CARTA AO ESTUÁRIO AMAZÔNICO SOBRE O SANEAMENTO BÁSICO NA REGIÃO PARA
ENFRENTAR A PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS
Carlos Augusto RamosEngenheiro Florestal, Consultor EcoSocial
Texto original publicado em https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/6929166
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Nesta luta que travamos pela vida de
cada pessoa no mundo, venho aqui
expor minha preocupação acerca do
tema Saneamento Básico
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O Objetivo desta análise é recomendar
ações emergenciais para superar os
efeitos da Pandemia do novo
coronavírus nas áreas amazônicas a
partir da falta de estrutura quando nos
referimos aos nossos sistemas de água
e esgoto
Foto. Carlos Ramos.
Imagem: Yuri Samoilo - https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2020/03/coronavirus-brasil-precisa-parar-alerta-biologo/
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No ranking anual que faz, tendo por base o
Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento (SNIS), o Instituto Trata Brasil
em seu relatório de março de 2020, aponta
que os estados amazônicos como o Acre, o
Pará e o Amazonas estão entre os que
menos investem e recebem investimentos
em saneamento básico, abaixo de R$ 32
por habitante por ano contra uma média
nacional de R$114/habitante.ano (ITB,
2020).
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2Sofríveis são os casos do Amapá e
Rondônia, que recebem em investimento
respectivamente R$ 7,45/habitante.ano e
R$ 7,70 por habitante.ano.
Imagem: Agência Rádio -https://www.agenciadoradio.com.br/noticias/ap-
macapa-precisa-multiplicar-por-16-investimentos-
em-saneamento-para-universalizar-servicos-ate-
2033-pind201830
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Os números acima refletem uma política de
Estado negligente há décadas, cuja
destinação anual para saneamento, segundo
a ONG Auditoria Cidadã da Dívida Pública,
corresponde em média a 0,02% do
Orçamento Geral da União (Auditoria Cidadã
da Dívida, 2020).
SANEAMENTO BÁSICO: 0,02% DO OGU = 542
MILHÕES
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2 resultado do não investimento em sistema de
captação de água e estruturação do
esgotamento sanitário é o quadro desolador
que muitos municípios detêm. Uma afronta à
Dignidade humana, apesar da Constituição
Brasileira preconizar a sua promoção (Ramos,
2020).
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O Estuário do Rio Amazonas, lugar em que
está contido a mesorregião paraense do
Marajó, e que é reconhecido desde 2018
como Sítio Internacional Ramsar, ou seja, de
áreas úmidas de importância para todo o
planeta, possui muitos municípios em difícil
situação quando se trata de saneamento
básico (Ramsar, 2018).
ÁREA DO SÍTIO RAMSAR ESTUÁRIO AMAZÔNICO:
3,85 Milhões de Hectares
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2Por serem áreas em que as habitações
humanas estão em áreas alagáveis pelo
regime de marés fluvio-marinhas e pela já
dita aqui falta de investimento em
saneamento básico, as águas próximas às
aglomerações tem altas concentrações de
coliformes fecais, vetores de várias doenças
infecto-contagiosas.
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Estudos da bióloga Raquel Bouth, ao verificar a
potabilidade da água, contaminação fecal e condições
de saneamento nas sedes municipais de Anajás,
Chaves, Portel e São Sebastião da Boa Vista, no Marajó,
concluíram que a água de consumo e de beber dos
quatro municípios apresentam-se impróprias para o
consumo humano, apresentando bactérias do grupo
coliformes e Escherichia coli (Bouth, 2014).
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Imagem: Parcival 5.8 -http://pjpontes.blogspot.com/2013/08/melgaco-
e-il-trovatore.html
Quanto aos serviços de coleta de esgoto doméstico,
Diego Crispim e outros autores constataram em suas
pesquisas que a maioria dos municípios do Marajó não
fornecem de maneira regular informações sobre a
cobertura desse tipo de serviço público (Crispim et al,
2016).
Carlos Ramos, Ranielly Barbosa e Ana Euler, verificaram
que na Ilha do Meio, em Afuá, onde vivem 477 famílias,
87% das casas não possuem fossa séptica, isto é, os
dejetos são lançados nos rios e igarapés (Ramos et. al,
2018).
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7O que dizem os cientistas paraenses
sobre a relação saneamento básico e a pandemia causada pelo
Novo Coronavírus?
“... Estudos realizados na China e em Singapura (Yeo et.
al., 2020) mostraram que os pacientes de COVID-19
mantinham em suas fezes o material genético do vírus,
mesmo depois de não apresentá-lo mais no pulmão ou
nas vias respiratórias. Dada a escassez de saneamento
na região amazônica, nos meses de duração da
pandemia, é possível que uma grande carga viral seja
despejada em nossos rios, ampliando a disseminação
do vírus Sars-CoV-2 no ambiente e a infecção contínua
da parcela mais vulnerável da população” (MPEG,
2020).
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2“Para evitar o quadro acima, são urgentes ações conjuntas
e coordenadas dos governos, profissionais da área da
saúde, do saneamento, das instituições de pesquisa e do
setor privado. O precário cenário de emergência de saúde
pública, é agravado ainda mais em função dos problemas
de desigualdade social e do elevado déficit na prestação de
serviços de saneamento em nosso estado, que oferece
serviços de água tratada a 45,3% dos habitantes e apenas
6,3% deles têm acesso à coleta de esgoto e 4,4% dos
esgotos são tratados (ITB, 2019)...”.
Cenário de transmissão em locais sem Saneamento Básico segundo Yeo et. al (2020)
Pacientes com Covid-19 Rede de Esgoto sem
Tratamento
Possibilidade Real de
Proliferação do Coronavírus
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Comunidade
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É urgente realizar grande mobilização no estuário
amazônico, desde o Amapá, passando pelas
mesorregiões paraenses do Marajó, Baixo
Tocantins, enfim, em toda Amazônia para a
criação de instrumentos e tecnologias para
diminuir o despejo de dejetos humanos infectados
com coronavírus nos rios amazônicos.
Maquete de Fossa Séptica Biodigestora no laboratório da EMBRAPA
no Amapá
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É preciso tomar atitudes que vão de encontro a
medidas profiláticas de tratamento das águas e
construção de fossas sépticas e aí lanço como
exemplos os trabalhos feitos pela EMBRAPA nos
municípios do Amapá e Marajó, da fossa séptica
que vem sendo trabalhada pela Associação de
Trabalhadores Agroextrativistas do Rio Acuti-
pereira (ATAA) em Portel e dos estudos de
pesquisadores da Universidade Federal Rural da
Amazônia.
Foto: Carlos Ramos
Fossa Séptica Biodigestora
Tecnologia desenvolvida na EMBRAPA,
escritório do Amapá, liderada pelo
pesquisador Marcelino Guedes, a fossa
séptica biodigestora (FSB) é uma solução
tecnológica para tratamento de esgoto em
áreas rurais, sendo um sistema simples e de
baixo custo.
Com esse sistema é possível tratar o esgoto
dos banheiros (fezes e urina humanas) de
forma eficiente, eliminando o mau cheiro e
reduzindo os micróbios que podem causar
doenças. Essa tecnologia social de
saneamento ambiental, foi desenvolvida
pela Embrapa Instrumentação, em 2001,
para atender comunidades rurais (Oliveira
et. al, 2018).
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A FSB adaptada às várzeas
tem como custo médio do
sistema, incluindo a
estrutura de madeira e a
fossa, o valor de R$
2.300,00 (Oliveira et. al,
2018).
A tecnologia desenvolvida é
fruto da experiência
adquirida durante instalação
e manutenção de sete
fossas sépticas para
tratamento do esgoto
doméstico na Ilha das
Cinzas, Gurupá, PA, na
parceria com a Associação
dos Trabalhadores
Agroextrativistas da Ilha das
Cinzas.
Custo e Experiência da Fossa Séptica
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Fonte: Oliveira e. al., 2018)
Banheiro Ecológico
No Importante trabalho de Vania Neu e
autores, foi elaborado com o apoio da
Universidade Federal Rural da Amazônia a
Cartilha Banheiro Ecológico Ribeirinho: uma
alternativa de saneamento para
comunidades rurais amazônicas (Neu et. al,
2017).
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A proposta é bastante prática e sua cartilha
tem ótima didática para situações onde não
existe muito material disponível. Neste caso,
o uso das bombonas de 200 litros é a saída
para adaptar os banheiros a baixo custo.
O Banheiro Ecológico
proposto por Neu et.
al, 2017 tem como
custo de materiais o
valor de R$833,00
A tecnologia
desenvolvida é fruto de
experiências realizadas
na Ilha das Onças,
próxima à cidade de
Belém
Custo e Experiência da Fossa Séptica
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Fonte: Neu et. al, 2017
Banheiro Ecológico na comunidade Santo Ezequiel Moreno: Organização Social
A outra experiência vem de Portel, da comunidade Santo
Ezequiel Moreno que trabalha com bombonas de 200
litros instaladas nas casas. Tal tecnologia social tem
como base a organização social e o incentivo ao debate
científico da Associação dos Trabalhadores
Agroextrativistas do Rio Acuti-pereira, em Portel, Marajó.
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“A ideia de saneamento básico na comunidade Santo Ezequiel
Moreno surgiu na II edição da Feira de Ciências do
Acutipereira. Na ocasião, o banheiro seco foi pensado e
apresentado pelo técnico da Emater, Mauro Monteiro. No
mesmo ano também conhecemos a experiência da Ilha das
Onças com o uso da Bombona Plástica de 200 litros como
suporte de armazenamento das fezes humanas... A
experiência foi usada em minha casa por 1 ano e utilizei os
resíduos na adubação das plantas. No ano de 2019, nós
alunos do IFPA Campus Breves da turma de licenciatura em
educação do campo, sentamos com a comunidade Santo
Ezequiel Moreno, e explicamos a importância do saneamento
básico na comunidade e na região do Marajó. A comunidade
acatou e fizemos um investimento provindo do Fundo açaí, na
compra de baldes e bombonas para que as famílias
pudessem começar a investir no tratamento dos esgotos...” -
Nilson Corrêa, presidente da ATAA.
Foto: ATAA
A adaptação do
Banheiro Ecológico
na comunidade
Santo Ezequiel
Moreno está entorno
de R$400,00.
A tecnologia
desenvolvida na
comunidade é resultado
da Feira de Ciências do
Acuti-pereira, que
acontece desde 2016.
Custo e Experiência da Fossa Séptica
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Foto: ATAA
Os exemplos aqui apresentados são uma forma de dizer que neste momento em que se fortalecem as evidências das fezes humanas transmitirem o novo coronavírus, enfrentar nossos problemas de saneamento básico é ação fundamental e urgente para ajudar a proteger vidas.
Diante disso, aqui faço algumas provocações e recomendações:
• que se utilizem as redes sociais para ampla divulgação da necessidade das famílias e comunidades discutirem rapidamente a adaptação dos banheiros em áreas próximas a rios e igarapés;
• que sejam contactadas as experiencias aqui apresentadas e outras que tenham também logrado êxito para avaliação da melhor forma de repasse das referidas tecnologias sociais;
• que sejam elaborados projetos para buscar recursos que ajudem na construção destes banheiros
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Iniciativas existem.
É preciso multiplicar seu alcance por meio das mobilizações de pessoas e de recursos.
É preciso sair do sentimento de viver no século XIX em relação à qualidade da água e de esgotos e pisar definitivamente no milênio.
É digno. É um direito.
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