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Ps-Graduao a distnciaMedicina do Esporte

Bases Tericas do Treinamento Esportivo - Biomecnica Aplicada ao Esporte e a Atividade Fsica

Prof. Roberto Bianco / Prof. Carina Helena Wasem Fraga

Sumrio Introduo ............................................................................................................ 3 Biomecnica Interna.............................................................................................. 3 1. Tecido sseo ...................................................................................................... 7 2. Cartilagem articular .......................................................................................... 11 3. Fibrocartilagem ................................................................................................ 15 4. Ligamento e Tendo ......................................................................................... 17 5. Tecido Muscular ................................................................................................ 21 6. Torque & Alavancas .......................................................................................... 25 7. Consideraes finais ......................................................................................... 29 REFERNCIAS ....................................................................................................... 29

Biomecanica Aplicada ao Esporte e a Atividade Fsica

IntroduoA Medicina do Esporte uma rea de atuao na qual as indesejveis leses associadas prtica de modalidades esportivas so discutidas e investigadas com duas finalidades: prevenir o seu surgimento e realizar o seu tratamento mais eficiente que permita o retorno seguro modalidade em questo (CANAVAN, 2001). A biomecnica uma disciplina que estuda, investiga e analisa o movimento humano usando a fsica, particularmente a mecnica, como ferramenta para esta anlise. No movimento humano, o aparelho locomotor constantemente submetido a foras produzidas pelos msculos do corpo e recebidas pela interao do corpo com os objetos. Neste sentido importante entender o efeito destas foras para que possamos garantir a integridade do aparelho locomotor e o aumento da sua resistncia s foras impostas sobre ele. Por isso, o objetivo da biomecnica prevenir o surgimento de leses e melhorar o rendimento e a eficincia do movimento. Prevenir o surgimento de leses implica em conhecer a caracterstica dos movimentos, de que forma os mesmos iro sobrecarregar o aparelho locomotor, conhecer a resistncia e a caracterstica de resposta mecnica das estruturas do corpo e conhecer os efeitos das diferentes solicitaes mecnicas sobre as estruturas do corpo (AMADIO e DUARTE, 1996). A Biomecnica dividida em Interna e Externa. A Biomecnica Interna investiga as caractersticas mecnicas das diferentes estruturas do aparelho locomotor e a interao entre elas quando o movimento humano realizado. Para tanto, devemos conhecer os materiais biolgicos que compem as estruturas do corpo e saber de que forma eles respondem s foras aplicadas sobre elas. J, a Biomecnica externa investiga a interao entre o

aparelho locomotor e o meio ambiente. O conhecimento destas foras viabiliza maior eficincia na produo dos movimentos, pois aperfeioa a produo de fora e potncia de forma mais econmica (AMADIO e DUARTE, 1996). Com base no exposto anteriormente, o objetivo do mdulo de Biomecnica analisar as caractersticas de resposta mecnica das diferentes estruturas e tecidos do aparelho locomotor para entender de que forma as leses em geral podem ser prevenidas. Ao final deste mdulo o leitor dever ser capaz de identificar e controlar as variveis que aumentam a probabilidade de uma leso se instalar e ainda conhecer as formas nas quais os tecidos podem ter sua resistncia aumentada para minimizar os efeitos da prtica de uma modalidade para o surgimento de leses.

Biomecnica InternaEm Biomecnica Interna, especificamente o objetivo aumentar a resistncia das estruturas do corpo, tornando-as mais capazes de atender s solicitaes durante a realizao do movimento e prevenir o surgimento de leses nestas mesmas estruturas. As estruturas investigadas em Biomecnica Interna so: tecido sseo, cartilagem articular, fibrocartilagens, ligamentos, tendes e tecido muscular. Para adequadamente compreender as respostas dos materiais biolgicos, inicialmente necessrio saber os tipos de foras podem ser aplicados sobre estas estruturas. As estruturas do aparelho locomotor podem ter alguns tipos diferentes de foras aplicadas sobre elas. Estas foras diferentes se chamam solicitaes mecnicas. As solicitaes mecnicas podem ser de vrios tipos: compresso, trao, flexo, deslizamento e toro (Figura 1) (HALL, 2009).

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Figura 1: Tipos diferentes de foras s quais os materiais podem ser impostos. Adaptado de HALL (2009).

A compresso uma solicitao mecnica que envolve duas foras aplicadas na mesma direo e de sentidos opostos, no sentido do centro do objeto. A compresso tem como principal caracterstica a aproximao que gera o esmagamento do material que constitui a estrutura. Sobre o aparelho locomotor, um exemplo de fora compressiva aquela que o disco intervertebral sofre quando transportamos uma carga nos braos. A trao ou tenso uma forma semelhante de solicitao mecnica compresso. Ela tambm envolve duas foras aplicadas na mesma direo e de sentidos opostos, s que neste caso, as foras tendem a afastar o material do objeto. Um exemplo de fora de trao seria o que os nossos tecidos sofrem quando nos penduramos numa barra. A gravidade nos puxa para baixo, enquanto a barra nos traciona para cima com mesma magnitude de fora, mesma direo e sentido oposto. A flexo ou envergamento uma solicitao mecnica na qual a estrutura sofre foras que tentam dobrar a estrutura. A flexo pode ocorrer por ao de uma ou mais

foras externas, geralmente transversais estrutura. Uma fora de flexo caracteriza-se por ser a associao de uma fora de trao com uma fora de compresso, sendo que a compresso ocorre no sentido de aplicao da fora que produz a flexo. Um exemplo de fora de flexo sobre as estruturas do corpo pode ser obtido a partir de uma posio sentada, quadril em flexo de 90 com os joelhos estendidos, em que uma caneleira no tornozelo produz uma fora de flexo sobre a tbia e o fmur. Se o segmento membro inferior fosse menos rgido, como, por exemplo, um macarro de piscina notar-se-ia o envergamento sob a ao da caneleira. O deslizamento ou cisalhamento uma fora tangencial que ocorre entre duas superfcies de forma que uma das estruturas se desloca em contato com a outra estrutura, ou as duas estruturas se deslocam e nesta condio em sentidos opostos. O deslizamento uma solicitao mecnica que ocorre em situaes de movimento articular, no qual os ossos se deslocam em contato um com o outro. Como exemplo, pode-se citar o atrito que ocorre entre os dois ossos em funo do deslizamento, mesmo que em situaes articulares, esse atrito seja baixo. A toro uma solicitao que ocorre de forma tangencial em rotao na estrutura, na qual uma fora ou duas foras externas so aplicadas em sentidos opostos. Como conseqncia desta rotao, ocorre uma aproximao, um achatamento do material. Um exemplo de solicitao mecnica em toro o que ocorre no disco intervertebral quando realizamos uma rotao na coluna. A toro da coluna produz uma rotao no disco e a aproximao da estrutura, ou seja, uma compresso. Em situao de realizao do movimento humano, observa-se nas diferentes estruturas do aparelho locomotor a aplicao das solicitaes mecnicas distintas, mas em algumas situaes observa-se a combinao de mais de uma fora sobre algumas estruturas. Cada movimento especfico ter caractersticas diferentes de solicitaes

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mecnicas e para saber o efeito que estas solicitaes tero sobre as estruturas do corpo, importante conhecer a resposta que cada uma apresenta mecanicamente (NORDIN e FRANKEL, 2003). Para conhecer estas respostas mecnicas, necessrio analisar cada estrutura separadamente e para isso comum a utilizao de teste mecnicos que envolvem mquinas capazes de produzir estas foras distintas em magnitude progressivamente maior at o ponto de falncia deste tecido. Por exemplo, um pedao de osso pode ser submetido a um teste destes em compresso para analisar o efeito que esta compresso produzir sobre o osso. certo que existe diferena na resposta de um osso em interao com as outras estruturas corporais ou separados e analisados isoladamente. Contudo, a inteno neste tipo de analise compreender a caracterstica da resposta que pode ser extrapolada para situaes de realizao de movimentos complexos e em associao com os demais tecidos corporais. Em todas as modalidades diversas estruturas do aparelho locomotor esto sujeitas a leses, que exigem a interrupo do treinamento para seu tratamento, o que piora do rendimento na modalidade. A preveno do surgimento de leses depende da estrutura em questo e da caracterstica de solicitao mecnica desta modalidade. Portanto, em cada modalidade observam-se leses especficas sobre diferentes estruturas do aparelho locomotor. Contudo, de forma geral, possvel identificar elementos em comum associadas ao surgimento de algumas leses, como a magnitude da carga aplicada no movimento e a freqncia da carga aplicada ao longo da prtica da modalidade (Figura 2).

Figura 2: Anlise da probabilidade de uma estrutura corporal sofrer uma leso, em funo de duas variveis: (1) magnitude de carga ou intensidade e (2) freqncia de carga ou volume. Adaptado de HALL (2009).

De forma simplificada, pode-se observar que a probabilidade em desenvolver uma leso depende em primeira instncia da magnitude da carga e da freqncia da carga aplicada. Portanto, se a magnitude da carga ou a intensidade for alta, a quantidade de vezes que esta carga poder ser aplicada com segurana ser menor do que com uma carga mais baixa. Por outro lado, se esta carga alta for aplicada excessiva quantidade de vezes, a probabilidade em desenvolver uma leso ser maior (HALL, 2009). Isso no garantia de que a leso ocorrer, pois a mesma ainda depende de uma srie de fatores, como: a caracterstica e tipo de carga, a estrutura do aparelho locomotor em questo, a resistncia do tecido em funo do nvel de condicionamento do indivduo e outros fatores mais. As leses podem ser de dois tipos: leses agudas e leses crnicas. As leses agudas, tambm conhecidas como leses traumticas, so aquelas nas quais a magnitude da fora aplicada to alta, que com apenas uma aplicao desta fora pode ocorrer a leso. A magnitude da fora ultrapassa a capacidade do tecido de tolerar esta fora causando a leso. Exemplos dessas leses so as observadas em acidentes de

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uma forma geral. Em quedas de alturas excessivamente altas, a magnitude da fora ser alta o suficiente para promover uma fratura, por exemplo. J nas leses crnicas, tambm conhecidas como leses por esforos repetitivos, a magnitude da carga no alta o suficiente para promover uma leso com apenas uma aplicao, mas leso ocorre por causa da quantidade de vezes que esta carga aplicada. A cada aplicao da carga, certa quantidade de microtrauma produzido, que individualmente no representa risco, mas em conjunto os efeitos das foras podem se somar e causar a leso. A somatria das foras aplicadas sobre o aparelho locomotor denominado de sobrecarga. A sobrecarga de uma atividade fsica por si s no malfica ao corpo humano, pois em condies adequadas, os microtraumas produzidos sob o efeito da sobrecarga dos treinamentos ser regenerada e ainda servir de estmulo para que a resistncia deste tecido aumente gradativamente. Contudo, quando a sobrecarga alta, o tempo de recuperao necessita ser maior e caso ele no seja, a recuperao incompleta poder ser somada nova sobrecarga do treinamento seguinte. Se esse processo ocorrer por muitas vezes, far com que a resistncia do tecido diminua deixando-o mais suscetvel a uma leso. Um exemplo de carga alta a observada na magnitude do impacto durante o salto. No salto vertical, o impacto pode ser medido por meio da plataforma de fora que por sua vez mede a componente vertical da Fora de Reao do Solo. O impacto medido pode ser relativizado em funo do peso corporal (PC), correspondendo a uma magnitude de fora que pode chegar at aproximadamente 7 PC (ACQUESTA et al., 2007). Um impacto desta magnitude o que pode ser observado no salto vertical na execuo da bandeja no basquete. Este impacto no excessivamente alto a ponto de ultrapassar a capacidade de tolerncia dos nossos tecidos, mas certamente mais alto que o impacto observado na corrida, 2 a 3 PC

(BIANCO, 2005). Por isso, a quantidade de saltos ao qual um sujeito imposto deve ser controlada. Seguramente, a quantidade de impactos de uma atividade como o basquete dever ser menor do que a quantidade de impactos aplicados durante uma prova de corrida de rua. Isso no significa que cargas de menor magnitude como as da corrida no possam promover leses. As cargas, relativamente, baixas de impacto na corrida tornam mais fcil que o nosso corpo assimile a sobrecarga de um treinamento de corrida de rua. Porm se uma quilometragem muito alta for empregada durante o treinamento, em relao ao nvel de condicionamento do sujeito, a probabilidade de adquirir uma leso ir aumentar bastante. claro que uma pessoa bem condicionada tolera uma sobrecarga muito maior que uma pessoa descondicionada, devido s alteraes adquiridas nos tecidos, que tornaram este tecido mais resistente a magnitudes carga e a volumes de carga maiores. Por isso, genericamente, pode se considerar que cargas altas ou baixas quando aplicadas excessiva quantidade de vezes sem oferecer tempo suficiente de recuperao, pode aumentar significativamente a probabilidade de se adquirir uma leso. Certamente outros fatores tambm interferem no surgimento de leses, mas estes fatores dependem da estrutura em questo, da caracterstica da fora aplicada e de outros fatores que se somam como instabilidades articulares, desvios posturais e fatores externos que no podem ser previstos. A soma de todos estes fatores torna o mecanismo de leso das estruturas do aparelho locomotor s vezes muito complexa, tornando, em alguns casos, difcil identificar a causa precisa da leso ou mesmo predizer com segurana se a leso ir surgir ou no.

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Para tentar desvendar esta complexidade, os tpicos a seguir analisaro separadamente as caractersticas dos tecidos, apresentando suas respostas mecnicas, os principais mecanismos que produzem leses nestas estruturas e como deve ser a caracterstica dos estmulos para que as estruturas possam se adaptar, aumentando sua resistncia.

1. Tecido sseoO tecido sseo um dos tecidos mais rgido do corpo humano. Ele tem como funo proteger rgos internos e formar com os msculos um sistema complexo de alavancas, por meio dos quais o movimento humano se torna possvel. O tecido sseo composto de uma matriz orgnica e de uma matriz inorgnica. A matriz orgnica constituda de clulas e, em sua grande maioria por fibras de colgeno (tipo I), enquanto que a matriz inorgnica composta por minerais, em sua grande maioria clcio e fosfato. Essas duas matrizes associadas atribuem ao osso rigidez e dureza (matriz inorgnica) e flexibilidade e elasticidade (matriz orgnica) (NORDIN e FRANKEL, 2003; NIGG e HERZOG, 2006). A Matriz orgnica extracelular principalmente composta por fibras de colgeno do tipo I. O colgeno uma fibra de protena forte e flexvel, que no tecido sseo esto organizados em lamelas que por sua vez se encontram em camadas concntricas para formar os steons, que so as estruturas compactadas dos ossos trabeculares. A matriz inorgnica composta por clcio e fosfato, combinados formando fosfato de clcio em forma de cristais chamados de cristais de hidroxiapatita (NORDIN e FRANKEL, 2003). As clulas que compem o tecido sseo so os osteoblastos, os osteoclastos e os ostecitos. Os osteoblastos so clulas responsveis pela osteognese, formao de matriz orgnica. devido ao destas clulas que ocorre o crescimento e a

regenerao ssea. Os osteoclastos so clulas responsveis pela reabsoro ssea. pela ao destas clulas que o tecido envelhecido ou danificado dissolvido para ser reabsorvido pela corrente sangunea e posteriormente eliminado. A ao conjunta destas duas clulas garante a manuteno do tecido sseo saudvel e resistente. Contudo, na relao da intensidade de atividade destas clulas que aumentamos ou diminumos a nossa massa ssea. Por exemplo, se a atividade osteoblstica for muito maior que a atividade osteoclstica, ocorrer aumento de massa ssea; por sua vez, se a atividade osteoclstica for superior atividade osteoblstica, haver diminuio de massa ssea. Os ostecitos so clulas que se encontram em toda a extenso do tecido sseo, em lacunas entre as lamelas dos steons. Estas clulas so osteoblastos modificados que ficaram aprisionados na prpria estrutura que criaram e a partir deste momento reduziram sua atividade e passaram a ser responsveis pelo metabolismo celular (SPENCE, 1991). Todos os ossos so compostos por dois tipos distintos de ossos: os ossos compactos ou corticais e os ossos esponjosos ou trabeculares. Todos os ossos apresentam tecido trabecular internamente em quantidade maior ou menor, com um revestimento mais espesso ou mais fino de osso cortical. A quantidade de osso trabecular e cortical depende do tipo de osso. Por exemplo, ossos longos apresentam grande quantidade de osso trabecular nas epfises (extremidades) e so recobertos por uma fina camada de osso cortical nesta regio. J na difise desses ossos (regio central), observa-se uma camada muito mais espessa de osso cortical e uma fina camada interna de osso trabecular. Por outro lado, nos corpos vertebrais, observa-se uma camada fina de revestimento de osso cortical preenchida com osso trabecular (HALL, 2009). Os dois tipos de ossos apresentam caractersticas biomecnicas semelhantes, porm os mesmos diferem em rigidez e na

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deformao que os mesmos so capazes de tolerar (ENOKA, 2000). A resposta mecnica do tecido sseo pode ser investigada pela curva de estresse deformao do tecido obtida a partir do teste mecnico, conforme descrito anteriormente (Figura 3).

Figura 3: Curva de estresse deformao do osso, que representa a resposta do tecido submetido a um teste mecnico de compresso. Dois tipos de respostas podem ser observadas, respostas elsticas (A-B) e respostas plsticas (B-C), antes de ocorrer a fratura (C). Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

No grfico observa-se o efeito de deformao do tecido sseo em funo de uma fora, que nesta situao chamaremos de estresse. O estresse representa a fora aplicada por determinada rea de tecido. Esta forma de anlise torna-se necessria para que seja possvel compararmos ossos de dimenses distintas. A curva de estresse deformao demonstra que o osso, assim como qualquer outro tecido biolgico, se deforma quando sob a ao de uma fora. Porm a deformao obtida pode ser de dois tipos: deformao elstica ou plstica. Segundo o grfico, conforme uma fora de compresso aplicada sobre o osso, ocorrer uma deformao proporcional. Se esta deformao for elstica, isso significa que ela ser reversvel, pois no h comprometimento do tecido como, por exemplo, o surgimento de uma leso. Contudo, existe certa tolerncia magnitude da fora na qual o osso conseguir responder de forma elstica. Se a magnitude da fora for muito alta e ultrapassar um determinado limiar, no grfico representado B, o osso passar a responder com uma deformao plstica, na qual leso imposta ao tecido

e a deformao produzida ser irreversvel. A leso produzida, com o tempo, poder ser regenerada. No entanto, a deformao plstica produzida no ser desfeita e a dimenso do osso ter sido modificada. Na condio de deformao plstica, a magnitude da fora j relativamente to alta para este osso, que pequenos aumentos na magnitude da fora produziro grandes deformaes e se a fora alcanar a magnitude representada por C, no grfico, ocorrer a fratura por completo deste osso (NORDIN e FRANKEL, 2003). So muitos os fatores que interferem na resposta mecnica do tecido sseo, conforme descrito anteriormente. Dentre estes fatores se encontram: o tipo de solicitao mecnica (compresso, trao ou flexo), a quantidade de massa ssea como conseqncia da aplicao regular de carga ou da sua ausncia e outros fatores como a fase maturacional do osso (criana, adulto e idoso), o tipo de osso (cortical ou trabecular), entre outros. Para poder prevenir o surgimento de leses crnicas no tecido sseo, que neste tecido so conhecidas como fraturas por estresse, necessrio entender os efeitos que alguns destes fatores exercem sobre o osso (AMADIO e BARBANTI, 2000). A resistncia do osso sofre grande interferncia do tipo de solicitao mecnica imposta sobre ele. A Figura 4 ilustra a magnitude mxima de estresse que um osso tolera at a fratura sob a ao de uma compresso, uma tenso ou trao e uma fora de cisalhamento (fora tangencial). Observa-se que a magnitude de fora tolerada em compresso apresenta-se muito superior s magnitudes de foras nas outras solicitaes. Isso significa que o tecido sseo de seres humanos mais resistente a foras compressivas, que por sinal so solicitaes mecnicas muito comuns na natureza, em funo da fora exercida pela gravidade.

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outra. Com isso, a fora resultante se torna exclusivamente compressiva e este resultado importante, pois o osso muito mais resistente a foras compressivas do que a foras de flexo (GONALVES, 2000; NORDIN e FRANKEL, 2003).

Figura 4: Mxima carga tolerada pelo tecido sseo at a fratura, nos diferentes tipos de solicitaes mecnicas. Resultado obtido a partir de testes mecnicos. Adaptado de HALL (2009). Figura 5: Ilustrao da ao muscular capaz de promover proteo ao tecido sseo. (A) Fora de flexo gerada por suposta queda que esquiador est vivenciando. (B) Ao muscular neutralizando a fora de flexo e transformando-a em uma fora puramente compressiva por meio da sua contrao. Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

Contudo, o intrigante a baixa resistncia que pode ser observada em foras tangenciais, como, por exemplo, em foras de cisalhamento ou flexo. Estas solicitaes mecnicas so bastante comuns na natureza trazendo certo risco integridade do tecido sseo. Por exemplo, na locomoo, marcha e corrida, possvel observar foras de compresso, de trao e foras tangenciais (NORDIN e FRANKEL, 2003). Um mecanismo importante para prevenir que estas foras indesejveis possam trazer dano ao tecido sseo a ao muscular. Este mecanismo de proteo pode ser exemplificado por meio da modalidade esqui na neve (Figura 5). A bota usada nesta modalidade rgida e impossibilita movimentos na articulao do tornozelo. Por conta disso, se houver algum impedimento ao deslocamento do esquiador, o mesmo ter a tendncia em cair para frente, levando a uma fora de flexo na tbia e fbula com alto risco de fratura (Figura 5A). O mecanismo de ao muscular que proporciona certa proteo ao tecido sseo envolve uma contrao muscular, neste exemplo do trceps sural, que produzir uma fora de flexo em direo oposta fora de flexo gerada pela tendncia de queda (Figura 5B). Dessa forma, a associao das foras de flexo pela tendncia de queda e da fora produzida pelo trceps sural gera a neutralizao de uma fora sobre a

O exemplo citado anteriormente, embora ilustre o comportamento leva a crer que este mecanismo somente desencadeado em situaes de acidentes. Na realidade, o tempo todo o tecido sseo est sujeito a foras de flexo pouco suportadas pelo osso. Estas foras podem ser percebidas sobre o colo da cabea do fmur (Figura 6). Por questo de eficincia mecnica na produo de fora para a movimentao da articulao do quadril, a cabea do fmur forma um ngulo com sua difise. Isso significa que em qualquer situao de locomoo ou realizao de movimento com os ps apoiados, a cabea do fmur estar sob a ao de uma fora de flexo (figura 6B). Para se proteger desta fora indesejvel, torna-se necessrio que os abdutores do quadril (glteo mdio e mnimo e tensor da fscia lata) realizem uma contrao para neutralizar a ao do peso no sentido de flexionar a cabea do fmur (Figura 6A). Esta ao muscular tambm fundamental para permitir a permanncia em apoio unipodal ao contrabalancear o efeito da fora peso. Uma vez que a ao

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destes msculos muito importante para a manuteno da integridade desta regio ssea, uma estratgia de otimizao eficiente garantir a manuteno e/ou o aumento de fora destes msculos que serviro como protetores do colo da cabea do fmur contra farturas, principalmente na terceira idade.

A

B

dependente de aplicao de cargas mecnicas para se manter saudvel e resistente (NORIS-SUAREZ, 2007; BIANCO e FRAGA, 2008). Por isso, na ausncia de cargas aplicadas sobre ele, ocorre a perda inevitvel da massa ssea e a reduo da magnitude de fora tolerada em deformao elstica e da fora mxima at a fratura. Felizmente, a estimulao produzida para a manuteno da fora nos msculos abdutores do quadril, tambm servir como estmulo mecnico manuteno da massa ssea reduzindo ainda mais risco de fratura na regio do colo do fmur.

Figura 6: Ilustrao do colo da cabea do fmur submetido a foras de flexo sob o efeito do peso (B) e o mecanismo de proteo obtido por meio da contrao muscular dos abdutores do quadril ao transformar a fora de flexo em fora puramente compressiva (A). Adaptado de KAPANDJI (1990).

Figura 7: Curva de estresse deformao de vrtebras de macacos submetidos imobilizao em comparao com vrtebras normais. Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

Outra forma de otimizao da proteo e de preveno de leso por fratura, no colo da cabea do fmur, a de manter o osso resistente por meio da manuteno e/ou aumento da massa ssea, por remodelao. De nada adianta manter a massa muscular adaptada se o osso sofrer uma reduo significativa em sua massa a ponto de no tolerar nem sequer as foras compressivas. Esta perda de massa ssea pode ocorrer por falta de estimulao adequada que promover maior reabsoro do que formao ssea. Um dos motivos mais observados para reduo de massa ssea o sedentarismo ou a imobilizao (Figura 7). Estes dois fatores so observados como causadores de diminuio de massa ssea, pois o tecido sseo completamente

A reduo da massa ssea pode tambm predispor fratura por estresse em praticantes de diversas modalidades fsicas, seja em nvel competitivo ou amador. Os praticantes de corrida de fundo so os que maior incidncia de fratura por estresse apresentam nos ossos do p (HURWITZ, 2001). Uma vez que a caracterstica da corrida de fundo intensidade baixa de fora compressiva na forma de impacto (BIANCO, 2005) e alto volume (sesses de treinamento e freqncia semanal de treino), isso significa que a fratura est muito mais associada ao volume do que intensidade e provavelmente ao tempo de recuperao tambm. Entendendo que a resistncia do osso determinada pela quantidade de

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massa presente na estrutura, observvel por meio da rea de seco transversa do osso e pela sua mineralizao, uma leso que por ventura venha a ocorrer, associada ou no a uma imobilizao, pode levar a perdas de massa ssea que aumentam o risco de surgimento de uma fratura por estresse. Portanto, sempre que houver retorno de um praticante de exerccio fsico a suas atividades aps uma leso, deve-se ter ateno redobrada para que, no somente a mesma estrutura no volte a se lesionar, mas tambm para que outra estrutura, como o tecido sseo, no venha a sofrer leso em decorrncia do perodo de inatividade ao qual o sujeito foi submetido.

lisa da cartilagem articular e banhada por lquido sinovial, promove um atrito mnimo, que importante para minimizar ao mximo o desgaste articular e tornar a realizao do movimento mais fcil e econmica do ponto de vista do dispndio de energia (NORDIN e FRANKEL, 2003).

2. Cartilagem articularA cartilagem articular hialina um tecido que reveste as extremidades dos ossos que compem uma articulao sinovial (Figura 8). por meio do deslizamento das cartilagens articulares dos ossos, que os movimentos articulares ocorrem. A cartilagem articular uma estrutura pela qual no passam vasos sanguneos ou vasos linfticos e tambm no apresenta inervao. Por conta disso, pode-se considerar que a cartilagem est relativamente isolada das demais estruturas do corpo e esse fato traz conseqncias manuteno da integridade deste tecido. As funes da cartilagem articular so de diminuir o estresse mecnico e o atrito entre os ossos em interao. A cartilagem articular um tecido altamente deformvel e com grande teor de gua (60 a 85%). Isso significa que sob compresso, ocorre a sada de certa quantidade de gua, trazendo como conseqncia uma deformao na estrutura que aumentar a rea de contato entre os ossos. Por sua vez, a rea de contato aumentada distribui melhor a fora aplicada sobre ela, reduzindo assim a presso ou o estresse mecnico entre as estruturas. Ao mesmo tempo, a superfcie extremamente

Figura 8: Ilustrao de uma articulao do joelho, na qual se observa que todas as extremidades sseas que interagem entre si por meio de contato apresentam cartilagem articular recobrindo-as. Adaptado de HALL (2009).

A cartilagem articular composta por uma matriz celular, uma matriz orgnica extracelular e por gua. As clulas presentes na cartilagem so os condrcitos. Estas clulas so responsveis pela manuteno da integridade da matriz extracelular. So os condrcitos que degeneram o tecido envelhecido ou lesionado e ressintetizam o tecido orgnico. A matriz orgnica extracelular composta de fibras de colgeno do tipo II e de uma glicoprotena chamada de proteoglicano. As fibras de colgeno encontram-se emaranhadas numa densa malha com alta concentrao de proteoglicanos dispostos entre elas (Figura 9). So estas duas estruturas as grandes responsveis por suportar as solicitaes mecnicas que sero impostas sobre elas durante a realizao do movimento humano. Contudo, a contribuio de cada uma dessas estruturas resistncia mecnica da cartilagem distinta. Por exemplo, a fibra de colgeno uma fibra elstica altamente resistente a foras tensivas ou de trao; por isso, essa estrutura que oferece resistncia

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s foras tangenciais de deslizamento ao qual a cartilagem est exposta durante a realizao dos movimentos articulares. Por outro lado, as fibras de colgeno, mesmo sendo altamente resistentes aplicao de foras, no respondem de forma satisfatria a foras compressivas. As estruturas capazes de oferecer resistncia ao estresse compressivo so os proteoglicanos (NORDIN e FRANKEL, 2003).

Figura 9: Ilustrao representando as fibras de colgeno e os proteoglicanos compostos por uma protena central (Hialuronato) e pelos Aggrecanos ligados a ela. Ambas as estruturas esto imersas em lquido intersticial dentro da cartilagem articular. Adaptado de (NORDIN e FRANKEL, 2003).

De forma simplificada, os proteoglicanos so grandes molculas de protena contendo estruturas chamadas de aggrecanos, que por sua vez, so compostas por uma protena central a qual diversas cadeias de glicosaminoglicanos encontram-se atadas. Os aggrecanos esto presos a uma molcula de cido hialurnico ou hialuronato, por meio de ligaes de protena (Figura 9) (NORDIN e FRANKEL, 2003). Para que os proteoglicanos possam oferecer resistncia s solicitaes mecnicas compressivas, a estrutura bioqumica dos proteoglicanos precisa ser entendida. Nos aggrecanos, os glicosaminoglicanos so carregados com uma lata concentrao de cargas negativas fixadas a ela (Figura 10). Estas cargas negativas garantem uma fora repulsiva que estende a estrutura e a mantm rgida. Quando uma fora

compressiva aplicada sobre ela, ocorre a sada do lquido da estrutura que por sua vez aumenta a concentrao das estruturas dentro da cartilagem e causa uma aproximao nas mesmas. A aproximao das estruturas faz com que as cargas negativas sejam aproximadas aumentando assim a sua fora repulsiva at que um equilbrio seja alcanado e a cartilagem pare de se deformar, sob a ao da fora compressiva aplica externamente cartilagem. A sada de fluido da cartilagem em situaes como essa de aplicao de uma fora compressiva, fundamental sade da cartilagem articular, pois permite o deslocamento de nutrientes para dentro da estrutura que, por sua vez, um tecido avascular, conforme visto anteriormente. A sada deste fluido alm de ser importante para que a cartilagem consiga se ajustar ao estresse compressivo, tambm contribui com a lubrificao da cartilagem, pois aumenta a quantidade do lquido intraarticular e diminui a densidade, o que mostra-se fundamental para a minimizao do atrito entre as cartilagens durante a realizao do movimento. A sada de fluido da cartilagem pode ser de at 70% do contedo contido em situao de repouso. (NORDIN e FRANKEL, 2003). Porm, a quantidade de fluido liberada pela cartilagem proporcional magnitude da carga compressiva aplicada sobre ela. Isso significa que sob ao de cargas compressivas de baixa magnitude, haver uma quantidade menor fluido saindo da estrutura e, posteriormente, reabsorvida pela mesma, do que em cargas compressivas de maior magnitude. Isso, teoricamente, pode afetar a nutrio da estrutura, pois pela entrada de lquido sinovial rico em nutrientes que a ao dos condrcitos consegue manter a estrutura saudvel. Por isso, se a carga for baixa, a sada de fluido ser menor e, posteriormente, a entrada de fludo com nutrientes na cartilagem tambm ser reduzida. Por conta disso, plausvel considerar que a cartilagem articular completamente dependente da aplicao

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cclica e contnua de carga para manter sua integridade.

Figura 10: Ilustrao representando o comportamento mecnico que as cargas negativas presas aos glicosaminoglicanos, presentes nos aggrecanos, apresentam quando sob a ao de uma carga compressiva e em situao de ausncia de carga. Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

Figura 11: Representao do mecanismo de resposta relacionado ao efeito de relaxamento ao estresse que a cartilagem apresenta quando uma carga compressiva aplicada sobre a mesma. Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

Uma vez que a cartilagem ser submetida a continuas compresses, importante que mesma possa se ajustar a estas cargas externas a fim de que uma leso estrutura no seja causada. isso que a reposta mecnica conhecida como efeito de relaxamento ao estresse representa: um ajuste promovido internamente cartilagem para adapt-la e prepar-la a tolerar o estresse imposto durante a aplicao de cargas compressivas, como as observadas durante a realizao de uma atividade fsica qualquer. Para entender este mecanismo, torna-se necessrio imaginar uma situao na qual uma carga compressiva foi aplicada sobre a cartilagem promovendo uma determinada deformao que ser mantida constante (Figura 11 e 12).

No exemplo (Figura 11), na condio inicial (t = 0) observa-se um pedao de cartilagem com alto teor de gua uniformemente disposto na estrutura e representado pelas linhas horizontais. Com a aplicao da carga compressiva (A e B), ocorrer a sada de fluido da estrutura e a regio superficial da cartilagem ser compactada e se encontrar sob grande estresse (Figura 12, momentos A e B). O fluido ser preferencialmente perdido pela superfcie, pois ela que se encontra com a face voltada para o espao intraarticular. A regio profunda est em contato com o osso, portanto no h a possibilidade da perda de fludo para este lado. Na condio B, a mxima deformao objetivada no exemplo foi alcanada e a cartilagem no ir se compactar mais (Figura 11). neste momento que a cartilagem articular alcana seu mximo estresse interno na regio da superfcie (Figura 12). a partir deste instante que ocorrer o efeito de relaxamento ao estresse, que envolve a redistribuio do lquido restante dentro da cartilagem, no intuito de reduzir a compactao da matriz slida na superfcie e diminuir o estresse interno na cartilagem (Figuras 11 e 12, dos momentos de B at E). Na situao E observa-se que um novo equilbrio foi alcanado no qual a fluido restante voltou a ser uniformemente distribudo na estrutura

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e o estresse interno diminuiu e tambm encontrou um equilbrio, porm num patamar mais alto do que na condio inicial, como mostra a figura 12 (NORDIN e FRANKEL, 2003).

mantido por um certo perodo, as cargas compressivas precisam ser aplicadas por, aproximadamente, 30 ciclos (FUNG, 1993). O cuidado citado anteriormente visa prevenir que a cartilagem articular sofra danos ou leses s quais a mesma tem pequena possibilidade de reparar. A capacidade de se adaptar aumentando a sntese de matriz slida por meio das clulas condrcitos parece ser alta; contudo, aparentemente a capacidade da cartilagem de se regenerar quando ocorre o rompimento desta matriz parece ser bastante limitada (NIGG e HERZOG, 2006). Por isso, importante prevenir que este tipo de leso ocorra na cartilagem articular. As leses da cartilagem articular podem ocorrer por interao das superfcies de apoio e por fadiga (NORDIN e FRANKEL, 2003). As leses provenientes por interao das superfcies de apoio esto relacionadas ao atrito que pode ocorrer entre as cartilagens, em situao de lubrificao inadequada, e que podem causar um desgaste por adeso ou por abraso. O desgaste por adeso est associado a uma fixao forte entre as duas superfcies que ao serem deslizadas despedaam a superfcie das mesmas. O desgaste por abraso ocorre em uma situao na qual uma das superfcies mais dura que a outra, sendo que, durante o deslizamento, a superfcie mais macia ser arranhada pela mais dura. O material mais duro pode ser um fragmento que se encontra entre as superfcies que sero deslizadas, que podem promover dilaceraes na superfcie da cartilagem. Esse material pode ser, ainda, a prpria superfcie de contato da estrutura (NORDIN e FRANKEL, 2003). O baixo atrito obtido pela superfcie lisa da cartilagem em associao com a lubrificao do lquido sinovial torna o risco deste tipo de leso baixssimo. Porm, quando a cartilagem j estiver lesionada, a superfcie da mesma se torna mais irregular e isso aumenta a prdisposio a esse tipo de leso e a piora do

Figura 12: Representao da variao do estresse em funo do tempo como resultado do efeito de relaxamento ao estresse em situao de aplicao de uma carga compressiva sobre a cartilagem articular. Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

Este efeito causado toda vez que uma carga compressiva imposta cartilagem, mas se este estresse causado na superfcie for excessivo, ele poder causar uma ruptura na matriz slida. Portanto, importante que este efeito seja causado com cargas controladas para que o equilbrio na redistribuio de fluido seja alcanado antes que as cargas mais altas sejam aplicadas durante situaes como, por exemplo, um treinamento fsico. Uma forma bastante eficiente de promover o efeito de relaxamento ao estresse de forma controlada por meio do aquecimento especfico que antecede o treinamento em si. No aquecimento especfico, a especificidade da modalidade mantida, o que garante que a cartilagem das articulaes envolvidas ser submetida s foras compressivas, porm com intensidade menor que no treinamento. Desta forma, o risco de leso da cartilagem articular ser menor. O efeito de relaxamento ao estresse ocorre relativamente rpido. O tempo para que o equilbrio na redistribuio do fluido seja alcanado leva at cinco segundos. Porm, para que este equilbrio seja

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desgaste progressivamente (WHITING e ZERNICKE, 2001). As leses por fadiga so leses crnicas, nas quais ocorre o acmulo de danos microscpicos causadas por cargas mecnicas aplicadas repetidas vezes a ponto de lesionar a superfcie da cartilagem. Estas leses por fadiga podem ocorrer por cargas altas e cclicas aplicadas por um curto ou longo perodo de tempo (NORDIN e FRANKEL, 2003). Neste tipo de leso, se deve ter cuidado com cargas muito altas aplicadas em curto intervalo de tempo e de forma repetitiva, pois nesta condio pode no haver tempo suficiente para que o mecanismo de relaxamento ao estresse seja desencadeado podendo promover dano estrutura da cartilagem. Se por um lado a magnitude da carga aplicada sobre a cartilagem precisa ser controlada, tambm precisa de controle a distribuio desta carga na superfcie de contato, ou seja, tambm merece ateno a rea de contato na qual a fora ser aplicada. A relao da carga imposta com a sua rea de contato remete uma varivel fsica conhecida como presso. A presso uma fora distribuda em uma determinada rea. Para a anlise da resposta de materiais, como, por exemplo, os materiais biolgicos, geralmente a palavra presso substituda por estresse mecnico. Conforme exposto anteriormente, foi discutida a caracterstica da magnitude da carga; por isso, o foco ser dado daqui por diante para a anlise dos fatores que interferem na rea de contato. So muitos os fatores que interferem nas alteraes da rea de contato da cartilagem articular, como, por exemplo, observa-se no joelho a extrao do menisco, as rupturas ligamentares e a lateralizao da patela.

A extrao de menisco, tambm conhecida como meniscotomia, predispe leses ligamentares, pois sem os meniscos a distribuio das cargas ser prejudicada. J na ruptura ligamentar, a estabilizao passiva da articulao ser comprometida permitindo movimentos excessivos entre os ossos que podem sobrecarregar a cartilagem de forma anormal. Por ltimo, outro fator que pode alterar a rea de contato das cargas aplicadas sobre a cartilagem o deslocamento anormal da patela, que geralmente envolve a lateralizao da patela. Em condies normais, durante a flexo-extenso dos joelhos, os estabilizadores ativos e passivos da patela promoveriam uma excurso na qual as foras estariam distribudas adequadamente na articulao patelofemoral. Contudo, em algumas condies, a patela pode se deslocar de forma anormal, geralmente mais lateralizada do que deveria, promovendo a perda de contato na regio medial da patela e concentrando as foras de compresso da patela entre o fmur e a regio lateral da patela. As causas para o deslocamento anormal da patela ainda so muito discutidas, mas seguramente dependem de vrios fatores para ocorrerem. Diante disto, nota-se que os mecanismos de leso da cartilagem ainda no so plenamente conhecidos. Alm disso, devido s diversas formas de leso nas quais elas se apresentam na cartilagem, bem possvel que ocorra a combinao destes mecanismos para o surgimento das leses nesta estrutura.

3. FibrocartilagemAs fibrocartilagens so tecidos presentes em algumas articulaes do corpo. Estas fibrocartilagens podem formar um anel, como o caso do disco intervertebral ou se apresentarem no formato de uma meia lua, como o caso dos meniscos do joelho (HALL, 2009). As fibrocartilagens so compostas por

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camadas concntricas de fibras de colgeno dispostas em diferentes direes. Os meniscos do joelho so fibrocartilagens no formato de meia lua e encontramse presos ao plat tibial. No joelho dois meniscos podem ser observados: o menisco lateral e o menisco medial. O formato dos dois meniscos ligeiramente diferente para acompanhar e possibilitar melhor encaixe com os cndilos do fmur, que tambm apresentam formatos ligeiramente diferentes (DUFOUR, 2003). So muitas as funes atribudas aos meniscos mas, dentre elas, destaca-se a melhora do encaixe entre a tbia e o fmur, visando aumentar a estabilidade da articulao do joelho e distribuir melhor as foras, diminuindo a presso e o estresse articular (HALL, 2009; WHITING e ZERNICKE, 2001; NORDIN e FRANKEL, 2003). Este o motivo pelo qual a meniscotomia, extraes de meniscos, predispem as leses de cartilagem articular, bem como de ligamentos cruzados e colaterais do joelho (SMITH, WEISS e DON LEHMKUHL, 1997). Com a extrao do menisco, a rea de contato entre os cndilos do fmur e o plat tibial diminui e as foras compressivas passam a ser pior distribudas (Figura 13). Por sua vez, isso concentra foras de compresso na cartilagem articular predispondo-a a leses (NORDIN e FRANKEL, 2003).

Por melhorar o encaixe entre a tbia e o fmur e considerando que nos movimentos de flexo e extenso do joelho, os meniscos se deslocam para acompanhar os movimentos dos cndilos, a extrao dos meniscos tambm afeta a estabilidade da articulao e aumenta o estresse sobre as estruturas ligamentares, aumentando o risco de leso sobre elas (NORDIN e FRANKEL, 2003). Os discos intervertebrais alm da fibrocartilagem anelar, conhecida como anel fibroso, apresentam um gel aquoso no seu interior, conhecido como ncleo pulposo. O ncleo pulposo constitudo basicamente de gua e proteoglicanos. VIDEO 04 Os discos intervertebrais tm a funo de distribuir as cargas mecnicas e restringir movimentos excessivos entre as vrtebras (NORDIN e FRANKEL, 2003). O ncleo pulposo, por ser um gel, apresenta caractersticas hidrostticas, que so importantes para a distribuio das cargas no anel fibroso. Quando sob uma compresso, o ncleo pulposo, como qualquer lquido, expande de forma igual em todas as direes aplicando uma carga uniforme em toda a extenso do disco intervertebral (Figura 14). Esta distribuio de carga importante, pois o anel fibroso composto por camadas concntricas de fibras de colgeno em disposio em forma de xadrez. Esta disposio e caracterstica atribuem grande resistncia relativa a foras de toro e compresso. Porm, importante que nenhuma regio do disco seja excessivamente sobrecarregada e isso controlado pela distribuio das foras obtida pelo ncleo pulposo.

Figura 13: Ilustrao representando a funo dos meniscos de distribuio das cargas na articulao do joelho. Com a remoo dos meniscos as cargas compressivas estariam concentradas em uma rea de contato menor, aumentando o estresse sobre a cartilagem articular e piorando a estabilidade articular. Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

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do disco maior do que o estresse ao qual ele ser submetido.

Figura 14: Ilustrao do efeito da solicitao mecnica em compresso sobre o disco intervertebral promovendo a expanso uniforme do ncleo pulposo em todas as direes e garantindo a adequada distribuio das cargas sobre o anel fibroso.

Contudo, quando uma fora de flexo aplicada sobre a coluna, isso gera uma flexo sobre o disco intervertebral, significando que a regio anterior do disco ser comprimida, enquanto a regio posterior do disco ser tracionada (Figura 15). A compresso anterior ir projetar o ncleo pulposo contra a parede posterior do disco intervertebral. Este estresse ser de maior magnitude do que numa situao semelhante, com mesmo suporte de peso, porm mantendo as curvaturas fisiolgicas da coluna. Isso no significa que quando ocorre flexo da coluna, o disco corre risco de leso. Para que o risco de leso seja considervel, a flexo da coluna deve estar associada a outros fatores que aumentam a compresso discal. Alguns fatores que aumentam a compresso discal so a rotao da coluna, a posio sentada, inclinao do corpo frente e/ou elevao, suporte e transporte de carga. Tambm interfere na compresso discal a forma como esta carga transportada ou suportada, pois quanto mais distante estiver a carga do eixo de rotao, maior ser a compresso discal. Estes fatores por si s j aumentam a compresso discal, mas se estes fatores estiverem combinados, a compresso ser ainda maior (NACHEMSON, 1975). Porm, isso no significa que o disco corre risco de leso, pois se a coluna estiver com as suas curvaturas fisiolgicas mantidas, a resistncia

Figura15: Ilustrao do efeito da solicitao mecnica em flexo sobre a coluna promovendo uma fora de compresso na regio anterior e uma fora de trao na regio posterior do disco intervertebral. Como conseqncia ocorre a projeo do ncleo pulposo contra a parede posterior do disco intervertebral.

Portanto, manter a coluna na postura correta, ou seja, preservando as curvaturas fisiolgicas, essencial para a integridade da coluna e do disco intervertebral. Para manter a coluna na postura correta, importante ter os msculos paravertebrais, oblquo interno e transverso do abdome fortalecidos. Os msculos paravertebrais mantm a coluna em extenso e o msculo oblquo interno e transverso do abdome aumentam a presso intra-abdominal para aumentar a rigidez desta regio e tornar mais difcil a flexo da coluna lombar. Estes msculos fortalecidos protegem a coluna contra leses.

4. Ligamento e TendoUma vez que as caractersticas dos ligamentos e dos tendes so muito semelhantes, os mesmos sero tratados em conjunto, porm com o apontamento das diferenas que estas estruturas apresentam. A primeira diferena entre essas estruturas est na funo das mesmas. O tendo uma estrutura que conecta o msculo ao osso. Por conta disso, sua funo a de transmitir

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as foras de tenso produzidas pelo msculo ao osso, para que movimento possa ser realizado. J os ligamentos so estruturas que geralmente esto conectadas a ossos com a funo de estabilizar as articulaes ao restringir movimentos indesejveis entre os ossos (FUNG, 1993). Tanto os ligamentos quanto os tendes so compostos em grande parte por fibras de colgeno. Como visto anteriormente, a fibra de colgeno uma fibra elstica e muito resistente, que responde bem a solicitaes mecnicas tensivas. O comportamento mecnico destas estruturas pode ser analisado por meio de testes mecnicos, nos quais se observa a resposta de deformao que estas estruturas apresentam a uma solicitao mecnica de trao ou tenso (Figura 16). VIDEO 05 Tanto os ligamentos quanto os tendes apresentam quatro fases diferentes de resposta. A fase 1 representa do alinhamento das fibras de colgeno. Quando estas estruturas no esto sendo tracionadas, elas se apresentam em uma disposio ondulada e relaxada. Com uma quantidade relativamente pequena de carga em trao, ocorre o alinhamento da estrutura, na qual as fibras passam a ficar alinhadas e esticadas. A fase de alinhamento tambm conhecida como regio primria ou dos artelhos. A fase 2 a fase de resposta linear ou regio secundria. Nesta fase as fibras respondem trao por meio de alongamento. A relao entre estas duas variveis mais ou menos linear, ou seja, quanto maior for a fora empregada, maior ser o alongamento da estrutura, mas tambm quanto mais alongada estiver a estrutura, maior ser a sua rigidez. A fase 3 representa o instante a partir do qual as fibras de colgeno vo aleatoriamente se rompendo na extenso da estrutura e a resistncia da mesma vai gradativamente sendo comprometida em funo dessas rupturas. Esta fase se chama fase de falha ou microfalha. Por ltimo, a fase 4 representa a fase da ruptura total, na qual a carga mxima

foi atingida e a estrutura no mais capaz de responder ao estmulo (NORDIN e FRANKEL, 2003).

Figura 16: Grfico representando a resposta mecnica do tendo submetido a um teste mecnico em trao at a sua ruptura total. Os nmeros 1, 2, 3 e 4 correspondem s quatro fases de resposta desta estrutura. Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

Apesar da importncia de conhecer qual o limite superior de carga aplicada sobre o ligamento e o tendo para promover o seu rompimento, torna-se relevante mencionar que a carga mxima tolerada muito superior s cargas que so, em condies fisiolgicas normais, aplicadas sobre estas estruturas. Por exemplo, durante a execuo da corrida e do salto, a mxima carga tensiva aplicada corresponde a 30% da carga mxima necessria para promover a ruptura total destas estruturas (FUNG, 1993). Mesmo assim, a ruptura total uma leso possvel, mas no pela magnitude da carga aplicada e sim por uma associao de fatores que determinam o mecanismo de leso destes tecidos. Nessas duas estruturas o rompimento se d por mecanismos distintos que precisam ser entendidos separadamente. Por serem predominantemente compostas por fibras de colgeno, as duas estruturas apresentam um comportamento viscoelstico, que , obviamente, a associao do comportamento elstico com o comportamento viscoso. O comportamento elstico um comportamento bastante conhecido, no qual a estrutura apresenta uma deformao com certo acmulo de energia

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que ser restitudo ao trmino da aplicao de carga e a deformao ser revertida. J o comportamento viscoelstico, um comportamento tempo-dependente, ou seja, o tempo ao qual o tecido imposto carga aplicada afeta a resposta do tecido. Portanto, as repostas viscoelsticas de um tecido so influenciadas pela magnitude da carga e pelo tempo de exposio a esta carga. Por isso, cada vez que uma carga aplicada sobre um tecido viscoelstico, como o tendo e o ligamento, observa-se certo comportamento no reversvel, no elstico, que por sua vez, afeta a resposta do tecido nas cargas subseqentes. Em outras palavras, uma carga de trao imposta a um tendo faz com que ele se deforme e, com a retirada dessa carga, a deformao do tecido revertida, porm no completamente. Numa nova aplicao de carga, a deformao sob a ao da carga ser maior e a remoo da carga promover um retorno menor ainda desta deformao. Em outras palavras, cargas cclicas de trao promovero o aumento do comprimento agudo do tecido, afetando a sua rigidez e sua resistncia a ponto de tornar o tecido suscetvel a microfalhas, mesmo que sob ao de cargas fisiolgicas (ENOKA, 2000; NORDIN e FRANKEL, 2003). As leses sobre o tendo e o ligamento so conseqncia no da magnitude das cargas impostas durante os movimentos cotidianos ou esportivos, mas do volume de aplicao destas cargas podendo promover rupturas parciais (deformaes plsticas em fase de microfalha) ou rupturas totais. Este comportamento pode acontecer numa sesso de treinamento, ou no efeito somado de vrias sesses. Contudo, como o tecido se regenera com o passar do tempo, as leses provenientes de sesses somadas dependem, tambm, do intervalo de tempo de recuperao entre as sesses de treinamento, sendo que perodos curtos de recuperao levariam s leses citadas e perodos suficientes de recuperao no resultariam em leso.

Os comportamentos mecnicos de um ligamento e de um tendo podem ser observados nos testes de estressedeformao e de acomodao (Figura 17). No teste de estresse-deformao (Figura 17A), uma carga aplicada para promover uma deformao que ser mantida constante. Ao longo do tempo, nota-se que a carga necessria para se manter a mesma deformao diminui, ou seja, o mesmo comprimento passa a ser mantido com uma carga menor, sendo que mais facilmente o mesmo comprimento pode ser atingido na estrutura. No movimento humano, por exemplo, este comportamento permite alcanar amplitudes de movimento maiores com gastos menores de energia. Este comportamento pode ser alcanado por meio da aplicao cclica de carga, ou seja, sucessivas traes promovendo deformaes iguais so alcanadas com cargas cada vez menores. A nica diferena que este efeito torna-se de maior magnitude quando a carga for mantida constante, do que quando ela for aplicada de forma cclica. No teste de acomodao (Figura 17B), uma carga constante em trao aplicada para analisar a deformao que resultar na estrutura. Sob uma carga constante, ocorrer uma deformao inicial rpida seguida de uma deformao lenta at que um equilbrio seja alcanado. O equilbrio obtido denominado de acomodao. Ciclicamente, este efeito tambm pode ser produzido, porm com um resultado menor (ENOKA, 2000; NORDIN e FRANKEL, 2003).

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Figura 17: Respostas mecnicas de relaxamento ao estresse e de acomodao a uma deformao mantida constante e a uma carga mantida constante, respectivamente, ao longo do tempo. Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

Diversas aplicaes podem ser pensadas para estes comportamentos dos tecidos viscoelsticos. Por exemplo, na execuo de um movimento cclico, seja uma corrida ou um treinamento de fora, deformaes sucessivas sero impostas em comprimento relativamente constante. Com o avanar dos ciclos, a fora necessria para alcanar este comprimento no tecido torna-se menor, tornando a energia necessria para alcanar esta amplitude no movimento menor. Por serem extremamente semelhantes, as respostas que os ligamentos e os tendes apresentam s foras de trao so semelhantes, porm os fatores ou mecanismos que promovem estas traes so diferentes nos dois tecidos. Os ligamentos apresentam uma caracterstica de tenso que depende da amplitude de movimento e da restrio especfica que o ligamento proporciona. Por exemplo, o ligamento cruzado anterior no joelho apresentase em tenses de maior magnitude em amplitudes prximas da extenso total (NEUMANN, 2006). Alm disso, por restringir primariamente o deslocamento anterior da tbia e, secundariamente, a rotao medial

da tbia, o ligamento cruzado anterior apresentar altas tenses quando estas restries forem necessrias (NIGG e HERZOG, 2006). No movimento humano, a estabilizao da articulao se d por meio da contrao muscular inerente ao movimento (estabilizao ativa) e principalmente pela ao dos ligamentos (estabilizao passiva). Por isso, o estresse mecnico sobre as estruturas ligamentares no alto o suficiente para promover leses sobre as mesmas. Contudo, devido a fatores como irregularidades do piso, foras externas provocadas por oponentes na prtica de modalidades esportivas e rpidas mudanas necessrias na execuo do movimento, a atividade muscular pode no apresentar tempo suficiente para se ajustar demanda do movimento. Assim, a necessidade de estabilizao passiva ser maior, podendo promover uma magnitude de trao que cause uma deformao plstica no tecido ligamentar. Portanto, os principais mecanismos de leso dos ligamentos so os fatores externos e inesperados, como, por exemplo, os movimentos excessivos produzidos com atividade muscular no correspondente. Alm disto, movimentos como as tores no joelho (rotao medial da tbia e lateral do fmur), associados ao suporte de peso corporal, aumentam a probabilidade de leses no ligamento cruzado anterior. J, as entorses de tornozelo, representadas pela inverso subtalar e flexo plantar, aumentam o risco de leses nos ligamentos calcaneofibular, talofibular anterior e/ou talofibular posterior (NEUMANN, 2006; NIGG e HERZOG, 2006). J, os tendes, apresentam solicitaes mecnicas em trao dependentes de fatores diferentes dos observados nos ligamentos, como a magnitude de tenso produzida pelos msculos e a amplitude de alongamento do msculo ao qual o tendo est conectado (NORDIN e FRANKEL, 2003; ZATSIORSKY, 2004). Isso significa que em situaes de execuo de movimento normal, os tendes podem ser excessivamente tensionados a

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ponto de promover uma leso. Porm, a maioria destas leses ocorre como efeito de repetidas traes causadas numa mesma sesso de treinamento e somadas s vrias sesses, sem tempo suficiente para a recuperao do tecido, ou seja, leses crnicas. Alm disso, as leses agudas podem ser observadas tambm em situaes de tendes bastante enfraquecidos devido a longos perodos de sedentarismo e submetidos a atividades extenuantes numa sesso prolongada (WHITING e ZERNICKE, 2001; NORDIN e FRANKEL, 2003). Outro fator que predispe as leses tendneas a diminuio do aporte sangneo estrutura. Essa diminuio da vascularizao pode ocorrer devido a compresses, como por exemplo, nos casos de sndrome de pinamento no ombro (WHITING e ZERNICKE, 2001; NEUMANN, 2006) ou devido a tores impostas sobre o tendo, como as sugeridas em casos de excesso de pronao do tornozelo durante a corrida (KADER et al., 2002). Vale lembrar que os fatores descritos anteriormente, em muitos casos, esto associados para o surgimento de rupturas parciais e totais de ligamentos e tendes, o que dificulta ainda mais o controle destas leses. Alm disso, em cada fator citado, os mecanismos so complexos e ainda no plenamente compreendidos. Por isso, deve-se ter muita cautela na determinao da causa de uma leso, pois o fenmeno complexo.

5. Tecido MuscularO tecido muscular o nico tecido ativo do corpo humano, sendo que todos os outros tecidos so passivos. Isto significa que o nico tecido do corpo capaz de produzir tenso msculo e que os outros tecidos apenas respondem s foras aplicadas sobre elas. O tecido muscular constitudo de clulas chamadas de fibras musculares. As fibras musculares so clulas cilndricas,

longas e multinucleadas, que contm estruturas tambm cilndricas conhecidas como miofibrilas. As miofibrilas se encontram em grande nmero no interior da fibra muscular e as mesmas esto dispostas em paralelo. Cada miofibrila composta de diversos sarcmeros em srie e os sarcmeros contm os filamentos contrteis actina (filamento fino) e a miosina (filamento grosso). As fibras musculares so recobertas por uma membrana elstica fina chamada de sarcolema e, recobrindo esta membrana, observa-se uma camada de tecido conjuntivo chamada de endomsio. As fibras se agrupam no msculo em um conjunto chamado de fascculo, que por sua vez tambm recoberto por uma camada de tecido conjuntivo chamada de perimsio. O msculo como um todo um conjunto de fascculos que so recobertos por uma camada externa de tecido conjuntivo chamado de epimsio (HALL, 2009; ENOKA, 2000; NORDIN e FRANKEL, 2003). A partir do descrito, o msculo composto de trs componentes: componente contrtil, componente elstico em paralelo e componente elstico em srie. Os componentes contrteis correspondem aos filamentos contrteis actina e miosina. Os componentes elsticos em paralelo so as camadas de tecido conjuntivo que recobrem o msculo, o fascculo e a fibra muscular, ou seja, o epimsio, o perimsio e o endomsio, respectivamente. As camadas que recobrem as fibras musculares se prolongam para formar uma nova estrutura, o tendo. A partir da, os componentes contrteis em srie correspondem aos tendes que se encontram em srie em relao aos componentes contrteis. Para que a contrao muscular possa ocorrer, um estmulo nervoso deve ser conduzido at a fibra muscular para que a mesma possa ser despolarizada e todo o processo qumico que envolve este mecanismo, possa ser desencadeado. Para maiores detalhes sobre este processo, sugere-se buscar maiores informaes sobre

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a teoria dos filamentos deslizantes. Uma vez que a fibra muscular for estimulada, a tenso muscular ser produzida com caractersticas especficas dependendo do comprimento do msculo, dos componentes envolvidos na produo de tenso, da velocidade de contrao e do tipo de contrao envolvida (HALL, 2009; ENOKA, 2000; NORDIN e FRANKEL, 2003). VIDEO 06 A tenso muscular e o encurtamento muscular tornam-se possveis devido ao deslizamento da actina sobre a miosina. Por sua vez o que torna este deslizamento possvel so as ligaes das pontes cruzadas com o stio ativo localizado na actina. Portanto, se a trao da actina para o centro do sarcmero feita pela ligao de pontes cruzadas, quanto maior for o nmero de ligaes de pontes cruzadas, maior ser a tenso muscular produzida. Dessa forma, do encurtamento total do msculo ao alongamento total, o sarcmero passa por disposies distintas na actina e miosina, que afetam a produo de tenso muscular. Isso significa que na amplitude total de movimento o msculo no capaz de gerar uma tenso constante. A tenso muscular varia em funo do comprimento no qual o msculo se encontra. Esta caracterstica do msculo em funo do seu componente contrtil pode ser observada na curva de comprimento-tenso (Figura 18). Nesta curva observa-se que, por meio dos componentes contrteis do msculo, a produo de tenso baixa quando o msculo est completamente encurtado ou alongado e que a tenso mxima atingida quando o msculo se encontra em um comprimento intermedirio (2,0 a 2,25 m). Esse comprimento correspondente tenso mxima o comprimento de repouso do msculo. Quando o sarcmero est completamente alongado, a produo de tenso baixa, pois a possibilidade de realizar ligaes de pontes cruzadas depende de sobreposio dos filamentos de actina sobre os filamentos de miosina. Em comprimentos progressivamente mais

encurtados, a partir do alongamento total, a capacidade de produzir tenso aumenta devido maior sobreposio dos filamentos e maior possibilidade de realizar ligaes de pontes cruzadas. No comprimento de repouso, a tenso mxima, pois a sobreposio ideal permitindo que todas as pontes cruzadas possam fazer ligao. Em comprimentos menores que o comprimento de repouso, a capacidade de produzir tenso mais baixa devido disposio estrutural dos filamentos que novamente impossibilita que todas as pontes cruzadas realizem conexo (NORDIN e FRANKEL, 2003; ZATSIORSKY, 2004; NIGG e HERZOG, 2006).

Figura 18: Curva de comprimento-tenso do msculo, no qual se observa a produo de tenso proveniente dos seus componentes contrteis (tenso ativa). Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

A descrio de tenso muscular feita anteriormente representa a tenso ativa produzida pelo msculo, ou seja, a tenso produzida pelos componentes contrteis. Contudo, o msculo apresenta componentes elsticos tambm em srie e em paralelo, que so capazes de produzir tenso, porm de forma passiva e sob condies especficas (Figura 19). Os componentes elsticos, por serem compostos de fibras de colgeno, apresentam um comportamento tpico na produo de tenso. A partir do comprimento de repouso, quando ocorre o

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encurtamento, nenhuma tenso acumulada nos componentes elsticos, pois as duas extremidades do msculo esto sendo aproximadas. Por outro lado, quando o msculo alongado a partir do comprimento de repouso, as duas extremidades do msculo so afastadas e os componentes elsticos do msculo acumulam energia progressivamente maior, quanto maior for o alongamento do msculo (Figura 19). A tenso total do msculo a soma da tenso ativa e da tenso passiva. Por isso, do comprimento de repouso para o encurtamento total, somente os componentes contrteis produzem tenso. J quando o msculo alongado, a partir do comprimento de repouso, a tenso total corresponder ao somatrio da tenso ativa e passiva, produzida pelos componentes contrteis e elsticos, respectivamente (HALL, 2009; ZATSIORSKY, 2004).

Figura 19: Curva de comprimento-tenso do msculo ilustrando a tenso total produzida pelo msculo nos diferentes comprimentos musculares, a partir da tenso passiva e da tenso ativa. Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

O comportamento dos componentes contrteis e dos componentes elsticos ilustra que o sistema musculotendneo produz uma tenso total maior quando se encontra alongado do que quando se encontra encurtado. Esse comportamento dos componentes elsticos torna-se uma ferramenta importante para a produo de

fora em situaes de exigncia de fora rpida. Em movimentos que envolvem velocidade, como saltos verticais, arremessos e chutes, observa-se que os movimentos em questo so precedidos de um movimento preparatrio, no qual ocorre o alongamento do grupamento muscular envolvido. Nestes alongamentos, os componentes elsticos do msculo so estirados e os mesmos acumularo energia elstica que, posteriormente, poder ser restituda durante o encurtamento e somada tenso produzida nos componentes contrteis. Esta forma de produo de fora muscular conhecida como ciclo alongamento-encurtamento (KOMI e HKKINEN, 1988). A caracterstica de tenso produzida pelo msculo afetada pela velocidade na qual o movimento realizado (Figura 20). Neste sentido, quanto maior a exigncia de fora, menor a capacidade de realizar uma contrao concntrica com velocidade. Isso se tratando obviamente da relao de mxima fora e velocidade possvel. Por isso, se a carga mobilizada for muito alta, prxima do mximo, a capacidade de realizar o movimento rpido ser baixa. Caso se deseje realizar o movimento com velocidade maior, ser necessrio diminuir a exigncia de fora. As diferentes modalidades esportivas encontram-se em regies diferentes desta curva de foravelocidade. Por exemplo, os halterofilistas de levantamento bsico necessitam levantar a maior carga possvel para ter xito na modalidade, no sendo necessrio que a velocidade do levantamento seja alta. J corredores velocistas so avaliados pela capacidade de deslocar a massa corporal em alta velocidade. Ao relacionar a fora com a velocidade se obtm a varivel potncia que o produto da fora com a velocidade. No corpo humano, no possvel produzir alta potncia com cargas baixas, mesmo que a velocidade seja muito alta. Da mesma forma, no possvel alcanar potncias muito altas com cargas excessivamente altas, pois a velocidade do movimento ser muito baixa.

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A potncia mxima alcanada a cerca de 30% da velocidade mxima (ZATSIORSKY, 1999; ZATSIORSKY, 2004; NIGG e HERZOG, 2006). De maneira geral, difcil afirmar que uma modalidade se encontra exatamente nesta relao de fora-velocidade na qual a potncia produzida possa ser mxima. Contudo, mesmo que a velocidade de movimento esteja acima ou abaixo de 30%, na qual a potncia seria mxima, a caracterstica de produo de fora pode ser treinada para otimizar a produo de potncia na velocidade exigida. Estes ajustes especficos podem ser alcanados por meio de treinamentos que especificamente objetivam a velocidade e a fora exigida na modalidade (KOMI e HKKINEN, 1988; ZATSIORSKY, 2004).

a fora mxima produzida em contrao concntrica. Contudo, em contrao excntrica, a relao do desenvolvimento da fora e da velocidade direta, ou seja, quanto maior a velocidade de execuo do movimento, maior a fora mxima desenvolvida. Isso se deve, em parte, energia elstica adicionada tenso produzida pelos componentes contrteis, mas tambm se deve ao fato de que em contrao excntrica, o torque produzido pelo msculo ter que ser menor que o torque do peso e ainda, quanto maior a velocidade, menor ter que ser o torque do msculo, permitindo maior facilidade para mobilizar massas maiores com velocidades mais altas (KOMI e HKKINEN, 1988; HALL, 2009; NORDIN e FRANKEL, 2003). .

Figura 20: Curva de fora-velocidade e a curva de potncia-velocidade, na qual Vo indica a velocidade mxima e 0,3Vo indica a velocidade na qual a potncia mxima alcanada. Adaptado de ZATSIORSKY (2004). Figura 21: Curva de fora-velocidade nas contraes concntrica, excntrica e isomtrica. Adaptado de HALL (2009).

A velocidade de execuo de movimento e a correspondente velocidade desenvolvida sofrem interferncia do tipo de contrao realizada. A relao de fora-velocidade em contrao concntrica j foi discutida anteriormente (Figura 20). Resta compreender de que forma as demais contraes se relacionam com estas variveis (Figura 21). Em contrao isomtrica, obviamente a velocidade zero, pois esta contrao se caracteriza pela ausncia de movimento. Em contrao isomtrica a mxima fora desenvolvida maior que

Considerando estes elementos que interferem na produo de tenso, torna-se muito importante escolher adequadamente e especificamente o tipo de treinamento para aumentar o rendimento do msculo durante a realizao de modalidades especficas. A escolha adequada do tipo de treinamento no apenas beneficiar o rendimento dentro da modalidade, mas tambm servir como forma de prevenir o surgimento de leses, pois um sistema musculotendneo melhor preparado para exercer suas funes estar menos

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suscetvel fadiga e a estresses especficos da modalidade sobre o tecido.

6. Torque & AlavancasA compreenso do conceito de torque e alavancas imprescindvel para o entendimento da forma atravs da qual o msculo esqueltico capaz de produzir movimento em associao com os ossos do aparelho locomotor. Contudo, para que esse entendimento possa ser pleno necessrio conhecer primeiramente os tipos de movimentos possveis na natureza e as foras que as causam. Todos os movimentos da natureza podem ser classificados em dois tipos distintos de movimentos: translao e rotao (ZKAYA e NORDIN, 1991; HALL, 2009). Obviamente estes movimentos podem acontecer isoladamente ou combinados. Os movimentos de translao so aqueles que nos quais o corpo em questo se desloca por inteiro numa mesma direo e todas as molculas deste corpo se encontram com na mesma velocidade ou acelerao (HALL, 2009). Portanto, um exemplo deste tipo de movimento seria o de um carro que se desloca em uma rua. Se no houver irregularidades na pista, todas as peas do carro estaro se deslocando na mesma direo e com a mesma velocidade. No corpo humano, um exemplo deste tipo de movimento seria o que ocorre com a cabea durante a corrida. A orelha e o nariz de uma pessoa que corre na rua estariam se deslocando com uma mesma velocidade e na mesma direo; a diferena seria que eles no estariam se deslocando em linha reta e sim em sucessivas parbolas. Por meio destes dois exemplos, nota-se que um movimento de translao pode ser de dois tipos: retilneo, como o do carro que se desloca em linha reta, ou curvilneo, como o movimento da cabea que no ocorre em linha reta, mas sim em parbolas.

J os movimentos de rotao ocorrem quando o corpo gira em torno de um eixo prprio e, nesta situao, a velocidade de deslocamento das diferentes partes do corpo ser diferente (HALL, 2009). Um exemplo de movimento de rotao o observado no balano. O balano como um todo se desloca em rotao, significando que a extremidade mais distante do balano, a cadeira, estar se deslocando em velocidade linear maior que um ponto localizado no meio da corrente que prende a cadeira barra de sustentao. Contudo, importante notar que o corpo de uma criana sentada na cadeira do balano, estar se deslocando em movimento de translao curvilneo, pois o corpo como um todo est se deslocando com a mesma velocidade na mesma direo. O ponto em torno do qual a rotao do balano est ocorrendo, eixo de rotao, no se encontra no corpo da criana que est balanando. A combinao dos movimentos de translao e de rotao so os mais comuns no aparelho locomotor, pois ao mesmo tempo em que o corpo se desloca como um todo durante a locomoo, as articulaes do corpo estaro realizando rotaes para permitir que este movimento ocorra. Ou seja, enquanto que as mos do corredor estariam se deslocando em translao devido ao deslocamento anterior promovido pela locomoo, ao mesmo tempo elas estariam em rotao devido s flexes e extenses realizadas na articulao do cotovelo por causa dos movimentos dos braos. Uma vez compreendido quais so os movimentos possveis dos corpos na natureza, resta entender o que causa estes movimentos. Para o entendimento das causas do movimento, torna-se necessrio recorrer s Leis de Newton. As trs Leis de Newton explicam o comportamento de um corpo em movimento, de que forma o estado de movimento de um corpo pode ser alterado e a conseqncia decorrente da interao de dois corpos que eventualmente colidem durante a realizao do movimento (ZKAYA e NORDIN, 1991).

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A primeira Lei de Newton determina que um corpo tender a manter o seu estado de movimento quando a soma das foras aplicadas sobre este corpo for igual a zero, ou seja, se o corpo estiver parado, ele tender a permanecer parado e se o corpo estiver em movimento, ele tender a permanecer se movimentando em velocidade constante. Essa tendncia em manter o estado de repouso ou movimento que o corpo apresenta o que se denomina de inrcia. Portanto, para tirar um corpo de seu estado de movimento ou repouso, necessrio que haja a aplicao de uma fora. Isso o que a segunda Lei de Newton determina. Pela segunda lei, quando um corpo sofre a ao de uma ou mais foras, cuja resultante diferente de zero, ele ir acelerar na direo da fora e a magnitude da acelerao ser proporcional magnitude da fora resultante aplicada. Em outras palavras, para iniciar ou alterar o movimento de um corpo, necessrio que haja uma fora aplicada sobre o mesmo. Por ltimo, a terceira Lei de Newton determina que toda vez uma fora for aplicada sobre um corpo, nessa interao, o corpo que aplicou a fora receber em si uma fora de mesma magnitude e direo que a fora que ele aplicou, porm com sentido oposto. Portanto, um p que aplica uma fora sobre uma bola durante um chute (ao), receber uma fora que a bola aplicar sobre o p da pessoa (reao), com mesma magnitude e direo, porm com sentido oposto (ZKAYA e NORDIN, 1991). A partir do exposto anteriormente, fica claro que o movimento somente se inicia pela aplicao de uma fora. Contudo, a fora aplicada sobre um corpo causa apenas movimentos de translao. O que causa um movimento de rotao no uma fora e sim um torque. O torque uma fora que gera um movimento de rotao. Enquanto a fora resulta do produto da massa pela acelerao (F = m x a), o torque resulta do produto dessa mesma fora com o brao de alavanca (T = F x d^). O brao de alavanca uma distncia medida em metros a partir da linha

de ao da fora (direo da fora) at o eixo de rotao. Esta distncia perpendicular desde a linha de ao da fora ao eixo de rotao, ou seja, a menor distncia que une a linha ao eixo. Uma vez que todos os movimentos articulares so movimentos de rotao, isso significa que os msculos do corpo produzem fora (tenso) que geram torques nas articulaes. VIDEO 07 Na Figura 22, nota-se um exemplo de um msculo (bceps braquial) que por meio da contrao muscular produziu uma fora de tenso (Fm) que, por sua vez, produzir um torque na articulao do cotovelo. A fora muscular ser aplicada na insero deste msculo gerando uma trao sobre o osso. Por conta disso, o brao de alavanca desta fora, nesta situao, a distncia indicada pelo smbolo d^, que corresponde distncia perpendicular da linha de ao da fora muscular ao centro de rotao.

Figura 22: Ilustrao de um sistema de alavanca, na qual um bceps braquial produz um torque muscular (T ) sobre a articulao do cotovelo m (centro de rotao). Este torque deriva do produto da fora muscular (F ) com o brao de alavanm

ca deste mesmo msculo (d ) para a articulao ^ do cotovelo. Adaptado de HALL (2009).

Na natureza, todos os corpos sofrem a ao da gravidade que acelera os mesmos na direo do centro da Terra. Independente da nossa vontade, continuamente os corpos esto sobre a ao da fora peso, que a fora que surge a partir da gravidade

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acelerando a nossa massa em direo ao solo. Isso significa que constantemente os msculos do aparelho locomotor devem se opor a esta fora peso para que uma determinada postura adotada possa ser mantida ou para que um movimento desejado possa ser realizado. Portanto, no movimento humano sempre haver no mnimo duas foras aplicadas sobre os segmentos do corpo, produzindo cada uma, um torque sobre as articulaes. Em grande parte da literatura considera-se que, quando um torque produz o movimento, ele denominado de torque potente e, quando o torque resiste ou desacelera o movimento realizado, ele denominado de torque resistente. Por questes didticas, optouse por denominar os torques em funo da natureza da fora que produz os torques. Por isso, nas anlises a seguir os torques sero definidos como torques musculares, quando eles derivarem de uma fora muscular, e torques dos pesos, quando os mesmos forem gerados por foras pesos de objetos ou segmentos que objetiva-se movimentar. A Figura 23 representa uma situao na qual ocorre a interao destes torques produzidos por foras de diferentes naturezas (HALL, 2009). Invariavelmente, as foras peso do antebrao (FB) e do halter (FC) esto produzindo um torque no sentido de estender o cotovelo, ou seja, um torque em extenso e de magnitude correspondente ao produto da FB com o brao de alavanca do mesmo (b), no caso do torque B (TB), e ao produto da FC com o brao de alavanca do mesmo (c), no caso do torque C (TC). Se opondo a TB e TC, est a fora muscular (FA), produzindo um torque flexor na articulao do cotovelo. A magnitude de TA ser o produto da FA com o seu respectivo brao de alavanca (a). Portanto, nota-se que para cada fora de um sistema, cada uma apresentar seu respectivo brao de alavanca (SMITH, WEISS e DON LEHMKUHL, 1997).

Figura 23: Representao do Torque produzido sobre a articulao do cotovelo pelas foras peso do antebrao (B) e do halter (C) e pela fora muscular (A). Cada fora apresenta um brao de alavanca representado pelas letras minsculas a (fora muscular), b (peso do antebrao) e c (peso do halter). Adaptado de HALL (2009).

Os movimentos no exemplo citado anteriormente sero conseqncia da relao do torque flexor (TA) com os torques extensores (TB + TC). Quando o torque flexor for igual soma dos torques extensores (TA = TB + TC), o resultado ser uma contrao isomtrica por parte do msculo em questo, o bceps braquial. J, para que ocorra um encurtamento do msculo e uma contrao concntrica, a fora muscular ter que aumentar a fim de tornar o torque flexor maior que a soma dos torques extensores (TA > TB + TC). Por outro lado, para que ocorra o alongamento muscular e uma contrao excntrica, a fora muscular ter que diminuir a ponto do torque flexor se tornar menor que a soma dos torques extensores (TA < TB + TC). Portanto, notase que o resultado do movimento realizado na articulao, no sistema de alavancas, depende predominantemente da produo de fora muscular. Em um sistema de alavancas, a disposio do eixo de rotao, do torque muscular e do torque do peso, d origem a trs tipos diferentes de alavancas: interfixa ou de primeira classe; interresistente ou de segunda classe; e, interpotente ou de terceira classe (HAY, 1993; HAMILL e KNUTZEN, 2003). Cada uma destas alavancas apresenta uma diferente caracterstica que precisa

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ser discutida para elucidar a facilidade ou a dificuldade que o msculo apresentar para produzir movimento (Figura 24). VIDEO 08

Figura 24: Representao dos trs tipos de alavancas possveis: interfixa, interresistente e interpotente. Estas alavancas representam a disposio distinta que seus elementos, eixo, fora muscular (M) e fora peso (P), podem apresentar. Adaptado de HALL (2009).

Na alavanca interresistente, a fora muscular (M) ter mais facilidade em movimentar o peso (P), pois a fora muscular est mais distante do eixo de rotao e, conseqentemente, o brao de alavanca desta fora ser maior. Por esta relativa facilidade em movimentar a resistncia caracteriza-se esta alavanca como sendo ideal para gerar fora (vantagem mecnica de fora), ou seja, ideal para mobilizar grandes massas (SMITH, WEISS e DON LEHMKUHL, 1997). Os exemplos deste tipo de alavanca so escassos no aparelho locomotor. Um exemplo a relao das foras presentes no tornozelo em situaes nas quais a pessoa se encontra em p e a fora produzida pelo trceps sural. Na alavanca interpotente, a fora muscular (M) encontra-se entre o eixo de rotao e a fora peso (P). Nesta condio, a fora muscular est em uma condio desfavorvel, pois o seu brao de alavanca menor que o brao de alavanca da fora peso e, assim, a sua magnitude ter que

ser superior magnitude da fora peso para sustentar ou movimentar a resistncia. Esta alavanca no ideal para gerar fora, pois pequenos aumentos no peso exigem grandes aumentos na fora para sustentar o mesmo. Por outro lado, como a resistncia encontrase mais distante do eixo de rotao, a sua velocidade linear ser maior, e, por isso, esta alavanca ideal para gerar velocidade (vantagem mecnica de velocidade). Este tipo de alavanca a mais comum no corpo humano. o caso do deltide atuando na articulao glenoumeral, do tibial anterior atuando na articulao do tornozelo, do bceps braquial atuando na articulao do cotovelo e do quadrceps atuando na articulao do joelho (SMITH, WEISS e DON LEHMKUHL, 1997). Por ltimo, na alavanca interfixa o eixo de rotao se encontra entre a fora muscular e a fora peso. Esta alavanca no apresenta uma caracterstica previamente definida, pois o eixo pode estar prximo da fora muscular e distante do peso ou prximo do peso e distante da fora muscular. Nas duas situaes a alavanca continua sendo interfixa, porm com caractersticas distintas e isso se deve relao dos braos de alavancas das duas foras deste sistema. Quando o eixo estiver mais prximo da fora muscular e mais distante do peso, a fora ter dificuldade em mobilizar o peso, porm ao moviment-la, a velocidade linear do peso ser relativamente maior; por isso, ela apresentar caractersticas de uma alavanca interpotente, ou seja, de produo de velocidade. Por outro lado, quando o eixo estiver mais prximo do peso e mais distante da fora muscular, o brao de alavanca do msculo ser maior do que a do peso e, assim, relativa facilidade ocorrer para movimentar o objeto; por isso, ela apresentar caractersticas de uma alavanca interresistente, ou seja, de produo de fora. No corpo humano, alguns exemplos de alavancas interfixas so do trceps para o cotovelo e a da musculatura paravertebral para as diversas articulaes facetarias da

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coluna. Em ambos os casos, as alavancas interfixas so de caracterstica de produo de velocidade e no de fora. A caracterstica das alavancas em uma determinada articulao imutvel. Por outro lado, h uma variao na capacidade de cada msculo de produzir torque nos diferentes tipos de alavancas do corpo, que est relacionada s formas especficas do msculo de produzir tenso ao longo da amplitude de movimento. Essa variao est associada s alteraes no brao de alavanca dos diferentes msculos, o qual pode ser classificado como ascendente (aumentar continuamente ao longo da amplitude de movimento), descendente (diminuir progressivamente) ou ascendentedescendente (aumentar at certa amplitude e depois diminuir progressivamente at a amplitude total). Esta configurao no brao de alavanca est relaciona capacidade de produo de torque mximo, conforme ilustra a Figura 25.

7. Consideraes finaisEste texto buscou apresentar e discutir aspectos relacionados s caractersticas de resposta mecnica das diferentes estruturas e tecidos do aparelho locomotor, bem como entender de que forma o corpo humano capaz de produzir e controlar os movimentos. Esse entendimento torna-se imprescindvel para identificar e controlar variveis que aumentam a probabilidade de uma leso se instalar, o que se mostra de fundamental importncia para rea de Medicina do Esporte.

REFERNCIASACQUESTA, F.M.; PENEIREIRO, G.M.; BIANCO, R.; AMADIO, A.C.; SERRO, J.C. Caractersticas dinmicas de movimentos seleccionados do basquetebol. Revista Portuguesa de Cincias do Desporto. v.7, n.2, p.174182, 2007. AMADIO, A.C. e BARBANTI V.J., (Orgs.) A Biodinmica do movimento humano e suas relaes interdisciplinares. So Paulo, Editora Estao Liberdade, 2000. AMADIO, A.C.; DUARTE, M. Fundamentos biomecnicos para anlise do movimento humano. So Paulo, Laboratrio de Biomecnica/EEFEUSP, 1996. BIANCO, R. Caracterizao das respostas dinmicas da corrida com calados esportivos em diferentes estados de uso. 139f. Dissertao (mestrado) - Escola de Educao Fsica, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2005. BIANCO, R.; FRAGA, C.H.W. Exerccio fsico e sua influncia sobre a osteoporose. In: GORGATTI, M.G., COSTA, R.F. Atividade fsica adaptada: qualidade

Figura 25: Ilustrao dos diferentes torques resultantes nas articulaes ao longo da amplitude de movimento, que podem ser: descendentes, ascendentes ou ascendentes-descendentes. Adaptado de HAY (1992).

Uma vez que a relao entre os torques musculares e dos pesos depende da magnitude da fora produzida e dos seus respectivos braos de alavanca e, que o brao de alavanca do msculo varia ao longo da amplitude de movimento de forma constante, as exigncias de torque muscular sero essencialmente reguladas pelas alteraes resultantes da variabilidade no toque do peso tanto no que se refere magnitude da fora peso, quanto localizao do seu ponto de aplicao.

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