Paulo Victorino
CAPÍTULO ONZE
OS "PRACINHAS" NA GUERRA
A COBRA FUMOU NA ITÁLIA
Com a conquista de Monte Castelo, após tantas tentativas
frustradas, o moral das tropas brasileiras estava, finalmente,
restabelecido e, ato contínuo, os “pracinhas” se dedicaram a outra
missão igualmente importante, que era resgatar os corpos dos 14
companheiros que ficaram insepultos quando da derrota de 12 de
dezembro de 1944, os quais se achavam espalhados pelas
encostas, cobertos de neve, em terreno minado. Deu muito
trabalho, mas a missão foi cumprida. E, mais que tudo, estava dada
a resposta aos comandantes americanos que insistiam pelo
afastamento do Brasil dos campos de batalha. Monte Castelo já
estava conquistado pelos brasileiros, enquanto que, até aquele
momento, os americanos, com sua 10ª Divisão da Montanha, ainda
não haviam conseguido dominar um alvo mais fácil que lhes foi
atribuído, o Monte della Torraccia.
O Decreto nº 10.358, de 31 de agosto de 1942, declarando Estado de Guerra
em todo território nacional seria mera peça de retórica, se a ele não se
seguissem medidas efetivas objetivando a participação do Brasil no esforço
conjunto para deter as ambições do Eixo, que pretendia estender seu império a
todos os quadrantes do globo terrestre.
Foi do próprio presidente Getúlio Vargas a declaração, feita em 31 de
dezembro do mesmo ano, de que o Brasil forneceria tropas em quantidade para
marcar presença no combate ao inimigo, do outro lado do Atlântico.
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Com efeito, a posição do Brasil perante a comunidade mundial, e diante dos
próprios brasileiros, era, naquele momento, deveras embaraçosa. Ao abrir seu
território para a instalação de bases de guerra norte-americanas, sem
efetivamente participar do conflito, o país ganhou uma feição de terra ocupada.
Assim, pois, enviar uma força expedicionária para combater, par a par com
os Aliados, era importante para dar uma satisfação à opinião pública nacional e
internacional, assim como aos militares, que estavam, de há muito,
inconformados com a passividade aparente de nosso governo.
Nesse propósito, alguns atos públicos selam os entendimentos entre Brasil e
Estados Unidos. Em 12 de setembro de 1942, a Marinha de Guerra brasileira é
posta sob o comando do almirante americano Jonas Ingram, integrando-se ao
esforço conjunto de guerra.
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No dia 29 do mesmo mês, vem ao Brasil, para inspeção, o secretário da
Marinha dos Estados Unidos, Frank Knox. Em 25 de janeiro de 1943, após
participar da Conferência de Casablanca, o presidente americano não volta aos
Estados Unidos, mas viaja diretamente para a base militar americana em Natal,
Rio Grande do Norte, onde se encontra com Getúlio Vargas, que está
acompanhado do embaixador americano Jefferson Caffery, do almirante Jonas
Ingram, acima citado, e do chefe da Missão Naval americana, Augusto
Beauregard, onde são discutidos assuntos relativos à defesa das nações
ameaçadas pelo Eixo.
Treinamento de oficiais
Desde os primórdios, nossas forças militares vinham sendo treinadas por
missões militares franceses, incutindo, tanto no Exército quando na Marinha,
uma filosofia tipicamente europeia, não só nas táticas operacionais como no
conceito de segurança nacional. O acordo com os Estados Unidos veio provocar
um giro de 180 graus nesses conceitos.
Militares em postos de comando (ainda não generais, mas sim oficiais
superiores), como Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, Humberto de Alencar
Castelo Branco, Floriano de Lima Brayner e Amauri Kruel viajaram para o Fort
Leavenworth, onde ficava a Escola de Comando e Estado Maior americano, para
participar de cursos de atualização.
A partir daí, o conceito francês de guerra em trincheiras foi substituído pela
tática de avanços rápidos e fulminantes, típico da escola americana. As marchas
da Infantaria eram substituídas pelo transporte motorizado de soldados. Quanto
ao uso de cavalos, ainda em voga nos exércitos, era desaconselhado, a não ser
em casos muito especiais.
O contato com novo material bélico deu aos comandantes brasileiros a noção
de que o armamento brasileiro se tornava inútil para a guerra, dado que os
Estados Unidos haviam padronizado o uso de armas de 105 mm e 155 mm., de
que não dispúnhamos.
Assim, nossos soldados deveriam ir à Europa desarmados e lá receberiam
as armas apropriadas e o treinamento adequado, antes de serem incorporados
ao Exército americano.
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Mãos à obra!
O próximo passo é a formação da Força Expedicionária Brasileira (FEB). O
ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, pretendia criar um efetivo de 5 divisões,
com 25 mil homens cada uma, mas acabou se rendendo à realidade.
A situação financeira do país e a impossibilidade de os Estados Unidos
absorverem todo esse contingente conteve a audácia e o total de nossas forças
se reduziu a uma única divisão, com 5 escalões de 5 mil homens cada um.
Para sermos precisos, o Brasil enviou à Guerra, com a Força Expedicionária
Brasileira (FEB), 25.334 soldados e oficiais. Além destes, foi também um
contingente da Força Aérea Brasileira (FAB), principalmente para missões de
reconhecimento. E, é claro, seguiram também, médicos, enfermeiras e pessoal
de apoio de retaguarda.
Enquanto a FEB adotou o dístico A Cobra Fumando, a FAB criou outro dístico
com a expressão Senta a Pua.
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Se os oficiais eram quase todos da ativa do Exército, cerca de metade dos
soldados eram reservistas, convocados para servir a pátria nesse grave
momento. A convocação se deu em todos os Estados, mas principalmente no
Rio de Janeiro e São Paulo, que forneceram os maiores contingentes.
Todos os Estados brasileiros, com exceção do Maranhão, tiveram alguns de
seus filhos sepultados no cemitério de Pistoia, Itália. Ao final, foram 443 homens
que deixaram sua pátria para nunca mais voltar. A FAB, que atuou não só na
Itália como no sul da Áustria, perdeu 8 aviadores em combate.
Para comandar a 1ª Divisão de Infantaria foi indicado o general João Batista
Mascarenhas de Morais, já então com 60 anos de idade. Ao todo, o Brasil
preparou cinco escalões de embarque, que partiram nas seguintes datas:
02.07.44 – 1º Escalão, comandado pelo general Zenóbio da Costa;
22.09.44 – 2º Escalão, comandado pelo general Cordeiro de Faria;
22.09.44 – 3º Escalão, comandado pelo general Olímpio Falconiere;
23.11.44 – 4º Escalão, comandado pelo coronel Mário Travassos;
08.02.45 – 5º Escalão, comandado pelo coronel Iba Jobim Meireles.
Os dois primeiros escalões seguiram no navio de transporte General Mann e
os demais no General Meigs. Todos eles foram escoltados até o estreito do
Gibraltar por belonaves americanas e destroieres brasileiros. Uma vez no mar
Mediterrâneo, essa escolta passou para a responsabilidade de navios
americanos e ingleses.
Quanto ao pessoal de apoio (médicos, enfermeiros, etc.), este seguiu por via
aérea.
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Durante a guerra, a FEB esteve incorporada ao 5º Exército Americano,
comandado pelo general Mark Clark. Durante todo o tempo, operou em
coordenação com o 4º Corpo do 5º Exército, comandado pelo general Willis
Crittenberg. É com este último que mantínhamos contato permanente e era dele
que emanavam as ordens de comando.
Nova vida em terra estranha
O embarque do 1º Escalão se faz no mais absoluto segredo. As janelas dos
vagões ferroviários são vedadas para isolar o contato com o mundo exterior e os
soldados recebem a informação de que estão sendo transferidos para outro
campo de treinamento.
Tudo era disfarce. Quando se deram pela conta, estavam no porto do Rio de
Janeiro, embarcando no navio-transporte americano General Mann. Antes da
partida, Getúlio Vargas vai a bordo para deixar-lhes uma palavra de despedida.
E só. Não houve sequer oportunidade de se despedir dos parentes, que só
souberam da viagem quando o navio já ia em mar alto.
A bordo, para surpresa geral, ia também o comandante da 1ª Divisão de
Infantaria, general Mascarenhas de Morais, com seu estado maior. Na prática,
era ele o comandante em chefe de toda a Força Expedicionária, dono da
situação e senhor único de um segredo, que lhe fora passado pelo general
Kroner, adido militar americano.
Só ele, e mais ninguém, nem o general Zenóbio da Costa, que comandava o
escalão embarcado, sabia qual o porto de destino da embarcação.
Assim, a preocupação se instalou a bordo quando o navio ignorou todos os
portos do Norte da Itália, onde se achava o campo de guerra, rumando para o
Sul.
Há algum tempo, os Estados Unidos insinuaram a possibilidade de fazer o
treinamento dos pracinhas no Norte da África, bem distante do campo de
batalha, transformando a FEB em uma força de contingência, a ser usada no
decorrer da guerra, se isso se tornasse imperioso.
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Foi um período de tensão e de angústia, até que o general Mascarenhas de
Morais tranquilizou a todos, esclarecendo que o desembarque se daria em
Nápoles, ao Sul da Itália, por razões de segurança.
Nem por isso, as coisas ficaram mais fáceis. Chegando a Nápoles, numa bela
manhã de sol, os soldados não encontraram os caminhões prometidos para o
deslocamento até o Norte do país. Informou-se, então, que o transporte estaria
disponível em Agnano, a trinta quilômetros de distância, percurso que teve de
ser feito à pé.
As distâncias > Nápoles (local de desembarque), Agnano (local de
concentração) e o Norte da Itália (campo de guerra)
Foi assim que, caminhando em passo de estrada, desarmados, e com
fardamento semelhante ao dos nazistas, os soldados brasileiros chegaram até a
ser confundidos pelos moradores como se fossem prisioneiros de guerra.
No local de destino, outra surpresa os esperava. Os brasileiros não levaram
barracas de campanha já que os americanos asseguraram o suprimento delas
na Itália. Mas ali, não havia barracas para o alojamento.
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Esses foram os primeiros maus momentos de uma campanha que lhes
reservaria, ainda, muitas outras surpresas.
Prontos para a luta
Diga-se, a bem da verdade, que o comando americano não via com bons
olhos a participação de brasileiros na guerra, achando-os despreparados e sem
espírito de combate.
Assim, a presença da FEB no campo de treinamento de Tarquinia se deu
mais por motivos circunstanciais, do que pela vontade do comando do 5º
Exército. Com efeito, a defesa no Norte da Itália acabara de sofrer grandes
desfalques.
A França, àquela altura, havia retirado seu contingente juntando-o ao restante
do Exército francês, numa nova ofensiva para expulsar os nazistas de seu país.
A Inglaterra mandou parte de suas tropas para auxiliar os franceses e outra parte
para reforçar a linha de defesa na Grécia. Só um pequeno grupo permaneceu na
Itália.
Assim, a chegada dos brasileiros foi entendida pelos americanos como um
mal necessário, para tapar as brechas deixadas com essas perdas.
No mais, foram os pracinhas que tiveram de mostrar sua bravura e
tenacidade, nivelando-se aos mais corajosos e experientes soldados americanos
e merecendo, por fim, um registro elogioso do próprio general Mark Clark,
comandante do 5º Exército.
Talvez tenha sido melhor assim. Desacreditados ao início, tudo fizeram para
marcar sua presença de forma inequívoca. E conseguiram intento, ao
demonstrar, em coragem e destemor o que lhes faltava em experiência no
manejo das armas e nas táticas de guerra americanos.
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“Pracinhas” desembarcam em Nápoles
Em 5 de agosto de 1944, o Primeiro Escalão da FEB foi, finalmente,
incorporado ao 4º Corpo do 5º Exército e transferido para Vada, um local mais
acidentado e semelhante ao campo de batalha, onde se iniciou a segunda fase
de preparação.
Todo esse treinamento, bastante útil, não pode ser dado, mais tarde, aos
outros quatro escalões, que entraram imediatamente no combate e aprenderam
as táticas de enfrentamento já no campo de batalha, no rude confronto com os
experientes germânicos.
A cobra está fumando
Procuremos entender o contexto em que os brasileiros são postos à luta no
Norte da Itália, inteirando-nos de fatos aos quais nem os pracinhas tiveram
acesso.
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O ditador italiano, Benito Mussolini, havia sido deposto em 25 de julho de
1943, um ano antes de nossos soldados chegarem à Itália e, embora preso, fora
resgatado pelos alemães, achando-se em lugar incerto e não sabido.
Em 8 de setembro do mesmo ano, a Itália se rende, mas alguns rebeldes,
como a Divisão Bersagliari, se juntam aos nazistas, prosseguindo na guerra.
Nossa luta, pois, não era contra a Itália, mas, ao contrário, pela sua libertação,
com a expulsão dos nazistas que permaneciam em seu território. Os italianos
estavam cansados de guerra e tinham bom relacionamento com os pracinhas
brasileiros.
Os alemães, que haviam conseguido atravessar a Itália e descer até o Norte
da África, foram obrigados a recuar, deixando livre o continente africano e o Sul
da Itália, indo se alojar, agora, em posição defensiva, ao norte da península
itálica.
Chegando primeiro, os alemães tomaram as melhores posições defensivas,
no alto das montanhas. Estavam em seu poder os montes Belvedere,
Gorgolesco, Mazzancana, La Torrachia, Della Croce, Torre de Nerone,
Soprassasso, e, entre outros mais, o diabólico Monte Castelo, uma fortaleza
natural e inexpugnável.
Esse cordão de defesa era a chamada Linha Gótica, que ia desde Spezia,
no mar Ligúrico, até Rimini, no mar Adriático, cortando o país de Oeste a Leste.
Os aliados, ao contrário, se achavam nos vales, totalmente desprotegidos e
à vista do inimigo, cabendo-lhes avançar até as montanhas, para desalojar as
tropas adversárias, uma operação que exigia muita experiência, coragem e
predisposição para a morte, já que esse avanço seria feito sempre ao alvo da
artilharia germânica.
Os brasileiros eram os únicos latino-americanos a participar da guerra e
cabia-lhes cobrir um trecho da Linha Gótica numa extensão de 18 quilômetros.
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A 15 de setembro de 1944, a FEB entrou em operação, sob o comando do
general Zenóbio da Costa, em coordenação com três companhias norte-
americanas, substituindo outra força, também americana, que, por razões
internas, havia sido desligada do 4º Corpo.
Não era, ainda, o teste de fogo. Enfrentando pouca resistência, em dois dias,
foram conquistadas as localidades de Massarosa, Bozzano e Quiesia,
merecendo um telegrama de congratulações do general Mark Clark e
cumprimentos do general Crittenberg.
Prosseguindo no avanço, as armas brasileira e norte americana desalojaram
os nazistas de Monte Prano e outros locais de menor importância, seguindo
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depois para o vale do rio Serchio, em direção à importante fortaleza representada
por Castelnuovo di Garfagnana.
Estávamos já no mês de outubro e, com ele, chegava um novo inimigo: a
chuva, que enlameava os caminhos e tornava quase impossível o avanço.
A exemplo dos americanos, que possuíam um sinal de identificação na farda,
o general Mark Clark sugeriu que os brasileiros criassem seu próprio distintivo,
facilitando o reconhecimento. Coube a Sena Campos fazer o desenho que,
depois de sofrer algumas modificações, se tornou em uma serpente, com um
cachimbo na boca, encimados pelo nome Brasil.
Esse distintivo passou a ser usado em todo o fardamento da Força
Expedicionária Brasileira (FEB). Quanto à Força Aérea Brasileira (FAB), esta
passou a usar outro distico, bem mais complicado, em que entravam uma ema,
uma serpente, o Cruzeiro do Sul e a expressão "Senta a Pua".
A FEB conhece sua
primeira derrota
Enquanto isso, os alemães estavam reforçando sua posição em Castelnuovo
de la Garfagnana. Zenóbio pediu e lhe foi concedida autorização para atacar
aquele ponto, antes que o inimigo conseguisse torná-lo uma fortaleza
impenetrável.
Não obstante as chuvas que não paravam de cair, as tropas avançaram em
direção ao alvo proposto, conquistando pequenos pontos, como Lama di Soto,
Monte San Quirico e Somocolonia.
Isso foi a 30 de outubro de 1944. Os sucessos deram ânimo para o ataque
maior e fulminante a Castelnuovo, que deveria ser realizado no dia seguinte.
Mas, antes disso, os alemães contra-atacaram com todo seu poder de fogo,
obrigando os brasileiros a recuar a Somocolonia.
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Depois desse insucesso, Zenóbio permanece com a Infantaria, mas sob as
ordens de Mascarenhas de Morais, que, além de comandante em chefe da FEB,
assume em definitivo o comando da 1ª Divisão.
Os brasileiros foram transferidos, então para o vale do rio Reno a 120
quilômetros do vale do Serchio (Trata-se do Reno italiano. Não confundir com o
outro rio Reno, que nasce na Suiça, atravessa a Alemanha e deságua na
Holanda).
A essa altura, tínhamos feito 208 prisioneiros e os alemães aprisionaram 10
dos nossos. Mas o insucesso da última batalha nos custou 13 mortos e, desde
o início de nossa participação, contabilizávamos 183 feridos em acidentes e 87
em combate. A guerra começava a pesar, e não era nem uma pequena amostra
do que estava por acontecer.
Primeiro ataque a
Monte Castelo
De todas as batalhas vividas pela FEB na Itália, nenhuma se compara aos
sucessivos ataques para a conquista do Monte Castelo, e às tentativas
frustradas de desalojar os alemães daquele refúgio, que era considerado a mais
importante fortaleza de toda a Linha Gótica.
O primeiro desses ataques envolvia o complexo Belvedere-Castelo e se deu
a partir do dia 24 de novembro de 1944, sob a responsabilidade da Força-Tarefa
45, do Exército Americano, com a participação de dois batalhões brasileiros a
ela agregados. Foram três dias de insucessos e pesadas baixas, quando o
poderoso contra-ataque germânico obrigou as tropas aliadas a recuar ao ponto
de origem.
O general Crittenberguer, decidiu, então pelo deslocamento da FEB mais
para o Oeste, de maneira que a tomada do Monte Castelo passou, a partir
daquele momento, a ser responsabilidade da nossa força expedicionária, com o
apoio da aviação e de tanques americanos.
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Um novo contingente, descansado, estava sendo trazido para o campo de
batalha. Estávamos ao final de novembro e o frio do inverno que se aproximava
já era sentido pelos nossos pracinhas, acostumados que estavam ao clima
tropical.
Segundo ataque a
Monte Castelo
No segundo ataque ao Monte Castelo, que começou na manhã de 28 de
novembro, tudo conspirou contra os brasileiros. Na noite passada, as tropas
americanas foram rechaçadas do Monte Belvedere, ao lado, deixando aquele
flanco a descoberto, em poder dos alemães, o que tornava mais arriscada a
aventura.
Durante o dia todo o avanço se deu bem, tão bem que valia à pena desconfiar
que alguma surpresa estava sendo preparada. Com efeito, ao final do dia,
acelerou-se o contra-ataque alemão, acompanhado de pesados bombardeios,
obrigando as tropas brasileiras a um recuo rápido e inesperado.
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O avanço mal-sucedido deixou um triste resultado: 34 mortos e 133 feridos.
A operação toda fora planejada pelo tenente-coronel Humberto de Alencar
Castelo Branco, ao qual foram debitados os maus resultados.
O Monte Castelo permanecia um desafio e não deixava outra escolha: ou se
fazia uma nova tentativa para conquistar a fortaleza, ainda que com perdas
sensíveis em homens, ou o fantasma continuaria a perseguir os brasileiros,
minando o ânimo e dificultando, senão impedindo o ataque a outros alvos.
Terceiro ataque a
Monte Castelo
Os próximos dias foram de avaliação e, testando o poder do inimigo, houve
algumas escaramuças entre forças brasileiras e alemãs, sem que qualquer dos
lados se aventurasse a um ataque mais consistente.
Aliás, a essa altura, os alemães já compreendiam bem a importância de
Monte Castelo. Assim, sua intenção não era a de avançar, mas sim de manter,
a todo custo, essa posição privilegiada.
Informações colhidas de prisioneiros e de guerrilheiros (partegiani) davam
conta de que os alemães estavam recebendo reforços, o que tornava cada dia
mais difícil e incerta a tomada de Castelo.
Como se não bastasse, as chuvas frias e constantes enlameavam as
estradas e tornavam difícil o abastecimento. Já ocorriam as primeiras nevascas,
anunciando um inverno que, nos meses seguintes, faria os termômetros
baixarem a 20 graus negativos. E os brasileiros foram mandados para a Itália
vestindo os uniformes tropicais usados aqui no Brasil!
O novo ataque estava programado para 12 de dezembro de 1944. Nesse dia,
chuvas nublaram os céus, impedindo as incursões da Força Aérea. E muita lama,
inutilizando as estradas, impediu o avanço dos tanques, presos em atoleiros.
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Ali pelas seis horas da manhã, a artilharia americana começa a bombardear
o Monte Belvedere, enquanto tropas brasileiras avançam em direção ao pé do
Monte Castelo.
É então que a artilharia alemã se faz sentir sobre os pracinhas, em toda sua
intensidade, e com o contra-ataque vindo de todos os lados do monte. Impedidos
de prosseguir, os brasileiros receberam ordem de bater em retirada, para evitar
maiores baixas, além dos mortos e feridos já registrados naquele início da noite.
O recuo não foi bem recebido pelo comando americano, sendo opinião de
alguns de seus comandantes de que o Brasil deveria ser afastado da linha de
ataque, por falta de espírito ofensivo. Com efeito, nos meses de dezembro e
janeiro, por precaução ou preconceito, a FEB ficou apenas com tarefas menores,
acompanhando a movimentação inimiga.
Quarto ataque > Monte
Castelo é nosso!
Uma outra data foi marcada para a tomada do Monte Castelo: 21 de fevereiro
de 1945. Nas primeiras horas da manhã, a Divisão da Montanha (americana)
marchou sobre o Monte della Torraccia, ao Norte do Monte Castelo, depois de
guarnecido o Monte Belvedere e montanhas próximas a ele.
Cumprindo seu papel, a FEB, firmadas as suas posições de campo,
desfechou um formidável ataque ao Monte Castelo, movimentando toda a
artilharia e dois terços da infantaria. O ataque cerrado se prolongou pelo resto
do dia.
Às quatro horas da tarde, o posto de observação do general Mascarenhas
recebeu uma visita em peso do comando americano, incluindo o comandante do
4º Corpo, general Crittenberg e o próprio comandante do 5º Exército, general
Mark Clark.
Além de seu apoio moral, estes deixaram a recomendação para que o ataque
fosse intensificado, evitando serem apanhados de surpresa com a chegada da
noite, que favoreceria mais aos alemães, familiarizados com o local.
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Assim se disse, e assim se fez. A artilharia intensificou o bombardeio,
enquanto a infantaria avançou ao cume da montanha, que foi dominado pelos
soldados do general Zenóbio da Costa, às seis e meia da tarde. Finalmente,
Monte Castelo era nosso e iniciavam-se os preparativos para a manutenção do
ponto conquistado.
Se este foi o mais pesado de todos os ataques ao Monte Castelo, nem por
isso produziu maiores baixas que os anteriores, pelo contrário, o balanço geral
nos foi bastante favorável, com apenas 41 feridos.
Os jornais brasileiros repercutiram com júbilo à Tomada de Monte Castelo
e um exemplar de O Globo chegou até os pracinhas
Refeito o moral das tropas brasileiras, sanado o orgulho, duramente atingido
com as derrotas anteriores, os pracinhas se dedicaram a outra missão
igualmente importante, que era resgatar os corpos dos 14 companheiros que
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ficaram insepultos quando da derrota de 12 de dezembro, os quais se achavam
espalhados pelas encostas, cobertos de neve, em terreno minado. Deu muito
trabalho, mas a missão foi cumprida.
Estava dada a resposta aos comandantes americanos que insistiam pelo
afastamento do Brasil dos campos de batalha. Monte Castelo já fora
conquistado, enquanto que, até aquele momento, a 10ª Divisão da Montanha
ainda não havia conseguido dominar um alvo mais fácil que lhe foi atribuído, o
Monte della Torraccia.
Conquista de Castelnuovo
O próximo alvo a ser atingido era Castelnuovo, a noroeste do Monte Castelo,
no caminho em direção a Bolonha. O cerco foi planejado para o dia 5 de março
de 1945, quinze dias após a tomada do Castelo. Como da outra vez, a operação
envolvia a Força Expedicionária Brasileira, em conjunto com a 10ª Divisão da
Montanha.
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O cerco se iniciou pela manhã, quando o 1º Batalhão do 11º Regimento de
Infantaria obteve o controle de Precária, ao Sul de Castelnuovo. Logo depois, o
2º Batalhão domina também o Sudeste. Horas depois, os norte-americanos dão
sinal combinado para o avanço geral e o cerco vai se fechando sobre o inimigo,
de forma quase que perfeita.
Ainda assim, o general Crittenberg telefonou, reclamando do vagar com que
avançavam os brasileiros e alertando que, nesse caminhar, a noite os pegaria
ainda na luta.
Desnecessária era a reclamação. Se as tropas tiveram seu avanço retardado
pelo terreno cheio de minas, não é menos verdade que, pelas seis horas da
tarde, Castelnuovo já estava conquistado. Foram aprisionados 98 alemães, com
registro de 70 baixas em consequência de ferimentos.
Durante o restante de março, e ao início de abril, dentro da Ofensiva da
Primavera, as tropas conseguiram um avanço relativamente fácil, até se
depararem com outro alvo complicado, que exigiria novos atos de heroísmo. Era
a tomada de Montese.
A tomada de Montese
Em 8 de abril de 1945, os generais ligados ao 4º corpo se reúnem em torno
do general Crittenberg para estudarem, juntos, os planos de ataque a Montese,
a noroeste de Castelnuovo, onde era grande a concentração de tropas alemãs.
No dia 12 de abril, inicia-se um ataque conjunto em toda a região. A FEB
avança sobre Montese e Sorreto, enquanto que a 10ª Divisão da Montanha
americana persegue seu objetivo, alcançando Monte Pigna, Le Coste e Tole,
com a cobertura de aviões de combate.
Ainda que não tendo o mesmo simbolismo da conquista de Monte Castelo,
as batalhas em Montese foram árduas, situando-se entre as mais difíceis que os
pracinhas enfrentaram nos campos da Itália.
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A resistência inimiga foi feroz e infernizou a vida dos brasileiros. Se, de um
lado, conseguimos fazer 452 prisioneiros, de outro, tivemos 426 baixas,
incluindo-se nelas 34 mortos.
Igualmente heroica foi a operação da Divisão da Montanha americana. que
abriu um flanco na unidade alemã, deixando uma brecha para a passagem de
forças em direção ao Noroeste, onde se acham os Montes Apeninos.
Em Fornovo, a
consagração
É na região dos Apeninos que fica Fornovo, para onde seguem, agora os
brasileiros, com a missão de impedir o avanço da 148ª Divisão Alemã, que se
acha ali acantonada, juntamente com remanescentes da 90ª Divisão Blindada e
da Divisão de Atiradores (Bersagliari), que prosseguiram na luta junto aos
alemães, mesmo depois da rendição da Itália. Era uma força considerável,
reunindo perto de 15.000 homens em condições de combate.
Desta vez, não havia qualquer apoio externo, seja da Divisão da Montanha,
ou dos aviões de combate, ou dos tanques. A estratégia de ataque e o pessoal
envolvido era todo da FEB. O início do avanço estava programado para 28 de
abril de 1945.
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As tropas brasileiras se concentraram ao Norte, na área de Collechio, que
acabaram de conquistar, e dali partiram em três alas, atacando simultaneamente
pelo Norte, pelo Sudeste e pelo Sudoeste de Fornovo e, não obstante a
resistência enfrentada, os alemães permaneceram encurralados, mantendo sua
praça, sem condições nem de avanço, nem de recuo.
Contando com o auxílio do vigário da localidade de Neviano di Rossi, o
comando brasileiro mandou um ultimato ao comandante da 148ª Divisão alemã,
general Otto Fretter Pico intimando-o a render-se para evitar um desnecessário
derramamento de sangue. Este tentou ganhar tempo, dizendo que iria consultar
seus superiores.
Pode parecer audácia brasileira, ou pelo menos um blefe, a intimação
enviada ao comando alemão, ratificada depois como ordem de rendição
incondicional.
Não era, todavia, um ato impensado. As coisas não iam bem para as forças
do Eixo. No dia anterior, Benito Mussolini fora preso e fuzilado. Os corpos do
líder fascista, de sua amante e de seus mais próximos companheiros foram
pendurados, de cabeça para baixo em uma praça pública.
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Nos campos da Europa, a Alemanha perdia terreno a olhos vistos e a luta
nazista na Itália não oferecia, àquela altura, grande motivação. As tropas há
muito não vinham sendo renovadas e nem o suprimento de alimentos estava
chegando a base. Os soldados alemães passavam fome e a prisão seria, mais
que tudo, uma perspectiva de ganhar uma ração que lhes permitisse a
sobrevivência.
No meio de todas as vicissitudes, o momento era, pois, propício para deter
em um campo de concentração aquela valiosa concentração de soldados
alemães, tirando-os do campo de batalha.
Nessas circunstâncias, os inimigos, finalmente, renderam-se aos brasileiros,
depondo suas armas. Tanto o general Otto Fretter Pico, comandante da 148ª
Divisão alemã, quanto o general Mário Carloni, comandante da Divisão
Bersagliari italiana foram escoltados até Florença e ali entregues ao comando do
5º Exército americano.
O desfecho da guerra
Os brasileiros improvisaram um campo cercado, onde foram abrigados, como
podiam, os 14.779 alemães e italianos, feitos prisioneiros após a rendição.
Poderiam até fugir se quisessem. Para onde e para que?
Três dias depois, morria Adolph Hitler e, em 8 de maio de 1945, era assinado
o armistício, dando fim à guerra na Europa. Restava apenas o Japão que se
renderia em 14 de agosto de 1945.
Após seis anos de apreensão, incerteza e, por vezes, desespero, o mundo
respira aliviado.
Os pracinhas brasileiros, também carregando consigo as marcas indeléveis
da guerra, voltavam ao Brasil, trazendo no peito o orgulho de um dever cumprido.
O Brasil estava esperando por eles. Primeiro, os que tiveram a felicidade de
voltar vivos e que chegaram aqui dois meses após o Armistício.
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Depois, como um compromisso de honra, foram trazidos os que jaziam no
cemitério de Pistoia, a seu tempo repatriados, com direito a repousar dignamente
na pátria que defenderam com o sacrifício de suas vidas.
Lá fora, a liberdade, fora reconquistada. Aqui dentro, os pracinhas
encontraram vigente a mesma ditadura do Estado Novo.
Na Itália, lutaram pela liberdade do povo europeu. E não havia frustração
maior do que essa, de encontrar em sua própria pátria, as restrições à liberdade
pelas quais, em lugar distante, ofereceram seu próprio sangue.
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