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  • ARESTA DA REBELDIA Bruno Peron

  • ARESTA DA REBELDIA

    Bruno Peron

    Brasil Edio do Autor

    1 Edio Maio de 2014

  • PERON LOUREIRO, Bruno. Aresta da rebeldia. Brasil, Publicao Autnoma, Livro Eletrnico, 1 Edio, Maio de

    2014. Fonte: .

    No necessrio pedir autorizao ao autor desta

    publicao para consulta, gravao em disco, divulgao,

    encaminhamento a outros leitores e reproduo dos

    captulos e trechos contidos nela desde que se atribua

    devidamente o crdito da obra ao autor e fonte.

  • NDICE

    Prefcio............................................................................................................ 1 1. Apedeuta e o senso comum.................................................................. 3 2. Popularidade e urna-mania.................................................................... 6 3. Credibilidade e multilateralismo........................................................... 9 4. Bolsa traduo e indstria editorial...................................................... 12 5. Quem faz pelo livro................................................................................ 15 6. Foras dinamizadoras na Amrica Latina e no Caribe...................... 18 7. Economia da cultura no Chile.............................................................. 20 8. Sustentabilidade e trabalho.................................................................... 22 9. Cuba no mundo digital........................................................................... 25 10. Sandices de um mundo deriva........................................................... 28 11. Propriedades culturais em risco............................................................ 31 12. Refertos de esperana............................................................................. 33 13. Artfices da mudana planetria............................................................ 36 14. Ciclos que se alternam............................................................................ 38 15. Pulsao do Brasil em mudana........................................................... 40 16. Muros da paz aparente........................................................................... 43 17. Brasil comercial e experincia direta.................................................... 45 18. Reconstruo do Haiti............................................................................ 48 19. A violncia na Amrica Latina.............................................................. 50 20. Luz que permanece acesa...................................................................... 53 21. Dengue e controle de pragas................................................................. 55 22. Chevron e danos ambientais no Equador........................................... 57 23. Mercado de jogos eletrnicos............................................................... 60 24. Extermnio de baleias na Antrtica...................................................... 63 25. Trabalho escravo e religiosidade........................................................... 65 26. Obama e o astuto Tio Sam.................................................................... 68 27. Ilha Brasil e outras desgraas................................................................ 71 28. Tabagismo e sade pblica.................................................................... 74 29. Negcios e submundo dos humanos................................................... 77 30. Queda do dlar e polticas cambiais.................................................... 80 31. Boa sorte, vizinho Pepe!........................................................................ 82 32. Censo populacional nos Estados Unidos............................................ 85 33. Trivialidade em dvida........................................................................... 88 34. Recordaes do porvir........................................................................... 91 35. Teatro cultural, pleonasmo necessrio.................................................94

  • 36. Meandros da Colnia Universal........................................................... 97 37. Brinde velhaco......................................................................................... 100 38. Bacanal e Brasil bacana.......................................................................... 103 39. Cidadania por gerao espontnea....................................................... 106 40. Decifrao do Cdigo Florestal............................................................ 109 41. Migalhas e provedor de alimentos........................................................ 112 42. Escolho moderno da tradio cocaleira.............................................. 115 43. Agrointoxicao e vedao ocular........................................................ 118 44. Habitao e aglomerados urbanos....................................................... 121 45. Ps-venda da alma tupinica................................................................... 124 46. Perseverana no bem.............................................................................. 127 47. Equalizao da banda larga................................................................... 130 48. Regras do prostbulo.............................................................................. 133 49. Prs e contras da abertura comercial dominicana............................. 136 50. Movimento estudantil no Chile............................................................ 139 51. Cmplices de insanos............................................................................. 142 52. Presente de benfazejos........................................................................... 145 53. Rutilncia de modernidade.................................................................... 148 54. Somatotrofina hidreltrica..................................................................... 151 55. Vozes que se alam................................................................................. 154 56. Congresso ibero-americano de educao............................................ 157 57. Manancial de ganncias.......................................................................... 160 58. Cooperao em sade na Nossa Amrica........................................... 163 59. Juntar palavras e proferir frases............................................................ 165 60. Meios pblicos na Amrica Latina....................................................... 168

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    PREFCIO

    o girar um poliedro que contm vrios sentimentos, aduzo sua face de rebeldia nesta compilao de artigos que publiquei na imprensa

    brasileira de outubro de 2010 a outubro de 2011. Talvez este perodo tenha sido o de maior crtica, pessimismo e inconformidade de minha parte em relao aos caminhos do Brasil e de suas relaes internacionais. Ao mesmo tempo, fiquei mais consciente de quem eram os responsveis pela reproduo da ideia descabida de que o Brasil um pas fadado a infortnios polticos e de que sua gente predestinada aos pecados terceiro-mundistas.

    Nesta Aresta da rebeldia, reno artigos que esfregam o dedo em feridas e, esperanosamente, entregam o papel emancipador do Brasil a seus leitores. Dessa forma, espero que o teor rebelde dos textos que este livro contm se anule pelo desejo brando e construtivo de mudanas que cada leitor possui. Sendo assim, no proponho um livro de receitas de como melhorar o Brasil. Entendo que cada criatura far o melhor para equilibrar a balana em que pesam seus instintos, de um lado, e sua racionalidade, de outro. De fato, aproveitei para reiterar, no contedo deste livro, que mais um pouco de egosmo da meia-cidadania nos descarrilar de vez.

    O perodo em que escrevi os artigos deste livro marcante no que se refere rebeldia de meus diagnsticos e ideias sobre o Brasil contemporneo. No bastava enaltecer aquilo que a natureza nos regalou (paisagens exuberantes, riquezas minerais, etc.). Era preciso tambm potencializar a capacidade da gente brasileira de fazer o melhor pelo seu pas, aprender a repor aquilo que tirou, e pensar no bem-estar do outro assim como se deseja a si mesmo.

    Quando escrevi o primeiro texto, havia vivido um ano no Brasil aps meu retorno do Mxico. Confesso que uma experincia noutro pas ajuda a enxergar os desafios prprios com outras lentes. Em vez de me dedicar a esforos comparativos (e avaliar onde um pas est melhor e pior que outro), obtive conhecimentos sobre problemas comuns que indicaram os responsveis pelos trilhos deteriorados. A rebeldia, portanto, aumentava em relao ordem internacional regida por hierarquias na diviso do trabalho e ao egosmo das elites em nossos pases do Sul.

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    Como se no bastasse a experincia que tive no Mxico, onde conheci pessoas admirveis que ampliaram minha viso da Amrica do Sul e do mundo, faltava pouco para minha prxima sada temporria do Brasil em planos de estudo. Um ms depois que escrevi o ltimo artigo desta Aresta da rebeldia, eu viajaria Inglaterra, que uma ilha prxima do continente-objeto (a Europa) das minhas crticas mais contumazes. Nesta ilha, minha rebeldia alcanaria o ponto mximo de enfrentar e resistir para ficar pelo tempo necessrio e atravessar uma nova experincia no exterior.

    Entretanto, talvez eu tenha cometido um erro no perodo que precedeu minha sada Inglaterra. Descontei, nesta Aresta da rebeldia, meus sentimentos rebeldes nas incoerncias que via no Brasil (veja, por exemplo, os artigos Ilha Brasil e outras desgraas, Meandros da Colnia Universal, e Bacanal e Brasil bacana). Acredito que meu erro tenha sido o de culpar o Brasil pelas faltas que ns cometemos enquanto meio-cidados egostas, vende-ptrias e Estado-chupes.

    com esta disposio que ofereo esta Aresta da rebeldia. Nela, tive mais uma oportunidade de meditar sobre as belezas humanas e naturais do Brasil e sobre os sentimentos perniciosos que nos levam a macular as bnos da natureza, naturalmente imponente.

    Bruno Peron Loureiro

    Londres, 16 de maio de 2014.

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    1. Apedeuta e o senso comum

    manifestao e ascenso das esquerdas latino-americanas incomodam enormemente os grupos que detm o poder econmico (principalmente

    os metidos a policiais do mundo). Para eles, convm manter a maior parte da populao na ignorncia e com o mnimo necessrio. A sobrevivncia tem sido a recompensa de um povo que transpira para ganhar a vida.

    O presidente venezuelano Hugo Chvez rejeitou a escolha do estadunidense Larry Palmer para o cargo de embaixador na Venezuela e acusou o governo de Barack Obama de assassino, irresponsvel e golpista. O mandatrio latino-americano no poupa palavras e atitudes que visam a posicionar seu pas no lado da autonomia decisria.

    Os Estados Unidos poderiam estancar o aumento do desemprego e da violncia em seu territrio em vez de sangrar naes indefesas. Nota-se, porm, que a poltica exterior deste pas sua prioridade, uma vez que a opresso a pases mais fracos requisito para o bem-estar interno.

    So poucos os governos que desafiam a ordem mundial capitalista. Esta se fundamenta na reproduo de modelos de desenvolvimento concentradores, insustentveis e inimigos da decncia. Os poucos que se atrevem a contradiz-lo so chamados de loucos, ditadores, guerrilheiros e terroristas. E o povo repete esta frmula como papagaio.

    Dilma Rousseff recebeu, em perodo de propaganda eleitoral em 2010, calnias de todo tipo. Correios eletrnicos de ridicularizao circularam no tempo em que paradoxalmente se estigmatizou seu nome como uma guerrilheira que pegou em armas contra a opresso ignominiosa da ditadura militar.

    Os valores corromperam-se tanto no Brasil que j no se define mais o limite entre o apedeuta e o senso comum, que se tornaram duas caras da mesma moeda. Cidados tupinicas apressaram-se em escolher seus candidatos a fim de se livrar do fardo da obrigatoriedade do voto e seguir suas rotinas.

    Um dos fatores, contudo, que deslocam a candidata Rousseff do campo das esquerdas latino-americanas a migrao de sua militncia da luta revolucionria ao capitalismo pragmtico. Esta negociao justifica a

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    insero de lutadores das causas sociais num quadro poltico que dispe de pouca mobilidade. Em outras palavras, o candidato vitorioso nas eleies ter o dever de administrar a mquina estatal instituda com a diligncia de no afetar interesses de grupos poderosos, que governam de fato por trs de qualquer personalidade carismtica.

    O panorama no Brasil desanimador: convocam-se pessoas que no sabem o que fazer com seu poder de voto s urnas eletrnicas ao mesmo tempo em que os grandes meios de comunicao selecionam para os debates os candidatos que tero condies melhores de administrar a engrenagem que j est estabelecida. Enquanto isto, os meios de comunicao excluem outros candidatos que ofereceriam mudanas consistentes. No toa que o nico candidato convidado da esquerda, Plnio Arruda Sampaio, no soube o que fazer com o precioso tempo que lhe concederam na televiso.

    praticamente um consenso entre as esquerdas latino-americanas que o Estado deve-se responsabilizar pelos servios que garantem a melhora de qualidade de vida da populao em contraposio iniciativa privada. A prpria sociedade criar mecanismos para saciar a demanda por servios comunitrios e o Estado se dedicar a outras questes. Falta corrigir a tendncia de acomodao que corri a categoria de servidores pblicos.

    Mesmo em Cuba, pas to mal compreendido, existe uma reforma em curso da economia cubana que envolve a demisso de funcionrios pblicos, a permisso para abertura de pequenos negcios e a formao de cooperativas. Seus formuladores, porm, garantem que aquela no atrapalha a construo do socialismo e o projeto iniciado com a revoluo.

    H um esforo pueril para desqualificar conquistas sociais e governos progressistas na Amrica Latina. Os avanos polticos e a autonomia que alguns de seus pases tm conquistado, contudo, so construtivos. Ainda assim, as elites culturais e econmicas apelam difamao e o escndalo.

    Os partidos que apareceram menos nos meios de comunicao contestam o jogo eleitoral desigual e unem-se numa luta a favor de uma reforma que iniba aqueles de maiores recursos financeiros de aparecer mais. O financiamento pblico de campanha, porm, questionvel, a menos que o Estado regule a apario de todos os partidos por igual e libere pouca verba.

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    Vale lembrar que os Estados Unidos forjaram um ataque terrorista em Nova York em setembro de 2001, invadiram naes e mataram civis inocentes para desovar sua indstria blica milionria. Eles escolheram ainda em quais pases subdesenvolvidos cada acessrio material seria produzido (desde tnis at peas de computadores) para gozo de estadunidenses.

    A ganncia gera a prpria desgraa, uma vez que os estadunidenses so os principais consumidores dos entorpecentes latino-americanos. A conivncia do presidente mexicano Felipe Caldern, do Partido da Ao Nacional (PAN), com os Estados Unidos tem provocado massacres no Mxico em reao poltica de combate ao trfico de drogas.

    Colmbia, Peru e Bolvia so os trs maiores produtores de cocana no mundo. alarmante o dado de que o narcotrfico representou em 2009 de 1,5% a 3,0% do Produto Interno Bruto da Bolvia e movimentou de 300 a 700 milhes de dlares.

    O trfico de entorpecentes um negcio execrvel e deve ser abolido com todo vigor, assim como o comrcio de armamentos. A Amrica Latina, no entanto, insere-se no mercado internacional em funo do que dispe para incrementar a renda de seus pases e atender suas economias.

    preciso rever a prtica cidad, os programas de governo e a insero da Amrica Latina no mundo antes que se anule a diferena entre o apedeuta e o senso comum.

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    2. Popularidade e urna-mania

    processo eleitoral com urnas eletrnicas eficiente, rpido e seguro no Brasil; da os elogios internacionais. A tcnica, porm, avana num

    ritmo muito mais rpido que a cultura poltica onde dois fenmenos marcaram as votaes de primeiro turno em 3 de outubro de 2010: a busca de alternativas e o voto na popularidade do candidato.

    A candidata ecologicamente correta mas politicamente dbia Marina Silva, do Partido Verde (PV), angariou um quinto dos votos para a presidncia e superou a expectativa rotineira de nmero baixo para terceiro lugar. Pouco mais de 19% do eleitorado buscaram uma opo distinta dos joysticks do video-game capitalista, representados esta vez por Dilma Rousseff (46%) e Jos Serra (34%).

    Alm da pr-seleo que as emissoras de televiso fizeram de candidatos para a participao nos debates, personalidades da comdia, esporte e sexualidade fizeram valer sua popularidade para a conquista de votos. Assim o divertido Tiririca e o craque Romrio garantiram seus lugares na Cmara de Deputados.

    Muitos eleitores afobaram-se para se livrar da votao, que obrigatria para qualquer cidado tupinica de entre 18 e 70 anos, e votaram, por conseguinte, em candidatos burlescos como forma de protesto ou escolheram de ltima hora em quem depositar seus votos de confiana. Num futuro prximo, estes eleitores nem recordaro de seus semblantes, quanto menos cobraro pelas promessas que os vencedores fizeram em campanha.

    O Tribunal Superior Eleitoral criou uma Central do Eleitor para facilitar a relao entre os cidados e a Justia Eleitoral. Mais um canal de

    comunicao que faz de tudo para ocultar qualquer rastro da meia-cidadania, to imanente cultura poltica do pas.

    De um universo de pouco mais de 135 milhes de eleitores, 24 milhes (18%) deixaram de votar e 111 milhes (82%) compareceram s urnas. 3,13% votaram em branco e 5,51%, nulo para o cargo de presidente. A mobilizao deste nmero de pessoas num nico dia um exemplo de democracia, a despeito das faltas significativas. Outro exemplo a definio

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    dos resultados poucas horas depois do voto do ltimo eleitor ainda que no se houvessem apurado todas as urnas.

    O processo eleitoral no Brasil desperta a reao de lderes latino-americanos. Durante as votaes de segundo turno, Hugo Chvez demonstrou preferncia a que vencesse Dilma Rousseff, enquanto Evo Morales se disps a ser parceiro de qualquer candidato que ascenda vitorioso, embora o mandatrio admire explicitamente o presidente em despedida Luiz Incio Lula da Silva, cuja sombra persistir no Palcio do Planalto.

    A discusso sobre o processo eleitoral no Brasil reaparece no momento em que os meios de comunicao hegemnicos (jornal O Estado de So Paulo, revista Veja, canal de televiso Globo, etc.) manifestam preferncia pelo candidato Jos Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Algumas vezes esta opo patente. O editorial do jornal tradicional O Estado de So Paulo O mal a evitar, de 26 de setembro de 2010, manifesta o apoio a Serra.

    A Globo e a Record tiveram a audcia de excluir vrios outros candidatos dos debates na televiso com a justificativa de que tais candidatos no pontuaram suficientemente nas insidiosas e oportunas pesquisas de inteno de voto. Como uma parcela considervel da populao escolhe seus candidatos pelo filtro da televiso, acabam por desconhecer propostas alternativas.

    Plnio Arruda Sampaio, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), preferiu o caminho da crtica e a difamao de seus adversrios apresentao de propostas convincentes da esquerda. Desperdiou parte do precioso tempo que lhe concederam para falar atravs da gora digital dos tempos atuais, pois se perdeu na papelada da mesa e apresentou poucas propostas.

    O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Partido da Causa Operria (PCO) e Partido Comunista Brasileiro (PCB) formaram uma frente de esquerda com a expectativa de ganhar visibilidade, mas pouco transcenderam os crculos dos sindicatos e as universidades. Seus idealizadores ainda no conseguiram atualizar os velhos motes e convencer, portanto, um eleitorado mais amplo.

    Houve eleitores que leram programas de governo, assistiram a entrevistas e revisaram propostas a fim de escolher seus candidatos, enquanto

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    outros se queixaram dos poucos minutos dedicados no domingo de 3 de outubro de 2010, como se a atividade fosse onerosa demais para desvio de rotina, e digitaram nmeros que no cabero na memria.

    O voto eletrnico no novidade no pas, mas a busca de alternativas dentro de um leque selecionado pelos meios de comunicao um passo que o eleitorado d a fim de manifestar que est mais ativo no processo eleitoral. A tentativa, no entanto, incipiente e de pouco vigor.

    O moderno sistema eleitoral deste pas convive, destarte, com o tradicionalismo da cultura poltica.

    O desconhecimento do processo eleitoral torna o eleitor vulnervel a desperdiar seu voto a fim de se livrar do comparecimento s urnas.

    A Justia Eleitoral avana anos-luz num pas em que falta dignidade nas salas de aula.

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    3. Credibilidade e multilateralismo

    influncia de pases pujantes nas decises de peso mundial inviabiliza a crena no multilateralismo ou a participao dos que possuem nveis de

    desenvolvimento menores. A Organizao das Naes Unidas (ONU), que possui os foros de debates mais inclusivos no mundo, tem sofrido reveses que questionam a sua credibilidade como instituio independente.

    O secretrio-geral da ONU Ban Ki-moon exortou, na ocasio de abertura do 65 perodo de sesses de sua Assembleia Geral em Nova York, os 192 Estados-membros a que acabassem com a pobreza, eliminassem as armas nucleares e promovessem a igualdade de gnero mediante coeso e pragmatismo em suas polticas.

    Os debates estenderam-se de 23 a 30 de setembro de 2010. O sul-coreano Ban Ki-moon criticou ainda a polarizao internacional e a incerteza que se devem aos conflitos e desigualdades e afirmou que o organismo indispensvel frente aos problemas atuais.

    Nunca foi inteno da ONU a criao de um governo global seno a de um foro multilateral de Estados independentes e soberanos. Por esta razo, Joseph Deiss, presidente da Assembleia Geral, sugeriu a formao de uma verdadeira associao mundial com estratgias comuns e globais.

    Destarte, a ONU tenta contrabalanar espaos de poder que at ento eram detidos por potncias mundiais. A maioria delas impe-se mediante a vitria nas guerras e a insero privilegiada no circuito econmico internacional. A ONU negou autorizao para as invases de Estados Unidos ao Afeganisto (2001) e Iraque (2003), mas a deciso do organismo multilateral no as evitou. Nem por isso os Estados Unidos foram sancionados ou julgados nalgum tribunal internacional.

    Representantes diplomticos de pases da Amrica Latina advogam o multilateralismo e a resistncia aos interesses das potncias atravs do argumento de que o mundo de 1945, ano de criao da ONU, no o mesmo de 2010. Nota-se que a instituio emergiu nos anos 1940 ou quando saram os vitoriosos da Segunda Guerra Mundial, parte dos quais compe curiosamente seu Conselho Permanente de Segurana e os maiores exportadores de armas.

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    A credibilidade da ONU descendeu tanto que no compareceram na abertura das sesses deste ano os presidentes de Brasil, Cuba, Equador, Mxico, Nicargua e Venezuela. Celso Amorim, chanceler brasileiro, e Ricardo Patio, contraparte equatoriana, esto entre os que sustentam que a ONU no representa mais os interesses da Amrica Latina.

    O presidente estadunidense e ttere Barack Obama um ludibriador de esperanas, figura de continuidade pattica das prticas assassinas de Bush filho, partidrio do governo republicano que o precedeu. Seu apelo derrocada do Ir, a despeito de qualquer violao aos direitos humanos que ocorra neste pas, ineficaz e vo. No preciso muito esforo para enxergar que os piores exemplos em direitos humanos partem de um pas com cinquenta estrelas brancas na bandeira.

    A ONU sofre de problema de legitimidade diante de sua incapacidade de conter o unilateralismo estadunidense ou a falta de disposio de ser contrariado e de isolamento devido ao reforo de outros blocos multilaterais. Os pases mais poderosos comeam a desesperar-se pela transparncia de suas falcatruas e as inconsistncias da economia de mercado, que tm enchido de convico os que acreditam na iminncia do fim do mundo.

    O conflito incessante entre Israel e Palestina, a resposta necessria do programa nuclear iraniano, os dados alarmantes da fome e a mudana climtica convocam a humanidade a rever seus planos de sobrevivncia. Ban Ki-moon alertou que problemas mundiais arriscam o futuro dos mais vulnerveis, o que soa evidente.

    A cidade de Cancun, Mxico, sediar um encontro em novembro de 2010 em busca de um pacto alternativo internacional de reduo das emisses de gases contaminantes.

    A Alternativa Bolivariana para as Amricas (ALBA) e a Unio das Naes Sul-Americanas (UNASUL) so algumas instncias que tm dado maior autonomia na insero internacional dos pases latino-americanos devido inrcia da ONU de frear o apetite de potncias mundiais.

    Apesar dos contratempos, a ONU continua desempenhando um papel importante como foro de dilogo internacional. Seus maiores promotores, contudo, desesperam-se frente perda de credibilidade da

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    instituio e a insistncia unilateral dos Estados Unidos, desta vez sob comando de um boneco democrata. Algo parecido passa com a Organizao de Estados Americanos (OEA), que aprovou o golpe militar em Honduras e abalou a democracia neste pas.

    Lderes latino-americanos preocupados com o bem comum apreciam limiares de novos tempos em que se condena a ordem vigente e se atribui maior poder s classes populares e aos pases perifricos. O foro ndia Brasil frica do Sul (IBAS) corrobora esta tendncia de discutir temas globais a partir de pases subalternos no sistema exausto de trocas de mercadorias.

    A reforma do Conselho Segurana da ONU, do qual Frana, Inglaterra, Rssia, China e Estados Unidos so membros permanentes, inadivel a fim de democratizar a cpula dos que discutem o destino do planeta e com o propsito de recuperar gradualmente a credibilidade desta instituio. Um dos pontos das reforma sugere o acrscimo de cinco pases da sia, frica e Amrica Latina.

    A ONU recobra o seu papel no multilateralismo.

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    4. Bolsa traduo e indstria editorial

    entro da copiosa produo literria brasileira, parte nfima dos autores se faz conhecer em nvel nacional e menos ainda fora das fronteiras do

    pas. As indstrias editoriais selecionam aqueles de maior potencial para alavancar as vendas no setor. Afortunadamente h polticas pblicas que impulsionam os escritores menos conhecidos, mas que no deixam por isso de ter boa qualidade.

    O Ministrio da Cultura, atravs da Fundao Biblioteca Nacional, criou o Programa de Apoio Traduo de Autores Brasileiros, cujo objetivo ampliar a presena de escritores brasileiros no mercado editorial internacional. O Ministrio dedicou R$364 mil para o Programa em 2010 a fim de incluir vrios gneros literrios, autores menos conhecidos e de regies diversas.

    A bolsa traduo, que se dirige a editores nacionais e estrangeiros, como se alcunhou o Programa que visa a inserir outros autores brasileiros num circuito privilegiado. As tradues ao espanhol, francs, alemo, ingls, etc. difundem expresses das culturas nacionais em contextos onde somos tendencialmente estereotipados.

    Estrangeiros de pases diversos tm interesse em nossas expresses culturais, mas o idioma portugus para muitos uma barreira intransponvel. As tradues, portanto, despertam a curiosidade na nossa produo cientfica e na ficcional, que to merecedora quanto a de autores de pases mais desenvolvidos tecnicamente.

    H que resistir presso do desmerecimento de nossa cincia, culinria e idioma. Parte dela se impe mediante a primazia do ingls nas publicaes de artigos cientficos em revistas arbitradas, a adoo de hbitos alimentares fteis e nocivos sade, a linguagem de estrangeirismos nos delivery de pizzas e os drive thrus. A bolsa traduo insiste no fortalecimento e na divulgao do prprio antes que nossas obras no precisem mais de tradues.

    Com isso, no prego a recusa do estrangeiro, que se soma disposio acolhedora do Brasil, seno a defesa da soberania cultural e lingustica que nos caracteriza como brasileiros.

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    preciso realizar o sonho de um mundo em que os pequenos tambm tenham vez; assim exportaramos vises outras que as de meia dzia de escritores privilegiados.

    A Feira do Livro de Frankfurt homenageou o Brasil em 2013 com a oferta bibliogrfica de um estande de 2.500 m, o que impulsiona este segmento do mercado editorial. A Feira escolhe um pas por ano desde 1988 para apresentar sua produo literria. Recorda-se que o Brasil participou em 1994, mas ter nova oportunidade. Ainda assim, um novo presente dos Cus.

    Uma crtica que surge de que o aparelhamento (financeiro, humano, etc.) do Brasil para a Feira do Livro de Frankfurt a resposta a uma poltica que no nossa. O pas deveria ser, diferentemente, o agente promotor de polticas culturais que nos divulguem no exterior, por exemplo, com o fortalecimento dos Centros de Estudos Brasileiros (CEB).

    Quando aumenta a leitura de livros de nossos autores e o interesse dos estrangeiros no Brasil, eles vm para c e financiam o turismo, geram empregos no setor e anulam as impresses falsas que tinham dos brasileiros. O governo da Colmbia props uma poltica cultural em canais internacionais de televiso, como em Cable News Network (CNN), ao tentar amenizar esteretipos de insegurana e dizer que, naquele pas, o nico risco de que o turista queira ficar.

    Este programa governamental que incentiva a traduo de livros brasileiros financia tambm editoras estrangeiras que, por tabela, incluem outros escritores nacionais.

    A questo : se a produo literria for boa, por que no divulg-la a um universo mais amplo de leitores? O Programa de Apoio Traduo de Autores Brasileiros insere nossos escritores num circuito de relevncia imensurvel. um acrscimo de nimo ao escritor saber que seu livro lido no ultramar e noutro idioma.

    Estados Unidos e Frana divulgam suas culturas e fortalecem suas identidades nas artes visuais. O cinema estadunidense uma indstria prspera do setor cultural que alavanca outros interesses daquele pas, inclusive o militar. No toa que turistas brasileiros pagam caro e passam horas na fila do Consulado em So Paulo para sacar o visto de viagem aos Estados Unidos.

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    As polticas do Ministrio da Cultura para o setor editorial, portanto, fazem muito mais que dar uma bolsa de alguns milhares de reais para que se traduzam autores brasileiros. um servio de divulgao do Brasil no exterior que, a prazos mdios e longos, converte-se em ganhos para outros setores nacionais, como o turismo.

    Toda a cadeia da indstria editorial (produo, circulao e consumo) aufere benefcios de um Programa como este, desde os direitos autorais do escritor at a publicidade da obra. A cultura o esteio de polticas pblicas em pases que levam o ser humano a srio.

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    5. Quem faz pelo livro

    livro ainda bem de luxo no Brasil, onde se l muito pouco. Para contrapesar este diagnstico que persiste ao longo das dcadas e

    denigre nossos dados reais da educao, governos e instituies no-governamentais tm proposto formas de acesso ao livro e incentivo leitura.

    Num pas em que todos querem tirar o seu, procedente a afirmao de que as leis de mercado funcionam melhor que as polticas pblicas para a democratizao da leitura?

    A Cmara Brasileira do Livro (CBL) sustenta uma postura otimista ao fundamentar seus argumentos num estudo que indica queda de preos nalgumas categorias de livros: didticos (24,5%), religiosos (38%), obras gerais (22,4%) e cientficos, tcnicos e profissionais (23,3%).

    Outros representantes privados defendem que se tem produzido nmero maior de ttulos, portanto o aumento da oferta barateia o preo do livro. Ignoram, porm, que este argumento to pfio a ponto de contradizer-se em que, se aumentar a compra de livros e consequentemente a demanda, o preo sobe. A bonana, assim, duraria pouco.

    Aqueles que simplesmente associam o hbito saudvel de leitura s oscilaes de mercado, entretanto, no enxergam a indstria do livro alm de um objeto a mais de ganncia em vez de instrumento de enriquecimento cultural de um povo. O livro seria, ento, uma mercadoria.

    O processo de produo do livro envolve escritores, editores, grficas, indstrias de papel, livreiros, distribuidores, tradutores quando forem necessrios, e outros que no cedem facilmente seu meio de sustento a polticas de democratizadores da cultura.

    A indstria do livro corre um risco parecido ao crepsculo da musical. Atualmente so poucos os que se atrevem a pagar to caro por um disco original, pois lbuns inteiros dispem-se para aquisio gratuita na Internet. Os sites de torrents so fontes interminveis de discografias. Se o livro continuar caro, o leitor o copiar sem hesitao ou deixar de ler.

    No deixo de mencionar as iniciativas de digitalizao de livros completos na Internet, onde o leitor paga para ter acesso virtual obra. J h

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    mecanismos que simulam a sensao de folhe-los. A medida dispensa a indstria de papel e pode baratear o acesso ao livro e leitura.

    As leis de mercado encarecem os livros em sebos no Brasil, uma vez que os mais raros esto sujeitos oferta baixa, portanto preos abusivos. O Brasil deixa a desejar em comparao com alguns pases latino-americanos, como Argentina e Mxico, no que se refere ao barateamento do custo de livros e a facilidade de encontrar ttulos, como os universitrios.

    Algumas especialidades acadmicas exigem ainda a leitura de obras que no foram traduzidas ao portugus, porm a disponibilidade delas nas livrarias nacionais, ainda que sob encomenda, rara, custosa e demorada.

    As leis de mercado engrenam processos sobre os quais o Estado no atua nem deveria para no se expor ao risco do dirigismo: o que, quanto, como e onde ler. Aquelas, porm, no tm sido suficientemente convincentes a fim de resolver a pendncia de falta de leitura no Brasil.

    Deste modo, o acesso ao livro no se faz somente mediante a compra do produto pelo maior nmero possvel de leitores, o que satisfaria o insidioso mercado, seno tambm com o aparelhamento e incentivo do uso de bibliotecas pblicas e escolares.

    necessrio frisar que boa parte dos jovens mudou os hbitos de leitura em vez de ler menos: mensagens instantneas (como nos programas MSN, Twitter e Orkut) e torpedos nos celulares, cartazes publicitrios distribudos caoticamente pelas cidades e notcias que sobem em tempo real nas telas do computador transformaram a rotina de leitura. Talvez este seja o momento de resgatar a importncia do livro no processo de construo cidad, digno de qualquer idade.

    Os trs nveis de governo (municipal, estadual e federal) h muito discutem sobre o tema, elaboram leis e lanam programas que incentivam a leitura no Brasil, como o Programa Nacional de Incentivo Leitura (PROLER).

    Em maro de 2006, o Ministrio da Cultura e o Ministrio da Educao fizeram parceria para o lanamento do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), uma proposta ambiciosa. Seus objetivos principais tm sido nominalmente: democratizao do acesso; fomento leitura e formao de

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    mediadores; valorizao da leitura e comunicao; desenvolvimento da economia do livro.

    Esta ltima estratgia do PNLL indica que difcil evadir a cadeia complexa de produo, distribuio e consumo do livro com todos os atores envolvidos e citados acima. A participao ativa do Estado e a cobrana dos cidados so imprescindveis para, ao menos, regular o funcionamento deste mercado.

    O livro deve ser facilmente acessvel e relacionado ao lazer e no unicamente um objeto de estudo e labor. Quem l o que gosta desfruta.

    Se o acesso leitura for divulgado nos lares e nas escolas, os jovens desenvolver-se-o com este hbito saudvel e formador da conscincia.

    Estado e mercado, em vez de se anularem, podem um suprir as carncias do outro para a promoo do livro e da leitura.

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    6. Foras dinamizadoras na Amrica Latina e no Caribe

    Sistema Econmico Latino-Americano (SELA) apresentou um Informe sobre as indstrias culturais e criativas na Amrica Latina e no

    Caribe durante a 36 Reunio Ordinria de seu Conselho Latino-Americano em 27, 28 e 29 de outubro de 2010 em Caracas, capital da Venezuela.

    O Informe contm a sugesto de atribuir s indstrias culturais e criativas da regio um tratamento formal de pertencimento ao setor econmico. H muito os mercado-manacos tentam abocanhar a criatividade, o imaginrio e o pensamento de latino-americanos e caribenhos a fim de transform-los em frmulas lucrativas e vinculadas a marcas.

    Este documento informativo e propositivo, que resulta do esforo de intelectuais de vrios pases integrantes do SELA, que um organismo internacional sediado na Venezuela, mencionou, de forma complementar, a preponderncia do conhecimento, a criatividade e a informao como foras dinamizadoras do crescimento econmico da regio.

    A reunio de integrantes do SELA coincide com o diagnstico de entrelaamento de redes culturais atravs de meios de comunicao sem que o indivduo tenha que sair de casa. A cultura vai at voc pelo celular, o computador e a televiso.

    Emergem assim novas formas de relacionamento entre cultura e as tecnologias de comunicao e informao, embora as tarifas de celular no Brasil continuem umas das mais caras no mundo e a Internet seja de pssima qualidade, cara, lenta, com interrupes frequentes do servio e atendimento frustrante aos clientes das empresas monoplicas.

    O mais divertido desta histria o af do jornalista William Bonner, um dia depois da vitria de Dilma Rousseff nas eleies presidenciais, de questionar numa entrevista pela emissora de televiso Globo a presidente eleita sobre o compromisso com a liberdade de expresso da imprensa.

    Que medo se tem do tal de controle social da imprensa!

    Na poca da ditadura militar, a Globo prestava adorao a cada verdugo militar travestido de presidente da Repblica. Tais ditadores, antes de morrer, devem ter reconhecido quanto foram desprezveis.

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    O Informe do SELA reiterou que as indstrias culturais promovem as culturas locais e a imagem de uma regio ou pas no mundo, o contato com outras culturas por meio da globalizao e a renovao das tradies culturais por este processo. Estes so os prs.

    Este gnero de indstrias, porm, tem os contras: a Amrica Latina e o Caribe devem lutar para no perder os referentes territoriais de suas culturas, que se difundem nos meios eletrnicos e se reproduzem como exticos e homogneos.

    Portanto, fundamental o equilbrio entre o setor cultural (to amplo e diverso), as escalas de governo (e suas polticas pblicas municipais, estaduais e federais), e as empresas que tomam a cultura como fonte de lucro e renda (sobretudo com leis de renncia fiscal).

    O setor das indstrias culturais e criativas, segundo o Informe do SELA, colabora com uma mdia de 7% ao Produto Interno Bruto mundial, mas a percentagem oscila entre 1 e 7% na Amrica Latina e no Caribe. De acordo com os ltimos dados disponveis, o menor investimento no setor o paraguaio, enquanto a Venezuela conta com o maior.

    Um grande desafio nesta regio de propores continentais aproximar o potencial ao efetivo, visto que seus recursos culturais podem situ-la em melhores nveis de desenvolvimento humano e de qualidade de vida.

    Por isso as redes extensas do mercado tm fora para promover o setor cultural a despeito de qualquer mcula inerente aos seus princpios. As indstrias articulam um nmero grande de profissionais que, poucas vezes, preocupam-se com se o que fazem cultural ou no.

    O Informe do SELA sobre as indstrias culturais e criativas na Amrica Latina e no Caribe, desse modo, indica uma maneira nova de se fazer negcios tomando-se at o intangvel como objeto de renda.

    As tais foras dinamizadoras podero ser teis se servirem a ns, latino-americanos e caribenhos, enquanto deixarmos de deslumbrar diante daquilo que aceitamos como nica cultura possvel.

    Caso contrrio, seria mais um pretexto para exaurir a nossa seiva a troco de mais misria.

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    7. Economia da cultura no Chile

    Primeiro Seminrio sobre Cultura e Economia: uma oportunidade de desenvolvimento teve lugar em Santiago, capital do Chile, em 3 de

    novembro de 2010. A dedicao de toda uma quarta-feira ao tema da economia da cultura foi um incentivo aos profissionais do setor.

    Com tantos indivduos, grupos e instituies envolvendo-se em economia da cultura, um campo relativamente recente, cabe a pergunta de a quem ela pertence.

    A iniciativa do Conselho Nacional de Cultura e as Artes do Chile, cujo rgo estatal existe desde agosto de 2003 e responsvel pelas polticas pblicas de desenvolvimento cultural. Muito se tem falado sobre e feito a favor da parceria entre governo e produtores culturais.

    Os pequenos produtores culturais tm oportunidades raras de disponibilizar seus trabalhos no circuito econmico nacional e internacional, por isso a relevncia de polticas de Estado que valorizem produes menores, independentes e locais. O Conselho Nacional de Cultura e as Artes, portanto, prope polticas para desenvolver e fortalecer as indstrias culturais chilenas.

    Na mesma direo, o Primeiro Seminrio reorientou o conceito de cultura como polo de desenvolvimento econmico e atualizou as posturas tradicionais atravs da insero da cultura como fator de crescimento do produto interno bruto dos pases e no s fonte de entretenimento de elites nos fins de semana.

    Participaram do Seminrio: Luciano Cruz-Coke (Ministro de Cultura do Chile), Juan Andrs Fontaine (Ministro de Economia do Chile), David Gallagher (representante do Ministro de Relaes Exteriores do Chile no Diretrio Nacional do Conselho Nacional da Cultura e as Artes), entre outros expositores da cultura como objeto de ateno.

    O setor cultural cobra o seu devido valor junto das outras polticas sociais. O Primeiro Seminrio, deste modo, colaborou com discusses sobre programas governamentais de incentivo cultura, gerao de empregos de

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    mo-de-obra qualificada e bem paga, vnculo sustentvel com a economia, incremento do turismo, etc.

    A questo inicial de a quem a cultura pertence, porm, segue vigente porque h um receio legtimo de que os cidados s falem por meio da boa vontade dos mercados que apostem neles. Caso contrrio, silenciam-se os anseios sobretudo dos desfavorecidos e pequenos.

    Neste raciocnio, o economista australiano David Throsby identifica a predominncia dos mercados mundiais, destarte o setor privado, nas polticas culturais a partir de meados do sculo XX e devido principalmente s tecnologias de comunicao e informao. Throsby defende a gesto construtiva do setor privado sem subverter o interesse pblico nos processos de mudana cultural na sociedade.

    por vias similares que o Primeiro Seminrio props a discusso sobre a insero da cultura nos grandes circuitos econmicos e a valorizao dos produtores e gestores culturais.

    O governo de Sebastin Piera, neste nterim, no poderia perder a oportunidade de mostrar uma face politicamente correta de seu governo no Chile com o resgate dos 33 mineiros em Copiap, norte do pas. Foi o grande momento de investir na popularidade deste estadista, que ainda era baixa antes do episdio.

    Em 27 de fevereiro de 2010, portanto meses antes do resgate dos mineiros, o pas havia sido devastado por um terremoto que demandou a acolhida do Estado no processo de reconstruo. Um grande desafio aos primeiros meses do governo de Piera. A reao chilena ao sismo de seu territrio foi mais rpida e menos oportunista que a que sucedeu no Haiti a partir de 12 de janeiro de 2010.

    Cultura, assim, muito mais que uma cano que se ouve na rdio, um filme que brilha nas telas ou o teatro visto como local de elite e portanto pouco frequentado pelas massas.

    Que tal ampliar o conceito de cultura e reconhecer sua importncia nas esferas diversas de construo de cidadania?

    O mercado j se tocou da magnitude de um setor emergente.

    Chegou a vez de todos os cidados pleitearem a sua expresso.

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    8. Sustentabilidade e trabalho

    sustentabilidade o mote do estgio atual do capitalismo. difcil no encontrar o termo no discurso de qualquer poltico convincente.

    Seu emprego, contudo, a tentativa derradeira de encobertar a perfdia do sistema econmico vigente, que escraviza as pessoas e denigre a natureza.

    Pases transformam suas economias em negcios (aparentemente) sustentveis a fim de melhorar sua imagem no mundo e fortalecer blocos regionais de integrao.

    O lado triste que se esvai a pequena esperana que se tinha de que a agresso ao patrimnio natural pelo menos se converteria em benefcios nacionais.

    A pobre monocultura canavieira, em vez de aparelhar-nos com etanol barato no Brasil, encarece o produto e ainda produz acar para exportao, que mais rentvel no mercado internacional. Todos os demais riscos ficam por conta de quem varre as cinzas das queimadas e paga caro nas bombas de postos de combustveis, muitos dos quais ainda adulteram o produto.

    Enquanto bancrios organizaram-se numa greve justa e necessria, os banqueiros faustosos e usineiros oportunistas tm nadado em dinheiro porque o conceito de trabalho que vigora no Brasil a Amrica que deu errado ameaaria at Macunama, heri sem nenhum carter, personagem que marcou a carreira literria de Mrio de Andrade.

    Prebendas, cabides de emprego, trabalho infantil, escravido por dvidas, acomodao do funcionalismo pblico, superexplorao de mo-de-obra, entre outros desvios do trabalho, maculam o pas e do a impresso de que o crescimento econmico ser repartido.

    O trabalho deveria ser dirigido realizao da coletividade e o aprimoramento pessoal. No s este; nem s aquele. A conjugao dos dois. chocante viver num pas onde pessoas cruzam oceanos constantemente, enquanto outros jamais viram o mar.

    O trabalho uma ddiva a ser apreciada onde quer que se possa contribuir para o planeta.

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    Aos jovens terceiro-mundistas restam poucos exemplos de probidade e tenacidade no trabalho. Crescem num ambiente em que se passou a exigir domnio do idioma ingls em qualquer ofcio, j que o ingls passou a ser mais valorizado que o portugus em qualquer troca comercial dentro do pas. Os custos de frete, por exemplo, calculam-se atravs das siglas FOB (Free On Board) ou CIF (Cost, Insurance and Freight).

    Algum j se perguntou por que se usam tantos estrangeirismos no Brasil e se trabalha tanto para desmerecer um idioma to lindo, o portugus?

    Enquanto se faz alarde sobre desenvolvimento sustentvel num mundo chamejante, poucos protestam contra a investida do sistema cultural, econmico e poltico vigente.

    Poderia haver ao menos uma organizao popular mais participativa e o atendimento a demandas das classes oprimidas. Um caminho seria a expanso dos conselhos municipais, estaduais e federais sem que se transformem em lbis.

    O trabalho, portanto, expressa no s a necessidade de um salrio para pagar as contas e mover indstrias de todo tipo. O trabalho visa construo de uma coletividade.

    O Brasil amide no sabe o que fazer com sua pujana.

    Tantos talentos ainda se desperdiam em prol da malversao de dinheiro pblico e a alocao de recursos em poucas grandes empresas que regulam o mercado brasileiro e preenchem as estantes de supermercados com seus produtos caros, nocivos e suprfluos.

    O Brasil a estrela do momento porque tem 190 milhes de indivduos que precisam de alimentos, roupas, servios, etc. Todos eles tm recursos (privados, pblicos e assistencialistas) para fazer suas necessidades, ainda que tenham participado de algum programa federal de concesso de crditos. Para completar a cadeia, algum convence-os da sustentabilidade de seus negcios.

    Estamos, todavia, na escala baixa de um circuito internacional de troca de mercadorias onde, a cada ciclo que se esgota, forja-se uma nova estratgia de perpetuao de grandes poderes econmicos.

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    Empresas que contaminam a atmosfera compram crditos de carbono e transformam seus negcios em atividades ambientalmente

    sustentveis. Mfias regulam setores inteiros da economia porque dependem do clientelismo entre empresas e agentes pblicos que aprovam e fiscalizam empreendimentos e concesses de servios. Descortinou-se a mfia dos taxistas no aeroporto Galeo, Rio de Janeiro. Esta mais uma mcula que deve ser combatida.

    O cidado minimamente informado teria asco do meio que o circunda. Uma vez que vive histrias idlicas narradas por quem entende de contos e fices, tudo parece normal.

    A prxima estratgia de convencimento que se mascara na sustentabilidade haver de sofrer reao mais enrgica de quem valoriza o trabalho sob risco de esperar julgamento no Cu ou no Inferno. O planeta, pois, j no pode aguardar.

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    9. Cuba no mundo digital

    s tecnologias digitais permitem uma nova forma de interao cultural e a Internet o meio mais frtil de expresso deste fenmeno. A

    experincia cubana, por seu contraste poltico com outras naes latino-americanas, desperta a curiosidade de como sua cultura circula no mundo digital.

    A Cubarte (Portal de divulgao da Cultura Cubana) organizou a 1 Jornada da Cultura Cubana em Meios Digitais em 10, 11 e 12 de novembro de 2010 na Casa da ALBA Cultural (ramo de cultura da Alternativa Bolivariana para os Povos de Nossa Amrica).

    O evento comps as comemoraes do 17 aniversrio da Cubarte.

    J se anunciou a 2 Jornada para novembro de 2011.

    Este tipo de encontro soma-se s oportunidades de discutir sobre os caminhos culturais de um pas que seguiu uma experincia poltica guerrilheira, revolucionria e polmica (desde a tica capitalista dominante) sob o comando de Fidel Castro e logo seu irmo Raul, atual presidente.

    Na seo acadmica do encontro, especialistas, jornalistas e pesquisadores expuseram sobre as diversas facetas e dificuldades das novas tecnologias digitais em Cuba, o mal uso da informao, a baixa representatividade na Internet de elementos essenciais da identidade cubana, a socializao de contedos digitais, o jornalismo cultural digital, e o uso das redes sociais. Durante a 1 Jornada, houve tambm a premiao de produtos culturais digitais, como stios virtuais.

    O acesso Internet em Cuba menor em comparao com a mdia latino-americana e sofre controle por parte do governo cubano. Predominam, desta forma, os stios governamentais oficiais na ilha, mas os blogs prosperam junto de outras participaes em redes sociais.

    O expositor Vctor ngel Fernndez recordou que Cuba cumpriu quinze anos de uso de Internet em setembro de 2010 e a ilha agregou este participante do evento tem o desafio de inserir-se na rede de modo a defender o projeto social que comeou em janeiro de 1959. Naquele

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    momento, derrubava-se o ditador Fulgencio Batista, que era alinhado aos interesses dos Estados Unidos.

    A restrio do acesso Internet maioria da populao cubana no procede somente da poltica de Cuba de monitorar o trfego de informaes e punir os dissidentes polticos. Tal limitao ocorre tambm pela presso dos Estados Unidos de restringir investimentos em telecomunicaes na ilha, negar a concesso de endereos IP (Protocolo de Internet, da sigla em ingls) a provedores locais, e sugerir o bloqueio do acesso de endereos cubanos a stios virtuais estadunidenses e de outros pases alinhados aos Estados Unidos.

    Est claro que Estados Unidos segrega Cuba.

    Vale lembrar que a Cubarte definiu como objetivo do evento: propiciar o debate e intercmbio de experincias entre os meios digitais cubanos na esfera da cultura. A pauta da Jornada outro precedente para reforar o internacionalismo da cultura cubana.

    Cuba no alcanou o sonhado comunismo, que nunca existiu em pas nenhum deste planeta exguo do universo seno como experincias tortuosas de socializar a riqueza entre seres indispostos a este fim (os humanos). O sonho persiste a despeito da defesa do dinheiro, o luxo e o excesso, que ainda persegue os anseios de muitos Homo sapiens inebriados pelos piores dos vcios.

    Enquanto houver uma vela acesa, Cuba continuar expondo sua vasta produo cultural apesar do embargo econmico dos Estados Unidos e o desmerecimento da imprensa servil, que digere a cultura estadunidense como se esta fosse a legtima e a universal.

    No se deve ignorar, porm, que uma pequena ilha a cento e cinquenta quilmetros da Flrida resiste e no deixa que fenea sua dana, culinria, msica e literatura. uma brisa que sopra sobre a animosidade do vizinho intolerante.

    A intrepidez cubana, apesar dos desajustes de um desafio to difcil de conquistar quanto mal compreendido, aumenta com o acesso crescente de seus cidados ao cenrio digital da Internet. A crtica inclusive bem-vinda neste meio de comunicao integrador.

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    A 1 Jornada da Cultura Cubana em Meios Digitais, portanto, enriquece o dilogo sobre rumos que Estado nenhum pode controlar ou censurar devido porosidade da informao e ao direito universal de se comunicar livremente.

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    10. Sandices de um mundo deriva

    s tentativas de ascenso ou sobrevivncia? da Amrica Latina frente a um mundo tomado pelo capital, a imposio e a intolerncia causam

    perplexidade.

    Mais de 1600 haitianos morreram de clera doena que se espalha pela gua e alimentos contaminados desde que se detectou um surto da doena em outubro de 2010, segundo o Ministrio de Sade e Populao do Haiti. O terremoto de 12 de janeiro de 2010 entregou o pas ao acaso e especulao de pases aproveitadores e oportunistas, j que o governo de Ren Preval comprovou sua incompetncia em lidar com a situao de crise humanitria.

    A imprensa tupinica, enquanto isso, comemora a vitria das foras de segurana sobre os traficantes da favela do Alemo no Rio de Janeiro. Ainda se tem a esperana, pelo que os esforos indicam, de resgatar o incompreensvel ttulo de Cidade Maravilhosa para a atual arena de guerra, de um lado, e condomnios luxuosos de atores de telenovela, de outro.

    Qual seria o cenrio frente legalizao das drogas? Casos de polcia seriam entendidos como questo de sade pblica, o trfico de drogas deixaria de ser um negcio altamente rentvel para se tornar um bem fcil de adquirir, e ficaria mais fcil identificar o dependente qumico a fim de orient-lo no tratamento. Por estas e outras razes, sou veementemente a favor da legalizao dos tipos de drogas cuja produo, comercializao e consumo so punidos pelas foras de segurana.

    Entendo que haja maneiras de tratar o drogado em vez de puni-lo como um ser degradado.

    Os morros cariocas hospedam estilos de vida bastante diversos: desde famlias humildes e trabalhadoras a cooptadores de menores e malandros dispostos ao dinheiro fcil. A notcia de que casas foram invadidas, destrudas e espoliadas indiscriminadamente pelos grupos policiais entristece o pas e coloca muitos destes no mesmo patamar dos bandidos caados.

    O Complexo do Alemo esconde muito mais que a comemorativa Globo exps nas cenas do conflito. A tal da libertao da comunidade no

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    convence porque o Estado tupinica oprime mais que qualquer bandido em favela, alberga a cpula da pirmide do trfico (de armas, drogas, medicamentos) e desrespeita o contribuinte com a impunidade aos crimes de colarinho branco, como aquele governador que foi flagrado escondendo dinheiro de propina nas meias.

    A Globo, em vez de valorizar as expresses populares do Rio de Janeiro, entrevistou, no nterim em que se dava o triste e incuo conflito no Complexo do Alemo, Joe Jackson pai de Michael Jackson porque lhe traz maior audincia. Este sujeito veio ao Brasil de Los Angeles para reivindicar, junto com um escritor sequaz de Atlanta, que a grana pstuma de Michael Jackson pertence famlia Jackson e no s gravadoras.

    Ao mesmo tempo em que o Brasil vive experincias idlicas de insero internacional e prepara o cenrio das Olimpadas no Rio de Janeiro, a Unio Europeia injeta dinheiro na economia da Irlanda e se discute, como poucas vezes antes, por que aumentou a emigrao de Portugal, pas que, por pouco, deixaria de ter as condies mnimas de estar no referido bloco de integrao da Europa.

    Portugal uma das matrizes culturais mais importantes de formao do Brasil e do povo tupinica, mas aqui onde se fala um idioma meio portugus, meio ingls, mas ao mesmo tempo nenhum dos dois. E chamam isso de assimilao, miscigenao, diversidade, receptividade, e o diabo a quatro.

    A polmica em torno do Ir e de seu programa nuclear, ainda, abafou-se temporariamente. Em seu lugar, fala-se de ataques da Coreia do Norte irm Coreia do Sul. O pas meridional, destarte, iniciou manobras militares com os aliados Estados Unidos no mar Amarelo, que fica no oeste da pennsula.

    Est cada vez mais difcil saber em quem acreditar, visto que os detentores da verdade distanciam-se de oferecer bons exemplos. Sendo a Coreia do Norte um pas fechado, como conhecer a verso dos fatos daquele pas a fim de que formemos nossa opinio sobre o assunto?

    A perplexidade a que me referi no primeiro pargrafo se deve convico de alguns de que, por um lado, seus pases devem trilhar um caminho de desenvolvimento (emprego este termo propositalmente entre

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    aspas no lugar de evoluo) capitalista, de reduo drstica dos impostos (j que o Estado, na viso deles, atrapalha) e de industrializao da vida.

    Por outro lado, opino que se exaurem os recursos da natureza para manter depsitos de mercadorias (que podero ou no ser consumidas), concentra-se a renda e as terras de modo que h fazendas no Brasil que tm o tamanho de pases inteiros, e toma-se a sade como negcio ou um servio disponvel a quem puder pagar, como funciona nos Estados Unidos.

    Tampouco podemos admitir que o mundo lamente pelos trs mil (no dez mil como nos fizeram crer, mas ainda um nmero expressivo) que morreram nas torres gmeas em Nova York em 11 de setembro de 2001, mas poucos se sensibilizem com um nmero muito maior que contraiu o clera no Haiti, doena at ento tida por controlada e fora de risco.

    Esta perplexidade, porm, varre o mundo todo, que est deriva, mas se endireitar com os esforos dos cidados de bem, como voc .

    As tolices deste mundo causam-nos perplexidade, mas nada impede que mantenhamos um feixe de luz aceso e erguido.

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    11. Propriedades culturais em risco

    s modalidades de roubo e contrabando de bens e produtos esto cada vez mais sofisticadas: antes se roubavam objetos; hoje devemos cuidar

    at do pensamento e da criao.

    Comemorou-se, em 14 de novembro de 2010, o 40 aniversrio da Conveno de 1970 que prescreve Meios de Proibir e Prevenir a Importao, Exportao e Transferncia Ilcitas de Propriedade Cultural.

    Aumenta o aparato de segurana em centros culturais, exposies e museus pelo valor alto com que se negociam obras famosas no mercado negro. Este tipo de crime crescente, transnacional e tende a envolver grupos pequenos, por isso a facilidade de coorden-los entre vrios pases.

    Cento e vinte Estados ratificaram a Conveno de 1970, cujo nmero reflete que a preocupao com o tema assume propores globais. As escavaes e o comrcio ilegais de bens arqueolgicos assombram a comunidade que luta pela punio e o fim de crimes contra o patrimnio cultural.

    A Conveno de 1970 atribui responsabilidades aos Estados para elaborar campanhas educativas, punir os criminosos, restituir propriedades culturais ilcitas a seus pases de origem, e cooperar internacionalmente com outros signatrios.

    O acordo de 1970, entretanto, no indito para coibir este gnero de delitos. Adotara-se, em 1954, a Conveno de Haia para a Proteo de Propriedade Cultural em perodos de conflito armado, o que desencadeou, dezesseis anos mais tarde, a deciso pela proteo tambm em tempos de paz.

    A comunidade internacional possui uma lista de objetos desaparecidos que orienta as buscas. Como instrumento complementar da Conveno de 1970, o Instituto Internacional pela Unificao do Direito Privado (UNIDROIT), organizao intergovernamental com sede em Roma, criou em 1995 a Conveno sobre Objetos Culturais Roubados ou Exportados Ilegalmente. Nela, os Estados comprometem-se a restituir tambm objetos culturais no listados oficialmente.

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    A criminalidade no perdoa nem os objetos e propriedades culturais. Esta atividade criminosa profissionaliza-se internacionalmente. Tapetes, esculturas e pinturas de artistas renomados e outros objetos de alto valor simblico em pases de tradies antigas comercializam-se e passam a compor residncias e colees de encomendadores, assim como se fazem com naturalidade boletins de ocorrncia de veculos roubados diariamente no Brasil e que cruzam fronteiras com toda facilidade ou estacionam-se em galpes clandestinos para desmanche e contrabando de peas.

    Rouba-se at cabelo, fio de cobre e tijolos de construes civis no Brasil. Pelo menos aqui no causaria tanto espanto aos cidados vacinados de tanto desvario o descortino de redes organizadas em torno do trfico de propriedades culturais. Ademais, as pichaes com fins de vandalismo, destruies de telefones pblicos e assentos nos nibus e metrs comprovam a negligncia com patrimnios culturais e pblicos de uma meia-cidadania.

    Apesar de que a finalidade da Conveno de 1970 a criao de normas sobre objetos de alto valor econmico e simblico, ampliei a perspectiva de propriedade cultural. No se constri nenhuma casa ou monumento em praa pblica sem o toque cultural de quem arquitetou, levantou e pintou.

    O roubo de propriedades culturais, conforme entende a Conveno de 1970, no novidade nem hoje nem quatro dcadas atrs. H sculos, cidades inteiras eram pilhadas por conquistadores, que levavam seus bens culturais quando no os destruam para impor a sua cultura. assim que o espanhol Hernn Cortez pisou sobre Tenochtitln, a capital asteca, em 1521 segurando o rosrio da impiedade.

    A Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO), por fim, organizou dois eventos que reuniram especialistas sobre trfico e restituio de propriedade cultural: um em 31 de janeiro de 2011 e outro em maro de 2011.

    Quem sabe novas ideias apaream para coibir esta prtica.

    Antes que novas prticas perpetuem velhas ideias.

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    [33]

    12. Refertos de esperana

    randes infortnios deixariam de ocorrer se reconhecssemos que as decises mal tomadas por dirigentes polticos transparecem que parte

    da culpa vem do nosso marasmo, consentimento e silncio.

    Lderes de comunidades e pases refletem a cultura de sua gente, seus mantenedores, seus sectrios, razo pela qual a representao de certa forma funciona.

    A democracia representativa, entretanto, tem seus descontentes ou aqueles que lamentam que s sobrevive no Brasil aquele que acompanhar o ritmo de seu sistema degradado e servil. Estigmatiza-se quem tenta andar na linha com o deboche, o desprezo e a excluso.

    impossvel viver no Brasil sem o mnimo de desconfiana. Nem toda sugesto bem-vinda a fim de alterar um costume. Buzinar no trnsito uma agresso; dar um conselho, intromisso.

    Enquanto os atrasos e cancelamentos de voos na Espanha se deveram greve dos controladores de voos, as chuvas e a desorganizao marcam os transtornos nos aeroportos tupinicas, onde as empresas areas insistem em praticar vendas acima do nmero de lugares disponveis nos avies.

    Notcias desagradveis de corrupo e desrespeito vida, porm, vm de todo lugar.

    O banho de petrleo alcanou as margens do sul da Amrica (entendida como sinnimo de Estados Unidos) que se acreditou tivesse dado certo. Erros tenebrosos de engenharia arrasaram a vida animal e vegetal da Louisiana e outras regies no Golfo do Mxico. difcil achar um culpado pela desgraa, visto que o fornecimento de gales da British Petroleum eleva-se em funo da demanda dos motoristas nas bombas de combustvel.

    complexa a cadeia de suprimentos ou o processo que um produto percorre antes de chegar mesa ou ser nosso objeto de consumo, por isso se lamenta a morte de aves e peixes afetados pelo contratempo no Golfo do Mxico.

    G

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    O que fazer diante destes episdios funestos a fim de demonstrar que ainda estamos refertos de esperana de que uma grande mudana ocorrer?

    Esperaremos o fim do mundo em 2012, o resgate do planeta chupo e tantas outras profecias que compuseram a imaginao ao longo dos sculos?

    Estas dvidas no impedem a necessidade de um divisor de guas, pois j no mais vivel a convivncia entre seres to bons e outros to malvolos. Tema que desenvolvo nalgumas raras conversas com pessoas inspiradas, j que as rotineiras tratam do tempo, mulheres e esporte.

    O australiano Julian Paul Assange, idealizador da biblioteca virtual Wikileaks, sofre ameaas de todo tipo pelos que se sentiram prejudicados com a publicidade dos atos e discursos da diplomacia estadunidense. Estes so vexatrios para os cidados de bem.

    Alguns documentos secretos sobre o Brasil indicam que: o governo estadunidense tachou o Itamaraty de antiamericano e considerou-o um adversrio; o programa nuclear iraniano idntico ao brasileiro, mas a fiscalizao de energia atmica d tratamentos desiguais a estes pases devido ao grau de envolvimento deles com os Estados Unidos; e o Brasil tolera terroristas em seu territrio para evitar atritos com a comunidade islmica.

    Ainda bem que o Brasil tem fama de pas pacfico!

    O boneco insalubre Barack Obama anunciou que tropas estadunidenses deixaram o Iraque em agosto de 2010 aps mais de sete anos de ocupao. Fontes confiveis, como a entrevista a um brasileiro naturalizado estadunidense que se tornou soldado de guerra no pas do Norte, denunciam, porm, que a situao no Iraque h algum tempo est sob controle e que 40.000 soldados no-combatentes permanecem no pas.

    Ainda estou incerto se o Nobel da Paz assumiu bem-intencionado o cargo de presidente dos Estados Unidos e assim continuou ou se ele cedeu aos poderes ocultos e trevosos que controlam seu boneco. A atitude digna, neste caso, seria renunciar presidncia e denunciar estes poderes ocultos e trevosos no lugar de perpetuar a dominao e a opresso sobre o planeta.

    H os que acreditaram no nacionalismo de Getlio Vargas, em seu carinho com os pobres e em sua renncia a interesses poderosos mediante a

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    [35]

    prova de seu suicdio em agosto de 1954. No entanto, outros nomearam-no ditador e populista, mas aceitaram os algozes que presidiram a partir da dcada seguinte num Brasil de uma paz inslita.

    A responsabilidade pelo planeta cabe a ns.

    Nunca tarde para cumprir a nossa funo.

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    13. Artfices da mudana planetria

    s sintomas da mudana planetria que se avizinha so cada vez mais inequvocos.

    As pessoas exigem mais das outras um comportamento moralmente elevado e cedem menos s tentaes da aparncia e conivncia no erro.

    Aumenta a responsabilidade sobre os erros nossos e de outrem.

    O jornalismo, desde que feito com responsabilidade, tem um papel importante a cumprir na elucidao dos fatos e na cobrana por um mundo melhor. Segmentos da imprensa televisiva tm apontado as chagas da criminalidade no Brasil a fim de expressar o desejo de novos tempos.

    A denncia pela Globo (feita no programa dominical Fantstico em dezembro) de roubo e contrabando de veculos do Brasil ao Paraguai, a falsificao de documentos automotivos, e de erros graves cometidos pela enfermagem no pas indicam a demanda crescente da sociedade a favor de um planeta mais digno.

    A televiso aberta, deste modo, presta melhor servio nao ao incentivar menos o consumismo e o sensacionalismo. Consigo assim identificar alguns aspectos positivos nestas grandes empresas da comunicao, embora sua tarefa seja insubstituvel do Estado e ainda deixe a desejar.

    Esta ressalva se deve a que muitos acreditam que a televiso substitui atributos essenciais do Estado e informam-se unicamente por ela sobre deveres e obrigaes do cidado.

    A punio auxiliar de enfermagem que injetou vaselina em lugar de soro numa criana praticamente dada de alta no hospital So Luiz Gonzaga, em So Paulo, procedente, mas h que recordar que todos somos passveis de errar e de arrepender-nos dos erros.

    No creio que algum humano seja to maculado a ponto de no merecer uma segunda chance de retificar seus erros. A dificuldade ficar maior em seu caminho de provas at que supere os erros totalmente.

    O

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    Acredito, por esta razo, na capacidade de recomposio das pessoas. A bomba estourou na mo da moa que trabalha com enfermagem; amanh outra bomba poder estourar nas nossas mos. Quem quer ser sacrificado?

    Colhemos muita desgraa no Brasil por conta da imitao de modelos que no deram certo noutros pases, como o de punio prisional nos Estados Unidos. Comeam a ver por l que a recuperao maior quando se trabalha para a sociedade em vez de enjaular o indivduo e exclu-lo.

    At que se faa este reconhecimento, as autoridades tupinicas tero construdo centenas de presdios mais.

    As milhares de declaraes de diplomatas estadunidenses ao redor do mundo trazem pouca novidade sobre a orientao arrogante e intrometida dos Estados Unidos, mas o vazamento de Wikileaks deixa antecedentes para a discusso sobre o sigilo de informaes.

    Julian Assange, criador de Wikileaks, tornou-se alvo de governos. Dizem que sua priso temporria em Londres deveu-se denncia de abuso sexual na Sucia. Inventaro mil pretextos para a recluso de Assange, j que ele desafiou o sistema.

    Por um lado, a imprudncia do governo de Estados Unidos muito mais culpada da liberao de conversas sigilosas que o cidado australiano Julian Assange, que se tornou bode expiatrio do paroxismo da era da informao.

    Por outro, queria ver se os defensores do famoso vazamento de Wikileaks manteriam a opinio se algumas de suas conversas familiares, segredos ou bate-papos pessoais por correio eletrnico fossem publicados com o pretexto de liberdade de expresso.

    Alguns dizem que no tm nada a esconder e creem que so diminutos os limites da linguagem para transparecer seus pensamentos e suas aes, como se a transparncia fosse atributo do homem.

    Espero que a privacidade no siga caminho to funesto. De todos modos, h que seguir cobrando da humanidade por mudanas das que somos artfices.

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    14. Ciclos que se alternam

    ive uma conversa breve com um familiar a respeito da civilizao maia e de seu triste crepsculo. Os maias, entre outros promotores do saber,

    desenvolveram conhecimentos avanados em agricultura, matemtica e astronomia, como a criao de um calendrio que transcende eras.

    O ponto essencial do bate-papo tocou a arrogncia e a cobia dos conquistadores espanhis, que pisaram a Amrica em busca de riquezas e submeteram grandes civilizaes atravs da superioridade blica com que aportaram no Novo Mundo.

    Ciclos encerram-se. Inauguram-se outros. Algo me convence de que, e no s pelos mitos em torno do calendrio maia, o ciclo da opresso de um povo sobre outro beira o fim.

    Os olhos dos cidados de bem comeam a abrir-se a fim de recusar tanta opresso, imprevidncia e violncia. Pases da Amrica Latina migram de provedores de matrias-primas baratas a negociadores mundiais.

    A tragdia no Haiti persiste em suas irresolutas eleies presidenciais, no alastramento do clera, na opinio de alguns de que a magia negra tem denigrido o pas, e na esperana de algumas dezenas de crianas haitianas que so adotadas por famlias francesas e levadas a Paris.

    O patro do mundo Barack Obama, neste nterim, lamenta a recusa do Dream Act ou a legalizao de jovens imigrantes que fizeram curso universitrio ou prestaram servio militar nos Estados Unidos. Comemora, porm, a aprovao da lei que garante a permanncia de homossexuais no Exrcito.

    Mais de 16.000 militares estadunidenses foram expulsos da instituio por homossexualismo. A nova poltica reduzir a desero. Contudo, relatos de soldados que estiveram em campo de batalha comovem e desmerecem a guerra qualquer que seja a justificativa dada a favor de atos blicos.

    Uma vez que tudo comrcio nos Estados Unidos, os porta-vozes estadunidenses tentaro convencer-nos de que a guerra necessria para a paz de outros povos e a segurana mundial. o que desejam que acontea com as duas Coreias, que teimam em seguir o caminho do atrito e da desconfiana.

    T

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    Para amenizar a discrdia mundial, o discurso natalino do Papa Bento XVI de alguma serventia apesar da instituio decrpita que representa, pois exorta a humanidade a pensar na harmonia do planeta ao qual todos pertencemos independentemente do nome que leva cada Deus.

    2010 ficou conhecido como ano de catstrofes naturais, aoitado por inundaes, terremotos e erupes vulcnicas. Agrego que tivemos provas numerosas da insustentabilidade do modelo de consumo e desenvolvimento que herdamos dos europeus.

    Haver mais espao para os cidados de bem neste planeta, que no precisam impor suas ideias como fizeram, ao longo de sculos, os eclesisticos, os imperadores e os ditadores.

    funesto o futuro de seres que desconhecem o bem comum, como os deputados que votaram a favor do aumento de 60% de seu prprio salrio no Congresso Nacional tupinica, em tempo recorde.

    Civilizaes grandiosas cederam espao para outras que no tiveram metade da evoluo moral daquelas, mas que se venceram pelo uso da tcnica a favor da destruio e a opresso.

    Ciclos se findam e outros se iniciam naturalmente no curso da Histria.

    Pare um pouco e reflita no mundo que deseja. Transcenda o seu meio.

    possvel darmos a nossa contribuio por mais putrefato que seja o cerne da nossa civilizao.

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    15. Pulsao do Brasil em mudana

    ozamos profusamente da Internet por ironia dos caminhos da tecnologia. At ento a Internet havia sido formulada, no final dos

    anos 1980, como um recurso militar de descentralizao de informao estratgica nos Estados Unidos em tempos de guerra fria.

    Acesso frequentemente notcias e opinies de portais e blogs da Argentina, Peru, Venezuela, Mxico, Nicargua, Repblica Dominicana, entre tantos outros pases de onde chegam apenas rumores caso me informe pelos decadentes meios convencionais.

    Jornais locais adaptam pargrafos das principais agncias de notcias nacionais, Estado e Folha, que acreditam na prevalncia da Economia (O PIB do pas aumentou ou caiu tanto; o Ministro da Fazenda afirmou que...) sobre qualquer outro aspecto que o jornalismo tem o dever de relatar.

    Se no fosse a ferramenta da Internet, seria difcil conhecer o outro lado da notcia, vises alheias ou at mesmo o que passa entre nossos pases vizinhos, uma vez que o servio de televiso por assinatura NET oferece nada mais que os enlatados estadunidenses e alguns obsoletos canais europeus. de pssima qualidade em termos de representatividade dos canais. Para encobrir a falta, vm com esse papo de Digital, HD e Full HD.

    No possvel que esta empresa monoplica de televiso por assinatura no Brasil no transmita um nico canal da Venezuela ou da Colmbia ou da Argentina ou do Chile. No lugar, oferece programas estadunidenses intercalados com carga elevada e maante de publicidade.

    Algo parecido acontece com a rdio tupinica, visto que a maioria das estaes de FM reveza de cinco a dez canes diariamente junto com a divulgao insuportvel de empresas e servios. O governo sempre dificulta a transmisso das rdios comunitrias. melhor gravar um disco compacto (vulgo CD) com vinte canes ou ento em MP3 com mais de cem e tocar.

    Esse processo de sectarismo tende a desmoronar-se quando cai a mscara do dolo Estados Unidos. O vazamento das conversas diplomticas deste pas por Wikileaks alcana, desta vez, os mais crdulos no sistema gringo. A menos que sejam to crentes a ponto de beirar a imbecilidade.

    G

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    Estados Unidos zomba-se de e interfere no mundo todo a fim de vender suas mercadorias. H pouca novidade nisto que estou dizendo, porm.

    O Brasil ser, para uns, o corao do mundo; para outros idealistas, pas do futuro. Para mim, um pas sangrado at o limite porque se acomodou com um povo esperto, malandro e que culpa os outros da prpria desgraa. O que ser, por certo? No sei. Tomara que estejam certos os idealistas. Para isso, preciso renovar a tripulao comeando pela extino dos lobistas de governo.

    A indstria madeireira de eucaliptos na rodovia estadual entre Anhembi e Botucatu, no interior paulista, atesta a minha verso. O deserto verde logo se converte em voorocas ou terras infrteis e exaure os recursos da terra. Sem falar da cesso de rodovias ao lucro pelo sistema de concesses, onde o governo tira o corpo dos gastos sem reduzir impostos.

    O pas o maior exportador mundial de carne bovina. A aprovao precipitada pelo Congresso Nacional de nova lei ambiental que descriminaliza a derrubada de rvores no Norte do pas para a pecuria um sinal verde para o crime. Ser parlamentar no Brasil um grande negcio. Eles mesmos presentearam-se com 60% de aumento de salrio.

    A poltica uma tarefa rdua, mas no uma profisso. Deputados e senadores deveriam ganhar o mnimo possvel para sua sobrevivncia. A funo jamais se deveria confundir com carreira porque um dever cvico ou uma forma alternada em que cidados tupinicas discutem e legislam sobre o Brasil.

    Falta competncia para propor um Brasil para os tupinicas e no um Brasil que exporta a maior parte das riquezas naturais e nos deixa preos elevados de lcool combustvel e alimentos bsicos. O pas sofreu, nos ltimos meses, aumento ostensivo dos preos de carnes e queijos.

    H tomadores de deciso srios e comprometidos com o Brasil e com a humanidade, porm.

    A diplomacia tupinica uniu-se da maioria dos pases sul-americanos para apoiar a criao do Estado palestino. Os israelenses expandem-se e oprimem o povo rabe do Oriente Mdio, que pede ajuda internacional. O impasse entre rabes e judeus encontra nova brecha para a paz.

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    preciso que o Brasil migre de uma paz inslita paz real, ou seja, que seu povo reconhea quanto explorado e conivente a fim de destituir os corsrios e defender suas riquezas.

    Sem este precedente, no h moral para meter-nos no conflito milenar e irresoluto do Oriente Mdio e para que, quem sabe, comecemos a pulsar como corao do mundo.

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    [43]

    16. Muros da paz aparente

    situao conflitante entre Israel e Palestina no tem trgua. O que se esperava resolver pela negociao bilateral cede s tentaes unilaterais de Israel, que continua construindo lares judeus na Cisjordnia e em

    Jerusalm Oriental.

    O pulverizado povo palestino acompanha os movimentos de seu lder Mahmoud Abbas, que negocia a formao de um Estado Palestino, contguo ao de Israel.

    A estratgia de Abbas conquistar apoio internacional contra a investida de Israel e Estados Unidos, dois aliados tradicionais. O lder palestino demanda uma resoluo do Conselho de Segurana da Organizao das Naes Unidas (ONU) que declare ilegais os assentamentos judeus na Cisjordnia.

    Israel a porta de entrada do controle estadunidense sobre o Oriente Mdio e o pas de maior afinidade ideolgica com os Estados Unidos na regio. No toa que os israelenses expandem-se na Palestina com a mesma indiferena como os anglo-americanos marcharam costa do Pacfico e logo anexaram metade do Mxico.

    O chefe israelense Benjamin Netanyahu voltou a mencionar a importncia do recurso de negociao para a paz na regio do Oriente Mdio. Enquanto isto, vrios pases sul-americanos declararam que reconheceriam o Estado Palestino assim que este fosse criado desde as fronteiras anteriores Guerra dos Seis Dias, que ocorreu em 1967. Esta configurao inclui Faixa de Gaza, Cisjordnia e Jerusalm Oriental.

    Os pases seguintes da Amrica do Sul so favorveis criao do Estado palestino: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolvia, Equador e Venezuela. H resistncia a este reconhecimento por Chile e Colmbia. Os governos que se integram por causas progressistas, deste modo, tendem a conceder maior apoio ao minguante mas valente povo rabe palestino.

    O Brasil, em seu turno, mostrou-se favorvel em dezembro de 2010 a receber uma Embaixada Palestina e indicou o terreno onde ela se estabeleceria em Braslia. O ex-presidente tupinica Lula esteve em Israel e

    A

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    Palestina em maro de 2010, enquanto o lder palestino Mahmoud Abbas esteve no Brasil em 2005 e 2009.

    A deciso de Lula e da chancelaria tupinica causa desconforto entre alguns representantes de pases pujantes na comunidade internacional. Estes alegam que o Brasil no tem condies para meter-se no conflito histrico do Oriente Mdio, mas se esquecem de que o pas e a Amrica Latina esto cada vez mais ativos em discusses de relevncia mundial. Ademais, deixar estes temas nas mos dos grandes provou-se trgico.

    Pouco se acredita em que um grupo seleto de pases por trmino s animosidades intermitentes entre rabes e israelenses, da a necessidade de interveno diplomtica de outros pases.

    Da Amrica Latina sair no s a matria-prima para as decadentes indstrias de pases mais ricos, mas tambm ideias e propostas para a paz mundial, que at hoje s ouvimos de vigaristas.

    Estes pretensos negociadores atribuem o nome de negociao de paz tomada de territrios dos palestinos pelos israelenses. O desenho dos mapas desde o incio oficial dos conflitos at hoje denuncia quem se tem beneficiado da situao aparentemente sob controle, mas cujas diferenas se marcam pela construo de muros.

    duro imaginar que ainda se disputem terras como nos velhos tempos em que preferentemente se usavam armas e no se levavam litgios a cortes internacionais. Desta privao da natureza se livraram os fazendeiros no Brasil. Melhor que isso, comemoram que o povo aqui no se importa de aglomerar nas cidades enquanto eles concentram o solo frtil.

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    17. Brasil comercial e experincia direta

    omeo o texto desta semana reiterando a dificuldade de opinar sobre contextos dos quais nos informamos a distancia pelos meios de

    comunicao. A experincia in loco contradiria muitas bobagens que lemos em peridicos ou ouvimos de jornalistas que falam convictamente na televiso.

    Desta forma, a experincia direta corroboraria fatos e opinies ou desmistificaria o que dizem sobre Bolvia, Colmbia, Cuba, Estados Unidos, Frana, Portugal, Venezuela. As imagens que se fazem destes pases so, muitas vezes, positivas, mas outras vezes, negativas.

    De duas interpretaes corriqueiras e que esquentam os debates nos meios de comunicao, uma: 1- Cuba seria um pas de restrio das liberdades e com um presidente ditatorial como alguns sugerem; ou 2- Fidel e seu irmo Raul Castro nada mais sofrem que averso de grupos contrrios ideia de revoluo e ao compartilhamento de bens na sociedade.

    Teramos duas interpretaes contrrias sobre um nico pas. Ainda que ambas apresentem argumentos convincentes, a gesto poltica exige o encaminhamento de uma proposta que esteja alinhada ou no aos interesses de outros pases. O embargo estadunidense Cuba desde 1962 e a flexibilizao da ilha ao intercmbio internacional (o que no quer dizer cesso ao capitalismo) refletem, respectivamente, a resistncia dos Estados Unidos e a tentativa cubana de obter reconhecimento.

    O escritor peruano Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura em 2010, direcionou crticas aos governos de Argentina, Bolvia e Venezuela, ao mesmo tempo em que teceu elogios aos avanos democrticos no Brasil, Chile e Colmbia. Chamou a Argentina de pas indecifrvel e manifestou desconforto com as atitudes concentradoras de poder em Hugo Chvez.

    A democracia converteu-se em medidor basilar de evoluo poltica na Amrica Latina independentemente de se os eleitores escolhem bem ou no seus representantes. Os defensores da democracia argumentam que esta transforma-nos em cidados mais fiscalizadores e participantes, a despeito do retrocesso por que passou Honduras com a deposio de Manuel Zelaya.

    C

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    por isso que o Brasil recebe elogios de comitivas internacionais, agentes de comrcio, chefes de Estado e organismos internacionais e compe um cenrio de investimentos de cifras elevadas. Logo o Brasil virou um pas terceiro-mundista metido a emergente.

    No entanto, o Brasil o aprendiz nmero um do mercado, que nos trata como clientes, da democracia, que mobiliza parte da sociedade a eleger entes que no sabem ler e escrever s porque soam divertidos e so famosos, e do desrespeito ao cidado pela decadncia do interesse pblico.

    O fenmeno mais vexaminoso da interao entre Estado e mercado no Brasil que aquele sangra at onde puder o contribuinte tupinica medida que o segundo obstina-se em convencer-nos a pagar iniciativa privada por tudo o que o Estado tem o dever e o dinheiro, mas no tem sido capaz de prover em servios de boa qualidade, como educao, sade e segurana.

    A democracia representativa tem o grande problema de acomodar a populao no Brasil, onde esta obrigatoriamente reivindicada em processo eleitoral e nada mais. Uma minoria de pessoas acompanha os representantes eleitos para cobrar deles o cumprimento de suas promessas de campanha.

    O restante culpa de suas prprias desgraas os representantes

    polticos, enquanto so incapazes de manter a cidade limpa ou respeitar o prximo em seus direitos. Um sistema de democracia direta ou participativa seria melhor porque exigiria mais de ns.

    Por sua vez, o interesse pblico no Brasil praticamente inexistente e sua defesa advm de poucos cidados bem-intencionados, que pensam mais no coletivo que em si mesmos. J vi uma declarao de secretrio municipal de que o pblico de ningum.

    H que acabar com a cultura que predomina em licitaes de compras em Prefeituras municipais pela qual as empresas vencedoras oferecem produtos de m qualidade, durabilidade baixa ou com preos muito acima do valor de mercado porque foram combinados entre as participantes do prego. Devem entender que o pblico um bem a ser apreciado e zelado por todos.

    Asfaltos comprados de fornecedores no idneos, por exemplo, tm provocado prejuzos para os condutores de veculos e as prprias administraes pblicas, que reativam as polticas de tapamento de buracos bem moda tupinica.

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    Finalmente deixo a minha insatisfao com o tratamento dado pelas empresas aos cidados a fim de divulgar seus produtos, com exceo das que realmente tm responsabilidade social.

    Os panfleteiros, para mencionar um caso, veem-se no direito de acumular informativos publicitrios nos carros estacionados ou nos semforos, e nas garagens das casas, embora a maioria das pessoas desaprove a desregulao dos anncios publicitrios. Nalgumas cidades, j se aboliram os enormes cartazes atravs de polticas de cidade limpa.

    Nestes e noutros aspectos, o Brasil um gigante comercial e um atrativo aos investimentos, mas um ano em respeito ao cidado e na defesa do interesse pblico.

    Finalizo recordando que ainda no fui a Cuba, mas escrevo sobre o Brasil a partir de minha experincia direta e sem nunca ter aceito nem cobrado um centavo por estas linhas.

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    18. Reconstruo do Haiti

    inaceitvel que ainda exi