Download - BIOSSEGURANÇA: O CONHECIMENTO DOS …files.bvs.br/upload/S/0100-0233/2009/v33n3/a014.pdf · O teste Kruskal-Wallis revelou diferença significativa ... manter materiais perigosos

Transcript

476

ARTIGO ORIGINAL

BIOSSEGURANÇA: O CONHECIMENTO DOS FORMANDOS DA ÁREA DA SAÚDE a

Aline Daiane Ruthes Iarenhuk da Silvab

Marco Fabio Mastroenic

Resumo

O objetivo do estudo foi avaliar o conhecimento em biossegurança dos

formandos dos cursos de graduação da área da saúde na Universidade do Contestado. Os

dados foram coletados em outubro/novembro de 2005 e janeiro de 2006, utilizando-se,

como instrumento, um questionário contendo 15 perguntas. Os voluntários foram abordados

em sala de aula, nos primeiros 15 minutos da aula e convidados a participar da pesquisa. Dos

177 formandos candidatos a serem entrevistados, 114 (64,4%) responderam o questionário.

As idades máxima e mínima encontradas foram 45 e 19 anos, respectivamente, sendo a média

de idade 27,0 ± 7,1 anos. O teste Kruskal-Wallis revelou diferença significativa (p<0,05) em

relação às notas médias finais dos formandos sobre o conhecimento em biossegurança nos

cursos investigados, sendo o curso de Enfermagem o que apresentou maior nota média final

(6,29). Acredita-se que tal resultado tenha decorrido principalmente do maior número de

horas práticas existente no curso, 990 h/a, ou seja, um curso com maior número de disciplinas

envolvendo o tema biossegurança necessariamente não é aquele que prepara melhor o aluno,

mas sim o curso que possui maior carga horária em disciplinas com aulas práticas.

Palavras-chave: Biossegurança. Educação. Prevenção de acidentes.

BIOSAFETY: HEALTH PRE-GRADUATES’ KNOWLEDGE

Abstract

The objective of this study was to evaluate the knowledge about biosafety among last

year health area students at the University of Contestado, SC. The data were collected in October/

November 2005 and January 2006. A 15 questions - questionnaire was used as an instrument.

In the first 15 minutes of the class, the volunteers were approached in classroom and invited to

a Texto redigido com base na dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Saúde e Meio Ambiente da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). Órgão financiador: Fundo de Apoio à Pesquisa (FAP/Univille).

b Aluna do Programa de Mestrado em Saúde e Meio Ambiente da UNIVILLE.c Doutor em Saúde Pública. Docente do Programa de Mestrado em Saúde e Meio Ambiente da UNIVILLE. Endereço para correspondência: Campus Universitário, s/n, Joinville, SC. CEP: 89.201-972 [email protected]

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 476Revista Baiana v33 n3 2009.indd 476 20/4/2010 13:45:1420/4/2010 13:45:14

477

Revista Baiana

de Saúde Pública

jul./set. 2009v.33, n.3, p. 476-487

participate in the research. From 177 pre- graduate candidates to be interviewed, 114 (64.4%)

answered the questionnaire. The minimum and maximum age were 19 and 45, with 27.0 ±

7.1 year-old average. The Kruskal-Wallis Test revealed significant difference (p<0.05) in relation

to final averages of students about biosafety knowledge in the investigated courses, the Nursing

course presenting the largest final average (6.29). It is believed that this result is owed mainly to

the largest number of practical class hours in the course, circa 990 hours. In other words, the

course with the largest workload in disciplines with practical classes prepares the student much

better than the course with larger number of disciplines involving the biosafety theme.

Key words: Biosafety. Education. Accident prevention.

INTRODUÇÃO

A preocupação com a saúde do trabalhador de uma maneira geral, em especial

com trabalhadores da saúde, vem crescendo nos últimos anos. Em decorrência disso, novos

avanços e normalizações têm sido desenvolvidos para melhorar a vida das pessoas que

trabalham com agentes de riscos na área da saúde.1

A prevenção de acidentes é uma das principais premissas a serem atendidas

em atividades de risco, principalmente na área da saúde, na qual muitos acidentes

são causados por falha humana, provavelmente originada de um sistema de educação

deficiente e da falta de cultura à segurança.2 Costa3 afirma “[...] ser necessário um ‘Estado

de biossegurança’, que nada mais é do que a harmonia entre o homem, os processos de

trabalho, a instituição e a sociedade”. Como nas instituições de saúde o cuidado ao paciente

geralmente requer o manuseio e o descarte de objetos perfurocortantes, os profissionais de

saúde são constantemente vítimas de acidentes com esse tipo de material, sendo uma das

principais causas de acidentes de trabalho.4 Um aspecto importante que auxilia a prevenir

o desenvolvimento de acidentes e a diminuir a exposição aos riscos diz respeito ao uso

de normas e técnicas de biossegurança. Tais técnicas foram desenvolvidas para garantir

a segurança do trabalhador e devem ser de uso rotineiro nas diversas atividades que um

profissional da saúde executa. Outro aspecto importante refere-se ao entendimento de que

o uso de tais normas e técnicas de biossegurança deve ser de caráter coletivo e não somente

individual.5 Afinal, é certo que o risco pode ser minimizado pela efetiva implantação de

medidas de controle e dispositivos de segurança.6

No Brasil, informações sobre a prevalência de infecções entre os profissionais

de saúde ainda são incipientes, e os estudos publicados sobre o tema referem-se à prevalência

de infecções entre estudantes universitários, os quais servem como marcadores para infecções

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 477Revista Baiana v33 n3 2009.indd 477 20/4/2010 13:45:1420/4/2010 13:45:14

478

relacionadas ao trabalho.7 Segundo Carvalho e Jales,8 os indivíduos com nível universitário

lideram o número de acidentes e infecções, seguidos pelos técnicos de laboratório e serventes.

Outros estudos também confirmam esses dados: Zardetto, Guaré e Ciamponi,9 com cirurgiões-

-dentistas, e Maciel, Viana, Zeitone, Ferreira, Fregona e Dietze,7 com estudantes de medicina.

Toledo Jr. Ribeiro, Ferreira, Ferraz e Greco,10 em um estudo desenvolvido com estudantes de

medicina, relataram elevado risco de exposição desses alunos a material biológico e baixo nível

de conhecimento das medidas de biossegurança, a despeito de fazerem uso de algumas delas,

demonstrado por cerca de um terço dos participantes. Segundo os pesquisadores, é fundamental

organizar estratégias de treinamento dos alunos no ensino formal.10

O responsável pelo gerenciamento do laboratório, seja este de saúde ou outras

áreas, deve oferecer a seus empregados a garantia de trabalhar com segurança, vacinação,

reforçar as políticas de proteção e segurança, manter materiais perigosos em local seguro,

entre outros aspectos que garantam a minimização de riscos.11

Posso, Sant’Anna, Giaretta, Chagas e Cardoso12 destacam que a vivência docente

e o estudo desenvolvido na Universidade do Vale do Paraíba trouxeram-lhes subsídios sobre

o ensino da biossegurança nos cursos de Graduação da área da saúde. Tal estudo despertou

o interesse e a consciência de outros profissionais para o desempenho da prática segura na

universidade e na vida profissional. É importante que a educação em biossegurança inicie já

nas escolas, oferecendo aos estudantes preparo para a vida profissional.

Nesse sentido, este estudo teve como objetivo avaliar o conhecimento em

biossegurança de formandos dos cursos da área da saúde na Universidade do Contestado, no

norte catarinense.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo foi desenvolvido nas cidades de Mafra e Canoinhas, Região Norte

de Santa Catarina, no período de agosto de 2005 a janeiro de 2006. Trata-se de um estudo

transversal, tipo inquérito, realizado por meio de questionário para os formandos e entrevista

estruturada para os coordenadores. Os sujeitos de estudo compreenderam todos os alunos

formandos dos cursos de graduação em Ciências Biológicas, Enfermagem, Farmácia e

Optometria da Universidade do Contestado, turmas 2005, e os coordenadores dos respectivos

cursos que concordaram em participar da pesquisa. Não houve distinção de sexo, cor, idade,

religião ou condição socioeconômica. O único critério de exclusão foi a não aceitação em

participar do estudo.

Os dados foram coletados em dois momentos — outubro/novembro de 2005

e janeiro de 2006 —, utilizando-se, como instrumento, um questionário contendo 15

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 478Revista Baiana v33 n3 2009.indd 478 20/4/2010 13:45:1420/4/2010 13:45:14

479

Revista Baiana

de Saúde Pública

jul./set. 2009v.33, n.3, p. 476-487

perguntas. Os voluntários foram abordados em sala de aula, nos primeiros 15 minutos da

aula e convidados a participar da pesquisa com a leitura do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido Termo de Consentimento Livre e Esclarecidos (TCLE). Em seguida, os voluntários

receberam os questionários e foram convidados a responder as questões nos próximos 30

minutos. De forma a garantir o entendimento das questões abordadas no questionário, em

agosto de 2005 foi realizado um pré-teste com 30 alunos dos cursos de Farmácia e Ciências

Biológicas de outra universidade da região norte de Santa Catarina.

Além dos dados obtidos com o questionário, outros dados como grade

curricular, carga horária total, número de disciplinas, carga horária de aulas práticas e número

de disciplinas que envolviam o tema biossegurança também foram coletados para cada curso

investigado.

O questionário foi construído de forma a representar o conhecimento mínimo

em biossegurança que um aluno de saúde deve apresentar após sua formação na graduação.

Nove temas foram selecionados com base em diferentes referências na área:11, 13-15

1. controle do crescimento microbiano;

2. prevenção e combate a princípios de incêndio;

3. resíduos de serviços de saúde;

4. equipamentos de Proteção Individual;

5. armazenamento de materiais;

6. manuseio de perfurocortantes;

7. precauções padrão em qualquer tipo de paciente;

8. primeiros socorros;

9. principais doenças diagnosticadas em profissionais de saúde.

O questionário utilizado para a entrevista com os coordenadores foi construído

de forma a identificar-se a ciência do coordenador quanto ao tema biossegurança no curso

que coordena. Para os coordenadores dos cursos, utilizou-se entrevista individual, estruturada,

com cinco perguntas, sendo uma fechada e quatro abertas.

O desempenho de cada curso foi calculado com base na frequência média de

acertos das questões de todos os alunos. A cada questão atribuiu-se o valor de 0,67 pontos,

totalizando, assim, 10 pontos para 15 acertos.

A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa Statistical Package

for the Social Science (SPSS), versão 14.0. As notas são apresentadas sob a forma de média,

desvio-padrão, e organizadas segundo o curso. As diferenças de médias entre os cursos foram

verificadas utilizando-se o teste Kruskal-Wallis, para variáveis com distribuição assimétrica.

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 479Revista Baiana v33 n3 2009.indd 479 20/4/2010 13:45:1420/4/2010 13:45:14

480

A normalidade foi verificada mediante a aplicação do teste Shapiro-Wilk; o nível de

confiabilidade adotado foi de 95%.

Os dados foram armazenados com o pesquisador responsável pelo estudo,

mantendo-se sob sigilo a identificação dos participantes. Quando houve concordância

em participar da pesquisa, os voluntários assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecidos (TCLE), elaborado de acordo com as normas da Resolução no 196/1996,

do Conselho Nacional de Saúde, sendo fornecida uma cópia a cada um. Este estudo foi

submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Região de

Joinville (UNIVILLE), sob o protocolo 058/2005.

RESULTADOS

Dos 177 formandos candidatos à entrevista, 114 (64,4%) responderam o

questionário, 11 (6,2%) não estavam presentes no momento em que os dados foram coletados

e 52 (29,4%) recusaram-se a participar da pesquisa. As idades máxima e mínima encontradas

foram 45 e 19 anos, respectivamente, sendo a média de idade 27,0 ± 7,1 anos.

As frequências relativas de acertos de cada questão e suas respectivas respostas

são mostradas na Tabela 1. Das 15 questões que compuseram o questionário para avaliar o

desempenho dos alunos, a que apresentou maior frequência relativa de acertos, na maioria

dos cursos investigados, foi a de número 11: “Luvas de procedimento devem ser utilizadas

sempre que o profissional entrar em contato com sangue ou outros fluídos corpóreos.” A

questão com menor frequência relativa de acertos na maioria dos cursos investigados foi a de

número 10: “Sempre que estocar produtos químicos em uma estante é imprescindível fazer

uma relação dos mesmos e armazená-los em ordem alfabética para facilitar a localização.” As

respostas para as questões 11 e 10 são “sim” e “não”, respectivamente.

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 480Revista Baiana v33 n3 2009.indd 480 20/4/2010 13:45:1420/4/2010 13:45:14

481

Revista Baiana

de Saúde Pública

jul./set. 2009v.33, n.3, p. 476-487

Tabela 1. Frequência relativa (%) de acertos de cada questão e suas respectivas respostas (R.), segundo o curso investigado. Santa Catarina, 2005

CB: Ciências Biológicas; FA: Farmácia; OP: Optometria; EN: Enfermagem.

A Tabela 2 mostra a distribuição da carga horária total, o número de disciplinas

do curso, a carga horária de aulas práticas e o número de disciplinas que envolviam o tema

biossegurança, segundo o curso investigado. O curso de Farmácia foi o que apresentou maior

carga horária total (4.185 h/a), maior número de disciplinas (63) e maior número de disciplinas

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 481Revista Baiana v33 n3 2009.indd 481 20/4/2010 13:45:1420/4/2010 13:45:14

482

que envolviam o tema biossegurança. O curso de Enfermagem foi o que apresentou maior

carga horária de aulas práticas, 990 h/a.

Tabela 2. Carga horária total, número de disciplinas do curso, carga horária de aulas práticas e número de disciplinas que envolviam o tema biossegurança, segundo o curso. Santa Catarina, 2005

Em relação às entrevistas realizadas com os coordenadores de cada curso,

apenas um recusou-se a participar. Quando questionados sobre a classificação do curso,

50% dos coordenadores o consideraram bom, 25% regular e um optou por não responder,

alegando ser difícil mensurar o conhecimento do assunto biossegurança em um curso novo,

mesmo com alunos formandos.

Ao serem questionados sobre a importância do assunto biossegurança nos

cursos da área da saúde, todos salientaram a relevância do tema, principalmente para que os

alunos criem uma cultura prevencionista, já que estão ligados a uma profissão com provável

exposição a diferentes fatores de risco.

No momento em que foram apresentados os resultados obtidos dos

questionários realizados com os alunos, todos os coordenadores demonstraram surpresa

e relataram a possibilidade dos docentes não terem repassado tal conhecimento de forma

adequada aos alunos. Consideraram ainda a pesquisa importante para avaliar o próprio curso.

No último questionamento, em que o coordenador foi solicitado a fornecer

alternativas para melhorar os resultados apresentados, as principais sugestões foram:

desenvolver cursos de aperfeiçoamento para professores e alunos; reformular as grades e

ementas curriculares; e criar um projeto único, tendo a biossegurança como seu eixo principal

para todos os campi da universidade.

O teste Kruskal-Wallis revelou diferença significativa (p<0,05) em relação às notas

médias finais dos formandos dos cursos investigados sobre o conhecimento em biossegurança.

O curso de Enfermagem foi o que apresentou maior nota média final (Tabela 3).

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 482Revista Baiana v33 n3 2009.indd 482 20/4/2010 13:45:1520/4/2010 13:45:15

483

Revista Baiana

de Saúde Pública

jul./set. 2009v.33, n.3, p. 476-487

Tabela 3. Nota média final, desvio padrão (DP) e valor de p segundo o curso. Santa Catarina, 2005

DISCUSSÃO

Entender a biossegurança como base educacional é fundamental do ponto

de vista científico, mas, ao mesmo tempo, estratégico para garantir a segurança biológica

dos indivíduos e do ambiente que os cerca. Silva16 e Mastroeni5 revelam que a falta de

uma cultura prevencionista tem sido o principal obstáculo para as pessoas agirem com

precaução nos locais de trabalho. A ausência de uma cultura prevencionista está relacionada

principalmente à carência de investimentos em cursos de atualização, de incentivo à educação

em biossegurança por parte das instituições públicas e privadas, de editais provenientes de

instituições de fomento que possibilitem a capacitação dos profissionais das diversas áreas

do conhecimento, entre outras. É nesta perspectiva que este estudo buscou focalizar a

importância do conhecimento em biossegurança ainda nos cursos de graduação.

No Brasil, estudos isolados realizados com os cursos de Enfermagem, Medicina e

Odontologia10,17 mostraram a dificuldade em discutir o assunto do ponto de vista da formação

e, principalmente, enquanto norma de segurança. Tal dificuldade pode ser percebida pelo

reduzido número de publicações que enfocam a biossegurança em seu aspecto prático,

ou seja, aquele que responde às dúvidas dos profissionais em diferentes áreas da saúde.

Consiglieri e Hirata18 salientam que os alunos não estão conscientizados a respeito das

medidas de segurança, visto que deveriam receber treinamento sobre o tema durante a

faculdade, nas disciplinas afins. Essas evidências condizem com os resultados obtidos neste

estudo, os quais mostraram diferenças nas respostas dos temas abordados. Como exemplo

cita-se a resposta dos alunos quando questionados sobre a necessidade de usar luvas de

procedimento sempre que houver contato com sangue ou outros fluídos corpóreos. Não

obstante a maioria dos alunos terem acertado essa questão, é preocupante saber que alguns

ainda desconhecem a obrigatoriedade do uso desse EPI quando sangue ou outros fluídos

corpóreos forem manipulados, independente de o material estar ou não contaminado.

Segundo Mastroeni5, as luvas são de uso obrigatório para todos aqueles que trabalham em

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 483Revista Baiana v33 n3 2009.indd 483 20/4/2010 13:45:1620/4/2010 13:45:16

484

ambientes laboratoriais, em que são manipulados desde microrganismos patogênicos até uma

simples lavagem de material.

Outro tema abordado no estudo e de extrema relevância diz respeito ao

processo de esterilização de materiais. A despeito do uso da autoclave e do forno elétrico

para esterilização (este erroneamente chamado de “estufa” pela maioria dos profissionais

de saúde) serem equipamentos bem conhecidos e certamente utilizados na disciplina de

microbiologia, nenhum curso investigado obteve índice de acerto superior a 40,0%. Zardetto,

Guaré e Ciamponi9 relataram, no estudo desenvolvido com cirurgiões dentistas em São Paulo,

que 31,2% dos entrevistados não possuíam conhecimento sobre o tempo e a temperatura

ideais para a esterilização utilizando-se forno elétrico. As técnicas de esterilização permitem

assegurar níveis de esterilidade compatíveis com as características do produto, sendo

imprescindível que o tempo e a temperatura estejam corretos. Além disso, uma vez iniciado,

o ciclo de esterilização no forno não poderá ser interrompido.

O tema reencape de agulhas, principal causa de acidentes em profissionais

de saúde, também mostrou o pouco conhecimento dos voluntários em um procedimento

de elevado risco de contaminação. Com exceção do curso de Enfermagem, que obteve

66,7% de acertos, quando questionados se o reencape deve ser efetuado, os demais cursos

não excederam 50%. Um estudo realizado com cirurgiões dentistas em Maryland, Estados

Unidos, constatou aumento no uso de equipamentos de proteção. Entretanto, destacou altas

taxas de reencape de agulhas, uma vez que, nessa categoria, o procedimento de anestesia

exige a repetição desse ato durante um mesmo atendimento.19 Branco e Caixeta,20 em um

estudo que buscou identificar profissionais de saúde envolvidos em acidentes com material

biológico em seis hospitais públicos do Distrito Federal, relataram que a categoria profissional

associada ao maior número acidentes foi a de cirurgião-dentista, seguida dos médicos, em

que a principal causa foi o uso de material perfurocortante. Os autores colocaram ainda que

o número de acidentes envolvendo material biológico pode ser reduzido se as normas de

biossegurança forem implementadas no ambiente de trabalho.20 Gir, Caffer Netto, Malaguti,

Canini, Hayashida e Machado,21 em estudo que analisou os acidentes com material biológico

ocorridos com alunos de graduação da área da saúde, revelaram que 78,2% dos acidentes

foram do tipo percutâneo, sendo os alunos de odontologia os que registraram maior

frequência (48,8%).

Os profissionais de saúde envolvidos na assistência direta a pacientes, ou aqueles

que manipulam ou têm contato com materiais biológicos potencialmente contaminados,

apresentam risco não só à infecção pelo HIV, mas também a outros agentes infecciosos.22

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 484Revista Baiana v33 n3 2009.indd 484 20/4/2010 13:45:1620/4/2010 13:45:16

485

Revista Baiana

de Saúde Pública

jul./set. 2009v.33, n.3, p. 476-487

Maciel, Viana, Zeitone, Ferreira, Fregona e Dietze7 ressaltam que os estudantes representam

um grupo de risco com elevada chance de contrair infecções e enfatizam a importância da

exposição ocupacional durante os estágios curriculares.

Quanto ao curso de Enfermagem ter obtido a maior nota média final, ainda

que inferior a 70% de acertos, acredita-se que tal resultado seja devido principalmente

ao maior número de horas práticas nesse curso: 990 h/a. Manter o aluno maior tempo

junto às disciplinas com aulas práticas permite que perceba a importância das normas de

biossegurança para sua segurança e a da equipe, o que, certamente, contribuirá para diminuir

ou evitar a geração de acidentes quando se tornar profissional. Seguindo este raciocínio,

conclui-se que um curso com maior número de disciplinas envolvendo o tema biossegurança

necessariamente não é aquele que prepara melhor o aluno, mas sim o curso que possui maior

carga horária em disciplinas com aulas práticas.

Em relação à entrevista com os coordenadores dos cursos, todos foram unânimes

em revelar surpresa frente aos resultados obtidos e enfatizaram urgência em realizar cursos e

treinamentos periódicos para alunos e professores, além de alterações nas grades curriculares.

Não basta construir laboratórios com equipamentos adequados e disponibilizar

material de segurança sem investir em educação e treinamento.2 O grande problema não

está nas tecnologias disponíveis para eliminar os riscos, mas sim no comportamento dos

profissionais.23

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento em biossegurança dos formandos de todos os cursos foi

considerado insuficiente, na medida em que nenhum curso atingiu a média de 70% de

acertos das quinze questões aplicadas. Acredita-se que o sistema educacional seja falho no

ementário, como os coordenadores alertaram, mas falta comprometimento dos profissionais

educadores para salientar determinadas normas, ou até mesmo cobrar em suas aulas detalhes

que fazem a diferença, visto que tais condutas podem evitar acidentes.

Os resultados mostraram diferença significativa das médias finais entre os cursos

investigados, sugerindo que os formandos do curso de enfermagem sejam os mais aptos a

trabalhar com segurança, principalmente pelo número de horas/aula, atividades práticas e

disciplinas relacionadas ao tema biossegurança que tal curso apresenta.

Os coordenadores mostraram interesse em mudar o perfil dos resultados,

criando alternativas que propiciem melhorar o ensino tanto no aspecto teórico como no

prático. Entretanto, além do interesse, é preciso colocar em prática tais alternativas.

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 485Revista Baiana v33 n3 2009.indd 485 20/4/2010 13:45:1620/4/2010 13:45:16

486

As medidas tomadas no contexto da biossegurança, aliadas à economia de

recursos, preservação do meio ambiente, ética e responsabilidade certamente irão garantir

maior qualidade de vida para os profissionais de saúde, além de manter a segurança do

ambiente de trabalho.

REFERÊNCIAS1. Souza ACS. Risco biológico e biossegurança no cotidiano de enfermeiros

e auxiliares de enfermagem. R. Elet. Enferm. [serial online] 2002 jan./jul.; 4(1):[1 página].Extraído de [http://www.fen.ufg.br/ revista/revista4_1/biosseg.html], acesso em [15 de setembro de 2006].

2. Müller IC, Mastroeni MF. Tendência de acidentes em laboratórios de pesquisa. Biotecnolog, Ci. Desenv. 2004;33:101-8.

3. Costa MAF. Biossegurança e qualidade: uma necessidade de integração. Biotecnolog. Ci. Desenv. 1998;4:32-3.

4. Brevidelli MM. Manuseio de perfurocortantes. In: Mastroeni MF, organizador. Biossegurança aplicada a laboratórios e serviços a saúde. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 239-54.

5. Mastroeni MF. Introdução à biossegurança. In: Mastroeni MF, organizador. Biossegurança aplicada a laboratórios e serviços a saúde. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 1-6.

6. Sewell DL. Laboratory-acquired Infections. Clinical Microbiology Newsletter. Portland, Oregon; 2000.

7. Maciel ELN, Viana MC, Zeitone RCG, Ferreira I, Fregona G, Dietze R. Prevalence and incidence of mycobacterium tuberculosis infection in nursing students in Vitória, Espírito Santo. R. Soc. Bras. Med. Trop. 2005;38(6):469-72.

8. Carvalho JPP, Jales LS. Acidentes envolvendo riscos biológicos e infecções associadas a trabalhos de laboratório. R. Bras. Saúde Ocup. 1981;9(35):19-24.

9. Zardetto CGC, Guaré RO, Ciamponi AL. Biossegurança: conhecimento do cirurgião-dentista sobre esterilização do instrumental clínico. R. Pos-Grad. 1999;6(3):238-44.

10. Toledo Júnior ACC, Ribeiro FA, Ferreira FGF, Ferraz RM, Greco DB. Conhecimento, atitudes e comportamentos frente ao risco ocupacional de exposição ao HIV entre estudantes de medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. R. Soc. Bras. Med. Trop. 1999;32(5)509-15.

11. Sewell DL. Laboratory-acquired Infections: Are microbiologists at risk? Clin. Microbiol. Newsl. 2006;28(1):1-6.

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 486Revista Baiana v33 n3 2009.indd 486 20/4/2010 13:45:1620/4/2010 13:45:16

487

Revista Baiana

de Saúde Pública

jul./set. 2009v.33, n.3, p. 476-487

12. Posso MBS, Sant’Anna ALGG, Giaretta VMA, Chagas LR, Cardoso PGR. Biossegurança: O vivenciar de sua interdisciplinaridade. Prat. Hosp. 2004;6(34):154-7.

13. Mastroeni MF organizador. Biossegurança aplicada a laboratórios e serviços de saúde. 2ª ed. São Paulo: Atheneu; 2005.

14. WHO - World Health Organization. Laboratory biosafety manual. Geneva; 2004.

15. Santos AR, Millington MA, Althoff MC organizadores. Biossegurança em laboratórios biomédicos e de microbiologia. Brasília: MS-FUNASA; 2001.

16. Silva FHAL. Barreiras de contenção. In: Oda LM, Ávila SM, organizadores.Biossegurança em laboratório de Saúde Pública. Brasília: Fiocruz; Ministério da Saúde; 1998. p. 31-56.

17. Peloggia MC, Santos LFT. Conhecimentos, atitudes e comportamento frente aos riscos operacionais dos cirurgiões-dentistas do Vale do Paraíba. R. Bioc. 2002;8(1):85-93.

18. Consiglieri VO, Hirata RDC. Biossegurança em laboratórios de ensino e da área da saúde. In: Hirata MH, Mancini Filho J. Manual de biossegurança. São Paulo: Manole; 2002. p. 47-56.

19. Beckmann SE, Vlahov D, Koziol DE, McShalley ED, Schmitt JM, Henderson DK. Temporal association between implementation of universal precautions and a sustained progressive decrease in percutaneous exposures to blood. Clin. Infect. Dis. 1994;18(4):562-9.

20. Branco AB, Caixeta RB. Acidente de trabalho, com material biológico, em profissionais de saúde de hospitais públicos do Distrito Federal, Brasil, 2002/2003. Cad. Saúde Publ. 2005;21(3):37-46.

21. Gir E, Caffer Netto J, Malaguti SE, Canini SRMS, Hayashida M, Machado AA. Accidents with biological material and immunization against Hepatitis B among students from the health area. R. Latino-am Enferm. maio/jun. 2008;16(3):401-6.

22. Hirata MH. O laboratório de ensino e pesquisa e seus riscos. In: Hirata MH, Mancini Filho J. Manual de biossegurança. São Paulo: Manole; 2002. p. 1-19.

23. Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Biossegurança. Informes técnicos institucionais. R. Saúde Publ. 2005;39(6):989-91.

Recebido em 12.12.2008, aprovado em 17.11.2009.

Revista Baiana v33 n3 2009.indd 487Revista Baiana v33 n3 2009.indd 487 20/4/2010 13:45:1620/4/2010 13:45:16