor
tunidades de apresentar seu universo de inte
resses. De saída os estudos de Bonino e Bruera
(2005) concluem que as mulheres compõem a maioria dos participantes, mas são os homens que se encontram nos espaços de poder e de
cisão (Ribeiro, 2011). Uriella Ribeiro propôs-se a discutir a dinâmica participativa dos Conse
lhos Municipais de Saúde sob a perspectiva de
gênero, perguntando se ali as mulheres encontrariam oportunidade de maior representação e se os Conselhos respondem às reivindicações
dos movimentos feministas e de mulheres. A
autora analisou 13 Conselhos, pesquisando
documentos e atas produzidos entre 2003 e 2007. Um dos focos de análise consistiu em re
gistrar o número de mulheres participantes e
confrontá-lo com a frequência em que elas se
manifestavam verbalmente ao longo das reuniões. As mulheres falantes eram, no geral, as
representantes dos governos, as doutoras, que acumulam o cargo de profissionais da saúde e
de representação estatal. Nos espaços de decisão e poder dos Conselhos os homens ocupa
vam a maioria, particularmente aqueles que representavam o governo.
A pesquisa de Lüchmann e Almeida (2010) uvaliou a presença das mulheres nos Conselhos
( lestores de dois municípios do estado de San-
tii Catarina - Chapecó e Itajaí - , concluindo sobre o predomínio da “conselheira mulher,
com faixa de 40 anos, alta escolaridade, casada,i atólica e branca”. A predominância delas foi
constatada nos Conselhos de Assistência Social (H<>%) e nos Conselhos de Direito da Criança
C do Adolescente (78,6%), tendo sido menor
nos Conselhos de Saúde (43,7%). Ao concluí
rem sobre a maior presença das mulheres nas áreas sociais, as autoras sugerem haver
relação entre gênero e tipo de política - na
medida em que determinadas áreas de políticas públicas, as de corte social, mobili
zam as mulheres para o exercício da participação e representação em detrimento
de outras, que ainda parecem ser consideradas campo de domínio e competência masculina, (p.90)
A experiência do Orçamento Participativo (OP) teve início na década de 1970, no
município de Lages (SC), mas foi na década de
1990, com a eleição de governos municipais do Partido dos Trabalhadores (PT) em Porto Alegre (RS), que se firmou como uma instância de
inovação democrática e de estímulo à partici
pação. Wampler (2003) define o OP como: a) uma força inicial de transformação social; b)
uma instituição democrática; c) uma instituição de elaboração de políticas públicas; e, fi
nalmente, d) uma escola de formação política.
Tomemos como exemplo o trabalho da Coordenadoria da Mulher na prefeitura de
Recife: quando as mulheres começam a participar, apresentam baixo nível de informação
sobre o que é o OP e sua metodologia. No geral são mulheres de baixa renda e sem o trato
com a vocalização na dinâmica dos debates.
Diante de tal realidade, comum a outras localidades, ONGs feministas organizam cursos de
formação política tanto pará inserção dessas mulheres nas atividades do OP - no papel de
delegadas, por exemplo - como para sua participação em Conselhos e Conferências Muni
cipais. No caso de mulheres negras, cuja parti
cipação ainda é mais baixa, os cursos também se voltam para qualificá-las como conselheiras
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CA e, assim, tomarem parte nas deliberações nas
referidas instâncias (Ribeiro, 2002).O estudo de Uriella Ribeiro para o Or
çamento Participativo de Belo Horizonte
também é um exemplo de como se dá a participação/representação das mulheres: embora sua presença seja expressiva, as mulheres
mantêm-se mais caladas. O mesmo se obser
vou em trabalho realizado em Porto Alegre nas
experiências do OP de 1991 a 2005. Nas assembleias regionais e temáticas (2005), entre 7.572
participantes, 57,1% são mulheres e 42,7% são homens. A presença delas é maior nas reuni
ões de base e diminui à medida que se avança nas instâncias de decisão. Dos 87 conselheiros
eleitos, 60% são homens. De todo modo vale a pena lembrar o argumento de Ribeiro e Borba (2012) de que a participação no OP por seg
mentos de baixa renda contraria, em parte, o
modelo de centralidade da participação polí
tica, o qual propõe que a participação do indivíduo é maior na medida em que é mais central sua posição na estrutura social. Lüchmann
(2012) complementa esse argumento afirman
do que a inserção nas atividades do OP neutraliza, ao menos em parte, as assimetrias cognitivas e culturais dos segmentos desprivilegiados.
Conc lusão
Se o Brasil é um dos países com menores
índices de mulheres eleitas no continente, a sub-representação feminina pela via eleito
ral veio compensada pela ação ativa dos mo
vimentos e redes junto às agências do Estado. É inquestionável a singularidade do caso das
mulheres organizadas, assim como de outros grupos da sociedade civil.
Avançar nas pesquisas sobre a dinâmica
do caminho construído pelas mulheres, desde os primeiros movimentos às atuais instâncias
de participação/representação, é o que a ciência política e outras áreas de estudo têm feito,
como um compromisso com uma ciência sensível às questões de gênero (Lovenduski, 2005). Hoje, contudo, é inquestionável que no cená
rio das forças políticas em disputa, as mulheres
estão presentes como novos sujeitos políticos e
democráticos.
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