UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
RAQUEL SANTANA RABELO
BIOGRAFIA: OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LISBOA
2016
RAQUEL SANTANA RABELO
BIOGRAFIA: OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Dissertação de mestrado apresentada ao Gabinete de
Estudos Pós-Graduados da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
Área de concentração: Direitos Fundamentais
ORIENTADOR: Professor Doutor Alexandre Sousa
Pinheiro.
LISBOA
2016
RAQUEL SANTANA RABELO
BIOGRAFIA: OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Esta dissertação foi julgada adequada para a
obtenção do título de Mestre em Direito e aprovada
em sua forma final pelo Orientador e pela Banca
Examinadora.
Orientador: ____________________________________
Prof. Dr. Alexandre Sousa Pinheiro
Banca Examinadora:
Prof. Dr. ____________________________________________
Prof. Dr. ____________________________________________
Prof. Dr. ____________________________________________
Coordenador do Gabinete de Estudos Pós-Graduados:
Prof. Dr. ___________________________________
Lisboa, ___________________________________.
À minha mãe, Maria de Fátima, e ao meu noivo,
Miguel, sem os quais não seria possível a
concretização deste sonho.
Ao professor Doutor Alexandre Sousa Pinheiro, meus
mais sinceros agradecimentos.
Quando Li o Livro
QUANDO li o livro, a biografia
famosa,
E é isto então (disse eu) o que o autor
Denomina a vida de um homem?
E assim irá alguém quando eu estiver
Morto e acabado escrever minha
vida?
(Como se algum homem realmente
soubesse algo de minha vida,
Ora até eu mesmo com frequência
penso que pouco ou nada sei de
minha vida real,
Só algumas dicas, alguns sinais tênues
difusos e dissimulações
Busco traçar aqui para meu próprio
uso.)
(Walt Whitman1)
1 WHITMAN, Walt. Folhas de Relva Inscrições – Partindo de Paumanok, São Paulo: Gentil Saraiva
Junior, 2013, p. 35.
AGRADECIMENTOS
Fazer o curso de mestrado fora do meu país, especialmente na renomada Faculdade de
Direito de Lisboa, foi a realização de um acalentado sonho, que só se tornou possível
graças à participação de pessoas fundamentais na minha vida: meus pais e meu irmão.
A oportunidade de aprofundar no estudo dos Direitos Fundamentais nesta conceituada
instituição possibilitou-me o convívio com doutos e renomados professores que, a cada
aula, instigavam o meu gosto e o desejo de aprofundamento na matéria.
A cada um desses Mestres, meu agradecimento. Minha especial gratidão ao meu nobre
orientador, Professor Doutor Alexandre Sousa Pinheiro, pela generosidade em
compartilhar o seu saber e pelo indispensável apoio no desenvolvimento deste trabalho.
A elaboração de uma dissertação requer um exaustivo trabalho de pesquisa, que vai se
desdobrando na medida em que surgem novos questionamentos e diferentes anseios.
Duas pessoas foram fundamentais nessa etapa: minha Mãe e Miguel, o meu amor, que
estiveram ao meu lado durante todo esse período, incentivando-me e dando-me o
imprescindível suporte em cada página, em cada capítulo, tornando assim mais fácil a
realização do meu objetivo.
RESUMO
Com a evolução da sociedade, deu-se a necessidade da proteção de direitos
fundamentais cujo principal objetivo é a salvaguarda da dignidade do indivíduo. Dentre
os direitos fundamentais, a liberdade de expressão ocupa um lugar de inarredável
importância para a existência e preservação das sociedades democráticas. No mesmo
escopo, a proteção dos direitos da personalidade tornou-se essencial para a existência da
pessoa humana. A Constituição Brasileira de 1988 trouxe em seu texto, de forma
expressa, a proteção da liberdade de expressão e dos direitos da personalidade, quais
sejam: a vida privada, a intimidade, a honra e a imagem. Tais direitos passaram a
ser amplamente protegidos, com status de direitos fundamentais, essenciais, portanto, a
toda pessoa humana. Ocorre que, apesar de serem imprescindíveis, tais direitos não são
absolutos e podem vir a sofrer limitações por normas existentes na própria Constituição,
por leis e por colisão entre os próprios direitos fundamentais. Uma das principais
tensões existentes na sociedade contemporânea é o conflito entre a liberdade de
expressão e a vida privada. Um questionamento colocado em pauta na sociedade
brasileira é a necessidade de autorização do biografado, pessoas envolvidas ou de seus
familiares para publicação de biografias, indagação essa resultante da colisão entre esses
dois direitos fundamentais. Temos, de um lado, a liberdade de expressão e informação
que impede qualquer tipo de censura e, do outro lado, a proteção à vida privada que
garante que a esfera mais intima do indivíduo não seja divulgada e que sua honra e
imagem sejam respeitadas. Essa discussão foi objeto da ADI 4815 no Supremo Tribunal
Federal. O objeto de estudo do presente trabalho é a análise de quais seriam os limites
existentes à liberdade de expressão na publicação de biografias, ressaltando o
questionamento acerca de a necessidade de autorização constituir uma forma de censura
prévia que viola a liberdade de expressão ou apenas uma proteção à vida privada. Por
fim, a verificação das tutelas disponíveis ao indivíduo e as possíveis responsabilizações
quando ocorrerem violações aos diretos das personalidades.
Palavras-chave: Direito Fundamental à Liberdade de Expressão; Direito Fundamental
à Vida Privada; Autorização para Biografia; Colisão de Direitos; Responsabilidade.
ABSTRACT
As society evolved, the protection of fundamental rights became a necessity, aiming
mainly to protect the dignity of the individual. Among the fundamental rights, the
freedom of speech occupies a position of paramount importance to the existence and the
preservation of democratic societies. In this regard, the protection of the individual
rights became essential to the existence of the human person. The 1988 Brazilian
Constitution enshrined expressively the protection of the freedom of speech and the
individual rights, namely: the right to privacy and the safeguarding of one’s intimacy,
honour and image. These rights became widely protected as fundamental rights,
therefore essential to every human person. However, although they are indispensable,
they are not absolute and are subject to limitations imposed by norms present in the
Constitution itself, by laws and by the conflicts between fundamental rights. One of the
main tensions in contemporary society is the conflict between freedom of speech and
the right to privacy. A issue debated in Brazilian society is the need for authorization, in
order to publish biographies, from the subject of the biography, the people involved or
their relatives, a debate which stems from the conflict between these fundamental rights.
On the one hand, freedom of speech and access to information thwart any kind of prior
restraint; on the other hand, the right to privacy guarantees that the individual’s most
intimate realm will not be published and that his honour and image will be respected.
This discussion was the focus of the Direct Unconstitutionality Action 4815 in the
Brazilian Supreme Court. The aim of this essay is the analysis of which are the existing
limits to the freedom of speech regarding the publishing of biographies, highlighting the
debate whether the need for an authorisation is a form of prior restraint which violates
the freedom of speech or a means to protecting privacy. Finally, there will be an
analysis of the tutelage mechanisms to the individual and of the possible responsibilities
when violations of the individual rights occur..
Keywords: Fundamental Right of Freedom of Speech. Fundamental Right of Privacy.
Authorisation for Biography. Colision of Rights. Responsibility.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................ 14
1.1 Aspectos históricos .................................................................................................. 14
1.2 Aspectos relevantes dos direitos fundamentais .................................................... 19
1.3 O suporte fático e o âmbito de proteção dos direitos fundamentais .................. 25
1.4 Distinção conceitual entre os Direitos Fundamentais e os Direitos de
Personalidade ................................................................................................................ 32
2 DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO ....................................................................... 38
2.1 Considerações preliminares ................................................................................... 38
2.2 Aspectos históricos .................................................................................................. 42
2.2.1 Análise histórica da liberdade de expressão no Brasil ......................................... 47
2.3 Abordagem constitucional da liberdade de expressão ........................................ 50
2.4 A liberdade de expressão e o direito à informação .............................................. 57
2.4.1 O problema do Hate Speech ............................................................................... 62
2.5 A liberdade de expressão, o direito à informação e as biografias ...................... 71
2.6 Biografia .................................................................................................................. 75
2.6.1 Gênero Biografia ................................................................................................... 78
3 OS LIMITES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO ................................................. 84
3.1 Os limites e restrições dos direitos fundamentais ................................................ 84
3.2 Os direitos que restringem a liberdade de expressão .......................................... 92
3.2.1 Direito à Privacidade, à Intimidade e à Vida Privada.......................................... 92
3.2.2 Direito à Honra ................................................................................................... 100
3.2.3 Direito ao nome e Direito à Imagem .................................................................. 104
4 FORMAS DE TUTELA À LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM CONFLITO
COM DIREITOS DE PERSONALIDADE NA PUBLICAÇÃO DE BIOGRAFIA
...................................................................................................................................... 110
4.1 Proibição da censura ............................................................................................ 111
4.2 Espécies de tutelas ................................................................................................ 117
4.3 Responsabilidade .................................................................................................. 121
4.3.1 Responsabilidade civil ......................................................................................... 123
4.3.2 Responsabilidade penal ....................................................................................... 128
4.4 Direito de resposta ................................................................................................ 131
4.5 A Resolução 1165 (1998) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa
...................................................................................................................................... 134
5 ADI 4815 ................................................................................................................... 136
5.1 Apanhado jurisprudencial sobre as biografias .................................................. 136
5.2 Limites do Caso Concreto .................................................................................... 138
5.3 Análise da Decisão ................................................................................................ 160
CONCLUSÃO ............................................................................................................. 172
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 177
10
INTRODUÇÃO
Há muito, a ciência jurídica se ocupa em encontrar soluções para as colisões de
direitos que a sociedade, desde a modernidade, passou a tratar como fundamentais na
construção dos seus respectivos ordenamentos.
Agora, na contemporaneidade, é cada vez maior a importância desses direitos e
sua consequente proteção pelos ordenamentos jurídicos. A dificuldade reside, contudo,
no fato de que, por vezes, tais direitos se colidem e, nessa colisão, é mister encontrar a
sua adequada aplicação nos casos concretos.
Este trabalho, portanto, se debruçará na tentativa de encontrar a melhor solução
para eventuais limitações à liberdade de expressão face à proteção à honra e intimidade,
notadamente na publicação de biografias.
A biografia é um gênero literário de elevada importância histórica, cuja
finalidade é desvendar as vivências e movimentos culturais que permearam a trajetória
de determinada pessoa, bem como o contexto histórico-cultural em que o biografado
estava inserido. Embora os livros sejam a principal maneira de publicação das obras, as
formas de veiculação das narrativas biográficas são inúmeras, tais como sites, filmes,
revistas, documentários e televisão.
Por intermédio da leitura de biografias, o leitor é transportado, num
determinado contexto, para a vida de homens e mulheres que foram responsáveis, em
alguma medida, pela transformação do meio no qual viveram ou de pessoas, ainda que
comuns, ou sem elevada representatividade social, mas que, a partir de suas
experiências, ajudam a compreender o modelo de sociedade em que viveram.
Nesse escopo, mais do que uma forma de livre expressão do autor, a produção
e publicação de biografias são instrumentos essenciais na formação de uma determinada
opinião coletiva, tendo em vista que os fatos ocorridos e descritos na obra estão
incluídos na historiografia de um país, não podendo, portanto, serem decotados da
formação do arcabouço cultural de uma determinada sociedade.
Não é difícil perceber a importância da liberdade para o ser humano. É a partir
dela que se desenvolvem outros atributos essenciais ao indivíduo, permitindo, então, sua
inserção no ambiente coletivo. Como espécie desse gênero, a liberdade de expressão
também goza de sobrelevada importância, na medida em que garante ao ser humano,
membro de uma coletividade que o afeta e que é afetada por ele, a possibilidade de
11
expressar aquilo que pensa sobre a mais variada gama de assuntos. É a garantia que
todos possuem de refletir sobre a sociedade, outros membros e sobre si mesmos.
É repousado nesse direito que o biógrafo exerce seu múnus: pesquisar sobre a
vida de outros indivíduos e levar a público o produto da investigação. Não obstante, por
diversas vezes, as informações contidas nas obras biográficas versam sobre aquilo que,
talvez, o biografado gostaria que permanecesse oculto no mais íntimo silêncio.
Dito isso, fica claro perceber que o problema em relação a biografias é a
invasão do direito fundamental à vida privada, pois ao realizar a sua pesquisa e,
consequentemente, para ter acesso a toda história do biografado, o biógrafo
inevitavelmente irá adentrar na esfera privada daquele, revelando à sociedade fatos que
até então eram restritos ao âmbito mais íntimo2.
A legislação brasileira, mais precisamente o Código Civil, em seus artigos 20 e
21, era interpretada no sentindo de ser indispensável para publicação e veiculação de
biografias a autorização das pessoas biografadas ou envolvidas de qualquer forma na
obra biográfica (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas).
A interpretação até então extraída da referida legislação possuía como
justificativa resguardar, principalmente, os direitos fundamentais da intimidade e à vida
privada.
Entretanto, noutro giro, a necessidade da autorização do biografado ou da
pessoa que a represente para a publicação da biografia era vista como forma de
limitação aos direitos da liberdade de expressão e da informação, uma espécie de
censura privada.
De um lado da balança, tem-se a garantia fundamental da liberdade de
expressão e informação, que impede a censura a qualquer tipo de manifestação do
cidadão, e, do outro lado, tem-se o direito fundamental da intimidade da vida privada,
que protege que a esfera mais íntima da vida do indivíduo seja revelada.
2 Em parecer emitido na ADI 4815, a jurista Ana Paula de Barcelos afirma: “As liberdades de expressão e
de informação têm valor fundamental no sistema da Constituição de 1988, mas a inviolabilidade da
intimidade e da vida privada tem igual assento constitucional e decorre diretamente da dignidade humana.
Não é válido, portanto, hierarquizar esses direitos de ponderação caso a caso pelo juiz, que deverá levar
em conta a posição preferencial das liberdades referidas, o que, porém, não exclui a possibilidade de
tutela tanto específica quanto indenizatória para a proteção do direito personalíssimo”. Informação
retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo na
ADIN 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 19 jul. de 2016.
12
Diante desse questionamento, foi proposta, no Supremo Tribunal Federal
brasileiro, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, interposta pela
Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL), que tinha por objeto a declaração
de inconstitucionalidade sem redução de texto dos art. 20 e 21 da lei 10.406/2002 do
Código Civil. O principal questionamento da ação é a extensiva interpretação conferida
pelo Poder Judiciário na aplicação desses artigos. Como justificativa de proteção da
vida privada, a ausência de prévia autorização dos biografados ou de pessoas retratadas
como coadjuvantes – ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas – tem feito
com que biografias sejam proibidas. Em 10 de junho de 2015, o Supremo Tribunal, por
unanimidade, julgou procedente a ação para declarar inexigível a necessidade de
autorização para publicação de biografia.
Isso posto, investigar-se-á um pouco mais sobre os direitos fundamentais,
principalmente da liberdade de expressão e informação e da vida privada, quando ocorre
restrição desses direitos. Pretende-se, também, analisar de que maneira a autorização
para publicação da biografia consiste em restrição de direitos fundamentais e como esse
conflito está sendo solucionado no Brasil, assim como qual é a melhor solução para o
mesmo.
Para tanto, o primeiro capítulo discorrerá sobre os direitos fundamentais,
ressaltando os aspectos históricos mais relevantes que foram de grande valia e ajudaram
no desenvolvimento da matéria, proporcionando sua proteção de modo essencial nas
atuais sociedades. Esse capítulo inicial abordará, ainda, a forma como os direitos
fundamentais são protegidos e resguardados nas Constituições modernas, destacando o
suporte fático e âmbito de proteção de tais direitos e realizando, ao final, a distinção
entre direitos fundamentais e direitos da personalidade.
Em seguida, no segundo capítulo, será proposto um estudo aprofundado sobre
o direito fundamental da liberdade de expressão, trazendo os aspectos históricos, tanto
de ordem internacional quanto da ordem nacional brasileira, e realizando uma
abordagem constitucional da liberdade de expressão.
Então, passar-se-á à diferenciação entre a liberdade de expressão e informação,
analisando a forma como esses direitos estão ligados à biografia. Como não poderia ser
diferente, será, ainda nesse capítulo, definido o conceito do gênero biográfico.
Por seu turno, o terceiro capítulo se ocupará dos limites à liberdade de
expressão. Primeiramente, diferenciando limites e restrições de direitos e, então,
apresentando os direitos capazes de impor eventuais restrições à liberdade de expressão.
13
Serão estudados, ainda, o direito à privacidade, intimidade e vida privada, o direito à
honra, o direito ao nome e o direito à imagem.
Tendo em vista a colisão de direitos apresentada nos capítulos antecessores, o
capítulo quatro apresentará formas de tutela à liberdade de expressão em conflito com
os direitos da personalidade na publicação de biografia. Ao analisar a proibição à
censura, este trabalho apresentará a ideia do “discurso do ódio”: a intolerância a
opiniões divergentes e espécies de tutela; responsabilização civil ou criminal. Nesse
capítulo, ainda, encontra-se a análise sobre o direito de resposta e sua forma de
exercício.
Finalmente, no quinto capítulo, será analisada, mais amiúde, a ADI 4851 em
sua totalidade, ressaltando, principalmente, os dois lados da colisão entre os direitos
fundamentais da liberdade de expressão e da intimidade e privacidade. Insta salientar
que todo o trâmite processual da Ação Direta de Inconstitucionalidade foi objeto de
análise deste trabalho, desde a petição inicial até a sentença definitiva.
14
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS
“Agora eu afirmo: o homem – e, de maneira geral, todo o ser
racional – existe como um fim em si mesmo, e não apenas
como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em
todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a
ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve
ser ele sempre considerado simultaneamente como um fim”.
(Immanuel Kant3)
Inicialmente, faz-se necessária uma abordagem dos direitos fundamentais, visto
que o tema proposto se trata de um direito fundamental à liberdade de expressão, bem
como à privacidade, à imagem e à honra e de eventuais limitações aos mesmos, quando
da publicação de uma biografia.
1.1 Aspectos históricos
Em face a esse contexto e para uma melhor compreensão dos direitos
fundamentais, é indispensável a análise dos mesmos sob a perspectiva histórica, pois,
como consequência dessa evolução, surge o moderno Estado Constitucional, que possui
como um dos seus pilares a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos
fundamentais, de importância inarredável na sociedade moderna4.
Algumas ideias essenciais para o reconhecimento dos direitos fundamentais
tiveram início com a teologia cristã e possuem uma longa jornada que remonta desde a
época do Direito da Babilônia, da Grécia Antiga e da República Romana567
.
3 KANT, Immanuel, Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos, tradução de Leopoldo
Holzbach, São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 52. 4 SARLET, Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 252. 5 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 21. 6 Bem ensina o professor Alexandre Sousa Pinheiro: “A despeito do criacionismo e da intervenção de
titãs, a defesa e o progresso da humanidade só se concretizam com a passagem do indivíduo isolado para
a comunidade: espaço da política, da razão e do progresso. Não existe referência expressa ao elemento
contratual, embora vingue a necessidade de um entendimento colectivo no momento fundacional da polis
e dos restantes agregados humanos” (PINHEIRO, Alexandre Sousa. A privacy e a Protecção de Dados
Pessoais: A Construção Dogmática do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015,
p. 129). 7 Na lição de Ingo Sarlet, “Do Antigo Testamento, herdamos a ideia de que o ser humano representa o
ponto culminante da criação divina, tendo sido feito à imagem e semelhança de Deus. Da doutrina estóica
grego-romana e do cristianismo, advieram, por sua vez, as teses da unidade da humanidade e da igualdade
de todos os homens em dignidade (para os cristãos, perante Deus)” (SARLET, Ingo. A Eficácia dos
Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 252).
15
Na Idade Média, teve início a ideia da existência de postulados de limitação do
poder8. A partir do século XVI, ocorreu o desenvolvimento da doutrina dos direitos
naturais a partir das primeiras formulações sobre os direitos da pessoa humana9. Essa
doutrina teve seu ápice no século XVIII com a difusão da expressão “direitos do
homem”.
Inegável que as ideias existentes na Idade Média auxiliaram na construção dos
direitos fundamentais que, todavia, ganharam importância e começaram a se estabelecer
como tal quando das mudanças sociais, econômicas e políticas que ocorreram na
transição daquela para a Idade Moderna10
.
As ideias atinentes à dignidade humana foram emergindo e sendo disseminadas
ao longo do tempo, podendo, apenas para efeito de construção histórica, ser
8 “De suma importância foi o pensamento de Santo Tomás de Aquino, que, além da já referida concepção
cristã da igualdade dos homens perante Deus, professava a existência de duas ordens distintas, formadas,
respectivamente, pelo direito natural, como expressão da natureza racional por parte dos governantes
poderia, em casos extremos, justificar até mesmo o exercício o direito de resistência da população”.
(SARLET, Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 253). 9 Segundo o professor Ingo Sarlet, “John Locke foi o primeiro a reconhecer aos direitos naturais e
inalienáveis do homem (vida, liberdade, propriedade e resistência) uma eficácia oponível, inclusive, aos
detentores do poder, este, por sua vez, baseado no Contrato Social ressaltando-se, todavia, a circunstância
de que, para Locke, apenas os cidadãos (e proprietários, já que identifica ambas as situações) poderiam
valer-se dos direitos de resistência, sendo verdadeiros sujeitos, e não meros objetos do governo”
(SARLET, Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 254). 10
Nesse ponto, é válida a ressalva feita por Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins na análise do
surgimento histórico dos direitos fundamentais, visto apenas podemos falar na existência dos direitos
fundamentais desde que haja a conjunção de três elementos. O primeiro elemento é o Estado, como um
aparelho de poder centralizado que possa efetivamente controlar determinado território e impor suas
decisões por meio da Administração Pública, dos tribunais, da polícia, das forças armadas e também dos
aparelhos de educação e propaganda política. Sem a existência do Estado, a proclamação de direitos
fundamentais carece de relevância prática. Estes não poderiam ser garantidos e cumpridos e perderiam
sua função precípua, qual seja a delimitar o poder do Estado em face do indivíduo. Trata-se do Estado
Moderno, do Estado desenvolvido por Thomas Hobbes Estado “Leviatã”. O segundo é o indivíduo,
apesar de se tratar de um elemento evidente, não ser esquecido que no começo da humanidade, do ponto
de vista da teoria política e da filosofia as pessoas eram consideradas componentes de grandes ou
pequenos coletivos, sendo submetidos a tais coletivos impedidos de direitos próprios. Já o terceiro e
último elemento é o texto regulador da relação entre Estado e indivíduos, esse papel é desempenhado pela
Constituição que declara e garante determinados direitos fundamentais, proporcionando o indivíduo
conhecer sua esfera de atuação livre de interferências estatais e, ao mesmo tempo, vincula o Estado a
regras que proíbe cerceamentos injustificados das esferas garantidas da liberdade individual.
(DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 21-23). Nesse mesmo sentido, Jorge Miranda afirma a
indispensabilidade dos elementos para os direitos fundamentais: “Não há verdadeiros direitos
fundamentais sem que as pessoas estejam em relação imediata com poder, beneficiado de um estatuto
comum e não separados em razão dos grupos ou das instituições a que pertençam; não há direitos
fundamentais sem Estado ou, pelo menos, sem comunidade política integrada. Não há direitos
fundamentais sem reconhecimento duma esfera própria das pessoas, mais ou menos ampla, frente ao
poder político (...)” (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - Tomo IV - Direitos
Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 10);
16
estabelecido três grandes modelos de desenvolvimento dos direitos fundamentais: o da
Inglaterra, dos Estados Unidos e da França11
.
A Magna Carta da Inglaterra, apesar de não ser o único documento da época,
foi o primeiro ponto de referência na positivação dos direitos fundamentais, outorgada
por João Sem-Terra, em 1215, em decorrência do clima de descontentamento dos
nobres contra os abusos na taxação de impostos pela Coroa Inglesa12
.
Importante esclarecer que esse documento apenas possuiu um caráter formal,
embora tenha sido de extrema importância, pois delineava uma série de direitos
oponíveis ao rei e serviu para divulgar e consolidar alguns direitos e liberdades civis
clássicos, tais como o devido processo legal, o habeas corpus e a garantia da
propriedade13
.
Em 1216, a Magna Carta passou, entretanto, por uma edição que excluiu o
contraditório em processos e possibilitou a criação de impostos sem aprovação do
Parlamento, o que significou um retrocesso e desencadeou o surgimento de diversos
protestos populares. Todavia, 400 anos depois, no Século VII, foram elaborados
documentos que declararam alguns direitos fundamentais na Inglaterra, a saber: Petição
de Direitos de 1628, assinada por Carlos I; o Ato de Habeas Corpus de 1679, firmada
por Carlos II; e a Declaração de Direitos de 1689, promulgada pelo Parlamento. Nesses
documentos, foram reconhecidos direitos e liberdades aos cidadãos ingleses, tais como:
princípio da legalidade penal, a proibição de prisões arbitrárias, habeas corpus, o direito
de petição e alguma liberdade de expressão, tendo por consequência uma progressiva
limitação do poder monárquico e da afirmação do Parlamento14
.
No modelo inglês, os direitos fundamentais foram gradualmente se firmando,
na medida em que, no processo de transformação, os privilégios medievais foram sendo
estendidos para todo o povo. O Parlamento e o Poder Judiciário exerceram um papel de
fundamental importância nesse processo, vez que foram responsáveis pela paulatina
11
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 141; 12
COSTA, Lucina da Silva. Due Processo of Law e Jurisdição constitucional no estado de direito
democrático. In: LEAL, Rosemiro Pereira (Org.). Estudos continuados de teoria do processo: a pesquisa
jurídica no curso de mestrado em direito processual. 4. ed. v. 2. Porto Alegre: Síntese, 2001, p. 267-288. 13
LIMA, Juliano Vitor. Do princípio do devido processo legal. In: TAVARES, Fernando Horta (org.).
Constituição, direito e processo: princípios constitucionais do processo, Curitiba: Juruá, 2008. 338p. 14
SARLET, Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 256.
17
limitação das prerrogativas da realeza e instituição da liberdade de expressão, liberdade
de imprensa, garantias processuais e participação política15
.
Na América, a preocupação com a garantia dos direitos das pessoas eclodiu por
ocasião da intervenção da Coroa Inglesa em sua colônia, o que ocasionou uma série de
arbitrariedades cometidas pelo Parlamento inglês como, por exemplo, a restrição de
liberdades e aumento de impostos, medidas essas que provocaram um alto grau de
descontentamento entre os colonos16
. Tal insatisfação, aliada à influência de inspirações
iluministas, de direitos naturais e, ainda, ao anseio por uma lei fundamental,
desencadeou o movimento para a independência da América, que culminou com a
elaboração da Declaração de Independência das 13 colônias da Inglaterra, proclamada
em 12 de junho de 177617
.
Mas foi em 1791, com a inserção constitucional de uma “Declaração de
Direitos” (Bill of Rights), que os direitos como à liberdade, à igualdade, à propriedade, à
autonomia, à proteção da vida, à livre atividade econômica, à liberdade de religião e de
imprensa e à proteção contra a repressão penal foram reconhecidos18
.
Importante salientar que, não obstante à existência da Declaração de
Independência e a Declaração de Direitos, os governos estaduais independentes também
elaboraram suas respectivas Declarações, como, por exemplo, os Estados da Virginia,
Pensilvânia e New Jersey em 177619
.
No modelo francês, tem-se que, até o fim da Idade Média, havia um sistema de
normas familiares e tabus, sem qualquer norma de proteção do indivíduo, sobretudo em
relação aos fatos considerados criminosos e à pena aplicada20
.
A sociedade francesa era marcada por miséria, insegurança e privilégios reais o
que, junto aos grandes conflitos religiosos –com completa intolerância e caça aos 15
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 170; 16
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 171-172; 17
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 171-172; 18
Importante destacar um julgamento que auxiliou o reconhecimento dos direitos fundamentais. Em
1803, a Suprema Corte Americana decidiu, no caso Marbury vs. Madison, que o texto Constitucional
Federal é superior a qualquer outro dispositivo legal ainda que criado pelo legislador federal. Criando,
portanto, a supremacia da Constituição e consequentemente a supremacia dos direitos fundamentais
estabelecidos no texto constitucional, declarando a inconstitucionalidade de tudo que fosse contrário ao
que estava estabelecido. (DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos
Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 23-24. 19
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 180; 20
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 186-189;
18
protestantes –, aos graves problemas econômicos e à injusta distribuição de riquezas e
de poder, culminou com uma comoção generalizada contra os desmandos da realeza21
.
Vários esforços foram empreendidos no campo religioso com objetivo de
pacificar o reino. Exemplo disso foi o Édito de Nantes, que Henrique IV assinou em
1598, visando colocar fim aos conflitos religiosos com o reconhecimento da liberdade
de consciência religiosa22
.
Nos séculos seguintes, perseverou a perseguição religiosa aos protestantes o
que, aliado ao regime de arbitrariedades da Coroa, ao aumento da dívida pública e à
elevada tributação em contradição com os persistentes privilégios do clero e da nobreza,
desencadeou muitas revoltas, que tiveram como um dos marcos a queda da Bastilha em
14 de julho de 178923
.
Em meio aos conturbados movimentos revolucionários, em 26 de agosto de
1789, a Assembleia Nacional Constituinte da França Revolucionária aprovou a
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada definitivamente em 02 de
outubro do mesmo ano. Em 17 artigos e um preâmbulo que enfatizava os ideias
libertários e liberais da primeira fase da Revolução Francesa, dita Declaração proclamou
pela primeira vez as liberdades e direitos fundamentais do homem24
, tais como o direito
à liberdade, igualdade perante à lei, inviolabilidade da propriedade privada e resistência
a qualquer tipo de opressão, tendo servido de inspiração e de base para as futuras
constituições francesas e para a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão promulgada pelas Nações Unidas25
.
Importante salientar que o texto americano e o francês são equivalentes,
embora a visão do texto americano seja mais individualista e o texto francês prime mais
pelo interesse coletivo. Pode-se dizer que a declaração dos americanos enfatiza os
direitos fundamentais enquanto a francesa trouxe à luz a ideia de direitos humanos26
.
21
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 187; 22
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 190; 23
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p.192; 24
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 192; 25
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 192; 26
SARLET, Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 259.
19
Esse diferente enfoque decorre, inegavelmente, das inúmeras transformações
pelas quais a França passou no decorrer da Revolução Francesa, que culminaram com a
tomada do poder, edição de novas constituições e declarações. A revolução francesa foi,
indubitavelmente, um marco na transformação de valores, de visão de mundo, de
instituições políticas e jurídicas e, principalmente, na consagração de direitos do
homem27
.
Contudo, é com o fim da Segunda Guerra Mundial que os Direitos
fundamentais passam a gozar de proteção a nível planetário. A criação e o
fortalecimento de organizações internacionais pautadas na garantia da dignidade da
pessoa humana são instrumentos de coação aos Estados para que se respeitem valores
fundamentais ao ser humano28
.
Por fim, para que o homem fosse reconhecido como um ser detentor de direitos
e garantias, foi necessário um grande processo de transformações filosóficas e políticas.
Esse processo fez com que o homem deixasse de ser apenas um objeto e se tornasse
possuidor de dignidade e direitos, que devem ser assegurados pelo Estado.
1.2 Aspectos relevantes dos direitos fundamentais29
Atualmente, para se referir ao tema das garantias fundamentais, existem várias
expressões terminológicas, tais como “direitos do homem”, “direitos humanos”,
“direitos subjetivos públicos”, “direitos individuais”, “direitos humanos fundamentais”,
“liberdades públicas” e “liberdades fundamentais” 3031.
27
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 201. 28
SAMPAIO, José Adércio Leite, Direitos fundamentais: retórica e historicidade, Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, pag. 246 29
Este tema foi amplamente debatido pela autora desta dissertação quando da elaboração do Relatório de
Mestrado, para a matéria de Direitos Fundamentais, intitulado: Autorização para publicação de
biografia: duelo entre o direito fundamental da liberdade de expressão e o direito fundamental a vida
privada e publicado, em forma de artigo científico, posteriormente, no XXIV Congresso Nacional do
CONPEDI. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf>. Desse modo,
haverá diversos pontos de conexão entre os trabalhos, contudo, as referências foram devidamente
acrescentadas. 30
SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora 2013, p. 248;
20
Para se referir às garantias fundamentais, é usual lançar mão das expressões
“direitos humanos” e “direitos fundamentais” 32
. Essas terminologias, todavia, não se
confundem, na medida em que o âmbito de proteção dos direitos humanos é global,
geral, encontra abrigo no Direito Internacional e previsão nos tratados internacionais.
Os direitos fundamentais, por seu turno, referem-se a um núcleo mais restrito de
proteção, aplicável ao direito interno, e são salvaguardados nas correspondentes
Constituições de cada Estado3334
.
É importante ressaltar que, frequentemente, o que serve para definir um direito
fundamental é sua intenção de assegurar e promover a dignidade da pessoa humana35
.
31
Importante, nesse aspecto, trazer a passagem de José Adérico Leite Sampaio, sobre a proposta da
terminologia a ser adotada para a proteção dos direitos fundamentais: “Os contratualistas de Grocio a
Pufendorf, de Hobbes a Locke e Kant falavam em “direitos naturais” e em “direitos inatos” ou
“originários”, para destacar tanto a sua precedência ao pacto social quanto para denotar a sua
originalidade humana. A expressão “direitos humanos” ou “direitos do homem” aparece nos escritos dos
revolucionários modernos. Por reverberar ideias jusnaturalistas, seu emprego foi recusado pelos
positivistas dos oitocentos, que preferiam, na França, “liberdades públicas” ainda que falassem de
“direitos individuais” ou de liberdades individuais e, na Alemanha, “direitos fundamentais” como
designativos de certas posições ou situações jurídicas básicas dos indivíduos perante o Estado ou como
autolimitação do poder soberano estatal em benefícios de determinadas esferas de interesse privado”
(SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 7-8); 32
Nesse contexto, as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais” ganharam maior
importância após a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, que retomou a Dogmática
Constitucional que restringe “direitos humano” ora ao plano filosófico, ora à sua dimensão internacional,
expressando os direitos de uma comunidade estatal concreta mais como “direitos fundamentais.
(SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 7-8); 33
SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p. 261; 34
Importante, neste ponto destacar as considerações de Robert Alexy sobre a natureza dos direitos
fundamentais: “Os direitos fundamentais são, na verdade, direitos positivados, ou seja, direito positivo ao
nível da Constituição. No entanto, isto não é suficiente para explicar a sua natureza. A positivação
representa apenas uma face dos direitos fundamentais, ou seja, o seu lado real ou factual. Além disso, eles
possuem uma dimensão ideal. A razão para isto é que os direitos fundamentais são direitos que estão
consagrados na Constituição com intenção de transformar os direitos humanos em direito positivo – é a
intenção, por outras palavras, de positivar direitos humanos [Menschenrechte zu positivieren]. Esta
intenção é muitas vezes assumida, objetiva ou subjetivamente, pelo legislador constituinte. Além disso,
esta intenção é uma reivindicação daqueles que estabeleceram um catálogo de direitos fundamentais.
Nesse sentido é uma intenção objetiva. Pois bem, os direitos humanos são, em primeiro lugar, morais, em
segundo, universais, em terceiro fundamentais, e em quarto, direitos abstratos que em quinto lugar, têm
prioridade sobre outros tipos de normas (...)” (ALEXY, Robert. Direitos fundamentais e princípio da
proporcionalidade. Traduzido por Paulo Pereira Gouveia. Revista O Direito, ano 146º, 2014, IV, p. 817-
834). 35
Complementando essa ideia, Gilmar Ferreira Mendes dispõe: “Não obstante a inevitável subjetividade
envolvida nas tentativas de discernir a nota de fundamentalidade em um direito. E embora haja direitos
formalmente incluídos na classe direitos fundamentais que não apresentam ligação direta e imediata com
o princípio da dignidade da pessoa humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais,
atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade física e intima de cada ser humano, ao
postulado da igualdade em dignidade de todos os homens e à segurança. É o princípio da dignidade
humana que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça. Nessa medida,
há de convir em que “os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados
21
O reconhecimento do ser humano como tal, detentor de uma inerente
dignidade, foi o pressuposto para o estabelecimento dos direitos fundamentais que
foram sendo garantidos gradualmente no curso da evolução da sociedade e, hoje, são
um pilar do Estado Constitucional36
.
A dignidade da pessoa alcança todos os âmbitos da ordem jurídica, possuindo
como um dos seus maiores problemas os seus contornos e limites, vez que uma
concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana” (MENDES, Gilmar;
BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 140); 36 Nesse ponto, tendo em vista a importância do tema, faz-se necessário um breve resumo sobre a
evolução dos paradigmas de Estados existentes na nossa sociedade: “Primeiramente, os paradigmas
podem ser entendidos como modelo de realizações científicas de uma determinada época em que por
meio dessas é possível compreender a sociedade por meio dos seus problemas. Temos que o primeiro
paradigma constitucional da modernidade foi o Estado Liberal criado entre os séculos XVIII e XIX, que
se baseava em três princípios fundamentais: igualdade, liberdade e propriedade. A característica central
do Estado Liberal é a intervenção mínima do Estado na vida das pessoas, apenas assegurando,
formalmente a garantia dos direitos individuais, tidos como direito de primeira geração (BAHIA, 2004
apud RABELO, 2010). A Constituição, aqui, é compreendida como um estatuto jurídico-político
fundamental da organização da sociedade política do Estado. Um documento formal que apenas elenca os
direitos de primeira geração que não eram materializados. (CATTONI, 2002 apud RABELO, 2010).
Neste contexto temos um Poder Judiciário desacreditado com um juiz se atendo, estritamente, aos termos
da lei, em uma interpretação meramente gramatical, não passando, o processo, de um contrato entre as
partes. A lei é uma vontade subjetiva do legislador. (MAULAZ, 2002 apud RABELO, 2010). Ocorre que
no final do século XIX reinava uma profunda desigualdade econômica e social, com abuso do poder
econômico, péssimas condições de trabalho e a completa ausência de perspectiva dos menos favorecidos.
Tais discrepâncias motivaram a ocorrência de manifestações populares e revoltas, objetivando a
materialização de melhores condições de trabalho e o reconhecimento dos mínimos direitos sociais
coletivos. O paradigma do Estado Liberal foi então colocado em questão. (BAHIA, 2004 apud RABELO,
2010). Surge assim o paradigma do Estado Social cuja marca, é um Estado provedor de direitos,
intervencionista em diversas áreas, tais como: saúde, segurança, educação, economia, buscando a
materialização desses direitos no texto constitucional, direitos esses cuja materialização se dá no bojo do
texto constitucional. (BAHIA, 2004 apud RABELO, 2010). A Constituição deixou de ser um instrumento
formal que apenas tratava de elencar direitos, passando a se preocupar, também, com a efetivação dos
mesmos. (ROCHA, 2004 apud RABELO, 2010). O Poder Judiciário não mais se limita a uma tarefa
mecânica de aplicação da lei; desaparece a figura do juiz que decide gramaticalmente e surge o juiz que,
para decidir, utiliza-se de novos métodos capazes de extrair a vontade do legislador. (MAULAZ, 2002
apud RABELO, 2010). Todavia, verificou-se, por ocasião da segunda guerra mundial, que este estado
paternalista, na realidade, não conseguia garantir uma verdadeira justiça social e tampouco uma efetiva
participação do povo no processo político. O paradigma do Estado Social começou, assim, a ser
questionado. (MAULAZ, 2002 apud RABELO, 2010). Tem-se, pois, como terceiro paradigma
constitucional da modernidade, o Estado Democrático de Direito, ou Estado Constitucional, cujo modelo
é uma reconstrução dos anteriores e surgiu na tentativa de suprir as lacunas ainda existentes, não sanadas
pelos mesmos. (CATTONI, 2004 apud RABELO, 2010). Aqui, tem-se uma isonomia entre o cidadão e o
Estado e uma conciliação entre o público e o privado. Passam a ser consagrados, neste novo paradigma,
os direitos de terceira geração (direitos difusos) e feita uma releitura daqueles de primeira e segunda
geração (direitos individuas, coletivos e sociais, respectivamente), consagrados nos paradigmas
anteriores. (MAULAZ, 2002 apud RABELO, 2010). O Estado Democrático de Direito possui assim
como suas características: a lei como expressão da vontade geral; divisão dos poderes; direitos, liberdades
e garantias fundamentais com sua efetiva materialização. Aqui, tem-se a constituição como a lei maior,
que incorpora normas, princípios, institutos, que vão nortear as ações de toda a sociedade nas esferas
administrativa, judicial e legislativa, garantindo às pessoas, consequentemente, seus direitos fundamentais
(SILVA, 2004 apud RABELO, 2010). (RABELO, Raquel Santana. A sumarização da cognição nos
termos do art. 285-A em face de um processo constitucional no Estado Democrático de Direito. Belo
Horizonte: Instituto de Educação Continuada da PUC Minas (IECPUC Minas), 2010, p. 335-349).
22
percepção de maneira generalizada acarreta um grau de abstração tão complexo que
dificulta a aplicação das normas que a protege37
.
Temos, portanto, que os direitos fundamentais podem ser compreendidos como
direitos intrínsecos à própria condição de pessoa38
. São direitos elementares da base
jurídica da vida humana, que garantem sua dignidade e limita o poder do Estado contra
arbitrariedades39
.
Nesse contexto, no que tange à titularidade, não se pode negar que todos os
seres humanos são titulares dos direitos fundamentais, valendo lembrar que pessoas
jurídicas também podem vir a ser sujeito ativo desses direitos4041
.
Independentemente de as pessoas físicas serem protagonistas dos direitos
fundamentais e detentoras, com exclusividade, de alguns deles, como, por exemplo, no
que diz respeito à prisão, ressalte-se que não pode existir recusa de reconhecimento dos
mesmos para as pessoas jurídicas, como, por exemplo, no que concerne à aplicação do
princípio da igualdade, da proteção ao sigilo de correspondência, da proteção da
inviolabilidade de domicilio e da proteção do direito à honra e imagem4243
.
Quanto ao sujeito passivo, inicialmente, os direitos fundamentais possuíam a
finalidade precípua de estabelecer limitações em face dos poderes públicos, mas sua
37
MORAIS, Maria Celina. O Conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo.
In: COUTINHO, Adalcy Rachid; SARLET, Ingo Wolfgang (Org.); et al. Constituição, Direitos
Fundamentais e Direito Privado. 2. ed. ver. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 118-
119. 38
Um princípio característico dos direitos fundamentais é da universalidade que impõe que todos
humanos são titulares dos direitos fundamentais. Não obstante, existir nas Constituições Democráticas
algumas reservas de direitos para os seus nacionais. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, COIMBRA: Editora Almedina 2013, p. 380) 39
Segundo Dimitri Dimouluis e Leonardo Martins, os direitos fundamentais são: “direitos público-
subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que
encerram caráter normativos dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal
em face da liberdade individual. Essa definição permite uma primeira orientação na matéria ao indicar
alguns elementos básicos, a saber: a) os sujeitos da relação criada pelos direitos fundamentais (pessoa vs.
Estado); b) a finalidade desses direitos (limitação do poder estatal para preservar a liberdade individual);
c) sua posição no sistema jurídico, definida pela supremacia constitucional ou fundamentalidade formal”
(DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 46-47). 40
MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013, p.
195; 41
Não é o objetivo deste trabalho a discussão da titularidade da pessoa jurídica no âmbito dos direitos
fundamentais, entretanto, um questionamento muito importante a respeito dessa matéria, ressaltada pelo
Ministro Gilmar Mendes, é a possibilidade da pessoa jurídica direito público ser titular de direitos
fundamentais uma vez que essas garantias são principalmente em face dos Poderes Públicos. (MENDES,
Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva 2013, p. 195) 42
Nesse sentido, é importante trazer a súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça brasileiro que
consolida o entendimento que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”; 43
MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva - 2013, p.
195;
23
aplicação se estendeu ao longo da história ao âmbito privado, figurando, pois, como tal,
o Estado e os particulares44
.
Os direitos fundamentais são uma unidade em cada ordenamento
constitucional. Entretanto, isso não impede que sejam estabelecidas espécies, a partir de
ângulos diversos, o que significa dizer que, embora os direitos fundamentais sejam um
todo, é possível se fazer uma subdivisão, a partir da ótica em que são analisados45
.
No que concerne à classificação dos direitos fundamentais, a despeito das
críticas existentes, neste trabalho, considera-se que a de Jellink ainda é a melhor
categorização para distingui-los de forma mais adequada, adotando como critério a
forma de relacionamento entre as esferas do Estado e o indivíduo. Seguindo a
compreensão do autor, cada direito fundamental constitui um direito individual que
vincula o Estado46
.
A teoria desenvolvida por Jellink resume os quatro status em que o indivíduo
pode se encontrar diante do Estado e é possível sintetizá-la da seguinte maneira: a)
Status subjetivo ou status passivo: indivíduo subordinado ao Estado acarretando
deveres; b) Status negativo ou status libertatis: o indivíduo possui uma liberdade em
relação à gerência do Estado; c) Status Civiatis ou status positivo: exige que o Estado
atue positivamente, realizando uma prestação para sociedade; d) Status Ativo ou Status
da cidadania ativa: o indivíduo desfruta da sua atitude ativa para influir na formação de
vontade do Estado4748
.
A teoria de Jellinek é a pedra fundamental sob a qual se desenvolveram as
espécies de direitos fundamentais cujo núcleo, “a priori”, reside na análise do indivíduo
perante o Estado. Assim o é, e ver-se-á neste trabalho que a vida privada e a liberdade
de expressão são direitos fundamentais defendidos pelo indivíduo perante o Estado49
.
44
Nesse sentido, é importante trazer a passagem do Ministro Gilmar Mendes: “Ganhou alento a
percepção de que os direitos fundamentais possuem uma feição objetiva, que não somente obriga o
Estado a respeitar os direitos fundamentais, mas que também o força a fazê-los respeitados pelos próprios
indivíduos, nas suas relações” (MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2013, p. 195; 45
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p.
93; 46
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 50-59. 47
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editora, 2008, p. 254-269; 48
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografia: duelo entre o Direito
Fundamental da Liberdade de Expressão e o Direito Fundamental a Vida Privada. Belo Horizonte:
CONPEDI, 2015, 551p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf> 49
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
24
Nesse passo, tem-se como primeira espécie o direito fundamental como direito
de defesa ou direito de resistência. Reflete a imposição feita ao Estado em se abster, ou
seja, um dever de não interferência no espaço de autodeterminação do indivíduo e é,
desse modo, uma limitação à ação do Estado. Inexoravelmente, é a garantia contra
intervenções estatais arbitrárias na esfera individual, particular. São normas de
comportamento negativo do Estado. Incluem-se, aqui, o direito à liberdade de
manifestação de pensamento, à liberdade de expressão artística e à inviolabilidade da
vida privada. Concretamente, é possível apresentar como exemplo o direito da
privacidade que constitui um impeditivo ao Estado de divulgar determinados dados
pessoais e o direto à liberdade de manifestação que assegura que o Estado não pode
censurar a atividade jornalística50
.
O direito de prestação, segunda espécie de direitos fundamentais, por seu turno,
demanda do Estado ações no sentido de amenizar desigualdades. Essa espécie delega ao
Estado o múnus de atuar para suprir as necessidades individuais, sendo essa espécie
reconhecida como direito à promoção. A prestação pelo Estado pode ser dividida em
prestação jurídica ou material. A primeira se concretiza a partir da criação de
mandamentos jurídicos aptos a tutelar interesses individuais. Seu objeto, portanto, é a
normatização pelo mesmo do bem jurídico protegido como direito fundamental. Como
exemplo, pode-se citar que o acesso à justiça como direito fundamental apenas será
possível após edição de normas organizativas51
.
No que se refere às prestações materiais, por outro lado, tem-se os direitos
sociais por excelência, concebidos com o desiderato de mitigar, de fato, as
desigualdades sociais, prevendo a utilização concreta por toda a coletividade, embora é
sabido que sua efetivação está vinculada e dependente da riqueza nacional, ou seja, da
possibilidade econômica disponível ao ente estatal. Noutros termos, para que a
concretização se torne possível, é indispensável uma conjuntura econômica favorável,
com a disponibilidade de riquezas por parte do Estado, responsável por assegurar,
minimamente, condições aptas a possibilitar uma existência digna às pessoas52
.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, p.551 Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf> 50
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p.
98; 51
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p.
99; 52
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p.
99;
25
O direito de participação, por derradeiro, é o terceiro gênero de direito
fundamental. Sua concepção reside na orientação com vistas a garantir a participação
efetiva dos cidadãos na construção política da nação a qual pertencem. É a possibilidade
de interferência individual nas escolhas estatais. Essa espécie se materializa, por
exemplo, com o sufrágio, o plebiscito e o referendo53
.
A garantia constitucional dos direitos fundamentais é, pois, a viga mestra em
toda sociedade moderna e em todo Estado de Direito, é o que vem sendo conquistado ao
longo da história da humanidade, instrumento inarredável no resguardo da dignidade
humana, sobretudo, contra o arbítrio do Estado.
1.3 O suporte fático e o âmbito de proteção dos direitos fundamentais
Importante salientar que a presente dissertação não possui como objeto o
estudo aprofundado do âmbito de proteção e suporte fático das normas de direito
fundamentais e das teorias correlacionadas, razão pela qual faremos uma breve
introdução a fim de possibilitar uma melhor clareza na busca de solução no que
concerne à aplicação do direito fundamental da liberdade de expressão e da vida privada
face à publicação de uma biografia54
.
Para uma melhor compreensão dos direitos fundamentais, dois conceitos são
centrais: o conceito de suporte fático e o do âmbito de proteção desses direitos.
Não é tarefa fácil a definição de suporte fático no ramo dos direitos
fundamentais. Usualmente, esse conceito é mais conhecido no Direto Penal, chamado
de tipo penal, e no Direito Tributário, por meio das expressões fato gerador e hipóteses
de incidência 55
.
53
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p.
99; 54
Para um melhor estudo sobre tema, vide NOVAIS, Jorge. As Restrições aos Direitos Fundamentais não
Expressamente Autorizadas pela Constituição.; SARLET, Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais.;
SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia; ALEXY,
Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais.; MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo
IV, Direitos Fundamentais. 55
No Direito Constitucional brasileiro, esse conceito não é aprofundado o quanto se deveria. Isso porque,
segundo Virgílio Afonso da Silva, o Direito Constitucional brasileiro, principalmente anterior à
Constituição de 1988, sempre foi um Direito Constitucional da organização estatal, de organização dos
Poderes e menos um Direito Constitucional dos direitos fundamentais. E o segundo ponto que é menos
comum no Direito Constitucional brasileiro o método de trabalho analítico. E é sobretudo a partir da
dogmática analítico-conceitual-preocupada, entre outras coisas, com uma minuciosa análise conceitual e
com a reconstrução de complexos problemas teóricos e práticos a partir de seus elementos constitutivos
mais simples – que a necessidade de, e principalmente, a utilidade da definição de um suporte fático para
26
Inicialmente, para conceituar suporte fático, é necessário que se faça uma
distinção entre suporte fático abstrato e suporte fático concreto. O suporte fático
abstrato corresponde aos fatos ou atos do mundo que são descritos por determinada
norma e para cuja realização ou ocorrência se prevê uma consequência jurídica
específica. Por outro lado, quando da ocorrência da norma prevista abstratamente no
mundo dos fatos, temos o suporte fático concreto56
.
Importante salientar que, para a ocorrência do suporte fático concreto, é de
extrema importância a delimitação do suporte fático abstrato, pois, é a partir da sua
construção em abstrato que possibilitará sua aplicação em concreto.
O suporte fático abstrato é a descrição dos elementos dos fatos ou atos do
mundo em que se é prevista determinada consequência jurídica, sendo que o suporte
fático concreto apenas acontecerá caso ocorra a ocorrência do fato ou da norma57
.
A verificação do suporte fático e sua extensão são de suma importância para a
aplicação das normas de direitos fundamentais, pois afeta a fundamentação das
restrições, o sopesamento entre os direitos, a subsunção, as colisões e, principalmente,
sua concretização58
.
Outro ponto a ser destacado é que a consequência jurídica da norma apenas
ocorrerá se o suporte fático for preenchido e todas suas condições forem satisfeitas59
.
O suporte fático é composto por dois elementos. O primeiro é o âmbito de
proteção, que é a previsão do que será protegido pela norma; e o segundo é a
intervenção estatal, que é aquilo contra o qual é protegido60
.
O âmbito de proteção corresponde aos fatos, atos, estados ou posições jurídicas
que são preservados pela norma que garante o direito fundamental61
.
Noutro giro, a intervenção estatal corresponde à atuação positiva ou negativa
do Estado, a depender do tipo de direito envolvido. Tratando-se de liberdades públicas,
não deverá ocorrer a intervenção e, caso ocorra, deverá ser coibida. No que se refere,
os direitos fundamentais ficam patentes. (SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial,
restrições e eficácia, São Paulo: Malheiros Editora, 2009, p. 66); 56
SILVA, Virgílio, Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 68; 57
SILVA, Virgílio, Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 68; 58
SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 70; 59
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais São Paulo: Malheiros Editora, 2008, p. 307; 60
SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 70; 61
SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 72;
27
entretanto, aos direitos sociais, para garantir sua promoção, é indispensável a
intervenção estatal e, caso se verifique uma omissão, é necessário que o Estado aja.
É indispensável e essencial pois, para o preenchimento do suporte fático, a
intervenção estatal na esfera de liberdade protegida do indivíduo62
.
Na concepção de Alexy e Borowski, citada por Virgílio Afonso da Silva, temos
que, em contraponto ao suporte fático, estaria a fundamentação constitucional. Ou seja,
quando se tem algo que é protegido pelo âmbito de direito fundamental e ocorre uma
intervenção estatal não-fundamentada, ocorrerá a consequência jurídica prevista pela
norma de direito fundamental para o caso, que normalmente é a exigência da cessação
da intervenção estatal63
.
Entretanto, discordando de Alexy e Borowski, o professor Virgílio Afonso da
Silva leciona que a fundamentação constitucional não deve ser contraposta ao âmbito de
proteção e à intervenção estatal, eis que se trata de um terceiro elemento do suporte
fático.
Na concepção do professor, apenas a junção do âmbito de proteção e a
intervenção estatal, por si só, não é suficiente como elemento do suporte fático. Nas
palavras do autor:
(...) se suporte fático são os elementos que, quando preenchidos, dão ensejo
à realização do preceito da norma de direito fundamental, é facilmente
perceptível que não basta a ocorrência desses dois elementos para que a
consequência jurídica de um direito de liberdade seja acionada. É ainda
necessário que não haja fundamentação constitucional (não-FC) para
intervenção. Se houver fundamentação constitucional para a intervenção
estar-se-á diante não de uma violação, mas de uma restrição constitucional ao
direito fundamental, o que impede a ativação da consequência jurídica. Por
isso, parece-me mais correto definir suporte fático não apenas como (APx e
IEx), mas, incluir nesse conceito a ausência de fundamentação
constitucional64
.
Neste trabalho, será adotado o conceito de suporte fático como a soma do âmbito
de proteção, da intervenção estatal e a ausência de não fundamentação constitucional
defendida pelo professor Virgílio Afonso da Silva, considerando ser esse, a priori, o
conceito que melhor se adéqua aos direitos fundamentais da liberdade de expressão e da
62
SIQUEIRA, Julio Pinheiro F. H. Direitos fundamentais e suporte fático: notas a Virgílio Afonso da
Silva. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n. 6, p. 67-80, jun./dez. 2009. 63
SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 74. 64
SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 74-75.
28
vida privada, uma vez que qualquer restrição a esses direitos deverá estar em
consonância com a Constituição.
Diante do exposto, surgem os seguintes questionamentos: qual seria o bem
realmente protegido? Qual seria a verdadeira extensão do âmbito de proteção e da
intervenção estatal? As respostas para essas dúvidas dependerão da teoria a ser adotada,
se restritiva ou ampliativa do suporte fático.
Como dito, são duas as teorias que trazem à baila o suporte fático no âmbito
dos direitos fundamentais. Uma que defende o suporte fático restrito e outra que
defende o suporte fático amplo.
A teoria do suporte fático restrito possui como principal característica a não
garantia de algumas ações, estados ou posições jurídicas, ou seja, uma ausência de
proteção pela norma de direito fundamental em determinadas situações ou
circunstâncias em que o âmbito de proteção do direito fundamental não é
salvaguardado65
.
A teoria restritiva analisa previamente quais são as delimitações existentes para
aquele âmbito de proteção, apurando, consequentemente, a sua extensão.
As delimitações consistem na análise de quais são os limites estabelecidos: se a
Constituição prevê limitações constitucionais, se o legislador infraconstitucional
determina limitações legais ou se já há limitações imanentes. É por meio dessas balizas
que a teoria restritiva do suporte fático busca determinar o que é realmente protegido
pelo âmbito de proteção66
.
Nesse escopo, tem-se que, caso exista alguma limitação previamente
estabelecida para um direito fundamental, o seu âmbito de proteção será menor e,
consequentemente, seu suporte fático será restrito.
De acordo com a teoria restritiva e aplicando-a para os direitos fundamentais
previstos na Constituição Brasileira de 1988, tem-se como exemplo o art. 5º XI, que
garante a inviolabilidade de domicílio. Porém há uma limitação constitucional ao
afirmar que é permitido entrar em determinado domicílio sem consentimento no caso de
flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou, durante o dia, por determinação
judicial. Ainda, o mesmo artigo 5º, no inciso XII, garante o sigilo da correspondência,
das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas. Porém, no
65
SIQUEIRA, Julio Pinheiro F. H. Direitos fundamentais e suporte fático: notas a Virgílio Afonso da
Silva. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n. 6, p. 67-80, jun./dez. 2009, p. 71. 66
SIQUEIRA, Julio Pinheiro F. H. Direitos fundamentais e suporte fático: notas a Virgílio Afonso da
Silva. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n. 6, p. 67-80, jun./dez. 2009, p. 71.
29
caso das comunicações telefônicas, o sigilo poderá ser quebrado em determinadas
circunstâncias. Verifica-se, com esses exemplos, que, em situações específicas, a
inviolabilidade do domicilio e o sigilo telefônico não serão protegidos pelo seu âmbito
de proteção, evidenciando uma aplicação da restrição do suporte fático.
O professor José Vieira de Andrade, a fim de demonstrar a aplicação da teoria
restritiva, traz os seguintes questionamentos: a liberdade religiosa pode proteger
sacrifícios humanos ou pode justificar a poligamia? A liberdade artística protege a
morte de um ator no palco? A liberdade de reunião protege a utilização de edifícios
povoados sem prévia autorização? O autor afirma, incontestavelmente, que a resposta é
não para todas as afirmativas. Partindo desse pressuposto, assevera, ainda, que o próprio
preceito constitucional exclui da respectiva esfera normativa tais situações, sendo,
portanto, uma hipótese de incidência do suporte fático restritivo67
.
Outro exemplo de aplicação da teoria restritiva é a decisão do juiz de primeira
instância no caso conhecido como “Doca Street”. Ângela Maria Fernandes Diniz foi
morta em sua residência, na praia de Armação dos Ossos, em Búzios, Rio de Janeiro, no
dia 30 de dezembro de 1976. O autor, que ficou conhecido pela alcunha de Doca Street,
acusado pelo assassinato, foi absolvido no primeiro julgamento, em 1979, mas
condenado a 15 anos de prisão no segundo, em 1981. Doca Street ficou preso por sete
anos e foi solto em 1987. A Rede Globo de Televisão produziu e transmitiu, em 2003,
um programa de TV sobre o caso. Doca Street tentou, na época, proibir a transmissão,
mas sem sucesso. Posteriormente, pleiteou indenização em razão disso. O Juiz da 19ª
Vara Cível do Rio de janeiro, em sua decisão, havia entendido que existiu abuso na
produção e divulgação do programa, ressaltando ainda que o caso foi divulgado em um
programa e não em uma reportagem e, por isso, não há que se falar em liberdade de
imprensa. Temos, portanto, que nessa decisão o direito fundamental da liberdade de
imprensa não abrangeria essa espécie de programa68
.
No Supremo Tribunal Federal (STF), temos como exemplo de aplicação do
suporte fático restrito o voto vencido do Ministro Moreira Alves no julgamento do
“caso Ellwanger” (HC 822424), em que o réu foi condenado pelo Tribunal do Rio
Grande do Sul pelo crime de racismo ao publicar obras que incitavam o preconceito e a
67
SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 81-82; 68
GLOBO pagará R$ 250 milhões a Doca Street por danos morais. JusBrasil. Brasília, 2005. Disponível
em: <http://expresso-noticia.jusbrasil.com.br/noticias/135749/globo-pagara-r-250-mil-a-doca-street-por-
danos-morais> Acesso em: 23 ago. de 2016.
30
descriminação pelos judeus. O réu recorreu ao STF, afirmando que os judeus não são
uma raça, mas um grupo religioso e, após nove meses de debate, em 2003, a Suprema
Corte confirmou a disseminação de ideias discriminatórias e antissemitas. Entretanto, o
voto vencido do Ministro Moreira Alves afirmava que o racismo apenas incluiria em
seu âmbito de proteção a discriminação contra raça negra e não de outras raças69
.
A teoria do suporte fático amplo também trabalha com a extensão do âmbito de
proteção, entretanto, ao invés de questionar o que deve incluir ou não, passa a analisar
as fundamentações constitucionais das intervenções. O foco sai da definição do que é ou
não protegido para uma argumentação da fundamentação da intervenção70
.
Partindo desse pressuposto, tem-se que a teoria ampla do suporte fático
engloba, no âmbito de proteção do direito fundamental, tudo aquilo que seja favorável à
sua proteção71
.
Na teoria ampliativa, ocorre a extensão do âmbito de proteção e,
consequentemente, a ampliação do conceito de intervenção estatal.
Podemos depreender que, em face à teoria ampla do suporte fático, a definição
do âmbito de proteção de um direito fundamental, ou seja, quais condutas e situações
seriam protegidas pelo mesmo, dependerá de um sopesamento, diante da situação
concreta, antes que se decida pela proteção definitiva ou não. As teorias que se baseiam
em um suporte restrito, por sua vez, contêm em sua própria definição aquilo que é,
definitivamente, protegido.
Em síntese, a grande diferença entre o suporte fático restrito e amplo é que, no
primeiro, é necessário apenas definir o que é ou não protegido, enquanto que, no
segundo, torna-se necessária uma análise da situação concreta e de todas as normas
aplicáveis para definição da sua real proteção72
.
Na teoria ampliativa, temos a separação daquilo que é protegido prima facie do
que é protegido definitivamente. Em um primeiro momento, tudo está protegido pelo
âmbito de proteção do direito fundamental, entretanto, apenas após a verificação da
situação concreta que se poderá definir o que realmente é assegurado.
69
STF nega Habeas Corpus a editor de livros condenado por racismo contra judeus. Notícias STF.
Brasília, 17 set. de 2003. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=61291> Acesso em: 23 de agosto
de 2016 70
SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 94; 71
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editora, 2008, p. 322; 72
SIQUEIRA, Julio Pinheiro F. H. Direitos Fundamentais e Suporte Fático: notas a Virgílio Afonso Da
Silva. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n. 6, p. 67-80, jun./dez. 2009, p. 74.
31
Para melhor compreensão da teoria ampla, no caso, por exemplo, do direito
fundamental da liberdade de expressão assegurado na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, há que se perguntar o que é assegurado por tal direito. O
art. 5, IX da referida Carta Magna prevê que é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Não
importa o conteúdo, não importa a forma, não importa como, esse direito é protegido
por inteiro.
Então, o questionamento que se passa a fazer é se estamos diante de um direito
absoluto. E a reposta é negativa, isso porque, prima facie, o direito fundamental é
salvaguardado de uma maneira ampla, para posteriormente sofrer alguma limitação73
.
Nas palavras do professor Virgílio temos que:
O que significa que para toda ação, estado, ou posição jurídica x que seja
abarcada pelo âmbito de proteção de um direito fundamental (APx) e que
tenha sofrido uma intervenção estatal não fundamentada constitucionalmente
deverá ocorrer a consequência jurídica desse direito, atingindo, que, em geral,
é a exigência da cessação da intervenção. Caso a intervenção seja
fundamentada, o direito fundamental sofreu uma intervenção estatal
fundamentada, estamos diante de uma restrição. 74
Trazendo o mesmo exemplo da decisão do STF sobre o “caso Ellwanger” (HC
822424), ocorre também a aplicação da teoria do suporte fático amplo, como no voto do
Ministro Celso de Mello em que afirma que apenas “existe uma raça: a espécie
humana”, portanto, “aquele que ofende a dignidade de qualquer ser humano,
especialmente quando movido por razões de cunho racista, ofende a dignidade de todos
e de cada um” 75
. No mesmo sentido, o Ministro Carlos Velloso indeferiu o Habeas
Corpus, por acreditar que o antissemitismo é uma forma de racismo. Segundo o
ministro, nos livros publicados por Ellwanger, os judeus são percebidos como raça,
porque há pontos em que se fala em “inclinação racial e parasitária dos judeus”, o que
configuraria uma conduta racista, vedada pela Constituição Federal. Nesses votos, o
âmbito de proteção contra o racismo é amplo e verifica-se que não existe nenhuma
73
SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 110; 74
SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 110; 75
STF nega Habeas Corpus a editor de livros condenado por racismo contra judeus. Notícias STF.
Brasília, 17 set. 2003. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=61291> Acesso em: 20 de agosto
de 2016
32
restrição constitucional fundamentada no que tange à limitação da proteção do racismo
para negros, portanto, a aplicação desse direito é da forma mais ampla possível76
.
A teoria do suporte fático amplo é a melhor a ser seguida visto que o caminho
oferecido pela mesma possibilita uma maior proteção dos direitos fundamentais, vez
que não existe uma restrição de imediata, que apenas acontecerá após uma análise do
caso concreto.
Após essas premissas, algumas conclusões são necessárias para o
prosseguimento do estudo. Como visto, o suporte fático é a junção do âmbito de
proteção, intervenção estatal e a fundamentação constitucional, devendo ser aplicado de
forma ampla.
No tema sob análise, tem-se a liberdade de expressão como um direito
assegurado de forma ampla, devendo o Estado intervir para proteção do mesmo. Na
outra ponta, há o direito à privacidade, também assegurado de forma ampla, competindo
ao Estado, também aqui, a sua proteção. A Biografia é uma manifestação da liberdade
de expressão, assegurada pela Constituição Federal e cuja publicação afeta o direito à
privacidade. Aparente conflito será analisado no decorrer do presente trabalho com
indicativo de solução.
1.4 Distinção conceitual entre os Direitos Fundamentais e os Direitos de
Personalidade
Demonstrada a evolução dos direitos fundamentais e sua conceituação,
importante se faz que seja estabelecida a distinção desses conceitos em relação aos
direitos de personalidade77
.
Com o advento da Declaração dos Direitos do Homem de 1948, a dignidade da
pessoa humana78
passou a ser reconhecida como valor inerente a todos os seres
76
STF nega Habeas Corpus a editor de livros condenado por racismo contra judeus. Notícias STF.
Brasília, 17 set. 2003. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=61291> Acesso em: 20 de agosto
de 2016. 77
Este trabalho não repousa seu objeto de estudo sobre a análise aprofundada sobre os direitos da
personalidade. Sobre esse tema, ver: SOUSA, Rabindranath Valetino Aleixo Capelo de., O Direito Geral
de Personalidade, 1. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011; CORDEIRO, António Menezes. Tratado de
Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo II, Pessoas. Lisboa: Almedina, , 2007; e BITTAR, Carlos
Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. Por Eduardo C. b. Bittar. São Paulo:
Saraiva, 2015. 78
Importante alusão de Maria Celina Bodin de Moraes: “Foi imperioso que se reconhecesse o ser
humano como sujeito de direitos e, assim, detentor de uma “dignidade” própria, cuja base (lógica) é o
33
humanos, de relevância central na ordem jurídica internacional, projetando como
princípio universal para a inspiração do direito interno dos povos civilizados,
influenciando principalmente as Constituições da segunda metade do século XX79
.
A dignidade da pessoa humana passa, então, a ser o valor fundamental e o
centro de todo sistema jurídico; as normas passam a ser elaboradas objetivando a
realização existencial, com múnus de garantir um mínimo de direitos fundamentais que
sejam vocacionados para proporcionar ao homem uma vida com dignidade80
..
Temos, portanto, que os direitos atribuídos à pessoa humana tanto no escopo
social quanto referenciada sob seu próprio prisma, “na defesa de valores inatos do
homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, o segredo, o respeito, a honra, a
intelectualidade e outros tantos” 81
devem ser obrigatoriamente protegidos por todos e
pelo Estado.
Nesse contexto, duas espécies de direito, em especial, convergem para a
proteção da dignidade da pessoa humana: os direitos fundamentais e os direitos da
personalidade.
Em linhas gerais, segundo Orlando Gomes, os direitos da personalidade82
compreendem os direitos essenciais para proteção da dignidade da pessoa,
imprescindíveis contra práticas e abusos por parte do Estado e de particulares83
.
universal direitos da pessoa humana a ter direitos”. “O respeito à dignidade da pessoa humana,
fundamento do imperativo categórico kantiano, de ordem moral, tornou-se um comando jurídico no Brasil
com o advento da Constituição Federal de 1988, do mesmo modo que já havia ocorrido em outras partes”
(MORAIS, Maria Celina Bodin. O Conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo
normativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 116). 79
BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988. In: Direito Civil Constitucional. 3.
ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 53; 80
FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, parte geral e LINDB. v. I, 10. ed.,
Salvador: Editora Jus Podivm, 2012, p. 160. 81
FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, parte geral e LINDB. v. I, 10. ed.,
Salvador: Editora Jus Podivm, 2012, p. 160.
82
Importante ressaltar que existem divergências na doutrina quanto à terminologia da matéria, apontada
por Carlos Alberto Bittar: “consoante Tobeñas, que se inclinava pelo nome “direitos essenciais da pessoa”
ou “ direitos subjetivos essenciais”, têm sido propostos os seguintes nomes: “direitos da personalidade
(por Gierke, Farrara e autores mais modernos); “direitos à personalidade” ou “essências” ou
“fundamentais da pessoa” (Rava, Gangi, De Cupis); “direitos sobre a própria pessoa” (Windgcheid,
Compogrande); “direitos individuais” (Kohler, Gareis); “ direito pessoais” (Wachter, Bruns); direitos
personalíssimos” (Pugliati, Rotondi). A preferência do título “direitos da personalidade” é adotada por
Adriano De Cupis, Orlando Gomes, Limongi França, Antonio Chaves, Orozimbo Nonato e Anacleto de
Oliveira Faria” (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8 ed. ver. aum. e mod. por
Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 2); 83
ORLANDO, Gomes. Introdução ao Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p.
149;
34
Nesse sentido, Carlos Alberto Bittar afirma que: “os direitos da personalidade
são os direitos incidentes sobre modos de ser físico, intelectuais e morais da pessoa,
compreendendo-se as prerrogativas ínsitas em sua personalidade em suas projeções
sociais” 8485
.
Complementando o conceito e as características do direito da personalidade,
Rabindranath Capelo de Sousa, por todos, assim leciona:
Podemos definir os direitos da personalidade como direitos subjetivos,
privados, absolutos, gerais, extrapatrimoniais, inatos, perpétuos,
intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objeto os bens e as
manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o
desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos
de direitos a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar atos que
ilicitamente ofendam ou ameaçam ofender a personalidade alheia sem o que
incorrerão em responsabilidade civil e/ou na situação as providenciais cíveis
adequadas a evitar a consumação ou atenuar os efeitos da ofensa cometida.86
.
É fácil perceber que esse último autor enquadra os direitos da personalidade
como sendo, entre outras características, subjetivos e absolutos. Sobre esse ponto e de
forma diversa, porém extremamente sofisticada, o professor Alexandre Sousa Pinheiro,
na esteira de Savigny, esclarece:
Assim centrado o pensamento de Savigny, não existe espaço para um “direito
da personalidade” no âmbito do direito subjectivo ou dos “direitos pessoais”.
A vontade juridicamente protegida do sujeito em relação ao objecto coloca
dúvidas e reservas éticas quando o bem jurídico em causa é a personalidade
humana. Não é coerente aceitar um “direito da pessoa sobre si” fundindo
direito e objecto.
No limite, um direito absoluto da pessoa sobre a personalidade legitimaria o
suicídio (Rechts zum Selbstmord): como a extinção de um bem através de um
84
BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988. In: Direito Civil Constitucional. 3.
ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 48. 85
Usualmente, os direitos da personalidade são: a) direitos físicos: à vida, à integridade física, ao corpo,
a partes do corpo, ao cadáver, à imagem e a voz; b) direitos psíquicos: a liberdade, à intimidade, à
integridade psíquica e ao segredo; c) direitos morais: à identidade, à honra, ao respeito e às criações
intelectuais (direitos morais). (BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988. In:
Direito Civil Constitucional, 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 47-48) 86
SOUSA, Rabindranath Capelo de. A Constituição e os Direitos da Personalidade. In: MIRANDA,
Jorge (Coord.). Estudos sobre a Constituição. Lisboa: Livraria Petrony, 1978, p. 94-99. Em outro
momento, o mesmo autor assevera que é a própria natureza humana o fator definidor dos direitos da
personalidade: “neste temos, o problema da a determinação do bem ou do âmbito da personalidade
humana juridicamente relevante, para efeitos da sua tutela geral civil, embora, inseridos no sistema
axiológico-normativo religado a estruturas concretas de poderes, faculdades ou deveres humanos
juridicizados, está diretamente, embora não redutivamente conexionado com a Natureza humana, que
toma com seu objceto e destino e com a respectiva epistemologia, de que parte” (SOUSA, Rabindranath
Valetino Aleixo Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. 1. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p.
94-99)
35
acto individual de vontade. Isso tomando como direito-padrão no Direito
Civil a “objectualização da liberdade” que podia conduzir a uma “destruição
da própria liberdade” (Zerstörung ihrer Freheit). 87
Os direitos da personalidade, portanto, constituem bens que servem à
singularidade daquele que se identifica tão somente como “pessoa”. Desse modo,
refletem valores pessoais que os caracterizam e definem, opondo-se, ou ao menos tendo
a faculdade de opor, a quaisquer interesses coletivamente organizados, tais como poder
econômico, estatal e, inclusive, da comunicação social88
.
Seguindo com os ensinamentos do professor Alexandre Sousa Pinheiro, a
ampliação de bens da personalidade protegidos em decorrência da evolução observada
no século XIX, notadamente tecnológica, desencadeou uma forçosa reação da Ciência
do Direito no vetor da criação de mecanismos aptos a garantir esses “bens jurídicos até
aí ignorados pela doutrina”. 89
Verifica-se, portanto, que os direitos fundamentais e os direitos da
personalidade em muito se assemelham por possuírem como principal fundamento a
promoção da dignidade da pessoa humana. Não obstante, nem todos os direitos
fundamentais são direitos da personalidade90
.
Apesar da complexidade91
na distinção entre direitos fundamentais e os direitos
da personalidade, tem-se como principal diferença o âmbito de cada direito, sendo que
os direitos fundamentais se voltam para uma ótica publiscista enquanto os direitos da
personalidade se enquadram na seara privada.
Divisam-se os direitos da personalidade como atributos inerentes à própria
pessoa, para a proteção de suas atividades internas e suas exteriorizações para a
sociedade, impondo-se a esta uma conduta negativa para assegurar sua preservação92
.
São os direitos ligados à honra, ao nome, à própria imagem, à liberdade de manifestação
87
PINHEIRO, Alexandre Sousa. A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática
do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 434. 88
PINHEIRO, Alexandre Sousa. A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática
do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 768. 89
PINHEIRO, Alexandre Sousa. A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática
do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 434. 90
BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade. 2. ed., São Paulo: Altas, 2014, p. 51; 91
Em seu livro, Carlos Alberto Bittar afirma: “Autores há que intentam estabelecer distinção entre esses
conceitos, mas sempre apontando a extrema dificuldade de sistematização, que a complexidade do tema e
sua estruturação ainda recente oferece”. (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed.
ver. aum. e mod. por Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 36) 92
FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Parte geral e LINDB, vol. I, 10.
ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2012, p. 181;
36
de pensamento, à liberdade de consciência e religião, à reserva sobre a própria
intimidade, ao segredo, entre outros 93
.
Noutro giro, os direitos fundamentais são reconhecidos e positivados na esfera
do Direito Constitucional, no âmbito do direito interno de cada Estado, possuindo como
principal objetivo assegurar a proteção do ser humano. São os direitos ligados à vida; à
integridade física, às partes do corpo, à liberdade; o direito de ação, os direitos sociais94
.
Tratam-se do mesmo fenômeno, mas analisados em planos diferentes. O
primeiro sob a perspectiva da relação das pessoas entre si e o segundo da relação da
pessoa com o Estado, valendo lembrar que, aos direitos fundamentais, devem ser
acrescidos o conteúdo dos direitos econômicos, sociais e culturais ao lado dos direitos
civis e políticos95
.
Importante ressaltar que a dicotomia entre o público e o privado cada dia torna-
se mais tênue, vez que o direito privado atualmente é interpretado à luz da constituição,
sendo que ambos passaram a ter fundamento de validade em princípios e regras da carta
magna, sendo a aproximação de ambos necessária para uma unidade constitucional96
.
Assim como os direitos fundamentais, os direitos da personalidade são de absoluta
relevância para qualquer ser humano e devem, ambos, serem resguardados em todos os
ordenamentos jurídicos9798
, condição inarredável para se falar em plena proteção da
dignidade da pessoa humana.
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. por Eduardo C. B. Bittar.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 2 94
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. Por Eduardo C. B.
Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 36. 95
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. Por Eduardo C. B.
Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 22); 96
Importante ressaltar nesse sentido: “que a maior parte dos direitos da personalidade mencionados pelo
Código Civil Brasileiro (imagem, honra, privacidade) encontram previsão expressa no art. 5ª do texto
constitucional, Mesmo os que não contam com previsão explicita nesse dispositivo são sempre referidos
como consectários da dignidade humana, protegidos no art. 1º, II da Constituição” (SCHREIBER,
Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 14) 97
Sobre a aproximação do público e do privado, é importante a passagem de Carlos Alberto Bittar:
“Atualmente não se pode sustentar uma visão nas construções dogmáticas tradicionais, exatamente por
estarem sob intensa transformação, fazendo com que o próprio cerne da relação e entre direitos humanos,
direitos fundamentais e os direitos da personalidade se manifestem de outra forma. Há uma tendência a
que gradualmente, com maior intensidade, os direitos humanos se traduzam em exigências de direitos
fundamentais, e que os direitos fundamentais se traduzam em direitos da personalidade, integralizando-se
no ordenamento jurídico, de modo mais amplo, graus cada vez mais elevados de exigências em torno da
proteção de valores precípuos da pessoa humana. (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da
personalidade. 8. ed. ver. aum. e mod. por Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 39); 98
Outro ponto que merece destaque é a proposta de José Oliveira de Ascensão de conferir os direitos da
personalidade como ramo específico do Direito. De acordo com o professor, “este deverá ser um ramo
centrado na pessoa humana e na sua inerente dignidade substantiva. Representará assim na esfera civil a
cristalização do princípio da dignidade da pessoa humana para que aponta a Constituição” (ASCENSÃO,
37
José Oliveira. Pessoa, Direitos Fundamentais e Direitos da Personalidade. Revista da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, n. 1 e n. 2. Lisboa: Editora Coimbra, p. 9-30, novembro de 2010).
38
2 DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
“O poder, que dorme em enganosa segurança, só
compreenderá seus erros contra a inteligência à luz de um
incêndio iniciado por algum pequeno livro”.
(Balzac99
)
2.1 Considerações preliminares
A liberdade é um dos bens mais preciosos da vida humana, a partir da qual se
desenvolvem os demais atributos essenciais ao indivíduo. Sob esse prisma, o direito à
liberdade apresenta-se com protagonismo no rol dos direitos fundamentais100
.
Na obra Freedom of Speech, Eric Barendt aponta para a adoção de um
princípio da liberdade de expressão: "under which speech is entitled to a greater degree
of immunity from than other forms of conduct which cause similar harm or offense" e,
para justificá-lo, aponta quatro argumentos: "arguments concerned with the importance
of discovering truth"; "Free speech as an aspect of self-fulfilment"; "the argument from
citzen participation in a democracy" e "Suspicion of Government".101102
Não é tarefa fácil, portanto, delimitar o sentido de liberdade em sua aplicação
jurídica, visto que a extensão do seu conteúdo e a vastidão de possibilidades de seu
exercício provocam uma abstração conceitual103
.
Montesquieu, buscando precisamente trazer luz sobre o conceito de liberdade,
em O Espírito das Leis, no décimo primeiro livro, esclarece que ser livre é ter a
possibilidade de escolher “fazer o que quer e não ser obrigado a fazer o que não quer
fazer”104105
.
99 BALZAC, Honoré de. Monografia da imprensa parisiense. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. 100
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida provada: conflitos entre
direitos da personalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 139; 101
BARENDT, Eric. Freedom of Speech. 2. ed. Oxford: Univerity Press, 2005, p. 20; 102
O Autor conclui: "A free speech principle need not entail absolute protection for any exercise of
freedom of expression. Most proponents of strong free speech guarantees concede that its exercise may
properly be restricted in some circumstances, for example, when its likely to lead to imminent violence.
But the principle does mean that government must show strong grounds for interference. It would be
inconsistent with any free speech principle, worthy of the name, if a publication could be stopped on the
ground merely that it is offensive to some people, or could be penalized because it contributes to disorder
or lowers the government's authority or reputation. In short, a free speech principle means that
expression should often be tolerated, even when conduct which produces comparable offense or harmful
effects might properly be proscribed". BARENDT, Eric. Freedom of Speech. 2. ed. Oxford: Univerity
Press, 2005, p. 22. 103
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida provada: conflitos entre
direitos da personalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 14; 104
Complementando essa ideia, Montesquieu afirma: “é preciso ter presente o que é independência e o
que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem. Se um cidadão pudesse fazer
39
Nesse passo, Montesquieu faz referência à liberdade filosófica, sendo
compreendida, portanto, como o exercício de sua vontade e a liberdade política que é a
segurança das leis para os cidadãos. Importante ressaltar que o autor francês faz a
distinção das leis que asseguram a liberdade política do cidadão na sua relação com a
Constituição e na sua relação com Estado106
.
A liberdade política, na relação com a Constituição, é formada pela
distribuição entre os três poderes. Já a liberdade política em sua relação com cidadão
“consiste na segurança ou na opinião que se tem de sua segurança. Pode acontecer que a
constituição seja livre e que o cidadão não o seja. O cidadão poderá ser livre e a
constituição não o será. Nestes casos, a constituição será livre de direito, e não de fato; o
cidadão será livre de fato, e não de direito”107
. A liberdade em relação à Constituição é
formada pelo conjunto de leis fundamentais e a liberdade política em relação aos
cidadãos é verificada por meio de costumes, maneiras e lei civis que podem favorecê-la.
Para melhor ilustrar a ausência de possibilidade de ser livre, retomam-se os
ensinamentos de Montesquieu. Na mesma obra, O Espírito das Leis, no décimo segundo
livro, o filósofo narra o episódio em que Dionísio mandou matar Mársias porque este
tinha sonhado que havia cortado sua garganta. O tirano alegou que ele não teria sonhado
à noite se não tivesse pensado em matar Dionísio durante o dia. Verifica-se, nesse
o que elas proíbem, ele já teria liberdade, pois os outros teriam igualmente esse poder”
(MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação,
a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. In: MOTA, Pedro Vieira. Montesquieu:
introdução, tradução e notas. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 165); 105
Bejamim Constant, em 1819, em seu famoso discurso no Ateneu Real de Paris expôs a diferença de
liberdade dos antigos e liberdade dos modernos. A liberdade dos antigos estava ligada à distribuição de
poder entre todos os cidadãos da pátria. Já liberdade dos modernos “é para cada um o direito de não se
submeter senão às leis, de não podar ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de nenhuma
maneira, pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de vários indivíduos. É para cada um o direito de
dizer sua opinião, de escolher seu trabalho e de exercê-lo; de dispor de sua propriedade, até de abusar
dela; de ir e vir, sem necessitar de permissão e sem ter que prestar conta de seus motivos ou de seus
passos. É para cada um o direito de reunir-se a outros indivíduos, seja para discutir sobre seus interesses,
seja para professar o culto que ele e seus associados preferirem, seja simplesmente para preencher seus
dias e suas horas de maneira mais condizente com suas inclinações, com suas fantasias. Enfim, o direito,
para cada um, de influir sobre a administração do governo, seja pela nomeação de todos ou de certos
funcionários, seja por representações, petições, reivindicações, às quais a autoridade é mais ou menos
obrigada a levar em consideração” (COSTANT, Bejamim. Da liberdade dos antigos comparada à dos
modernos. Traduzido por Lura Silveira. In: Revista Filosofia, n. 2, 1985, p. 1-7. Disponível em:
<http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/Constant_liberdade.pdf>. Acesso em: 7 fev. de 2016. Em suma,
temos que a liberdade dos antigos é vista como autonomia e a liberdade dos modernos é a liberdade sem
obstáculos para ação individual. (GODINHO, Eduardo. Direito à liberdade: regra da maioria e liberdade
individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 59). 106
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis: as formas de governo, a
federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. In: MOTA, Pedro Vieira.
Montesquieu: introdução, tradução e notas. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 163-165; 107
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Tradução de Cristina Muracho,
3. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 196;
40
contexto, que não existia a liberdade ao menos de pensar. Por óbvio, e felizmente, as
leis asseguram atualmente que a punição ocorrerá apenas em ações exteriores108
.
A liberdade individual é, sem dúvida, de extrema importância para a formação
de um Estado, pois uma parcela da soberania é constituída pela soma da liberdade de
cada cidadão que, por seu turno, é também um pedaço da liberdade pública109
.
Destarte, a existência do poder de escolha não é suficiente para o efetivo
exercício do direito à liberdade. Há a necessidade de uma Constituição e de leis que
efetivamente assegurem a possibilidade de uma escolha que seja, acima de tudo, livre e
segura.
O direito à liberdade deve, portanto, ser assegurado através de uma norma
constitucional que será orientadora para a elaboração de tantos outros direitos, cujos
exercícios deverão ser harmônicos entre si de modo que o usufruto de um direito não
sacrifique o exercício de outro110
.
A liberdade está associada a opções do indivíduo, como a liberdade de escolha,
a liberdade de ir e vir, a liberdade de agir, a liberdade de se manifestar, a liberdade de
pensar. Se o indivíduo não é livre para escolher entre duas possibilidades, se houver
uma escolha predeterminada, se não existir opção ou não se não é possível exercitá-la,
não há que se falar em liberdade111
.
Nesse contexto, tem-se que uma das manifestações do direito à liberdade é o
direito à liberdade de expressão, que é um direito fundamental de extrema relevância e
constitui uma das características inarredáveis das atuais sociedades democráticas, pois
garante ao cidadão a participação com liberdade na formação da vontade popular112
. É a
partir dela que se pode, inclusive, aferir o grau do regime democrático em um
determinado Estado113
.
108
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Tradução de Cristina Muracho,
3. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 163-165; 109
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Tradução de Cristina Muracho,
3. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 163-165; 110
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos
da personalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, pag. 145; 111
SILVA, Alexandre Assunção e. Liberdade de expressão e crimes de opinião. São Paulo: Atlas, 2012,
p. 4; 112
SARMENTO, Daniel. Comentário ao art. 5º, IV. In CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F;
SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Almedina, 2013, p. 252-259; 113
SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed., revista e atualizada até a
Emenda Constitucional n. 62, de 9.11.2009, publicada em 12.12.2009. São Paulo: Malheiros Editora,
2010, p. 209;
41
Importante trazer à baila a passagem de José Ricardo Álvares Viana, sobre o
tema:
A liberdade de expressão é a base de onde emanam inúmeros outros direitos
de liberdade. É a partir dela que o indivíduo tem a possibilidade de externar,
expressar seus pensamentos, suas ideias, seus sentimentos e emoções, suas
opiniões sobre os mais variados temas, desde convicções filosóficas,
políticas, religiosas, bem como se manifestar cultural, artística e
cientificamente, o que lhe permite uma interação com o meio social;
comunicando-se, transmitindo e recebendo informações; educando e sendo
educado; formatando e repassando o conhecimento; novas visões de mundo.
Isto faz do homem, não um mero espectador passivo e inerte da vida em
sociedade, mas um efetivo integrante; um agente produtor e transformador da
realidade em que vive114
.
São inúmeras as formas de manifestação da liberdade de expressão. Pode-se
dizer, a grosso modo, que são tantas quanto os métodos que o ser humano tem para se
comunicar. Desde símbolos, sinais, imagens, passando por palavras – sejam elas ditas
ou documentadas –, e até mesmo o silêncio. Não obstante, perpassa pelos discursos
exarados nos ambientes político e acadêmico. Reflete, notadamente, na liberdade de
imprensa. Ainda é incutida nas entranhas de uma sociedade pluralista, garantidora do
direito de ter uma opinião contrária, ainda que minoritária. É, enfim, expressão de uma
sociedade democrática que, ciente das diferenças várias que coexistem em seu bojo, as
abraça e, com isso, contribui para um avanço intelectual sólido com preservação
inequívoca dos direitos fundamentais115
.
Em um primeiro momento, portanto, a liberdade de expressão deve ser
compreendida da forma mais ampla possível, em suas diferentes acepções, como:
liberdade de comunicação, de imprensa, de informação e de pensamento, além da
forma de manifestação presente em outros direitos fundamentais, tais como: liberdade
de participação, liberdade de religião e liberdade política116
.
114
VIANNA, José Ricardo Alvarez. Direitos Fundamentais e Liberdade de Expressão. Relatório da
Disciplina de Direitos Fundamentais, apresentado à Faculdade de Lisboa, como requisito parcial para
obtenção de título de Doutor de Ciência Jurídicas-Politicas, sob a regência e avalição da Professora
Doutora Maria João Estorninho, Lisboa, 2010, p. 41; 115
VIANNA, José Ricardo Alvarez. Direitos Fundamentais e Liberdade de Expressão. Relatório da
Disciplina de Direitos Fundamentais, apresentado à Faculdade de Lisboa, como requisito parcial para
obtenção de título de Doutor de Ciência Jurídicas-Politicas, sob a regência e avalição da Professora
Doutora Maria João Estorninho, Lisboa, 2010, p. 41; 116
Nas palavras de Jónatas E. M. Machado: “(...) liberdade de expressão em sentido amplo, assente nas
diferentes liberdades da comunicação, que considere as conexões internas de sentido entre as liberdades
de expressão (stricto sensu), de informação, de imprensa e de radiofusão, nas suas dimensões subjectivas
e objectivas, substantivas e estruturais, publicísticas e económicas, nacionais e internacionais, do ponto de
vista dos diferentes procedimentos de comunicação. Além disso a problemática da liberdade de expressão
deve ser entendida como estando presente noutros direitos fundamentais que concretizam aquele direito
42
A liberdade é um direito que deve ser conquistado permanentemente, na
medida em que, com o desenvolvimento da sociedade, impõe-se a necessidade da
ampliação do seu conteúdo117
.
No decorrer da evolução histórica da liberdade de expressão, é possível
verificar o peso de tal direito, pois, sempre que foram necessários o controle e
manipulação da sociedade, ocorria a limitação e a restrição do mesmo. São exemplos de
forma de controle o período da Inquisição, do Regime Militar, do Regime Nazista, do
Regime Fascista, entre outros, sendo a história do direito da liberdade de expressão
permeada por grandes avanços e grandes retrocessos.
Nesta dissertação, foi feita a opção de tratar de uma maneira geral os aspectos
históricos mais importantes que contribuíram para a proteção da liberdade de expressão
com foco na constitucionalização de tal direito para que, em seguida, fosse possível
analisar o seu conteúdo na atualidade e, principalmente, em uma das suas formas de
manifestação que é a biografia.
2.2 Aspectos históricos
O direito à liberdade de expressão foi conquistado por meio de muitas lutas ao
longo do tempo, pode-se, inclusive, dizer que esse direito acompanhou a própria história
da liberdade do homem118
.
Este estudo se inicia a partir da Antiguidade Clássica. Nessa época, os homens
livres, cidadãos gregos habilitados a pronunciar-se sobre questões sociais, reuniam-se
na Ágora, local onde tais pessoas poderiam se expressar livremente e, mais que isso,
deliberar sobre questões socialmente relevantes. Importante ressaltar que os chamados
homens livres correspondiam a uma pequena parcela da população, haja vista que não
eram considerados cidadãos, mulheres, escravos, ex-escravos e crianças.
nos vários domínios da vida social, como sejam a liberdade de participação política, a liberdade religiosa,
a liberdade de aprender e ensinar, a liberdade de criação e divulgação da obra artística, etc. Estes têm por
finalidade actualizar a liberdade de expressão nos vários subsistemas de acção social. Do mesmo modo, a
liberdade de expressão em sentido amplo não pode desvincular-se do tratamento de outros direitos
fundamentais, como o direito de reunião, de manifestação, de associação, de profissão, de inciativa
económica provada, de propriedade, etc., instrumentais para dinamização dos diferentes domínios do
sistema social. ” (MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão Dimensões Constitucionais da
Esfera Pública no Sistema Socia. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 15-16); 117
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed., revista e atualizada até a
Emenda Constitucional n. 62, de 9.11.2009, publicada em 12.12.2009. São Paulo: Malheiros Editora,
2010, p. 232). 118
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos
da personalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 242;
43
No Império Romano, as publicações se mantinham na seara dos temas de
interesse do governo e por ele próprio produzidas. É desse período a primeira
publicação regular que se conhece. A Acta Diurna, publicação gravada em tábuas de
pedra, noticiava acontecimentos diversos do Império, desde comunicados de
falecimento a crônicas esportivas119
.
É no Império Romano que surge a figura do censor, cargo de prestígio na
política romana, cujo múnus era, dentre outros, o controle da moral na sociedade,
mantendo rígida supervisão das publicações.
Na Idade Média, a evolução da liberdade de expressão está atrelada à luta da
separação da Igreja e do Estado. O Catolicismo era a religião oficial e desempenhava
um papel de privilégios que influenciava toda a sociedade, sendo que qualquer espécie
de pensamento, expressão, publicação contrária aos dogmas da Igreja era perseguida. O
desenvolvimento da criação intelectual ficava submetido às verdades teológicas120
.
Entretanto, a unidade da Igreja e Estado é quebrada com a Reforma
Protestante, que marca o início do desenvolvimento da liberdade de religião, de
consciência, de expressão, de comunicação e de imprensa. Ideias morais, até então tidas
como incorretas, passam a ser estudadas de forma livre. Foi através da Reforma que
surgiu a “base do entendimento moderno da soberania popular, contrato social, da
criação de constituições escritas, do republicanismo, da defesa da igual liberdade de
todos os indivíduos, incluindo a liberdade de religião e de expressão” 121
, tendo como
principais expoentes os nomes de Roger Williams, John Milton e John Locke.
Em 1439, o ourives alemão Johannes Gutemberg apresenta ao mundo sua
prensa móvel, invenção responsável por iniciar uma mudança de paradigma no
119
REIS, Clayton; MONTESCHIO, Horácio. Liberdade de Expressão, Direito ao Esquecimento e
Direitos da Personalidade. São Paulo: Pública Direitos, 2013, p. 282-308. Disponível em:
<http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=c590b9faf2b899f>. Acesso em: 10 jul de 2016. 120
Nesse contexto, importante trecho do autor Jónatas Machado: “Qualquer noção de liberdade que
pudesse existir apresentava-se intimamente ligada à verdade teológica, sendo compreendia como
liberdade de todo o pecado, ou seja, liberdade na verdade ou dentro dos limites da verdade. Uma vez
estabelecidos o dever moral de procurar a verdade recai sobre todos os indivíduos, por um lado, e a
subordinação do poder político à verdade teológica, por outro, todos os comportamentos expressivos que
viessem pôr em causa o status quo teológico-político existente eram vistos como manifestações do erro e
impedimento à verdadeira fé, indignos de qualquer protecção” (MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de
Expressão Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social. Coimbra: Coimbra Editora,
2002, p. 19-20); 121
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no
Sistema Social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 22-24;
44
continente europeu. O conhecimento, a partir daí, pôde ser mais facilmente difundido e
o acesso à informação começa a ser democratizado. Era o embrião da imprensa122
.
Nesse passo, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa estão, sem
dúvida, umbilicalmente atreladas, na medida em que é a partir do surgimento da
imprensa que questões referentes à liberdade de expressão passaram a ser mais tangíveis
e, consequentemente, mais frequentemente discutidas na sociedade 123
.
Na construção da consolidação da liberdade de expressão e de imprensa, um
fator importante foi a remoção das formas de censura, possibilitada pelo fortalecimento
da economia comercial e industrial da burguesia, que tinha como máxima “de que tudo
o que é comercializável é publicável” 124
.
Ocorre que, com a crescente possibilidade de se expressar, muitos focos de
conflitos passaram a existir entre autoridades religiosas e políticas que lutavam para
adquirir o controle da comunicação125
.
No século XVII, a discussão sobre liberdade de expressão permanecia em
voga. E foi na Inglaterra que se formou um dos grandes palcos. Em 1662, o parlamento
inglês editou e aprovou o “Licensing Act”, que vedava a impressão de qualquer livro
sem prévia licença ou registro. Esse retrocesso, no entanto, teve curta duração, haja
vista que o próprio parlamento, em 1695, aboliu o documento, tornando a Inglaterra
pioneira na garantia da liberdade de expressão126
.
Após a independência dos Estados Unidos, o sentimento de liberdade
continuou premente no seio social norte-americano, sendo refletido nos principais
documentos normativos das 13 colônias pulicados nesse período. Era um rompimento
com um regime de censura imposto pelos britânicos e que só pôde ser rompido através
do fortalecimento de princípios de autonomia individual e coletiva. 127
122
REIS, Clayton; MONTESCHIO, Horácio. Liberdade de Expressão, Direito ao Esquecimento e
Direitos da Personalidade. São Paulo: Publica Direito, 2013, p. 282-308. Disponível em:
<http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=c590b9faf2b899f>. Acesso em: 10 jul. de 2016. 123
MOTA, Francisco Teixeira da. A Liberdade de Expressão em Tribunal. Lisboa: Ensaios da Fundação,
Relógio d‘água Editores, 2013, p. 12; 124
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no
Sistema Social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 35; 125
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no
Sistema Social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 36; 126
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 143-144. 127
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no
Sistema Social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 62;
45
Como dito, são vários os documentos legislativos em que se percebe a busca
pela liberdade nos Estados Unidos. Desde o pacto do Mayflower, de 1620, passando
pela Bill of Rights da Virgínia, de 1776, e a própria constituição norte-americana.
Destaca-se, nesse ponto, aquele cujo impacto para a liberdade de expressão foi, ao nosso
sentir, mais profundo. O primeiro artigo das dez emendas constitucionais denominadas
de Bill of Rights de 1791 prevê a ausência absoluta de censura a qualquer manifestação
de pensamento e de imprensa. O primeiro aditamento à Constituição contém:
O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento
de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de
expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem
pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas
reparações de queixas128
.
Este foi, sem dúvida, um avanço em termos de busca pela liberdade de
expressão, nesse caso levado ao extremo haja vista proibir quaisquer restrições legais.
Essa emenda acarretou o desenvolvimento de uma jurisprudência da Suprema Corte
Americana extremante defensora de uma liberdade de expressão “robusta e desinibida”
129.
Um dos casos emblemáticos na construção de uma defesa ampla da liberdade
de expressão pela Suprema Corte Americana foi a atuação no caso New York Times Co.
contra Sullivan, decidido em 1964. O caso surgiu com um anúncio de página inteira
publicado no New York Times, que possuía o objetivo de recolher fundos para a defesa
do líder dos direitos civis Martin Luther King Jr.. Esse anúncio fazia diversas
referências sobre várias atuações da polícia de Montgomery, Alabama130
.
Sullivan, comissário municipal de Montgomery (Alabama) e responsável pelo
Departamento de Polícia, ajuizou uma ação contra o jornal, alegando que o anúncio o
128
Em seu livro, Edilson Farias cita Hundon para aclarar sobre a Primeira Emenda “esteja vazada em
termos que podem ser tudo menos gerais, o significado a el atrbuido variou não de época para época, mas
até mesmo de decênio para decênio. Desde o início, a busca do verdadeiro significado das palavras: ‘O
Congresso não fará lei (...) que cerceiem a liberdade de palavra ou de imprensa’ tem seguido um caminho
vacilante, que leva ora a uma teoria ora a outra. Na verdade, a história dessa emenda à Constituição tem
sido de incertezas, embora tivesse sido aprovada pôr termo à incerteza. ” (FARIAS, Edilson Pereira.
Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem versus liberdade de expressão e
comunicação. 3. ed. Ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2008, p. 150; 129
MOTA, Francisco Teixeira da. A Liberdade de Expressão em Tribunal. Lisboa: Ensaios da Fundação,
Relógio d‘água editores2013, p. 16; 130
VIEIRA, Lucas. Decisões Históricas da Suprema Corte Americana. Washington: II P Digital, 2014.
Disponível em:
<http://iipdigital.usembassy.gov/st/portuguese/publication/2014/07/20140716304066.html#axzz3zwrCE0
Yz>. Acesso em: 12 fev. de 2016;
46
difamava ao descrever de forma inverídica a atuação da força policial da cidade. O
anúncio, de fato, continha várias imprecisões e o tribunal do Alabama condenou o New
York Times a uma indenização de 500 mil dólares a Sullivan. O New York Times
recorreu à Suprema Corte, que reformulou a decisão e absolveu o jornal para que fosse
possível uma plena e efetiva liberdade de expressão e informação como estabelecido na
Primeira Emenda Constitucional: “as críticas a funcionários públicos (public officials)
só poderiam dar origem a indenizações se os textos em causa fossem publicados com
conhecimento da sua falsidade (actual malice) ou com um total desprezo pela verdade
(reckless disregard for the truth” 131
.
A Suprema Corte não encontrou provas de que o New York Times usou de má fé
para a publicação do anúncio. Assim, o fato de o jornal possuir algumas informações
equivocadas não era razão, por si só, de ser fixada qualquer tipo de indenização. Tem-
se, portanto, um alargamento no entendimento da Suprema Corte ao passar a
inviabilizar indenizações em favor de figuras públicas pela publicação de informações
falsas. Poderia, apenas, se falar em indenização caso ficasse comprovado que a pessoa
responsável por qualquer publicação tinha ciência da falsidade ou não tenha se
preocupado com a veracidade da informação132
.
No mesmo sentido, a Revolução Francesa abriu caminho para o fortalecimento
da liberdade de expressão. Não poderia ser diferente, considerando os ideais libertários
franceses. Sua positivação, contudo, é axiomática no 11º artigo da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1787, estabelecendo que “a livre manifestação do
pensamento e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem: todo cidadão
pode, portanto, falar, escrever e imprimir livremente, à exceção do abuso dessa
liberdade pelo qual deverá responder nos casos determinados em lei” 133
.
A internacionalização da liberdade de expressão ocorreu já nas primeiras
discussões da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O
131
MOTA, Francisco Teixeira da. A Liberdade de Expressão em Tribunal.Lisboa: Ensaios da Fundação,
Relógio d‘água editores,2013, p. 20; 132
No que tange às figuras públicas e sua privacidade reduzida, esse assunto será tratado no próximo
capitulo, mas não é demais ressaltar: “(...) numa sociedade democrática: quem faz parte do poder –
político, econômico, social – tem de se submeter a um escrutínio mais exigente por parte da sociedade.
Um escrutínio pela opinião pública e pela comunicação social que obriga, por um lado, a permitir um
maior acesso à informação sobre factos da sua vida pública e mesmo provada e, por outro, a ter de aceitar
críticas impiedosas, contundentes, ácidas ou sarcásticas, sem se queixar nos tribunais”, (MOTA,
Francisco Teixeira da. A Liberdade de Expressão em Tribunal. Lisboa: Ensaios da Fundação, Relógio
d‘água editores, 2013, p. 20-21); 133
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 143 e 144.
47
Conselho Econômico e Social aprovou, em 14 de dezembro de 1946, a Resolução 59
que afirmava que “a liberdade de informação é um direito humano fundamental e pedra
de toque de todas as liberdades as quais estão consagradas as Nações Unidas” 134
. E, em
10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada,
trazendo, no seu art. 19, que “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de
expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem
interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de
expressão independentemente das fronteiras”135
.
São inúmeros os acontecimentos que, historicamente, foram determinantes para
a evolução da liberdade de expressão e sua afirmação como direito. Como a evolução da
sociedade e tudo que lhe é inerente, a liberdade de expressão passou, ao longo dos
séculos, por momentos de retrocesso, seguidos de grandes progressos e, então, outros
retrocessos. O que fica claro, contudo, é a vital importância que permeia a liberdade de
expressão nas sociedades democraticamente organizadas.
2.2.1 Análise histórica da liberdade de expressão no Brasil
Neste ponto, faz-se necessária a análise histórica da liberdade de expressão no
Brasil, cuja escolha do país foi estimulada pela decisão da ADI 4815, julgada pelo
Supremo Tribunal Federal. Essa ação desencadeou um amplo questionamento no seio
da sociedade brasileira sobre quais seriam os limites do direito da liberdade de
expressão na publicação de uma Biografia. Para uma análise adequada do problema,
indispensável é a compreensão da evolução do direito em questão no Brasil, sem perder
de vista o apanhado histórico global com a verificação de quantas lutas foram
necessárias para preservação de tal direito.
A liberdade de expressão esteve presente em todas as Constituições brasileiras,
ora sendo limitada pelo texto constitucional, ora recebendo mais autonomia, até a atual,
promulgada em 1988, na qual foi elevada à categoria de garantia primordial do cidadão.
134
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Resolução 59 do Conselho Econômico das
Nações Unidas. Portal Unesco, 10 de dez. de 1948. 172p. Disponível em:
http://portal.unesco.org/ci/en/files/26159/126398551119freedom_information_pt.pdf/freedom_informatio
n_pt.pdf. Acesso em: 13 ago. 2016. 135
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração universal dos direitos humanos.
Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas. Brasília: Unesdoc, 10 de dezembro de 1948. 6p. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf> Acesso em: 13 ago. de 2016.
48
Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, foi
gradativamente inserido o direito à liberdade de expressão. A Gazeta do Rio de
Janeiro, em 10 de setembro daquele ano, foi o primeiro jornal publicado no Brasil e,
embora seu conteúdo fosse exclusivamente composto de assuntos de interesse do
Império, inaugurou a difusão de informações no país.
O primeiro texto constitucional brasileiro, outorgado em 1824, trazia, no inciso
IV136
do artigo 179, a garantia da liberdade de expressão. Com a Proclamação da
República em 1889, adveio outra Constituição, promulgada em 1891. Nesta, o § 12º137
do art. 72 inovou ao vedar o anonimato. Textos semelhantes são encontrados nas duas
Constituições seguintes, de 1934 e 1937.
Getúlio Vargas, porém, ao assumir o poder em 1937, implementa, por meio de
um golpe, o Estado Novo. O princípio constitucional da liberdade de expressão é
suprimido pela censura imposta pelo governo. A ditadura de Vargas controla os meios
de comunicação e, consequentemente, direitos fundamentais dos cidadãos.
A primeira “Era Vargas” tem fim em 1945 e, no ano seguinte, a Constituição
reafirma o contido no texto constitucional de 1937138
, voltando a assegurar a liberdade
de manifestação do pensamento e abolindo a censura, exceto em espetáculos e diversões
públicas. Além disso, veda o anonimato e impõe responsabilidade por eventuais abusos.
Vargas, contudo, volta democraticamente ao poder em 1951 e se ocupa em
editar a lei de imprensa (Lei 2.083/53) que, em seu cerne, limitava sobremaneira a
liberdade de imprensa. A ditadura populista de Vargas usava os meios de comunicação
como braço estatal divulgando informações que lhe eram positivas e minando críticas ao
governo139
.
136
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (25 de março de 1824). Art. 179. IV. Todos
podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela imprensa, sem
dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio
deste direito, nos casos, e pela fórma, que a lei determinar. Brasília: Senado Federal, 1824. 137
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (24 de fevereiro de 1891. Art. 72,
§12. Em qualquer assumpto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem
dependencia de censura, respondendo cada um pelos abusos que commetter, nos casos e pela fórma que a
lei determinar. Não é permittido o anonymato. Brasília: Senado Federal, 1891. 138
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (10 de novembro de 1937). Art. 122, §15: todo
cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por
imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei; (...) “d”: é proibido o anonimato. Brasília:
Senado Federal, 1937. 139
Um exemplo da atuação da cesura na era Vargas é verificado na modificação imposta em uma letra de
música de autoria de Wilson Batista. A letra original dizia: “O bonde de São Januário/leva mais um sócio
otário/só eu não vou trabalhar”. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão governamental
responsável pelo controle das publicações, impôs a seguinte modificação: “Quem trabalha é quem tem
razão Eu digo e não tenho medo de errar
O Bonde de São Januário leva mais um operário Sou eu que vou trabalhar Antigamente eu não tinha juízo
49
Com o golpe militar de 1964, o Brasil entrou, novamente, num regime
ditatorial rígido, extremamente controlador. A Constituição de 1967, outorgada no
governo dos militares, condicionou as publicações a um crivo moral e de bons
costumes, levado a efeito pelo próprio governo. Ou seja, embora a liberdade de
pensamento não fora totalmente suprimida, era submetida a um controle estatal rígido,
que lhe impunha limites extremos. O art. 150, § 8º140
, bem como o art. 151141
desse
texto constitucional, é exemplo da dita restrição à liberdade de manifestação de
pensamento imposta pelo governo militar, asseverando que qualquer pessoa que
abusasse do seu direito, com o fito de fazer oposição ao governo, era alvo de
reprimendas jurídicas.
Findo o regime militar em 1985, a recém conquistada democracia brasileira
clamava por um novo texto constitucional em sintonia com as expectativas populares.
Em 1988, foi promulgada a atual Constituição da República, com ela, a exacerbação do
clamor por liberdade que se encontrava lacrado no seio da sociedade. Direitos e
garantias individuais são novamente protagonistas no ordenamento jurídico e o Estado
assume o dever de zelar pela eficaz preservação de direitos fundamentais.
Sob esse prisma, a liberdade de expressão é novamente assegurada de uma
maneira ampla, encontrando eventuais limites, como, por exemplo, nos direitos da
personalidade.
Fica claro, por essa breve análise, que a sociedade brasileira conviveu, ao
longo da história, com regimes contrários à democracia e, consequentemente, às
liberdades individuais. Golpes de Estado e ditaduras, militares ou não, preenchem nosso
passado. Floriano Peixoto, que, através de um golpe, assumiu a presidência da
República em 1889; Getúlio Vargas que, conforme já dito, por duas vezes, guiou o país
sob punho ditatorial; e, por último, os militares, que impuseram uma ditadura pela qual
Mas hoje eu penso melhor no futuro Graças a Deus sou feliz vivo muito bem
A boemia não dá camisa a ninguém Passe bem!”. 140
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (24 de janeiro de 1967). Art. 150, §8º: É
livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem
sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da
lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e
periódicos independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de
subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe. Brasília: Senado Federal, 1967. 141
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (24 de janeiro de 1967). Art. 151: Aquele
que abusar dos direitos individuais previstos nos §§ 8º, 23. 27 e 28 do artigo anterior e dos direitos
políticos, para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão destes
últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante
representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada
ao paciente a mais ampla, defesa. Brasília: Senado Federal, 1967.
50
passaram cinco presidentes e aprisionou o país por 21 anos são exemplos de episódios
antidemocráticos. Obviamente, a repressão foi responsável por incutir na população um
anseio pela liberdade de se expressar e manifestar seu pensamento, o que, como visto,
foi consignado no texto constitucional de 1988142
.
2.3 Abordagem constitucional da liberdade de expressão
A viabilidade de se poder expressar sem qualquer censura prévia ao exprimir
uma opinião e até mesmo quando prestar ou receber informações acerca de
acontecimentos sociais sem que seja necessário um crivo prévio de qualquer instancia
de controle é uma garantia de suma relevância para o desenvolvimento de uma
sociedade democrática143144
.
Atualmente, a liberdade de expressão é consagrada na maioria dos textos
constitucionais democráticos, sem nenhuma forma de censura prévia, o que redunda na
142
O professor Luís Roberto Barroso recorda o passado repressor ainda muito recente e presente na
cultura brasileira: “Como se sabe, a história da liberdade de expressão e de informação, no Brasil, é uma
história acidentada. Convive com golpes e contragolpes, sucessivas quebras de legalidade e pelo menos
duas ditaduras de longa duração: a do Estado Novo, entre 1937 e 1945, e o Regime Militar, de 1964 a
1985. Desde o Império, a repressão à manifestação do pensamento elegeu alvos diversos, da religião às
artes. As razões invocadas eram sempre de Estado: segurança nacional, ordem pública, bons costumes. Os
motivos reais, como regra, apenas espalhavam um sentido autoritário e intolerante do poder. Durante
diferentes períodos, houve temas proibidos, ideologias banidas, pessoas malditas. No jornalismo
impresso, o vazio das matérias censuradas era preenchido com receitas de bolo e poesias de Camões. Na
televisão, programas eram proibidos ou mutilados. Censuravam-se músicas, peças, livros e novelas. O
Ballet Bolshoi foi proibido apresentar-se no Brasil, sob a alegação de constituir propaganda comunista.
Um surto de meningite teve sua divulgação vedada por contrastar com a imagem que queria divulgar do
país. Em fases diferentes da experiência brasileira, a vida foi vivida nas entrelinhas, nas sutilezas, na
clandestinidade, A interdição compulsória da liberdade de expressão e de informação, por qualquer via,
evoca episódios de memória triste e dificilmente pode ser vista com naturalidade ou indiferença. É claro
que uma ordem judicial, precedida de devido processo legal, não é uma situação equiparada à da presença
de censores da Policia Federal nas redações e nos estúdios. Mas há riscos análogos. E o passado é muito
recente para não assombrar. (BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de expressão e direito
da Personalidade. Critérios de Ponderação, Interpretação Constitucional Adequada do Código Civil e da
Lei de Imprensa - os princípios da constituição de 1988. 2. ed., Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm>. Acesso em: 02 mar. de 2016. 143
MOTA, Francisco Teixeira. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de
Expressão. Os casos portugueses. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p.17; 144
É importante ressaltar as duas funções da liberdade de expressão em uma sociedade democrática
citadas por Alexandre Meiklejon no livro de Edilson Faria: “uma função informativa pelo qual o livre
fluxo das informações possibilita o melhor conhecimento e a melhor avaliação dos assuntos de relevância
pública. Desta forma, estarão mais preparados para levarem a cabo decisões inteligentes, uma vez que
compte à soberania popular efetivar as decisões fundamentais no regime democrático e uma função
crítica pela qual a liberdade de expressão e comunicação assegura aos cidadãos a faculdade de criticar o
político, as instituições estabelecidas e os agentes públicos, o que pode resultar na mudança de
governantes. (FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e
a imagem versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Ed., 2008, p. 70)
51
consequente proteção da dignidade da pessoa humana e desenvolvimento da sua
personalidade145146
.
No âmbito de proteção do direito interno, o direito fundamental da liberdade de
expressão está previsto e regulamentado pelos artigos 5º, inciso IV147
, IX148
e 220, §§1º
e 2º149
da Constituição brasileira e pelo art. 37 da Constituição portuguesa150
. Já na
seara internacional, é protegida pelo art. 19 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos151
, pelo art. 19 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos152
, pelo
145
MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora,
Tomos I a III, 2007, p. 848; 146
Nesse sentido, importante passagem de Clayton Reis e Horácio Monteschio: “A liberdade de
expressão é uma das facetas do direito da personalidade, em razão de que a manutenção e
desenvolvimento do homem tem por escopo a possibilidade de se socializar, de expressar seus desejos,
seus pensamentos e suas opiniões” (REIS, Clayton; MONTESCHIO, Horácio. Liberdade de Expressão,
Direito ao Esquecimento e Direitos da Personalidade, Disponível em
<http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=c590b9faf2b899f>. Acesso em: 10 de julho de 2016. 282 –
308). 147
CF/88, Art. 5º, IV: “é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato” (BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro
Gráfico, 1988) 148
CF/88, Art. 5º, IX: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença” ” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988) 149
CF/88, Art. 220º: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição; § 1º
- Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação
jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e
XIV; § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” ” (BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro
Gráfico, 1988); 150
Constituição Portuguesa, Art. 37.º: “1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu
pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se
informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não
pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 3. As infracções cometidas no
exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera
ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de
entidade administrativa independente, nos termos da lei. 4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é
assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o
direito a indemnização pelos danos sofridos” (PORTUGAL. Constituição (1974). Constituição de
Portugal. Lisboa, 1974). 151
Declaração Universal dos Direitos do Homem, Art. 19º: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de
opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem
interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão
independentemente das fronteiras” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração
Universal dos Direitos do Homem. Paris, 1948). 152
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Art. 19º: “1-Ninguém pode ser discriminado por
causa das suas opiniões. 2-Toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a
liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de toda a índole sem consideração de
fronteiras, seja oralmente, por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo que
escolher. 3- O exercício do direito previsto no parágrafo 2 deste artigo implica deveres e
responsabilidades especiais. Por conseguinte, pode estar sujeito a certas restrições, expressamente
previstas na lei, e que sejam necessárias para: a) Assegurar o respeito pelos direitos e a reputação de
outrem; b) A protecção da segurança nacional, a ordem pública ou a saúde ou a moral públicas”
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
52
art. 10 da Convenção Europeia de Direitos Humanos153
, pelo art. 13 da Declaração
Americana de Direitos Humanos154
, dentre outros documentos afins155.
Nota-se que a Constituição brasileira de 1988 previu de forma extensa a
liberdade de expressão com uma reforçada proteção, o que se deu, principalmente, em
decorrência do período ditatorial que lhe antecedeu e que ainda assombrava o país pela
ausência de garantias, de liberdades e, principalmente, pelo cenário de censura a toda e
qualquer manifestação.
O direito fundamental da liberdade de expressão consiste na liberdade de a
pessoa manifestar livremente o próprio pensamento, de expor suas ideias e opiniões por
meio da escrita, da imagem, da fala ou de qualquer outro meio de difusão, bem como
também no direito de comunicar e de receber informações verdadeiras, sem
impedimento nem discriminações156157
.
1966. Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-
dh/tidhuniversais/cidh-dudh-direitos-civis.html> Acesso em: 25 out. 2016). 153
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Art. 10º: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de
expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir
informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem
considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de
radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta
liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades,
condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa
sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a
defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos
direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial” (CONSELHO DA EUROPA. Convenção Europeia dos
Direitos Humanos. 1950. 32p. Disponível em:
<http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf> Acesso em: 25 out. 2016). 154
Declaração Americana de Direitos Humanos, Art. 13º: “1. Toda pessoa tem direito à liberdade de
pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e
ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou
artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso
precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das
demais pessoas; ou b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral
públicas” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS – OEA. Declaração Americana dos
Direitos Humanos. Costa Rica, 1969. Disponível em:
<https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm> Acesso em: 25 out. 2016). 155
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf> 156
Colaborando para o conceito de liberdade de expressão, o Professor José Alberto de Melo
Alexandrino, traz em seu livro um copilado com os principais conceitos: “Traduzindo uma das mais
profundas exigências da pessoa, a liberdade de expressão segundo NUNO e SOUSA, <<consiste no
direito à livre comunicação espiritual, no direito de fazer conhecer aos outros o próprio pensamento>>.
<<Esta liberdade liga-se intimamente ao princípio da dignidade humana e protege tanto a divulgação dos
resultados do próprio trabalho intelectual como a vital necessidade de comunicação do homem, sob pena
de se desprezar certas necessidades essenciais da pessoa>>. Para J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
trata-se, em primeiro lugar, do <<direito de não ser impedido de exprimir-se. Neste sentido, enquanto
direito negativo ou direito de defesa, a liberdade de expressão é um componente da clássica liberdade de
53
A garantia fundamental da liberdade de expressão possui a o objetivo precípuo
de possibilitar ao indivíduo o poder de expressar e divulgar livremente o seu
pensamento, opiniões, juízos de valor, críticas e crenças. Além do mais, tal direito
garante à pessoa o direito de ter acesso à informação, de se informar e de ser informado
e de ratificar e responder quaisquer informações158159
.
A liberdade de expressão é um direito fundamental que possui como titulares
todas as pessoas física e jurídica, independentemente de qualquer distinção quanto à
nacionalidade, todos são titulares dessa garantia160
. Normalmente, o direito da liberdade
de expressão possui como seu principal destinatário o Estado, porém, esse direito
também obriga seu cumprimento pelos particulares161
.
Importante salientar que a liberdade de expressão possui dupla dimensão, uma
subjetiva e uma objetiva162
. A dimensão subjetiva considera a liberdade de expressão
como um direito negativo, que possui a função de resguardar os seus titulares contra
ações do Estado ou de terceiros que possam tolher o exercício da manifestação de
opiniões, ideias e informações. A proteção da liberdade de expressão ocorre tanto de
forma preventiva, antes mesmo de qualquer manifestação, para inibir qualquer forma de
censura, como também de forma a posteriori, cujo objetivo é remover qualquer medida
pensamento (...). (ALEXANDRINO, José Alberto de Melo. Estatuto Constitucional da Actividade de
Televisão. Coimbra: Editor Coimbra, 1998 p. 84-85) 157
SCHAFER, J.G.; DECARLI, N. A colisão dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à
imagem versus a liberdade de expressão e informação. São Paulo: Prisma Jurídico, 2007, p. 122. 158
SOUSA, Rabindranath Capelo de. A Constituição e os Direitos da Personalidade. Lisboa: Livraria
Petrony, 1978, p. 272. 159
Nesse sentido, o professor Doutor Jorge Miranda afirma que o âmbito de proteção da liberdade de
expressão envolve: Primeiramente, o direito de não ser impedido de exprimir e divulgar ideias; em
segundo lugar, a liberdade de se comunicar ou não comunicar; finalmente, na pretensão à expressão, na
remoção de todos obstáculos não razoáveis ao acesso aos direitos meios e por último, a pretensão de ter
acesso às estruturas de um serviço público de rádio e TV (MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui.
Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, Tomos I a III. 2007. p.843-852). 160
SARMENTO, Daniel. Comentário ao art. 5º, IV. In. CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar
F; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Almedina, 2013, p. 256; 161
SARMENTO, Daniel. Comentário ao art. 5º, IV. In. CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar
F; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Almedina, 2013, p. 256; 162
Pode-se falar em uma dimensão instrumental da liberdade de expressão, que consiste no papel dessa
liberdade como instrumento para o exercício da democracia, pois por meio dela é possível um debate
amplo de ideias, com a diversidades de conhecimento, pluralidade de opiniões que é essencial para
autodeterminação de uma democracia. E também é possível falar em uma dimensão axiológica que é “a
necessidade humana de se manifestar e de se expressar como corolário da dignidade humana, ou seja, a
manifestação do pensamento, da atividade intelectual, artística, científica, filosófica, política, ideológica,
de comunicação. (LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de
expressão, a personalidade e constituição de 1988. São Paulo: Almedina, 2015, p. 105)
54
repressiva163
. É sob a perspectiva subjetiva que a liberdade de expressão é considerada
um direito fundamental de suma relevância para o desenvolvimento da personalidade
humana164
.
No que concerne à dimensão objetiva da liberdade de expressão cabe ao Estado
realizar sua promoção e proteção, uma vez que seu desenvolvimento e reconhecimento
é de extrema importância para o funcionamento de uma sociedade democrática165
.
Por derradeiro, é fácil concluir que, ao Estado, não cabe apenas a proteção da
liberdade de expressão como um direito negativo de não obstar a manifestação do
pensamento. Cabe ao Estado o dever de estimular e incentivar a realização de ações
positivas que garantam a viabilização dessa liberdade166
.
Tem-se que a liberdade de expressão é imprescindível para uma sociedade
democrática, dessa forma, incumbe ao Estado o dever de promover a sua proteção,
impedindo medidas de restrição que acarretem no seu cerceamento. Assim, qualquer
barreira de acesso a tal direito deve sempre ser vista como cautelosa.
Neste ponto, é importante ressaltar os princípios da incensurabilidade e do
pluralismo. O primeiro resguarda aos cidadãos a liberdade de comunicar e expressar
seus pensamentos livres de impedimentos e interferência. O segundo princípio está
ligado à ampla divulgação de ideais e possibilidade de comunicação de todos os
indivíduos167
.
O princípio da incensurabilidade é de suma importância para o exercício da
liberdade de expressão, uma vez que qualquer forma de restrição prejudica o livre
exercício de tal direito. Esse princípio protege a liberdade de expressão para que não
163
SARMENTO, Daniel. Comentário ao art. 5º, IV. In. CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar
F; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Almedina, 2013, p. 252-259; 164
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 143 e 144. 165
SARMENTO, Daniel. Comentário ao art. 5º, IV. In. CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar
F; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Almedina, 2013, p. 252-259; 166
SARMENTO, Daniel. Comentário ao art. 5º, IV. In. CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar
F; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Almedina, 2013, p. 252-259; 167
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 76;
55
seja submetida a nenhum tipo de censura estatal ou privada, ou uma censura prévia ou
posterior, sem qualquer fundamentação constitucional adequada168169
.
Ressalte-se que o princípio da incensurabilidade abrange tanto a liberdade de
comunicação, enquanto liberdade negativa na qual o Estado não pode interferir na
difusão de ideias propagadas, bem como a liberdade de expressão enquanto liberdade
positiva, que deve ser promovida pelo Estado170
.
Importante salientar que o princípio da incensurabilidade não garante uma
imunidade absoluta ao direito à liberdade de expressão, isso porque o fato de ser vedada
qualquer forma de censura não impede que a liberdade de expressão seja restringida em
confronto com outros direitos171
.
É certo que o direito da liberdade de expressão não é absoluto, entretanto,
existe uma preferência à prevalência desse direito, tendo em vista o peso desse princípio
para uma sociedade democrática. Essa preponderância pode ser encontrada no
julgamento da ADPF 130.
Tem-se, pois, que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e, ante a
presença de conflitos com outros direitos fundamentais, pode vir a sofrer limitações. O
exemplo mais clássico é o enfrentamento com o direito fundamental da privacidade.
Tais conflitos devem ser sanados por meio da técnica da ponderação de interesses diante
do caso concreto172173
.
168
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 78; 169
O princípio da incensurabilidade apresenta-se em quase todas atuais constituições contemporâneas, é
proclamado pelas declarações e convenções internacionais de direitos humanos. No Brasil, a Constituição
Brasileira no seu art. 5, IX e 220 § veda qualquer tipo de censura. A vedação da censura foi um dos
principais motivos que proporcionou a autorização de biografias pelo STF que será estudada em capitulo
oportuno. 170
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 78; 171
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 78; 172
Oportuno destacar as palavras do autor Dirley da Cunha Júnior 172 sobre a colisão de direitos
fundamentais: “Não há direitos fundamentais absolutos com efeito, uma das características dos direitos
fundamentais é a sua limitabilidade. Eles são, em essência, direitos relativos e, consequentemente
limitáveis. Essa possibilidade de limitação dos direitos fundamentais pode chocar-se, hipótese em que o
exercício de um implicará a invasão do âmbito de proteção do outro. É o que, vezes a fio, ocorre entre o
direito de informação e o direito de privacidade, ou entre o direito de opinião e o direito à honra. Nestes
casos a convivência dos direitos em colisão atinge um regime de cedência reciproca. É necessário,
portanto, haver uma relação de conciliação ou de ponderação ou concordância pratica entre os direitos
fundamentais concretamente em conflito. Isso significa que a restrição de um direito fundamental só é
possível in concreto, atendendo-se a regra da máxima observância e mínima restrição dos direitos
56
Neste passo, a título de exemplificação, traz-se à baila duas decisões do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a fim de que se possa ter uma melhor
compreensão do conflito existente entre a liberdade de expressão e outros direitos
fundamentais. A primeira decisão a ser analisada foi proferida no julgamento do
jornalista Jersild em 31 de março de 1985 na Dinamarca. O referido jornalista divulgou
um artigo contando as atividades racistas do grupo denominado “os blusões verdes”.
Após a publicação do artigo, Jersil realizou novas entrevistas com membros do grupo, o
que deu origem ao lançamento de um filme sobre os mesmos. Foi instaurado um
processo que questionava a veiculação desse filme, visto que o conteúdo propagava
afirmações racistas. O Tribunal Dinamarquês condenou o jornalista pela publicação do
filme. O jornalista, inconformado com a decisão, apresentou queixa à Comissão
Europeia, alegando que sua condenação violara seu direito à liberdade de expressão. No
julgamento, o Tribunal declarou que o referido jornalista estava amparado pelo direito
da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, porém tais direitos não protegiam
publicação de conteúdo racista174175.
Ilustra também tal conflito o caso do britânico Richard Handyside que, em
1970, comprou o direito de publicar na Inglaterra o Pequeno livro vermelho para uso de
estudante, que tratava de questões de educação e ensino e possuía conteúdos sexuais.
Após a publicação da primeira edição, as autoridades britânicas proibiram a publicação
do livro e apreenderam todos os exemplares do editor, sob o argumento de que se
tratava- de um livro obsceno, suscetível, pois, de corromper muitos jovens. Após a
instauração de procedimento administrativo, foi determinada a destruição de todos os
exemplares do livro. O editor recorreu, sem êxito, ao Tribunal Britânico. Foi
apresentada queixa à Comissão Europeia de Direitos, alegando violação da liberdade de
expressão, mas a Corte decidiu que o direito à liberdade de expressão não é ilimitado e
que, apesar de essencial às sociedades democráticas, pode ocorrer sua restrição. O
fundamentais”. (JÚNIOR DIRLEY, Cunha. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Editora Jus
Podivm, 2011, p. 692-693). 173
É certo que o direito da liberdade de expressão não é absoluto, entretanto, existe uma preferência à
prevalência desse direito, tendo em vista o peso deste princípio para uma sociedade democrática. Essa
preponderância pode ser encontrada no julgamento do ADPF 130. 174
ROCHA, Manuel Antonio Lopes. A liberdade de expressão como direito do homem. Coimbra: Sub
Judice, 1999, p. 10. 175
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf>
57
julgamento final da Corte Europeia foi no sentido de que as autoridades britânicas
poderiam impedir a publicação do Pequeno livro vermelho176177
.
Depreende-se do exposto a inarredável importância desse direito fundamental,
sem perder de vista, porém, que, em situações excepcionais, o mesmo pode sofrer
restrições, tornando-se limitável.
2.4 A liberdade de expressão e o direito à informação
Frise-se, de pronto, que não há que se confundir o direito à informação com o
direito à liberdade de expressão, embora o âmbito normativo daquele esteja contido
neste último.
Tem-se como liberdade de informação o direito de acesso, recebimento e
procura de informações, sem qualquer obstáculo por parte do Estado ou de
particulares.178
. É um direito universal, reconhecido a todas as pessoas, inclusive às
pessoas coletivas179
.
Nesse sentido, salienta o professor Alexandre Sousa Pinheiro que se tratam de
direitos interligados, quer do ponto de vista estrutural, quer do ponto de vista
sistemático, porém “é evidente que não existe uma relação de necessidade entre a
liberdade de expressão e a de informação, mas já a inversa não é verdadeira. Pode haver
expressão sem que o que se comunique tenha um cunho informativo” 180.
Constitui um avanço para a sociedade a consideração do direito à informação
como um direito autônomo e independente do direito de liberdade de expressão. Nessa
perspectiva, o direito à informação compreende o direito de informar, de se informar e
de ser informado181
.
176
ROCHA, Manuel Antonio Lopes. A liberdade de expressão como direito do homem. Coimbra: Sub
Judice, 1999, p. 10; 177
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf> 178
MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora,
Tomos I a III, 2007 p. 852; 179
MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora,
Tomos I a III, 2007, p. 843; 180
PINHEIRO, Alexandre Sousa. As Relações entre o Direito à Informação e a Reserva da Vida
Privada nos meios de Comunicação Audiovisual: conflitos e critérios de solução. Lisboa: aafdl, 1995, p.
64; 181
STROPPA, Tatiana. As dimensões constitucionais do direito de informação e o exercício da liberdade
de informação jornalística. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 72.
58
No que tange ao âmbito de proteção do direito à informação, importante trecho
do livro de Tatiana Stroppa:
Na verdade, embora o direito de informação contenha também uma proibição
de intervenção estatal que obstaculize o exercício do direito, ele não tem
como objetivo principal a liberdade de manifestação do pensamento como
mera necessidade intrínseca e natural das pessoas. Ao contrário, visa
assegurar um livre fluxo de informações na sociedade, mais como garantia da
opinião pública do que da opinião pessoal. Nesse sentido, naquelas situações
em que não há configuração do livre fluxo de informação será necessária a
intervenção do Estado para assegurar a existência de uma comunicação
pública livre182
.
Tem-se, portanto, que o direito à informação é mais do que a livre
manifestação de pensamento, é, essencialmente, a possibilidade de tudo se saber,
conhecer, informar e ser informado, ou seja, um livre fluxo de informações, não
podendo o Estado obstaculizar o exercício desse direito. Já no que concerne à opinião
pública, está a mesma atrelada à possibilidade de convivência de mais de uma e/ou
diferentes opiniões individuais em face de determinada informação, o que é de extrema
relevância em um Estado Democrático de Direito.
O direito à informação decorre do próprio desenvolvimento do Estado
Democrático de Direito. Afinal, para que um cidadão tenha a oportunidade de se
expressar, de formar e ter suas opiniões, é necessário que tenha conhecimento sobre a
realidade do Estado em que está inserido183184
.
O âmbito da proteção constitucional ao direito fundamental à informação não
se circunscreve apenas aos atos do emissor ao se comunicar; insere também o direito de
receber livremente informações diversificadas e corretas185
.
Neste passo, importante ressaltar que a tutela para o direito à informação
constitui um dever de abstenção do Estado em não criar obstáculos ou impedimentos
para que se possa exercer o livre acesso a todo e qualquer tipo de conteúdo186
.
182
STROPPA, Tatiana. As dimensões constitucionais do direito de informação e o exercício da liberdade
de informação jornalística. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 72. 183
MATELLI, Ana Laura Texeira; MARCATO, Gisele Carvesan Beltrami. Dever de informação: uma
construção teórica propositiva da releitura do instituto. Florianópolis: CONPEDI, 2014, p. 263 – 281. 184
Esse sentindo, importante ressaltar: “Ora, para que uma pessoa possa formar e expressar,
conscientemente, suas opiniões, ideias e até sentimento, ela precisa conhecer a realidade na qual está
inserida, o que depende do acesso às informações, que se revelam como alicerces para que seja possível a
construção de escolhas pessoais livres e autônomas” (STROPPA, Tatiana. As dimensões constitucionais
do direito de informação e o exercício da liberdade de informação jornalística. Belo Horizonte: Fórum,
2010, p. 73). 185
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 147.
59
Temos, portanto, que o direito à informação possui duas facetas. Ao mesmo
tempo em que impede o Estado de agir para que seja possível uma atuação livre do
indivíduo, na qual ele pode ou não se expressar, resguarda a responsabilidade de
terceiro frente a possíveis agressões187
. A questão da responsabilidade será melhor
tratada em capitulo posterior.
Outro ponto a ser destacado consiste na análise dos três âmbitos de proteção do
direito à informação, quais sejam: o direito de transmitir informações pelos meios de
comunicações; o direito de informação propriamente dita, que tem por objeto o direito
do indivíduo de buscar informações pretendidas sem qualquer obstáculo; e o direito de
ser e se manter informado, o que é uma faculdade pessoal188189190
.
A perspectiva subjetiva do direito à informação está ligada à sua relevância em
uma sociedade. Afinal, impossível se falar em desenvolvimento do ser humano, em
quaisquer que sejam os aspectos considerados, sem um amplo acesso à comunicação e à
transmissão de informações. Deste modo, o direito à informação é pressuposto
indispensável à dignidade da pessoa humana, donde é possível concluir se tratar de um
direito fundamental.
É a informação que confere ao indivíduo a possibilidade de autodeterminação,
principalmente face ao Estado, impedindo ingerências desse último na formação da livre
decisão do indivíduo. Demais disso, o direito à informação, quando judicializado,
garante, em última análise, o exercício da garantia do cidadão em prestar e receber
informações191
.
186
MATELLI, Ana Laura Texeira; MARCATO, Gisele Carvesan Beltrami. Dever de informação: uma
construção teórica propositiva da releitura do instituto. Florianópolis: CONPEDI, 2014, p. 263 – 281. 187
STROPPA, Tatiana. As dimensões constitucionais do direito de informação e o exercício da liberdade
de informação jornalística. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 80. 188
JÚNIOR DIRLEY, Cunha, Curso de Direito Constitucional. Salvador: Editora Jus Podivm, 2011, p.
687. 189
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf> 190
O Professor José Alberto de Melo Alexandrino afirma que o direito à informação é: “um complexo de
direitos, não pode o direito de informação definir-se unitariamente, mas sim parcelarmente: o direito de se
informar consiste na faculdade reconhecida a todos de comunicar publicamente informações, sem
impedimento nem discriminações; o direito de se informar consiste na faculdade reconhecida a todos de
procurar informações, sem impedimentos nem discriminações; o direito de ser informado consiste na
liberdade de receber informações e no direito de ser mantido informado de forma adequada – direito
igualmente reconhecido a todos, sem impedimentos nem discriminações.” (ALEXANDRINO, José
Alberto de Melo. Estatuto Constitucional da Actividade de Televisão. Coimbra: Coimbra Editor, 1998 p.
116). 191
STROPPA, Tatiana. As dimensões constitucionais do direito de informação e o exercício da liberdade
de informação jornalística. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 110-113.
60
No que tange à perspectiva objetiva, está a mesma relacionada ao poder da
informação, ou seja, o indivíduo que a possui tem a possibilidade de influenciar a
escolha de outros menos informados. Como é sabido, são os meios de comunicação que
usualmente possuem a matéria prima da informação e, portanto, se relevam como o
centro do poder. Entretanto, o poder da informação é limitado à difusão de informações
verídicas, plurais e imparciais. Exemplificando, o âmbito normativo do direito à
informação segundo Tatiana Stroppa também engloba:
(...)o combate à formação de monopólio ou oligopólio entre os meios de
comunicações; a existência de uma pluralidade e de veracidade nas
informações divulgas, a busca por um equilíbrio entre os interesses dos
detentores dos meios de comunicação ou daqueles que dele se valem e o
direito da coletividade de ser informada e também ter acesso aos meios de
comunicação 192
.
Neste passo, a perspectiva objetiva do direito à informação está ligada ao fato
de que, em uma sociedade democrática, o acesso à informação é um direito amplo. Caso
contrário, ou seja, se restrito a apenas este ou aquele segmento da sociedade, correr-se-
ia o risco de que os detentores das informações tenham em suas mãos o poder da
possibilidade de transmiti-las ou não193
.
A informação possui um papel crucial na personalidade de um indivíduo, pois
este estará mais bem capacitado a construir seu próprio juízo argumentativo. Assim, é
inegável o papel essencial tanto do direito de informar e de ser informado na construção
de uma opinião pública, o que possibilita ao cidadão uma participação mais democrática
na sociedade194
.
Isso implica dizer que é papel do Estado, enquanto ente definidor do
ordenamento jurídico sob o qual seus populares buscarão abrigo, garantir um sistema
legislativo tal que não admita restrições descabidas à liberdade da atividade de
imprensa. Nesse ponto, o Professor Alexandre Sousa Pinheiro, por todos, alerta:
O poder político, mesmo em sociedade democráticas, onde goza de uma
legitimidade popular, tem por vezes o ímpeto de limitar a atividade da
imprensa através de legislação restritiva. É muito mais difícil a um Governo
ou, a uma Assembleia de composição conjuntural assumirem restrições à
192
STROPPA, Tatiana. As dimensões constitucionais do direito de informação e o exercício da liberdade
de informação jornalística. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 115. 193
STROPPA, Tatiana. As dimensões constitucionais do direito de informação e o exercício da liberdade
de informação jornalística. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 116. 194
MACHADO, Jonatas E. M. Liberdade de Expressão dimensões constitucionais da esfera pública no
sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 612;
61
liberdade de expressão strictu sensu. Daí que uma Constituição construída a
pensar nas limitações do poder político em matéria como os direitos
fundamentais coloque ao mesmo nível sistemático liberdade de expressão e
liberdade de informação 195
Ademais, relevante ressaltar que o direito à informação não apenas protege
matérias de natureza política, mas também econômica, cultural, religiosa, desportiva,
artísticas, enfim, dos mais variados âmbitos196
.
O direito à informação, assim como a liberdade de expressão, entra em rota de
colisão com outros direitos fundamentais. Um importante exemplo de prevalência do
direito à informação e da liberdade de expressão pode ser visto no voto proferido pela
Ministra Nacy Andrigui no Rep. 984.803 do STJ, no caso da veiculação de notícia
acerca de um suposto envolvimento em fato criminoso de um indivíduo que,
posteriormente, foi considerado inocente. A Ministra ponderou que o interesse público
da liberdade de informação e de expressão sobressairia em relação aos direitos da
personalidade da pessoa, porquanto o jornalista buscou a verdade por meio de fontes
verídicas. Afirma a Ministra: “A honra e a imagem dos cidadãos não são violados
quando se divulgam informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que, além
disso, são do interesse público” 197198
.
Frise-se que o indivíduo, ao receber a informação, não é um mero expectador,
ele passa a ser sujeito de direitos, titular do direito de ser informado de maneira verídica
e completa199
.
Nesse sentido, é importante ressaltar a passagem de José Afonso da Silva sob a
responsabilidade do meio de informação em propagar todos os conteúdos:
A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade da empresa
jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que
ele só existe e se justifica na medida do direito das pessoas a uma informação
correta e imparcial. A liberdade de dominante é a de ser informado, a ter
acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e jornalismo
195
PINHEIRO, Alexandre Sousa. As Relações entre o Direito à Informação e a Reserva da Vida
Privada nos meios de Comunicação Audiovisual: conflitos e critérios de solução. Lisboa, 1995, p. 67; 196
PINHEIRO, Alexandre Sousa. As Relações entre o Direito à Informação e a Reserva da Vida Privada
nos meios de Comunicação Audiovisual: conflitos e critérios de solução. Lisboa, 1995, p. 612; 197
PINHEIRO, Alexandre Sousa. As Relações entre o Direito à Informação e a Reserva da Vida Privada
nos meios de Comunicação Audiovisual: conflitos e critérios de solução. Lisboa, 1995, p. 612; 198
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf>
199
MATELLI, Ana Laura Texeira; MARCATO, Gisele Carvesan Beltrami. Dever de informação: uma
construção teórica propositiva da releitura do instituto. Florianópolis: CONPEDI, 2014, p. 263 – 281.
62
têm um direito fundamental de exercer a sua atividade, sua missão, mas
especialmente tem um dever. Reconhece-se-lhes o direito de informar ao
público os acontecimentos e ideias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade
ou esvaziar-lhe o sentido original, do contrário, se terá não informação, mas
deformação. 200
Tem-se, portanto, que, para a divulgação das informações, é de extrema
relevância a averiguação da verdade, por meio da verificação da fonte, da idoneidade da
notícia. Não se pode permitir a propagação de conteúdos inverídicos em um Estado
Democrático, salientando-se que não há que ser questionada a qualidade da informação,
mas, sim, a sua probidade201202
.
2.4.1 O problema do Hate Speech
Ressalte-se, inicialmente, que não é objetivo deste trabalho tratar do problema
do hate speech ou “discurso do ódio” de forma aprofundada, mas, tão somente, entender
como tal problema pode interferir quando da publicação de uma biografia. Exemplo
recente no Brasil, foi a proibição da autobiografia de Hitler intitulada Minha Luta.
O ponto nevrálgico desta discussão está no questionamento acerca da
possibilidade de o direito da liberdade de expressão assegurar ou não o direito de
manifestações de ódio, intolerância, preconceitos contra determinados grupos por temas
ligados a gênero, religião, etnia, orientação sexual, deficiência física ou mental, entre
outros203
. E a pergunta que se coloca é a seguinte: é possível que haja a limitação da
liberdade de expressão nos casos de hate speech?
200
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editora, 2001,
p. 247; 201
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 147. 202 O Professor José Alberto de Melo Alexandrino traz em seu livro que a liberdade de expressão também
não protege a divulgação de informações inverídicas, informando que: “Na liberdade de expressão não
pode caber a divulgação de notícias falsas, isto é, o pensamento que resulte subjectivamente falso, que
ocorrerá quando se prove a divergência entre a expressão e o pensamento interior (mentira, o dolo ou a
fraude); já o objectivamente erróneo resulta exercício lícito da liberdade de expressão, o qual só pode ser
combatido ou por manifestações contrária ou pelo direito de rectificação” (ALEXANDRINO, José
Alberto de Melo. Estatuto Constitucional da Actividade de Televisão. Coimbra: Coimbra Editor, 1998, p.
88).
203
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”. Disponível em:
<http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-
speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>. Acesso em: 4 de
jun. de 2016;
63
Essa é uma questão que vem sendo enfrentada pelos países democráticos,
causando inúmeros debates apaixonados. Algumas cortes constitucionais já fizeram
suas primeiras manifestações.
De um lado, tem-se a proteção incondicional da liberdade de expressão, sem
qualquer censura, com o pressuposto de que esse direito fundamental protege até
mesmo a difusão de ideias de intolerância, com o argumento de que o combate às más
ideias se dá pela divulgação de boas ideias. Do outro lado, temos que as manifestações
de intolerâncias não são protegidas pela liberdade de expressão, eis que tal proteção
estaria violando princípios fundamentais da sociedade 204
.
A solução do problema não é nada fácil, principalmente pelo fato de que a
análise perpassa por valores fundamentais em uma sociedade democrática, tais como:
tolerância, igualdade e liberdade, portas abertas, portanto, para inúmeras interpretações
e divergências205
.
A liberdade de expressão é essencial para a formação e circulação de opiniões
e ideias, proporcionando ao indivíduo a oportunidade de um amplo e vasto
conhecimento. É através de um irrestrito fluxo de informações, com a possibilidade de
um debate livre, que se é possível chegar as melhores decisões em uma democracia206
.
Nesse contexto, um debate livre apenas ocorrerá quando a liberdade de
expressão for garantida de forma ampla a fim que seja evitado o chilling effect, ou seja,
o resfriamento do discurso por temor de censura ou opinião divergente. E é por isso que
qualquer restrição à liberdade de expressão deve ser analisada com cautela207
.
204
Esse tormentoso tema se torna cada dia mais atual, alimentado pelos crescentes atentados terroristas
motivados pelo ódio pelas minorias, a exemplo do massacre de 50 homossexuais com 53 feridos, ocorrido
no último dia 12 de junho em uma boate em Orlando, tendo o matador como principal motivo a
intolerância de gênero. (BALOUSSIER, Anna Virginia. Obama diz que ataque a Orlando é fruto de
extremismo doméstico. Folha de São Paulo. São Paulo, 13 jun. de 2016. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/06/1781147-obama-diz-que-ataque-em-orlando-e-fruto-de-
extremismo-domestico.shtml>. Acesso em: 13 de jun. de 2016; 205
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”. Disponível em:
<http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-
speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>. Acesso em: 4 de
jun. de 2016; 206
BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.
Disponível em: <http://www.puc-
rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2
0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 de jun. de 2016. 207
BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.
Disponível em: <http://www.puc-
rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2
0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 de jun. de 2016.
64
A priori, o direito à liberdade de expressão deve prevalecer quando em conflito
com outros direitos, eis que garantidor de uma livre circulação de ideias e livre
manifestação de pensamento, aí incluída a crítica, valores estes imprescindíveis em uma
sociedade democrática.208
.
O hate speech é um discurso que possui como principal característica a
manifestação de um pensamento que inferioriza e humilha minorias e indivíduos, cujo
objetivo é propagar a discriminação do que é considerado diferente, promovendo uma
exclusão social209
.
Nesse passo, as restrições à liberdade de expressão nos casos de manifestação
do discurso de ódio conferem um tratamento isonômico além de impedirem que
violência contra minorias expandam, o que é um atentado à dignidade da pessoa210
.
Nos Estados Unidos, após a aprovação da 1ª emenda constitucional, a liberdade
de expressão passou a ser um dos direitos mais valorizados no âmbito da jurisprudência
constitucional e, quando colocado em confronto com outras garantias, como a
privacidade, imagem, honra e igualdade, há a prevalência daquela211
.
A liberdade de expressão nos Estados Unidos somente não deve ser protegida
em situações excepcionais, sem as quais a vida social tornar-se-ia impossível212
.
208
BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.
Disponível em: <http://www.puc-
rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2
0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 de jun. de 2016. 209
FREITAS, Riva Sobrado de; CASTRO, Matheus Felipe de. Liberdade de expressão e Discurso do
ódio: um exame sobre as possíveis limitações à liberdade de expressão. Revista Sequência, Florianópolis,
n. 66, p. 327-355, jul. de. 2013, 29p. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/seq/n66/14.pdf>. Acesso em: 4 jun. de 2016. 210
BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.
Disponível em: <http://www.puc-
rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2
0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 jun. de 2016. 211
Nesse sentido, Daniel Sarmento afirma: “formou-se firme jurisprudência nos Estados Unidos no
sentido da proteção constitucional das mais tenebrosas manifestações de intolerância e ódio voltadas
contra minorias” (SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”.
Disponível em: <http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-
problema-do-hate-speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>.
Acesso em: 4 jun. de 2016. 212
Sobre o sistema americano de proteção da liberdade de expressão, Daniel Sarmento afirma:
“Atualmente, os Estados Unidos possuem um sistema de proteção à liberdade de expressão extremamente
complexo, em que há determinados campos considerados fora do alcance da 1ª Emenda, como o da
“obscenidade”, outros que recebem uma proteção menos intensa, como a propaganda comercial e uma
área em que a tutela constitucional é extremamente reforçada, em cujo epicentro está o discurso político
lato sensu. Por outro lado, há também uma importante distinção entre as formas de regulação estatal desta
liberdade: são mais facilmente aceitas as restrições ligadas ao “tempo, lugar e forma” da manifestação,
que sejam neutras em relação ao seu conteúdo, mas há um controle muito mais rigoroso das limitações
atinentes ao teor do discurso, que se torna ainda rígido e quase invariavelmente fatal quando a regulação
baseia-se em discordância relativa ao “ponto de vista” do agente” (SARMENTO, Daniel. A liberdade de
65
Dentro dessa linha de proteção quase incondicional da liberdade de expressão,
os Estados Unidos aceitam as manifestações de intolerância e ódio contra minorias
como formas da liberdade. Todavia, apesar dessa concepção possuir abrigo na Suprema
Corte, esse tema está longe de ser pacifico no âmbito da sociedade e entre os
acadêmicos e especialistas213
.
A consequência prática de aceitação do hate speech como manifestação da
liberdade de expressão faz com que aquele país abrigue o maior número de sites que
alimentam o ódio, preconceito e a intolerância contra as minorias214
.
Do outro lado, tem-se a Alemanha, que foi um país marcado pelo hate speech
durante a segunda guerra mundial e que, hoje, propugna pela liberdade de expressão
como um dos direitos fundamentais mais importantes, entretanto, diferentemente dos
Estados Unidos, seus tribunais aplicam o princípio da proporcionalidade quando está
em causa sobretudo os direitos da personalidade. Na Alemanha, o valor supremo da
sociedade é a dignidade da pessoa humana.215
.
A Alemanha não descuida da proteção à liberdade de expressão,
principalmente quando há discursões de interesse público, mas não aceita o hate speech.
Nos casos de conflitos entre as liberdades comunicativas e proteção dos direitos da
personalidade das minorias, há uma intensa proteção aos últimos principalmente pelo
fato de a dignidade da pessoa humana ser o centro na ponderação de interesses216
.
É importante ressaltar que o modelo de ponderação de interesse com centro na
dignidade da pessoa humana perpassa pelos traumas sofridos pelo nacional-socialismo
que foi um dos grandes vilões das atrocidades vivenciadas no mundo. Assim, na
expressão e o problema do “Hate Speech”. Disponível em: <http://www.dsarmento.adv.br/content/3-
publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-
problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>. Acesso em: 4 de jun. de 2016. 213
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”. Disponível em:
<http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-
speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>. Acesso em: 4 jun.
de 2016; 214
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”. Disponível em:
<http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-
speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>. Acesso em: 4 jun.
de 2016. 215
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”. Disponível em:
<http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-
speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>. Acesso em: 4 jun.
de 2016.
216
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”. Disponível em:
<http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-
speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>. Acesso em: 4 jun.
de 2016.
66
iminência de surgimento de qualquer ideia que atente contra as minorias, é a mesma de
pronto coibida. Nesse sentido, a Alemanha não “está disposta a correr o risco do
surgimento de algum novo monstro que possa ser nutrido por um excesso de tolerância
com o intolerante”. 217
Os organismos internacionais de proteção dos direitos humanos, no mesmo
sentido da Alemanha, não toleram o hate speech como manifestação da liberdade de
expressão e pregam também que tal tipo de discurso deve ser combatido e punido218
.
No Brasil, país que está vivenciando uma crise institucional com um duelo
entre direita e esquerda, que está acarretando uma propagação de discursos de ódio com
o claro objetivo de degradar a imagem do outro, das minorias e dos diferentes, mais do
que nunca a questão do limite da liberdade de expressão deve ser amplamente discutida.
No julgamento da ADPF 130 pelo STF que contestava a lei de imprensa, ficou
claro no acordão que:
A Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime
da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e
informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um
regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de
resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre
as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de
imprensa219
.
217
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”. Disponível em:
<http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-
speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>. Acesso em: 4 jun.
de 2016. 218
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”. Disponível em:
<http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-
speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>. Acesso em: 4 jun.
de 2016. 219
EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI
DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE
INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA", EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A
"PLENA" LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE
QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA
COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO
PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA,
INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES
DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS
DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO
CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DAS
LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO
ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA
FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO PROLONGADOR.
PONDERAÇÃO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE
PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE
IMPRENSA E O BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA.
PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO
DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR
67
RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS
CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA
CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO INCIDINDO A
POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA.
PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL
POR DANOS MORAIS E MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE
ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE
PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE
FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS
FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO
NOVO E AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS. NÚCLEO DA LIBERDADE DE
IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA. AUTORREGULAÇÃO
E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI
Nº 5.250/1967 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO.
PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. A ADPF, fórmula
processual subsidiária do controle concentrado de constitucionalidade, é via adequada à impugnação de
norma pré-constitucional. Situação de concreta ambiência jurisdicional timbrada por decisões
conflitantes. Atendimento das condições da ação. 2. REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE
DE IMPRENSA COMO REFORÇO DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO,
DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO EM SENTIDO GENÉRICO, DE MODO A ABARCAR OS
DIREITOS À PRODUÇÃO INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E COMUNICACIONAL. A
Constituição reservou à imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome "Da Comunicação
Social" (capítulo V do título VIII). A imprensa como plexo ou conjunto de "atividades" ganha a dimensão
de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se
convencionou chamar de opinião pública. Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de
controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como
alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como
garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Entendendo-se
por pensamento crítico o que, plenamente comprometido com a verdade ou essência das coisas, se dota de
potencial emancipatório de mentes e espíritos. O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza
liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um
direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais
evoluído estado de civilização. 3. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
COMO SEGMENTO PROLONGADOR DE SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE QUE SÃO
A MAIS DIRETA EMANAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A LIVRE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O DIREITO À INFORMAÇÃO E À EXPRESSÃO
ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA
NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO CONSTITUCIONAL
SOBRE A COMUNICAÇÃO SOCIAL. O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena
liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade
(liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu
exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se
sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de
informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de
imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se
qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade,
vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no
tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens
jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como
eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional
"observado o disposto nesta Constituição" (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos
tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo
desfrute da "plena liberdade de informação jornalística" (§ 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal).
Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob os tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do
Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica.
Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se
lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias
e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação. 4. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE
68
CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS. O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das
liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos
órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da
mesma Constituição Federal: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta
(inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à
imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de
informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional
de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos
constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-
se o gozo dos sobredireitos de personalidade em que se traduz a "livre" e "plena" manifestação do
pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais
situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também
densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à
inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da
Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o
anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a
informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei
Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das
ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de
resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e
responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no
desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. 5. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE
IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Sem embargo, a
excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa, em
violação ao princípio constitucional da proporcionalidade. A relação de proporcionalidade entre o dano
moral ou material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a
indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido.
Nada tendo a ver com essa equação a circunstância em si da veiculação do agravo por órgão de imprensa,
porque, senão, a liberdade de informação jornalística deixaria de ser um elemento de expansão e de
robustez da liberdade de pensamento e de expressão lato sensu para se tornar um fator de contração e de
esqualidez dessa liberdade. Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua
honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente
público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as
aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um
comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos. 6. RELAÇÃO DE MÚTUA
CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. A plena liberdade de
imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-
cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição,
tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de
mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia,
a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de
informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art. 220 apresenta-se
como norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como
fundamento das sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática
da respeitosa convivência dos contrários. A imprensa livre é, ela mesma, plural, devido a que são
constitucionalmente proibidas a oligopolização e a monopolização do setor (§ 5º do art. 220 da CF). A
proibição do monopólio e do oligopólio como novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado
"poder social da imprensa". 7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E
IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO
PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. O pensamento crítico é
parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa
eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa
assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou
contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua
relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que
legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de
opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e "real alternativa à versão oficial dos fatos"
Deputado Federal Miro Teixeira). 8. NÚCLEO DURO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E A
69
INTERDIÇÃO PARCIAL DE LEGISLAR. A uma atividade que já era "livre" (incisos IV e IX do art.
5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de "plena" (§ 1º do art. 220). Liberdade plena que,
repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado "núcleo
duro" da atividade). Assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do
pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem o que não se tem o desembaraçado trânsito das
ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação. Interdição à lei quanto às matérias
nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da liberdade,
assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Tirante, unicamente, as restrições que a Lei
Fundamental de 1988 prevê para o "estado de sítio" (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre
matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja
tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos,
definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. As matérias
reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria
Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo
da fonte ("quando necessário ao exercício profissional"); responsabilidade penal por calúnia, injúria e
difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos "meios legais que garantam à pessoa e
à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que
contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam
ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (inciso II do § 3º do art. 220 da CF); independência e proteção
remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria qualificação técnica (inciso
XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social (§ 4º do art. 222
da CF); composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social (art. 224 da Constituição).
Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequências ou responsabilizações,
repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos de imprensa.
Peculiar fórmula constitucional de proteção de interesses privados em face de eventuais descomedimentos
da imprensa (justa preocupação do Ministro Gilmar Mendes), mas sem prejuízo da ordem de precedência
a esta conferida, segundo a lógica elementar de que não é pelo temor do abuso que se vai coibir o uso.
Ou, nas palavras do Ministro Celso de Mello, "a censura governamental, emanada de qualquer um dos
três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público". 9. AUTORREGULAÇÃO E
REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. É da lógica encampada pela nossa
Constituição de 1988 a autorregulação da imprensa como mecanismo de permanente ajuste de limites da
sua liberdade ao sentir-pensar da sociedade civil. Os padrões de seletividade do próprio corpo social
operam como antídoto que o tempo não cessa de aprimorar contra os abusos e desvios jornalísticos. Do
dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público decorre a
permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais pelo
temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do
País apôs o rótulo de "plena" (§ 1 do art. 220). 10. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI 5.250 PELA
NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se
orne de compleição estatutária ou orgânica. A própria Constituição, quando o quis, convocou o legislador
de segundo escalão para o aporte regratório da parte restante de seus dispositivos (art. 29, art. 93 e § 5º do
art. 128). São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou
substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria
interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade
normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema.
10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n° 5.250/67 e a Constituição de 1988.
Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda
a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que
para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo
desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para
alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento
crítico no País. 10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67
com a Constituição, seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante
o emprego dessa refinada técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de
"interpretação conforme a Constituição". A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou
forçar a descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido
incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de
viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente
conglobante ou por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do Direito qualquer
possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei
70
No Brasil, ainda não houve uma análise mais profunda e relevante por parte
dos tribunais, sendo tais questões tratadas apenas como conflito entre liberdade de
expressão e direitos da personalidade, como ocorreu no caso Ellwanger em que apenas o
Ministro Gilmar Mendes tratou como ponderação de interesses220
.
Tratava-se de uma ação penal por discriminação racial proposta contra
Siegfried Ellwanger que escreveu e publicou livros com conteúdo antissemita, negando
a ocorrência do holocausto e atribuindo características depreciativas aos judeus. Por
maioria, a Corte entendeu que deveria prevalecer a igualdade racial e a dignidade
humana das vítimas da manifestação racista, em detrimento da liberdade de
expressão221
.
sindicada, mas permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se
muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma
interpretada. Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou
o equilíbrio interno de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e
normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pro indiviso. 11. EFEITOS
JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o
Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das
relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria
publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva,
conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, "de eficácia plena e de
aplicabilidade imediata", conforme classificação de José Afonso da Silva. "Norma de pronta aplicação",
na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta. 12.
PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Total procedência da ADPF, para o efeito de declarar como não
recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de
fevereiro de 1967. ADPF 130. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 130. Brasília: STF Jus, 30
set. 2009. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADPF%24%2ESCLA%2E+
E+130%2ENUME%2E%29+OU+%28ADPF%2EACMS%2E+ADJ2+130%2EACMS%2E%29&base=b
aseAcordaos&url=http://tinyurl.com/aa8meqh>. Acesso em: 15 ago. de 2016). 220
Gilmar Mendes em seu voto afirma: “É evidente a adequação da condenação do paciente para se
alcançar o fim almejado, qual seja, a salvaguarda de uma sociedade pluralista, onde reine a tolerância. (...)
Também não há dúvida de que a decisão condenatória, tal como proferida, seja necessária, sob o
pressuposto de ausência de outro meio menos gravoso e igualmente eficaz. (...) A decisão atende, por fim,
ao requisito da proporcionalidade em sentido estrito. Nesse plano, é necessário aferir a existência de
proteção entre o objetivo perseguido, qual seja a preservação dos valores inerentes a uma sociedade
pluralista, da dignidade humana, e o ônus imposto à liberdade de expressão. Não se pode negar,
outrossim, o seu o seu significado inexcedível para o sistema democrático. Todavia, é inegável que essa
liberdade não alcança a intolerância racial e o estímulo à violência, tal como afirmado no acórdão
condenatório. ” (BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso
ao ódio. Disponível em: <http://www.puc-
rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2
0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 jun. de 2016) 221
BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.
Disponível em: <http://www.puc-
rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2
0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 jun. de 2016
71
O hate speech deve ser restringido principalmente pelo fato de que é inócuo
seu valor na formação do indivíduo, no descobrimento da verdade e na possibilidade de
participação de todos os indivíduos nas decisões da comunidade222
.
Ao contrário, ao invés de contribuir na formação do indivíduo, reduz o seu
conhecimento ao impor uma discriminação. As manifestações de ódio não possuem a
intenção de informar. Elas abafam o conhecimento ao impedirem o alcance das
minorias de responderem adequadamente, pois as colocam em posição de inferioridade,
impossibilitando a participação isonômica de todos os indivíduos223
.
Por fim, não é por meio da liberação de discurso do ódio que se encontra a
verdade, visto que o mercado de ideias ficaria prejudicado com o silêncio das minorias,
que, por se sentirem ameaçadas, omitem suas opiniões224
.
Assim, no que tange à publicação de biografias, não se pode permitir a
publicação de uma obra sobre a vida de alguém com o objetivo de disseminação de
ideias preconceituosas que visem estimular o extermínio de alguns grupos sociais.
2.5 A liberdade de expressão, o direito à informação e as biografias
A biografia é um texto que conta a história da vida de uma pessoa, contendo
descrições de aspectos específicos sobre ela em um determinado tempo e espaço. São
inúmeras as formas de veiculação das narrativas biográficas, tais como livros, sites,
filmes, revistas documentários e televisão225
.
Nesse passo, a publicação e produção de biografias é uma forma de livre
expressão de um autor, como também constitui um importante instrumento na formação
222
BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.
Disponível em: <http://www.puc-
rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2
0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 jun. de 2016 223
BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.
Disponível em: <http://www.puc-
rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2
0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 jun. de 2016. 224
BRAGA, Carolina Henrique da Costa. A liberdade de expressão e a questão do discurso ao ódio.
Disponível em: <http://www.puc-
rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2012/relatorios_pdf/ccs/DIR/JURCarolina%20Henrique%2
0da%20Costa%20Braga.pdf>. Acesso em: 4 jun. de 2016. 225
LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de expressão, a
personalidade e constituição de 1988. São Pulo: Almedina, 2015, p. 26.
72
de opinião, isso porque os fatos ocorridos e descritos estão incluídos na historiografia de
um país, não podendo tais acontecimentos serem decotados da formação cultural226
.
Tem-se duas espécies de biografia: a primeira é a biografia autorizada, a qual o
biografado autoriza a publicação da obra; e a segunda é a biografia não autorizada, que
não conta com nenhuma forma de autorização do biografado.
No Brasil, conviveu-se por muito tempo com a necessidade de autorização do
biografado para a publicação de sua biografia, o que, muitas vezes, constituiu em um
empecilho para a manifestação da liberdade de expressão e da informação, tema este
que será tratado em um capitulo próprio.
Merece destaque, no que concerne à publicação de biografias e à liberdade de
expressão e informação, o dever da verdade. A liberdade de expressão abrange
elementos subjetivos e, dessa forma, em algumas situações, não pode ser condicionada
ao requisito de comprovação da verdade, isso porque “a natureza abstrata do conteúdo
subjetivo não presta ao exame de sua correção” 227
. Noutro giro, em se tratando do
direito de informação de fatos e notícias, o controle da verdade deve ser perseguido, por
se constituírem de objetos concretos suscetíveis de comprovação.
A afirmação de que a liberdade de expressão não precisa da verificação da
verdade não significa que tal liberdade esteja livre de limites228
. O marco da liberdade
de expressão diz respeito às exigências de continência e pertinência de ideias e sua
fronteira reside nos direitos da personalidade. Nenhuma apresentação de ideias ou
manifestação de pensamentos pode agredir a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem. E, caso isso ocorra, deverá ocorrer a reparação do dano.
Um contraponto que se faz é que a Suprema Corte Americana, em prol de uma
garantia a liberdade de expressão, permite algumas informações falsas sobre as figuras
no poder, propugnando que tal permissão não interfira na existência de eventuais limites
226
LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de expressão, a
personalidade e constituição de 1988. São Pulo: Almedina, 2015, p. 106. 227
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 81; 228
Sobre a verdade importante passagem transcrita por Gilberto Jabur de um editorial sobre busca da
verdade: “só na verdade tem um caráter humano e responsável”. Se a verdade não é o único pressuposto
para informação, é, ao menos, o primeiro, aquele que deve ser capaz de movê-la e justifica-la. “De fato”,
escreve-se em editorial respeitado veículo de comunicação social, também em alusão ao Papa, “ a busca
da verdade não enfraquece o afã da liberdade. Ao contrário, é sua mola propulsora, poia a autentica
liberdade é adesão voluntária à verdade que se impõe a uma inteligência lúcida, serena e não
condicionada por preconceitos ou interesses” (JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e
direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 200s, p. 172)
73
à liberdade de expressão. Importante salientar que qualquer que seja a espécie de
restrição essa deve ser estabelecida de “forma clara e proporcionada, servindo interesses
substanciais do Governo, respeitando, assim, a proeminência que Primeira Emenda
confere à liberdade de expressão”229
. E é assim que os Estados Unidos são um dos
países que mais publicam biografias, que circulam livremente, sem qualquer empecilho.
Um acontecimento lamentável que marcou para sempre a história da imprensa
brasileira e que ilustra a necessidade do dever da verdade quando do exercício do direito
à liberdade de expressão e de informação, diz respeito à cobertura e divulgação de
notícias inverídicas sobre a Escola Base de São Paulo, cujos donos e funcionários foram
terrivelmente acusados, julgados e condenados por toda a mídia e população. No
período entre 26 de março de 1994 a 7 de abril de 1995, foi instaurado e arquivado o
trágico inquérito policial que possuía como objetivo a apuração de “orgias sexuais”
envolvendo quatro crianças, entre quatro e seis anos de idade.
De acordo com a queixa apresentada pelos pais, que tinham filhos matriculados
na escola Base de São Paulo, “o casal Maria Aparecida e Ayres, os donos da escola,
promovia orgias sexuais com as crianças na casa de Saulo e Mara, pais de um dos
alunos. Além deles, Paula e Maurício Alvarenga – a sócia de Aparecida e o motorista da
Kombi a qual levava as crianças para casa, respectivamente – também estavam
supostamente envolvidos” 230.
Algumas parcas investigações e um telex enviado pelo
Instituto Médico Legal contendo a informação de que as crianças haviam sido abusadas
foram suficientes para que toda a mídia execrasse os investigados como os verdadeiros
vilões de todo ocorrido, através de uma cobertura sensacionalista baseada em provas
precárias.
A imprensa, cada vez mais sedenta pela divulgação, não se preocupou com a
ética profissional e publicava manchetes que noticiavam: “Perua carregava crianças
para orgia”; “Kombi era motel na escolinha do sexo”; “Uma escola de horrores”,
“Crianças sofrem abuso na escola”.231
229
MOTA, Francisco Teixeira da. A Liberdade de Expressão em Tribunal. Lisboa: Ensaios da Fundação,
Relógio d‘água editores, 2013, p. 18. 230
BAYER, Diego; AQUINO, Bel. Da série “Julgamentos Históricos”: Escola Base, a condenação que
não veio pelo judiciário. Disponível em: <http://justificando.com/2014/12/10/da-serie-julgamentos-
historicos-escola-base-a-condenacao-que-nao-veio-pelo-judiciario/> Acesso em: 05 de abril de 2016. 231
BAYER, Diego; AQUINO, Bel. Da série “Julgamentos Históricos”: Escola Base, a condenação que
não veio pelo judiciário. Disponível em: <http://justificando.com/2014/12/10/da-serie-julgamentos-
historicos-escola-base-a-condenacao-que-nao-veio-pelo-judiciario/> Acesso em: 05 de abril de 2016.
74
Com o transcorrer das investigações e com o surgimento das primeiras provas
de que os seis funcionários da escola eram inocentes, iniciou-se uma nova perseguição,
desta feita ao “gringo”, o americano Richard Harrod Pedicini, que fora visto na porta da
sua residência com uma Kombi escolar apontada como o veículo que levava as crianças
para serem aliciadas. Após a realização de buscas na casa de Pedicini, nenhuma prova
contundente foi encontrada. Ainda assim, o estrangeiro foi preso.
Concluídas as investigações, nenhuma prova contra os acusados foi encontrada
e todos os investigados foram considerados inocentes. No inquérito policial, ficaram
evidenciadas muitas contradições e mentiras das mães dos menores. Mas a vida dos
acusados já estava irremediavelmente destruída.
Encerrado o caso e comprovada a inocência de todos os investigados, as reais
vítimas da Escola Base nunca mais retomaram suas vidas e jamais recuperaram sua
honra. Os veículos de comunicação não se retrataram devidamente. A falta de zelo na
busca da verdade destruiu a vida de inocentes.
Esse exemplo ilustra a necessidade de a liberdade de expressão e informação
ser compatibilizada com outros bens constitucionalmente protegidos, tais como a
moralidade, a honra, a intimidade, a vida privada, a imagem, entre outros. Em nome de
uma proteção diferenciada da liberdade de expressão, não é autorizado que sejam
excluídos outros tantos direitos fundamentais da pessoa humana. E é nessa seara que se
encontra um grande desafio das sociedades democráticas no que diz respeito à colisão
de direitos fundamentais versus o direito à liberdade de expressão e informação e a
busca de uma solução para tanto232
.
Retomando a questão da publicação das biografias, é evidente, como já
mencionado, que se trata de uma manifestação do direito à liberdade de expressão e
liberdade de informação, devendo o biógrafo, contudo, como um profissional da
literatura, estar comprometido com a verdade e persegui-la na construção de sua
narrativa.
Na busca de conteúdos para construção de uma biografia, é inevitável que o
biógrafo seja contagiado pelas emoções da história, pelas vivencias do biografado, não
podendo, porém, perder de vista a necessária cautela, que é o fiel da balança, para que
não ocorram violações a direitos da personalidade. Afinal, como visto, o Caso da Escola
232
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 152.
75
Base é paradigmático no sentido de demonstrar como a promiscuidade e falta de zelo
podem dizimar a dignidade de alguém233.
Os direitos que limitam a liberdade de expressão serão objeto de análise no
próximo capítulo.
2.6 Biografia
“Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha
biografia, não há nada mais simples. Tem só duas datas - a da
minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra cousa
todos os dias são meus”
(CAEIRO) 234
Considerando o notório confronto entre o direito fundamental da liberdade de
expressão e o direito fundamental da vida privada, intimidade e imagem, levado a
efeito, por vezes, nas biografias, imprescindível é a compreensão deste gênero literário,
com suas características peculiares. É o que se passa a fazer, portanto, neste tópico.
Incialmente, é de suma importância que se faça um breve apanhado histórico
do surgimento das biografias, que remonta ao Século V a.C., auge da Antiguidade
Clássica. Os primeiros registros de escritos biográficos são as obras de Heródoto e
Tucídides, historiadores gregos que narraram, respectivamente, as guerras médicas e a
guerra do Peloponeso, iniciando, através da narrativa em Heródoto e da retórica em
Tucídides, registros históricos sobre a vida de importantes personagens daquelas
batalhas gregas.235
233
Evidentemente, qualquer ser humano está sujeito a situações de elevada emoção que colocam a prova
o senso ético e de objetividade. Sobre estes, o professor Alexandre Sousa Pinheiro, de forma simples e
brilhante, ensina: “(...) o comportamento ético e a noção de objectividade não é unânime, quando
confrontada com situações de limite” (PINHEIRO, Alexandre Sousa. As Relações entre o Direito à
Informação e a Reserva da Vida Privada nos meios de Comunicação Audiovisual: conflitos e critérios de
solução. Lisboa, 1995, p. 70). 234
CAEIRO, Alberto. Poemas inconjuntos. In: Revista Atena, Lisboa, n. 5, fev. 1925. Os versos teriam
sido escritos entre 1913-1915, em uma Europa de tempos sombrios.
(SILVA, Wilton Carlos Lima. Biografias: construção e reconstrução da memória. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/FRONTEIRAS/article/viewFile/626/421>. Acesso em: 26
dez. de 2015) 235
PRIORE, Mary del. Biografia: quando o indivíduo encontra sua história Revista Topoi, Rio de
Janeiro, v. 10. n. 19, p. 7-16, dez. 2009. Disponível
em: <http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi19/topoi%2019%20-
%2001%20artigo%201.pdf>. Acesso em: 26 dez. de 2015.
76
É importante ressaltar que essas primeiras obras, embora de cunho
eminentemente histórico, possuíam certo teor ficcional, haja vista a valoração mística
(quase mitológica) que a sociedade grega atribuía aos seus homens célebres236
.
Plutarco, por sua vez, inicia, no primeiro século da era cristã, a chamada
biografia comparada. O autor grego, em sua principal obra, Vitae Parallellae apresenta
23 (vinte e três) pares de biografia, contrapondo, em cada um dos pares, um herói grego
e outro romano. Além disso, embora Plutarco recheasse sua obra com narrativas
dramáticas, o pai da biografia comparada embasava seus escritos com fontes históricas,
tanto orais, quanto literárias, a despeito de que as comparações eram repletas de
imparcialidades237238
.
Os historiadores romanos, notadamente Tito Lívio e Tácito, adotaram a
retórica de Tucídides para descrever os heróis de seu tempo. É retórico o discurso
justamente por não ter a função explicativa. Era, portanto, a descrição de um
acontecimento histórico mais amplo, por intermédio do procedimento narrativo.
Com o advento da Idade Média e o consequente fortalecimento da Igreja
Católica, surgem as biografias dos santos, denominadas haliografias. O objetivo, agora,
é narrar um modelo de vida sacra, digno de ser imitado pelos leitores. “As encarnações
do sagrado se tornavam modelares no percurso realizado por mártires, doutores e
confessores”239
.
236
TURCO, Helem Patrícia de Fáveri. Biografias não autorizadas: os limites da teoria interna e as
restrições da teoria externa para resolução desta tensão entre direitos fundamentais. Curitiba, 2011, p. 6; 237
SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco e a biografia de Esparta. Revista Politeia,
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia: Vitória da Consquista, v. 4, n. 1, p. 83-103,
2004. Disponível em: <http://periodicos.uesb.br/index.php/politeia/article/viewFile/180/202>. Acesso
em: 26 dez. de 2015; 238
Neste sentido: “Plutarco, nascido em 46 d.C na cidade de Queronéia pode ser considerado o maior
biógrafo da Antiguidade. Sua maior preocupação foi estudar a vida dos grandes personagens do passado,
sob a visão psicológica e ética. Sua grande obra “Vitae Parallellae” foi composta de vinte e três pares de
biografias, na qual em cada uma despontava um herói grego ao lado de um romano. Sua finalidade
principal era antes de tudo moralista, sendo as vidas dos grandes homens um reflexo para a raça humana;
alguns a serem imitados, outros a serem evitados. Plutarco pouco se importou com uma crítica histórica
estrita, procurando muitas vezes enaltecer os heróis gregos, em detrimento de seus congêneres romanos,
forçando paralelismos nem sempre condizentes com a realidade. Limitou-se também a descrever uma
situação inusitada do biografado, entendendo que agindo dessa maneira conseguiria descrever mais
fielmente o caráter de seu herói” (ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. Plutarco e as Biografias
Vitorianas no século da história Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, art. 2.
22p. Disponível
em: <http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/artigos/volume002_Num002_artigo002.pdf>. Ace
sso em: 26 dez. de 2015) 239
PRIORE, Mary del. Biografia: quando o indivíduo encontra sua história. Revista Topoi, Rio de
Janeiro, v. 10. n. 19, p. 7-16, dez. 2009. Disponível
em: <http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi19/topoi%2019%20-
%2001%20artigo%201.pdf>. Acesso em: 26 dez. de 2015.
77
A Idade Média deu lugar ao Renascimento e, com ele, surgiu uma nova
maneira de se pensar a descrição da vida humana. O indivíduo, aqui, é considerado em
si mesmo, com suas virtudes e seus vícios. As leis de Deus deram lugar às necessidades
humanas individuais e, a partir de então, este individualismo é crescente.
O imperioso mister de construção da ideia de “nação” no seio social europeu
conferiu importante papel às biografias do século XIX, na medida em que os relatos
biográficos imortalizavam feitos nacionais de heróis e monarcas em uma sociedade
ávida por grandes acontecimentos. Nesse período, v.g., são publicadas as biografias de
Danton e Napoleão Bonaparte.
Com as inovações tecnológicas do século XX, surgiu a dicotomia entre história
e literatura. A primeira se tornou positivista e ocupada com o fato social e suas
dimensões econômicas, sociais e culturais. A arte da narrativa perdeu espaço e
historiadores se desinteressam por biografias. Os maiores biógrafos desse tempo eram
escritores.240
Porém, em virtude do crescente interesse do público pelas obras biográficas,
eminentemente literárias, em meados do século XX, se inicia, lentamente, um processo
de retorno da história à biografia, principalmente através das publicações das biografias
de Lutero e Rabelais, sob a autoria de Lucien Febvre, importante historiador francês.
Esse retorno, porém, só se concretiza a partir dos anos 1970 por meio de uma
verdadeira mudança de paradigma. O crescente interesse popular na produção de
biografias e a disposição de historiadores em se debruçarem sobre o tema possibilitaram
discussões profundas acerca de uma nova maneira de fazer biografia que relata ainda o
indivíduo, porém, agora, enquadrado em um contexto social que lhe é peculiar e
interativo. Que o molda e é moldado por ele241
.
240
TURCO, Helem Patrícia de Fáveri. Biografias não autorizadas: os limites da teoria interna e as
restrições da teoria externa para resolução desta tensão entre direitos fundamentais. Curitiba, 2011, p.
6; 241
Para melhor compreender a mudança de paradigma, Mary Del Priore assim leciona: “Foi, contudo,
preciso esperar os anos 70 e 80 para assistir ao fim da rejeição à biografia histórica. O epistemólogo
François Dosse anunciou, então, a chegada de uma “idade hermenêutica” na qual o objetivo seria capturar
“a unidade pelo singular”. Até que enfim, o indivíduo encontrava a história. O fenecimento das análises
marxistas e deterministas, que engessaram por décadas a produção historiográfica, permitiu dar espaço
aos atores e suas contingências novamente. Foi uma verdadeira mudança de paradigmas. A explicação
histórica cessava de se interessar pelas estruturas, para centrar suas análises sobre os indivíduos, suas
paixões, constrangimentos e representações que pesavam sobre suas condutas. O indivíduo e suas ações
situavam-se em sua relação com o ambiente social ou psicológico, sua educação, experiência profissional
etc. O historiador deveria focar naquilo que os condicionava a fim de fazer reviver um mundo perdido e
longínquo. Esta história “vista de baixo” dava as costas à história dos grandes homens, motores das
decisões, analisadas de acordo com suas consequências e resultados, como a que se fazia no século XIX”
(PRIORE, Mary del. Biografia: quando o indivíduo encontra sua história Revista Topoi, Rio de Janeiro,
78
Essa reabilitação da biografia histórica devolveu aos biografados uma posição
de destaque. Contudo, não se tratavam de atores sagrados, como nas hagiografias,
tampouco heróis, como na Idade Média. São, antes, seres humanos inseridos em um
contexto social que lhes é peculiar, único. Não faz mais sentido pensar no indivíduo por
si só. As interações sociais são agora determinantes na forma de pensar biográfica242
.
Ao longo dos anos, as biografias foram utilizadas com os mais diversos
propósitos, ora para enaltecer personagens, ora para incutir valores e ideais. O que é
perene, todavia, é a busca do biógrafo em narrar a vida de outrem com a maior exatidão
(frise-se, não necessariamente imparcialidade) possível. O que ficou claro, desse modo,
é que a biografia, no caminhar da história, foi e ainda o é, importante auxílio na
construção histórica social243
.
2.6.1 Gênero Biografia
As biografias são narrativas históricas que revelam os processos históricos e
movimentos culturais que permearam a trajetória de determinada pessoa. Por sua vez, a
palavra biografia tem sua origem etimológica nos termos gregos bios, que significa
vida, e graphein, que significa escrever.244245.
v. 10. n. 19, p. 7-16, dez. 2009. Disponível
em: <http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi19/topoi%2019%20-
%2001%20artigo%201.pdf>. Acesso em: 26 dez. de 2015) 242
“O historiador que se dedica anos a fio a escrever uma narrativa biográfica não deve prescindir do
sistema social no qual o biografado está inserido, revelando o ambiente em que viveu, de modo a que o
leitor, seja ele especialista ou leigo, vá descobrindo as características da personalidade do herói descrito.
Essa tarefa de combinar narrativa com fidelidade é das mais desafiadoras para qualquer historiador”
(ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. Plutarco e as Biografias Vitorianas no século da história
Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, art. 2. 22p. Disponível
em: <http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/artigos/volume002_Num002_artigo002.pdf>. Ace
sso em: 26 dez. de 2015) 243
Neste aspecto, importante ressaltar trecho do acórdão da ADIN 4815 exarado pela Ministra Carmen
Lúcia que ressalta o papel da biografia na sociedade: “A pesquisa histórica depende das biografias. É da
vida e com as vidas que se estruturam as sociedades. Sociedade é todo composto de vidas singulares, mas
que se erguem como esteios estruturadores das instituições e construtores de catedrais e capelas de gentes,
ideias e costumes”. Acórdão proferido na ADIN 4815, pela Relatora Ministra Cármen Lúcia. (BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. ADIN 4815. Brasília: STF Jus, 2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 26 dez. de 2015) 244
Significado disponível em <http://www.significados.com.br/biografia/>. Acesso em: 23 dez. de
2015; 245
“As Biografias fascinam. Raros são os que se quedam indiferentes diante das vicissitudes de uma vida.
Poucos conseguem manter-se alheios a embates, fracassos e vitórias vividos nas existências alheias.
Mesmo os detratores do gênero traem seu aparente desinteresse: geralmente sua crítica dirige-se menos
aos males intrínsecos aos perfis biográficos do que a seu papel de instrumento de um “odioso
individualismo” (CARINO, Jonaedson. A biografia e sua instrumentalidade educativa. Revista Educação
79
A biografia é um importante mecanismo literário e histórico que tem por
objetivo descrever a história de um indivíduo246. Por meio da narrativa, é possível
desvendar todos os elementos da vida do biografado e, principalmente, os aspectos históricos
que lhe eram aplicáveis.
A história dos biografados é contada por meio de uma narrativa que contém as
descrições de fatos a partir de referências subjetivas. O trabalho do biógrafo demanda
um extremo cuidado, visto se tratar de uma forma de escrita permeada na subjetividade
dos afetos, nos modos de ver, perceber e sentir do outro247248
.
Nesse sentido, tem-se que biografar é descrever a trajetória de um ser; é traçar
a identidade do biografado em atos e palavras; é interpretar existência de outrem por
meio de depoimentos e documentos; é reconstruir a vida de alguém mediante a
narrativa249
.
As biografias possuem como objetivo descobrir, criticar, exaltar, santificar e
exaltar pessoas singulares e fatos notórios em um grande aprendizado, ou melhor, em
uma “pedagogia do exemplo”. É inegável, portanto, a força de um aprendizado em face
da leitura de uma narrativa biográfica 250
.
A biografia possibilita o aprendizado do leitor sobre aspectos históricos de
diferentes culturas, na medida em que, pelo cânone narrativo, é possível examinar os
e Sociedade, ano XX, n. 69, ago, 1999. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/es/v20n67/v20n67a05.pdf>. Acesso em: 26 dez. de 2015) 246
Não constitui objeto dessa dissertação a diferenciação da biografia histórica e literária. Importante
ressaltar a que embora possuam a mesma fórmula, estas possuem algumas diferenças básicas, tais como: a
proibição da utilização do recurso à ficção por questões metodológicas e a busca de trazer à tona toda a
complexidade tanto do sujeito quanto de seu contexto, assim como suas contradições. Entretanto, nesse
trabalho tanto as biografias realizadas por romancistas como por historiadores serão utilizadas como
métodos para descrever histórias. (PIMENTA, Everton Pereira. O ressurgimento do gênero biográfico na
história: definição e questionamento. Disponível em:
<http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab2/h125.pdf>. Acesso em: 26 dez. de 2015) 247
Parecer jurídico: TEPEDINO, Gustavo. Opinião Doutrinária. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em 26 dez. 2015; 248
CARINO, Jonaedson. A biografia e sua instrumentalidade educativa. Revista Educação e Sociedade,
ano XX, n. 69, ago, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v20n67/v20n67a05.pdf>. Acesso
em: 26 dez. de 2015; 249
Nesse sentido, importante ressaltar a seguinte passagem de Wilton Carlos Lima da Silva em seu artigo
sobre Biografias: “A construção de uma biografia exige o diálogo com as diferentes formas de controle
simbólico do tempo e da individualização nas sociedades humanas, na busca de traduzir uma experiência
de duração e estruturas imaginativas que relacionam uma vida e suas relações com a cultura na qual se
insere uma “vida póstuma” na qual mortos e vivos dialogam a partir das heranças dos primeiros e das
carências dos segundos (...)” (SILVA, Wilton Carlos Lima. Biografias: construção e reconstrução da
memória. Revistas UFGD. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/FRONTEIRAS/article/viewFile/626/421>. Acesso em: 26
dez. de 2015) 250
CARINO, Jonaedson. A biografia e sua instrumentalidade educativa. Revista Educação e Sociedade,
ano XX, n. 69, ago, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v20n67/v20n67a05.pdf>. Acesso
em: 26 dez. de 2015;
80
reflexos dos biografados no contexto histórico em que estavam inseridos. Não está se
falando de uma biografia sem máculas, até porque é através das vicissitudes que o
homem desenvolve ainda mais o seu aprendizado. A biografia é, nesse contexto, a
história de uma época acrescida dos seus reflexos na atualidade251.
As biografias usualmente podem ser descritas por cinco formas narrativas
diferentes. A primeira forma é apresentação de um grande personagem, sendo retratado
do modo mais imparcial possível, apesar de ser impossível a completa isenção de
sentimentos, tendo em vista que as paixões e repulsões são próprias da natureza humana
e o biógrafo não está imune às mesmas. Essa forma de narrativa é a mais usada pelos
historiadores252.
A segunda forma é a biografia comparada, que é a construção da narrativa pela
descrição de dois personagens no mesmo contexto histórico, ressaltando os pontos
comuns e suas diferenças253.
A terceira forma, conhecida como hagiografia, predominante no período
medieval, possuía como finalidade precípua falar de Deus, por meio dos santos,
propondo aos homens modelos de santidade e virtudes. Essa forma de narrativa não
possuía imparcialidade, era mais um meio de enaltecer a Igreja, Deus e os santos,
desprovida de qualquer análise crítica254.
A autobiografia, aqui apresentada como quarto gênero biográfico, é a tentativa
do autor em se apresentar e, por vezes, se justificar, à sociedade. Também denominada
de “memórias” ou “diários”, a autobiografia é, em síntese, o relato do autor sobre suas
vivências e experiências255.
251
PRIORE, Mary del. Biografia: quando o indivíduo encontra sua história Revista Topoi, Rio de
Janeiro, v. 10. n. 19, p. 7-16, dez. 2009. Disponível
em: <http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi19/topoi%2019%20-
%2001%20artigo%201.pdf>. Acesso em: 26 dez. de 2015 252
ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. Plutarco e as Biografias Vitorianas no século da história
Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, art. 2. 22p. Disponível
em: <http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/artigos/volume002_Num002_artigo002.pdf>. Ace
sso em: 26 dez. de 2015; 253
ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. Plutarco e as Biografias Vitorianas no século da história
Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, art. 2. 22p. Disponível
em: <http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/artigos/volume002_Num002_artigo002.pdf>. Ace
sso em: 26 dez. de 2015; 254
ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. Plutarco e as Biografias Vitorianas no século da história
Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, art. 2. 22p. Disponível
em: <http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/artigos/volume002_Num002_artigo002.pdf>. Ace
sso em: 26 dez. de 2015; 255
ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. Plutarco e as Biografias Vitorianas no século da história
Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, art. 2. 22p. Disponível
em: <http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/artigos/volume002_Num002_artigo002.pdf>. Ace
sso em: 26 dez. de 2015;
81
O romance histórico, por derradeiro, é aquele em que o autor, antes de estar
preocupado com critérios científicos e rigor histórico, objetiva evocar episódios
marcantes do passado por intermédio de grandes personagens, aproximando-os do
leitor. Essa narrativa, embora receba críticas dos historiadores, possui grande apelo
popular uma vez que a história é entrelaçada por aspectos românticos256.
Resta demostrado, portanto, ser a biografia uma obra que, qualquer que seja a
forma, retrata a vida do outro em palavras. Desse modo, destarte, o oficio do biógrafo é
transmitir ao público a imagem do biografado, inserido, frisa-se, em um contexto social.
A biografia, por se tratar da análise da vida de outrem, incute no biógrafo o
dever de lidar com ética e respeito no que se refere às informações que, porventura, leve
a conhecimento público257.
Destarte, a grande questão dos métodos biográficos consiste na ponderação do
espaço da privacidade de uma pessoa e o espaço sócio histórico de sua existência258.
Conforme dito alhures, a biografia compreende tanto o direito à liberdade de
expressão quanto o direito à informação. No que diz respeito à liberdade de expressão, o
biógrafo possui a liberdade de exprimir suas ideias e opiniões sem compromisso com a
veracidade dos fatos. Já no que tange ao direito à informação, serão exigidos coerência
com os fatos e informações precisas.
No trabalho biográfico, é trabalho do escritor ao realizar uma abordagem
histórica, ilustrando a trajetória do biografado, passando por uma análise de toda
sociedade, trazendo todo o conteúdo que melhor demonstre todos os aspectos,
impressões, explicações da vida, do tempo, da comunidade. Todavia, o trabalho
realizado pelo autor não estará imune de conter suas impressões pessoais, ancoradas na
sua liberdade de expressão259260.
256
ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. Plutarco e as Biografias Vitorianas no século da história
Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, art. 2. 22p. Disponível
em: <http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/artigos/volume002_Num002_artigo002.pdf>. Ace
sso em: 26 dez. de 2015 257
Nessa espécie literária, o autor investiga os mínimos detalhes da vivência do indivíduo e tem que
lhe dar com todos os tipos de fatos e sentimentos, analisando as grandezas e fraquezas, os méritos e
deméritos, os defeitos e qualidades entendendo todo contexto histórico em que foi vivenciado, para
comprovar a falibilidade e desenvoltura da condição humana. (FERREIRA, Manuel Alceu Affonso.
Liberdade de Expressão e Biografias. Migalhas, 31 out. 2013. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI189432,41046-liberdade+de+Expressao+e+Biografia>.
Acesso em: 30 jun. 2014) 258
CARVALHO, Isabel Cristina Moura. Biografia, identidade e narrativa: elementos para uma
análise hermenêutica. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
71832003000100012>. Acesso em: 23 dez. de 2015 259
Petição da Advocacia Geral da União na ADIN 4815 elaborada pelo procurador ADAMS, Luis Inácio
Lucena. Disponível em:
82
O ofício do biógrafo é, grosso modo, semelhante ao de um historiador, tendo
em vista que buscará nas mais diversas fontes a matéria prima de seu trabalho, tais
como: documentos oficiais, pessoais, manuscritos, fotos, recibos, contratos, confissões,
inventários de bibliotecas, bens pessoais, depoimentos orais, para que consiga o maior
número de informações e, consequentemente, estabeleça uma linha de conexão que dê
sentido ao manancial fático para uma narrativa histórica261.
Uma dificuldade na elaboração do enredo de uma biografia consiste no desafio
do biógrafo em descrever, por uma sequência lógica, toda a história, pois, na vida
humana, os acontecimentos não ocorrem linearmente, como nos é apresentado nos
livros. Surgem assim, “as duas tentações da biografia: a ambição da totalidade, de tudo
abranger e explicar, mesmo os mais ínfimos detalhes, e a ambição da coerência, e
encontro de nexos apesar da dispersão e da complexidade” 262.
Diante da leitura de uma biografia, o leitor fica mais perto da descoberta sobre
a vida de homens e mulheres que, de alguma forma, transformaram o meio no qual
viveram, ou de pessoas que, ainda que comuns, ajudam a compreender o modelo de
sociedade que vivem a partir de suas experiências263.
Ademais, as pessoas públicas protagonizam a história ao assumirem uma
posição de evidência, introduzem a sua vida pessoal e o controle de seus dados pessoais
no curso da histografia social, expondo-se ao relato histórico e a biografias264
.
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 26 dez. de 2015; 260
Importante, nesse ponto, ressaltar o comentário escrito pelo autor Daniel Sarmento sobre os conflitos
existentes entre esses direitos fundamentais: “as tensões entre a liberdade de expressão e a vida privada
cada vez ficam maior tendo em vista as tensões se avolumam na sociedade contemporânea, em razão do
apetite nem sempre saudável de setores da mídia e da sociedade sobre informações a respeito da vida
intima das celebridades, bem como em razão dos avanços tecnológicos, que permitem que devasse muito
mais a esfera provada das pessoas. Também aqui justifica-se uma proteção menos intensa da privacidade
das pessoas públicas do que dos cidadãos comuns em situações de tensão com a liberdade de expressão.
Ademais, há que se indagar sobre a existência de algum interesse público no conhecimento de aspectos da
vida privada de certos indivíduos. Saber, por exemplo, que um candidato a cargo eletivo é um pai relapso,
que não visita e nem paga pensão aos filhos, pode ser relevante para que o eleitor fala o seu juízo a
propósito do caráter do político em questão, em que se pese a natureza do fato privado” (SARMENTO,
Daniel. Comentário ao art. 5º, IV. In. CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F; SARLET, Ingo
W.; STRECK, Lenio. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013, p.
58; 261
TURCO, Helem Patrícia de Fáveri, Biografias não autorizadas: os limites da teoria interna e as
restrições da teoria externa para resolução desta tensão entre direitos fundamentais. Curitiba, 2011, p.
18; 262
Idem, 2011, p. 18; 263
Subidem, 2011, p. 18; 264
BARCELLOS, Ana de Paula de. Intimidade e pessoas notórias. Liberdades de expressão e de
informação e Biografias. Conflito entre direitos fundamentais. Ponderação, caso concreto e
83
Dito isso, fica claro perceber que o problema em relação a biografias é a
invasão do direito fundamental à vida privada, pois ao realizar a sua pesquisa e,
consequentemente, para ter acesso a toda história do biografado, o biógrafo
inevitavelmente irá adentrar na esfera privada daquele revelando à sociedade fatos que
até então eram restritos ao âmbito mais íntimo.
Esta via crucis se assemelha à percorrida pelos jornalistas, haja vista que estes
também, por vezes, se deparam com o dilema dos limites de sua atividade em face de
eventuais violações à vida privada. Nesse sentido, em Portugal, foi aprovado, em 1993,
o Código Deotonlógico dos Jornalistas, cujo objetivo é equilibrar a liberdade de
informação e a vida privada. Nessa esteira, o professor Alexandre Sousa Pinheiro
leciona: “Estudando-se as possibilidades de conflito entre o direito à informação e à
vida privada dos cidadãos há dois aspectos da actividade jornalística que devem ser, à
partida equacionados: a recolha de informação e o conteúdo da informação transmitida”.
265266
Sob esse prisma, não pode restar dúvidas de que diante do conflito existente
entre os direitos fundamentais supracitados, no caso da publicação de uma biografia,
restrições devem ser impostas, tendo em vista que biografias cujo o único propósito seja
o de propagar acontecimentos em vãos não podem ser admitidas.
Nesse escopo, é fato que uma pessoa que tenha contribuído para história da
sociedade pode ter sua privacidade mitigada para a publicação de um livro que seja de
conhecimento de todos267. O que se questiona são os limites da inevitável invasão à
intimidade.
Acesso à justiça. Tutelas específica e indenizatória. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 8 ago. de 2014; 265
PINHEIRO, Alexandre Sousa. As Relações entre o Direito à Informação e a Reserva da Vida Privada
nos meios de Comunicação Audiovisual: conflitos e critérios de solução. Lisboa, 1995, p. 68. 266
“O Código Deontológico dos Jornalistas identifica, ainda, no Art. 9º os direitos em presença no
presente trabalho; ” O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos excepto quando estiver em
causa o interesse público, ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que
publicamente defende. O jornalista obriga-se antes de recolher declarações e imagens, a atender às
condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas” (PINHEIRO, Alexandre
Sousa. As Relações entre o Direito à Informação e a Reserva da Vida Privada nos meios de Comunicação
Audiovisual: conflitos e critérios de solução. Lisboa, 1995, p. 73). 267
Importante, nesse ponto, trazer a passagem do desembargador carioca João Wehbi Dib no voto
proferido na ação envolvendo a biografia do jogador "Garrincha", explicitada no texto do advogado
Manuel Alceu Affonso Ferreira, Liberdade de Expressão e Biografias: "Historiadores e biógrafos
consagrados não ocultaram a epilepsia de Machado de Assis, Júlio Cesar e Dostoievski; o alcoolismo
de Edgard Allan Poe, Vinicius de Moraes e João Saldanha; o homossexualismo de Alexandre O
Grande, Verlaine, Rembrandt e Oscar Wilde; os assassinatos perpetrados por reis, imperadores e
presidentes; os suicídios da Rainha Cleópatra, dos escritores Stephan Zweig e Ernest Hemingway e do
pai da aviação, Santos Dumont; os eventos das chamadas cortesãs Ana Jacinta, conhecida como Dona
84
3 OS LIMITES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
“Acontece às vezes que uma flecha lançada ao acaso acerta o
alvo que o arqueiro não queira; muitas vezes uma palavra
pronunciada sem desígnio lisonjeia ou magoa um coração
infeliz dividido entre o prazer e o medo”
(Walter Scott268
)
Neste capítulo, entrar-se-á, propriamente, no objeto da presente dissertação,
qual seja os limites à liberdade de expressão.
A despeio de tratar-se de um direito fundamental primordial para o ser
humano, com inarredável dever de proteção por parte do Estado, em qualquer sociedade
democrática, tal direito é passível de sofrer algumas restrições.
Nesse passo, se faz necessária a compreensão da discussão da restringibilidade
dos direitos e seus respectivos limites, sendo indispensável a análise da “teoria interna”
e “teoria externa” dos limites aos direitos fundamentais, para que se possa fazer uma
análise especifica dos principais direitos que limitam a liberdade de expressão na
publicação de uma biografia.
3.1 Os limites e restrições dos direitos fundamentais
Inicialmente, há que se fazer uma distinção entre limites e restrições de direitos
fundamentais, uma vez que são usualmente utilizados como sinônimos.
Segundo o professor Jorge Reis Novais, existe uma diferença etimológica
entre eles. Nas palavras do autor:
Enquanto restrição (do latim restringere) tem o sentido principal de supressão
ou diminuição de algo, já limite (do latim limitare ou delimitare) tem sentido
de extrema fronteira. Assim, enquanto que restrição procura traduzir a ideia
de uma intervenção ablativa num conteúdo pré-determinado, limite sugere a
revelação ou colocação dos contornos desse conteúdo, ainda que na
colocação de limites a alguma coisa venha sempre implicando o deixar de
Beja do Araxá, e Laurinda Santos Lobo, que encantava as noites do bairro de Santa Tereza, que são as
Violetta Valéry brasileiras..." (FERREIRA, Manuel Alceu Affonso Ferreira. Liberdade de Expressão
e Biografias. Migalhas, out. de 2013. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI189432,41046-liberdade+de+Expressao+e+Biografias>.
Acesso em: 30 jun. de 2014)
268 SCOTT, Walter. Lord das Ilhas – Poemas em seis cantos. Traduzido por um anônimo. Coimbra:
Imprensa de Trovão & Companhia, 1839.
85
fora da delimitação algo que poderia estar dentro. Nessa medida, a colocação
de limites é também inclusão e exclusão, preenchimento de restrição 269270.
As restrições aos direitos fundamentais podem ser compreendidas como ações
ou omissões dos poderes públicos ou particulares que eliminam, dificultam o acesso, a
promoção ou a realização do bem jurídico objeto de proteção do direito fundamental. A
única condição imprescindível é que de algum modo o direito fundamental protegido
seja afetado, não sendo necessária a intervenção no seu âmbito, podendo ser qualquer
situação que impeça ao titular o acesso ao bem protegido ou até mesmo que diminua
seus deveres e obrigações que a essência do direito fundamental impõe ao indivíduo271.
Normalmente, as restrições implicam na realização de um ato, emanado do
poder público, que vai restringir o exercício de um determinado direito fundamental.
Esse direito tanto pode ser afetado por expressa disposição constitucional como por
norma legal promulgada com fundamento na Constituição.
O que deve ser deixado claro é que a restrição apenas será possível caso seja
compatível com a Constituição. Nos casos em que normas inconstitucionais
estabeleçam afetações aos direitos fundamentais, essas não são consideradas restrições e
sim intervenções não admitidas pelo direito272.
Outro cenário de restrição dos direitos fundamentais consiste na rota de colisões
entre eles, mesmo que não exista a possibilidade de autorização de limitação expressa
pelo legislador. Como já salientado anteriormente, uma das principais colisões, que é
objeto de estudo nesta dissertação, é a existente entre a liberdade de expressão e a
intimidade da vida privada273.
Tem-se, assim, que: “um direito constitucionalmente consagrado, sem reservas,
passa a ser restringido por necessidade de proteção de outros bens também importantes
para o desenvolvimento da sociedade e para a defesa da dignidade da pessoa
humana”274275.
269 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela
Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 155; 270
O professor Jorge Miranda frisa que o limite de exercício de um direito fundamental não pode ser
confundido com sua restrição. E para ele são exemplos de restrição: a inelegibilidade, as restrições a
capacidade civil, as regras sobre empresas jornalísticas, etc. (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito.
Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 409); 271 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela
Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 157; 272
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 280; 273
SARLET, Ingo Wolfgang, A Eficácia dos Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 389; 274
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 409; 275 1999, p. 10.
86
Para melhor clarificar o conceito de limites, que são os contornos dos direitos,
imprescindível, pois, a análise da teoria interna e externa dos direitos fundamentais.
A teoria interna preconiza a existência de um direito fundamental com seu
conteúdo determinado, aí incluídos os limites ao exercício do mesmo. Seriam, pois, os
limites imanentes, ou seja, limites e fronteiras internos, implícitos àquele direito. Para
essa teoria, o direito tem o seu alcance definido previamente, sendo tal processo de
definição interno a ele276.
A teoria interna defende que as restrições aos direitos fundamentais integram o
próprio núcleo protetivo do direito. O direito possui seu conteúdo já determinado desde
o início, com seus limites já definidos. Quaisquer possibilidades de intervenção no
direito fundamental estão justificadas na sua própria estrutura, sem qualquer
interferência externa. Para essa teoria, o alcance do direito é definido previamente, a
restrição se torna desnecessária e até mesmo impossível. A ideia de restrição, desse
modo, é substituída por limite. E é nesse sentido que se fala em limites imanentes277278.
Temos, portanto, que, na teoria interna, os fatores externos não influenciam na
delimitação do conteúdo do direito fundamental, visto que isso é algo interno ao direito,
assim como suas restrições. Diante dessa premissa, é possível concluir, segundo
Virgílio Afonso da Silva, que: “os direitos definidos a partir do enfoque da teoria
interna têm sempre a estrutura de regras. Isso porque, se a definição do conteúdo do
direito é feita de antemão, isso significa – para usar a expressão de Sieckman – que a
norma que o garante tem “validade estrita”” 279. Partindo desse pressuposto, a norma
segue a lógica do “tudo-ou-nada”280281.
Nesse ponto, merece que seja feita uma breve diferenciação entre regras e
princípios. De acordo com Robert Alexy:
275
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf> 276
SARLET, Ingo Wolfgang, A Eficácia dos Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 389; 277
SARLET, Ingo Wolfgang, A Eficácia dos Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 389; 278
SCHAFER, Jairo Gilberto; CORDEIRO; Karine da Silva. Restrições a direitos fundamentais:
considerações teóricas acerca de uma decisão do STF (ADPF 130). In: ASENSI, Felipe Dutra; PAULA,
Daniel Giotti (Coords.). Tratado de direito constitucional. v. 1: constituição, política e sociedade, 1 ed.,
Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 434. 279
A validade estrita afirma que a norma será aplicada em e produzirá todos os seus efeitos sempre que
existir a situação que seja adequada o seu enquadramento. (SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais
conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros Editora 2009, p. 129). 280
SILVA, Virgílio, Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 128-129; 281
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editora, 2008, p. 85-103;
87
O ponto decisivo da distinção entre regra e princípios é que princípios são
normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível,
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por
conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por
poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida
de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas,
também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é
determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que
sãos sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então deve se
fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais nem menos. Regras contêm,
portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente
possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma
distinção qualitativa e não uma distinção de grau. Toda norma é, ou uma
regra ou um princípio. 282
Visto isso, é possível verificar que a colisão ou conflito entre regras e entre
princípios demandam diferentes soluções. No caso de colisão ente regras, a solução é na
dimensão de validade, que é realizada por meio do raciocínio do “tudo-ou-nada”, qual
seja, em face de um conflito entre elas, uma será necessariamente invalidada no todo ou
em parte, caso não exista cláusula de exceção. No caso de colisão entre princípios, a
solução estaria na verificação da dimensão do peso de cada um. Em face de um
determinado caso concreto, um princípio poderá ceder a outro, sem, contudo, ser
considerado inválido.
Importante deixar claro que as restrições são incompatíveis com a teoria
interna, que também não aceita a ideia de colisão de direitos fundamentais e, portanto,
não segue a chamada teoria principiológica dos direitos fundamentais283.
Tem-se, pois, que os direitos e seus limites, de acordo com a teoria interna,
formam uma unidade, visto que são um processo interno do direito e que fatores de
origem externa são sempre excluídos, sendo inviável a convivência, sobretudo por
colisões, com outros direitos284.
Ademais, como já foi ressaltado, a teoria interna utiliza da ideia de limites
imanentes para justificar a inexistência de direitos absolutos. A própria Constituição
282
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editora, 2008, p. 90-91; 283
.SCHAFER, Jairo Gilberto; CORDEIRO; Karine da Silva. Restrições a direitos fundamentais:
considerações teóricas acerca de uma decisão do STF (ADPF 130). In: ASENSI, Felipe Dutra; PAULA,
Daniel Giotti (Coords.). Tratado de direito constitucional. v. 1: constituição, política e sociedade, 1 ed.,
Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 434 284
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 389.
88
traz os limites existentes para cada direito e a interpretação da mesma apenas vai
declarar os limites já existentes285.
O grande problema da teoria interna é delimitar, de fato, os contornos do
direito, para que reste claro o que é realmente protegido ou não.
A teoria externa realiza uma distinção entre os direitos fundamentais e suas
restrições, nesse passo, existem dois objetos: um primeiro, que é o direito em si; e um
segundo, que são suas restrições, as quais estão separadas do primeiro objeto.
De acordo com a teoria externa, tem-se, a priori, um direito ilimitado, que
pode vir a ser limitado por meio de eventuais restrições. Para a construção da teoria
externa, preceitua Inglo Sarlet que:
Do pressuposto de que existe uma distinção entre posição prima facie e
posição definitiva, a primeira corresponde ao direito antes de sua limitação, a
segunda equivale ao direito já limitado. Esta distinção, contudo, não afasta a
possibilidade de direitos sem restrições, visto não haver uma relação
necessária entre o conceito de direito e o de restrição, sendo tal relação
estabelecida pela necessidade de compatibilizar diferentes bens jurídicos 286.
Frise-se que, para a teoria externa, um direito não vai sempre e
necessariamente sofrer uma restrição, ou seja, não há, entre ambos, uma relação
inevitável. Tal relação se estabelecerá a partir da necessidade de conciliar os direitos
individuais e os direitos coletivos287.
A teoria externa é a mais apta a solucionar os problemas das colisões dos
direitos fundamentais ao proporcionar uma construção argumentativa, cujo objetivo é o
estabelecimento de uma convivência harmônica entre os titulares e seus direitos288.
É inegável que cada vez mais as situações de conflitos entre os direitos
fundamentais tornam-se frequentes na prática jurídica devido ao alargamento do âmbito
e da intensidade de proteção dos mesmos.289.
Nesse passo, pode-se ressaltar como principais exemplos de conflitos entre
dois direitos fundamentais: o direito à vida versus o direito à liberdade de religião, como
285 Um exemplo para clarificar a questão dos limites imanentes é formulado por Vieira de Andrade: “que
sacrifícios humanos não são garantidos pela liberdade religiosa, da mesma forma que se pode dizer que
calúnia não é garantida pela liberdade de expressão, que-se, com isso, dizer que ambos os direitos –
liberdade religiosa e liberdade de expressão – encontra seus limites implícita ou explicitamente, no texto
constitucional. (SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São
Paulo: Malheiros Editora, 2009, p. 132) 286 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 452; 287
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editora, 2008, p. 307; 288
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 452; 289
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 389;
89
ocorre no caso das "Testemunhas de Jeová” que, em nome da religião, mesmo com
risco de vida, não aceitam serem submetidos à transfusão de sangue; do direito à
liberdade de expressão versus os limites da publicação de uma obra de cunho racista,
como o caso Ellwanger, já mencionado, em que o STF decidiu que a liberdade de
expressão, embora ampla, não é absoluta ao ponto de admitir a publicação de obras de
cunho racista; o direito à liberdade de informação versus o direito à intimidade sendo
que, em dois casos decididos pelos tribunais – o primeiro, no Brasil, relacionado à
filmagem e divulgação das imagens da atriz Daniela Cicarelli mantendo relações
sexuais na praia com o seu namorado e o segundo, julgado pela Corte Europeia de
Direitos Humanos, da princesa Caroline de Mônaco, que foi fotografada dentro de um
clube privado – o direito à intimidade prevaleceu sobre o direito à informação290
.
Ressalte-se a impropriedade de se estabelecer a preferência, ainda que abstrata,
de um direito em relação a outro, em face de uma situação concreta de conflito, eis que
estar-se-ia diante de uma permanente violação da norma preterida. Ainda que,
hipoteticamente, exista uma previsão legal para dirimir potencial conflito de direitos
fundamentais, não está afastada a possibilidade de que se reconheça sua inadequação
diante do fato concreto.
O professor Doutor Jorge Reis Novais explicita que:
A partir do momento em que a Constituição, no que refere aos direitos
fundamentais consagrados sem reservas, não há quaisquer indicações sobre a
preferência relativa a conferir a cada um dos bens em colisão nem sobre a
medida admissível a sua eventual cedência recíproca, a conclusão essencial é
de que, no que se refere a estes direitos, aquela decisão de prevalência é
remetida para um juízo de ponderação de responsabilidade praticamente
exclusivo dos poderes constituídos 291
.
Afere-se do exposto que a solução, em caso de conflitos entre dois direitos
fundamentais, ficará a cargo de um juízo de ponderação, a quem incumbirá a imposição
das restrições cabíveis in casum.
290
CAVALCANTE, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Brasília: STF Jus.
Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teori
a_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf> Acesso em: 17 de maio de 2016. 291
NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos Direitos. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 626-627;
90
Para a teoria externa, a solução dos conflitos entre direitos fundamentais
pressupõe a aplicação da regra da proporcionalidade, que é constituída por três etapas:
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito292
.
A partir da aplicação da regra da proporcionalidade, ao final deste trabalho,
será verificado o acordão do julgamento da ADI 4815, cujo objetivo é a análise da
solução encontrada pelo Supremo Tribunal Federal e seus impactos.
Vejam-se as fases de aplicação da regra da proporcionalidade: a primeira etapa
é a adequação, na qual a indagação consiste em saber se a medida é apta a proteger, de
modo eficaz, o bem protegido. A pergunta que se faz é: “A medida é adequada para
fomentar a realização do objetivo perseguido” 293.
No caso da primeira resposta ser afirmativa, passa-se para a segunda etapa do
processo, que é a verificação da “necessidade” ou “exigibilidade”. Aqui, o objetivo é a
análise da existência de outros meios de proteção mais eficientes e menos invasivos. O
questionamento que se faz é se comparado a outras alternativas que poderiam ter sido
utilizadas para a mesma finalidade, essa é a menos interventiva para o bem protegido. A
medida estatal é a necessária para realização do objetivo perseguido e essa não pode ser
atingida por outro meio em que ocorre uma menor limitação do direito fundamental
atingido294.
Portanto, a medida estatal que restrinja o direito fundamental deve ser
amparada e justificável pela Constituição, além de perseguir e fomentar o seu objetivo,
sendo imperativo que não exista outra alternativa que seja tão eficaz e com menor
restrição ao direito atingido.
A última etapa é a proporcionalidade, na qual averígua-se se o impacto da
medida e se os riscos remanescentes podem ser tolerados tendo em vista a necessidade
de assegurar outros direitos. Nessa etapa, ocorre a verificação dos excessos e das
insuficiências. Ou seja, essa etapa consiste no efetivo sopesamento entre os direitos e
292
De acordo com Robert Alexy: “Os princípios como mandados de otimização requerem a otimização
relativamente àquilo que seja factual e juridicamente possível. Os subprincípios da adequação e da
necessidade referem-se à otimização quanto às possibilidades factuais existentes. O subprincípio da
proporcionalidade em sentido estrito refere-se à otimização quanto às possibilidades jurídicas existentes”
ALEXY, Robert. Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Tradução de Paulo Pereira
Gouveia. Revista O Direito, ano 146º, 2014, IV, Diretor Jorge Miranda, p. 817- 834; 293
Salert, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional 11. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2012, p. 384-404; 294
Salert, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional 11. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2012, p. 384-404;
91
possui como objetivo principal a verificação de qualquer exagero, a fim de evitar que
medidas estatais, embora adequadas e necessárias, restrinjam direitos fundamentais
além daquilo que o objetivo perquirido seja possível de justificar295.
Importante ressaltar nesse ponto a discussão doutrinária sobre a
“fungibilidade” dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e especialmente
a existência de fortes posições que também sustentam a ausência de identidade entre
ambos.
A jurisprudência brasileira, em alguns casos, atesta que, por não ser aplicada a
análise trifásica exigida pela proporcionalidade, a ponderação ocorre essencialmente no
plano da “mera” razoabilidade, o que justamente constitui prova evidente de que, a
despeito do importante elo comum (razoabilidade e proporcionalidade em sentido
estrito), não se trata de grandezas idênticas em toda sua extensão.
Por fim, importante salientar que o Professor Doutor Jorge Miranda traz outras
balizas, enumeradas pelo Tribunal Constitucional, que devem ser perquiridas face a uma
possibilidade de restrição a direitos fundamentais, quais sejam:
Nenhuma restrição pode deixar de se fundar na Constituição; como corolário,
as leis restritivas devem designar expressamente os direitos em causa e
indicar os preceitos ou princípios da Constituição em que repousam;
nenhuma restrição pode ser definida ou concretizada a não ser por lei; as leis
restritivas não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial
dos direitos, liberdades e garantias296
.
Conclui-se que um direito fundamental apenas pode ser restringido em
situações excepcionais, quando for imprescindível para a garantia de outros direitos
fundamentais. A princípio, as restrições aos direitos fundamentais são previstas pelo
poder constituinte originário. O que não impede a criação de leis, pelo Poder
Legislativo, desde que fundamentadas em base constitucional de outras possíveis
restrições. Porém, na existência de um conflito em que não exista uma solução a priori
estabelecida na Constituição e nas leis, cabe ao Poder Judiciário, diante do caso
concreto e por meio da técnica da ponderação, solucionar o mesmo, sempre tendo como
norte a dignidade da pessoa humana e a maior proteção aos direitos fundamentais.
295 SILVA, Virgílio. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros Editora, 2009, p. 174; 296
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito. Coimbra: Coimbra Editora, 2009 p. 420;
92
3.2 Os direitos que restringem a liberdade de expressão
Mesmo tratando-se de um direito fundamental de inquestionável importância,
cuja garantia é imprescindível em qualquer sociedade democrática, a liberdade de
expressão pode sim sofrer limitações.
É inegável que a liberdade de expressão possui uma posição de preferência se
comparada com outros direitos fundamentais. Por isso, qualquer forma de restrição ao
seu conteúdo deve ser extremamente fundamentada.
Nesse contexto e a partir dessas concepções, nos próximos tópicos, serão
analisados os direitos da personalidade, que são as maiores barreiras para a publicação
de uma biografia, uma vez que os mesmos limitam o exercício do direito da liberdade
de expressão ao impedir que sejam veiculadas biografias não autorizadas.
3.2.1 Direito à Privacidade, à Intimidade e à Vida Privada297
O primeiro ponto a ser destacado é que a proteção à privacidade, à intimidade e
à vida privada trata-se de um fenômeno tardio nas sociedades. Inicialmente, pela
inexistência de uma efetiva proteção legal a tais direitos, ocorrendo a violação dos
mesmos, caberia ao indivíduo alegar no Tribunal que a transgressão foi tal que também
atingiu direitos outros, considerados mais importantes, tais como o de propriedade e da
honra e buscar a reparação destes298.
Um ponto de partida para o início da proteção da vida privada surge em 1890,
nos Estados Unidos, com um artigo incluído na Harvard Law Review, de autoria do
advogado Samuel Warren e do seu colega Louis Brandeis299 sobre o fato de um jornal
297
Este tema foi amplamente debatido pela autora desta dissertação quando da elaboração do Relatório de
Mestrado, para a matéria de Direitos Fundamentais, intitulado: “Autorização para publicação de
biografia: duelo entre o direito fundamental da liberdade de expressão e o direito fundamental a vida
privada” e publicado, em forma de artigo científico, posteriormente, no XXIV Congresso Nacional do
CONPEDI. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf>. Deste modo,
haverá diversos pontos de conexão entre os trabalhos, contudo, as referências foram devidamente
acrescentadas. 298
PINHEIRO, Alexandre Sousa. As Relações entre o Direito à Informação e a Reserva da Vida Privada
nos meios de Comunicação Audiovisual: conflitos e critérios de solução. Lisboa,1995, p. 78; 299
De acordo com o professor Alexandre Sousa Pinheiro, tal artigo pode ser considerado como “momento
fundacional” do right to privacy, ressaltando que “o artigo de 1890 deu origem a um número dificilmente
quantificável de monografias, ensaios, artigos científicos, dissertações, teses, e tornou-se também tema de
análise e estudo da Filosofia e das ciências sociais, em matérias que confinam com o Direito e que versam
sobre a pessoa e, especialmente, sobre o seu fórum internum” (PINHEIRO, Alexandre Sousa. As
Relações entre o Direito à Informação e a Reserva da Vida Privada nos meios de Comunicação
Audiovisual: conflitos e critérios de solução. Lisboa, 1995, p. 270.
93
de Boston ter divulgado a lista dos convidados e outros detalhes da cerimônia de
casamento da filha de Samuel Warren. Nele, os autores defenderam que a common law
teria evoluído da proteção da personalidade física para tutela dos pensamentos, emoções
e sensações300301.
De acordo com professor Alexandre Sousa Pinheiro:
O artigo teve um impacto sem precedentes sobre a cultura jurídica norte-
americana, recolhendo o interesse de sectores influentes da doutrina e,
posteriormente, da jurisprudência. “The Rigth to Privacy” nunca foi ignorado
pelos vindouros, conhecendo críticos e cultores em todas as gerações até à
actualidade. Trata-se de uma daquelas raras peças que se desprendeu do ramo
originário – o Direito – para integrar o património de saber comum às
pessoas de cultura (ou, pelo menos, por elas citado) 302303
..
A Corte de Nova York, em 1902, negou o pedido de indenização à Senhora
Roberson, no caso Roberson versus Rochester Folding. Tal senhora teve sua imagem
veiculada sem sua autorização em anúncios de uma marca de farinha. A decisão
proferida pela corte foi severamente criticada pela opinião pública, o que desencadeou a
criação de uma lei no Estado de Nova York a qual regulamentava a utilização indevida
da imagem ou do nome da pessoa sem o seu devido consentimento para fins
publicitários304
.
Em 1905, o Supremo Tribunal do Estado da Geórgia reconheceu o direito da
privacidade, no caso Pavesih versus New England Life Insurance. A referida corte
condenou a empresa de seguro New England Insurance ao pagamento de uma
indenização Sr. Pavesich, por ter utilizado a imagem de tal senhor acompanhada de
depoimento que lhe era falsamente atribuído, em que aconselhava ao público, de forma
veemente, a realização de contratos de seguros com a seguradora305
.
Como já salientado, a proteção da vida privada era reconhecida por meio de
uma tutela indireta derivada da proteção legal do nome, da imagem, da honra e da
300
CABRAL, Rita Amaral. Direitos à Intimidade da Vida Privada. Lisboa, 1989, p. 384; 301
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf> 302
PINHEIRO, Alexandre Sousa. A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática
do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 270. 303
Sobre a crítica da privacy na versão originária de Warren e Brandeis ver: PINHEIRO, Alexandre
Sousa, A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática do Direito à Identidade
Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 309 e seguintes. 304
Idem, p. 385; 305
Idem, p. 385;
94
liberdade e segurança individuais, até pouco tempo. Ocorre que, com a evolução da
sociedade e dos anseios de cada indivíduo, fez necessária uma ampliação na proteção de
tais direitos e a criação de novos, a fim de que fosse resguardada também esse novo
âmbito de proteção306
.
Ainda sobre a questão da privacidade, de forma inatacável, o professor
Alexandre Sousa Pinheiro leciona que a relação de contemporaneidade entre o
desenvolvimento da imprensa escrita e a vontade de proteção da privacy, notadamente
na ceara dos grupos sociais mais privilegiados, desencadeou entraves entre a liberdade
de imprensa e o desejo por uma vida protegida pela privacy:
As raízes de um desejo de privacy, particularmente sentido entre as classes de
rendimentos mais elevados – que não pretendiam expor-se ou ser
incomodados por fenómenos publicitários -, são contemporâneas do
desenvolvimento da imprensa escrita. Daqui resultarão inevitáveis problemas
de aplicação prática entre liberdade de imprensa e a ambição de uma vida
escudada na privacy, interpretada como defesa dos valores burgueses, ou
seja, o afastamento de um grupo social privilegiado, exonerando-o do
escrutínio público 307
.
Ponto importante de análise é a evolução nos meios de comunicação e seus
desdobramentos no campo da privacy. A inovação trazida com o advento das
denominadas “redes sociais” na forma em que a humanidade se comunica transformou
também a ideia de privacy e, consequentemente, sua forma de proteção. Sobre essa
mudança de paradigma, tem-se a lição de Alexandre Sousa Pinheiro:
A criação das redes sociais na Internet corresponde, pensamos, ao aspecto
socialmente mais revolucionário da era digital. Trata-se do cume de um
processo de evolução dos contactos sociais que conduziu a um mercado das
ideias, das “amizades”, das trocas pessoais, dos encontros e reencontros,
correio eletrônico, o Twitter, o Facebook ou MYSpace são exemplos de uma
comunicação simultaneamente mais rápida e com um universo mais alargado
de destinatários. Já se afirmou que estamos numa era em que os conceitos
tradicionais de privacy carecem de actualização ou reforma. Esta perspectiva
aplica-se, sobretudo, à realidade norte-americana, que dá prevalência à
circulação da informação, enquanto os textos normativos europeus afirmam
claramente a figura do “titular” dos dados e, consequentemente, de um feixe
de posições jurídicas que passam pela necessidade de consentimento, como
regra, e pelo direito de informação. 308
.
306
Um problema a ser colocado neste ponto consiste no aspecto relativo à evolução da sociedade e o
avanço da tecnologia, pois, com a facilidade que se tem hoje de ser filmada, fotografada ou até mesmo
publicar conteúdo sobre sua vida íntima em redes sociais, fica mais difícil para o Estado criar normas
jurídicas que assegurem plenamente a proteção da vida privada. 307
PINHEIRO, Alexandre Sousa, A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática
do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 272. 308
PINHEIRO, Alexandre Sousa, A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática
do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 220.
95
Destarte, é perceptível também o reflexo causado pelas novas mídias de comunicação
na imagem pública das pessoas: em um determinado momento, o controle sobre a
informação pessoal publicada escapa das mãos do titular quedando-se disponível a
intervenções de outros usuários que nem sempre atuam em consonância com a vontade
do indivíduo detentor dos dados. 309
Insta salientar que a vida privada constitui um direito fundamental que também
se trata de um direito da personalidade310
, direitos esse que, conforme anteriormente
ressaltado, são essenciais à dignidade da vida humana311
. O direito à vida privada e
familiar – ou direito à privacidade, como denominado no Brasil – tem a sua previsão no
artigo 5º, X da Constituição brasileira e nos artigos 20 e 21 do Código Civil.
Já no ordenamento jurídico internacional, o direito à privacidade está previsto
no artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, reafirmada no art. 17 do
Pacto das Nações Unidas de Direitos Civis e Políticos do Homem, art. 8 da Convenção
Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e no
art. 11 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, dentre outros.
Contudo, a delimitação do conteúdo do direito da intimidade e da vida privada
é algo de difícil determinação, uma vez que há que se considerar as particularidades
culturais, de espaço e de tempo de cada sociedade312
.
309
PINHEIRO, Alexandre Sousa, A privacy e a Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática
do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl, 2015, p. 221. Mais adiante, o professor
conclui: “A internet, ao contrário das pessoas, não esquece. Deixa rastro – “pegadas digitais” (Digitale
Spuren) – e faz de memórias acontecimentos. Os perigos que actos irreflectidos praticados em faces
precoces da vida podem constituir para uma futura inserção social levaram, entre outros, o presidente dos
Estados Unidos, Barack Obama, a alertar os adolescentes para as consequências que informações pessoais
inocentes numa fase da vida podem vir a ter, enquanto “tatuagem digital” que dificulte, por exemplo, a
entrada no mundo laboral”. Idem, p. 225) 310
Para melhor clarificar o conceito de direito da personalidade, é importante trazer a passagem do autor
Rabindranath Capelo de Sousa: “podemos definir os direitos da personalidade como direitos subjectivos,
privados, absolutos, gerais, extrapatrominiais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente
indisponíveis, tendo por objeto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a
integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direitos a
absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameaçam ofender a
personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na situação as providenciais
cíveis adequadas a evitar a consumação ou atenuar os efeitos da ofensa cometida”.( SOUSA,
Rabindranath Capelo De. A Constituição e os Direitos da Personalidade. Lisboa: Livraria Petrony, 1978,
p. 94-99). 311
BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direito da Personalidade.
Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de
Imprensa. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm>. Acesso em:
27 jun. de 2014 312
RAMOS, Cristina de Mello. O Direito Fundamental à Intimidade e à Vida Privada. Disponível em:
<http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/rdugr/article/viewFile/195/194>. Acesso em: 3 jun. de
2014.
96
Apesar das peculiaridades inerentes ao direito à intimidade e à vida privada,
ambos são absorvidos por um conceito mais amplo, que é do direito à privacidade313
,
que protege as pessoas na sua individualidade, aí incluídas sua intimidade e sua vida
privada, delimitando os espaços da vida pessoal do indivíduo com suas particularidades
que devem ser preservadas da curiosidade alheia. Estão aqui incluídos os fatos
ordinários, ocorridos geralmente no âmbito da vida doméstica, locais reservados, como
hábitos, local, nome, imagem, pensamentos, segredos, atitudes, comentários, escolhas
pessoais, vida familiar, relações afetivas314
. Sobre o tema, José Afonso da Silva
acrescenta: “Toma-se, pois, a privacidade como conjunto de informação acerca do
indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar,
decidindo a quem, quando onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente
sujeito” 315316
.
Embora ambos estejam contidos no direito à privacidade, cumpre salientar que
o direito à vida privada se refere a uma esfera menos reservada, enquanto que o direito à
intimidade é uma esfera mais íntima e particular do ser humano. A última
corresponderia ao “verdadeiro eu”, ao âmago de cada ser humano, às emoções,
sentimentos que o indivíduo não compartilharia nem mesmo com as pessoas com quem
convive em seu núcleo familiar. A vida privada já seria o relacionamento entre
familiares que é partilhado com o mínimo de pessoas como pais, filhos,
companheiros317318
.
313
Pinto, Paulo Mota. O Direito à Reserva dobre a Intimidade da Vida Privada. Coimbra: Boletim da
Faculdade de Direito de Coimbra, 1993, p. 506; 314
BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direito da Personalidade.
Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de
Imprensa. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm>. Acesso em:
27 jun. de 2014 315
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editora, 2001,
p. 209; 316
Nesse contexto, acrescenta José Luis Concepcion Rodriguez sobre a peculiaridade do direito à
intimidade: “En la intimidad del homebre se forja su personalidade, se desarrolha su humanidade, como
consecuencia y como fruto de la lib erdad para eligir sus normas de conducta, sus creencias, sus
ideologias. Se hace preciso proteger incluso su sensibilidade, que es de las características que difencia a
unos hombres de otros. La interioridade del hombre es, además, lo que le diferencia de los demás
indivíduos de la coletividade. Y en estos momentos em que la individualidade está amenazada por lá
masificación, se hace especialmente importante protegerla, salvaguardala de la absorción por la massa”
(RODRIGUEZ, José Luis Cconcepción. Honor, Intimidad e Imagen, Uun análisis jurisprudencial de la
L.O. 1/1982; Barcelona, 1996, p. 41) 317
RAMOS, Cristina de Mello. O Direito Fundamental à Intimidade e à Vida Privada. Disponível em:
<http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/rdugr> Acesso em 3 jun. de 2014, p. 16-17; 318
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf>
97
Nesse sentido, merece destaque a teoria alemã das três esferas, que foi
divulgada pelo autor H. Hubmann, citada pelo autor Paulo Mota Pinto, sobre a vida
privada. Segundo essa teoria, há uma esfera individual ou pessoal do indivíduo que
resguarda a própria vida nas suas relações com o mundo. Existe também uma esfera
privada, que engloba os acontecimentos que cada indivíduo partilha com um número
restrito de pessoas, como, por exemplo, a vida cotidiana do trabalho, com a família, com
os amigos, e uma última esfera secreta, à qual pertenceria tudo que o indivíduo encara
como secreto. Essas esferas decorreriam da própria “natureza das coisas”, propondo o
autor uma análise individual dos bens jurídicos envolvidos em cada uma das esferas e
sua respectiva ponderação de interesse319320321
.
Para que seja possível analisar o conteúdo do direito da privacidade, é de suma
importância a verificação do caso concreto para que seja possível avaliar o indivíduo
dentro do contexto em que ele está inserido com suas particularidades. Nesse sentido,
ensina Rita Amaral:
Tratando de pessoa pública (public figure), a extensão do objeto do direito à
reserva sobre a intimidade da vida privada reduz-se. E isso porque, no tocante
a individualidades notórias, a coletividade tem interesse (public interest) em
conhecer-lhes a vida privada e as peculiaridades que esta apresenta e porque
o legislador terá considerado legitimo tal interesse em virtude de se tratar de
personagens que, consciente ou inconscientemente se expõem a publicidade.
Muitas vezes o próprio estado dessas pessoas exige que elas exibam a sua
vida e sobre ela concentrem a atenção popular. Relativamente a outras, é o
modo particular de viver ou a profissão exercida, por força da qual se tornam
personalidade de interesse público, a exigirem que façam da respectiva
intimidade uma espécie de (imagem de marca) 322.
Existem três espécies de pessoas notórias. Uma delas são aquelas que se
tornam públicas por participarem de eventos de grande repercussão, caso dos
criminosos e suas vítimas, cujas vidas são expostas ao conhecimento público. Nesse
particular, discute-se, dado a natureza da notoriedade alcançada pela figura, o direito ao
319
Pinto, Paulo Mota. O Direito à Reserva. Coimbra. Boletim da Faculdade de Direito, p. 517; 320
Considerando a abordagem superficial deste trabalho no que diz respeito a esta importante teoria,
sugere-se ver a obra do professor Alexandre Sousa Pinheiro que discorre sobre a Teoria das Esferas e sua
aplicação até a Decisão dos Censos, em 1983. (PINHEIRO, Alexandre Sousa. A privacy e a Protecção de
Dados Pessoais: A Construção Dogmática do Direito à Identidade Informacional. Lisboa: Editora Aafdl,
2015, p. 447 a 486. 321
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf> 322
CABRAL, Rita Amaral. Direitos à Intimidade da Vida Privada. Lisboa, 1989, p. 384;
98
esquecimento, no caso do criminoso que já cumpriu sua pena e está se reintegrando à
sociedade323324
.
No segundo grupo, estariam os agentes públicos que têm o dever de dar
satisfações de todo seu oficio para a população em face do vínculo que possuem com o
Estado, como por exemplo o Presidente da República, os Deputados e Senadores325
.
Por fim, ao último grupo, pertencem aquelas pessoas cuja fama e notoriedade
decorrem da sua atividade profissional. Nesse caso, menor é o âmbito de proteção da
sua privacidade, eis que parte da sua vida se desenvolve publicamente326
.
Nesse escopo, tendo em vista o menor âmbito de proteção do terceiro grupo, a
Cour de Paris julgou improcedente o pedido de apreensão (saise) do livro escrito por
uma mulher que viveu maritalmente com Picasso, tendo decidido que os limites do
domínio da vida privada são diferentes, consoante se trate de um sujeito qualquer ou se
esteja perante artista de renome mundial, e que nunca temeu, se é que deliberadamente
não o procurou, afrontar as exigências imperiosas e indiscretas da imprensa escrita e
falada327328.
Há que salientar que o fato de uma pessoa ser pública não lhe retira o seu
direito da privacidade, apenas existe uma diminuição no seu âmbito de proteção, visto
323
BARCELLOS, Ana de Paula de. Intimidade e pessoas notórias. Liberdades de expressão e de
informação e Biografias. Conflito entre direitos fundamentais. Ponderação, caso concreto e
Acesso à justiça. Tutelas específica e indenizatória. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 8 ago. de 2014; 324
Importante julgamento sobre o tema foi julgado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em
1973, no conhecido caso de Lebach. Lebach é um lugarejo da Alemanha onde em 1969 ocorreu um
assassinato brutal de quatros soldados que guardavam um deposito de munições. Os dois principais
acusados foram condenados à prisão perpetua já um terceiro assassino foi condenado a seis anos de
reclusão por ter apenas auxiliado o crime. Após quatro anos do corrido, um canal da TV alemã produziu
um documentário sobre todo o fato. Esse documentário iria vincular fotos, nomes de todos os acusados e
seria transmitido pouco tempo antes do terceiro acusado ser liberado. Esse entrou com pedido de limar
para o Tribunal Alemão para que o documentário não fosse transmitido, tendo em vista, que o
prejudicaria na sua ressocialização. Invocou o direito da proteção a sua personalidade. A corte alemã
decidiu que o documentário não poderia ser vinculado. (NOLETO, Mauro, O caso de Lebach: o
sopesamento. Disponível em: <http://constitucional1.blogspot.com.br/2008/11/o-caso-lebach-o-
sopesamento.html>. Acesso em: 8 ago. de 2014) 325
BARCELLOS, Ana de Paula de. Intimidade e pessoas notórias. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057> Acesso em: 8 ago. de 2014; 326
Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057> 327
CABRAL, Rita Amaral. Direitos à Intimidade da Vida Privada. Lisboa, 1989, p. 195; 328
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf>
99
que todos os indivíduos possuem sua esfera mais íntima com suas particularidades, isto
é, aquelas manifestações que não têm relação necessária com a atividade a qual se
tornou conhecida329
.
Não existirá violação ao direito da privacidade no caso de mera descrição de
acontecimentos cotidianos, comuns a qualquer pessoa, como, por exemplo, o
nascimento, o casamento e a morte. De igual modo não há que se falar em violação no
caso de publicação de acontecimentos da vida das pessoas que desempenhem atividades
públicas ou daquelas pessoas que deliberadamente se expõem em busca de notoriedade
e fama, despertando o interesse público pela sua vida íntima330
.
Outro exemplo de julgamento em que foi ponderada a vida privada de uma
pessoa pública foi o do Tribunal de Grande Instancia do Sena, em 29 de novembro de
1965, que condenou o jornal ao pagamento de uma indenização à atriz Brigite Bardot,
por ter publicado fotografias da mesma enquanto brincava com os filhos. O
entendimento foi no sentido de que, mesmo as pessoas que possuem uma vida pública,
como no caso dos artistas, há um determinado âmbito da mesma que é privado e que
merece ser respeitado e protegido. Na contramão dessa decisão, contudo, o Tribunal
Francês absolveu o autor de um livro que enumerava as amantes de George Sand e que
foi demandado judicialmente pela neta deste. O argumento de tal decisão foi o de que a
natureza histórica do acontecimento é exterior ao sujeito, ultrapassando-o. Não se
poderá razoavelmente admitir que pertença à intimidade de um, o que por definição toca
a todos331332
.
Impõem-se, de todo modo, o respeito ao direito à privacidade, ainda se tratando
de pessoas públicas. Nesse caso específico, poderá ocorrer uma restrição ao mesmo,
mas nunca a sua supressão.
Resta claro, portanto, a existência de conflitos entre o direito fundamental da
privacidade com outros direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de expressão.
Na ocorrência de conflito entre tais direitos, é imprescindível a análise de alguns
329
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf> 330
SOUSA, Rabindranath Capelo De. A Constituição. Lisboa: Livraria Petrony, p.341-344; 331
CABRAL, Rita Amaral, Direitos à Intimidade. Lisboa, 1989, p. 396; 332
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf>
100
fatores, como, por exemplo, a análise da natureza do caso e da pessoa, para que se possa
aplicar a técnica da ponderação da melhor maneira e resguardar todos direitos da melhor
forma possível.
3.2.2 Direito à Honra
O direito à honra deve ser compreendido da forma mais ampla, englobando
suas inúmeras acepções jurídicas, visto que seu conteúdo está presente no Código Civil,
no Código Penal e na Constituição, não obstante cada matéria possuir suas
peculiaridades333.
Importante salientar que, assim como a Liberdade de Expressão, a honra é um
direito fundamental e consiste na garantia dada ao indivíduo de ter preservada sua
dignidade e, mais amiúde, a sua imagem social face às ofensas feitas por outros
indivíduos, assegurando-lhe, consequentemente, o direito de defesa e de reparação334. A
honra é um direito que assiste o indivíduo desde o nascimento até após sua morte.
Conforme já salientado, a honra é também um direito da personalidade. Em um
primeiro momento, assim como o direito à privacidade, à intimidade e à vida privada
eram considerados apenas como direitos subjetivos da personalidade e com eficácia em
âmbito privado, tendo, apenas em um segundo momento, alcançado proteção
constitucional335.
A honra é o direito da personalidade que mais está ligado ao sentimento da
dignidade pessoal, ou seja, a reputação que a pessoa desfruta no meio social336. É um
atributo inerente a qualquer pessoa humana, independentemente de suas características
individuais, tais como raça, sexo e religião, e está relacionada principalmente ao
princípio da dignidade da pessoa humana337.
333
Brito, Iolanda A. S. Rodrigues. Liberdade de Expressão e Honra das figuras públicas. Coimbra:
Coimbra Editora, 2010, p. 36; 334
Brito, Iolanda A. S. Rodrigues. Liberdade de Expressão e Honra das figuras públicas. Coimbra:
Coimbra Editora, 2010, p. 36; 335
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 118. 336 Segundo as palavras de Adriano de Cupis: “a dignidade pessoal reflectida na consideração dos outros
e no sentimento da própria pessoa“ .
(FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a
intimidade, a vida privada e a imagem versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2008, p. 121). 337
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 121.
101
Frise-se que o direito à honra é uma garantia contra imputações difamatórias que
prejudiquem o indivíduo em seu meio social e comprometa suas relações e interações
com as demais pessoas. Tem-se que o reconhecimento de tal direito está ligado ao
“direito à felicidade pessoal” uma vez que garante à pessoa a proteção de eventuais
ataques à sua reputação338.
No âmbito do Direito Penal, a proteção da honra está consubstanciada na
tipificação dos crimes de injúria, difamação e calúnia. E é nessa matéria que se faz a
distinção entre a honra objetiva, que é “dignidade da pessoa humana refletida na
consideração dos outros”, ou seja, a reputação que o indivíduo usufrui no meio social; e
a honra subjetiva, que é “a dignidade da pessoa humana refletida no sentimento da
própria pessoa”, é o próprio sentimento que a pessoa ostenta em relação à sua
integridade339.
Nesse contexto, no Direito Penal, os crimes de calúnia e injúria estão atrelados
à honra objetiva, enquanto o crime de injúria está ligado à honra subjetiva340, não
obstante às inúmeras críticas em relação à manutenção desses tipos penais nos dias
atuais.
A boa fama social das pessoas é um atributo de suma importância em suas
vidas. Antigamente, a honra possuía um valor ainda mais supremo, sendo utilizado, por
exemplo, como forma de eximir a responsabilidade de acusados pela prática de crimes
passionais, sendo emblemático, no judiciário brasileiro, o caso Doca Street.
Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street, um famoso
corretor de ações, foi acusado de assassinar sua namorada Ângela Diniz. A vida do casal
era constantemente retratada nos jornais. Entretanto, devido a crises de ciúmes, Doca
Street assassinou sua namorada em 30 de dezembro de 1976. Em 1980, no julgamento
do Tribunal do Júri, o advogado Evandro Lins e Silva utilizou da premissa da ausência
de responsabilidade do acusado na prática do crime, tendo em vista que a posição de
“mulher fatal” de Ângela havia ferido a honra de Doca Street, levando-o ao desespero
de praticar um ato contrário à sua natureza. Nas palavras de Scheiber:
338
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira,
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 65; 339
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida provada e a imagem
versus liberdade de expressão e comunicação. 3. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Ed., 2008, p. 122; 340
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 74;
102
A posição machista levava a mulher a uma situação de objeto, de coisa.
Sustentava-se, com toda tranquilidade – há decisões de tribunais togados, não
eram do júri não -, que o marido que descobria que a mulher o enganava, em
caso de flagrante adultério, tinha o direito de matar. Direito! Legítima defesa
da honra341
.
A tese foi acolhida pelo Tribunal, que condenou o réu a dois anos de detenção
e lhe concedeu o benefício da suspensão condicional da pena. O julgamento, entretanto,
foi anulado e, no novo julgamento, Doca Street foi condenado a cumprir a pena por
homicídio. Esse foi o retrato de como a invocação da honra poderia surtir vários
efeitos342.
Como já analisado, nenhum direito é absoluto ou ilimitado, possuindo a honra,
como limite, a exceção da verdade. Nos casos em que o fato imputado à pessoa for
verdadeiro, não se poderia arguir ofensa à honra pessoal. Entretanto, é admitido, em
algumas legislações, o denominado “segredo da desonra”, que consiste em uma exceção
à exceção da verdade na qual é proibido que sejam divulgados fatos verdadeiros que
desonrem a pessoa. Normalmente, tais fatos são incluídos no direito ao segredo da
desonra, fatos esses meramente privados, que não possuem uma repercussão no meio
social, não existindo interesse público sobre os mesmos343.
Uma questão a ser destacada é o conflito existente na divulgação de fatos criminosos e a
proteção da honra dos acusados, existindo uma conformidade jurisprudencial e
doutrinária no sentido de que há interesse público em tal divulgação, mesmo que seja
oponível o direito ao acusado à honra. De acordo com Luiz Roberto Barroso, essa
conclusão pode ser extraída dos seguintes elementos:
(i) a circunstância de os fatos criminosos divulgados serem verdadeiros e a
informação acerca deles haver sido obtida licitamente (mesmo porque o
processo é um procedimento público) afasta por si só a alegação de ofensa à
honra; (ii) não se aplica a exceção do “segredo da desonra” porque fatos
criminosos, por sua própria natureza, repercutem sobre terceiros (na verdade,
sobre toda a sociedade), e tanto não dizem respeito exclusivamente à esfera
íntima da pessoa que são considerados criminosos; (iii) ademais, há o
interesse público específico na prevenção geral própria do Direito Penal, isto
é, a divulgação de que a lei penal está sendo aplicada tem a função de servir
de desestímulo aos potenciais infratores 344
.
341
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 75; 342
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 75; 343
BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direito da Personalidade.
Critérios de Ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de
Imprensa. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm>. Acesso em:
10 de abr. de 2016; 344
BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direito da Personalidade.
Critérios de Ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de
103
O principal ponto a ser destacado nesta dissertação é a existência do conflito
existente entre a liberdade de expressão e os diretos da personalidade, dentre os quais a
honra. Quais seriam, então, os limites da liberdade de expressão, nesse particular?
Para ilustrar tal questionamento e refletir sobre o mesmo, vale lembrar a
decisão proferida no caso Mayrink Veiga345. Em uma entrevista concedida por Carlos
Heitor Cony à revista Playboy, o escritor fez o seguinte relato:
Gosto muito de me considerar alienado. Só não sou alienado quanto à
condição humana, aí não. Há pouco tempo fiz um artigo elogiando a Carmem
Mayrink. É uma tristeza, um luxo de um mau gosto desgraçado. Uma perua.
Mostrou os álbuns de fotografia, e todos os amigos estão na cadeia. “Esse
deu desfalque na Suíça, coitadinho. Esse deu desfalque (rindo) na Inglaterra,
está preso, todo dia eu rezo para ele sair da cadeia...” O mundo de Carmen
Mayrink é terrível! E todo mundo está chutando esse cachorro atropelado.
Ela está doente, tem um problema chato na perna, sente dores, vive à base de
cortisona, está enorme, monstruosa de feia. Mas, na hora da fotografia, bota
aquele sorriso e ainda é uma perua. Arrivista social, alpinista social – tudo o
que você quiser, você joga em cima dela. Mas no momento em que a
Carmem Mayrink Veiga está na desgraça, virou saco de pancada, eu me
recuso a linchar. Nunca linchei um Judas. Agora ela conseguiu dar a volta
por cima? Aí vou em cima dela, entendeu? Talvez eu tenha herdado isso do
meu pai: adoro causas perdidas...” 346
.
Após esse relato, foi promovida uma ação judicial por Carmem Mayrink Veiga
contra a Editora Abril, alegando que a sua honra foi violada. Em sua defesa, a editora
tentou demonstrar que, na mesma entrevista, o escritor havia feito vários elogios à
autora e que apenas estava exercendo o seu direito de informação. O Tribunal de
Justiça, porém, julgou procedente a ação, condenando a Editora Abril ao pagamento de
indenização347.
Verifica-se, portanto, que não é o fato de existir a liberdade de expressão que
autoriza, por si só, uma Editora a publicar uma entrevista que redunde na difamação de
uma pessoa. No julgamento supracitado, o Tribunal do Rio de Janeiro decidiu de modo
correto ao ponderar que o direito fundamental da liberdade de expressão não pode
sobrepor a qualquer custo.
Imprensa. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm>.
Acesso em: 10 de aabr. de 2016; 345
TJRJ, Apelação Cível nº 1998.001.14922, Des. Relator Nagib Slaibi Filho, 9.3.1999; 346
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 80; 347
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 80;
104
Noutro giro, como salientam os professores Canotilho, Jónathas Machado e
Antônio Pereira Gaio Junior, nos Estados Unidos, tal tema é tratado de forma diferente
ao se admitir imputações difamatórias às figuras públicas:
Nos Estados Unidos no caso de figuras públicas, incluindo nomeadamente
titulares de cargos políticos e celebridades, o direito ao bom nome e
reputação nem sempre protege contra imputações difamatórias, salvo quando
o visado demonstre a falsidade de imputações, feitas com o conhecimento da
sua falsidade ou com a indiferença irresponsável relativamente à sua verdade
ou falsidade, daí advindo danos 348
.
No que concerne à publicação de biografias, quanto mais for relevante e de
interesse público determinada informação acerca do biografado, tanto mais deverá ser
atenuado o rigor do ônus da prova de autores e editores. O contrário poderia implicar
em comprometimento da liberdade de expressão e de informação.
Por óbvio, não deve o biógrafo perder de vista o seu compromisso com a busca
da verdade, que deve ser tanto maior quanto mais lesiva à honra e ao bom nome do
biografado for determinada informação. O biógrafo, quando não atua embasado em
fatos, não poderá se proteger sob o manto da liberdade de expressão.
3.2.3 Direito ao nome e Direito à Imagem
Toda pessoa deve ser identificada socialmente, possuindo direito ao nome, que
deve ser protegido nas suas diversas formas. O nome civil é a forma como a pessoa é
reconhecida em seu meio social; é atributo da personalidade e o verdadeiro direito de
identificação349.
A proteção ao nome inclui o “nome completo, nome artístico, nome de palco,
assinatura, alcunhas, pseudónimos, símbolos, bem como as respectivas alterações
satíricas, ou seja, qualquer nome ou símbolo pelo qual possa ser imediatamente
identificada” 350.
O direito ao nome protege a pessoa do uso do mesmo sem seu consentimento
para fins de publicidade e veiculação comercial, sendo assegurada indenização no caso
348
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 64-65. 349
FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, parte geral e LINDB. v. I, 10. ed.
Salvador: Editora Jus Podivm, 2012, p. 148 350
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 60;
105
de violação351. Tal direito pode, inclusive, ser evocado quando ocorra apropriação
indevida em “biografia fictícia” do seu titular, mesmo que inexista a violação à honra, à
imagem e à privacidade352.
No que concerne ao direito à imagem, não obstante, incialmente, a proteção da
mesma estar vinculada ao direito à honra e à privacidade, atualmente tal direito é
autônomo, sendo considerado uma prerrogativa inerente a todo indivíduo o poder de
impedir a veiculação de sua imagem353.
De acordo com Flávio Tartuce, o direito à imagem pode ser classificado “em
imagem-retrato, reprodução corpórea da imagem, representada pela fisionomia de
alguém; e imagem-atributo a soma de qualificações de alguém ou repercussão social da
imagem” 354.
O direito à imagem possui como objeto o controle que cada pessoa detém sobre a
divulgação da mesma, tais como: filmes, fotos, pinturas, imagens digitais, caricaturas,
gestos, hologramas, esculturas, silhuetas, entre outras355.
Importante ressaltar que basta apenas o uso não consentido ou não autorizado da
representação externa da pessoa para configurar violação ao direito à imagem356.
O direito à imagem é assegurado independentemente da destinação da mesma
para “fins comerciais”, ou seja, o uso indevido da imagem gera responsabilidade e
indenização mesmo que inexista o intuito comercial na sua utilização357.
Mister ressaltar que o direito ao acesso à internet foi considerado como um direito
humano fundamental pelo Conselho Constitucional da França, vez que as publicações
através da rede mundial de computadores representam uma forma de liberdade de
351
Nesse sentido, foi julgada procedente a indenização pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na
utilização do nome sem a autorização da pessoa: "Recurso. Agravo d e instrumento. Lançamento
editorial. Uso de nome privativo para fins comerciais sem a autorização de seu titular. Violação ao art. 1 8
do Código Civil. Abstenção do uso e suspensão do lançamento. Cabimento. Supressão do nome. Matéria
relegada ao juízo 'a quo' após regular dilação probatória. Recurso provido em parte" (TJSP, Agravo de
Instrumento 650.433 .4/6, Acórdão 4 0 1 9744, São Paulo, 1ª Câmara de Direito Privado, Rei. Des.
Guimarães e Souza, j. 25. 08 2009, DJESP 1 5 .09.2009). (TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: 6.
ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 156; 352
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 61; 353
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 107; 354
Tartuce, Flávio. Manual de direito civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2016, p. 130; 355
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão, Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 610; 356
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 108; 357
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 109;
106
expressão e informação358. E, nesse particular, verifica-se a existência de um dos
maiores problemas de conflitos entre o direito da imagem e a liberdade de informação,
visto que ao mesmo passo em que é assegurado o direito à imagem, é necessária a
ampla liberdade de informação359360.
Em face a esse conflito, a IV Jornada de Direito Civil Brasileiro aprovou o enunciado n.
279 do CJF/STJ, nos seguintes termos:
A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses
constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo
acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-
se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a
veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial,
informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a
divulgação de informações361
.
O enunciado supracitado sugere a aplicação da técnica da ponderação, que é a
estrutura do raciocínio jurídico e a análise do caso concreto, sendo imprescindível que
se tenha muita cautela na solução do conflito para que, sempre que possível, seja
preferido a veiculação da informação362.
Para a realização da ponderação entre tais direitos fundamentais, é necessário
que sejam estabelecidos alguns parâmetros, dentre os quais o lugar público e a pessoa
pública. No que concerne ao lugar público, ainda mais nos dias atuais, deve ser
ponderado que não é o fato de a pessoa estar em um local público que sua imagem não
estaria assegurada. O direito à imagem é tutelado independentemente do espaço
geográfico no qual a pessoa se encontre. Entretanto, duas situações devem ser
consideradas, segundo Anderson Schreiber:
358
A visão do STJ sobre o direito à informação. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-jul-19/leia-casos-stj-conflitos-entre-privacidade-direito-informacao> Acesso em: 25 abr. de 2016; 359
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 109; 360
Sobre a importância dada à imagem pela sociedade contemporânea, assevera o professor Alexandre
Sousa Pinheiro: “Vivemos sob a ditadura da imagem. Do corpo às ideias, a imediatez cativa enquanto a
descoberta afasta. Os progressos científicos e técnicos que abriram espaço primeiro para a “sociedade da
televisão”, e depois para a “sociedade da informação”, permitiram a prevalência da imagem sobre as
letras, as fórmulas e a abstracção do pensamento. “Ver” e “sentir” tornaram-se o binômio simplista de
uma cultura amolecida pela falta de estímulo que “trabalho mental” proporciona e sua ausência
desvitaliza. O cérebro em repouso reage aos “convites” e “propostas”, por outras palavras, mina as
capacidades de acção, de emancipação e de ruptura”. (PINHEIRO, Alexandre Sousa. A privacy e a
Protecção de Dados Pessoais: A Construção Dogmática do Direito à Identidade Informacional. Lisboa:
Editora Aafdl, 2015, p. 194). 361
. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2016, p. 159; 362
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2016, p. 159;
107
Claro que, ao participar da vida comunitária, qualquer pessoa se sujeita a ser
retratada como parte integrante da realidade coletiva. Fotografias que exibem
milhares de torcedores do Fluminense vibrando no Maracanã em uma tarde
de domingo ou uma imensidão de banhistas na praia de Ipanema não exigem
a prévia coleta do consentimento de todos os retratados. O que se retrata aí,
porém, é indiscutivelmente o fenômeno coletivo, do qual os retratos são
meros componentes, não individualizados. Bastante diversa é situação da
mulher que gozando, do seu momento de lazer nas mesmas areias de
Ipanema, vem fotografada com zoom poderoso e vê seu corpo exibido, com
impressionante detalhamento, nas páginas do jornal na manhã seguinte. O
lugar é o mesmo: lugar público, não há dúvida. Isso, contudo, não tornará
lícita a divulgação desautorizada da sua imagem, que aqui, já não exprime
mais a retratação de um fenômeno coletivo, mas expõe claramente a sua mais
intima individualizada 363
.
Tem-se, portanto, que a verificação do local público perpassa por qual contexto
a imagem é captada.
Quanto ao parâmetro da pessoa, é necessário diferenciar a figura pública da
privada, ressaltando-se que, embora a primeira possua o seu direito à imagem mitigado,
isso não significa a perda do mesmo ao controle da circulação da sua imagem, apenas
pelo fato de estarem expostas à mídia.
Diferentemente da legislação brasileira, o Código Civil português, em seu artigo
79 nº 2364, faz uma ressalva ao afirmar que a autorização de uma pessoa pública é
dispensada em razão da sua notoriedade, apesar do mesmo artigo informar que cessa a
dispensa de autorização quando a publicação da imagem possa acarretar algum prejuízo
para pessoa365.
Nesse passo, o professor Pedro Pais de Vasconcelos traz o julgado do Supremo
Tribunal de Justiça português (STJ 24.V.89 (BMJ, 387, 531)), que julgou ilícita a
publicação da foto de uma pessoa seminua, tirada em uma praia onde há prática de
nudismo, sem sua autorização, na primeira página de um jornal diário. De acordo com o
Supremo Tribunal de Justiça, o fato de a pessoa ter exposto a sua nudez em uma praia
de nudismo não autoriza a publicação de sua imagem, isso porque a sua exposição na
praia não significa a perda do controle da sua imagem e não se pode admitir que a
mesma fosse publicada na primeira página de um jornal. Trata-se de duas situações
363
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 116; 364
Código Civil Português: Art. 79, n. 2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando
assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça,
finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de
lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.; 365
Código Civil Português: Art. 79, n.3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado
no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada;
108
distintas: a exposição da imagem de uma pessoa na praia de nudismo e a exposição da
mesma imagem na primeira página de um jornal de grande circulação. Afirma, ainda,
que, se o jornal tivesse como propósito a publicação de uma simples imagem da praia,
tal foto deveria possuir outro foco, de modo que não seria possível reconhecer a
pessoa366.
No caso da publicação de biografias, o direito da imagem é considerado um
limite à liberdade de expressão, pois é necessária prudência ao exibir qualquer imagem
do biografado no decorrer da obra. Usualmente, o conteúdo publicado são imagens já
veiculadas no decorrer da vida do biografado, o que não traz qualquer constrangimento
para o mesmo.
No entanto, podem existir situações particulares, como o caso do embate
existente na publicação da biografia Apenas uma Garotinha – A História de Cássia
Eller, que relata a história da falecida cantora brasileira. No livro, aparece uma
personagem coadjuvante na história da cantora, a também cantora Elaine Silva Moreira,
conhecida artisticamente como Lan Lan, que ajuizou uma ação de indenização por
danos morais por violação à honra, à intimidade e à vida privada no Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro por terem sido mencionadas referências à sua vida pessoal. O objeto
da ação teve como principal foco a violação dos direitos da personalidade. A ação foi
julgada improcedente:367 em parte, porque considerou que a cantora também é pessoa
366
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Direito de Personalidade. Coimbra: Editora Almedina, 2006, p.
84-85; 367
OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO. MENÇÃO DA AUTORA EM BIOGRAFIA DE
TERCEIRO. FOTOGRAFIA DE OUTREM CO M LEGENDA INDICANDO TRATAR-SE DA
AUTORA. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. COLISÃO DE P
RINCÍPIOS. PONDERAÇÃO PELA PROPORCIONALIDADE. LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LITERÁRIA E DIREITO À IMAGEM E À HONRA. Afastada a preliminar de nulidade da sentença por
cerceamento de defesa, em razão da não realização de prova pela autora, por não haver necessidade de
oitiva de testemunhas ou esclarecimentos do perito. Cogita a lide, de um lado, da livre manifestação do
pensamento e liberdade de expressão através da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de cens ura ou licença, e de outro, a inviolabilidade da honra, da
imagem, da privacidade e da intimidade, c om garantia de correção do abuso e indenização pelo dano. A
vida e os fatos atinentes a uma personalidade pública, como a autora, devem ser relativizados, respeitadas
as balizas da razoabilidade, quanto à tutela jurisdicional da imagem e da privacidade. A autora teve seu
nome mencionado em biografia de cantora falecida, relacionando-a a fatos e à vida íntima da artista. É ela
artista amplamente conhecida no Brasil, não apenas no meio musical como nas demais esferas sociais,
exatamente por ter si do seu trabalho relevante com os músicos que acompanhavam e conviviam com a
biografada. A documentação juntada e a enxurrada de reportagens de televisão, rádio, internet e jornais
que se seguiu à mor te da artista, demonstram que os fatos tidos como ofensivos e narrados na inicial
simplesmente relembraram na obra discussões que já circulavam na mídia. Tratando-se de obra literária
biográfica de artista com quem a autora assumidamente tinha relacionamento muito próximo e constante,
somado à questão de ambas serem figuras públicas e de grande fama, é natural que a apelante seja
mencionada nos escritos sobre a cantora, justamente por ter feito parte de importantes episódios de sua
vida. Não se vislumbra nos trechos destacados conteúdo que tenha capacidade ofensiva aos direitos da
personalidade da autora, tanto em sua honra subjetiva quanto objetiva. Todavia, há no livro em questão
109
pública e os fatos relacionados a ela devem ser relativizados. Ademais, nos trechos que
foram levados ao Tribunal, não foi detectada nenhuma ofensa à personalidade, visto que
apenas relembram situações que já eram de conhecimento de toda mídia. Entretanto, um
ponto que foi julgado procedente foi a ratificação de uma fotografia em que a legenda
tratava da cantora Lan Lan, porém a imagem veiculada era de uma terceira pessoa. Foi
concedida a tutela retificadora, mas sem direito à indenização368.
Não é tarefa fácil a realização da ponderação entre o direito à liberdade de
expressão e informação e o direito à imagem, honra e privacidade, vez que a utilização
errônea de qualquer parâmetro pode ser o motivo desencadeador da violação de tais
direitos. O professor Anderson Scheiber, a fim de auxiliar na construção de decisões
constitucionais, propõe os seguintes parâmetros para aferir o exercício da liberdade de
informação: “(i) o grau de utilidade para o público do fato informado por meio da
imagem; (ii) o grau de atualidade da imagem; (iii) o grau de necessidade da veiculação
da imagem para informar o fato; (iv) o grau de preservação do contexto originário onde
a imagem foi colhida” 369. E, para aferir o menor ou maior grau de necessidade de
preservação do direito de imagem: “(i) o grau de consciência do retratado em relação à
possibilidade de captação de sua imagem no contexto onde foi extraída; (ii) o grau de
identificação do retratado na imagem veiculada; (iii) a amplitude da exposição do
retratado; e (iv) a natureza e o grau de repercussão do meio pelo qual se dá a divulgação
da imagem” 370.
A conclusão de sopesamento estará interligada ao caso concreto, visto que
algumas circunstâncias podem favorecer a liberdade de expressão e informação e outras
o direito da personalidade.
uma foto grafia, cuja legenda indica tratar-se da autora, sendo certo que realmente é uma terceira pessoa.
Associação equivocada pela coletividade do nome da autora à imagem de terceiro, justificando a tutela
retificadora, o que, não implica ocorrência de dano material ou moral. Procedência da denunciação d a
lide, em razão de previsão contratual de responsabilidade exclusiva dos autores pelas reclamações
formuladas por terceiros em relação ao conteúdo da obra, sendo a ré simples editora do conteúdo que lhe
foi apresentado (Rio de Janeiro Tribunal de Justiça. Autor: Eliane Silva Moreira, Réu: Editora Planeta do
Brasil Ltda.. Denunciados: Eduardo Vasconcellos Belo e outro (s). Recurso Especial nº 0076030-
64.2006.8.19.0001, Terceira Vice- Presidente, Relator: Desembargador Antonio Eduardo F. Duarte,
julgado em 18/02/201). Disponível em:
<http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=2010.001.71998> Acesso em: 29 abr. de 2016; 368
LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de expressão, a
personalidade e constituição de 1988. São Pulo: Almedina, 2015, p. 83-86; 369
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 116; 370
SCHEIBER, Anderson. Direitos da Personalidade, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 112;
110
4 FORMAS DE TUTELA À LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM
CONFLITO COM DIREITOS DE PERSONALIDADE NA
PUBLICAÇÃO DE BIOGRAFIA
“A desigualdade dos direitos é a primeira condição para que
haja direitos”
(Nietzsche371
)
Após a delimitação, nos capítulos anteriores, da abrangência do direito à liberdade e dos
direitos de personalidade e, por fim, verificada a existência de um conflito entre esses
direitos quando da publicação de uma biografia, é necessário realizar uma análise da
responsabilidade e das tutelas disponíveis como forma de assegurar a proteção dos
direitos, caso haja sua violação.
Isso porque, conforme demonstrado, os direitos de personalidade podem ser tidos como
uma limitação externa ao direito à liberdade, considerando o dever de preservação da
intimidade, imagem e honra. Lado outro, a liberdade de expressão e informação, em sua
amplitude, há que ser, em uma sociedade democraticamente organizada, assegurada,
haja vista o direito do cidadão à formação política plural e à construção de uma opinião
pública livre e independente372
.
Posto em tela o conflito existente entre a liberdade de expressão e os direitos de
personalidade, a ciência jurídica aponta três grandes tendências que carregam o múnus
de solucionar tal questão. A primeira delas considera os direitos de personalidade como
primordiais, prevalecendo em todos os sentidos face à liberdade de informação. Nessa
esteira, os direitos de personalidade, dada a sua própria natureza, ou seja, por serem
personalíssimos, ocupam um lugar superior na hierarquia normativa, quando postos em
questão com a liberdade373
.
A segunda tendência, ocupando o território meridional, aponta que tais direitos
são concorrentes. Em outros termos, não existe entre eles prevalência hierárquica. Para
a solução de eventuais conflitos, define argumentos a serem seguidos:
371
NIETZSHE, Friedrich Wilhelm. A lei do bem e do mal ou preludio de uma filosofia do futuro.
Tradução de Marcio Pugliesi, Curitiba: Hemus, 2011. 372
REBELO, Maria da Glória Carvalho. A Responsabilidade Civil pela Informação Transmitida pela
Televisão. 1998. 143 f. (Dissertação de Mestrado em Ciência Jurídicas) – Faculdade de Direito de Lisboa,
Lisboa, 1998. 373
REBELO, Maria da Glória Carvalho. A Responsabilidade Civil pela Informação Transmitida pela
Televisão. 1998. 143 f. (Dissertação de Mestrado em Ciência Jurídicas) – Faculdade de Direito de Lisboa,
Lisboa, 1998.
111
Em nenhum caso a limitação de um dos direitos pode afectar o seu núcleo
essencial, que é intangível; devem compatibilizar-se e harmonizar-se uns
direitos e outros, de maneira a que se consiga, atentas as circunstancias
concretas, a sua realização simultânea; deve existir proporcionalidade entre o
direito que se limita e o bem que se protege; essa é uma ponderação que
deverá fazer o juiz, in causa374
.
A liberdade de informação é posta em destaque pela terceira tendência, que a
considera com primazia sobre os direitos de personalidade sempre que se identifique
como objetivamente verdadeira a informação prestada e não haja invasão à vida privada
do indivíduo. Defende, portanto, a ocorrência da subordinação dos direitos de
personalidade em conflito com o direito da liberdade de informação, em prol da já
mencionada garantia de uma opinião pública livre e independente375
.
Em nosso sentir, a terceira tendência, embora de certo modo deficiente,
apresenta-se como mais próxima do ideal de promoção da liberdade de informação sem
se eximir da proteção dos direitos da personalidade, ao mesmo tempo em que garante o
acesso à informação. Essa foi, inclusive, a tendência adotada no julgamento da ADIN
4815376
pela Suprema Corte Brasileira ao permitir a publicação da biografia sem prévia
autorização do biografado. A proteção dos direitos da personalidade, sob este prisma, é
verificada mediante à imputação de indenização após verificada a responsabilidade do
autor.
É nesse cenário, que, a partir de agora, analisar-se-á as tutelas previstas como
forma de aferição de responsabilidade e consequente proteção à violação de direitos377
.
4.1 Proibição da censura
Antes de adentrar, propriamente, nas espécies de tutela, um tema que merece ser
analisado é a censura.
374
REBELO, Maria da Glória Carvalho. A Responsabilidade Civil pela Informação Transmitida pela
Televisão. 1998. 143 f. (Dissertação de Mestrado em Ciência Jurídicas) – Faculdade de Direito de Lisboa,
Lisboa, 1998. 375
REBELO, Maria da Glória Carvalho. A Responsabilidade Civil pela Informação Transmitida pela
Televisão. 1998. 143 f. (Dissertação de Mestrado em Ciência Jurídicas) – Faculdade de Direito de Lisboa,
Lisboa, 1998. 376
Autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular. O recolhimento de obras é
censura judicial, a substituir a administrativa. O risco é próprio do viver. Erros corrigem-se segundo o
direito, não se cortando liberdades conquistadas. A reparação de danos e o direito de resposta devem ser
exercidos nos termos da lei. (ADI 4815, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em
10/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016) 377
“Ao direito civil e penal, incluindo o respectivo direito adjetivo, cabe fornecer os meios processuais e
substantivos para garantir uma tutela sancionatória, compensatória e inibitória de forma a prevenir a sua
violação. ” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio
Pereira. Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 70).
112
Em seu conceito mais amplo, a censura deve ser compreendida como qualquer
obstrução ou restrição, por meio da lei, de atos administrativos, atos judiciais e atos
particulares, à liberdade de expressão.
Em regimes autoritários, é usual a imposição de censura a qualquer informação que não
esteja de acordo com os ideais do governo, nos quais são criadas barreiras cujo principal
objetivo é o controle das informações divulgadas a todos.
No Brasil, no período da ditatura militar, a imprensa, as pessoas e as
instituições democráticas foram silenciadas por uma vasta legislação repressiva, sendo
autorizadas tão somente publicações com conteúdos que fossem de interesse do regime,
esvaziadas de quaisquer informações consistentes, reais e aprofundadas acerca da
situação política do país. A mídia se viu obrigada a se ocupar de assuntos frívolos,
banais, de amenidades cotidianas, sem qualquer conotação política, de modo a garantir
que a realidade vivida não fosse desvelada. Afinal, quanto menos informado um
indivíduo e uma sociedade, mais fácil o seu controle378379
. As incursões de cunho
político eram superficiais e muitas vezes inverídicas. Amparado legalmente, o governo
militar manteve seu status quo por anos a fio, calando, com mãos de ferro, todas as
vozes dissidentes.
Tem-se, pois que um traço marcante para a consagração da liberdade de
expressão, da liberdade de imprensa e de informação é a permanente luta contra a
378
São exemplos trazidos por Luiz Roberto Barroso: “No jornalismo impresso, o vazio das matérias
censuradas era preenchido com receitas de bolo e poesias de Camões. Na televisão, programas eram
proibidos ou mutilados. Censuravam-se músicas, peças, livros e novelas. O Ballet Bolshoi foi proibido de
apresentar-se no Brasil, sob a alegação de constituir propaganda comunista. Um surto de meningite teve
sua divulgação vedada por contrastar com a imagem que se queria divulgar do país”. (BARROSO, Luís
Roberto. Colisão entre Liberdade de expressão e direito da Personalidade. Critérios de Ponderação.
Interpretação Constitucional Adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm>. Acesso em: 4 jun. de 2016. 379
No mesmo sentido, Daniel Sarmento afirma: “No tempo da ditadura militar, a censura recaía quase
sempre sobre manifestações expressivas que o Governo considerava perigosas ou ofensivas aos seus
próprios interesses – de notícias jornalísticas denunciando abusos do regime às letras das músicas de
protesto de Chico Buarque de Holanda. Do ponto de vista ético, era tudo muito claro. Os atos de censura
eram graves erros morais, merecedores da mais severa reprovação. Era um tempo “heróico”, por assim
dizer, da liberdade de expressão, porque o preço que se pagava pela rebeldia era muito alto: a liberdade de
ir e vir, a integridade física e às vezes a própria vida. Havia os “bons”, que desafiavam o regime, e os
“maus”, que censuravam e perseguiam os “bons”. A situação era terrível, mas, sob o prisma dos valores
em jogo, não havia um “caso difícil”. Aquelas restrições à liberdade de expressão eram simplesmente
erradas e ponto final” (SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”.
Disponível em: <http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-
problema-do-hate-speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>.
Acesso em: 4 jun. de 2016)
113
censura, ou seja, contra a proibição de a sociedade ter acesso a qualquer tipo de
informação, da livre manifestação e do livre acesso ao conhecimento, entre outros380381.
A censura, em seu sentido estrito, na acepção tradicional, pode ser compreendida como
limitações empreendidas pelas autoridades administrativas que impedem a veiculação
de determinado conteúdo. O que vale dizer que é um controle prévio existente para a
publicação de qualquer manifestação382
.
A censura, que pode ser considerada como a maior violação à liberdade de
expressão, causa inquestionáveis danos a uma sociedade, sendo totalmente incompatível
com os regimes democráticos. Importante salientar que a forma tradicional de censura
foi rechaçada pela atual Constituição brasileira383384
.
Noutro giro, a censura, em seu sentido mais amplo, pode ser verificada além das
restrições prévias da administração, mas também nas decisões posteriores que visam
impedir a continuidade da manifestação ou da obra. Os principais exemplos são:
apreensão de livros e obras biográficas, a proibição da exibição de filmes e encenação
de peças de teatro, entre outros385
. No que concerne à possibilidade de censura
legislativa, pertence a mesma também a um conceito amplo de censura e usualmente é
utilizada apenas para regulação de conteúdos dos meios de comunicação, sendo que
380
MACHADO, Jonatas E. M. Liberdade de Expressão: Dimensões constitucionais da esfera pública no
sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 487; 381
Daniel Sarmento relembra um caso atual de prática de censura realizado pelo ex-presidente Do Brasil,
Lula: “Triste exemplo de recaída autoritária em matéria de liberdade de expressão ocorreu recentemente,
quando o Presidente Lula decidiu expulsar do país um jornalista estrangeiro, correspondente do New
York Times, porque este, numa matéria, criticara os seus supostos excessos etílicos. Contudo, o STJ
concedeu liminar suspendendo imediatamente o ato, e o próprio Governo, duramente criticado pela
opinião pública, acabou voltando atrás e não recorreu contra a citada decisão”. (SARMENTO, Daniel. A
liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech”. Disponível em:
<http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-
speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf>. Acesso em: 4 jun.
de 2016) 382
SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º da Constituição. In Canotilho, J.J. Gomes;
LEONCY, Leo Ferreira, MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz
(Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 275; 383
SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º da Constituição. In Canotilho, J.J. Gomes;
LEONCY, Leo Ferreira, MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz
(Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 275; 384
Nesse sentido, de acordo com a doutrina e jurisprudência de diversos países, Jónatas Machado afirma
que a censura no seu significado tradicional consiste em: “fazer depender a legitimidade da publicação de
um determinado conteúdo da obtenção de uma autorização administrativa prévia, embora o carácter
apodíticos da proibição tenha resultado, nalguns casos, na sua extensão à censura através de actos
legislativos e de sentenças judiciais, independentemente dos fundamentos políticos ou jurídicos que a
mesma tenha por base” (MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão: Dimensões constitucionais
da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 487; 385
SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º da Constituição. In: Canotilho, J.J. Gomes;
LEONCY, Leo Ferreira, MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz
(Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 275;
114
quaisquer outras formas de restrição prima facie seriam consideradas como
inconstitucionais386
.
O conceito amplo de censura abrange também os atos judicias que, sem uma
fundamentação constitucionalmente adequada, não podem impedir a publicação de um
livro ou a veiculação de uma obra. Isso não significa que haja uma presunção absoluta
em favor da liberdade de expressão e que todas as decisões judiciais que contenham
qualquer possibilidade de censura sejam inconstitucionais387
. O fato da Constituição
Brasileira de 1988 prever expressamente em seu artigo 220 a vedação de qualquer
forma de censura de natureza política, ideológica e artística impõe a necessidade de que
qualquer forma de restrição à liberdade de expressão seja excepcional para garantir a
efetividade de outros bens juridicamente protegidos.
Nesse sentido, em uma decisão recente, o juiz da 33ª Vara Criminal do Rio de
Janeiro determinou a proibição da comercialização, da exposição e da divulgação da
autobiografia de Hitler intitulada Minha Luta. Na sentença que ordenou a apreensão dos
exemplares disponíveis, o juiz considerou:
A proteção dos direitos humanos de pessoas que possam vir a ser vítimas do
nazismo, bem como a memória daqueles que já foram vitimados”, tendo
acrescentado ainda que o livro “tem o condão de fomentar a lamentável
prática que a história demonstrou ser responsável pela morte de milhões de
pessoas inocentes, sobretudo nos episódios ligados à Segunda Guerra
Mundial e seus horrores oriundos do nazismo preconizado por Adolf Hitler
388.
No caso em tela, existe, de um lado, o direto à liberdade de expressão, que
garante a publicação de uma obra que já caiu em domínio público desde janeiro. Por
outro lado, tal obra contém a autobiografia de um dos maiores responsáveis pelas
atrocidades cometidas na 2º guerra mundial e o entendimento de que a publicação da
mesma poderia implicar em propaganda e incitação aos princípios nazistas. Nesse caso,
de forma excepcional, ocorreu sua censura.389
.
386
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão: Dimensões constitucionais da esfera pública no
sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 493; 387
SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º da Constituição. In: Canotilho, J.J. Gomes;
LEONCY, Leo Ferreira, MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz
(Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 275; 388
TJ RJ PROÍBE venda e divulgação de Mein Kampf, a autobiografia de Hitler. G1. Rio de janeiro: fev.
2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/02/tj-rj-proibe-venda-e-
divulgacao-de-mein-kampf-autobiografia-de-hitler.html> Acesso em: 31 mai. de 2016; 389
Registre-se que em nenhum momento há neste trabalho uma concordância com a censura, o que não
significa que a mesma não possa ocorrer de forma excepcional. No caso em tela, o divisor de águas
estaria na distinção entre a descrição histórica de um fato, cuja censura à publicação é inconcebível e a
115
Um contraponto foi a decisão proferida pelo juiz da 20ª Vara Civil do Rio de
Janeiro que determinou a interrupção da veiculação da biografia do cantor Roberto
Carlos sobre o argumento de que não havia sido autorizada. De acordo com o artista, na
biografia, detalhes da sua vida privada haviam sido expostos o que geraria danos à sua
honra e imagem. Na decisão, o magistrado alegou que:
Apesar do direito fundamental de livre expressão de atividade intelectual e
artística, independentemente de censura ou licença, previsto no art. 5, inciso
IX da Constituição Federal de 1988, haveria de prevalecer outro direito
fundamental também garantido pela mesma, qual seja a inviolabilidade da
intimidade, da vida privada e imagem das pessoas, consoante artigo 5, inciso
X do rol de direitos fundamentais 390
.
Ademais, em sua decisão, o juiz acrescenta a necessidade de autorização do
biografado para a publicação da biografia, até então prevista no artigo 20 do Código
Civil Brasileiro391
.
A principal diferença entre a primeira decisão e a segunda, é que, na primeira,
tem-se uma exceção à proibição da censura com fundamento na propagação de ideias
nazistas, cujo principal objetivo é a disseminação do ódio, da ideia de supremacia de
uma raça, do extermínio de seres humanos e que foi a causa das maiores atrocidades já
vividas pela humanidade. A segunda decisão já possui como fundamento um interesse
privado, sem a verificação concreta de um dano efetivo à pessoa. À luz da decisão do
STF na ADI 4815, tal proibição seria inconstitucional, o que será aprofundado no
próximo capítulo.
apologia e incitação ao mesmo, mormente se tratando de um genocídio que significou um atentado a
dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, Jónatas Machado complementa a ideia de excepcionalidade
de censura: “mais importante que do que distinguir conceitualmente entre censura, restrição ou violação
das liberdades comunicativas, é identificar, de forma constitucionalmente correcta, os valores com base
nos quais é legitimo, ou não, proceder à restrição e quais os limites formais e materiais que a Constituição
impõe a essas mesmas restrições”. (MACHADO, Jonatas E. M. Liberdade de Expressão: Dimensões
constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 491) 390
FARIAS, José Vagner. A violação da liberdade de expressão intelectual ocorrida na decisão que
determinou o recolhimento de biografia não autorizada de Roberto Carlos. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=8e28c44c7e1bb849>. Acesso em: 2 jun.de 2016; 391
“Necessário é que obtenha a prévia autorização do biografado, interpretação que se extrai do srt. 5,
inciso X, da Constituição da República, o qual dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada e a
imagem das pessoas. No mesmo sentido e de maneira mais específica, o art. 20 caput, do Código
Civil/02” (LIMA, Maurício Chave de Souza. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Decisão de
tutela antecipada nº 2007.001.006607-2 em 22 de fevereiro de 2007. Partes litigantes Paulo César de
Araújo e Roberto Carlos Braga, Relatora Cássia Medeiros. Editora Planeta do Brasil Ltda.. Disponível
em: <http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=2007.002.06253>. Acesso em: 2 jun. de
2016)
116
A proibição da censura possui como escopo a limitação da intervenção de
qualquer poder na divulgação de ideias, na livre manifestação e na liberdade de
expressão, valores esses inerentes a toda sociedade democrática. Vale lembrar que a
publicação de conteúdos que firam direitos de terceiros não estará a salvo dos braços da
lei, eis que sujeito a reparação, suscetível de sanção. Em casos excepcionalíssimos,
conforme visto acima, é que se cogitará de censura392
.
Merece, finalmente, ser destacada a denominada censura privada, que acontece
quando particulares se valem do seu status na sociedade para impedir que determinadas
informações sejam publicadas. Conforme já salientado, a Constituição não faz qualquer
exceção à vedação da censura, que, portanto, deve estar presente nas relações privadas.
Um dos principais exemplos de censura privada, que é objeto de discursão deste
trabalho, é a necessidade de autorização do biografado ou de seus herdeiros para
publicação de uma biografia.
Como já ressaltado, a redação do art. 20 do Código Civil de 2002393
prevê uma
restrição ao direito da liberdade de manifestação ao requerer autorização do biografado,
quando vivo, ou de sua família ou herdeiros, quando morto, para a veiculação de
biografias. Assim, o requisito da autorização era indispensável para a publicação da
biografia. Essa norma estabelecia um poder de censura a um particular que poderia
decidir pela publicação ou não da sua história394. São exemplos desse conflito as
biografias de Garrincha (STJ, REsp no 521.697, j. 16.02.2006) e de Guimarães Rosa
(TJRJ, processo nº 0180270-36.2008.8.19.0001)
Descartada a possibilidade de censura prévia, a reparação por eventuais danos à
privacidade, honra e imagem da pessoa deve ser buscada por meio de tutelas específicas
e responsabilização civil e criminal, como se verá a seguir.
392
Nesse sentindo, Jónatas Machado afirma: “Numa ordem constitucional livre e democrática, a única
censura admissível é a que o povo dirige ao Governo e não que o Governo dirige ao povo”. (MACHADO,
Jonatas E. M. Liberdade de Expressão: Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 489) 393
Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública,
a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da
imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que
couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama, ou a respeitabilidade ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção
o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes; 394
LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de expressão, a
personalidade e constituição de 1988. São Paulo: Almedina, 2015, p. 162;
117
4.2 Espécies de tutelas
As relações entre as pessoas são suscetíveis a gerar conflitos e, como tais,
poderão ser levadas para a apreciação do Poder Judiciário que, quando provocado, se
pronunciará sobre essas questões.
Ocorre que, diante da complexidade da vida, para que sejam possíveis soluções
satisfatórias dos conflitos, é necessária a previsão de instrumentos jurídicos capazes de
garantir a eficácia das decisões dos casos concretos ou conceder medidas adequadas e
aptas a acautelarem as situações sociais que estão em permanente mudança395
.
Nessa perspectiva, as espécies de tutelas são apresentadas como formas de
prevenção da prática e da continuação de um ilícito ou da reparação de um dano396
.
Diante do exposto, nasce a necessidade de diferenciação entre ilícito e dano. De acordo
com o professor Luiz Guilherme Marinoni: “o dano não é uma consequência necessária
do ato ilícito. O dano é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de
ressarcir, mas não para constituição do ilícito”.397
Importante salientar que a execução de um ato contrário ao direito não resulta,
necessariamente, no surgimento de um dano. Tem-se, pois, que um ato ilícito é algo
contrário ao direito, enquanto o dano é um prejuízo material ou moral que pode ou não
decorrer da prática de tal ato.398
.
Nesse sentido, tem-se que a tutela jurisdicional é necessária tanto para reparar um dano
quanto para impedir que um mal ameaçado se consume. É nessa perspectiva que a
Constituição de 1988 traz, em seu artigo 5º, inciso XXXV, a previsão de que a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito. Assim, cabe a tal
Poder assegurar tanto as tutelas repressivas como preventivas relativas a um dado
direito399
.
395
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 75; 396
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 75; 397
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 75; 398
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 75; 399
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 56. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015, tópico 86;
118
A tutela inibitória possui o condão de inibir a prática, a repetição ou a continuação de
um ilícito, ou seja, é um instrumento disponível ao indivíduo cujo objetivo é a
prevenção de algum acontecimento danoso400
.
Não obstante ser dever geral não lesar direito de outrem, ocorrendo situações
em que haja a possibilidade do risco de dano a direito subjetivo, caberá ao Poder
Judiciário analisar tal pretensão, sendo dado ao juiz, caso seja verificado um potencial
ilícito, o poder de atuar antes da efetiva violação de uma norma401
.
A tutela inibitória possui como principal objetivo impedir de forma direta a violação do
direito material, ou seja, eliminar a ameaça de dano, tanto de cunho material como
moral. Sua utilização pode ocorrer tanto de forma isolada como em conjunto com a
tutela ressarcitória402
.
O titular do direito ameaçado pleiteia junto ao Poder Judiciário que sejam adotadas
medidas que visem impedir a prática do ato danoso, contrário a normas jurídicas, ou que
cesse a continuação do ato. Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção informa três
possibilidades de concessão da tutela preventiva:
(a) evitar a prática originária do ato ilícito, ou seja, impedir em absoluto a
ocorrência de tal ato, hipótese na qual a tutela preventiva será conhecida
como tutela inibitória pura; (b) impedir a continuação do ato ilícito, na
hipótese de ato ilícito continuado; (c) impedir a repetição de prática do ato
ilícito. 403
A título de exemplo, destaca-se que foi ajuizada uma ação de indenização404
movida por
Vilma Guimarães Rosa e pela Editora Nova Fronteira S.A, com pedido de liminar para
que não fosse comercializada a obra Sinfonia de Minas Gerais – A vida e a literatura de
João Guimarães Rosa – Tomo I . Tal pedido se assentou no objetivo de resguardar os
direitos autorais e a honra do escritor, diante do receio da ocorrência de ofensa aos
400
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória e Tutela de Remoção do Ilícito. Disponível em:
<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/luiz%20g%20marinoni(2)%20-%20formatado.pdf>. Acesso em:
10 jun. de 2016; 401
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 56. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015, tópico 86; 402
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 56. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015, tópico 86; 403
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil.. 8. ed. rev., atual. e ampl.
Salvador: Editora JusPodivam, 2016, tópico 1.8.2; 404
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Autores: Vilma Guimarães Rosa e Editora Nova Fronteiras
S.A., Réu: LGE Editora Ltda. Sentença no Processo nº 0180270-36.2008.8.19.000, 24ª Vara Cível da
Comarca do Rio de Janeiro, Juiz Mauricio Magnus, julgado 5 ago. 2013.
119
mesmos. Foi concedida a liminar, posteriormente confirmada para que fossem retirados
todos os exemplares de circulação. Entretanto, ao analisar o mérito, o juiz classificou
como improcedente a ação liberando a comercialização da biografia, julgamento este
também confirmado pelo Tribunal405.
Receosos, pois, que fossem provocados danos à imagem, à honra e aos direitos autorais
do escritor João Guimarães Rosa, seus herdeiros se valeram da tutela inibitória para
tentar cessar a publicação e comercialização da mencionada obra. Caso o pedido fosse
julgado procedente, proibindo a publicação, e se verificasse a existência de danos,
cumulativamente seria devida uma indenização para o ressarcimento dos mesmos.
Outro exemplo de aplicação da tutela inibitória que repercutiu na imprensa brasileira foi
o caso evolvendo o filho do senador José Sarney, o empresário Fernando Macieira
Sarney, que estava sendo investigado por participação no esquema de corrupção no
Estado do Maranhão406
.
O empresário ajuizou uma ação inibitória, em face do jornal Estado de São
Paulo, com pedido de liminar sob nº 20091113988-3, perante 12ª Vara Cível do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, solicitando a proibição de
veiculação de matérias a seu respeito que se tratasse do seu suposto envolvimento no
esquema de corrupção407
.
Foi negado pelo juiz o pedido da liminar, entretanto, o Tribunal de Justiça, após a
análise de agravo de instrumento apresentado, concedeu o pedido da tutela inibitória
proibindo a veiculação da matéria, conforme pleiteado. Tal decisão foi amplamente
criticada por toda imprensa, que afirmou que a mesma se tratava de uma censura
judicial408
.
Diante de tal decisão, o jornal Estado de São Paulo ajuizou uma reclamação sob o nº
9428 no STF com objetivo de suspender a decisão liminar do desembargador Dácio
Vieira, do TJDFT, alegando que: “ao revigorar e ratificar a inibição jornalística,
impedindo o jornal de divulgar as informações e os elementos que recebeu e que, no
405
LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de expressão, a
personalidade e constituição de 1988. São Paulo: Almedina, 2015, p. 81; 406
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 83; 407
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 83; 408
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 83;
120
exercício do direito-dever jornalístico de comunicar, pretendia e continua querendo
repassar a seus leitores”409.
O plenário do STF arquivou a reclamação afirmando que a decisão que proibia a
veiculação da matéria sobre o empresário Fernando Macieira Sarney assegura os
direitos de personalidade, principalmente pelo fato de a investigação estar coberta pelo
segredo de justiça, não tendo sido, portanto, reformada410. Essa decisão foi uma
demonstração clara da aplicabilidade da tutela inibitória.
A tutela ressarcitória é o meio adequado a ser utilizado por um titular do direito
material que sofreu dano já consumado. Nesse caso, ocorrerá o ressarcimento
específico, com restabelecimento da condição anterior ou pagamento pecuniário411
.
Em linhas gerais, as tutelas inibitórias (preventivas) estão ligadas a algum evento futuro
para que se possa evitar a prática do ilícito. Já as tutelas reparatórias (ressarcitórias)
estão voltadas para o passado, no ressarcimento de algum dano já praticado e a
recomposição do ilícito412
.
Diante do exposto, verifica-se que cabe à lei fornecer meios que possibilitem
garantir tutelas sancionatórias, compensatórias, reparatórias, inibitórias de modo a
assegurar e reprimir efetivamente a violação da norma. Tais tutelas, entretanto, devem
estar em consonância com as normas constitucionais que consagram tanto os direitos de
personalidade como o direito à liberdade de expressão, razão pela qual a aplicação de
409
JORNAL O Estado de S. Paulo recorre ao STF contra proibição de veicular matérias envolvendo
Fernando Sarney. Notícias STF. Brasília, 17 nov. de 2009. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116173>. Acesso em: 6 jun. de
2016. 410
EMENTA: LIBERDADE DE IMPRENSA. Decisão liminar. Proibição de reprodução de dados
relativos ao autor de ação inibitória ajuizada contra empresa jornalística. Ato decisório fundado na
expressa invocação da inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade, notadamente o da
privacidade, mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça. Contraste teórico
entre liberdade de imprensa e os direitos previstos nos arts. 5º, incs. X e XII, e 220, caput, da CF. Ofensa
à autoridade do acórdão proferido na ADPF nº 130, que deu por não recebida a Lei de Imprensa. Não
ocorrência. Matéria não decidida na ADPF. Processo de reclamação extinto, sem julgamento de mérito.
Votos vencidos. Não ofende a autoridade do acórdão proferido na ADPF nº 130, a decisão que, proibindo
a jornal a publicação de fatos relativos ao autor de ação inibitória, se fundou, de maneira expressa, na
inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade, notadamente o da privacidade, mediante
proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça. (Rel. 9428 – Tribunal Pleno – Rel.
Ministro Cézar Peliso – j. em 10.12.2009- Publicada em 24.06.2010); 411
DIDIER, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações
probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela .10. ed. v. 2.- Salvador:
Ed. Jus Podivm, 2015., p. 599; 412
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil.. 8. ed. rev., atual. e ampl.
Salvador: Editora JusPodivam, 2016, tópicos 1.8.2;
121
tais medidas deve ser ponderada para que se afaste o risco de se cometer qualquer
violação a tais direitos413
.
No que concerne aos limites da liberdade de expressão na publicação das
biográficas, tal tema causa inquietação ao possibilitar que o uso de uma tutela inibitória
possa autorizar que biografias sejam recolhidas ou impedidas de serem publicadas. Esse
ato, para muitos autores, é uma espécie de censura prévia, que, como já foi analisado
neste trabalho, é taxativamente proibida em uma democracia.
O pedido de uma tutela inibitória, com o fito de impedir a publicação ou a
divulgação de uma biografia, deve ser analisado com muita cautela, tendo em vista que
tal decisão repercute de forma restritiva no direito da liberdade de expressão, podendo
causar o temido efeito resfriador e silenciador. A concessão de uma tutela inibitória,
que impeça a publicação de uma biografia, deve ser deferida de forma excepcional, não
bastando a alegação de um possível “interesse econômico e finalidades lucrativas, ou
alegar a adoção, pelo autor, de um estilo de escrita popular e comercial”414
. Tal
concessão apenas deve ocorrer após uma análise fática e probatória substancial e que
reste demonstrado, de forma cabal, um dano grave aos direitos da personalidade.
Exemplo disso seria a possibilidade de publicação de uma biografia que contenha a
narração de um fato falso sobre uma suposta prática de crime sexual pelo biografado,
sem qualquer comprovação fática e documental. É inegável que, nesse contexto, impõe-
se o deferimento da tutela inibitória a fim de evitar um dano grave à dignidade da
pessoa415
.
Diferentemente quando se trata de uma biografia que contenha a narração apenas
de fatos verídicos, quando a tutela inibitória para impedir sua publicação e circulação
seria descabida.
4.3 Responsabilidade
413
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 70 e 71; 414
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira.
Biografias não Autorizadas versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá Editora, 2014, p. 84; 415
Entender de forma diferente, a vedação da possibilidade de utilização de tutela inibitória ou
responsabilização consistiria em especial afronta à dignidade da pessoa humana. A Constituição
Brasileira em seu primeiro artigo, inciso III, consubstancia como um dos seus fundamentos a dignidade
da pessoa humana, direito objetivo constitucional, portanto, impondo-se assim o respeito aos valores à
mesma correlacionados: direito à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade e a liberdade.
(CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9. ed. São Paulo: Altas, 2010, p.
82d)
122
Conforme já analisado, a busca da responsabilização do biógrafo é a medida
adequada a ser utilizada pelos biografados em face de eventual dano decorrente da
publicação de uma biografia. Isso porque a responsabilidade está ligada à ideia de
reparação do dano, de restauração do equilíbrio.
Nas sociedades atuais, as relações estabelecidas quotidianamente pelas pessoas
podem provocar situações de prejuízos, de onde nasce o problema da
responsabilidade416
.
A Constituição brasileira, em matéria de liberdade de expressão, estabeleceu
um modelo de liberdade com responsabilidade ao dispor sobre a responsabilidade
quando ocorra dano material, moral e à imagem e ao prever a proibição da censura e do
anonimato. Esse modelo confere ao sistema constitucional um equilíbrio no sistema de
valores ao atribuir uma importância tanto para o direito da liberdade de expressão
quanto para direitos contrapostos, como direito à privacidade, à honra e à imagem417
.
É certo que a tutela de tais direitos pode entrar em conflitos, o que justifica a
responsabilização civil e penal dos indivíduos que cometem abusos no exercício da
liberdade de expressão418
.
Não obstante, a existência de tutelas preventivas como forma de resguardar
futuros direitos a serem violados, como, por exemplo, na iminência da publicação da
biografia que revele segredos até então não revelados pelos biografados.
Entretanto, é importante ressaltar o cuidado com o “efeito resfriador” (chilling
efect). Isso porque os biógrafos podem se sentir ameaçados ao elaborarem uma obra na
iminência de sofrerem uma restrição antes mesmo da publicação do trabalho.419
Constata-se, assim, que a verificação da responsabilidade de forma posterior é
o meio mais adequado para se chegar à responsabilização por abusos cometidos em
decorrência da liberdade de expressão. Essa possibilidade, por si só, constitui uma
ameaça e inibe a manifestação de opiniões com o intuito único de prejudicar um
416
REBELO, Maria da Glória Carvalho. A Responsabilidade Civil pela Informação Transmitida pela
Televisão. 1998. 144 f. (Dissertação de Mestrado em Ciência Jurídicas) – Faculdade de Direito de Lisboa,
Lisboa, 1998. 417
SARMENTO, Daniel, Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J.J, Gomes; MENDES, Gilmar
F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Cooords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Alemedina, 2013. p. 259-264; 418
SARMENTO, Daniel, Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J.J, Gomes; MENDES, Gilmar
F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Cooords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Alemedina, 2013. p. 259-264; 419
SARMENTO, Daniel, Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J.J, Gomes; MENDES, Gilmar
F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Cooords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Alemedina, 2013. p. 259-264;
123
terceiro. É necessário um regime de responsabilização que busque um equilíbrio entre a
proteção dos direitos da personalidade sem, contudo, asfixiar a liberdade de
expressão420
.
4.3.1 Responsabilidade civil
A responsabilidade civil surge de um ato próprio praticado por uma pessoa ou
por quem por ela responda, ou de fato, de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de
simples imposição legal sendo necessária a aplicação de medidas que compele a pessoa
a reparar o dano patrimonial ou moral provocado a terceiros421422
.
A responsabilidade civil possui, pois, o objetivo de restaurar o equilíbrio moral
e patrimonial provocado por quem gerou o dano. A fonte geradora da responsabilidade
advém justamente do restabelecimento da harmonia violada pelo dano423
.
Importante ressaltar que não são todos os danos que devem ser reparados, mas apenas
os que possuem uma índole jurídica, ou seja, deve existir entre as pessoas uma relação
jurídica, o que não significa que, nessas relações, não estejam incluídos conteúdos de
cunho moral, religioso, ético, entre outros424
.
Este trabalho não se propõe ao estudo aprofundado da responsabilidade civil e
suas teorias correlacionadas, mas ao estudo especifico de tal responsabilidade na
questão da reparação necessária quando da publicação de uma biografia.
Dito isso, algumas premissas devem ser postas no que concerne a tal responsabilidade
civil.
A primeira premissa é que a responsabilidade envolvendo a publicação de
biografia é subjetiva, ou seja, deve ser verificada a questão da culpa ou do dolo
420
SARMENTO, Daniel, Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J.J, Gomes; MENDES, Gilmar
F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Cooords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Alemedina, 2013. p. 259-264; 421
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 33. 422
No mesmo sentido Silvo Venosa afirma: “O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação
na qual alguma pessoa natural, ou jurídica deve arcar com as consequências de um ato, fato, ou negócio
danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar”
(VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo Paulo: Atlas, 2010, p.
1). 423
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 4. Responsabilidade Civil, São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 19. 424
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo Paulo: Atlas, 2010,
p. 2;
124
praticado pelo agente425
. A culpa, portanto, deve ser aferida como elemento da
obrigação de reparar o dano.
Diferentemente da responsabilidade civil objetiva, que é baseada na teoria do
risco, nesse caso, o dano é indenizável independentemente da existência de culpa. No
que tange à verificação da responsabilidade na publicação de biografias, a adoção de tal
modelo seria uma afronta à Constituição426
. Isso porque a adesão a um sistema de
responsabilidade objetiva dos meios de comunicação, no que concerne aos direitos da
personalidade, seria uma extrema limitação à liberdade de expressão, pois a imprensa
ficaria impedida de exercer livremente seu papel, essencial em uma democracia. E, no
caso, os biógrafos ficariam impossibilitados de produzirem suas obras, uma vez que
poderiam responder por quaisquer danos independentemente da verificação da culpa.427
A segunda premissa é a incompatibilidade com a Constituição no que tange à adoção de
um modelo que assegure a proteção da liberdade de expressão de tal forma que as
pessoas públicas, mesmo diante da divulgação de informações danosas, só fariam jus à
indenização se comprovarem que o agente da publicação agiu com dolo. Tem-se que há
uma proteção irrestrita da liberdade de expressão e uma desproteção dos direitos da
personalidade, o que implicaria em permitir a não responsabilização do agente em casos
em que haja dano por culpa428
.
A terceira premissa consiste em estabelecer que as indenizações relativas às
pessoas públicas devam ser focadas na conduta do agente, verificando se a ação foi
abusiva, com exame acurado da ocorrência do dolo ou da culpa. A indenização, em tais
casos, apenas ocorrerá nas hipóteses de existência de culpa grave e dano à pessoa.
Não haverá responsabilidade e, por conseguinte, um dano a ser ressarcível, nos
casos em que a publicação contenha informações verídicas, porém, no seu conteúdo
425
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 4. Responsabilidade Civil, São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 48. 426
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 4. Responsabilidade Civil, São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 48. 427
Nesse sentido, imprescindível trazer as palavras de Daniel Sarmento: “a responsabilização dos meios
de comunicação social por lesão aos direitos da personalidade sem qualquer necessidade de aferição da
culpa, tenderia a gerar uma esfera pública amordaçada, em que o medo da responsabilidade civil
comprometeria o importante papel de crítica que a imprensa deve exercer numa democracia”
(SARMENTO, Daniel, Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J.J, Gomes; MENDES, Gilmar
F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Cooords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Alemedina, 2013. p. 259-264) 428
Nos Estados Unidos, foi adotada tal posição extremista no julgamento pela corte do Sullivan v. New
York Times, (SARMENTO, Daniel. Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J.J, Gomes;
MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Cooords). Comentários à Constituição do
Brasil. São Paulo: Saraiva/ Alemedina, 2013. p. 259-264)
125
possuir críticas ou informações prejudiciais à reputação de alguém. Isso, afinal, é, nos
regimes democráticos, inerente à liberdade de expressão, ainda que venha contrariar
pessoas ou situações em particular.429
No que concerne à publicação da biografia, o grande conflito existente, já
mencionado neste trabalho, é a questão da liberdade de expressão e os direitos da
personalidade. Tal problema ocorre principalmente no campo abstrato e genérico da
colisão das normas, donde ser imprescindível a aplicação da técnica da ponderação de
princípios, sobretudo no campo da responsabilidade430.
A técnica da ponderação, na perspectiva da responsabilidade, possibilita, diante
do caso concreto, analisar se a ocorrência de interferência da liberdade de expressão nos
direitos da personalidade e vice-versa são legítimas. E, caso haja a constatação de
alguma espécie de dano, o mesmo deve ser indenizado431.
Nesse passo, Anderson Schereiber afirma:
As circunstâncias fáticas que, consideradas à luz do exame do dado
normativo, em especial das normas constitucionais relevantes para solução do
caso concreto, permitem, determinar a área de legitima atuação de cada
interesse conflitante. A identificação de tais condições permite aos tribunais
estabelecer, para aquele tipo de conflito, uma regra de prevalência segundo a
qual um interesse prevalece sobre o outro, não de forma absoluta, mas de
forma relativa, ou seja, apenas diante de condições fáticas determinadas432
.
Tem-se, portanto, que a adequada verificação da responsabilidade civil e a sua
consequente indenização perpassa pelas seguintes considerações: (i) o descomedimento
daquele que se expressou; (ii) a verificação se a vítima é ou não pessoa pública; (iii) o
dever da veracidade, que é principalmente analisado quando a publicação possa conter
informações inverídicas; (iv) a existência de interesse público ou mera curiosidade
alheia433; (v) o nível de lesão aos direitos fundamentais; (vi) a presença de dolo ou culpa
na comunicação ou expressão difamatória ou caluniosa434.
429
SARMENTO, Daniel, Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J.J, Gomes; MENDES, Gilmar
F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Cooords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Alemedina, 2013, p. 259-264; 430
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da erosão dos filtros da
reparação à diluição do dano. 8. ed. São Paulo: Altas, 2015, p. 151. 431
Importante ressaltar que a técnica da ponderação aplicada na seara do direito civil sofre adaptações se
comparadas no âmbito de aplicação do direito constitucional. (SCHREIBER, Anderson. Novos
paradigmas da responsabilidade civil. Da erosão dos filtros da reparação à diluição do dano. 8. ed. São
Paulo: Altas, 2015, p. 158.) 432
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da erosão dos filtros da
reparação à diluição do dano. 8. ed. São Paulo: Altas, 2015, p. 159. 433
Nesse aspecto, importante trazer duas decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos que, ao
analisar dois casos parecidos sobre a liberdade de expressão e o interesse público da informação, segundo
126
A obrigação de indenizar é consequência de um juízo de responsabilidade435
.
Assim, a indenização pode ocorrer devido a um dano material ou moral. A indenização
do dano material é o reestabelecimento econômico dos prejuízos do bem lesado pelo
agente. O dano moral, por sua vez, está relacionado ao abalo, dor e sofrimento da vítima
no meio social436
.
Nos casos dos direitos da personalidade, o dano material enseja o
ressarcimento pecuniário quando, em face da repercussão decorrente da invasão
indevida na esfera privada, na honra ou imagem da pessoa, ocorra prejuízos financeiros.
Insta ressaltar que o dano pecuniário se configura quando a vítima da ofensa aos direitos
da personalidade deixa de auferir ganhos com exposição da própria imagem em
decorrência da exposição indevida por parte de terceiros. Claro que, nesses casos, deve
haver a comprovação real do dano, não havendo que se falar em possibilidade de
reparação de um possível dano437
.
Quanto ao dano moral, consiste o mesmo em lesões extrapatrimoniais sofridas
tanto pela pessoa física como pela pessoa jurídica, decorrentes de algum dano à
imagem, à honra, à privacidade. As indenizações, nesse caso, devem ter como
parâmetro, de acordo com José Adérico Leite Sampaio: condições pessoais das partes,
comportamento das vítimas, repercussão do ato, meio empregado, finalidade
perseguida, circunstâncias e ambiente em que ocorreu o ato ilícito e o prejuízo moral
provocado pela divulgação438
.
Silmara Chinellato afirmou: “(...) no Affaire von Hannover, anotando-se uma decisão em favor da
publicação de fotografias da família de Caroline, do Principado de Mônaco- porque não se detectou
interesse público na divulgação – e outra decisão em favor da liberdade de expressão e direito à
informação porque restou caracterizado esse interesse e não mera curiosidade. Ambos os casos foram
discutidos à luz dos artigos 8.º (direito à vida privada e familiar, entre outros) e 10º (liberdade de
expressão) da Convenção para proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais”
(CHINELLATO, Silmara Juny Abreu. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4815 (biografias não
autorizadas). Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2013/11/21/biografias.pdf> Acesso em:
29 jun. de 2016). 434
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da erosão dos filtros da
reparação à diluição do dano 8. ed.. São Paulo: Altas, 2015, p. 153-156; 435
REBELO, Maria da Glória Carvalho. A Responsabilidade Civil pela Informação Transmitida pela
Televisão. 1998. 144 f. (Dissertação de Mestrado em Ciência Jurídicas) – Faculdade de Direito de
Lisboa, Lisboa, 1998. 436
SARMENTO, Daniel, Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J.J, Gomes; MENDES, Gilmar
F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Cooords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Alemedina, 2013. p. 259-264. 437
SAMPAIO, José Adércio Leitel, Comentário ao artigo 5º, X. In: CANOTILHO, J.J, Gomes;
MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Cooords). Comentários à Constituição do
Brasil. São Paulo: Saraiva/ Alemedina, 2013, p. 284; 438
SAMPAIO, José Adércio Leitel. Comentário ao artigo 5º, X. In: CANOTILHO, J.J, Gomes;
MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Cooords). Comentários à Constituição do
Brasil. São Paulo: Saraiva/ Alemedina, 2013, p.285;
127
Tem-se que as indenizações por danos morais devem ser arbitradas pelo juiz
da causa, levando-se em consideração todos os elementos, sobretudo a extensão do dano
sofrido pela vítima, a capacidade econômica do violador e sua culpa ou dolo. Não
obstante, impõe-se como preocupação o uso do bom senso quando da quantificação da
indenização no que tange à liberdade de expressão, uma vez que indenizações
exorbitantes poderão inibir futuras publicações consistindo, portanto, em um
impedimento ao livre exercício de tal liberdade439440
.
Em uma concepção mais liberal, alguns autores afirmam que a responsabilidade civil
poderia ser afastada em nome da liberdade de expressão, como corolário da ponderação
de interesses, para que o exercício de tal direito não seja tolhido e sua promoção seja
garantida, pois indenizações exorbitantes provocariam um resfriamento do discurso441
.
Tem-se como patente que, no que tange à publicação de biografias, impõe-se a
responsabilização do biógrafo, em caso de eventuais danos ao biografado ou terceiros, o
que não significa violação ao direito da liberdade de expressão. Negar a possibilidade de
tal responsabilização seria um atentado aos direitos da personalidade.
Por certo, imaginar que uma biografia possa ser publicada com referências a
aspectos inverídicos, impertinentes, com o único propósito de prejudicar a imagem de
alguém e que esteja a salvo da responsabilização do agente, em nome da garantia da
liberdade de expressão, constitui, na outra ponta, uma igual afronta à Constituição e a
todo processo de proteção da dignidade da pessoa humana442
.
439
Nesse sentido, imprescindível trazer as palavras de Daniel Sarmento: “a responsabilização dos meios
de comunicação social por lesão aos direitos da personalidade sem qualquer necessidade de aferição da
culpa, tenderia a gerar uma esfera pública amordaçada, em que o medo da responsabilidade civil
comprometeria o importante papel de crítica que a imprensa deve exercer numa democracia”
(SARMENTO, Daniel. Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J.J, Gomes; MENDES, Gilmar F.;
SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/ Alemedina, 2013. p. 259-264) 440
No que tange ao valor indenizatório do dano moral, importante exerto do professor Sergio Cavalieri
Filho ao afirmar que o princípio norteador das indenizações é o da razoabilidade: “(...) o princípio da
lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido,
moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cortejar
meios e fins, causas e consequências, de modo a aferira lógica da decisão. Para que a decisão seja
razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram;
que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano
(...)”. (FILHO, Sergio Cavalieri Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 9. ed. São Paulo: Altas,
2010, p. 98) 441
LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de expressão, a
personalidade e constituição de 1988. São Paulo: Almedina, 2015, p. 164; 442
Nesse sentido, Silmara cita situações que a biografia pode resultar a danos a alguém: “se os fatos
explorados pela biografia não tivessem pertinência com os aspectos da vida do biografado que
fundamentam sua notoriedade ou relevância. Há fatos que, mesmo verdadeiros, não interessam ao cerne
da biografia, ao interesse público, à necessária História da, a menos que tenham ligação com a res pública
ou com o próprio motivo da notoriedade” (CHINELLATO, Silmara Juny Abreu. Ação Direta de
128
É através da técnica da ponderação que a responsabilidade deve ser pautada.
Por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, poderá o juiz, nos casos de
comprovação do dano, chegar a uma indenização que possa reparar os prejuízos da
vítima e, ao mesmo tempo, impedir um efeito resfriador do discurso.
Como já mencionado, a notoriedade e os fatos no caso concreto são balizas que
proporcionarão uma medida certa para análise do direito à liberdade de expressão e os
direitos da personalidade, ressaltando-se que eventual responsabilidade apenas será
verificada no caso de danos materiais e/ou morais443.
Outro ponto que merece destaque: o fato da existência ou não de autorização
para publicação de biografia não é uma causa para isenção da responsabilidade civil.
Não há uma relação direta de causa e efeito. Nenhuma interpretação jurisprudencial
pode consignar a existência de reparação civil em razão da natureza de uma obra, como
acontece nos casos da biografia444.
A responsabilidade civil impor-se-á sempre, independentemente da
concordância ou não do biografado com a publicação de uma obra445. Tal tema, como
será aprofundado no estudo especifico do próximo capítulo, na decisão na ADI 4815,
não foi enfrentado com os devidos contornos, existindo apenas quando da leitura do
acordão a menção a uma possível existência de responsabilidade quando ocorrer danos.
4.3.2 Responsabilidade penal
Não obstante à efetividade da Responsabilidade Civil no restabelecimento do
equilíbrio social eventualmente rompido com publicações indevidas em biografias,
alguns casos requerem a tutela penal, na medida em que os direitos da personalidade
são, obviamente, bens jurídicos de importância destacada e, portanto, merecedores de
especial proteção pelo Direito.
Inconstitucionalidade n. 4815 (biografias não autorizadas). Disponível em:
<http://www.oabsp.org.br/noticias/2013/11/21/biografias.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2016). 443
CHINELLATO, Silmara Juny Abreu. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4815 (biografias não
autorizadas). Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2013/11/21/biografias.pdf>. Acesso em:
29 jun. de 2016; 444
CHINELLATO, Silmara Juny Abreu. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4815 (biografias não
autorizadas). Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2013/11/21/biografias.pdf>. Acesso em:
29 jun. de 2016. 445
CHINELLATO, Silmara Juny Abreu. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4815 (biografias não
autorizadas). Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2013/11/21/biografias.pdf> Acesso em:
29 jun. de 2016.
129
A Responsabilidade Penal, por óbvio, enseja a aplicação de penas, cuja
finalidade é ainda debatida no Direito e, no ordenamento jurídico brasileiro, é explicada
por três teorias: a) teoria absoluta (ou da retribuição), para quem a pena é a retribuição
dada ao criminoso pelo mal injusto e definido por lei, por ele mesmo causado; b) teoria
finalista (ou da prevenção), que procura explicar a pena pela finalidade de prevenção ao
cometimento de novos delitos e, por fim, c) teoria mista (ou eclética), que afirma ter a
pena o caráter tanto retributivo quanto preventivo.446
Mais amiúde, tem-se que a teoria finalista se subdivide em prevenção geral e
especial. Essa última trata da readaptação do criminoso após o cumprimento da pena,
fazendo que não mais volte a delinquir. A prevenção geral, por seu turno, objetiva
impedir, por intermédio da intimidação, o cometimento da infração punível, por toda a
coletividade. Ou seja, por temor da sanção penal, as pessoas não se atrevem a
delinquir.447
Desse modo, é numa prevenção geral eficiente que a Responsabilidade Penal
encontra seu objetivo maior. Se a punição – frise-se: posterior – se der de maneira
eficaz, exclusivamente em casos cujo delito penal for inequivocamente configurado e
capaz de incutir no seio social o temor do cometimento de infrações, desencadeará uma
publicação biográfica responsável e atenta a seus limites.448
. Nesse ponto, é válido destacar algumas características da Responsabilidade
Penal, cujo caráter subsidiário e de mínima intervenção a distingue da Civil.
Primeiramente, enquanto, na esfera cível, a responsabilidade se dá, como dito alhures,
na ocorrência de dolo ou culpa, na ceara penal, é imprescindível se auferir o animus do
agente. Em outras palavras, a Responsabilidade Penal pressupõe a existência de dolo
para sua configuração. O autor deve ter querido o resultado danoso para ser punido
penalmente. É sabido que, desde que haja expressa previsão legal, é possível a aplicação
de sanção penal em delitos culposos. Contudo, naqueles crimes em que se pode
446
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 1, parte geral: (arts. 1º a 120). São Paulo: Saraiva,
2012, p. 383; 447
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 1, parte geral: (arts. 1º a 120). São Paulo: Saraiva,
2012, p. 383; 448
O renomado doutrinador brasileiro assevera: “A missão do Direito Penal é proteger os valores
fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade
etc., denominados bens jurídicos. Essa proteção é exercida não apenas pela intimidação coletiva, mais
conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aos possíveis infratores do risco
da sanção penal, mas sobretudo pela celebração de compromissos éticos entre o Estado e o indivíduo,
pelos quais se consiga o respeito às normas, menos por receio de punição e mais pela convicção da sua
necessidade e justiça”. (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 1, parte geral: (arts. 1º a 120). São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 18).
130
enquadrar eventuais abusos na produção biográfica, e que veremos mais adiante, não há
a referida tipificação culposa.
Noutro giro, e por derradeiro, a Responsabilidade Civil trata de relações de
direito privado e eventuais abusos de direito ou atos ilícitos ensejam a obrigação de
ressarcir o dano causado. A Responsabilidade Penal, por seu turno, é o exato oposto, na
medida em que se trata do interesse público avocado pelo Estado em punir infrações
penais previamente tipificadas e aptas a impor o cumprimento de penas ao infrator.
Visto, de forma sintética, algumas características da Responsabilidade Penal e
sua principal função no que se refere às biografias, passar-se-á à breve análise dos
dispositivos penais que tipificam as condutas abusivas na publicação de obras
biográficas tuteladas pelo Direito Penal brasileiro.
O Decreto-Lei nº 2.848 de 1940, no Código Penal brasileiro, é dividido em parte
geral e especial. Essa última define crimes e lhes comina pena e, especificamente, no
capítulo V, do Livro I, dedica oito artigos para os chamados crimes contra a honra. São
esses tipos incriminadores, portanto, que podem ser invocados para tutela penal em
eventuais abusos praticados por biógrafos em suas obras.
Embora a vítima de ofensas à honra possa estar – e certamente será –
interessada na reprimenda a esses delitos, a coletividade mesma tem interesse na
preservação da incolumidade moral, da intimidade e da honra. No momento em que
algumas condutas humanas ultrapassam o limite tolerado pela sociedade, surge, para o
Direito Penal, o poder-dever de punir, por intermédio dos tipos penais denominados
calúnia, difamação e injúria449
.
A tutela da honra representa a proteção da reputação do indivíduo, é o valor
atribuído pelos integrantes da sociedade a um dos seus, seja em relação a valores
profissionais, morais, éticos, intelectuais, culturais e até mesmo físicos. É a expressão
material do sentimento que a sociedade tem em relação ao indivíduo. “Objetivamente,
honra é um valor ideal, a consideração, a reputação, a boa fama de que gozamos perante
a sociedade em que vivemos” 450
.
É indiscutível a necessidade de proteção à honra de todo indivíduo inserido no
meio social. Quando se refere à pessoa pública, no entanto, tal necessidade é
potencializada, considerando-se que, para elas, danos à imagem ganham maior
449
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal 2. Parte especial: dos crimes contra a
pessoa. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 777. 450
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal 2. Parte especial: dos crimes contra a
pessoa. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 779.
131
magnitude e publicidade. Destarte, garantir que abusos praticados nas produções
biográficas sejam passíveis de responsabilização penal é assegurar um gênero literário
responsável e comprometido com a verdade dos fatos e com a informação prestada ao
público.
4.4 Direito de resposta
O direito de resposta, em conjunto com a responsabilidade civil,
responsabilidade criminal e as tutelas específicas, é mais um meio disponível ao
indivíduo para a salvaguarda dos direitos da personalidade.
Foi na França que o direito de resposta teve origem, através da Lei Imprensa
em 1822. Ainda no século XIX, tal direito foi assegurado na legislação
infraconstitucional de outros países, como Portugal, Alemanha, Itália e Espanha451.
No Brasil, o direito de resposta foi reconhecido pela primeira vez em 1923 pela
lei Adolfo Gordo (lei 4.743/1923). Atualmente, tal direito está previsto no art. 5, V da
Constituição e sua regulamentação feita através da lei 13.188/2015452453.
O direito de resposta é um instrumento de defesa assegurado a todos indivíduos
contra imputações prejudiciais à reputação da pessoa, publicadas em qualquer meio de
comunicação, garantidas independentemente da responsabilização civil ou criminal do
autor 454. Nesse escopo, o professor Vital Moreira ressalta que:
O direito de resposta serve naturalmente para desmentir, corrigir ou
esclarecer notícias ou afirmações inverídicas. Por outro lado, havendo direito
de resposta, isso funciona como incentivo ao autocontrole dos jornalistas,
451
SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º, inciso V da Constituição. In: Canotilho, J.J. Gomes;
LEONCY, Leo Ferreira; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz
(Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 259. 452
SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º, inciso V da Constituição. In: Canotilho, J.J.
Gomes; LEONCY, Leo Ferreira; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio
Luiz (Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 259. 453
Importante ressaltar que antes da edição da lei 13.188, o direito de resposta era regulamentado pela
lei imprensa. A Suprema Corte brasileira, entretanto, no julgamento da ADPF 130, a declarou não
recepcionada pela Constituição de 1988. A decisão acarretou, portanto, um vácuo na regulamentação do
direito de resposta. A fim de sanar o problema, o mesmo STF, no julgamento da Ação Cautelar 2.695,
reconheceu a possibilidade do exercício do direito de resposta independentemente da não recepção da lei
de imprensa. (SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º, inciso V da Constituição. In: Canotilho,
J.J. Gomes; LEONCY, Leo Ferreira; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK,
Lênio Luiz (Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 254) 454
VITAL, Moreira; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição da República Portuguesa
Anotada. V. 1.arts. 1º ao 107º. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 575.
132
como pena de se verem publicamente desautorizados no seu próprio jornal
por um desmentido ou correcção. 455
É uma garantia fundamental, que possibilita à pessoa ofendida por conteúdo
divulgado em qualquer veículo de comunicação456, de forma gratuita, refutar ou corrigir
a afirmação que foi feita em seu desfavor no mesmo horário e modo do agravo
praticado457458.
Nesse sentido, no julgamento da ADPF 130 o ex-Ministro do STF, Carlos
Ayres Britto, afirmou que: “o direito de resposta consiste na ação de replicar ou de
retificar matéria publicada, sendo exercitável por parte daquele que se vê ofendido em
sua honra objetiva, ou então subjetiva” 459.
Essa garantia constitucional visa à proteção da honra, da imagem, do nome e
principalmente assegurar a reputação das pessoas físicas ou jurídicas que tenham sido
acusadas ou ofendidas através da mídia460.
O direito de resposta possui natureza jurídica dúplice, pois ao mesmo tempo
em que assegura os direitos da personalidade, auxilia na multiplicação do acesso à
comunicação social ao oportunizar que diferentes pontos de vistas sejam conhecidos
pelo indivíduo. Esse direito é um instrumento que permite um acesso cada vez maior à
mídia proporcionando a efetivação do contraditório diante da opinião pública461.
Pode-se afirmar que o direito de resposta é um corolário da liberdade de
expressão ao auxiliar na formação da opinião pública, operando também como um
455
VITAL, Moreira. O Direito de resposta na comunicação social. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p.
30. 456
Importante ressaltar que o art. 2, §2º faz uma ressalva quanto os comentários realizados por usuário
da internet nas páginas eletrônicas dos veículos de comunicação social. Portanto, a lei não se aplica aos
usuários de páginas como Twitter, Facebook, entre outros, uma vez que seria inimaginável controlar o
teor de todos os comentários e seria impossível garantir do agravo no mesmo espaço. Não obstante, a
possibilidade de futuras indenizações quanto ao agravo cometido. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/44614/direito-de-resposta-e-a-lei-n-13-188-2015>. Acesso em: 3 jun. de 2016. 457
Artigos 1º e 2º da Lei 13.188/2015; 458
Nas linhas do professor Vital Moreira, o direito de resposta pode ser concebido como direito
individual de expressão e de opinião. “Um direito dos cidadãos contra a imprensa para defesa de seus
direitos e interesses pessoais afectados por ela, mas também (ou sobretudo) como direito individual de
acesso aos meios de informação, uma concretização da liberdade individual de expressão ou opinião
através da imprensa (direito de imprensa), um direito de participação na formação da opinião pública”.
(VITAL, Moreira. O Direito de resposta na comunicação social. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 26) 459
Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2015/11/comentarios-lei-131882015-direito-
de.html#more> Acesso em: 3 jun. de 2016; 460
SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º, inciso V da Constituição. In Canotilho, J.J. Gomes;
LEONCY, Leo Ferreira, MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz
(Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 259; 461
SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º, inciso V da Constituição. In Canotilho, J.J. Gomes;
LEONCY, Leo Ferreira, MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz
(Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 254;
133
serviço do direito à informação das pessoas, que possuem a oportunidade de ter
conhecimento de todas versões sobre os mesmos fatos e informação exata e precisa462.
No julgamento da ação cautelar 2.695 pelo STF, o ministro Celso de Melo ressalta a
função instrumental do direito de resposta ao estabelecer que tal direito:
Neutraliza os excessos decorrentes da prática abusiva da liberdade de
expressão e informação e comunicação jornalística”; “protege a
autodeterminação das pessoas em geral” e “permite a preservação/restauração
da verdade pertinente aos fatos reportados pelos meios de difusão e de
comunicação social 463
.
Assim, o direito de resposta prospera em favor de todas as pessoas, mesmo
aquelas não atingidas pela publicação, ao garantir que o indivíduo tenha acesso à
informação exata, tornado ainda mais democrático o debate464.
Daí porque as palavras de Gustavo Binenbojm, citado por Celso Melo em seu
voto no recurso extraordinário 683751, ressalva o direito de resposta como “um
instrumento de "mídia colaborativa" (collaborative media) em que o público é
autorizado a colaborar com o debate das notícias divulgadas na imprensa, dando a sua
versão dos fatos e apresentando seu ponto de vista”465
.
Por fim, dois princípios são norteadores do direito de resposta. O primeiro
deles, denominado da proporcionalidade ou equivalência, determina que a resposta deve
possuir o mesmo destaque da imputação. Por seu turno, o princípio da brevidade impõe
que a resposta deve ocorrer com a maior brevidade possível a fim de que seja
resguardado o impacto almejado466.
Resta demonstrado, portanto, que a garantia fundamental do direito de resposta
encontra ainda maior importância na seara da resolução de controvérsias relativas à
publicação de biografias, haja vista ser o instrumento adequado nos casos de dano à
imagem da pessoa biografada, na medida em que possibilita exigir, tanto da editora
462
SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º, inciso V da Constituição. In Canotilho, J.J. Gomes;
LEONCY, Leo Ferreira, MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz
(Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 261; 463
Decisão monocrática na ação cautelar 2.695 publicada em 26 jun. de 2015. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3942663>. Acesso em: 4
jun. de 2016; 464
Decisão monocrática no recurso extraordinário 683.751 publicada em 1 jul. de 2015. Disponível em:
<file:///C:/Users/Usuario/Desktop/texto_307133621.pdf> Acesso em: 4 jun. de 2016; 465
Decisão monocrática no recurso extraordinário 683.751 publicada em 01 de julho de 2015. Disponível
em: <file:///C:/Users/Usuario/Desktop/texto_307133621.pdf> Acesso em: 4 jun. de 2016; 466
SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º, inciso V da Constituição. In: Canotilho, J.J. Gomes;
LEONCY, Leo Ferreira, MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz
(Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 261.
134
quanto do biógrafo, que se publique nova edição da obra com a versão dada pelo
biografado, preferencialmente, com menção à correção grafada na capa da obra. Tal
medida garantirá o direito de informação e preservará, de forma mais eficiente do que
eventuais indenizações pecuniárias, a imagem, honra e intimidade do biografado.
4.5 A Resolução 1165 (1998) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa
Em junho de 1998, por decorrência da morte da Princesa de Gales, que faleceu
em um acidente automobilístico após ser perseguida por fotógrafos e outros agentes de
imprensa, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa editou a Resolução 1165,
de 26 de junho de 1998, atendendo ao pleito para se garantir, em nível continental, a
proteção do direito à privacidade, principalmente referente às pessoas públicas467
.
Nessa Resolução, foi reforçado o conceito de “direito à privacidade” definido pela
Resolução nº 428 (197) como o direito que cada indivíduo possui em viver a sua própria
vida com um mínimo de interferência468469
.
A Resolução, mais adiante, ressalta a necessidade de se encontrar o equilíbrio
entre o direito à privacidade e à liberdade de expressão. Isso porque, embora os leitores
sejam portadores do direito ao conhecimento acerca das pessoas públicas, esse direito
não pode ser utilizado como pretexto para os agentes de mídia invadirem a privacidade
das pessoas e, de maneira irresponsável, ocasionarem uma verdadeira devassa na
intimidade daquelas470471
.
Não obstante a relevância dessa Resolução para reforçar, no continente europeu,
recentemente vitimado por abusos no exercício do direito à liberdade de expressão, a
importância da preservação à intimidade, outro ponto importante foi o apelo feito pela
467
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Direito de Personalidade. Coimbra: Almedina, 2014, p. 86; 468
Resolution 1165 (1998) Right to privacy. nº 4. “The right to privacy, guaranteed by Article 8 of the
European Convention on Human Rights, has already been defined by the Assembly in the declaration on
mass communication media and human rights, contained within Resolution 428 (1970), as “the right to
live one’s own life with a minimum of interference”.” 469
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Direito de Personalidade. Coimbra: Almedina, 2014, p. 88; 470
Resolution 1165 (1998) Right to privacy:
“Nº 8. It is often in the name of a one-sided interpretation of the right to freedom of expression, which is
guaranteed in Article 10 of the European Convention on Human Rights, that the media invade people’s
privacy, claiming that their readers are entitled to know everything about public figures.
Nº 9. Certain facts relating to the private lives of public figures, particularly politicians, may indeed be of
interest to citizens, and it may therefore be legitimate for readers, who are also voters, to be informed of
those facts.
Nº 10. It is therefore necessary to find a way of balancing the exercise of two fundamental rights, both of
which are guaranteed in the European Convention on Human Rights: the right to respect for one’s
private life and the right to freedom of expression.” 471
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Direito de Personalidade. Coimbra: Almedina, 2014, p. 91;
135
assembleia aos países europeus para estabelecer critérios de entrada na carreira
jornalística, promover uma ampla educação de mídia e fomentar treinamento destes
profissionais, destacando a importância do direito à privacidade na sociedade como um
todo. Tais medidas são essenciais para se garantir uma mídia responsável e
comprometida com a prestação de informações de qualidade e com respeito ao direito à
privacidade, notadamente, das pessoas públicas. Não obstante, a publicação de
biografias deve, na mesma toada, ser dotada desse viés de respeitabilidade e
comprometimento com a liberdade de expressão472
.
Uma das medidas foi a sugestão de estabelecimento de certos critérios para o
acesso à carreira jornalística. No Brasil, por seu turno, o Supremo Tribunal Federal
decidiu, no RE 511961/2009, ser inconstitucional a exigência de diploma para o
exercício do jornalismo. Contudo, preocupar-se com a formação, seja ela intelectual,
ética ou moral, dos autores de biografias, é dar legitimidade às obras desse gênero
literário. De certa forma, saber que os biógrafos possuem formação e capacitação
condizentes com a importância do gênero, embora não seja garantia de ausência de
abusos, reforça a preocupação da sociedade com o exercício livre da liberdade de
expressão, mas com respeito, também, aos direitos da personalidade.
472
Resolution 1165 (1998) Right to privacy:
“Nº 16. The Assembly also calls upon the governments of the member states to:
i. encourage the professional bodies that represent journalists to draw up certain criteria for entry to the
profession, as well as standards for self-regulation and a code of journalistic conduct;
ii. promote the inclusion in journalism training programmes of a course in law, highlighting the
importance of the right to privacy vis-à-vis society as a whole;
iii. foster the development of media education on a wider scale, as part of education about human rights
and responsibilities, in order to raise media users' awareness of what the right to privacy necessarily
entails;
iv. facilitate access to the courts and simplify the legal procedures relating to press offences, in order to
ensure that victims' rights are better protected.”
136
5 ADI 4815
“Este é um julgamento sobre o direito à palavra e a liberdade
de expressá-la. Sem verbo, há silêncio humano. Às vezes
desumano. Por isso, a Constituição da República e todos os
textos declaratórios de direitos fundamentais, ou de direitos
humanos, garantem como núcleo duro e essencial da vivência
humana a comunicação, que se faz essencialmente pela
palavra”.
(Ministra Carmem Lúcia. Julgamento ADI
4815)
“Não se decide sobre a aplicação dos direitos fundamentais
consultando a opinião pública”.
(Gilmar Mendes)
5.1 Apanhado jurisprudencial sobre as biografias
Antes de adentrar propriamente no estudo do processo no âmbito do STF, é importante
analisar como o tema das biografias era tratado no Brasil, ressaltando também algumas
decisões no âmbito internacional473
.
O caso mais emblemático do direito brasileiro, já mencionado neste trabalho,
foi do cantor Roberto Carlos. Foi proposta uma ação na 20ª Vara Cível da Comarca do
Rio de Janeiro, processo nº 2007.001.006607-2, que possuía como autor Roberto Carlos
Braga e como réu Paulo Cesar Araújo e editora Planeta do Brasil Ltda. Roberto Carlos
conseguiu proibir a circulação da biografia “Roberto Carlos em Detalhes”, escrita por
Paulo Cesar Araújo e publicada pela editora Planeta do Brasil, em razão da ausência de
prévia autorização do biografado para publicação. A editora, que chegou a lançar o
livro, teve de recolher toda a tiragem das livrarias.
A biografia Estrela Solitária – Um brasileiro chamado Garrincha, de Rui
Castro, sobre o jogador de futebol mundialmente conhecido como “Mané Garrincha”,
também teve sua publicação proibida em virtude da ausência de autorização prévia. Rui
Castro e a editora tiveram que realizar o pagamento de indenizações para que
conseguissem a publicação e veiculação da obra, tendo o processo chegado até o STJ
REsp nº 521.697.16.02.2006 474475
.
473
Este apanhado tem por objetivo verificar algumas decisões proferidas principalmente pelo poder
judiciário brasileiro relativas a publicação de biografia; 474
O Ministro do STF Luís Roberto Barroso, em seu voto na ADI 4815, ressalta a Decisão do
Desembargador Sérgio Cavaliere Ferreira em 15 jun. de 2002 que afirmou no EI 2002.005.0058:
“Terceiros não podem se apropriar desses direitos e publicar obra biográfica sem a autorização dos
herdeiros, por mais erudita que seja a obra e nobres os seus propósitos. O exercício da livre manifestação
137
Na mesma esteira, tem-se o caso da biografia de João Guimarães Rosa,
intitulada Sinfonia de Minas Gerais – A vida e a literatura de João Guimarães Rosa.
No processo nº0180270-36.2008.8.19.0001 no TJRJ, a filha do escritor, não estando de
acordo com a obra publicada, requereu que fosse impedida sua circulação, tendo sido
concedida medida liminar suspendendo a circulação da obra. Segundo a filha de
Guimarães Rosa, o livro geraria inúmeros danos à imagem e à vida privada do autor,
além da violação de direitos autorais. Após cinco anos, a liminar foi revertida e a ação
foi julgada improcedente em todas as instâncias, sob o argumento de que a obra
bibliográfica sequer adentrava em assuntos privados do escritor476
.
A biografia sobre o lutador Anderson Silva, intitulada Anderson Spider Silva – o
relato de um campeão nos ringues da vida, foi impedida de circular por causa de um
coadjuvante. Um professor do lutador ajuizou uma ação pedindo o recolhimento de
todas as obras e a suspensão de novas publicações em virtude de a biografia conter
afirmações que o referido professor seria uma pessoa de índole ruim. Foi deferida a
tutela antecipada com a determinação do recolhimento de todos os exemplares477.
No mesmo sentido, em relação à biografia da cantora Cássia Eller, Apenas uma
Garotinha – A História de Cássia Eller, a coadjuvante, a cantora Elaine Silva Moreira,
conhecida como Lan Lan, ajuizou uma ação de indenização por danos morais em razão
de uma violação, em tese, da privacidade, da intimidade e da honra. No caso, foi
realizada uma ponderação de interesses entre os direitos à liberdade de expressão,
manifestação do pensamento e os direitos de personalidade. O Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro, ao aplicar a técnica de ponderação, ressaltou que, pelo fato de a autora
da ação também ser uma figura pública, a tutela à sua imagem e à privacidade devem
ser relativizadas. Ademais, todos os fatos ofensivos narrados na obra já eram de pleno
do pensamento, da expressão intelectual e da profissão não autorizam a apropriação dos direitos de
outrem para fins comerciais e de lucro, por se encontrar isso fora do direito de informar. O dano
patrimonial decorre do locupletamento da popularidade do biografado comercialmente explorada, sem a
autorização de quem de direito, ou sem lhe dar a devida participação nos lucros”. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago. de 2016; 475
Informação disponível em: http://www.literar.com.br/biografias-nao-autorizadas/. Acesso
em:2 ago. de 2016; 476
Voto Luís Roberto Barros na ADI 4815, pág. 16. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago. de 2016;. Tribunal de Justiça do Paraná. Agravo de
Instrumento nº 933.386-4, Sétima Câmara Cível, Rel. Desembargador Luiz Sérgio Neiva de Lima Vieira,
publicado em 12 mar. de 2013; 477
Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016;
138
conhecimento de todos e foram amplamente divulgados pelos meios de comunicação.
Por fim, ressaltou que, pelo fato de ambos os personagens da biografia serem pessoas
públicas, é natural que trechos de suas vidas sejam revelados. O único pedido que foi
julgado procedente na ação foi a tutela retificadora na veiculação de uma foto cuja
legenda indica tratar-se da autora, sendo certo que realmente é uma terceira pessoa, sem
a implicação de danos morais e materiais478
.
Outro caso de destaque foi a proibição, em 1993, da veiculação da telenovela
intitulada O Marajá, sobre a vida do ex-presidente Fernando Collor, desde o início do
exercício da Presidência da República até seu impeachment. Mesmo se tratando de um
político de relevo na história nacional, a novela nunca chegou a estrear por conta de
uma decisão judicial que impediu a transmissão. De acordo com a sentença, o conteúdo
da telenovela trazia ofensas à honra do ex-presidente479
.
O que se verifica na jurisprudência brasileira ao ponderar a questão do direito de
personalidade e o direito da liberdade de expressão é uma tendência de predileção ao
direito de personalidade. Conforme se vê nas decisões supracitadas, os tribunais
brasileiros, via de regra, limitam a liberdade de expressão, por meio da proibição de
publicações biográficas e, até mesmo, determinando o recolhimento daquelas já
publicadas.
Percebe-se, em apertada síntese, que a liberdade de expressão é, por diversas
vezes, mitigada em prol da exclusiva proteção, por parte do judiciário brasileiro, aos
direitos da personalidade. Em outros termos, não se dá a devida importância ao direito
de liberdade de expressão, que é de suma relevância em uma sociedade
democraticamente organizada.
5.2 Limites do Caso Concreto
A proposta apresentada neste tópico do trabalho é a efetiva análise da ADI
4815, desde o nascedouro da divergência até a decisão final do STF. Essa investigação
será feita por meio de um estudo pormenorizado do caso concreto envolvendo todos os
478
Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201000171998. Acesso em: 16
ago. de 2016. 479
Voto Luís Roberto Barros na ADI 4815, pág. 16. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago. de 2016. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. AC nº
1994.001.01380, Rel. Desembargador Pelingeiro Lovisi, publicado em 7 jun. 1994;
139
pontos enfrentados no decorrer deste trabalho, não se limitando única e exclusivamente
à questão da autorização para publicação da biografia.
No Brasil, como já ressaltado, é assegurado o direito à intimidade da vida
privada previsto principalmente no art. 5º, inciso X da CF/88 e o direito à liberdade de
expressão previsto no art. 5º, incisos IV, IX e XIV e art. 220 da CF/88.
A Constituição brasileira assegura, de forma plena, a proteção da vida privada
e da liberdade de expressão como direitos fundamentais de extrema importância para
toda sociedade devendo todos, principalmente os poderes públicos, respeitá-los,
protegê-los e assegurá-los.
Todavia, para que fosse possível a publicação de uma biografia no país, era
necessária a autorização do biografado quando vivo, ou de sua família ou herdeiros
quando morto, vez que o artigo 20 do Código Civil brasileiro dispõe:
Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama, ou a
respeitabilidade ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em
se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa
proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.480
A existência de uma excessiva amplitude semântica do preceito em questão
estava propiciando a proibição de biografias não autorizadas de pessoas que possuíam
sua vida relatada nas obras. A consequência dessa interpretação foi a inibição da
publicação e veiculação de obras biográficas em razão da ausência de autorização, pelo
Poder Judiciário, com a justificativa de proteção da vida privada.
A Associação Nacional de Editores de Livros (Anel) propôs ao Supremo
Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), em resposta as
decisões judiciais, que ameaçavam deixar todas as biografias brasileiras condicionadas à
anuência dos biografados, objetivando a declaração da inconstitucionalidade parcial,
sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil para que, mediante
interpretação conforme a Constituição fosse afastada do ordenamento jurídico brasileiro
a necessidade do consentimento da pessoa biografada e, a fortiori, das pessoas
480
BRASIL. Legislação (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 2002;
140
retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) para
a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais481.
O ponto central da petição inicial residiu na necessidade da autorização, como
condição para a publicação de uma biografia. A peça trouxe em seu teor como
argumento principal a questão da pessoa pública, que em razão da sua trajetória pessoal,
profissional, artística, esportiva ou política possui uma esfera da intimidade e da
privacidade mais estreita, sendo sua biografia pertencente à história coletiva, de
interesse público.
Nesse sentido, a exigência de autorização para publicação de biografia
implicaria em uma espécie de censura privada a liberdade de expressão dos biógrafos,
historiadores, autores, entre outros482.
A exordial, também ressalta que a exigência de autorização prévia do biografado
é uma afronta às liberdades de manifestação, do pensamento, da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação (CF, art. 5º, IV e IX) e do direito da informação
(CF, art. 5º, XIV), visto que as histórias das pessoas públicas fazem parte do curso da
histografia social483.
Ademais, a exclusiva existência de publicações de biografias autorizadas no país
empobrece o conhecimento da sociedade, a partir do momento que o indivíduo somente
vai ter acesso ao que for de interesse da pessoa relatada na obra484.
Importante ressaltar a diferença do conteúdo de uma biografia autorizada, de
uma biografia não autorizada, visto que em uma obra oficial é inegável que a pessoa vai
481
Nesse ponto, imprescindível constar que na ação foi feito um pedido alternativo, caso o principal não
fosse acolhido que consistia: “Caso assim não sem entenda, por mera eventualidade, a ANEL pede seja
declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil para
que, mediante interpretação conforme a Constituição, seja afastada do ordenamento jurídico brasileiro a
necessidade do consentimento da pessoa biografada e, a fortiori, das pessoas retratadas como
coadjuvantes (ou de seus familiares, e caso de pessoas falecidas) para a publicação e veiculação de obras
biográficas, literárias ou audiovisuais, elaboradas a respeito de pessoas públicas ou envolvidas em
acontecimentos de interesse coletivos”. Informação retirada da petição inicial da ADIN 4815. Disponível
em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 482
Informação retirada da petição inicial da ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 483
Informação retirada da petição inicial da ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 484
Informação retirada da petição inicial da ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016
141
dar mais ênfase aos aspectos de triunfos e omitir os fatos desabonadores, no passo que
uma obra, não oficial, é mais propicia a analisar a história em todos seus aspectos485.
A petição inicial enfatiza o caráter preferencial da liberdade de expressão diante
das seguintes razões: as figuras públicas possuem o direito da privacidade diminuído em
razão da sua visibilidade social; a liberdade de expressão e o direito da informação
possuem dupla dimensão: a primeira subjetiva de assegurar o conteúdo de todos
emissores de mensagem e criadores de conteúdo e a segunda representa um direito
difuso ao conhecimento, ao acesso ao livre mercado de ideias essencial em uma
democracia486.
E por fim, no que tange a responsabilidade, a peça inaugural, salienta que a
ausência de autorização não autoriza o biógrafo a exercer a sua liberdade com abuso de
direito, por meio da veiculação de informações sabidamente falsas. Neste caso, é
resguardado ao biografado o direito de reclamar indenização, em um juízo a
posteriori487.
Entretanto, há a ressalva de que as informações desabonadoras, desde que
verdadeiras, não são objeto de qualquer pleito indenizatório e até mesmo as questões
controvertidas, divergentes entre a história publicada, da contada pelo biografado.
Nestes casos, não há dano, e nenhum direito a ser ressarcido, visto que o biografo está
485
Importante ressalva feita na petição inicial: “Os leitores atentos já devem ter observado como as
biografias oficiais selecionam os fatos considerados relevantes, dando ênfase aos momentos de glória e
suprimindo ou amenizando as situações menos abonadoras. Assim como ninguém é bom juiz de si
próprio, ninguém costuma ser um biógrafo isento de si mesmo. Como lembra o historiador José Murilo de
Carvalho, o epíteto de biografia autorizada confere à obra uma conotação de fraude, pois significa que o
biógrafo reportou apenas o que passou pelo prévio crivo do biografado”. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 486
Nesse sentido importante destacar: “O reconhecimento da posição preferencial decorre da centralidade
do sistema de liberdade de expressão, enquanto garantia institucional constitutiva da democracia
brasileira. Com efeito, não existe democracia, quer sob um viés estritamente procedimental, quer sob uma
perspectiva substantiva, sem um sistema amplo de liberdade de expressão. Ora, tal posição preferencial da
liberdade de expressão e informação sobre os demais direitos da personalidade assume ainda mais
robustez no caso de pessoas públicas ou envolvidas em episódios de interesse público. Isto porque, em
relação a tais pessoas, o âmbito de proteção da vida provada e da intimidade é naturalmente mais restrito,
dada a dimensão pública preponderante de sua trajetória. Mas, ainda assim, a exigência do consentimento
do biografado, em qualquer caso, é sempre incompatível com a sistemática da liberdade de expressão”.
Informação retirada da petição inicial da ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 487
Informação retirada da petição inicial da ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016
142
pautado no legitimo exercício regular do direito à liberdade de expressão e da
informação488.
Esse raciocínio é extraído do Parecer Jurídico do Professor Gustavo Tepedino,
que foi anexado à petição inicial, no qual foi solicitado a responder o seguinte
questionamento:
À luz do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, a publicação ou
veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais, de pessoas
públicas, ou pessoas envolvidas em acontecimentos de interesse público,
depende da autorização das pessoas biografadas ou envolvidas de qualquer
forma na obra biográfica (ou de seus familiares, em caso de pessoas
falecidas)? 489
Nesse parecer, o professor Gustavo Tepedino ressalta a importância das
biografias como narrativas históricas de referências subjetivas que revelam os fatos
integrantes da própria história coletiva, e, assim sendo, são de interesse público e milita
ao seu favor a liberdade de expressão, de informação, da memória, da identidade
cultural490.
A partir do momento que as pessoas públicas assumem uma posição de
visibilidade, o controle de dados da sua vida passa a ser menores, principalmente se
comparado com uma figura particular, sendo assim, qualquer barreira que impeça o
conhecimento de tais fatos deve ser questionada. In casu, a necessidade de autorização
dos biografados ou de sua família no caso de figuras falecidas constitui uma espécie de
censura491.
Segundo o professor a ponderação previa e in abstrato entre os direitos da
liberdade de expressão, informação e pensamento de um lado e do outro os direitos da
488
Informação retirada da petição inicial da ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 489
Parecer jurídico realizado por TEPEDINO, Gustavo. Opinião Doutrinária. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
Acesso em: 19 jul. de 2016; 490
Parecer jurídico realizado por TEPEDINO, Gustavo. Opinião Doutrinária. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057> Acesso em: 19 jul. de 2016; 491
De acordo com Gustavo Tepedino: “Sem liberdade de informar e ser informado, não há dignidade da
pessoa humana”. Parecer jurídico realizado por TEPEDINO, Gustavo. Opinião Doutrinária. Disponível
em:http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico
.jsf?seqobjetoincidente=4271057> Acesso em: 19 jul. de 2016;
143
personalidade, não pode permitir o sacrifício das primeiras492. Reafirma, de forma
veemente que sequer há que se falar em responsabilidade por eventual dano causado
pela informação, uma vez que se trata de fato histórico: “ainda que prejudicial à
personalidade do biografado, trata-se de dano que não pode ser considerado injusto, e,
portanto, indenizável, por decorrer do exercício regular e legítimo das liberdades de
expressão, de informação e de pensamento” 493.
A responsabilização apenas deve acontecer em um juízo a posterior, desde que
verificada um desvirtuamento da liberdade de expressão ou um abuso na transmissão
das informações, caracterizado por falsas e evidentes afirmações, ou seja, as possíveis
indenizações, apenas vão ocorrer, caso haja um dano grave e com a comprovação da
existência de um desvio de finalidade. Não há que se falar em um juízo, a priori, visto
que tal conduta constituiria em uma espécie de censura privada494.
Tem-se, pois, que a petição juntamente com parecer anexado, ressalta
preponderância de se resguardar a liberdade de expressão, informação e manifestação,
direitos esses preferencias se ponderados com os direitos da personalidade, não
havendo, sequer, que se falar em responsabilização se não constatado um grave dano.
Este é, portanto, o primeiro questionamento colocado em pauta e com o qual este
trabalho não concorda, pois, como já visto, a Constituição Brasileira resguarda a todos o
direito de acesso ao Poder Judiciário, cabendo a este, conforme preceitua o art. 5,
XXXV, a apreciação de toda lesão ou ameaça ao direito. Assim sendo, mesmo como
forma de resguardar o direito da liberdade de expressão, não é possível que impeça um
indivíduo, apenas pelo fato de ser uma pessoa pública de questionar eventuais danos à
sua honra, imagem, privacidade. As possíveis aplicações das tutelas devem ser
analisadas diante do caso concreto, por meio da ponderação de interesses.
A Presidência da República defendeu a liberdade de expressão, tendo
argumentado que, não obstante essa ser considerada como um dos pilares da democracia
deve ser relativizada quando em confronto com outros direitos fundamentais,
principalmente aqueles de caráter personalíssimo, tidos como invioláveis. Nesse
492
Parecer jurídico realizado por TEPEDINO, Gustavo. Opinião Doutrinária. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057> Acesso em: 19 jul. de 2016; 493
Parecer jurídico realizado por TEPEDINO, Gustavo. Opinião Doutrinária. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 23 jul. de 2016; 494
Parecer jurídico realizado por TEPEDINO, Gustavo. Opinião Doutrinária. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 23 jul. de 2016;
144
sentido, a Constituição estabelece que a manifestação do pensamento e o direito a
informação respeitarão a inviolabilidade da intimidade da vida privada, honra e imagem
das pessoas495496.
Ao realizar a ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos da
personalidade a Presidência da República afirmou que, a priori deve-se perseguir uma
harmonia entre tais direitos, mas em não sendo possível, a liberdade de expressão,
manifestação e informação devem ceder aos direitos da privacidade, da honra, da
imagem, da intimidade, sendo estes, os limites dos primeiros497.
As biografias são publicações que envolvem exclusivamente os direitos da
personalidade, de acordo com a defesa da constitucionalidade dos artigos, apresentada
pela Presidência da República, que defendeu que não pode o direito de informação
violar aqueles, sendo, pois, imprescindível a necessidade de autorização para veiculação
das obras498. Ressalta, ainda, que a violação do direito da privacidade, por meio da
veiculação de informação de assuntos íntimos, não pode ser tida como objeto de
entretenimento e diversão do indivíduo499.
Os autores das obras biográficas possuem ao seu favor a liberdade de
expressão500, para narrar os acontecimentos sem um comprometimento com a verdade,
permitindo a manifestação de suas ideias de forma pessoal e parcial. É nesse pontonesse
495
Informação retirada da petição da AGU na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 496
Nesse sentido, a procuradora federal argumenta que: “Nos termos da Lei Maior é, portanto,
assegurado o direito de informar e ser informado, com liberdade. Mas está garantida, também a
manutenção da privacidade, da não intromissão na vida privada e familiar. Se por um lado existe a
liberdade de informar, significando que os meios de comunicação são livres para divulgar as informações
e manifestar sua opinião, criticando, informando, investigando e denunciando; por outro há os direitos
pessoais das pessoas, incluindo-se aí o direito à privacidade, que são invioláveis”. Informação retirada da
petição da AGU na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 497
Informação retirada da petição da AGU na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 498
Informação retirada da petição da AGU na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 499
O professor Alexandre de Morais nesse sentido afirma: “Encontra-se em clara e ostensiva contradição
com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, com direito à honra, à intimidade e
vida privada, converter em instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de natureza tão íntima
quanto falecimentos, padecimentos ou quaisquer desgraças alheias que não demonstrem nenhuma
finalidade pública e caráter jornalístico em sua divulgação”. Informação retirada da petição da AGU na
ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 500
Nesse sentido, ver item 3.4.
145
ponto, que reside um dos grandes problemas da publicação da obra, pois, pode
acontecer da abordagem histórica demonstrar uma narrativa que não condiz com a
realidade, ressaltando fatos irrelevantes e emitindo opiniões que levam a um juízo de
valor equivocado do personagem501.
Com base nos argumentos apresentados, a Presidência da República afirma que
não há inconstitucionalidade nos art. 20 e 21 do CC. Estes devem ser interpretados
conforme a Constituição e não resultam na precedência dos direitos das personalidades
sobre as liberdades de expressão e informação. Apenas, conferem à pessoa biografada e
as pessoas retratadas como coadjuvantes (ou seus familiares em caso de pessoas
falecidas) a possibilidade de salvaguardar os direitos personalíssimos
constitucionalmente protegidos, pois, ao converter em instrumento de diversão ou
entretenimento assuntos da natureza intima da pessoa, que não demonstram nenhuma
finalidade pública, encontra-se clara e ostensiva a contradição com o fundamento
constitucional da dignidade da pessoa humana502.
É inegável a necessidade de proteção, tanto das liberdades, quanto dos direitos
da personalidade. Não obstante, nenhum direito é absoluto. Deste modo, não é possível
admitir uma liberdade irrestrita e tampouco, numa outra ótica, uma proteção da
privacidade, da honra, da imagem dada de tal forma que levem à proibição de
veiculação de biografias por justificativas banais.
O Senado Federal apresentou sua resposta no sentido de que no país não existe
uma proibição na publicação de biografias, alegando a existência da veiculação de
inúmeras obras não autorizadas de figuras públicas. O que existe no ordenamento é uma
proteção a exploração comercial não autorizada e das publicações de conteúdo
danoso503.
De acordo com o Senado Federal, os dispositivos do Código de Civil possuem o
propósito de resguardar a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem das pessoas,
501
Informação retirada da petição da AGU na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 502
Informação retirada da petição da AGU na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 503
Informação retirada da petição do Senado Federal na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016;
146
para que tais direitos não sejam diminuídos como mercadorias, que podem ser vendidas
para a publicação de uma obra504.
Afirma, assim, que caso haja a declaração de inconstitucionalidade dos artigos
20 e 21 do Código Civil Brasileiro, o que se terá é uma abertura para a publicação de
biografias de conteúdos ofensivos, sendo que os mesmos podem ser utilizados como
conteúdos de mercantilização em detrimento da dignidade da pessoa humana. Conclui
o Senado que é um retrocesso para tutela constitucional da dignidade humana caso haja
a imunização para publicação de toda e qualquer obra bibliográfica505
.
Nesse ponto, há que ressaltar que, independentemente da nova interpretação
constitucional dada pelo STF, para a desnecessidade da autorização para publicação da
biografia, já existe uma mercantilização das obras biográficas, visto que muitos
biografados, principalmente os herdeiros no caso de pessoas falecidas, utilizam da
autorização como forma de ganharem dinheiro para permitirem o relato histórico de sua
narrativa, que muitas vezes já é de conhecimento de todos. O caso mais emblemático, já
citado neste trabalho, é do jogador Garrincha, que teve sua biografia suspensa pelo
poder judiciário porque as filhas do jogador não haviam permitido tal veiculação, que só
veio ocorrer após um acordo com valores astronômicos.
Por seu turno, instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pela
procedência do pedido, abrigando-se na alegação de que exigir autorização para a
publicação de biografia, apesar de, a priori, não ser uma restrição contra legem, sem
dúvida, afigura-se manifestamente desproporcional aos direitos da liberdade de
expressão e informação. O parquet ainda salientou que tutelar, adequadamente, a
liberdade de expressão e da informação não resulta em ofensa aos direitos da
personalidade dos biografados, haja vista que a determinação constitucional para o
equacionamento da tensão entre liberdades comunicativas e direitos da personalidade,
pela qual é banida a censura a qualquer espécie, mas reconhecido o direito da vítima do
exercício abusivo da expressão à reparação dos danos morais e materiais sofridos,
continua sendo plenamente aplicável 506.
504
Informação retirada da petição do Senado Federal na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 505
Informação retirada da petição do Senado Federal na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 506
Informação retirada da petição apresentada Ministério Público Federal na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016;
147
A advocacia Geral da União (AGU) manifestou no sentido da improcedência
do pedido e declaração da constitucionalidade dos artigos do Código Civil. A edição de
uma biografia é resultante de um extenso trabalho de pesquisa sobre a história da vida
dos personagens, sendo essa uma manifestação do direito da liberdade de expressão e
informação507
.
Acrescenta que as liberdades de manifestação e expressão não são absolutas,
sendo seu exercício limitado por outros direitos fundamentais de igual importância. Não
se pode falar, a priori, da existência de supremacia de nenhum direito fundamental sob
o outro, as colisões devem ser sanadas diante do caso concreto, por meio da técnica da
ponderação de valores508
.
Na ADI, a AGU afirma que, nas biografias, se está diante da veiculação de um
trabalho que inevitavelmente vai atingir a privacidade da pessoa a ser relatada na obra,
uma vez que detalhes íntimos despertam o interesse e a curiosidade das pessoas. Ocorre
que a confissão ou a divulgação de alguns fatos da sua esfera mais íntima cabe apenas
ao seu titular. Tem-se que somente com a concordância da pessoa tais fatos podem vir a
ser divulgados509
.
Assim, no que diz respeito à permissão para a divulgação de fatos sobre sua
vida, tendo em vista a repercussão e os danos que podem causar na vida da pessoa,
salienta a AGU que a divulgação dessas informações devem sim ser condicionadas à
autorização do indivíduo, “que é a pessoa mais apta a examinar a veracidade das
informações divulgadas e a apreciar se a propagação de aspectos de vida pessoal
reveste-se ou não de interesse social”. Nesse caso, o direito da informação deve ceder
aos direitos da personalidade 510
.
A regra, ressaltada pela AGU, de que apenas a pessoa biografada estaria apta
para avaliar se a informação possui interesse social é temerária, uma vez que se apenas
fosse permitido acesso ao conteúdo de informação eleito pelos personagens (ou por seus
507
Informação retirada da petição da AGU na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 508
Informação retirada da petição da AGU na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 509
Informação retirada da petição da AGU na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 510
Informação retirada da petição da AGU na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016;
148
familiares, no caso de pessoas falecidas), não haveria o conhecimento real e a análise
crítica do passado, até mesmo para, se for o caso, coibir o cometimento dos mesmos
erros.
Foram admitidos, ao longo de toda a ação, 7 amicus curiae, que, em suas
petições, manifestaram, em síntese, da seguinte forma: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) apresentou memorial no sentido do conhecimento e
provimento integral do pedido da ADI, trazendo como principal argumento que o artigo
20 do Código Civil constitui uma afronta ao trabalho de pesquisa, ensino e ao
desenvolvimento do conhecimento, ao impedir que, apesar de todo o esforço, resultado
de uma empreitada árdua, possa ser proibida a publicação de determinada biografia ou
ter a mesma retirada de circulação, por afronta única e exclusivamente a interesses
privados511
.
De acordo com o Instituto, ao dar poder a uma pessoa de proibir a publicação
de toda uma pesquisa histórica, cria-se uma barreira do esforço intelectual para a
produção e desenvolvimento científico de jornalistas, historiadores, intelectuais, entre
outros, permitindo que fatos e versões sejam congelados no tempo com o único objetivo
de privilegiar o interesse da pessoa relatada na obra. As decisões que impedem a
publicação e circulação das obras ferem principalmente o direito de ensinar, de
pesquisar e a promoção do desenvolvimento do conhecimento, ao barrar o acesso à
história e impossibilitar a discursão da mesma512
.
Frise-se que o Instituto propõe que, no caso de eventual erro no conteúdo de
uma obra biográfica, o melhor meio para a solução do impasse seria a publicação de
511
Informação retirada do memorial apresentado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro na
ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 512
Importante enfatizar as seguintes passagens: “(...) Qualquer obra que seja resultado de pesquisa séria,
baseada em documentos e testemunho, tem caráter acadêmico e por isso não poderia ser proibida (...). O
processo de conhecimento é feito através de afirmações e negativas, erros e acertos. A crítica é inerente
ao avanço do conhecimento, que não pode ficar na mão de personalidade ou seus herdeiros (...). A
manutenção do artigo 20 do Código Civil no ordenamento jurídico é prejudicial à liberdade de pesquisa
porque subverte a lógica dos debates científicos. Inibe o trabalho do pesquisador e, assim, a própria
produção do conhecimento. O ponto crucial dessa subversão se localiza no congelamento, ao longo do
tempo, do conjunto de informações e versões sobre determinados fatos. Impede a problematização dessas
versões e fatos, já que toda produção de textos de conteúdo biográfico foca sujeita ao crivo de
interessados”. Informação retirada do memorial apresentado pelo Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016;
149
outra biografia, por considerar que tal solução seria uma das mais adequadas por
oportunizar ao indivíduo o aprofundamento e o livre acesso ao conhecimento513.
A Associação Artigo 19 Brasil também ingressou como amicus curiae e
apresentou parecer no mesmo sentido do IHGB, reafirmando que o artigo 20 do Código
Civil constitui uma violação ao direito individual dos pesquisadores e da produção do
conhecimento514
.
A Associação também ressaltou a importância da liberdade de expressão como
direito fundamental das sociedades democráticas, considerada como condição básica
para o progresso e desenvolvimento do indivíduo, sendo que toda e qualquer limitação
possui impacto sobre a coletividade, que deixa de receber determinada informação.
Qualquer forma de restrição, portanto, deve ser excepcional e justificada515
.
Nesse passo, o princípio da proporcionalidade deve ser a bússola orientadora
dos poderes legislativo, executivo e judiciário a fim de que seja analisada a forma de
apresentação da informação e expressão para que não haja nenhuma censura516
.
A referida Associação conclui que a responsabilização por eventuais danos
causados após a publicação da biografia só poderá se dar a posteriori, pois qualquer
entendimento em sentido contrário seria caracterizado como forma de censura prévia.
No caso concreto, a proibição apenas deve ocorrer por motivos extremante relevantes,
como, por exemplo, a má fé e o intuito de prejudicar por parte do biógrafo517
.
A única Associação que ingressou como amicus curiae e manifestou em
sentido contrário quanto à constitucionalidade da interpretação dos artigos do Código
Civil foi a Associação Eduardo Banks que, em sua petição, posicionou contra a
liberação das biografias “não-autorizadas” sobre o principal argumento de que é
elemento essencial do ato jurídico, assim como, por exemplo, é necessária uma
autorização para a abertura de um estabelecimento. Isso porque a falta de autorização é
513
Informação retirada do memorial apresentado pelo Artigo 19 Brasil na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 514
Informação retirada do memorial apresentado pelo Artigo 19 Brasil na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 515
Informação retirada do memorial apresentado pelo Artigo 19 Brasil na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 516
Informação retirada do memorial apresentado pelo Artigo 19 Brasil na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 517
Informação retirada do memorial apresentado pelo Artigo 19 Brasil na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016;
150
uma janela aberta para publicações suspeitas ou apócrifas sem qualquer fundamentação
séria518.
De acordo com a referida associação, a norma civilista apenas regulamenta o
conteúdo do art. 5º, inciso V e X da Constituição brasileira, visto que a própria
Constituição, em seu art. 220, limita a liberdade de expressão dispondo que é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; a liberdade de expressão é
assegurada desde que seja salvaguardado o direito à honra e intimidade; são assegurados
o direito de resposta e a indenização por dano material e moral519.
Por fim, ressalta a Associação a proteção do direito ao esquecimento eis que é
uma “exigência do princípio da dignidade da pessoa humana o direito de ser esquecido”
520. É inegável a existência do conflito entre o direito ao esquecimento e a publicação de
biografias não autorizadas, uma vez que é inevitável que situações constrangedoras ou
vexatórias pretéritas sejam reavivadas depois de terem sido superadas pelas pessoas que
as vivenciaram. Sobretudo porque tais acontecimentos são os que despertam as maiores
curiosidades dos leitores desse gênero literário. Conclui-se que a ADI possui o único
propósito de que biografias escandalosas sejam publicadas sem a consequente
indenização521.
É inegável a absoluta importância do direito ao esquecimento para o indivíduo,
até porque o mesmo não pode ser eternamente responsabilizado por seus atos do
passado.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou como amicus curiae da
ação e pronunciou-se favorável à publicação de biografias não-autorizadas. De acordo
com a entidade:
É razoável que o público tenha assegurado seu direito de informar se acerca
daquela figura de admiração, até mesmo para que tenha plena consciência se
aquela estima manifestada é, segundo seus próprios critérios e digna de
conservação. Não se pode protege preventivamente a coletividade do livre
518
Informação retirada da petição apresentada pela Associação Eduardo Banks na ADIN 4815.
Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 519
Informação retirada do memorial apresentado pelo Artigo 19 Brasil na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 520
Para uma melhor compreensão do direito ao esquecimento é necessário que se faça a leitura do
acordão no STJ do REsp 1.334407- RJ; 521
Informação retirada do memorial apresentado pelo Artigo 19 Brasil na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016;
151
acesso a determinados conteúdos e informações, por se acreditar que estas
podem, em tese ser potencialmente danosa ou ofensiva. 522
Não se está negando a proteção dos direitos da personalidade, entretanto – e
sobretudo –, no caso de pessoas públicas, é necessário que seja dada uma menor guarida
a fim de que se proteja a liberdade de expressão e informação, direito arduamente
alcançado pela sociedade brasileira523
.
Ademais, a entidade ressalta a importância do mecanismo da ponderação dos
valores como mecanismo de solução em face ao conflito que venha a ocorrer, diante do
caso concreto, buscando a solução conciliatória e apropriada524
.
Importante ressaltar que a Ordem dos Advogados não deixa de frisar o direito
ao pleito indenizatório em caso de violação dos direitos da personalidade, podendo o
ofendido utilizar de todos os meios disponíveis para reparação do seu dano, não
deixando a pessoa pública de possuir tal direito525
.
O que se tem da análise das manifestações processuais supracitadas é que
poucas ressaltaram a importância da responsabilização no caso de dano. Afinal, não é
adequado que, em nome da liberdade, permita-se a proibição de tutelas para
salvaguardar os direitos das pessoas.
Outra Associação que ingressou como amicus curiae foi o Instituto Amigo, que
ressaltou a proteção pela Constituição Federal brasileira tanto do direito fundamental da
liberdade de expressão, de imprensa e de informação como do direito fundamental da
intimidade e da vida privada.
Caso haja um acolhimento total do pedido formulado na ADI 4815 para que
não sejam responsabilizados os autores pelo conteúdo divulgado, com exceção de
informações inverídicas, afirma o Instituo que:
522
GRAGNANI, Juliana. OAB entra no Supremo a favor das biografias não-autorizadas. FOLHA DE
SÃO PAULO. São Paulo, fev. 2014. . Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/02/1408342-oab-entra-no-supremo-a-favor-das-biografias-
nao-autorizadas.shtml. Acesso em: 18 ago. de 2014; 523
Informação retirada da peça apresentada Ordem dos Advogados do Brasil na ADIN 4815. Disponível
em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 524
Informação retirada da peça apresentada Ordem dos Advogados do Brasil na ADIN 4815. Disponível
em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 525
Informação retirada da peça apresentada Ordem dos Advogados do Brasil na ADIN 4815. Disponível
em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016
152
Reputaria na hierarquização de direitos elegendo a Liberdade de publicação
como direito que deveria se sobrepor à garantia da inviolabilidade e da
intimidade da vida privada, quando tal eleição não parece justa se feita em
abstrato, proibindo o direito a reparação de dano ou de ação contra ele, antes
que se conheça o caso concreto 526
.
Acrescenta que, caso não haja possibilidade de aplicação da responsabilidade
nos casos de eventuais danos, o que se teria é um esvaziamento dos direitos da
personalidade dos biografados e de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus
familiares, em caso de pessoas falecidas) 527
.
O Instituto ressalva a importância da obra biográfica como manifestação da
liberdade de informação e de expressão. De outro modo, é também direito do
biografado ter asseguradas a sua privacidade e intimidade, mesmo que alguns fatos
relacionados à pessoa possam interessar a alguns, a curiosidade alheia não pode
prevalecer sobre a intimidade do biografado e das pessoas que o cercam528
.No caso da
ocorrência de danos a tais pessoas, os mesmos devem ser reparados, combatidos e
evitados. Impedir a indenização ou qualquer forma de reparação, de acordo com
Instituto, é ir contra a própria vigência da Constituição529
.
De acordo com o Instituto Amigo, a publicação de uma biografia sem a
necessidade de autorização apenas poderia ocorrer se, ao mesmo tempo, estivesse
resguardada a responsabilidade do que é escrito, por meio de qualquer espécie de tutela
a fim de reparar, evitar ou impedir o dano. A dimensão do dano apenas é definida diante
do caso concreto530.
526
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto Amigo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 527
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto Amigo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 528
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto Amigo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 529
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto Amigo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 530
Assevera a petição do Instituto Amigo: “Aspectos da vida do biografado envolvem muito mais do que
sua própria vida e sua esfera moral, pois está inserida em outros contextos e suas situações de vida
narradas invariavelmente envolvem a esfera de aspectos muitas vezes de aspectos privados de outras
pessoas também. Sob esse aspecto, o direito de ação, de apreciação do judiciário, o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; e a inviolabilidade
da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, e o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação, previstos na Constituição, a fim de não serem relegados
153
Com base no exposto, o Instituto Amigo propõe que haja uma interpretação do
artigo 20 e 21 do Código Civil de modo que seja autorizada a publicação de biografias
de caráter cultural e histórico, sem a necessidade de autorização prévia, desde que tais
informações atendam o interesse público sem, contudo, ferir a privacidade e intimidade
do biografado e resguardando possíveis responsabilidades decorrentes da publicação.
O Instituto Amigo conclui pela improcedência do pedido da ADI, visto que,
nos termos apresentados na exordial, tolheria a reparação de dano à honra e à imagem
das pessoas biografadas e de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus
familiares, em caso de pessoas falecidas), o que acarretaria na violação de outro
princípios igualmente assegurados pela Constituição, como o direito à inviolabilidade
da intimidade, da vida privada, da honra e à imagem das pessoas, o direito de petição, o
acesso ao judiciário e até mesmo o devido processo legal e o Estado Democrático de
Direito531
.
Acrescenta que, em caso de diferente entendimento, a Corte julgue
parcialmente procedente para que fosse afastada a necessidade de autorização para a
veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais, preservando, entretanto, o
direito a eventuais indenizações por danos morais ou materiais decorrentes da violação
do direito de personalidade, do direito de resposta proporcional ao agravo e do direito à
garantia de qualquer tutela, inclusive inibitória e penal, a fim de defender tais direitos,
resguardando, assim, direito de petição, do acesso ao judiciário e até mesmo do devido
processo legal e do Estado Democrático de Direito532
.
Um dos documentos anexados ao processo pelo Instituto Amigo foi o parecer
realizado pela professora Ana Paula Barcellos sobre a liberdade de expressão e de
informação, biografias e as tutelas específica e indenizatória admitidas533
.
deverão servir de freio e contra peso quando houver situações causadoras de danos a direitos individuais
não só do biografado mas também daqueles que participam de sua vida”. Informação retirada da peça
apresentada pelo Instituto Amigo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 531
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto Amigo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 532
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto Amigo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 533
Informação retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de
São Paulo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016
154
Assim como nas outras petições, a importância da liberdade de expressão e dos
direitos da personalidade e o conflito existente entre os mesmos quando da publicação
de biografia foi destacada. Para a solução do conflito, ressaltou-se a existência de três
modelos, a saber: a) indenização posterior como única forma de tutela disponível para
violações à intimidade; b) direito potestativo do indivíduo de definir o que integra a sua
intimidade; e c) inviabilidade de hierarquização das liberdades de expressão e
informação em face da intimidade. Possibilidade de tutela tanto específica quanto
indenizatória para a proteção de direito personalíssimo534
.
O primeiro modelo, de forma extremista, sustenta que, no caso do conflito
entre a liberdade de expressão e informação e o direito à intimidade e vida privada, os
primeiros devem sempre prevalecer, condenando o culpado, se for o caso de violação
aos segundos direitos, a pagar uma indenização posteriormente. Nesse modelo, o
próprio autor da publicação avalia e decide o que faz parte da intimidade e da vida
privada de terceiros. O Poder Judiciário não poderia atuar para impedir ou proibir a
publicação, pois isso seria considerado como espécie de censura judicial. Assim, “para
alguns autores que sustentam essa posição, a violação à intimidade e à vida privada
seria um mal menor, que deveria ser tolerado em prol da liberdade de informação” 535
.
Esse é o modelo adotado pelo autor da ADI 4815 e por grande parte dos amicus curiae
que ingressaram na ação.
Esse primeiro modelo não tolera restrições à liberdade de expressão e uma
possível violação à intimidade deve ser reparada por meio de indenização a posteriori.
A liberdade de informação, nesse contexto, assume um papel de “superioridade rígida”,
já que nem mesmo o Judiciário, no caso de ameaça identificada à lesão a direitos da
personalidade, poderá intervir para evitar ou proibir a veiculação da obra biográfica536
.
Nesse escopo, o primeiro modelo apresenta-se incompatível com a Constituição
brasileira, conforme assevera a autora do parecer. Não existe a possibilidade de se falar
534
Informação retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de
São Paulo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 535
Informação retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de
São Paulo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 536
Informação retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de
São Paulo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016
155
em hierarquia abstrata dos direitos fundamentais, pois gozam do mesmo status
constitucional e possuem o múnus de proteção à dignidade da pessoa humana. Tal
modelo também viola o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário ao impedir a
apreciação pelo judiciário a ameaça de lesão aos direitos da personalidade537
.
De acordo com a Constituição, qualquer pessoa possui o direito de socorrer do
Judiciário tanto de forma repressiva nos casos em que já exista o dano, como de forma
preventiva na iminência de acontecer a lesão. Não fazendo, portanto, qualquer sentido a
possibilidade de fixação de condenação pecuniária posteriormente538
.
O segundo modelo, também de forma extremista, só que em relação à
intimidade e à vida privada, afirma que tais direitos são “trunfos do indivíduo contra
intromissões internas”, cabendo a cada pessoa, com exclusividade, controlar o seu fluxo
de informação. O próprio indivíduo define o que integra ou não a sua intimidade,
controlando, portanto, o fluxo livre da informação, não podendo o poder judiciário rever
a questão se a informação é ou não pertencente ao campo da vida privada da pessoa539
.
Verifica-se, nesse segundo modelo, uma hierarquia da intimidade e vida
privada, o que também não é admitido pela Constituição Federal. De acordo com o
autor da ADI, esse é o modelo que vem sendo utilizado na interpretação dos artigos do
Código Civil540
.
Por fim, o terceiro e último modelo é intermediário ao sinalizar que cabe ao
Poder Judiciário, diante do caso concreto, realizar uma ponderação no conflito para
julgar se há ou não ameaça de lesão ou efetivo dano na vida privada e intimidade. E em
caso positivo, poderá decidir as providências a serem tomadas, qual seja, se uma tutela
537
Informação retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de
São Paulo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 538
Informação retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de
São Paulo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 539
Informação retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de
São Paulo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 540
Informação retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de
São Paulo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016
156
preventiva ou uma tutela reparatória. Esse é o único modelo compatível com a
Constituição Federal541
.
Nesse sentido, afirma a professora Ana Paula de Barcellos:
(...) conflitos entre liberdade de expressão e de informação de um lado, e
inviolabilidade da intimidade e da vida provada, de outro, terão de ser
solucionados pelo juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, por meio
de um raciocínio ponderativo que leve em conta a posição preferencial das
liberdades, mas proteja igualmente os direitos personalíssimos dos afetados,
podendo envolver a determinação de tutela específica e/ou indenizatória. A
Constituição de 1988 não admite que se vede a possibilidade de tutela
específica – legitimando eventuais violações a direito e limitando o acesso à
Justiça a eventual indenização posterior -, nem que se atribua um direito
potestativo ao indivíduo de definir o pode ou não ser publicado a seu respeito
(...)542
.
A aplicação do terceiro modelo é a mais adequada para a solução do conflito
existente entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade por considerar
inadmissível a existência de direitos absolutos, sendo que até mesmo a liberdade de
expressão possui limites. Isso não implica dizer que se queda esvaziado o exercício da
liberdade pela mera limitação. O que esse modelo oferece é a coerente aplicação da
ponderação de modo a possibilitar, na justa medida, o exercício de ambos direitos diante
de cada caso concreto.
Por fim, o Instituto dos Advogados de São Paulo, denominado e identificado
como IASP, também ingressou como amicus curiae, apresentando sua petição com o
argumento de que a interpretação mais ponderada dos artigos do Código Civil é a da
desnecessidade da autorização para a publicação de biografia, entretanto, ressaltou que
principalmente no caso de pessoas falecidas, as informações devem restringir ao registro
histórico e ao interesse público, observando, ainda, os direitos da privacidade e
intimidade dos biografados, sem prejuízo da aplicação da responsabilidade civil no que
couber543.
541
Informação retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de
São Paulo na ADIN 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 542
Informação retirada do parecer de Ana Paula de Barcellos anexado pelo Instituto dos Advogados de
São Paulo na ADIN 4815, pag. 52. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 543
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo na ADIN 4815.
Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016
157
O IASP também fez a defesa da tutela preventiva para socorrer a violação a
direitos da personalidade decorrentes de violações extrapatrimoniais544
.
Como já foi analisado no decorrer do trabalho, a tutela inibitória possui o
objetivo de preservar a prática de um ilícito, quando este está prestes a ocorrer, evitando
um possível dano futuro. Nesse escopo, afirma o IASP que a proteção dos direitos da
personalidade adéqua perfeitamente ao instituto da tutela inibitória e que, portanto,
mesmo após o reconhecimento da dispensa da autorização, não há é proibido que
indivíduo que esteja na iminência de sofrer um dano faça uso da referida tutela545
.
Ressalta o IASP que, na aplicação da técnica do sopesamento, orientada pela
aplicação do princípio da proporcionalidade entre os princípios em questão, não pode
haver uma posição preferencial da liberdade de expressão ao ponto de serem
desrespeitados os direitos e garantias individuais indispensáveis na proteção da
dignidade da pessoa humana546
.
Nesse sentido, a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem devem ser
asseguradas contra qualquer “interesse do público por bisbilhotice”, sem, contudo,
deixar de considerar a importância de determinados fatos sobre a história e cultura da
sociedade547548.
544
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo na ADIN 4815.
Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 545
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo na ADIN 4815.
Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 546
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo na ADIN 4815.
Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016 547
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo na ADIN 4815.
Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 548
Importante ressaltar a importância das pessoas públicas na história de toda uma nação, daí porque sua
esfera a intimidade é menor, mas, ainda resguardada. Nesse sentido, é a passagem do professor Adriano
de Cupis, citado na petição do Instituto dos Advogados de São Paulo: “As pessoas de certa notoriedade,
assim como não podem opor-se à difusão da própria imagem, igualmente não podem opor-se à
divulgação dos acontecimentos de sua vida. O interesse público sobreleva, nesses casos, o interesse
privado; o povo, assim como tem interesse em conhecer a imagem dos homens céleres, também aspira
conhecer o curso e os passos de sua vida, as suas ações e as suas conquistas; e, de facto, só através de tal
conhecimento pode forma-se um juízo sobre seu valor. Mesmo nestes casos, por outro lado, as exigências
do público detêm-se perante a esfera íntima, e, além disso, as mesmas exigências são satisfeitas pelo
modo menos prejudicial para o interesse individual, será, portanto, lícita a biografia, mas ilícita a
narrativa romanceada ou dramatizada, que não é necessária para exposição dos factos pessoais”.
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo na ADIN 4815, pag.
24. Disponível em:
158
A grande questão que o IASP trouxe para o julgamento da ação foi a ressalva
de se assegurar a responsabilidade civil, ressaltando que a mesma não pode ser
excepcionada como pleiteado na petição inicial, visto que a permissão para a publicação
das biografias não legitima um sistema de irresponsabilidade. Mesmo nos casos das
publicações autorizadas, a responsabilidade vai prevalecer quando acontecerem abusos
ou violações ao direito. Nesse sentido, a editora é a responsável pela verificação do
conteúdo, garantindo a eficácia do direito de informar e comunicar e protegendo os
direitos da personalidade549
.
Para dar embasamento a tais argumentos, foi juntada à petição do IASP o artigo
da professora Silmara Juny de Abreu Chinellato, intitulado Direitos da personalidade: o
art. 20 do Código Civil e a biografia de pessoas notórias. O documento ressalta que no
que se refere à responsabilidade dos biógrafos nos moldes questionados na petição
inicial, a interpretação deve se dar no sentido de permitir a publicação da biografia e a
isenção de qualquer responsabilidade por essa publicação. Entretanto, essa isenção não
poderá ser admitida, pois a Constituição e a legislação civil já preveem que, na
ocorrência de danos morais e matérias, a pessoa que os gerou é responsável pela sua
reparação. Se existir dano ao biografado com a possibilidade de publicação de uma
futura biografia, o mesmo poderá ingressar no Judiciário pedindo reparação dos danos
ou por meio da tutela preventiva para que não sejam sequer violados os seus direitos550
.
Um dos principais fatos no andamento da ação foi a realização da audiência
pública no dia 21 de novembro de 2013. De acordo com a ministra Carmen Lúcia,
relatora do processo, o caso é de interesse de toda a sociedade. "A matéria versada na ação
ultrapassa os limites de interesses específicos da entidade autora ou mesmo apenas de
pessoas que poderiam figurar como biografados, repercutindo em valores fundamentais dos
indivíduos e da sociedade brasileira” 551
.
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 de jul. de 2016; 549
Informação retirada da peça apresentada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo na ADIN 4815.
Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 19 jul. de 2016; 550
CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Direitos da personalidade: o art. 20 do Código Civil e a
biografia de pessoas notórias. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5763201&ad=s#119%20-
%20Documentos%20comprobat%F3rios%20-%20Documentos%20comprobat%F3rios%201. Acesso em:
27 jul. de 2016; 551
GOIS, Chico de. Ministra do STF diz que libera parecer sobre biografias não autorizadas até o início
de dezembro. O GLOBO, São Paulo, 21 nov. de 2013.. Disponível em:
159
Por quase cinco horas, 17 líderes de associações representadas por jornalistas,
produtores de cinema, escritores, pesquisadores, professores, políticos e advogados
defenderam suas ideias sobre o que uns chamam de censura e outros de autorização
prévia. Dos 17 expositores, apenas dois falaram pela necessidade da autorização prévia:
o deputado federal Marcos Rogério (PDT-RO) e o advogado da Associação Eduardo
Banks, Ralph Lichote552
.
Faz-se necessário ressaltar a importância da audiência pública visto ser um
instrumento de democracia ao oportunizar ao órgão colegiado um conhecimento mais
profundo de todas as questões envolvendo o conflito, o que inevitavelmente redundará
numa decisão mais acertada. Nunca esquecendo que uma decisão dessa magnitude deve
ter por norte a necessidade inarredável de proteção dos direitos fundamentais da melhor
forma possível. Não pode ocorrer, como no caso em tela, a preponderância apenas de
um lado da argumentação. Devem ser proporcionadas a todos os lados as mesmas
garantias553
.
Diante de todo o exposto e dos argumentos apresentados no decorrer da ADI
4815, é possível observar que o questionamento se centra na necessidade ou não da
autorização para publicação de biografia e se eventuais restrições podem constituir uma
espécie de censura prévia, ou seja, um limite à liberdade de expressão.
Tal questionamento perpassa sobre o problema da colisão dos direitos
fundamentais da liberdade de expressão, informação e os direitos da personalidade. O
direito à liberdade de expressão e informação está atrelado ao acesso da sociedade ao
conhecimento, essencial para existência de um regime democrático e imprescindível
para formação de indivíduos informados. De outro ponto, o direito da personalidade
possui como fim assegurar a própria dignidade humana.
A biografia é um dos meios existentes para repassar o conhecimento, afinal,
fatos e histórias são estudados e conhecidos ao longo do tempo através desse gênero
literário. Ocorre que as histórias são reveladas a partir dos seus personagens e esses
http://oglobo.globo.com/cultura/ministra-do-stf-diz-que-libera-parecer-sobre-biografias-nao-autorizadas-
ate-inicio-de-dezembro-10838055. Acesso em: 18 ago. de 2014; 552
Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=254008&caixaBusca=N. Acesso em:
18 ago.de 2014; 553
RABELO, Raquel Santana. Autorização para publicação de biografias. In: CUSTÓDIO, Maraluce
Maria; ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência.
Belo Horizonte: CONPEDI, 2015, 34p. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/L6o6OWsJT2CfIb1D.pdf>
160
possuem, muitas das vezes, sua vida investigada e seus direitos da personalidade
esvaziados para que se consiga transmitir a história e a informação.
Por fim, o STF teve que se pronunciar sobre a questão da autorização da
biografia, analisando o conflito dos direitos fundamentais supracitados, não deixando de
analisar o direito da responsabilidade e as tutelas disponíveis à pessoa biografada no
caso de lesão aos seus direitos da personalidade.
5.3 Análise da Decisão
Por unanimidade, o STF julgou procedente o pedido formulado na ADI 4851
para dar interpretação conforme a Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem
redução de texto, em concordância com os direitos fundamentais à liberdade de
pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, para declarar
desnecessária a autorização da pessoa biografada e das pessoas retratadas como
coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) relativamente a
publicação de obras literárias ou audiovisuais554. Foi proferido o seguinte acordão:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 20
E 21 DA LEI N. 10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL). PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA. REQUISITOS LEGAIS
OBSERVADOS. MÉRITO: APARENTE CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE
INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E CULTURAL, INDEPENDENTE DE
CENSURA OU AUTORIZAÇÃO PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV, IX, XIV;
220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA
PRIVADA, HONRA E IMAGEM DAS PESSOAS (ART. 5º, INC. X).
ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO
DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA
(ESTATAL OU PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE
INDENIZAÇÃO E DE DIREITO DE RESPOSTA. AÇÃO DIRETA
JULGADA PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME
À CONSTITUIÇÃO AOS ARTS. 20 E 21 DO CÓDIGO CIVIL, SEM
REDUÇÃO DE TEXTO. 1. A Associação Nacional dos Editores de Livros -
Anel congrega a classe dos editores, considerados, para fins estatutários, a
pessoa natural ou jurídica à qual se atribui o direito de reprodução de obra
literária, artística ou científica, podendo publicá-la e divulgá-la. A correlação
entre o conteúdo da norma impugnada e os objetivos da Autora preenche o
requisito de pertinência temática e a presença de seus associados em nove
Estados da Federação comprova sua representação nacional, nos termos da
jurisprudência deste Supremo Tribunal. Preliminar de ilegitimidade ativa
rejeitada. 2. O objeto da presente ação restringe-se à interpretação dos arts.
20 e 21 do Código Civil relativas à divulgação de escritos, à transmissão da
palavra, à produção, publicação, exposição ou utilização da imagem de
554
Decisão disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1
ago. de 2016;
161
pessoa biografada. 3. A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O
exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceada pelo
Estado ou por particular. 4. O direito de informação, constitucionalmente
garantido, contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado.
O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual
dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse
da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-
sociais, interferem em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender
sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações. 5. Biografia é história.
A vida não se desenvolve apenas a partir da soleira da porta de casa. 6.
Autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular. O
recolhimento de obras é censura judicial, a substituir a administrativa. O risco
é próprio do viver. Erros corrigem-se segundo o direito, não se coartando
liberdades conquistadas. A reparação de danos e o direito de resposta devem
ser exercidos nos termos da lei. 7. A liberdade é constitucionalmente
garantida, não se podendo anular por outra norma constitucional (inc. IV do
art. 60), menos ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que
sob o argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito
constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade do direito à
intimidade, à privacidade, à honra e à imagem. 8. Para a coexistência das
normas constitucionais dos incs. IV, IX e X do art. 5º, há de se acolher o
balanceamento de direitos, conjugando-se o direito às liberdades com a
inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da
pessoa biografada e daqueles que pretendem elaborar as biografias. 9. Ação
direta julgada procedente para dar interpretação conforme à Constituição aos
arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância
com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão,
de criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de
pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou
audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas
como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou
ausentes).555
Importante ressaltar que foi suscitada, no decorrer da ADI 4815, pela
Associação Eduardo Banks, admitida no processo como amicus curiae, a ilegitimidade
da Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL), integrante do polo ativo da
lide. A alegação da Associação Eduardo Banks se refere ao fato de que a ANEL
representa categoria econômica e, por isso, não estaria autorizada a figurar no polo ativo
na demanda. O STF, por seu turno, não acolheu o pedido, afirmando que a correlação
entre o conteúdo da norma impugnada atrelado ao que pretende a autora é o suficiente
para preencher o requisito de pertinência temática556.
Depreende-se da análise da decisão do STF que, apesar do julgamento da ADI
4815 ter sido um marco muito importante para a salvaguarda da liberdade de expressão,
555 ADI 4815, Ementa, pag. 1. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Publicado em 01/02/2016. Disponível
em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016; 556
Decisão disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1
ago. de 2016;
162
de informação e de ensino no Brasil, tal julgamento deixou a desejar ao não adentrar em
questões mais polêmicas, esquivando-se em estabelecer alguns parâmetros decisórios e
restringindo a análise da necessidade da autorização para a publicação de biografia557.
Assim, será feita abaixo uma análise dos pontos mais importantes dos votos
proferidos pelos ministros com as devidas considerações e, ao final, sobre a omissão em
algumas questões.
No seu voto, a relatora Ministra Carmem Lúcia afirmou a importância do
direito da liberdade de expressão, sendo tal direito essencial para a vivência humana.
Ressaltou que a Constituição da República declara como fundamental o direito
da liberdade de informação, pensamento, intelectual, cultural, artística e científica e de
expressão. Entretanto, faz a ressalva que a referida Constituição também assegura a
inviolabilidade da privacidade, da intimidade, da imagem e da honra. Tendo a ação
como parâmetros constitucionais os incisos IV, V, IX, X e XIV do art. 5º e os
parágrafos 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República e nas normas legais os
artigos 20 e 21 do Código Civil558
.
A análise da matéria perpassa, assim, pela extensão do conteúdo do exercício
constitucional à expressão livre do pensamento, da atividade intelectual artística e
comunicação dos biografados de um lado e, de outro lado, o direito à inviolabilidade da
privacidade e da intimidade dos biografados e de seus familiares559
.
É inegável que a partir do momento em que as sociedades evoluem e se
transformam, o direito à liberdade de expressão modifica-se a fim de que se possa
tutelar todos os anseios da sociedade. A modernidade mostra desafios novos quanto ao
exercício de tal direito. A pluralidade das formas de transmissão da expressão amplia os
conceitos tradicionais até então pensados nos ordenamentos jurídicos e necessitam da
imposição de novas formas de pensar o Direito, de se expressar sem que ocorra o
esvaziamento de outros direitos como o da privacidade e intimidade560.
557
LOPES, Eduardo Lasmar Prado. Um esboço das biografias no Brasil: a liberdade de expressão, a
personalidade e constituição de 1988. São Paulo: Almedina, 2015, p. 103;
558
Decisão disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago.
de 2016; 559
Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815. Decisão disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago.
de 2016; 560
Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag. 38. Decisão disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1
ago. de 2016;
163
Certifica a Ministra Carmem Lúcia que os “Direitos fundamentais são de
titularidade de toda pessoa, como são de responsabilidade de todos, de cumprimento
obrigatório em relação ao outro independente de sua condição e natureza” 561
.
No caso de violações a tais direitos, “o que pode acontecer pelas características
humanas”, o autor das ofensas responderá pela transgressão do modo como a
Constituição traça, através da indenização ou de outra forma prevista em lei562
.
A Ministra ressalta que nenhuma medida pode abolir o direito da liberdade de
ninguém, afirmando que: “No caso do escrito, proibindo-se, recolhendo-se a obra,
impedindo a circulação, calando-se não apenas a palavra do outro, mas amordaçando-se
a história. Pois a história humana faz-se de histórias dos humanos, ou seja, de todos
nós” 563
.
O exercício do direito da liberdade de expressão não pode ser cerceado. A
censura consiste na forma de controlar informações, da liberdade de se expressar,
prejudica a produção de ideias e impede a circulação do pensamento. O sistema
constitucional brasileiro traz em seu bojo a proibição de qualquer censura, essa vedação
é aplicada tanto ao Estado como aos particulares564
.
Ressalte-se que a Ministra Carmem Lucia afirma que não há direito absoluto e,
assim sendo, é possível que ocorram restrições, de forma excepcional, ao exercício do
direito da liberdade da expressão desde que estabelecidas em leis e se harmonizem com
outros princípios também fundamentais em uma sociedade democrática. Destaca-se que:
“qualquer limitação ao exercício dos direitos fundamentais deve conduzir-se pela
conclusão de serem os danos produzidos maiores que os causados ao interesse público
se a informação retida” 565.
Nesse escopo, não poderia ser admitida uma interpretação dos dispositivos
civis, com o objetivo de impedir a circulação de biografias, visto que as mesmas
561
Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag. 42. Decisão disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 .Acesso em: 1 ago.
de 2016; 562
Decisão disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago.
de 2016;; 563
Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag.8. Decisão disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago.
de 2016; 564
Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag.53. Decisão disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago.
de 2016; 565
Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag.66. Decisão disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 . Acesso em: 1 ago.
de 2016;
164
possuem uma função social de extrema importância no conhecimento da história.
Submeter a publicação de obras biográficas ao consentimento dos biografados é uma
espécie de censura privada, o que não é constitucionalmente admissível566
.
Salienta a Ministra que o excesso na divulgação da informação é passível de
indenização desde que devidamente demonstrado o dano e nos limites do que é
estabelecido na Constituição.
Com base no exposto, em conformidade com os direitos fundamentais da
liberdade de expressão, de pensamento, de criação artística e produção científica, afirma
a Ministra ser inexigível o consentimento dos biografados e de seus familiares no caso
de pessoa falecida ou coadjuvante para publicação de obras biográficas, literárias ou
audiovisuais.
No seu voto, o Ministro Luís Roberto Barroso primeiramente ressaltou a
complexidade das sociedades contemporâneas. Afirmou que são plurais e abertas e, por
tal situação, deparam constantemente com colisões de valores contrapostos. Sobre esse
prisma, a ADI 4815 é mais um exemplo de tensão entre o direito da liberdade de
expressão e os direitos da personalidade567
.
O Ministro ressalta que, diante da existência de conflitos entre normas
constitucionais que abrigam valores diversos, é necessário que seja aplicada a técnica da
ponderação, tendo como um dos princípios norteadores a unidade que traz, em seu bojo,
a afirmação de que inexiste qualquer hierarquia entre as normas previstas na
Constituição568
.
Dessa feita, o Ministro afirma que a técnica da ponderação deve ser aplicada
em três etapas, da seguinte forma:
Na primeira delas, verifica-se quais são as normas que postulam incidência
sobre aquela hipótese. No nosso caso concreto, são as normas que protegem a
liberdade de expressão e o direito de informação, e as normas que protegem a
566
Ressalta a Ministra Carmem Lúcia: “norma infraconstitucional não pode cercear ou restringir direitos
fundamentais constitucionais, ainda que sob pretexto de estabelecer formas de proteção, impondo
condições ao exercício da liberdade de forma diversa daquela constitucionalmente permitida, o que impõe
se busque a interpretação que compatibilize a regra civil com a sua norma fundante, sob pena de não
poder persistir no sistema jurídico”. Voto da Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI 4815, pag.9.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4271057 .
Acesso em: 1 ago de 2016; 567 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016 568 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016
165
privacidade, a imagem e a honra. A segunda etapa da ponderação exige que
se verifiquem quais são os fatores relevantes. E, na terceira e última etapa,
testam-se as soluções possíveis. E o ideal é que se produza a concordância
prática das normas em conflito, eventualmente com concessões recíprocas.
No limite, porém, muitas vezes, na hipótese de colisão de direitos
fundamentais, é inevitável que se façam determinadas escolhas. Essa
ponderação pode ser feita pelo legislador, em tese, ou pode ser feita pelo
aplicador da lei, pelo juiz ou tribunal, em cada caso concreto 569570
.
Assim, nos casos em que existam tensões de normas constitucionais, deve-se
buscar a “concordância prática” entre os preceitos em conflito a fim de se garantir que
tais normas sejam preservadas da melhor forma possível.571
.
No que concerne às biografias, afirma o Ministro que a liberdade de expressão,
nesse caso, possui uma dupla dimensão. A primeira atrelada à liberdade da criação
intelectual e artística; e a segunda manifesta no direito do indivíduo em receber
informações e o direito da sociedade na proteção da memória e história nacionais572
.
No caso concreto, o Código Civil estabeleceu uma subordinação da liberdade
de expressão aos direitos da personalidade, o que seria uma violação ao princípio da
unidade da Constituição ao estabelecer de forma hierárquica a prevalência de um direito
fundamental. Ademais, tal previsão é uma afronta à liberdade de expressão, sendo que
essa goza de uma posição preferencial573
.
Ressalta-se que a afirmação de que a liberdade de expressão goza de uma
posição preferencial574 não é a mesma coisa que hierarquizá-la, visto que a preferência
consiste em uma transferência de ônus argumentativo, quem deseja afastá-la deverá
demonstrar seus argumentos e razões do seu direito superador, pois, a princípio, a
569 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815, pag. 2. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016 570
Há que ressaltar que a técnica da ponderação é a defendida neste trabalho para solução de conflitos de
direitos fundamentais. 571 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815, Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016 572 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016; 573 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016 574 O Ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou a que: “A Carta de 88 incorporou um sistema de proteção
reforçado à liberdade de expressão, informação e imprensa, reconhecendo uma prioridade prima facie
destas liberdades públicas na colisão com outros interesses juridicamente tutelados, inclusive com os
direitos da personalidade”. Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815, pag. 7. Disponível em
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016;
166
liberdade de expressão deve prevalecer. Em razão dessa posição, é forte a suspeição de
qualquer limitação à liberdade de expressão, sendo proibida a censura575576.
A posição preferencial é defendida pelo Ministro pelas seguintes razões: a
primeira está relacionada ao passado do país, que foi fortemente marcado por censuras,
regimes de exceções e controle da imprensa; a segunda está ligada à fundamental
importância da liberdade de expressão na existência e autonomia de outros direitos; a
última razão é o fato de a liberdade ser essencial para ter acesso ao conhecimento
histórico, conservação da memória e avanço social577
.
Por fim, o Ministro afirma que a censura prévia ou licença prévia são vedadas
pela Constituição e, assim sendo, qualquer forma de sanção ao abuso do direito da
liberdade de expressão deve ser feita de modo “a posteriori e não impeditivas da
veiculação da fala da manifestação”, sendo que os mecanismos a posteriori são:
retratação, retificação, direito de resposta, indenização e a responsabilização penal578
.
Nesse escopo, o Ministro Luiz Roberto Barroso acompanhou o voto da
Relatora para julgar procedente a ação, declarando:
A inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos dispositivos
impugnados para, mediante interpretação conforme a Constituição, afastar do
ordenamento jurídico a necessidade de consentimento dos biografados,
demais pessoas retratadas ou de seus familiares para publicação e veiculação
de obras biográficas 579.
575 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016 576
Ressalta o Ministro sobre a liberdade de expressão: “a liberdade de expressão não é uma garantia de
verdade, nem é garantia de justiça; ela é uma garantia da democracia, e, portanto, defender a liberdade de
expressão pode significar ter que conviver com a injustiça, ter eventualmente que conviver com a
inverdade. Isso é especialmente válido para as pessoas públicas, sejamos nós agentes públicos, sejam os
artistas. E eu penso que na vida nada é mais revelador da convicção de alguém sobre alguma matéria do
que se colocar no lugar da vítima ou ter experimentado pessoalmente o que é, por vezes, o abuso da
liberdade da expressão”. Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815, pag. 9. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016; 577 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016 578 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4271057. Acesso em: 12 ago de 2016 579 Voto Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago de 2016;
167
A Ministra Rosa Weber julgou procedente o pedido para declarar a
inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos art. 20 e 21 da Lei Federal nº
10.406/2002 (Código Civil). Nas palavras da Ministra:
A fim de, compatibilizando a sua exegese com os art. 5º, IV, IX, XIV, 205,
206, II, 215, caput e § 3º, II e 220 da Constituição da República, reputar
inexigível o consentimento da pessoa biografada e, a fortiori, das pessoas
retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares no caso de pessoas
falecidas), para a publicação ou veiculação de obras de cunho biográfico,
sejam elas obras literárias, audiovisuais ou fixadas qualquer outro suporte
tecnológico580
.
Em seu voto, a Ministra salienta a relevância das biografias como um instrumento de
incentivo à reflexão ao proporcionar ao indivíduo um maior conhecimento sobre os
principais acontecimentos em uma sociedade, visto que, ao narrar a história do
biografado, não se conhece apenas sua história, mas, também, a da própria sociedade581
.
Tem-se que a biografia é uma manifestação da liberdade de expressão e, assim sendo,
eventuais restrições a essa liberdade devem apenas ocorrer nos limites materiais
estabelecidos pela lei fundamental582
.
É importante reforçar que a Constituição Federal brasileira de 1988 assegura, de forma
ampla, a liberdade à manifestação do pensamento e à informação sob qualquer maneira,
sendo vedada a prática de censura583
. Sob esse prisma, afirmou a Ministra que:
A sujeição da publicação de obra de caráter biográfico à previa autorização
ou licença da pessoa biografada e de outras pessoas retratadas como
coadjuvantes (ou de seus familiares no caso de pessoas falecidas) aniquila a
proteção às liberdades de manifestação do pensamento, de expressão da
atividade intelectual, artística e científica e de informação, golpeadas em seu
núcleo essencial 584
.
580 Voto Ministra Rosa Weber na ADI 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago de 2016; 581 Voto Ministra Rosa Weber na ADI 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago de 2016; 582 Voto Ministra Rosa Weber na ADI 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago de 2016 583 Voto Ministra Rosa Weber na ADI 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago de 2016 584 Voto Ministra Rosa Weber na ADI 4815, pag. 11. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016;
168
Não obstante o direito da privacidade também ser uma garantia fundamental,
assim como os direitos correlatos da intimidade, honra e imagem, tais garantias não se
prestam a estabelecer restrições de publicações de biografias visto que as histórias
tratadas na obra são de interesse público e estão fora do alcance de proteção desses
direitos585
.
Por fim, conclui a Ministra que, caso a atividade intelectual do biógrafo se
submeta a apenas os casos de divulgações autorizadas, ocasionará uma destruição deste
gênero literário, com efeitos extremante danosos para as ciências sociais, bem como os
estudos antropológicos, filosóficos e históricos: “Enquanto no restante do mundo
democrático continuarão a ser escritas biografias, no Brasil só haverá hagiografias”586
.
O Ministro Luiz Fux acompanhou integralmente o voto da Ministra Carmem
Lúcia para “julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade para dar
interpretação conforme a Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil”, nos termos
do voto da relatora587
.
Em seu voto, limitou-se à questão da censura prévia nas biografias, ressaltando
que, além da defesa da antijuricidade da censura, os limites éticos da informação devem
ser baseados em fatos verdadeiros e fontes legítimas. A dignidade da pessoa humana é a
garantia mínima contra eventuais excessos praticados. Caso haja a existência de
qualquer desvio ou abuso ao direito, a própria Constituição dispõe sobre a reparação dos
danos morais e materiais e a concessão do direito de resposta588
..
Importante ressaltar que, de acordo com o Ministro, o biografado, ao adquirir o
status de figura pública, acaba por ter diminuída sua intimidade e privacidade, na
medida em que é dada à coletividade o direito de conhecer em profundidade a pessoa
585 Voto Ministra Rosa Weber na ADI 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016; 586 Voto Ministra Rosa Weber na ADI 4815, pag. 19. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057> Acesso em: 12 ago. de 2016; 587 Voto Ministra Luiz Fux na ADI 4815, pag. 6. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016; 588 Voto Ministra Luiz Fux na ADI 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016;
169
que levou ao enaltecimento. Isso acontece porque a publicidade é atributo conferido à
pessoa pública, não por si mesma, mas pela própria coletividade589.
O Ministro Marco Aurélio julgou procedente o pedido e limitou-se a ressaltar a
importância dada, principalmente pela mídia, ao julgamento da ADI 4815 e, ao
acompanhar o voto da relatora, frisou que a publicidade adquirida pelo biografado
confere limitação à vida privada, tornando-se “um verdadeiro livro aberto”. Salientou,
ainda, a necessidade da preservação da memória por intermédio da publicação de
biografias590
.
O Ministro Dias Toffoli pondera que a biografia constitui um importante
gênero literário para o conhecimento histórico e cultural do indivíduo. Inevitavelmente,
ao narrar a trajetória de uma pessoa, se poderá adentrar nos aspectos privados da vida da
mesma. Porém, afirma o ministro que:
A interpretação a partir da qual se conclui pela necessidade, de forma geral e
abstrata, de autorização do biografado para a publicação de biografias atribui
absoluta precedência aos direitos à vida privada, à imagem e à honra, em
detrimento da liberdade de expressão, de manifestação de pensamento e do
direito à informação, razão pela qual concluo pela sua incompatibilidade com
a Constituição de 1988591
.
Ademais, assevera o Ministro que a exigência da autorização para publicação
de biografia traria enormes danos à quantidade da produção bibliográfica de tal gênero,
o que geraria, por conseguinte, um inegável dano ao valor histórico e cultural592
.
Por fim, ressaltou o Ministro que a procedência do pedido da ação não acarreta
no deferimento do uso de imagem de forma absoluta por quem quer que seja. Existe, no
caso de eventuais excessos, a possibilidade de ajuizamento de ação para que se possa
questionar possíveis danos à pessoa do biografado 593.
589 Voto Ministro Luiz Fux na ADI 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016; 590 Voto Ministro Marco Aurélio de Melo na ADI 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016; 591 Voto Ministro Dias Toffoli na ADI 4815, pag. 4. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016; 592 Voto Ministro Dias Toffoli na ADI 4815. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=4271057>. Acesso em: 12 ago. de 2016; 593 Ministro Dias Toffoli na ADI 4815. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=293336&caixaBusca=N>. Acesso
em: 12 ago. de 2016;
170
O Ministro Gilmar Mendes afirma que ADI 4815 trata de uma questão de
ponderação entre o direito da liberdade de expressão e os direitos de personalidade. A
liberdade de expressão é de fundamental importância para existência de um livre tráfego
de ideias e da diversidade de opiniões, elementos essenciais para um sistema
democrático. Porém, ressalta o Ministro que:
O texto constitucional não excluiu a possibilidade de que se introduzam
limitações à liberdade de expressão e de comunicação, estabelecendo,
expressamente, que o exercício dessas liberdades há de se fazer com
observância do disposto na Constituição. Não poderia se outra orientação do
constituinte, pois, do contrário, outros valores igualmente relevantes,
quedariam esvaziados diante de um direito avassalador, absoluto e
insuscetível de restrição. Há, portanto inevitável tensão entre a liberdade de
expressão e de comunicação, de um lado, e os direitos da personalidade
constitucionalmente protegidos, de outro, que pode gerar situação
conflituosa, a chamada colisão de direitos fundamentais 594
.
O Ministro foi o único membro da Suprema Corte que se debruçou sobre a
questão da responsabilização e reparação por eventuais danos decorrentes de violação
de direitos com a publicação de biografia, ponderando que a liberação da autorização
não impede que eventuais ocorrências de transgressões sejam analisadas pelo Poder
Judiciário, através dos mecanismos dispostos no texto constitucional, como, por
exemplo, as indenizações, a publicação de ressalva ou uma nova edição com
correção595
.
O Ministro Celso de Mello também julgou procedente o pedido. Salientou que
a liberdade de expressão é um direito fundamental contramajoritário, isso quer dizer
que: “o fato de uma ideia ser considerada errada por particulares ou pelas autoridades
públicas não é argumento bastante para que sua veiculação seja condicionada à prévia
autorização” 596. Ressaltou ainda que a Constituição brasileira veda toda forma de
594 Ministro Gilmar Mendes na ADI 4815, pag. 7. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=293336&caixaBusca=N>. Acesso
em: 12 ago. de 2016; 595 Ministro Gilmar Mendes na ADI 4815. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=293336&caixaBusca=N>. Acesso
em: 12 ago. de 2016; 596 Ministro Celso de Melo na ADI 4815. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=293336&caixaBusca=N>. Acesso
em: 12 ago. de 2016;
171
censura, como, por exemplo, de natureza política, ideológica ou artística. Entretanto,
ponderou que a incitação ao ódio não está assegurada pela liberdade de expressão597.
O presidente da Suprema Corte, Ministro Ricardo Lewandowski, na esteira do
que foi dito no julgamento da ADI 4815, ressaltou a importância da decisão a ser dada
pelo STF dizendo se tratar de um momento histórico da jurisdição brasileira.
Reafirmou, ainda, o preceito constitucional de vedação de qualquer forma de censura,
por conseguinte, é ampla a garantia de preservação da liberdade de expressão desde que
não ofenda outras garantias fundamentais do biografado598.
Depreende-se, portanto, da análise dos votos, que a discussão se centrou na
exigência ou não de autorização para a publicação de biografias. Os Ministros bem
asseveraram que, a partir da aplicação da técnica da ponderação entre os direitos da
personalidade e a liberdade de expressão, não é admissível permitir a existência de
autorização prévia. Por outro lado, é perceptível também que a Suprema Corte brasileira
não se debruçou, de forma suficientemente abrangente, acerca da eventual
responsabilidade do autor no caso de ofensa aos direitos da personalidade. Apesar de
não deixar dúvidas quanto ao cabimento de responsabilização posterior, o STF olvidou-
se em definir parâmetros para que o ofendido exerça seu direito à reparação.
597 Ministro Celso de Melo na ADI 4815. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=293336&caixaBusca=N>. Acesso
em: 12 ago. de 2016; 598 Ministro Ricardo Lewandowski na ADI 4815. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=293336&caixaBusca=N>. Acesso
em: 12 ago. de 2016;
172
CONCLUSÃO
O avanço da sociedade traz consigo a permanente necessidade de novas
reflexões, seja de temas até então desconhecidos, surgindo na medida em que se eleva a
complexidade das relações humanas, seja de temas já preexistentes, mas que, por uma
razão ou outra, carecem de ser revistos pela coletividade.
Por algumas vezes, essa reflexão se dá a partir da observação empírica de que
alguns direitos, eventualmente, podem ser óbices ao exercício de outros. A essa situação
prática, a doutrina chamou de colisão de direitos.
Este estudo, como visto, debruçou-se em uma dessas “colisões” de direitos
fundamentais: a liberdade de expressão e o direito à privacidade, intimidade e vida
privada. Por óbvio, os citados direitos não colidem simplesmente por estarem
constitucionalmente postos. Destarte, a colisão foi observada e aqui tratada quando da
publicação de biografias.
Como não podia ser diferente, a análise se iniciou com o estudo dos direitos
fundamentais, de tão complexa conceituação objetiva. Indubitavelmente, a amplitude
desses direitos faz com que seja árdua a tarefa de sintetizá-los em poucas linhas. Apesar
disso, este trabalho se ocupou em trazer, ainda que brevemente, suas origens, variações
de significado e abrangência ao longo do tempo, suporte fático e âmbito de proteção.
É inegável a importância dos direitos fundamentais para a sociedade
contemporânea. Sua construção, contudo, se dá ao longo de toda história e se inicia com
a teologia cristã, perpassando pela doutrina de direitos naturais. A partir daí, as ideias
relacionadas à dignidade humana foram emergindo e sendo disseminadas, desde as
revoluções Gloriosa e Francesa, culminando com a nova estrutura de pensamento
inaugurada após a Segunda Guerra Mundial.
A despeito da elevada gama de definições doutrinárias na conceituação de
direitos fundamentais e, principalmente, das teorias envolvendo suporte fático e âmbito
de proteção, é imperioso deixar claro o que, de fato, há de ser considerado como
fundamentalmente protegido. Como visto, a preservação da dignidade da pessoa
humana está atrelada ao respeito aos direitos fundamentais. Em outras palavras, ao se
garantir efetiva aplicação desses últimos, estar-se-á assegurando um ambiente favorável
à proteção da dignidade do indivíduo.
Desse modo, é notório perceber que o ideal é considerar, a priori, o direito
como fundamentalmente protegido e, diante do caso concreto, avaliar os limites e
173
restrições de cada direito. Essa metodologia é a defendida pela teoria do suporte fático
amplo. Nesta, é a situação concreta que definirá, por intermédio de um sopesamento, o
âmbito de proteção de um direito fundamental.
Nessa esteira, este trabalho tratou de debruçar-se na análise dos direitos que,
em tese, entrariam em conflito. De um lado, a liberdade de expressão, considerada em
obras consagradas como um bem essencial ao desenvolvimento do indivíduo e sua
inserção no meio social. Conforme visto alhures, a liberdade de expressão é a garantia
da manifestação de pensamentos e ideias particulares, ainda que divergente da maioria.
É, em outros termos, a representação da própria democracia. Não queda dúvidas,
portanto, que se trata de um direito fundamental. Como tal, deve ser, nos moldes da
teoria ampla do suporte fático, assegurada em sua máxima amplitude possível. Ou seja,
a priori, todos possuem o direito de expressar-se livremente. Eventuais limites ou
restrições hão que ser averiguados no caso concreto.
A liberdade de expressão, quando garantida de forma ampla, sem a
interferência de instâncias de controle ou de qualquer mecanismo de censura prévia, é,
sem dúvidas, ferramenta de desenvolvimento social, na medida em que possibilita aos
cidadãos, por um lado, acesso irrestrito sobre o conhecimento produzido por toda
coletividade e, por outro, o direito a ser ouvido em sua própria expressão de
pensamentos e opiniões.
A literatura, por seu turno, é uma das nobres formas de materialização da
liberdade de expressão. Como um gênero literário, a biografia distingue-se ao retratar a
vida de uma pessoa e possibilita, ao leitor, ter acesso amplo aos aspectos históricos e
movimentos culturais que permearam a existência do biografado. Assim, mais do que
retratar unicamente a existência individual, denota as características da própria
sociedade a qual este indivíduo pertencia. O ato de biografar é atender à curiosidade
sadia e à pesquisa histórica. É progresso educacional e é desenvolvimento cívico.
Nessa esteira, a biografia representa, também, o direito à informação, do qual
todo cidadão é detentor. Conforme destacado nesta dissertação, a perspectiva do
exercício da democracia implica em conhecimento amplo sobre os acontecimentos
sociais que, inexoravelmente, são desencadeados por homens cuja atuação histórica é de
interesse coletivo.
Ademais, o direito à informação possui um papel crucial na personalidade de
um indivíduo, pois este estará mais bem capacitado a construir seu próprio juízo
174
argumentativo. O que é de suma importância para o desenvolvimento de uma
consciência coletiva, indispensável em uma democracia.
Então, tem-se que a liberdade de expressão é direito fundamental e, como tal,
deve ser amplamente assegurada. Por seu turno, a biografia é gênero literário munido de
caráter externalizador da liberdade de expressão, ou seja, mecanismo de promoção de
um direito fundamental e, desse modo, a publicação de obras biográficas deve ser
estimulada. Além disso, biografias expressam, também, o direito à informação, que
representa, em última análise, construção da opinião social sobre os mais diversos
assuntos. Ou seja, a publicação de biografias é parte da democracia na medida em que
retrata pessoas e acontecimentos importantes à sociedade.
Contudo, há que se considerar que a produção da obra biográfica pressupõe a
investigação minuciosa sobre o biografado. Nesse passo, é de se imaginar que a
publicação de uma obra desse gênero implica na afetação de outros direitos, também
fundamentais. São eles: privacidade, intimidade, vida privada, imagem, honra e ao
nome.
Tratam-se, como dito, de direitos fundamentais cuja proteção é também dever
do Estado. São, em síntese, direitos da personalidade, cujo objetivo é a salvaguarda das
características intrínsecas do indivíduo em sua esfera de proteção particular, estando
relacionados, portanto, com a própria dignidade da pessoa.
Assim, o direito à liberdade de expressão deve ser aplicado de forma ampla,
considerando-se, contudo, a possibilidade de o mesmo sofrer restrições. Todavia,
conforme restou demonstrado neste trabalho, tais restrições devem ser cautelosas,
constitucionalmente fundamentadas e após o sopesamento diante do caso concreto.
Todo direito fundamental pode, pois, sofrer limitações, seja por normas
previstas na própria Constituição, ou leis infraconstitucionais, fundamentadas na
mesma, ou por colisões de princípios. Tem-se que mesmo um direito
constitucionalmente estabelecido e, a priori, sem reservas, é passível de restrições,
desde que estas ocorram em decorrência da necessidade de se salvaguardar outros bens
jurídicos indispensáveis à promoção da dignidade da pessoa humana.
Nesse cenário, este trabalho demonstrou que a teoria externa é a mais adequada
para definir como se dará eventuais limitações. Todo direito a priori ilimitado passa a
ser limitado por restrições específicas e constitucionalmente fundamentadas.
Tem-se, portanto, que quando da publicação de uma biografia,
inevitavelmente, se estará diante de uma colisão de direitos fundamentais. Desse modo,
175
embora a biografia seja uma das manifestações da liberdade de expressão e informação,
deve respeitar os direitos fundamentais do indivíduo cuja história será narrada.
Sendo a liberdade de expressão um direito fundamental a priori ilimitado, mas
passível de ser restrito, mediante a análise do caso concreto, pelos também
fundamentais direitos à privacidade e intimidade, é a partir da ponderação entre os bens
jurídicos em colisão que se chegará à medida adequada do exercício da liberdade de
expressão, sem incorrer em ofensas à pessoa do biografado.
A fim de demonstrar a hipótese fática de conflitos entre os direitos
fundamentais apresentados, foi analisada, nesta dissertação, a ADI 4815, proposta pela
ANEL junto ao Supremo Tribunal Federal do Brasil e cuja discussão centrou na
necessidade ou não de autorização prévia para a publicação de obras biográficas. O
conflito se deu em razão de existir uma interpretação extensiva dos arts. 20 e 21 do
Código Civil brasileiro que condicionaria a publicação de biografias à autorização do
biografado.
A Suprema Corte brasileira julgou procedente a ADI, tendo dado interpretação
conforme a Constituição Federal, sem redução de texto, no sentido de declarar não ser
necessária a autorização prévia do biografado, de pessoas retratadas como coadjuvantes
ou familiares para a publicação de biografias. O resultado dessa decisão assegurou o
amplo exercício da liberdade de expressão quando da publicação de biografias.
Ocorre que, apesar do avanço ao se garantir a publicação de biografias de forma
ampla, sem a necessidade de autorização, a Suprema Corte não delimitou, de forma
específica, os critérios de responsabilização do biógrafo no caso de danos decorrentes
da violação de direitos fundamentais do biografado, tendo apenas se referido à
possibilidade de eventual responsabilização a posteriori, excluindo, inclusive, a
possibilidade do uso de tutela que visasse impedir a publicação da biografia.
O que se defende neste trabalho é que, apesar da supremacia do direito à
liberdade de expressão, é inadmissível a possiblidade de ser vedado àquele que teve
violado seu direito à privacidade, à honra, à imagem pela publicação de uma biografia o
direito de se valer do Judiciário para proteção dos mesmos e reparação de eventuais
danos. Defende-se, aqui, também, que, na iminência de publicação de uma biografia,
caso o biografado tenha acesso ao conteúdo da mesma, eivado de falsas informações
com o único intuito de difamação através de disseminação de inverdades, o mesmo
teria, sim, o direito de se valer da tutela inibitória para impedir que tal dano viesse a
176
ocorrer, não havendo que esperar a concretização do mesmo para posterior
responsabilização.
Nesse escopo, não se trata de censura prévia, mas da busca pela verdade nas
publicações biográficas. O simples desagrado do biografado não deve ser o parâmetro
sob o qual se amoldará a obra literária. Contudo, não se quer, na produção de
conhecimento, que inverdades tomem abrigo no argumento de exercício ilimitado da
liberdade de expressão. O biografado possui, inexoravelmente, o direito de repelir
publicações inverídicas sobre sua própria vida, seja prévia ou posteriormente.
Merece ênfase a possibilidade, em face da ocorrência do dano, de outras
formas de reparação, além da pecuniária, como, por exemplo, o direito de resposta e a
republicação com nota do biografado, dentre outras.
Afinal, quanto vale a dignidade? Se pensarmos estritamente em
responsabilização pecuniária, impor-se-ia a necessidade de mensurarmos aquilo que é
imensurável pela sua própria natureza, qual seja a dignidade da pessoa humana.
177
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abusos que commetter, nos casos e pela fórma que a lei determinar. Não é permittido o
anonymato. Brasília: Senado Federal, 1824.
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150, §8º: É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a
prestação de informação sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de
diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer.
É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos
independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra,
de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe. Brasília: Senado
Federal, 1967.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (24 de janeiro de 1967). Art.
151: Aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos §§ 8º, 23. 27 e 28 do
artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem democrática ou
praticar a corrupção, incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a
dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do
Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada
ao paciente a mais ampla, defesa. Brasília: Senado Federal, 1967.
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escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei;
(...) “d”: é proibido o anonimato. Brasília: Senado Federal, 1824.
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publical-os pela imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de
responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste direito, nos casos, e pela
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