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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ- UNIOESTE
CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS- CCHEL
COLEGIADO DE HISTÓRIA
DANIELE BROCARDO
MEMÓRIAS SOBRE O PROCESSO DE DESMATAMENTO E DA AÇÃO DE
MADEIREIRAS NA REGIÃO DE CASCAVEL / PR (1950-1970)
Marechal Cândido Rondon- Paraná
2012
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ- UNIOESTE
CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS- CCHEL
COLEGIADO DE HISTÓRIA
DANIELE BROCARDO
MEMÓRIAS SOBRE O PROCESSO DE DESMATAMENTO E DA AÇÃO DE
MADEIREIRAS NA REGIÃO DE CASCAVEL / PR (1950-1970)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de História do Campus de Marechal
Cândido Rondon da UNIOESTE, como
requisito básico para obtenção do título de
Licenciado em História.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Nestor Stein.
Marechal Cândido Rondon- Paraná
2012
3
Dedico este trabalho em memória de meus avôs:
Delci Brocardo,
Dilva Milioransa Manica,
Lúcia Amélia Brocardo
E
João Antonio Manica
4
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer em primeiro lugar ao senhor Fernandes José Liberali, a
seu filho Gilmar Liberali e ao senhor Paulino Denardi que cederam seu tempo para
realizar as entrevistas utilizadas neste trabalho, sem este gesto o trabalho não teria sido
possível.
A todos os professores da graduação, em especial a professora Méri Frotscher
Kramer pelas colaborações e sugestões no projeto, a professora Sheille Soares de Freitas
pelas compreensões e ajudas durante período de estágio, ao professor Robson Laverdi
pelos ensinamentos através do curso de História Oral, ao professor Paulo José Koling
pela oportunidade de atuar junto ao projeto MIS e aos professores Nilceu Jacob Deitos e
Valdir Gregory por aceitarem serem membros da banca e pela paciência em ler este
trabalho.
Agradeço ao Professor Marcos Nestor Stein por ter me orientado neste trabalho
e durante a graduação. Agradeço por sua disponibilidade e compreensão. Também o
agradeço pela oportunidade de trabalhar no projeto MIS, muito obrigada Professor!
Agradeço as minhas amigas e colegas de graduação, pelo companheirismo,
Shaieny Philippsen Cardoso, Kellin Caroline Schöne, Thamara Parteka e Cintia
Wolfart, com certeza suas amizades serão lembradas durante toda a minha vida. E aos
colegas de trabalho no CEPEDAL, Jussara, Jeniffer, dona Mafalda, Tere, Jael e Rosana.
Aos meus amigos de Cascavel, em especial aos de longa data, que jamais me
abandonaram e por vezes mesmo longe, ficam em meu coração, Kathellyn e Marceu, a
amizade de vocês é muito valiosa.
Aos meus familiares, em especial meus pais, Amarildo e Diana, pelo amor,
carinho e dedicação para com os filhos. Meu irmão David pela sua existência, ao meu
irmão Carlos que sem suas orientações este trabalho não seria o mesmo. A Daiane, a
minha prima Juliane e sua pequena Heloisa que alegra meu viver.
A você Tiago A. Orben, seu amor não só mudara minha existência, como
também acrescentara mais luz ao meu ser. E mesmo longe agora continuou me dando
força nestes momentos estranhos da vida em que “fica a poeira se escondendo pelos
cantos”, Te amo. E agradeço também sua família.
E a todas as outras pessoas que não foram citadas diretamente aqui, mas me
apoiaram para que este trabalho se realizasse.
5
Resumo:
Este trabalho consiste em uma análise de discursos presentes em publicações sobre a
história do município de Cascavel e de narrativas orais de pessoas que participaram do
processo de desmatamento, ocorrido durante o período das décadas de 1950 a 1970, da
região que atualmente faz parte do território do referido município. Abordam-se os
discursos publicados pelo jornalista e escritor Alceu A. Sperança em suas obras:
“Pequena História de Cascavel” de 1980, “Cascavel: a história”, de 1992 e “Cascavel –
Livro Ouro: 50 Anos de História”, publicado em 2002. As fontes orais analisadas
consistem em duas entrevistas. A primeira foi realizada com um ex-proprietário de
serraria da região de Cascavel e a outra com um ex-funcionário de serrarias. Através de
tais fontes é possível perceber diferentes tipos de narrativas sobre a ação das indústrias
madeireiras e sobre o processo de desmatamento e ocupação da referida região. O
trabalho está dividido em dois capítulos. No primeiro é realizada a análise das obras de
Sperança, buscando compreender a sua percepção sobre a ação das indústrias
madeireiras na região. No segundo capítulo são analisadas as memórias de sujeitos que
viveram este período.
Palavras-Chave: Memória; Meio Ambiente; Cascavel; Desmatamento;
6
SUMÁRIO
Lista de Figuras ........................................................................................................... 07
Apresentação ................................................................................................................. 08
Capítulo I
Alceu A. Sperança: Percepções sobre a Ação das Madeireiras no Município de Cascavel
........................................................................................................................................ 16
Capítulo II
Os Sujeitos do Desflorestamento: Percepções sobre a alteração da Paisagem ............... 33
Considerações Finais .................................................................................................... 45
Fontes ............................................................................................................................. 47
Bibliografia.....................................................................................................................48
7
LISTA DE FIGURAS
FIGURA1: Dados da indústria de Cascavel dos anos 1966 e 1973.........................................09
FIGURA 2: SPERANÇA, Alceu. Cascavel 50- Livro de Ouro.................................................18
FIGURA 3: SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História............................................................24
FIGURA 4: SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História............................................................26
FIGURA 5: SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História............................................................29
8
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho procura discutir as percepções a respeito da ação das
indústrias madeireiras, entre as décadas de 1950 a 1970 (período considerado como o
auge deste processo), no município de Cascavel, localizado no oeste do Estado do
Paraná. Para isso, utilizaram-se três livros de autoria de Alceu A. Sperança e duas
entrevistas realizadas com um antigo proprietário e com um ex-funcionário de serraria
neste município.
A ideia de desenvolver esta pesquisa surgiu em função de três fatores. O
primeiro está ligado às preocupações relacionadas às questões ambientais. No bojo
dessa questão, temos como exemplo no Brasil a discussão do novo Código Florestal
brasileiro. O segundo motivo que me levou a optar por esse tema é o fato de Cascavel
ser minha cidade natal. O terceiro fator está vinculado à minha experiência como
acadêmica do curso de História da Unioeste, em especial à atividade que desenvolvi
como bolsista do projeto de extensão intitulado “Ações para Higienização, Catalogação
e Digitalização do Acervo do Museu de Imagem e Som de Cascavel (MIS).” 1 Durante
as atividades do projeto percebi, por meio das fotografias, as transformações da
paisagem da região através do desmatamento, da ação das serrarias, o crescimento
urbano e do agronegócio na região oeste do Paraná em especial do território do
município de Cascavel.
A partir disso busquei refletir sobre o papel do setor madeireiro nestas
transformações. As madeireiras no início do povoamento da região eram um dos
negócios mais lucrativos. O que pode ser verificado em fontes como o “Indicador
Profissional e Informativo de Cascavel” 2·, produzido no final da década de 1950, que
demonstra a existência de 14 serrarias no município e o texto escrito por Willy Fauth,
em 1973, que apresenta um quadro de indústrias existentes no município nos anos de
1966 e de 1973, período em que o número desse tipo de indústria era superior aos
1 Participei como bolsista do projeto de extensão “Ações para a Higienização, Catalogação e
Digitalização do Acervo do Museu da Imagem e Som (MIS) do município de Cascavel (convênio n.
061/2009 - Unioeste/município de Cascavel)” desde setembro de 2009. Este projeto tem como
finalidades, a conservação das fotografias da cidade de Cascavel e da região por meio digital, impresso e
a disponibilização das imagens para toda população por meio do site da prefeitura do município. 2 Trata-se de um material semelhante a um recorte de anúncios de jornal, supostamente produzido pela
prefeitura para divulgar as empresas, os comércios e profissões existentes na cidade. A data mais provável
para sua produção é o ano 1957. Ele se encontra, de forma impressa e digital, no Museu da Imagem do
Som de Cascavel (MIS).
9
demais tipos de empresas. Fauth informa que no ano de 1966 existiam no município 67
serrarias e em 1973 havia 56 serrarias, o que indica a queda desta atividade já neste
período3.
FIGURA1: Dados da indústria de Cascavel dos anos 1966 e 1973. FAUTH, Willy. Tudo Sobre
Cascavel: história, comercio, indústria, poder publico, entidades, informações, estatísticas.
Toledo: Grafo- set, vol.1, nº 2, 1973. p.54
A reocupação da área que hoje forma o município de Cascavel/PR iniciou na
década de 1930, aliada a um projeto de ocupação de fronteiras em âmbito nacional,
mantendo-se como distrito de Foz do Iguaçu até ano de 1951, quando foi emancipado.
Inicialmente seu território foi delimitado ao norte pelo rio Piquiri, e ao sul pelo rio
Iguaçu, mas com o decorrer dos anos reduzira seu tamanho pela criação de novos
municípios4.
A vegetação da região de Cascavel era formada quase totalmente pela Floresta
Ombrófila Mista (formação que faz parte do Bioma da Mata Atlântica), que é
3 FAUTH, Willy. Tudo Sobre Cascavel: história, comercio, indústria, poder publico, entidades,
informações, estatísticas. Toledo: Grafo- set, vol.1, nº 2, 1973. p.54 4 SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 132. E SPERANÇA, Alceu A.;
SPERANÇA, C. Pequena História de Cascavel e do Oeste. Cascavel: J.S. Impressora Ltda., 1980. p 89.
10
denominada muitas vezes de Mata dos pinheiros.5 A araucária ou pinheiro-do-paraná
(Araucaria angustifolia) era o produto de maior saída nos primeiros anos de extração
pelas madeireiras, diminuindo sua quantidade e consequentemente sua comercialização
ao logo do tempo, em decorrência da própria atividade das madeireiras. A partir de
então passa a se retirar outras espécies de árvores6.
A presença desta formação de floresta no planeta é registrada desde a última era
glacial, ocupava uma área equivalente a 200 mil quilômetros quadrados no Brasil e no
Paraná, aproximadamente 80 mil quilômetros quadrados7. Atualmente existem apenas
12,6% da área da Floresta Ombrófila Mista no país8.
A diminuição desta espécie, segundo Ricardo Miranda de Britez em seu trabalho
intitulado, “Aspectos Ambientais a serem Considerados na Restauração da Floresta com
Araucária no Estado do Paraná” 2007, pode ocasionar “[...] a perda de habitat, o
isolamento das populações, causando empobrecimento genético, extinção de espécies,
perda da biodiversidade, além de distúrbios no regime dos rios, erosão dos solos,
mudanças climáticas regionais e perda de importantes mananciais de água” 9.
Além da floresta de pinheiro (Floresta Ombrófila Mista - FOM) a região é
formada pela Floresta Estacional Semidecidual (FES), que se caracteriza por um clima
subtropical úmido ou transição para temperado, próprio de solos férteis10
. É composta
de espécies conhecidas como madeiras de lei, a peroba-rosa, o pau-marfim o cedro e
palmeiras como, por exemplo, o palmito e o jerivá11
.
Este trabalho vincula-se ao campo de estudo da história ambiental, na medida
em que busca refletir como pessoas ligadas a um amplo processo de desmatamento
compreendem esse processo no período atual e como a história local visualiza a ação
das madeireiras.
Segundo Donald Worster, em “Para Fazer História Ambiental”, 1991, a história
ambiental como campo de pesquisa em história surgiu na década de 1970, quando
5 CASTELLA, P. R.; BRITEZ, R. M. A floresta com araucária no Paraná: conservação e diagnóstico
dos remanescentes florestais. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004. 6 LAVALLE, A. M. A Madeira na Economia Paranaense. Curitiba: Grafipar, 1981.p 13.
7 SCHNELL, Rogério. O Ciclo da madeira no Paraná. Disponível em:
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/5-2.pdf. Acesso 30/10/2012. p 3. 8RIBEIRO, M. C. et al.The Brazilian Atlantic Forest: How much is left, and how is the remaining forest
distributed? Implications for conservation. Biological Conservation, v. 142, 2009. p 1145. 9 BRITEZ, Ricardo Mirando de. Aspectos Ambientais a Serem Considerados na Restauração da Floresta
com Araucária no Estado do Paraná. Pesq. Flor. Bras, Colombo, n 55, jul/dez. 2007. p 37. 10
Id. Ibid., p 39. 11
BROCARDO, Carlos R. Origem e História do Município de Cascavel. Cascavel/PR, 2011, p 07.
Trabalho inédito.
11
questões ambientais ganham foco nos estudos históricos e em outras áreas do
conhecimento nos Estados Unidos, influenciados pelas crescentes preocupações
ambientais. Mas mesmo antes dos anos 70, os estudos ligados ao ambiente já haviam
sido trabalhados na área de história, principalmente com a fundação dos Annales, com
os historiadores Lucien Febvre, Bloch, Braudel e Le Roy Ladurie, que já incluíam o
ambiente como parte fundamental em seus estudos12
.
Segundo Carvalho, em “Considerações teórico-metodológicas para uma história
do desmatamento no Médio Vale do Iguaçu” 2005, “a história humana não pode ser
compreendida em um vácuo. Todas as sociedades humanas foram e ainda são
dependentes de complexos processos físicos, químicos e biológicos, interligados.” O
que implica em perceber os outros fatores que envolvem as ações dos seres humanos e
que não dizem respeito só as suas ações. 13.
Segundo Donald Worster, o estudo das questões ambientais em história vem
reunindo variados temas.14
O que também é destacado por Carvalho ao recordá-lo15
:
Worster também discute nesse artigo como a história ambiental tem se
dedicado a uma série de assuntos bastante variados, desde o clima, as
epidemias, os desmatamentos, a poluição e até as idéias e percepção
culturais sobre a natureza e as suas influências para a alteração da
paisagem. Tendo em vista a posição fundamental dos vegetais no
mundo natural, não é de se estranhar que o desmatamento seja um dos
temas mais recorrentes e importantes de história ambiental16
.
Assim, Carvalho destaca que, entre vários temas trabalhados pela história
ambiental, o desmatamento é um dos mais estudados devido à importância “dos
vegetais no mundo natural”. Segundo o autor, “em toda a sua história a humanidade tem
dependido crucialmente das plantas [...]” 17
.
Com crescente modificação de ecossistemas provocada pela ação antrópica, há
perceptíveis consequências relacionadas à biodiversidade e mesmo à qualidade de vida
humana, as questões ambientais ganham espaço nas discussões acadêmicas, políticas e
12
WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 4, n 8,
1991. p 199-200. 13
CARVALHO, M. M. X. Considerações teórico-metodológicas para uma história do desmatamento no
Médio Vale do Iguaçu. ESBOÇOS, Florianópolis: UFSC/Gráfica Universidade, nº13, 2005, p 177. 14
WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 4, n 8,
1991. p 200. 15
CARVALHO, M. M. X. Considerações Teórico-Metodológicas para uma História do Desmatamento
no Médio Vale do Iguaçu. ESBOÇOS, Florianópolis: UFSC/Gráfica Universidade, nº13, 2005, p 176. 16
Id. Ibid., p. 176. 17
Id. Ibid., p. 176.
12
sociais, em âmbitos regionais, nacionais e globais.18
Isto possibilita pensar como
pessoas que participaram de um processo de intenso desmatamento o percebem dentro
desta nova lógica, e que história está sendo construída a partir deste processo.
Todavia, José Augusto Pádua em seu texto “As bases teóricas da história
ambiental” 2010, adverte que a noção de que a ação humana pode degradar o mundo
natural é especialmente um pensamento moderno, “a modernidade da questão ambiental
– da ideia de que a relação com o ambiente natural coloca um problema radical e
inescapável para a continuidade da vida humana – deve ser entendida em sentido
amplo.” Assim, Pádua aponta que é a partir de vários fatores que este pensamento
começa a ter sentido, com “expansão colonial europeia”, “a incorporação de vastas
regiões do planeta”, entre outros fatores “macro-históricos” 19.
Levando em consideração essas reflexões é que esta pesquisa sobre o
desmatamento na região de Cascavel foi executada. No primeiro capítulo objetiva-se
refletir especificamente sobre as obras produzidas por Alceu A. Sperança, sua
percepção a respeito da ação do setor madeireiro. Investigar o desmatamento em nível
da história regional20
, possibilita entender como este processo foi visto como parte do
processo de constituição do município de Cascavel e, portanto, como o
“desbravamento” da região e no período atual é percebido de maneiras diferenciadas.
Os livros de Alceu A. Sperança selecionados aqui para análise são: “Pequena
História de Cascavel” de 1980, “Cascavel: a história”, de 1992 e “Cascavel – Livro
Ouro: 50 Anos de História”, publicado em 2002. Para a análise aponto primeiramente
algumas questões mais gerais presentes nas obras de Sperança como um todo e em
seguida passo para análise específica de cada livro de acordo com a cronologia de sua
publicação.
Estas obras de Alceu Sperança foram selecionadas principalmente por tratarem
de forma mais específica, se comparadas com outras obras da história regional, sobre a
18
FUNDO das Nações Unidas: Convetion on Biological diversity. Nações Unidas: Nova Iorque, 1992,
p 28; MMA 2006. Pesquisa mostra crescimento da consciência ambiental no Brasil. IN:
http://www.mma.gov.br/ascom/ultimas/index.cfm. Acessado dia 15/11/2011. 19
PÁDUA, José Augusto. As Bases Teóricas da História Ambiental. Estudos Avançados. nº 24
Fevereiro 2010. p 83. 20
A respeito da história da região oeste paranaense existem inúmeras obras que abarcam tal tema. No
entanto para este trabalho foram selecionadas as obras de Alceu Sperança. Entre estas obras encontra
VADER. Piai. A Ocupação do Oeste Paranaense e a Formação de Cascavel: as singularidades de uma
cidade comum. Tese de doutorado em Historia- UFF/ Unioeste, 2004; WACHOWICZ, R. Obrageros,
Mensus e Colonos: História do Oeste Paranaense. Curitiba: Editora Vicentina, 1982; VANDERLINDE,
Tarcísio et. al. Migração e a Construção do Oeste do Paraná: século XXI em perspectiva. Cascavel:
Coluna do Saber, 2007; Dentre outras.
13
formação do município de Cascavel. A seleção de tais textos para análise se deve à
forma como o autor trata a ação das madeireiras para a formação e organização do
município de Cascavel.
O segundo capítulo será dedicado à análise de duas entrevistas. Uma realizada
com um antigo proprietário de serraria na região de Cascavel e a outra com um antigo
funcionário deste tipo de empresa. Através delas, procurei pensar como os entrevistados
se relacionam com seu passado, um período de intenso desmatamento, como enxergam
sua atuação no setor madeireiro, como percebem a natureza e se há reflexo dos
discursos ambientais atuais em suas narrativas.
Assim, o emprego de entrevista oral me possibilitou pensar nas diferentes
memórias sobre a retirada da madeira e seu aproveitamento, as diferentes rememorações
sobre o processo na região oeste, além de outras questões, tais como a noção da
natureza como sendo uma propriedade privada.
Com relação a esse tipo de fonte, cabe dizer que desde seu renascimento nos
anos 70 na Grã-Bretanha e na Austrália a história oral sofrera com algumas críticas por
se utilizar da memória e por esta estar composta de subjetividade. Mas como sabemos
mesmo os “documentos oficiais” estão compostos de subjetividade de quem os
redigira21
.
Tendo conhecimento de que a memória é fruto da seleção do que se deseja
lembrar ou do que se deseja esquecer, por um grupo ou por um indivíduo, a entrevista
oral nos possibilita trabalhar com experiências que ainda não foram analisadas ou que
estão silenciadas22
.
Ao entrevistar estes sujeitos, que participaram do processo de extração da
madeira, consegui perceber e analisar as diferentes versões e interpretações sobre as
narrativas, sobre as atividades das serrarias no período estudado e sua participação nas
transformações da paisagem de Cascavel.
A primeira entrevista realizada me apontou como possibilidades para pesquisa,
pensar a relação homem/natureza, a natureza como propriedade privada passiva de ser
transformada. Já a segunda entrevista me possibilitou pensar mais como os homens são
21
PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os Fatos. Narração, Interpretação e significado nas memórias e
nas fontes orais. Tempo, Rio de Janeiro, nº 2, p 53-72, dez. 1996; THOMSON, Alistair. et al. Os debates
sobre memória e história: alguns aspectos internacionais; In: AMADO, J; FERREIRA, M. M (Org.) Usos
e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2006. p 65-91. 22
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
1989.
14
sujeitos de suas condições historicamente determinadas e as interconexões que as
pessoas a todo o momento fazem entre passado, presente e, neste caso, futuro.
Durante a realização desta segunda entrevista, o entrevistado mostrou algumas
fotografias, as quais também foram incorporadas na análise, para perceber como esta
pessoa rememora suas experiências através das imagens, estabelecendo relação entre
imagem e memória. Como aponta Simson em seu texto “Imagem e Memória,” “[...] é o
suporte imagético que, na maioria das vezes, vem orientando a reconstrução e
veiculação da nossa memória, seja como indivíduos ou como participantes de diferentes
grupos sociais” 23
.
Partilho também da concepção de Alessandro Portelli sobre o trabalho com
história oral, o qual entende que os entrevistados são suas fontes e estes não dizem a
verdade ou a mentira, mas uma versão do que aconteceu e que devemos lembrar que
narrar os fatos a alguém já é interpretá-los24
.
No trabalho com a história oral, percebo a memória como aponta Jacques Le
Goff em seu texto “História e Memória”:
A memória, como propriedade de conservar certas informações,
remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas,
graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações
passadas, ou que ele representa como passadas25
.
Conforme Le Goff expõe, “a memória” aparece enquanto “propriedade de
conservar certas informações”. Ou seja, o autor procura refletir como o “homem”
através da memória “pode atualizar impressões ou informações passadas”26
.
Estas colocações fazem refletir o uso da história oral junto à memória, em que o
relato oral se tornaria este momento “ímpar” e que o homem atualiza “impressões ou
informações passadas”. 27
Desta forma posso relacionar as colocações de Le Goff sobre
a memória junto ao estudo de história oral no presente.
Percebendo como a memória é fruto do que se deseja lembrar, de algo do
passado ou que se considera do passado, a qual as pessoas escolhem para atualizarem ou
que se deseja esquecer.
23
SIMSON, O.R.M. Imagem e Memória In: SAMAIN, E. O Fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998, p
22. 24
PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os Fatos. Narração, interpretação e significado nas memórias e
nas fontes orais. Tempo, Rio de Janeiro, n. 2, p. 53-72, dez. 1996. 25
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 2. Ed. Campinas/SP: Editora da UNICAMP, 1992, p 423. 26
Id. Ibid; p.423. 27
Id. Ibid; p.423.
15
A partir destes referenciais estabeleço um elo entre história ambiental e a
história oral, o que é importante para perceber a relação entre o homem e o meio
ambiente. Se utilizando da história ambiental entro em novas interpretações da
historiografia 28
.
28
ZADRA, I. L. O Rio Iapó: História Ambiental e Memória. 2008. Disponível em:
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2070-8.pdf. Acesso em 11/11/2011
16
CAPÍTULO I
Alceu A. Sperança: Percepções Sobre a Ação das
Madeireiras no Município de Cascavel
Neste capítulo realiza-se a análise da historiografia regional, especificamente
sobre obras de Alceu A. Sperança em torno das interpretações que fez a respeito da ação
das indústrias madeireiras no município de Cascavel/PR, em suas obras: “Pequena
História de Cascavel” de 1980, “Cascavel: a história”, 1992 e “Cascavel – Livro Ouro:
50 Anos de História”, em 2002.
Alceu A. Sperança nasceu em Curitiba/PR, filho de Celso Formighieri Sperança
e Nilce Leite. Em 1996 recebera da prefeitura de Cascavel o título de cidadão honorário
de Cascavel, pelos serviços prestados ao município na área de jornalismo e história.
A obra de Sperança foi objeto de análise de diversos estudos acadêmicos.
Destaco aqui a dissertação de Mestrado em História de Irene Spies Adamy, cujo foco
central é a oligarquia cascavelense. Adamy discute em seu estudo a formação e
organização política da fração agrária dominante no município de Cascavel, a partir da
sociedade rural do Oeste do Paraná29
.
A autora aponta as obras de Alceu Sperança como representantes da História
Oficial de Cascavel. Informa que os três livros dele sobre o município foram produzidos
com verbas da prefeitura municipal. As duas primeiras em um “projeto cultural da
Prefeitura de Cascavel, durante o governo de Salazar Barreiros” e “Cascavel-Livro
Ouro: 50 anos de História” em comemoração aos 50 anos de emancipação política do
município, também com “iniciativa da Prefeitura Municipal, durante a primeira gestão
de Edgar Bueno (2001-2004).” 30
Recentemente o livro “Cascavel a História” ganhou
nova roupagem também na gestão de Edgar Bueno (2009-2012).
Adamy destaca ainda a forma de organização da narrativa nas obras de
Sperança:
O autor desenvolve a sua análise a partir de ciclos pelos quais teria
passado a economia do município, destacando que do esgotamento de
uma atividade econômica surge outra em substituição. Inicialmente o
29
ADAMY, Irene Spies. Formação e Organização Política da Classe Dominante Agrária: A
sociedade Rural do Oeste do Paraná. Marechal Cândido Rondon, 2010. 173 p. Dissertação (Mestrado em
História)- UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paraná. p 8. 30
Id. Ibid., p. 39.
17
ciclo da erva-mate, depois a consolidação da ocupação da terra com o
ciclo da madeira e, seguida, a agricultura, a pecuária e a
agroindústria31
.
Alceu Sperança, principalmente nas suas duas primeiras obras, constrói sua
análise da História de Cascavel através da noção de “ciclos econômicos”. Trata-se de
uma visão etapista e mecânica da História. Dentro destes ciclos econômicos encontra-se
o chamado “Ciclo da Madeira”.
Cabe ainda destacar outro elemento apontado por Adamy nas obras de Sperança,
no que se refere à organização de sua narração sobre a história do município. Segundo
Adamy “O autor fundamenta sua narrativa numa visão de progresso e evolução
constante, contrapondo o antigo e novo, o passado e presente, o atrasado ao moderno”
32.
Em “Cascavel 50 anos livro de ouro” é que esta contraposição fica ainda mais
evidente. Trata-se de uma obra de caráter comemorativo, produzida pela prefeitura
municipal, na qual se tenta fixar a ideia de “progresso” pelo qual o município passara ao
longo destes 50 anos. A obra apresenta diversas imagens33
contrapondo sempre o velho
ao novo, o atraso ao moderno. Por exemplo, a imagem da primeira prefeitura com a
atual, do primeiro fórum com o atual, etc.
Dentre estas imagens que são apresentadas no livro, encontra-se na página 21, a
fotografia de um senhor e um carro cercados por pinheiros e abaixo a seguinte legenda
“A madeira, importante ciclo econômico (1962)”. Na parte inferior da mesma página há
uma fotografia com a imagem de uma indústria, cuja legenda contém a seguinte
descrição: “Núcleo Industrial do Guarujá e BR-277” 34
.
31
Id. Ibid., p. 39. 32
Id. Ibid., p. 39. 33
Estas imagens usadas no livro foram selecionadas no Museu da Imagem e do Som de Cascavel, as
quais tive contato através do projeto de extensão intitulado Ações para a Higienização, catalogação e
digitalização do Acervo do Museu da Imagem e Som (MIS) do Município de Cascavel. 34
SPERANÇA, Alceu. Cascavel 50- Livro de Ouro. Cascavel: Gráfica Tuicial, 2002. p 21.
18
Figura 2: SPERANÇA, Alceu. Cascavel 50- Livro de Ouro. Cascavel: Gráfica Tuicial, 2002.
p 21.
O que chama atenção nesta contraposição de imagens é que não se usa uma
imagem que retrate propriamente a indústria madeireira, por exemplo, uma fotografia de
uma serraria, disponíveis no museu onde esta foi selecionada35
, para contrapor com
imagem das indústrias atuais. O uso da imagem das árvores (Araucaria angustifolia)
junto com a legenda “a madeira [...] ciclo econômico”, pode sugerir uma noção da
natureza como mero papel de objeto econômico, sem valor intrínseco.
35
Estas imagens usadas foram selecionadas no Museu da Imagem e do Som de Cascavel.
19
Outra questão presente na contraposição destas duas imagens e suas legendas, e
que é apresentada de outras maneiras nos livros de Sperança, é a questão dos ciclos
econômicos por qual o município passaria. Parece que há uma marcha do tempo do
“ciclo da madeira” para industrialização, como se o desmatamento fosse algo apenas do
passado e não pertencesse mais ao presente.
Passarei agora, para a análise separada de cada obra de Alceu A. Sperança em
sua sequência de publicação. Primeiramente o livro “Pequena História de Cascavel”
publicado em 1980, em seguida “Cascavel: a história”, de 1992 e por último “Cascavel
– Livro Ouro: 50 Anos de História”, publicado em 2002.
No primeiro livro intitulado “Pequena História de Cascavel e do Oeste” de 1980,
escrito em conjunto com seu irmão Carlos Sperança, Alceu Sperança localiza a questão
das indústrias madeireiras no capítulo VII, no qual elas estão relacionadas à agricultura.
Na introdução deste livro informa quais as implicações que considera terem sido
causadas pela exploração das indústrias madeireiras na região:
A madeira constituiu-se na grande motivação do florescimento e
consolidação do povoamento e motivação e base de nosso progresso
econômico, em ciclo que mais tarde cederia lugar à agricultura, esteio
do país e atual ocupação do povo oestino, que já neste momento
prepara o terreno para a industrialização.36
Sperança aponta que a retirada da “madeira”, ou seja, a derrubada da mata foi o
que proporcionou o impulso econômico para a região. Sperança demonstra que foi a
partir das florestas, ou da sua exploração, que foi possível formar o município de
Cascavel. Mas mesmo ao apontar a exploração da mata como sendo de importância para
a região, deixa claro que esta foi apenas uma fase para se conquistar o “verdadeiro
progresso” proporcionado pela agricultura e a indústria.
Sperança inicia o parágrafo com a nomeação das árvores no sentido de
“madeira”, demonstra qual é o papel atribuído às florestas, que estas existiriam para
serem utilizadas pelos seres humanos, perdendo assim o valor próprio e sendo pensadas
como um produto37
.
36
SPERANÇA, Alceu; SPERANÇA, C. Pequena História de Cascavel e do Oeste. Cascavel: J.S.
Impressora Ltda. 1980.p 3. 37
CARVALHO, Miguel M. X. De; NODARI, Eunice S. As Origens da Indústria Madeireira e do
Desmatamento da Floresta de araucária no Médio Vale do Iguaçu (1884-1920). Cadernos do CEOM
Ano 21, nº 29 – Bens Culturais e ambientais. 2008, p 65.
20
Carvalho em seu texto “As Origens da Indústria Madeireira e Desmatamento da
Floresta de araucária no Médio Vale do Iguaçu (1884-1920)”, aponta para existência de
diversas publicações que abordam as “florestas de araucária apenas como reserva de
madeira”. Trata-se de trabalhos ligados a uma história econômica que deixam de
considerar o meio ambiente como um possível objeto central de análise38
.
Sperança ainda aponta em sua introdução as motivações para escrita do livro:
Esta PEQUENA HISTORIA DE CASCAVEL E DO OESTE foi
escrita para escolares. Destina-se a auxiliá-los nas pesquisas e para
que conheçam a luta de seus avós e pais na dura tarefa de cortar o
pinheiro e colher o cereal. Uma luta que, de fato, ainda não acabou39
.
(grafia como no original)
Neste trecho o autor aponta o sentido de enfrentamento que os primeiros
moradores da região tiveram em relação à natureza, “[...] para que conheçam a luta de
seus avós e pais na dura tarefa de cortar o pinheiro [...]”. Outra questão a ser percebida
na motivação para escrever o livro, está na rápida mudança que ocorrera na paisagem.
Pois já se fazia necessário que se relatasse a existência de pinheiro na região, de seu
corte para a terceira geração.
No capítulo intitulado “Madeira e Agricultura”, discute-se a importância do setor
madeireiro para a formação econômica e social da região. Afirma que apesar das
origens do município estar na “extração da erva-mate”, as primeiras “conquistas” do
município só foram possíveis com a instalação da “primeira madeireira de expressão”40
:
Os primeiros benefícios significativos para a localidade, seja no que se
refere ao transporte, seja no que toca à educação e à segurança, irão
chegar apenas a partir da instalação em Cascavel da primeira
madeireira de expressão41
.
Esta primeira “madeireira de expressão”, apontada por Sperança em nota,
pertencia a Moysés Lupion42
, ex-governador do Estado do Paraná e detentor de enormes
38
Id. Ibid., p. 65. 39
SPERANÇA, Alceu; SPERANÇA, C. Pequena História de Cascavel e do Oeste. Cascavel: J.S.
Impressora Ltda. 1980. p 4. 40
Id. Ibid., p. 88. 41
Id. Ibid., p.88. 42
Foge à proposta deste trabalho, descrever quais foram às implicâncias da gestão de Moysés Lupion para
Estado do Paraná. Para mais informações ver em: CRESTANI, Leandro de Araújo. Histórias Quase
Invisíveis: Posse, Titulação e Conflitos Agrários no Velho Oeste Paranaense (1930/1960) disponível em:
http://www.cih.uem.br/anais/2011/trabalhos/11.pdf, Acesso 26/10/212. E KOLING, Paulo José. Terra e
Poder: Possibilidades e Perspectivas. Tempos Históricos, volume 13, 1º semestre, p 237-250, 2009.
21
riquezas em diferentes áreas do Paraná. Como aponta Carvalho, muitas das indústrias de
madeira, além de terem sido a base de “riqueza econômica de inúmeros municípios” e
“uma força poderosa de atração de pessoas” para estes, também promoveram “a riqueza
econômica de muitas famílias de madeireiros” 43
.
Na sequência, temos o seguinte parágrafo “O início da exploração da madeira no
Oeste do Paraná antecede na realidade, o ciclo que daria o progresso a Cascavel” 44
, se
referindo à agricultura. O que é percebido aqui é que a natureza é colocada como um
produto que teve sua importância, mas não representou de fato o “progresso”, este só
alcançado após a destruição das florestas e consolidação da agricultura como economia
dominante no município. E a natureza permanece novamente como objeto cuja
existência é determinada pelos usos de que os homens fazem dela.
Sperança continua seu relato apresentando a constituição da história da
“exploração da madeira no Oeste do Paraná”, desde o final do século XIX, afirmando
em nota que a “exploração da madeireira no Paraná, em escala comercial” começara em
1874. Afirma que o período inicial de “exploração da madeira” na região permanecerá
no “poder dos estrangeiros”, referindo-se ao domínio argentino da região.45
No entanto,
em seguida Sperança afirma que foi a partir de 1930 que “inicia-se verdadeiramente o
ciclo econômico que irá fazer de Cascavel o polo de uma região” 46
.
Após relatar sobre a ação estrangeira na região e escrever um pequeno parágrafo
relatando a ação das madeireiras sem preocupação com o reflorestamento, adverte que
“[...] o desmatamento em larga escala, sem qualquer preocupação inicial com o
reflorestamento, o que provocará graves consequências no futuro.” Sperança afirma que
“por outro aspecto” foi “a exploração econômica do pinheiro” que proporcionou a
“construção de casa dos colonos”, a descentralização da “economia paranaense limitada
até então” pela extração da erva-mate, a atração de “imensas levas de colonos vindos de
Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, nesta nova corrida do ouro, em que o metal é
substituído pelo verde dos pinheiros”, sendo a vinda destes colonos que proporcionou
43
CARVALHO, Miguel M. X. De. O Desmatamento das Florestas de araucária e o Médio vale do
Iguaçu: uma história de riqueza madeireira e colonizações. Florianópolis, 2006. 202 p. Dissertação
(Mestrado em História)-Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, p13. 44
SPERANÇA, Alceu; SPERANÇA, C. Pequena História de Cascavel e do Oeste. Cascavel: J.S.
Impressora Ltda. 1980.p 88. 45
Id. Ibid; p. 88. 46
Id. Ibid; p. 91.
22
abertura da agricultura e assim, continua o autor, apresentando as melhorias que ele
considera terem sido causadas pela exploração da madeira na região47
.
Sperança constrói sua narrativa justificando que a ação das madeireiras seria um
elemento de fundamental importância para formação e consolidação do município de
Cascavel. É uma visão otimista que compara até, no trecho acima, à exploração das
florestas a extração do ouro. Esta visão otimista aparece também no seguinte trecho:
No início da grande arrancada econômica da madeira cascaveense
[cascavelense] e oestina, são muitos os pequenos serradores e
progressitas as madeireiras melhor organizadas. Toda a população do
povoado de Cascavel entre 1935 e 1955 vive praticamente em função
da atividade extrativa, a ponto de ser lícito afirmar que a madeira
desmembrou Cascavel do Município de Foz do Iguaçu, a 14 de
novembro de 1951, a exemplo de outros municípios como Toledo.48
O autor ainda nomeia as primeiras e principais serrarias da região de Cascavel,
entre esta encontra a Industrial Madeireira, que segundo Sperança, “em 1957 a empresa
inicia, por decisão particular, o reflorestamento com a araucária brasileira, no sistema
4x4 e mais tarde pinus elliotti” 49
(grafia como no original). Novamente o que se
percebe neste trecho, é que o autor tende a justificar a ação das madeireiras, afirmando
que estas “por decisão particular”, em uma ação que aparece como nobre, sem
interferência do Estado, já começou o reflorestamento.
Além disso, o reflorestamento foi iniciado com intuito de exploração futura de
madeira. Na sequência sobre a mesma empresa escreve Sperança:
Até 1966 a Imapar [Industrial Madeireira do Paraná] mantém sede em
Foz do Iguaçu, transferindo-se então para Cascavel e controlando três
serrarias, uma beneficiadora e depósitos de embarque nos portos de
Foz do Iguaçu, Antonina, Paranaguá e Porto Alegre. Deversifica nos
anos 70 suas atividades, atuando também na agricultura e na
pecuária.50
O que é percebido aqui, por meio da informação sobre os investimentos da
empresa em outras áreas na década de 70, bem como sua iniciativa “para
reflorestamento”, é a ideia do esgotamento do “ciclo da madeira na região”. Isso
aparece de forma clara no seguinte trecho do livro de Sperança:
47
Id. Ibid; p. 89. 48
Id. Ibid., p 92. 49
Id. Ibid., p 91. 50
Id. Ibid., p. 91-92.
23
O ciclo mantém-se forte até fins dos anos 60, mantendo-se em
situação relativamente próspera e cômoda até meados da década
seguinte. (*) (Em nota Sperança apresenta: (*) “Tivemos, em 1975,
um ano de desemprego na indústria madeireira, em virtude de muitas
empresas terem optado pelo seu fechamento” (8) Hylo Francisco
Bresolin, Presidente da Associação Comercial e Industrial de Cascavel
(ACIC), 1975).
A situação continuará inalterada nos anos seguintes, o que representa
o fim do ciclo justamente quando a agricultura explode, trazendo
progresso à região.51
Sperança não informa como este “ciclo” se esgotara em pouco tempo. A
preocupação está em frisar o “progresso” proporcionando a agricultura. Além disso, não
ressalta os impactos ambientais causados pela ação das madeireiras: o esgotamento
rápido das reservas de florestas.
Outro aspecto interessante é a fala apresentada por Sperança em nota, como
sendo de Hylo Francisco Bresolin, então presidente da Associação Comercial e
Industrial de Cascavel (ACIC), que menciona o desemprego causado pelo fim das
atividades das indústrias madeireiras: “Tivemos, em 1975, um ano de desemprego na
indústria madeireira, em virtude de muitas empresas terem optado pelo seu fechamento”
52.
O autor da fala ao ocupar o cargo de presidente da ACIC, já nos demonstra qual
era o papel de importância que as madeireiras tinham na região no período, já que ele
era empresário nesse setor, e assim representante também dos empresários proprietários
de serrarias. A empresa que pertencera a Hylo F. Bresolin, não encerrou as atividades na
época, e até hoje atua no setor madeireiro. Sua afirmação, de que muitas madeireiras
optaram em fechar, não leva em consideração que nem todas as madeireiras, como a
dele na época, tiveram capacidade de investir em outras áreas e no reflorestamento com
monocultura de Pinus53
.
Passarei agora para a análise do livro “Cascavel: a história” do ano 1992, que
Alceu A. Sperança afirma ser “uma revisão ou uma síntese” de sua obra anterior, bem
como informa que na introdução que não se trata de um trabalho acadêmico 54
.
51
Id. Ibid., p 92. 52
Id. Ibid., p. 92. 53
ADAMY, Irene Spies. Formação e Organização Política da Classe Dominante Agrária: A
sociedade Rural do Oeste do Paraná. Marechal Cândido Rondon, 2010. 173 p. Dissertação (mestrado em
história)- UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paraná. p 56; Empresa Bresolin Disponível em
< http://www.bresolin.com.br/form.swf >.Acesso25/10/2012. 54
SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 08.
24
O livro é dividido em dez partes, organizadas por períodos sequenciais
cronológicos e temas, sendo o primeiro período abordado de 1500 e o último a data do
livro 1992. Na terceira parte do livro “Uma Revolução na Marcha dos Pioneiros (1915-
1929)”, apresenta na página 75, a mesma imagem que apresentei anteriormente, de um
homem e, um carro em meio a uma floresta de pinheiros.
FIGURA 3: SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 75
Na parte superior da fotografia há a seguinte legenda.55
“A I Guerra Mundial
valorizou significativamente a madeira paranaense, motivando o ciclo econômico
responsável pelo aparecimento e consolidação de Cascavel como polo regional (Foto de
1962)” 56
.
Sperança, ao afirmar que a indústria madeireira se constituiu no “[...] ciclo
econômico responsável pelo aparecimento e consolidação de Cascavel como polo
55
Id. Ibid., p. 75. 56
Id. Ibid., p. 75.
25
regional” 57
, atribui às madeireiras e ao desmatamento, causado pela ação destas, a
formação do município de Cascavel e seu destaque como polo regional.
Na quarta parte do livro, intitulada “Silvério e a Construção (1930-1950)” 58
, na
qual é apresentada a consolidação do município de Cascavel, no item cinco “Rumo ao
Município”, Sperança apresenta sua interpretação sobre o censo de 1950:
Mas o Censo de 1950 não teria ainda condições de captar a explosão
madeireira que a partir daquele ano fez Cascavel saltar, na década ali
iniciada, para um crescimento populacional de 79,77% ao ano.
A população rural, em função das características de ocupação das
terras que vigoravam na época, era de 61,12%.
O ano de 1951 se apresentou, de fato, como extremamente promissor
para Cascavel, que já passava a se tornar sinônimo de madeira59
.
O que é apresentado novamente aqui é uma visão otimista sobre a extração da
madeira na região. Entretanto é possível perceber ainda, como este processo histórico de
desmatamento ocorreu de forma descontrolada, atraindo inúmeras pessoas para esta
região e proporcionando o rápido esgotamento das florestas com araucária.
Além disto, como aponta Carvalho, foi “a destruição irresponsável de todo um
patrimônio natural sustentou a riqueza e o poder político de gerações de madeireiros e
influenciou nas atuais feições econômicas e políticas de muitos municípios” 60
. Adamy
em seu texto, “Formação e Organização Política da Classe Dominante Agrária: a
sociedade rural do Oeste do Paraná.”, nos deixa transparecer que os motivos de atração
destes grupos para o município de Cascavel, eram basicamente a instalação de serrarias
61.
Na mesma página Sperança apresenta uma imagem de casas em meio à mata
devastada. Na parte inferior a seguinte legenda “fixação dos agricultores em colônias,
no interior do Município, observando-se o desmatamento para a implantação das
primeiras lavouras (década de 50)” 62
.
57
Id. Ibid., p.75. 58
Id. Ibid., p. 97. 59
Id. Ibid., p 131. 60
CARVALHO, Miguel M. X. De. O Desmatamento das Florestas de araucária e o Médio vale do
Iguaçu: uma história de riqueza madeireira e colonizações. Florianópolis, 2006. 202 p. Dissertação
(Mestrado em História)-Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, p 14. 61
ADAMY, Irene Spies. Formação e Organização Política da Classe Dominante Agrária: A sociedade
Rural do Oeste do Paraná. Marechal Cândido Rondon, 2010. 173 p. Dissertação (Mestrado em História)-
UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paraná. p 55-58. 62
SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 131.
26
FIGURA 4: SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 131.
A imagem permite perceber o estabelecimento de uma ligação entre implantação
das lavouras agrícolas com desmatamento. Sobre isso, Nadir A. Cancian, em seu texto
“Conjuntura Econômica da Madeira no Norte do Paraná”, afirma que:
A exploração madeireira só foi significativa enquanto se completava
esta ocupação, o que, aliás, se fez de forma muito rápida. [...] Pode
dizer-se que a serraria é pioneira na abertura de regiões, aproveitando-
se das madeiras liberadas pela ocupação agrícola das terras. Nota-se o
movimento de deslocamento das serrarias à medida que a colonização
ou as novas frentes pioneiras penetram mais para o interior63
.
Assim, é possível perceber que o rápido esgotamento das florestas está ligado
aos avanços da fronteira agrícola, tendo como o principal motivador a atuação das
madeireiras, as quais se deslocavam para novas áreas após o esgotamento das madeiras
na região. Segundo Gubert Filho, o Paraná perdeu 240 mil hectares/ano de florestas na
década de 1960, sobretudo a custo da ocupação de terras para agricultura no Oeste do
63
CANCIAN, Nadir, A. Conjuntura Econômica da Madeira no Norte do Paraná. 1974. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2 v. 1974. p. 5 Apud: CARVALHO,
E.B; NODARI, E. S. A Percepção da Transformação da Paisagem: Os Agricultores no Desflorestamento
de Engenheiro Beltrão – Paraná, 1948-1970. História, São Paulo, v 26, n 2, p 269-287, 2007., p 277.
27
Paraná, sendo que em meados da década de 1970 não havia praticamente mais áreas
para expansão agrícola na região64
.
Na quinta parte do livro denominada de “O Pólo Regional (1952-1963)” se
encontra na página 168 o subcapítulo “A era da Madeira”. São apresentados
primeiramente dados referentes ao número de indústrias madeireiras na região de
Cascavel em 1955 e sobre a atração de pessoas para a região devido a esta prática e ao
aumento da área agrícola.
Em seguida Alceu Sperança afirma; “Não havia ainda sinais de que a
preocupação de Saint Hilaire com a extinção dos pinheiros viesse a se concretizar.
Somente pinheiros escolhidos a dedo eram derrubados” 65
.
Interessante perceber que Sperança parece desacreditar a fala do naturalista
Auguste Saint-Hilaire66
ao afirmar que somente os pinheiros “escolhidos a dedo eram
derrubados”. Assim, diz que as indústrias madeireiras faziam a seleção e derrubavam só
algumas árvores e que o resto permanecesse em pé. Entretanto com escassez das árvores
e com o passar do tempo tudo era derrubado, incluindo outras espécies de árvores67
.
Na continuação da mesma página Sperança, ao escrever sobre o transporte das
toras, apresenta um trecho do Jornal “Folha de Londrina” em uma tiragem especial,
escrito por Hylo Francisco Bresolin:
“A extração e comercialização da madeira, especialmente a do pinho
Araucaria Brasiliensis, e uma agricultura incipiente, foram as
atividades predominantes no Município durante décadas. Os primeiros
passos para a criação de uma infraestrutura de transporte mais
adequada, que possibilitasse a integração de Cascavel às demais
cidades do Oeste e de outras regiões do Estado, tiveram início nesta
época”68
. (grafia como no original)
Sperança apresenta o trecho acima como um complemento de sua fala. Assim,
H. F. Bresolin confirma o que já foi dito por Sperança, em sua obra anterior, a respeito
do desenvolvimento do município ter sido proporcionado pelas indústrias madeireiras.
64
GUBERT-FILHO, Francisco, A. O desflorestamento do Paraná em um século. In: SONDA, Cláudia;
Trauczynski; S.C. (Org.). Reforma agrária e Meio Ambiente: Teoria e prática no estado do Paraná.
Curitiba: ITCG, 2010. p 18-19. 65
SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 168. 66
Auguste Saint-Hilaire (1779-1859) foi um botânico, naturalista e viajante francês, que viajara pelo
Brasil. Entre sua principais obras se encontra “Viagem pela Comarca de Curitiba”, 1995. 67
BROCARDO, Carlos R. Origem e História do Município de Cascavel. Cascavel/PR, 2011, p 10-12.
Trabalho inédito. 68
BRESOLIN, H.F. Eixo Oeste, edição especial do jornal. Folha de Londrina, sem data. Apud:
SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 168.
28
Sperança continua após o trecho citado de Bresolin, escrevendo:
No período que vai de 1935 a 1955, a atividade principal da região de
Cascavel, que não tinha mais a erva-mate como opção forte de divisas,
foi madeira, do corte ao beneficiamento e à exportação. Foi a madeira,
aliais, que tornou Cascavel Município em 1953 e lhe deu notáveis
índices de progressos no curso daquelas décadas69
.
Apresenta-se no trecho acima a mesma visão da fala de Bresolin, em relação ao
movimento “para frente” que setores madeireiros teriam proporcionado ao município.
Resta perguntar se foi mesmo a exploração da madeira que proporcionou
“desenvolvimento” da região ou apenas o enriquecimento de alguns indivíduos.
Entre as passagens em que Sperança busca comprovar o papel segundo ele
central das empresas madeireiras no “desenvolvimento” da região, encontra-se na parte
“A reconstrução” do livro “Cascavel: a história”, o depoimento de Adagirio Somavilla,
funcionário do antigo IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal),
publicado no jornal “O Paraná”, 25 de maio de 1977:
“A madeira representou um papel importantíssimo para o
desenvolvimento regional. Devido o grande mercado existente, a
região expandiu-se industrial e economicamente. Na construção de
Brasília, por exemplo, Cascavel exportou toneladas de madeiras para
o futuro Distrito Federal” 70
. (grafia como no original)
Podemos entender a partir da fala de Somavilla que a exploração da madeira
trouxe benefícios para região de Cascavel. Não há menção aos problemas que o
desmatamento causou na região.
No sexto capítulo do livro “A consolidação (1964-1977)” na página 230
Sperança escreve sobre o esgotamento da exploração da madeira:
O ciclo da madeira, que se mantivera forte ao longo de toda a década
anterior, passava a dar sinais de esgotamento. Esse declínio,
entretanto, apresentava-se compatível com o célere impulso recebido
pela agricultura, que em 1970 encontraria um necessário divisor de
águas71
.
69
SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 168-169 70
VILLA, Adagirio Soma, IBDF, jornal “O Paraná”, 25 de maio de 1977. Apud: SPERANÇA, Alceu.
Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 198. 71
SPERANÇA, op. cit., p. 230.
29
De tal modo, Sperança acentua a ideia que a extração das árvores na região era
apenas mais um ciclo econômico, seguido pela agricultura, como café e soja. Não
considerando os problemas ambientais do desmatamento e a exaustão dos recursos
naturais.72
Na página 239, pertencente à parte intitulada “O império da soja” do livro,
Sperança apresenta uma imagem de uma serraria em meio à mata devastada, na parte
inferior da fotografia há a seguinte legenda:
A madeira deu tudo a Cascavel: polarização regional, sua
transformação em centro prestador de serviços e abriu campo ao
poderoso ciclo agropecuário. Na foto, a serraria São Domingos, em
pleno funcionamento no final dos anos 40. Foi a segunda serraria de
grande porte, pertencente ao governador Moysés Lupion73
.
FIGURA 5: SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 239.
A legenda apresenta vários elementos, causados pela exploração da madeira, que
teriam trazido benefícios para o município: “polarização regional, sua transformação em
centro prestador de serviços e abriu campo ao poderoso ciclo agropecuário”. Sperança
não está considerando aqui nenhum fator prejudicial causado por esta exploração, por
exemplo, degradação de recursos naturais, o desmatamento como um gerador de
pobreza, entre outros.
72
CARVALHO, Miguel M. X. De. O Desmatamento das Florestas de araucária e o Médio vale do
Iguaçu: uma história de riqueza madeireira e colonizações. Florianópolis, 2006. 202 p. Dissertação
(Mestrado em História)-Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, p 17-40. 73
SPERANÇA, op. cit., p. 239.
30
Na página 241, com subtítulo “O fim do ciclo madeireiro”, Sperança apresenta
que no ano de 1975 marca o fim “ciclo madeireiro”, o que segundo ele afetaria toda
economia do município.
No entanto, a agricultura era ainda uma promessa para os setores de
serviços que prosperaram na cidade para servir aos interesses
madeireiros. Profundas transformações estavam para ocorrer, a
começar pela incerteza daqueles que viam a madeira naufragar e com
ela toda uma era da história regional. Uma sombra de incerteza e
pessimismo não deixara, contudo de dominar a população urbana de
Cascavel habituada a viver às custas da extração e da indústria
madeireira74
.
Neste trecho Sperança relata o fim do domínio da economia madeireira na região
e constrói uma imagem acerca do sentimento da população com término dela. Nas
páginas seguintes ele complementa:
O mês de junho de 1976 encerrou-se o lamento dos diversos
madeireiros de Cascavel sobre a falta de matéria-prima para o
prosseguimento das atividades do setor. A situação se afunilara de tal
forma que os serradores só tinham duas a alternativas: fechar as portas
ou se deslocar para regiões como o Estado do Mato Grosso.
Em pouco mais de cinco anos, Cascavel consumira no início do ciclo
quase 50% da área verde, o que se aprofundou com a expansão da
agricultura. O ano de 1976 foi, desta forma, o que deu a pá de cal
sobre as pretensões de uma retomada do ciclo forte da madeira.75
Neste trecho, Sperança além de confirmar que foram as próprias indústrias
madeireiras que levaram o fim de sua produção, por consumir toda sua matéria prima,
destaca ainda a continuidade deste processo em outras regiões do país. Também aponta
que “quase 50% da área verde” da região fora consumida nos primeiros cinco anos da
exploração por estas empresas, o que nos dá ideia de quais foram as consequências
deste desmatamento para a região. Sperança frisa o término deste período da economia
na região da seguinte maneira:
As evidências maiores de extinção do ciclo madeireiro foram sentidas
no final de agosto, quando a diretoria da Itaipu Binacional anunciou
estar prestes a importar madeira do Paraguai e de outras regiões do
país para iniciar as obras da usina hidrelétrica.
74
Id. Ibid., p. 241-242. 75
Id. Ibid., p.243-244.
31
Para confirmar, os fiscais do governo do Estado notificaram a redução
na quantidade de serragem despejadas nos rios da região, em relatório
datado de 24 de setembro de 1976. Foi o epitáfio oficial para marcar o
fim do mais importante ciclo da nossa formação histórica76
.
O que Sperança não menciona é quais seriam as outras consequências deste tipo
de exploração da natureza. Além disto, ao apontar a redução na quantidade de serragem
despejadas nos rios da região, notificada pelos fiscais do governo do Estado em 1976,
como “o epitáfio”, não considerando o fato em termos ecológicos.
No livro “Cascavel 50 – Livro Ouro” de 2002, como já foi apontado aqui, são
realizadas varias contraposições de imagens. Na página ao lado de cada imagem há um
texto, que não é relaciona com as imagens. Assim, na página 16 Sperança escreve:
O fato mais importante da época [1955] foi a instalação de uma
serraria em Corbélia, através da família de Júlio Tozzo, fortalecendo
um novo polo no interior do município.
Um levantamento feito pela prefeitura sobre o número de indústrias
em atividade no município comprovou a existência de 43
estabelecimentos registrados oficialmente, a maioria vinculada à
madeira, o ciclo econômico da época77
.
Nestes trechos do livro de Sperança, destaca a instalação de uma serraria como
fato mais importante que acontecera no município em 1955, mesmo que nos parágrafos
anteriores tenha falado da presença de jagunços na região “que expulsavam posseiros na
região do Rio Piquiri”78
neste mesmo período. Assim, continua dando destaque a
importância das serrarias para economia do município, mostrando que estas eram as
empresas de maior número.
O que podemos perceber através destes trechos, que Sperança mesmo
escrevendo este livro em 2002, não mudara sua percepção sobre a ação das madeireiras.
Ainda assimila a ação destas com otimismo e merecendo maior destaque que outros
fatos históricos que ocorreram na região, como presença de jagunços.
Na página 38, Sperança escreve sobre o fim da ação das madeireiras na região e
o advento da agricultura:
Em 1975, o ciclo madeireiro já se esgotava e a agricultura mostrava
ascensão irresistível, com tamanho dinamismo que as cooperativas das
76
Id. Ibid., p. 244. 77
SPERANÇA, Alceu. Cascavel 50- Livro de Ouro. Cascavel: Gráfica Tuicial, 2002. p 16. 78
Id. Ibid., p.16.
32
regiões Oeste e Sudoeste decidiram unir-se para a criação (em
dezembro) da Cooperativa Central Regional Iguaçu (Cotriguaçu)79
.
Neste trecho, Sperança enfatiza o fim do “ciclo madeireiro” para o “progresso”
da agricultura. Porém, ao levar em conta só este fato, Alceu Sperança desconsidera
todas as outras consequências do fim desta exploração madeireira na região.
Atualmente a Floresta com Araucária é considerada uma das ecorregiões mais
ameaçadas da América Latina,80
e o pinheiro-do-paraná é considerado pela União
Internacional para Conservação da Natureza (International Union for Conservation of
Nature, IUCN) como Criticamente Ameaçado, ou seja, sofre o nível mais alto de
ameaça de extinção81
.
Todavia os trabalhos realizados por Alceu A. Sperança se constituem em uma
fonte fundamental para quem pretende estudar a história da região de Cascavel, seja
pensando como este constrói uma percepção sobre os usos da natureza, ou seja, para
pensar outras relações do município. Estes trabalhos apresentam dados importantes
sobre o município de Cascavel que são poucos disponíveis, devido até mesmo à falta de
acervo sobre o município e as empresas madeireiras.
79
Id. Ibid., p.38. 80
DINERSTEIN et al. A Conservation Assessment of the Terrestrial Ecoregions of Latin America
and the Caribbean. The World Wildlife Fund. Washington: 1995.p 45-98. 81
FARJON, A. Araucaria angustifolia. 2006 In: IUCN 2012. IUCN Red List of Threatened Species.
Version 2012.2. Disponível em:< www.iucnredlist.org>. Acessado em 03/11/ 2012.
33
CAPÍTULO II
Os Sujeitos do Desflorestamento:
Percepções sobre a alteração da Paisagem
Neste capítulo analisarei duas entrevistas com intuito de perceber como a ação
das madeireiras é relembrada por pessoas que participaram do processo de
desmatamento da região de Cascavel. Em conjunto estas entrevistas somam um total de
2 horas e 26 minutos, gravados e transcritas. E para este trabalho foram selecionadas
passagens dos relatos considerados significativos para a compreensão das questões aqui
apontadas. A ordem de realização das entrevistas, mas não para análise, é a seguinte.
A primeira entrevista foi realizada com um antigo proprietário de uma serraria
na região de Cascavel, o senhor Fernandes José Liberali. O primeiro contato para
realização da entrevista ocorreu por meio de telefone, em 29 de março de 2011. Neste
dia Liberali me informou que concederia a entrevista no dia 02 de abril de 2011, às 15
horas em sua residência, na cidade de Cascavel/ PR. No decorrer da entrevista,
Fernandes solicitou que seu filho mais velho Gilmar Liberali participasse, já que
Fernandes apresenta dificuldade de audição.
Fernandes Liberali era um dos proprietários de uma serraria que se situava no
distrito de Rio do Salto/ Cascavel, a empresa também pertencia a seu pai, irmãos e tios.
A família de Fernandes J. Liberali já havia sido dona de uma serraria no Estado de
Santa Catarina, na região de Campos Novos, a qual funcionara por sete anos. A serraria
da região estudada começou a funcionar em 1958, após a vinda de sua família para
Cascavel.
A segunda entrevista foi realizada com um antigo funcionário da serraria do Sr.
Fernandes, Paulino Denardi. O primeiro contato para realização da entrevista também
ocorrera por meio de telefone, em 30 de novembro de 2011. Paulino Denardi me
informou que concederia a entrevista no dia 04 de dezembro, às 15 horas em sua
residência, Rio do Salto/ Cascavel.
Paulino Denardi desempenhara as funções de bitoleiro e serrador na empresa de
Liberali. Após a venda da empresa de Fernandes Liberali, em 1968, para a Sarolli
34
Madeiras82
, Paulino Denardi começou a trabalhar nesta empresa chegando a atuar como
gerente até 2000, quando se aposentou.
Durante a realização da entrevista o senhor Paulino Denardi me mostrara
fotografias e dialogara com elas sobre seu trabalho nas serrarias. Como aponta Olga
Von Simson em seu texto “Imagem e Memória”, é “[...] o registro imagético vem
permeando cada vez mais a nossa cultura ocidental contemporânea e se transformando
talvez no principal ‘texto’ orientador da construção das memórias individuais e da
memória coletiva dos grupos sociais” 83
. Deste modo, a entrevista do senhor Denardi
possibilitou novas informações e interpretações a partir de suas recordações com as
fotografias.
Do ponto de vista metodológico, a escolha de tais sujeitos para serem
entrevistados se deve em primeiro lugar pelo objetivo da pesquisa, mas principalmente
pelo fato de tentar perceber se o lugar ocupado por eles faria diferença na percepção
sobre a ação da serraria na região estuda.
Assim, a escolha de um proprietário e um funcionário de serraria, me
possibilitou perceber que sua função interferia de fato na sua narrativa. O senhor
Fernandes Liberali evidencia uma posição mais confortável ao narrar sua atuação junto
à serraria, agindo como autoridade ao explicar como funcionava o trabalho dentro e fora
da serraria. O senhor Paulino, por sua vez, mostrou-se receoso em sua fala a respeito da
ação das serrarias onde trabalhava.
Portanto, embora estas falas expressem pontos de vistas pessoais sobre a ação
das madeireiras, a construção da narrativa ocorre socialmente. Assim, percebo com
estas entrevistas, como afirma Pollak, em seu texto “Memória e Identidade Social” de
1992, “o que se recolhe são memórias individuais”, que devem ser entendidas como um
fenômeno coletivo e social, de uma sociedade e um determinado tempo84
.
As perguntas durante a realização destas entrevistas ocorreram no intuito de
fazer com que as pessoas discorressem sobre sua trajetória de vida e o contato com o
setor madeireiro. No entanto, por saber meu objetivo, era o contato que eles tiveram
com o setor madeireiro, os entrevistados direcionaram sua fala a este momento de sua
vida.
82
Sarolli Madeiras é uma madeireira de grande importância na região e possui serraria até mesmo em
outros estados. 83
SIMSON, O.R.M. Imagem e Memória In: SAMAIN, E. O Fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998, p
33. 84
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5. n 10.
1992. p 200-212.
35
Alistair Thomson em seu texto “Recompondo a Memória: questões sobre a
relação entre a História Oral e as memórias”, 1997, nos lembra dos dilemas éticos e
políticos do trabalho com História Oral:
Os profissionais de História Oral talvez achem que não têm o direito
de usar as reminiscências das pessoas para criar histórias polêmicas ou
que envolvem aspectos delicados para os narradores, e que isso
significa uma violação da confiança. Por outro lado, talvez achem que
têm um outro dever – para com a sociedade e a história –, a
responsabilidade de contestar os mitos históricos que dão poder a
algumas pessoas às custas de outras. Talvez todos os pesquisadores
enfrentem esse dilema, mas para nós, profissionais de História Oral,
ele é particularmente mais delicado porque estabelecemos um
relacionamento pessoal com nossas fontes85
.
Assim, ao trabalhar com História Oral, nos colocamos sobre dilemas éticos e
políticos mais perturbadores, que ao lidar com outros tipos de fontes. Porém é
necessário atentar para a clareza da pesquisa e nosso papel com a História.
De tal modo passo agora para a análise propriamente das entrevistas. Atentando
para os aspectos de como estas pessoas entrevistadas discorrem sobre seu passado
ligado com o desflorestamento, bem como apresentam em suas falas alguns reflexos dos
debates ambientais modernos.
Senhor Paulino Denardi nasceu em 1945 em Irakitan/ Tangará no Estado de
Santa Catarina, onde trabalhava como agricultor. Mudou-se para Rio do Salto/Cascavel
em 1964. Nesta região assim que chegou começou atuar como empregado dentro da
serraria pertencente ao senhor Liberali, que posteriormente, no ano de 1968, foi vendida
para a Sarolli Madeiras. É significante na entrevista produzida com o senhor Paulino
Denardi o valor que ele atribui à empresa Sarolli:
Entrevistadora: Antes de trabalhar na serraria o senhor trabalhava?
Paulino Denardi: Não, eu vim de Santa Catarina, nos viemos sem
nada, viemos arriscando a vida para cá e comecemos a vida ai é[trecho
retirado da entrevista] daí eu fiquei trabalhando para a Sarolli, graça a
Deus eu sai loco de bem, hoje o que eu tenho é graça a Sarolli é!86
[...] Daí o Sarolli tinha me dado a fábrica de fazer carvão, eu fazia
carvão, a mulher e a piazada faziam carvão, pra eu ganhar [um] extra,
que aonde que eu endireitei a minha vida foi isso ai! Hoje a gente tem
85
THOMSON, Alistair. Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a História Oral e as
memórias. Projeto História. São Paulo, nº 15, Abrir. 1997. p 69. 86
Ver entrevista concedida por Paulino Denardi a Daniele Brocardo. Distrito do Rio do Salto-
Cascavel/PR; residência de Paulino Denardi, 04 de dezembro de 2011, p 2.
36
alguma coisa por que eles ajudaram, a firma ajudou muito eu, e
gostam até hoje de eu, se um dia for lá no escritório da firma, a firma,
tão pronto, até esses dias precisei de uma coisinha fizeram até a preço
de custo pra mim, eles gostam muito, muito de mim. Quando eles
precisam de um funcionário lá pra fazenda deles, eles me ligam aqui:
“Paulinho me arruma uma pessoa boa pra...” até tem um [trecho
incompreensível] que tá até lá, o Mineiro veio domingo passado aqui,
que saiu daqui comigo e tá na firma até hoje, por que ele tá na firma?
Por que era funcionário meu, funcionário do Paulinho eles não
mandam embora por que: “o que, que vamos fazer com o Mineiro?” o
que vamos fazer com o Mineiro pai? - “não o Mineiro vamos deixar é
funcionário do Paulinho”. Então a gente se orgulha por que, eles
reconheceram, quando saímos daí ele disse: - “não, vamos te dar 13
alqueires de terra, por que você ajudou nós crescer”. Sempre pobre e
eles eram pobre também, cresceram, a Sarolli cresceu. O Fernandes
também pode saber, que o Fernandes sabe, acho que até essas partes
não sei se ele falou. Que ele vendeu pra Sarolli em 68? É tá aqui em
68. De lá pra cá até aposentar. [...]87
Neste trecho e em outros momentos da entrevista, o senhor Paulino Denardi
apresenta sua condição de “funcionário” da empresa Sarolli, tendo com esta uma dívida
de gratidão. E entende também que a empresa o valoriza mesmo depois de não trabalhar
mais para ela. Além disso, Denardi se mostra preocupado em saber o que o senhor
Liberali havia falado em sua entrevista (Por saber que Fernandes Liberali tinha sido
entrevistado antes) O que ajuda entender, talvez, o seguinte trecho:
Entrevistadora: O senhor acredita que a madeira que foi retirada
assim, poderia ter sido aproveitada mais? Como o senhor vê?
Paulino Denardi: Não, nós aproveitávamos o máximo, até nós
comprava até aproveitamento da Industrial Madeireira aqui, ponta de
pinheiro, foi aproveitado tudo! Então nós não devastemos o mato, nós
deixamos o mato de pé só tiramos a madeira nobre no causo, que era
pinheiro, madeira grossa, o resto ficava tudo, daí transformou em
lavoura tudo, isso ai o que foi aproveitado no causo, a firma ta rica
que é a Sarolli, a Sarolli ta rica por que aproveitou bem.88
Ao ser questionado sobre a ação das serrarias, Denardi reage argumentando que
as madeireiras retiraram apenas as árvores próprias para a indústria madeireira. Tais
espécies (no caso o pinheiro-do-paraná) eram totalmente aproveitadas, não havia
desperdício. A “destruição” - termo que sugere o não aproveitamento econômico ou a
não preservação - do restante da vegetação teria se dado em função da transformação
87
Ver entrevista concedida por Paulino Denardi a Daniele Brocardo. Distrito do Rio do Salto -
Cascavel/PR; residência de Paulino Denardi, 04 de dezembro de 2011. Trecho retirado de uma longa fala
quando feita seguinte pergunta: Entrevistadora: E esse guincho como que funcionava? p 5-6. 88
Entrevista Paulino Denardi: op. cit. p. 18.
37
das áreas de mata em áreas agrícolas. Assim, argumenta em favor de uma ação
consciente por parte das madeireiras. Talvez esta resposta esteja relacionada ao desejo
de não “falar mal” da empresa que trabalhou por 29 anos de carteira assinada como ele
mesmo afirma no seguinte trecho:
Entrevistadora: E também era da Sarolli lá em Corbélia?
Paulino Denardi: Tudo da Sarolli, nunca, eu trabalhei 29 anos com a
Sarolli, 29 anos só de, sempre com a Sarolli, aposentei na Sarolli.89
Michael Pollak em seu texto “Memória Esquecimento, Silêncio”, fala dos casos
de silenciamento, nos dizendo que o silêncio “[...] tem razões bastante complexas”, mas
para que uma pessoa possa relatar sua vida ou seu sofrimento “[...] precisa antes de mais
nada encontrar uma escuta”90
.
O que se percebe no trecho em que o senhor Denardi afirma que a madeira
retirada foi aproveitada no máximo, talvez seja um caso de silenciamento, aqui
provocado não pelo fato de não ter uma escuta, mas pelo desejo de não atestar a
responsabilidade pelo desmatamento da região às serrarias, no caso à Sarolli, que
contribuirá para sua vida pessoal, além do trabalho91
.
Na última parte de seu texto Pollak, fala como nós, os historiadores, devemos
nos posicionar diante da memória, pois por vezes a pessoa que silencia o seu passado
por acreditar que isso é o melhor para ela no momento vivido, isso não significa ser um
esquecimento. Significa que a memória mesmo que individual não é inseparável da
organização social da vida, que autoriza alguns grupos a falar sobre um fato em
detrimento de outros grupos92
.
Assim, o senhor Denardi quando respondera outras perguntas que foram feitas
ao longo da entrevista nos deixa transparecer outras concepções sobre a ação das
serrarias, o que pode ser percebido no seguinte trecho:
Paulino Denardi: [...] Pra serrar ela, por que era tora, tora grande que
você não tem noção das toras, se aparecesse, mas era tora de 1 metro
de grossura de 5,5 metros de comprimento, era um monte era uma
coisa! Tem um binóculo que tem as tábuas serrando, aquilo até seria
89
Id. Ibid., p. 5. 90
POLLAK, Michael. Memória Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
1989. p 6. 91
Id. Ibid., p. 6. 92
Id. Ibid., p. 14.
38
bom até pra você ver, era um binóculozinho aquilo lá custava até pra
mandar revelar aquilo, para você ter noção do que era uma serraria.
[...]93
Podemos perceber outras percepções sobre a ação das serrarias. Paulino Denardi
afirma que a entrevistadora não tem noção do tamanho que eram as toras retiradas da
mata, nem do que seria uma serraria e que seria para isso interessante revelar uma
fotografia que ele tem em um binóculo, não encontrado durante a entrevista para ser
demonstrado.
Isto pode significar que a entrevistadora (eu- Daniele Brocardo), como
representante das futuras gerações, com nascimento posterior a este período de grande
extração de árvores na região. Provavelmente não conseguira ter a chance de ver tão
imensas exuberâncias de madeira e do tamanho que eram estas árvores cortadas, como
afirma: “[...] mas era tora de 1 metro de grossura de 5,5 metros de comprimento, era um
monte era uma coisa! [...]” 94
.
No seguinte trecho podemos entender uma afirmação diferente do senhor
Denardi em relação à ação das serrarias:
Entrevistadora: Que madeira que era derrubada?
Paulino Denardi: Era só pinheiro, pinheiro e depois que passou, que
acabou o pinheiro nós passamos a compra mato de madeira de lei,
onde compremos 100 alqueires do Liberali, tio do Fernandes, do
falecido Henrique Liberali. Madeira de lei e daí uma serraria serrava
pinheiro e a outra serraria aqui serrava madeira de lei. [...]
[...] Aqui era uma serraria, era uma serraria do alemão e aqui, deixa eu
me localizar bem aqui, tá, aqui era a serraria velha que nós
serrávamos madeira de lei, mas aqui não era no tempo da madeira de
lei, já era Pinus, só Pinus aqui. Daí era o alemão que serrava, o
Liberali arrendou pro alemão isso aqui. Essa é aquela casinha que tá
do lado aqui, e veio o avião e bateu a foto pensou que era tudo nosso
esse aqui era o caminhão do Evandro que tava ali na frente da casa e o
meu tá na garagem aqui, se enxerga male mal.95
(grifo meu)
Quando perguntado que espécie de árvore era derrubada, Paulino Denardi
argumenta que no início “era só pinheiro”, mas quando este já estava escasso, passou-se
93
Ver entrevista concedida por Paulino Denardi a Daniele Brocardo. Distrito do Rio do Salto -
Cascavel/PR; residência de Paulino Denardi, 04 de dezembro de 2011. Trecho retirado de uma longa fala
quando feita seguinte pergunta: Entrevistadora: E esse guincho como que funcionava? p 5. 94
Ver entrevista concedida por Paulino Denardi a Daniele Brocardo. distrito do Rio do Salto -
Cascavel/PR; residência de Paulino Denardi, 04 de dezembro de 2011. p 10 95
Id. Ibid., p 6-7.
39
a derrubar também outras espécies. Portanto, Denardi evidencia que não fora só o
pinheiro-do-paraná a única espécie cortada pelas madeireiras.
Na sequência desta mesma fala ao descrever uma fotografia da região onde
funcionavam as serrarias, argumenta que já não era mais serrado madeira de lei e sim
Pinus, “mas aqui não era no tempo da madeira de lei, já era Pinus”.96
Isto nos ajuda a
pensar que para manutenção das serrarias já é necessário o plantio de árvores, pois
provavelmente as árvores originárias da região, já não existiam em número satisfatório
para serem usadas nas serrarias. Mas ao lermos o trecho a seguir poderemos perceber
que a ação das madeireiras não ocorrera de forma tão consciente:
[...] Hoje tem árvore ali no meio do mato onde é a minha terra, até
esses dias falei pro operador da máquina, me desenterrar uns angicos,
que angico não apodrece, tá ali a par da estrada, aonde que vai pra
baixo, tem duas estradas, uma que sobe assim. Tem madeira enterrada
ali, de tanto tempo que fico no meio do mato, que daí vencia o
contrato nós era obrigado a tirar, entende? Nós chegava, aqui pra cima
de minha terra tinha uns 4 alqueires, 5, que era cheio de madeira, tinha
10 mil cúbicos de madeira estocada, daí nós comprava era tudo da
colônia, eles tinham os caminhãozinho deles, os colonos tudo, nós
comprava, daí eu ia media pagava eles e deixava estocada.[...]97
Neste trecho o senhor Paulino Denardi afirma existir até hoje madeiras
enterradas em sua propriedade, que recebeu da Sarolli e onde antes funcionava a serraria
desta empresa. Complementa dizendo que estas madeiras tinham que ser retiradas e
cortadas rápido, mesmo que depois ficassem abandonadas ao ponto de serem enterradas
pela ação do tempo. O que contradiz sua fala de que a serraria aproveitou no máximo
toda a madeira retirada do mato.
No seguinte trecho da fala do senhor Paulino Denardi também nos é apresentado
outra relação com ação das madeireiras e sua própria ação enquanto funcionário de tal
empresa:
[...] Quando foi feito, acho que vocês nem nascido não eram, o
primeiro Show Rural [evento provido pela empresa Coopavel], foi
feito aqui perto do Posto Sábia [referindo-se a um posto de
combustível de Cascavel], ali que é hoje, era da antiga madeireira
aquilo lá hoje é do Carlos Sbaraini, vocês [trecho inaudível] pro lado
de cima ali não tem uma firma grande ali? Ali foi, eu vendi toda a
96
Id. Ibid., p. 6-7. 97
Ver entrevista concedida por Paulino Denardi a Daniele Brocardo. Distrito do Rio do Salto -
Cascavel/PR; residência de Paulino Denardi, 04 de dezembro de 2011. Trecho retirado quando feita
seguinte pergunta: Entrevistadora: E daí ia para onde essa outra madeira? p 10.
40
madeira de 15 centímetros e de 4 centímetros por 4 metros pra fazer as
mangueiras pra cercar, aquele tempo, aonde que nós destruímos todas
as perobas, aquele tempo e mais foi feito peroba pra fazer [inaudível]
de estrada de ferro, foi vendido muito [inaudível] de estrada de ferro. Vendia, mas não pra aqui só, ia pra fora, pra São Paulo, Rio, no
Paraná onde que precisava, eu sei que vendia de tudo o que era tipo de
madeira. E essa madeira mole maior parte foi pra Ribeirão Preto pra
fazer, fábrica de porta e janela, que antigamente não tinha esse
negócio de porta de compensado, era tudo porta trabalhada, má
madeira de lei, que nem essa ai de cedro no caso [apontando para a
porta de sua residência], então a madeira de lei se vendia, por que o
cedro era pra móveis, por que móveis era famoso naquele tempo o
cedro, era a melhor madeira, é que nem o mogno hoje no Mato
Grosso, que não existe mais também, não sei se você escutou uma
reportagem hoje de manhã, quem planta mogno africano, não sei em
quantos anos aquilo, ele com 30 alqueires acho que era, 30 alqueires
não sei quantos milhões ele ganha, 14, 15 milhões, bilhões,
[conversando com seu irmão], dez anos, não sei, só sei que é[...]. Hoje
não tem mais isso ai! 98
(grifo meu)
Neste trecho Denardi faz uso do termo destruição, o que pode significar
devastação, ruínas e extermínio, além disto, apresenta um sentimento de culpa, pois ele
afirma “aonde que nós destruímos todas as perobas”, o que nos indica ainda, que apesar
de ter defendido a ação da serraria com uma ação consciente, não a enxerga somente de
tal modo99
.
Na continuação de sua fala ao indicar o destino da madeira e o que era feito com
ela, também nos deixa transparecer outra percepção, “Hoje não tem mais isso ai!”, se
referindo a móveis feitos de madeira de lei. Esta fala de Dernadi pode indicar a
nostalgia, mas também percepção sobre a mudança que ocorreu. A qual não se tem mais
possibilidade de portas ou móveis, produzidos em fábricas serem em sua maioria
fabricados com madeira de lei. Já que não existe mais quantidade destas árvores
suficientes para tal uso.
Esta percepção de mudança sobre os usos da natureza, que aparece na fala do
senhor Denardi, pode ser encarada como recente, já que ele sujeito de seu tempo,
provavelmente só começara a perceber esta mudança recentemente, o que podemos
considerar a partir da seguinte fala:
Entrevistadora: Como que era realizado o transporte da madeira até a
Argentina?
98
Ver entrevista concedida por Paulino Denardi a Daniele Brocardo. Distrito do rio do salto -
Cascavel/PR; residência de Paulino Denardi, 04 de dezembro de 2011. Quando feita seguinte pergunta:
tinha bastante canela?p 12-13. 99
Id. Ibid., p. 12-13.
41
Paulino Denardi: Daqui do Rio do Salto a Foz do Iguaçu era por
caminhão, caminhão trucado caminhão normal quem nem hoje, pra ir
pra Argentina era com reboque e truque, a tora que vinha do mato era
com reboque antigo o primeiro, depois algum fim de semana se
quisesse o caminhão que era empreiteiro do mato, fosse levar uma
carga de madeira pra Foz quando tava chovendo, ele ia e a maior parte
pagava frete a firma tinha três caminhões que puxava. Nem uma foto,
vê como é que é, nem uma foto não foi batido, os caminhão reboque
carregado, descarregando tora. Aquele tempo não dava que nem hoje,
que hoje você tá indo e tão filmando, naquele tempo não, naquele
tempo só pensava em trabalhar era só trabalhar, ninguém, ninguém
lembrava dos tipos de[...] se tu tivesse [parece mudar de assunto
quando seu irmão puxa outro assunto] cabinho de vassoura nós tinha
de amarar, mandavam amarrar, tinha as mulher que amaravam por dia,
pagava por dia, tinha 4, 5 mulher que amarava cabo de vassoura, dava
7 por 7 dava 49 cabo de vassoura amarada, feixinho quadrado que daí
não pode pegar na mão que sai muito cabo de vassoura, nossa
senhora.100
( grifo meu)
Chama a atenção o momento em que o senhor Denardi se queixa de não possuir
uma fotografia do transporte de madeira, que serviria, provavelmente, como documento
para demonstrar o que estava dizendo. Apesar de que naquele período fosse mais difícil
o acesso a instrumentos fotográficos, não houve nenhuma preocupação em deixar
registros imagéticos do transporte de madeira, o que pode ser entendido como uma
percepção naquele período histórico imediato que este tipo trabalho não teria fim na
região.
Esta percepção também pode ser averiguada nas imagens demonstradas pelo
senhor Denardi ao longo de toda a entrevista. Já que nenhuma das fotografias foi
produzida com a intenção de evidenciar a ação das serrarias. Estas fotografias
retratavam seus familiares e amigos. O retrato da ação das serrarias aparece em meio ao
cotidiano e não como algo extraordinário.
O outro entrevistado é o senhor Fernandes José Liberali, nascido em Canela/RS,
no ano de 1933, antigo proprietário de serraria em Cascavel. Liberali veio de Santa
Catarina com sua família, onde já possuía uma serraria:
Entrevistadora: Depois que foi retirada essa madeira, na terra que era
do senhor foi feito um reflorestamento, foi plantada alguma árvore?
Fernandes José Liberali: Não. Foi destocado e feito lavoura, como
no geral na nossa região, era tudo pinhal. Tudo essas lavouras essas
que às vezes da Industrial Madeireiras, do Sarolli. Tudo essas
madeireiras que tinha antigamente, hoje tudo lavoura, foi tudo tirado
100
Ver entrevista concedida por Paulino Denardi a Daniele Brocardo. Distrito do Rio do Salto -
Cascavel/PR; residência de Paulino Denardi, 04 de dezembro de 2011. p 14.
42
os pinheiros, depois fico só as madeiras entro a, aquele negócio para
destoca a madeira, destoca a terra. Então foi com o trator de esteira,
então entrava.
Gilmar Liberali: Ai sim removia toda a mata.
Fernandes José Liberali: Hein?
Gilmar Liberali: Ai removia toda a mata, até então só cortava só o
pinheiro o restante da mata ficava.
Fernandes José Liberali: E depois então, mais adiante quando o
pinheiro fico pouco, daí ficou meio escassa a madeira ai entrou meio
pareio, daí tudo que, o que dava uma certa grossura as madeiras de
dava, daí derrubava tudo; era cedro, era canela, era amarelinho, era
peroba, cabriúva, tudo o que tivesse era tudo feito tora.
Gilmar Liberali: Mas isso já na década de 70 já, é?
Fernandes José Liberali: É eu comecei em 1972.
Gilmar Liberali: É na década de 70, na verdade foi por causa da
destoca, tirava tudo daí vendia a madeira para pode limpa a terra.
Fernandes José Liberali: É nós fazia lenha com uma parte da
madeira, fazia lenha de metro para caseiro para vender ou pro [para o]
secador de cereais, fazia lenha de, [falha na gravação] para cereais. E
daí nós vendia essa madeira aí, derrubava e cortava, mas já com
motosserra já em 1970. Com motosserra cortava tirava de metro e
depois então que tirava essa madeira. Então a gente pagava quem
tinha, os dono de trator de esteira, então entrava lá para arrancar, que
tu arrancava tudo aqueles toco limpava tudo em leirava eles. Primeiro
arrancava tudo essa madeira, os tocos que ticavam na terra, roçava
tudo eles amontoava aquelas ponta de galhada de madeira que a gente
derrubava e ficava só a parte mais grossa. Que aquela parte mais fina,
os galhos ficava. Então depois que tava tudo ali no chão, que tinha
destocado arrancado os tocos, então eles em leiravam. Em leiravam
de, no começo de qualquer jeito, depois então começo onde era
[inaudível] de atravessado assim pra segura água, para não dá tanta
erosão e.
Gilmar Liberali: Meio em nível daí.
Fernandes José Liberali: Daí tinha as vezes tinha as vezes vinha a
nivelando ela, pra quando chovia bastante a água chegava ali ela não
escoria e não levava embora a terra, onde a gente preparava a terra,
fazia aquela erosão. Então fazia aquelas leiras101
, depois a gente foi
queimando fazendo, desmanchando elas leiras ali, desmanchemos
tudo essas leiras.
Gilmar Liberali: Apodrecendo, foi apodrecendo esses restos de leira.
Fernandes José Liberali: Foi apodrecendo, queimando às vezes de
duas fazia uma e foi limpando. A gente pegava o trator, o trator
pegava o trator de novo e nos mexia, então de duas ou três fazia uma
só, aqui no meio e colocavam fogo. Até acabar, que hoje não tem
mais, hoje não tem, nem para faze lenha para fogão, nessas lavouras,
essas leiras acabou tudo foi tudo queimada.
Entrevistadora: Essas que sobravam então não eram para serraria,
era só para fazer, eram só as lenhas?
Fernandes José Liberali: Eram só os tocos, já tinha passado a época
da serraria, já era o que tinha ficado lá no mato. Era, porque a gente
tinha tirado os pinheiros, tinha tirado a madeira, tinha ficado no mato.
101
O termo leiras é usado no contexto da entrevista para definir elevações em linhas na terra, sendo
preparadas com resto de vegetação, (raízes, troncos, galhos, etc.) após a derrubada da mata. Serve para
conter a erosão da água da chuva na plantação.
43
Gilmar Liberali: O restante da vegetação e os tocos das árvores. 102
O senhor Fernandes Liberali afirma que não houve uma preocupação com o
reflorestamento, por parte de nenhuma empresa e que “onde hoje existe lavoura era tudo
mato, de pinheiros”, depois junto ao seu filho complementa, “tudo que tinha certo
tamanho era cortado”. Estes trechos da fala de Fernandes contrapõem duas outras fontes
aqui já citadas, o livro do Sperança ao afirma que a Industrial Madeireira por conta
própria já reflorestava103
e a fala do senhor Paulino Denardi, na qual diz que as serrarias
não foram responsáveis pelo fim da mata, já que só cortava os pinheiros.104
O trecho da fala Fernandes Liberali, também nos ajuda perceber que a extração
das árvores ocorrera em diferentes momentos: primeiro só se extraia o pinheiro, depois
outros tipos de árvores, como afirma Liberali, “[...] Mais adiante quando o pinheiro fico
pouco, daí ficou meio escassa a madeira, aí entrou meio pareio, daí tudo que, o que dava
uma certa grossura as madeiras de dava daí derrubava tudo; era cedro, era
canela,[...]”105
. E após quando já havia possibilidade de aproveitar para indústria
madeireira as árvores que haviam sobrado na terra usava-se o trator de esteira, e como
completa Gilmar Liberali, “Ai sim removia toda a mata” 106
, esta madeira ainda era
vendida pelas serrarias para fazer lenha e o restante que sobrava ficava na terra, sendo
usada para fazer leiras.
Fernandes José Liberali salienta que foi na década de 1970 com o advento do
motosserra que aumentara o volume de madeira serrada: “É, nós fazia lenha com uma
parte da madeira, fazia lenha de metro para caseiro para vender ou pro [para o] secador
de cereais, fazia lenha de, [...] mas já com motosserra já em 1970”. Além disto, Liberali
nos informa que neste período a madeira não tinha mais a utilização para fins de
exportação, porque provavelmente a vegetação que restava já não apresentava tamanho
suficiente para serem usadas pare este fim.
A fala de Liberali ainda nos diz que as leiras, feitas com resto da vegetação -
raízes, tocos, galhos - que tinha sido cortado e ficara na terra, foram usadas para “[...]
segurar água, para não dá tanta erosão [...]”, foram usados então para conter a água da
102
Ver Entrevista concedida por Fernandes José Liberali e Gilmar Liberali a Daniele Brocardo.
Cascavel/PR, residência de Fernandes José Liberali 02 de abril de 2011.p 16-17. 103
SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 176. 104
Ver entrevista concedida por Paulino Denardi a Daniele Brocardo. Distrito do Rio do Salto -
Cascavel/PR; residência de Paulino Denardi, 04 de dezembro de 2011. p 18. 105
Entrevista Fernandes José Liberali e Gilmar Liberali, op. cit., p. 17. 106
Id. Ibid., p. 17.
44
chuva evitando assim, a erosão de terra. O interessante é pensar que as árvores foram
cortadas pelas madeireiras e o que não tinha valor comercial, como os galhos, foram
abandonados no meio do mato e depois foram usados para conter a erosão da terra -
uma das consequências do desmatamento.
Outro trecho da fala de senhor Fernandes apresenta a noção que estas madeiras
retiradas não foram aproveitadas. Além disto, reclama da falta de madeira que se tem
hoje, pois não haveria lenha “nem para fazer fogo,” expressão que sugere a
permanência de uma noção utilitária da natureza.
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por entender que este processo se apresenta enquanto parte da memória sobre o
município, o presente trabalho buscou pensar as questões relacionadas à ação das
madeireiras, junto ao processo de desmatamento, no município de Cascavel/PR, entre as
décadas de 1950 a 1970.
Procurou-se, assim, com a utilização de diferentes fontes, investigar quais seriam
as diferentes percepções sobre tal período histórico. Cabe dizer que as fontes não foram
tratadas de maneira hierarquizada ou em uma relação binária, fontes verdadeiras e
fontes falsas, mas sim como diferentes percepções sobre o passado.
A partir das entrevistas e dos livros de Sperança, pude perceber que se construiu
no município de Cascavel um discurso sobre a ação das madeireiras que pouco leva em
conta os impactos ambientais desta ação, valorizando mais os chamados benefícios
causados por esta ação, como o advento da agricultura, o “desenvolvimento”
econômico, etc.
Deste modo, Alceu A. Sperança em suas obras constrói sua narrativa de forma a
justificar e dar destaque a ação das madeireiras no município de Cascavel. Apontando
que a retirada da “madeira” foi o que proporcionou o impulso econômico para a região,
considerando a ação das madeireiras como um elemento de fundamental importância
para formação e consolidação do município de Cascavel. Assim, o autor deixa de
considerar quais foram as outras consequências para a região a partir da exploração da
madeira de forma rápida, como os problemas ambientais causados pelo desmatamento e
a exaustão dos recursos naturais.
Apesar de haver no município esta legitimação sobre a ação das madeireiras, é
possível perceber que os discursos ambientais contemporâneos, que trazem a noção que
a ação humana pode degradar o mundo natural, ao ponto de causar sua destruição107
,
começam a ser incorporados nas memórias deste período, até mesmo por quem atuara
diretamente nas madeireiras, o que foi compreendido a partir da análise das entrevistas.
Todavia, das percepções analisadas, sobre a ação das madeireiras na região de
Cascavel, as entrevistas e as obras de Sperança, não foi constatado em nenhuma delas,
107
PÁDUA, José Augusto. As Bases Teóricas da História Ambiental. Estudos Avançados. Nº24
Fevereiro 2010. p 83
46
um entendimento que evidencia a noção de perca de biodiversidade regional, causada
pela a ação das serrarias.
Gostaria de observar que este trabalho não tinha como objetivo relatar a história
da ação das indústrias madeireiras na região do município de Cascavel, isto caberia mais
dentro de um estudo econômico, não sendo este o objetivo presente aqui.
O objetivo deste trabalho também não era saber qual percepção sobre a atuação
das madeireiras é mais correta, mas perceber se ocorreram mudanças sobre esta
percepção a partir das novas perspectivas sobre a natureza. Considero que para uma
conclusão mais abrangente sobre os efeitos da ação das madeireiras na região e outras
percepções possíveis sobre esta ação sejam necessários novos trabalhos.
Entre as possibilidades de dar prosseguimento a essa pesquisa, visualizo a
realização de novas entrevistas com mais pessoas, permitindo de tal modo, outras
percepções sobre ação das madeireiras no município de Cascavel e região Oeste do
Paraná. Além destas fontes, a pesquisa pode se utilizar de fontes impressas, como os
jornais, procurando perceber quais informações que estes disponibilizavam sobre a ação
das madeireiras no período estudado. Ou ainda com a utilização das fotografias do
acervo do Museu da Imagem e Som (MIS) do município.
47
FONTES:
Orais:
Entrevista concedida por Fernandes José Liberali e Gilmar Liberali a Daniele Brocardo.
Cascavel/PR, Residência de Fernandes José Liberali 02 de Abril de 2011.
Entrevista concedida por Paulino Denardi a Daniele Brocardo. Distrito do Rio do Salto-
Cascavel/PR; Residência de Paulino Denardi, 04 de dezembro de 2011.
Impressas:
BRESOLIN, H.F. Eixo Oeste, edição especial do jornal. Folha de Londrina, sem data.
Empresa Bresolin Disponível em http://www.bresolin.com.br/form.swf.
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SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992.
SPERANÇA, Alceu. Cascavel 50- Livro de Ouro. Cascavel: Gráfica Tuicial, 2002.
Recorte de um anúncio de jornal, produzido pela prefeitura para divulgar as empresas,
os comércios e profissões existentes na cidade, data de produção o ano 1957. Ele se
encontra no acervo do Museu da Imagem do Som de Cascavel (MIS) de forma
impressa e digital.
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SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p 198.
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11/11/2011
51
DECLARAÇÃO DE AUTORIA
EU DANIELE BROCARDO, DECLARO PARA OS DEVIDOS FINS QUE
O CONTEÚDO DESTE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO É DE
MINHA EXCLUSIVA AUTORIA, ASSUMINDO, PORTANTO TOTAIS
DIREITOS E RESPONSABILIDADES SOBRE ELE.
DANIELE BROCARDO.
ASSINATURA,
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