BOTEQUINS, DECORAÇÃO E MEMÓRIA: COMO A REPRESENTAÇÃO
MEMORIAL CONTIDA NA UTILIZAÇÃO DE OBJETOS HISTÓRICOS NOS
BOTEQUINS DE PONTA GROSSA NO SÉCULO XXI PODE SER UTILIZADA NO
ENSINO DE HISTÓRIA.
Kevin Luiz da Silva1
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Resumo.
O botequim pode ser compreendido como um espaço que oferece mais do que
somente a degustação de bebidas e comidas, habitualmente é nas práticas sociais
que cada estabelecimento se difere e acaba por criar um público próprio juntamente
com diferenças na arquitetura, cardápio, propostas de público e discurso, etc.
Dentre alguns botequins da cidade de Ponta Grossa é possível observar uma
decoração que faz apelo ao passado, geralmente objetos da metade do século XX,
com algumas variações.O questionamento aqui feito é como essa decoração afeta a
relação memorial dos consumidores e proprietários, e influência o comércio de
alimentos e bebidas nestes locais.
A partir da utilização da história oral na realização de entrevistas e suas
subsequentes transcrições e análises, será observado o alcance dessa influência da
memória no comércio e como estes locais podem ser considerados como casas de
memória. Tendo isso em vista se torna possível utilizar esta pesquisa na educação
do conceito de memória na escola, pois mesmo que o ambiente seja o botequim ele
demonstra como as relações sociais e memoriais estão contidas em cada ambiente
da sociedade e faz um convite não só aos historiadores, mas a qualquer pessoa
para uma observação mais detalhada dos objetos e arquiteturas de seu cotidiano.
Palavras-chave: Memória; Botequins; Educação; Decoração.
Introdução
O botequim no Brasil teve influência direta da modernidade emergente no Brasil do
século XX, era um espaço de reflexão intelectual, resistência às repressões dos
1 Acadêmico de Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Aluno Petiano no programa PET – História, tutorado pela Professora Dr. Rosângela Maria da Silva Petuba e orientado pelo Professor Dr. Niltonci Batista Chaves.
patrões e o consumo alcoólico em si. Ou seja, ele não se caracteriza somente pelas
bebidas e a marginalidade, mas em especial pela sociabilidade.
Porém os botequins têm dentre todas as características uma em especial que o
distingue de outros estabelecimentos comerciais: o discurso. É possível observar
uma grande variedade de discursos sobre estes estabelecimentos, alguns com
bases científicas ou que tem grandes disparidades entre si, dentre eles está o
discurso médico.
O consumo de álcool no Brasil acontece desde o período colonial, porém com a
modernização das cidades no inicio do período da república multiplicam-se o
número de bares no perímetro urbano brasileiro. Mas ao mesmo tempo nesse
período de Belle Époque brasileira as influências europeias não se limitam as
práticas sociais, culturais e comerciais como também atingem setores científicos
como a medicina, criando assim um discurso médico baseado no higienismo, que
iria criar uma campanha antialcoólica no inicio do século XX.
Detentores do monopólio do “conhecimento racional e científico”, os médicos se incumbem de indicar como e quando agir, interceder e sanar. A intervenção médica foi concreta e contínua, tendo no higienismo uma das bases de sua doutrina, criando todo um conjunto de prescrições que deveriam orientar e ordenar a vida. Regras de higiene na cidade, no trabalho, no comércio de alimentos, no domicílio, na família e nos corpos, costumes e hábitos, alimentação, cuidados com o corpo, prazeres permitidos e interditos, atividades artísticas, culturais, o trabalho, a sexualidade, tudo isso deveria seguir um parâmetro: o médico. É então nesse quadro de ação que se situa a luta antialcoólica. (MATOS, 2000)
Com essa campanha médica muitos conceitos sobre o consumo de álcool foram
criados associando ele a: doenças, vadiagem, mau desempenho no trabalho,
infidelidade, depressão, revolta... Alguns deles não foram forjados nessas
campanhas, vieram de conceitos anteriores sempre associados a bebidas
alcoólicas, porém foram enaltecidos e publicados em jornais, cartazes, panfletos,
etc. Compreensões que não ficaram presas ao tempo e ainda circulam pela
sociedade.
Nesse processo, os médicos assumiram vários papéis: como higienistas e sanitaristas combateram o alcoolismo com campanhas e ações
diversificadas; como legistas, discutiram as responsabilidades dos alcoólatras e a relação álcool-violência-crime; também nos hospitais e manicômios procuraram aperfeiçoar tratamentos para os alcoólatras, além de lutar por instituições especiais para abrigá-los. Esses papéis, algumas vezes, colidiam, gerando polêmicas, tensões e diferentes interpretações. Nesse quadro, o papel dos médicos e higienistas era de importância vital, já que consideravam o país na sua vocação para o “progresso e para a civilização” (MATOS, 2000).
Além do discurso outro ponto muito analisado em relação aos botequins é a
questão do masculino/feminino, o espaço de consumo alcoólico foi considerado por
muito tempo um espaço não restrito, mas frequentado em maioria por homens,
principalmente em estabelecimentos destinados a classes sociais mais baixas, algo
observável ainda contemporaneamente. A mulher no início do século XX era vista
como cuidadora do lar e responsável pelo bem estar do marido, o botequim e o
consumo de álcool não encaixavam nesse perfil idealizado da mulher nos discursos
vinculados pela imprensa nesse período.
Assim ainda dentro desses discursos aqui citados, o homem que frequentava esses
espaços não era só considerado “doente”, mas também alguém que estava
abandonando um lar com uma família esperando ele, não era algo considerado
masculino não cumprir com os ideais conservadores:
Assim, o alcoolismo era considerado como um verdadeiro círculo descendente, começando pela enfermidade, passando para o não-cumprimento dos deveres como homem-trabalhador, homem-provedor, homem-pai e desembocando na falta de cumprimento do seu “papel sexual”. Questionava-se a virilidade pela impossibilidade da prática do sexo, a quebra na frequência e potência do homem, gerando os desencontros familiares, as separações, dirigindo ao crime (ciúmes alcoólicos), e tinha como fim a morte (suicídio), muitas vezes a ideia era de morrer para fugir da vergonha da derrota e do fracasso, a falta de valentia, de coragem, a identificação com um não-deve-ser homem. (MATOS, 2000)
Discursos estes que mesmo ainda influenciando partes da mentalidade da
sociedade brasileira não tem mais o alcance demonstrado no inicio do século
passado. A partir da metade do século XX o cenário começa a mudar com mais
direitos conquistados pelas mulheres e trabalhadores, uma maior ascensão de
classes trabalhadoras as classes médias, investimento em propagandas
incentivando o consumo de bebidas alcoólicas, crescimento de empresas de
bebidas... Tudo isso foi gradativamente contribuindo para uma melhor recepção
social dos frequentadores destes espaços.
Mas aqui cabe uma rápida reflexão que será mais bem explorada ao longo da
pesquisa que é algo exposto pelo historiador Sidney Chalhoub na obra “Trabalho,
Lar e Botequim” que demonstra os bares como um espaço frequentado em sua
maioria por trabalhadores de classes mais baixas durante a Belle Époque, algo que
ainda perdura no século XXI, mas de maneira peculiar, é observável que em
botequins tanto nas periferias quanto nas regiões centrais da cidade voltadas a um
público com baixa condição financeira ainda são em sua maioria frequentados por
trabalhadores de fábricas e espaços claramente masculinos, basta adentrar em
algum deles para logo deparar com uniformes de indústrias. O que não acontece em
botequins voltados ao público de classe média ou alta, em que se pode observar
certa equivalência no número de mulheres e homens, locais em que os conceitos
expostos acima não parecem sobreviver frente a um cardápio gourmet, cervejas e
chopes artesanais e um ambiente temático.
Mesmo sendo um espaço destinado previamente ao consumo de bebidas e
comidas como exposto no inicio deste tópico, é nas relações sociais que os
botequins demonstram um ambiente rico a pesquisa e a História Oral, pois em
tempos de redes sociais, e o medo da violência na rua2, os botequins se tornaram
um importante meio de sociabilidade entre as pessoas, um lugar em que elas podem
se encontrar, beber, discutir opiniões, fazer planejamentos e principalmente ter um
contato pessoal fora do ambiente de trabalho e estudo e sem ser através de
mensagens virtuais, mesmo que muitas vezes seja através delas que estes
encontros sejam marcados.
O bar, em determinado espaço e tempo, aparece como lugar do advento da opinião pública, como um lócus de experiências e conhecimentos das coisas pela vivência e/ou observação, transformando-se em local de conversas e práticas políticas e culturais. Lugar onde, por exemplo, fala-se da cidade, às vezes sob uma narrativa homogênea, consensual, esperada,
2 “A exclusão da rua como local de interação social provoca a distância de percepção entre si dos
diferentes grupos ou classes sociais, ocasionando, entre outras coisas, o pânico advindo em grande parte da ignorância sobre os outros. Não interagindo mais, não frequentando casas diferentes da sua, o indivíduo não pode saber muito sobre as pessoas que vivem nelas. Associa-se com facilidade pobreza com violência, com marginalidade. E, por oposição, associa-se riqueza com vida fácil, felicidade e também (por que não?) com corrupção. O outro é cada vez mais uma face desconhecida, amorfa e distante. Os corpos diferentes não se encontram e nem mesmo se tocam.” D’Incao, Maria Ângela. Modos de ser e de viver: a sociabilidade humana. Tempo Social; Rev. Sociol, USP, São Paulo 4(1-2): pg. 95-109, 1992.
outras vezes ouvem-se falas polarizadas, provocadoras. Aventa-se a possibilidade de se pensar em algo como uma sociabilidade do bar, específica, gerando condutas, comportamentos, imaginários e vivências específicas. Uma sociabilidade carregada de carga lúdica, embora as regras e normas da interação estejam presentes. (BARRAL, 2012)
Faz-se necessário compreender estes espaços para esta pesquisa e perceber suas
singularidades, as práticas sociais e a relação do ambiente com a memória podem
demonstrar muito da cultura de uma sociedade, possibilitando assim uma forma
singular de estudar a relação que as pessoas têm da memória com objetos em um
determinado espaço, no caso aqui pesquisado o botequim.
O BOTEQUIM NA CIDADE DE PONTA GROSSA.
Quando trazemos a discussão feita até aqui para a cidade de Ponta Grossa
encontramos um marco que define bem a chegada da modernidade nesta cidade: A
ferrovia.
Ponta Grossa foi fundada em 1823 a partir dos fazendeiros paulistas que
começaram a fixar suas moradias na região dos Campos Gerais, e da passagem de
tropeiros pelo caminho de Viamão que rumavam do Rio Grande do Sul até a cidade
de Sorocaba. Na relação desses fazendeiros com os tropeiros foi fixado um ponto de
parada para as tropas, onde se realizava um pequeno comércio e os viajantes
podiam descansar e engordar o gado que já estava magro devido à longa viagem.
Logo surgiram povoados como Castro e o bairro de Ponta Grossa, que foi
transformado em freguesia com a escolha do local para a construção da capela de
Sant’Ana, hoje local da catedral de mesmo nome. Mas como cidade Ponta Grossa
só foi reconhecida no ano de 1862. Assim temos uma cidade de origem e essência
rural que iria se transformar em um dos principais entroncamentos ferroviários e
posteriormente rodoviários do Sul do País a partir da chegada da estrada de ferro no
ano de 1884.
A ferrovia no estado do Paraná teve inicio na implantação do trecho entre as
cidades de Curitiba e Paranaguá em 1880, comumente as primeiras estradas de
ferro eram construídas para a ligação das principais cidades com os portos para
facilitar o transporte da produção rural para a exportação, ou mesmo para o
transporte fluvial de um estado para outro. Em 1884 esta mesma estrada passou a
conectar as cidades de Porto Amazonas e Ponta Grossa em razão da necessidade
de levar o escoamento da produção até o interior do Estado. Já em 1902, outra
estrada de ferro iria cruzar Ponta Grossa: a estrada São Paulo – Rio Grande. Sobre
este processo o Geógrafo Leonel Brizolla Monastirsky fala que a implantação da
ferrovia...
(...) contribuiu para que a sociedade ponta-grossense
vivenciasse um rápido processo de modernização urbana, com
início na primeira fase econômica da erva-mate e da madeira, a
partir de 1870, com a vinda de imigrantes para a cidade. A
atividade comercial, aliada à localização geográfica estratégica,
que sempre foi o referencial econômico da cidade desde a sua
origem, dinamizou-se com o transporte ferroviário. As
transformações socioeconômicas, até então lentamente
ocorridas, sucederam-se de forma dinâmica, ampliando a
configuração urbana. (MONASTIRSKY, 2001:41)
Para a construção da ferrovia muitos imigrantes de diversas nacionalidades vieram
para a cidade, na implantação da estrada algumas construções surgiram e foram se
transformando em novos bairros, como o bairro de Oficinas local da famosa escola
ferroviária Tiburcio Cavalcante que formou novos operários para a manutenção e
operação da estrada de ferro. Hoje local do empreendimento imobiliário Santos
Dumont. Ainda sobre as transformações estruturais da cidade Monastirsky diz:
Além da ocupação linear, junto aos trilhos, muitos
equipamentos da ferrovia, instalados inicialmente distantes do
perímetro urbano, foram formadores de pequenos
aglomerados, em função das vilas dos trabalhadores. É o
exemplo de Oficinas, um dos maiores bairros da cidade, que
leva este nome devido ao complexo de oficinas de vagões que
ali foi instalado. Outro exemplo é a vila Cará-Cará, que se
desenvolveu em função da usina de tratamento de dormentes e
da pequena estação de trens ali existente. (MONASTIRSKY,
2001:41)
A ferrovia foi responsável por uma transformação da população de Ponta Grossa,
não somente no aumento populacional e na aparição de novos bairros, mas ela
como um dos maiores símbolos da modernidade no século XIX chegou à cidade
junto com cinemas, cafés, botequins, um jornal e novas práticas sociais
caracterizadas como urbanas, com o tempo o ponta-grossense foi se distanciando
de suas raízes rurais para alcançar a modernidade, transformando Ponta Grossa em
uma das principais cidades do interior do Paraná.
O interesse da iniciativa privada cresceu nesse período, com a instalação de
pequenas e médias empresas e indústrias como a Cervejaria Adriática, elas criaram
empregos e colocaram Ponta Grossa no mapa econômico do Estado, principalmente
se tratando da própria ferrovia, que também era motivo de orgulho e certo status
para seus trabalhadores:
Essas empresas dinamizaram a economia da cidade,
sobretudo em relação à absorção de um número significativo
de mão-de-obra, iniciando um processo de migração interna da
região sul do Paraná para Ponta Grossa. Mas foi a ferrovia que
criou a maior oferta de empregos na região, diretamente, no
quadro funcional da Rede e, indiretamente, com a prestação de
serviços e fornecimento de matéria-prima e equipamentos.
(MONASTIRSKY, 2001:42)
Enquanto a ferrovia funcionava como um atrativo de empreendimentos para a
cidade que a transformavam em uma urbe moderna, existia também agentes que
incentivavam e propagavam uma nova Ponta Grossa, que deixava de ser rural para
abraçar a modernidade, nesse sentido um exemplo claro é o jornal O Progresso que
mais tarde passou a se chamar Diário dos Campos, criado em 1907, tinha claro o
objetivo de disseminar uma mentalidade moderna entre a população da cidade,
dando ênfase nas novidades urbanas e criando uma opinião entre os ponta-
grossenses, já que era o único jornal da cidade. Sobre ele o historiador Niltonci
Batista Chaves afirma:
Nas primeiras décadas do século XX, o Diário dos Campos
procurou revestir-se de uma neutralidade aparente, colocando-
se como portador de verdades diante da opinião pública local.
A existência de uma sociedade plural levou o jornal a adotar
uma prática discursiva conciliatória.
O ufanismo e a exaltação às “coisas da terra” fizeram com que
o jornal representasse a cidade, não de forma errônea, mas
pelo menos de forma “amena”, idealizada. As evidentes
tensões sociais, próprias a uma sociedade que se formou
rapidamente dentro da lógica capitalista, não se constituem em
temas explicitamente tratados pelo Diário dos Campos.
(CHAVES, 2001:67)
O jornal Diário dos Campos apresentava em suas páginas diversas opções de lazer
em que o ponta-grossense moderno frequentava, como o cinema Renascença, a
Praça João Pessoa, clubes sociais, rinhas de galo, a Estação Saudade, os cafés e
os botequins... Além de fazer discursos que prezavam pela “boa sociabilidade” que
excluía mendigos e vagabundos tudo por uma “cidade ideal”:
A estratégia do Diário dos Campos, nesse período, foi muito
clara: adotar uma prática discursiva que representava a busca
de um “consenso possível”. Desta forma o jornal ajudou a
consolidar, no imaginário coletivo, a noção de Ponta Grossa
como o típico exemplo de uma “cidade civilizada”. (CHAVES,
2001:75)
Entende-se a partir do que foi exposto até aqui que a ferrovia foi o agente direto
responsável pela chegada da modernidade em Ponta Grossa, e que o jornal Diário
dos Campos foi um dos vários agentes formadores de opinião e afirmadores de uma
identidade urbana em uma cidade de nascimento rural, mas e os botequins? Como
se encaixam neste processo?
Os botequins são uma pequena parte da construção do moderno, Ponta Grossa
não teve quiosques como o Rio de Janeiro, porém seus bares e cafés também
vivenciaram a implantação da modernidade e sofreram preconceitos e também
foram espaços de resistência, mas de maneira interessante muitos destes
estabelecimentos se concentraram na histórica rua XV de Novembro:
Neste contexto, a cidade abrigou um grande número de
botequins, bares, cafés e confeitarias que cumpriam as funções
de ponto de convergência da população local. Distribuidos pela
área central ponta-grossense, foi na XV de Novembro – rua
que concentrava os símbolos da modernidade na cidade – que
esses estabelecimentos proliferaram e atraíram o maior
número de frequentadores. (CHAVES, 2011:12)
A rua XV de Novembro foi uma das primeiras a contar com as transformações
modernas como a iluminação pública e a separação do espaço entre calçada e rua,
ela se tornou um espaço para a manifestação popular com teatros, cafés, lojas e os
botequins, o “footing” – o encontro de vários populares durante a noite na XV para
eventos de socialização, compras e alguns copos de cerveja nos bares – o carnaval
de salão e o de rua, que iria voltar à rua XV somente em 2016 por ações da
população3.
Outro fator que influenciou diretamente nas práticas de consumo alcoólico em Ponta
Grossa, foi a presença da cervejaria Adriática que foi inaugurada em 1917 por
Henrique Thielen, ela já existia em Curitiba pelo nome de Grossel desde o final do
século XIX, mas mudou de cidade e de nome para homenagear o mar Adriático
após Thielen comprar a cervejaria de Jorge Grossel. Sobre a cervejaria Chaves
afirma que:
Com a maior indústria de Ponta Grossa até meados do século
XX, Henrique Thielen investiu na compra de máquinas vindas
da Europa e na qualificação de seus cervejeiros, enviando
diversos deles para aprender as técnicas de produção nas
principais cervejarias da Alemanha. O resultado dessa ousadia
foi a projeção da Adriática como a mais representativa indústria
ponta-grossense durante décadas. Thielen, por sua vez,
tornou-se uma referência entre os industriais locais, além de
projetar-se na vida política do município. (CHAVES, 2011:21)
A Adriática produzia alguns tipos de cerveja entre eles a Original e era uma das
principais cervejarias do Paraná chegando a produzir até 2.000 garrafas por hora,
pelo investimento no maquinário e nos funcionários a Adriática produzia uma cerveja
de boa qualidade, segundo CHAVES (2011, p.75) enquanto o jornal Diário dos
Campos criticava o alcoolismo da rua XV, ele fazia vários elogios a qualidade das
cervejas produzidas pela Adriática. Tal qualidade teve um processo de exaltação
histórica tão forte que mesmo após o fim da produção da cerveja Adriática em 1934
e a demolição do prédio da cervejaria na década de 1990, ela voltou a ser produzida
3 No dia 9 de fevereiro de 2016 uma organização popular composta por: César Leonardo V. K. Saad,
Fábio Miguel Mazurek e Luiz Augusto Estacheski realizou de maneira independente um carnaval de rua na XV de Novembro.
pela empresa Ambev em 2015 e distribuída para somente cinco cidades: Ponta
Grossa, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Ribeirão Preto.
Assim a Ponta Grossa moderna do inicio do século XX tem seu local (rua XV de
novembro) e sua cerveja (Adriática) historicamente característicos desse período
marcado pela introdução da estrada de ferro e apresentados ou criticados pelo jornal
tradicional da cidade o Diário dos Campos.
Objetivos
O objetivo deste trabalho é compreender o espaço do botequim além do consumo
de bebidas e comidas, mas como um espaço de práticas sociais. Porém nos
botequins estudados existe uma terceira concepção a de casas comerciais que
tornaram sua decoração como uma “casa de memória” a partir da utilização de
diversos objetos do século XX, o que acaba remetendo a decoração deles a uma
decoração muito semelhante a dos primeiros botequins de Ponta Grossa no início do
século XX. A partir dessas conclusões, o segundo objetivo do trabalho é inserir a
relação da memória, que é exemplificada pelos botequins, em outros aspectos do
cotidiano do aluno, instigando o educando a criar uma percepção histórica de cada
detalhe da sua cidade, sendo monumental ou arquitetural.
Sobre os objetos utilizados na decoração dos botequins escolhidos, Éclea Bosi os
compreende como uma expressão e representação da memória de seus donos, os
classificando como objetos biográficos e objetos de status. Bosi diz:
Se a mobilidade e a contingência acompanham nossas relações, há algo
que desejamos que permaneça imóvel, ao menos na velhice: o conjunto de
objetos que nos rodeiam. Nesse conjunto amamos a disposição tácita, mas
eloquente. Mais que uma sensação estética ou de utilidade eles nos dão um
assentimento à nossa posição no mundo, à nossa identidade; e os que
estiveram sempre conosco falam à nossa alma em sua língua natal. O
arranjo da sala, cujas cadeiras preparam o circulo das conversas amigas,
como a cama prepara o descanso e a mesa de cabeceira os derradeiros
instantes do dia, o ritual antes do sono.
A ordem desse espaço nos une e nos separa da sociedade e é um elo
familiar com o passado. (BOSI, 2004:26)
Para que a pesquisa seja realizada utilizando-se da história oral, foram escolhidos
três botequins para estudo, que são:
-Boteking: inaugurado em 2012, localizado na rua Penteado De Almeida, nº 764 é
um botequim carregado de objetos históricos e uma decoração rústica, um antigo
armazém de comércio de alimentos que ainda preserva o balcão original.
-Boteco da Visconde: inaugurado em 2010, localizado na rua Visconde de Sinimbú,
nº 383 tem como destaque a utilização de móveis no teto do estabelecimento, além
de camisetas históricas de times e outros objetos.
-Botequim Original: inaugurado no século XX, localizado na rua XV de Novembro, nº
492, é um botequim todo ambientado na década de 1940, além da história na
decoração, na parte exterior é localizado em uma rua histórica no consumo de
bebidas de Ponta Grossa.
Resultados
A pesquisa ainda está em andamento, porém alguns resultados já foram obtidos em
relação a compreensão da importância dos objetos para o espaço do botequim, e
também a utilização da pesquisa em sala de aula durante a intervenção do estágio
obrigatório na escola CEEBJA- Professor Paschoal Salles Rosa.
Quanto aos objetos, a partir de pesquisas orais com frequentadores dos
estabelecimentos, foi possível notar que cada frequentador possui uma relação
memorial muito própria e diferente em relação a outros frequentadores, alguns
demonstraram uma questão mais afetiva com os objetos os relacionando com a
infância, enquanto outros demonstram curiosidade e um sentimento de saudosismo
tentando estimular a imaginação das práticas sociais relacionadas a cada objeto. Ou
seja, apesar das diversas percepções memoriais dos objetos, essa relação
influência na escolha do estabelecimento para o consumo.
Os resultados obtidos em sala após a apresentação do objeto de pesquisa e sua
relação com o assunto da aula: tempo e memória para a História, foram o estimulo
do interesse dos alunos para o campo de pesquisa historiográfico e ainda os
educandos começaram a relacionar locais tombados por patrimônio público com a
importância deles para a cidade e sua utilização atual.
Considerações Finais
A partir do levantamento da pesquisa bibliográfica e da pesquisa oral, ainda que em
fase de maior levantamento de dados, foi possível compbreender o botequim como
um espaço muito maior do que o simples comércio de bebidas e comidas, ele é
repleto de práticas sociais que são influenciadas pelos acontecimentos
contemporâneos, mas também é um ambiente rico em representações memoriais,
mesmo que acabem realmente tomando corpo e forma somente quando há a
reflexão sobre elas. Isso torna o ambiente muito mais amplo a pesquisas e debates,
não somente sobre o habitual discurso médico e a representação do feminino, mas
outros campos de pesquisa como o memorial que ajudam a tornar o método oral
uma grande ferramenta para a História.
A aplicação da pesquisa para as aulas do estágio demonstrou que o tema da
pesquisa, apesar de ser relacionado ao consumo alcoólico de bebidas por maiores
de 18 anos, pode ser relacionado a outros temas, e também nos lança a uma
reflexão sobre a nossa própria cidade, os métodos aplicados na pesquisa podem ser
utilizados para outros ambientes e estabelecimentos, fazendo um convite a uma
observação mais profunda do cotidiano na urbe.
Referências
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