CENTRO DE ARTES E COMUNICAOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO
COBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMOOU ENTRETENIMENTO?
Li-Chang Shuen Cristina Silva Sousa
Dissertao apresentada como requisito para a obteno do ttulode Mestre em Comunicao pela Universidade Federal dePernambuco, sob a orientao do Prof. Dr. Alfredo Eurico VizeuPereira Jnior.
Recife, Dezembro de 2005
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
2
CENTRO DE ARTES E COMUNICAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO
COBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU
ENTRETENIMENTO?
Li-Chang Shuen Cristina Silva Sousa
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao emComunicao da Universidade Federal de Pernambuco comorequisito para a obteno do ttulo de Mestre, sob a orientaodo Prof. Dr. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Jnior.
Recife, Dezembro de 2005
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
4
Dedico este trabalho queles que, embora torcessem, apoiassem e
se sacrificassem, jamais imaginariam que tamanho passo tornar-
se-ia realidade: meus pais, Joo e Maria. por eles que este
trabalho existe. para eles que cada palavra foi escrita, na
certeza de que seu esforo no foi em vo.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
5
AGRADECIMENTOS
Um trabalho de pesquisa, por mais pessoal que seja, jamais individual. O resultado sempre
reflete mais que um esforo de busca intransigente pela verdade porque traz em si marcas do que foi e do
que : um sonho e uma realidade, possibilitados pela unio da fora de vontade de quem se prope a
pesquisar e da solidariedade de quem est por perto para incentivar. Com este esprito, agradeo ao meu
orientador por toda a dedicao em me fazer compreender e, mais que isso, em me fazer realizar. Vizeu,
para o bem ou para o mal, este trabalho Nosso, assim mesmo, com N maisculo.
Agradeo tambm Propesq pelo fomento pesquisa.
Jos Carlos, Cludia, Lucy, vocs so companheiros nesta caminhada. Afinal, como ns,
estudantes, poderamos concluir nossa tarefa sem o apoio de um corpo tcnico to competente?
A todos os professores do PPGCOM, dedico o mais sincero agradecimento. Todos vocs
ajudaram a cimentar um conhecimento terico indispensvel para a consolidao de um esprito crtico e
inconformado com a aparncia e a superficialidade. Vocs, em suas diferentes abordagens, ensinaram-me
a procurar a verdade que se esconde mais alm. Podemos jamais encontr-la, mas devemos sempre t-la
como ponto de chegada.
Aos colegas de turma agradeo a acolhida e o companheirismo.
Aos amigos e torcedores organizados, meu muitssimo obrigada: Izaas, obrigada por estar
sempre ao meu lado e nunca, em momento algum, ter permitido que o desnimo anuviasse a viso da
estrada que conduz realizao dos sonhos; Salomon, obrigada por, mesmo de longe, estar sempre to
perto; Prof. Ferreira Jnior, voc est nesta minha aventura pela busca pelo saber desde o incio sem
voc dificilmente isto teria comeado; tio Lus, obrigada pelo incentivo; Jayme, obrigada por no esquecer
de mim em suas oraes; Prof. Vera Camargo, obrigada por compartilhar comigo seus conhecimentos;
Mrcio Pinto, obrigada pela amizade e pela partilha de inestimveis informaes acumuladas durante
todos esses anos na militncia do Jornalismo Esportivo; Laryssa, obrigada por guardar em voc a razo
que falta em mim mesma amiga.
Por fim, e mais uma vez, agradeo a uma famlia que semeia a educao como a maior
riqueza que algum pode ter: Joo, Maria, Karla, Scarlet, Rossini, Di Stefano, Stefhany. Vocs so o
meu tesouro mais valioso.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
6
RESUMO
A presente anlise uma contribuio terica Sociologia do
Jornalismo e Cincia da Comunicao atravs da investigao
sobre a atual cobertura esportiva na televiso brasileira.
Procuramos encontrar uma soluo para nosso problema de
pesquisa a cobertura esportiva na televiso Jornalismo ou
Entretenimento? balizados pela hiptese de que a cobertura
esportiva um Jornalismo diferenciado, mesmo hbrido, que
guarda marcas identitrias inerentes ao meio de difuso.
Argumentamos que, por causa da influncia da televiso, a
prtica editorial do noticirio esportivo sofreu transformaes
ao longo do sculo XX que contriburam para o
desenvolvimento de um modelo jornalstico com caractersticas
prprias, embora complementares, com relao ao todo do
Jornalismo, o qual, ele mesmo, no ficou imune s novas
tecnologias e s novas demandas de uma sociedade
multifacetada e em constante movimento. O trabalho encerra
uma discusso terica acerca da natureza do Jornalismo, do
Entretenimento e da Televiso enquanto meio difusor e
modificador de modelos editoriais, alm de analisar como
esses trs elementos se encontram e interagem na cobertura
esportiva oferecida pela televiso brasileira. Uma discusso
historiogrfica acerca da introduo, consolidao e evoluo
do noticirio esportivo no Brasil tambm levada a efeito ao
longo da pesquisa com a inteno de oferecer uma viso
histrica a respeito de uma prtica enraizada na cultura
jornalstica nacional.
Palavras-chave: Jornalismo Esporte Televiso
Entretenimento
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
7
ABSTRACT
This analyzis is a theoretical contribution to Journalism
Sociology and to Communication Science through a research
about the current sportive coverage in Brazilian television. We
quest to find a solution to our research problem is the
sportive coverage in the television Journalism or
Entertainment? based by the hypothesis that sportive
coverage is a kind of differentiated Journalism, even hybrid,
that has identity traces inherent to diffusion vehicle. We defend
that, because of television influence, news bulletins editorial
practice had passed by changes along 20th Century that
contributed to development of a journalistic pattern with own
characters, although complementary, in relation to the whole
of Journalism, which, itself, doesnt stood immune to new
technologies and to new demands of a many-faceted society in
constant movement. This work brings a theoretical discussion
about the nature of Journalism, Entertainment and Television
as diffuser manner and modifier of editorial patterns, besides
to analyze how these three elements meet and interact in the
sportive coverage offered by Brazilian television. A historical
discussion about introduction, consolidation and evolution of
the news bulletins in Brazil also is made along the work with
intention to offer a historical view in respect to a taken root
practice in the national journalistic culture.
Keywords: Journalism Sport Entertainment Television
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
8
Na Idade da Mdia, emoo e notcia devem estar juntas. A combinao de
CNN e MTV se tornou uma realidade. A idade da infodiverso j nasceu.
Neil Lazarus
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
9
SUMRIO
pINTRODUO........................................................................... 11PRIMEIRO TEMPO.................................................................... 191 O JORNALISMO QUE A SOCIEDADE CONSOME:
um pensar terico....................................................................... 20
1.1 Sobre o Jornalismo............................................................ 211.2 As Notcias......................................................................... 321.3 Jornalismo: em busca de uma definio................................. 382 TELEVISO E JORNALISMO................................................... 412.1 Televiso: aspectos tericos................................................. 422.2 A televiso no Brasil.......................................................... 512.3 Sobre o Telejornalismo...................................................... 59INTERVALO.............................................................................. 673 JORNALISMO E ENTRETENIMENTO........................................ 68SEGUNDO TEMPO..................................................................... 834 JORNALISMO ESPORTIVO: alm dos resultados....................... 844.1 Futebol e Jornalismo.......................................................... 854.2 Jornalismo Esportivo e televiso........................................ 954.3 Notcia Esportiva: um espetculo venda............................. 1045 PARA SER NOTCIA NA TV: critrios de noticiabilidade
do esporte................................................................................. 112
5.1 Notcia Esportiva: seleo................................................... 117
PRORROGAO........................................................................ 1386 GUISA DE CONCLUSO....................................................... 139ANEXOS..................................................................................... 143REFERNCIAS............................................................................. 153
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
10
ANEXOS
p
ANEXO 1: Relao das reportagens utilizadas no corpus..................143
ANEXO 2: Modelo de pauta na editoria de esportes.........................150
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
11
INTRODUO
O problema central desta pesquisa a cobertura esportiva na
televiso Jornalismo ou Entretenimento? a expresso de uma
inquietao nascida no ambiente profissional. Durante quase cinco anos
trabalhei como produtora de programas esportivos em uma emissora
afiliada da Rede Globo no Maranho1.
Enquanto profissional percebi que as redaes de TV
geralmente so dividas em Departamento de Jornalismo e Diviso,
Departamento ou Ncleo de Esportes, diviso esta nem sempre formal
mas que, implcita ou explicitamente, denota uma rotinizao
operacional feita a partir de critrios prticos sobre a utilizao dos
equipamentos, distribuio dos jornalistas e do espao na programao
das emissoras.
Enquanto telespectadora, passei a perceber que a diviso
operacional feita de forma aleatria, sem um critrio terico
identificvel, refletia-se no produto que ia ao ar. Os telejornais
esportivos, em todas as emissoras de sinal aberto que acompanhava,
ora pareciam ser regidos por critrios estritamente jornalsticos, ora se
confundiam com programas de entretenimento, como shows,
programas de auditrio, de humor, etc., programas que no tm um
compromisso formal com a informao jornalstica.
Desta observao articulada entre a profissional e a
telespectadora surgiu o interesse pela realizao de uma investigao
acadmica que pudesse ajudar no esclarecimento de um problema que
no poderia ser solucionado de maneira apriorstica e desvinculada do
1 A emissora em questo a TV Mirante de So Lus e os programas so o dirio Globo EsporteLocal e o semanal Esporte 10.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
12
rigor cientfico. Isto porque o problema de pesquisa aponta para a
manipulao de conceitos caros ao Jornalismo e indstria cultural
como um todo.
Discutir se o noticirio esportivo na televiso Jornalismo ou
Entretenimento sucinta objetivos secundrios fomentados a partir de
questionamentos relacionados ao problema principal, como apontar
quais os critrios de noticiabilidade aplicados ao noticirio esportivo na
televiso e identificar possveis diferenas e semelhanas entre
Jornalismo e Entretenimento no meio audiovisual a partir desses
critrios. Contemplar tais objetivos contribuir para o aprofundamento
da reflexo terica sobre o Jornalismo moderno e a sociedade que o
consome.
A caminhada aqui iniciada est balizada por duas hipteses
centrais. Defendemos, em primeiro lugar, que o noticirio esportivo
um produto hbrido de Jornalismo e Entretenimento, porque incorpora
caractersticas de ambos, sendo que a forma como a informao
esportiva tratada na televiso tem como principal objetivo divertir e
despertar emoes no pblico. A segunda que os critrios clssicos do
Jornalismo so levados em considerao na hora da seleo e
construo das notcias ao mesmo tempo em que aspectos relacionados
com o Entretenimento fazem parte da noticiabilidade inerente ao fato
esportivo.
Assim, o trabalho tentar responder ao problema de pesquisa
atravs da identificao das caractersticas e dos critrios de
noticiabilidade vlidos para a matria esportiva na televiso, porque
acreditamos que a simples contraposio de conceitos o que
Jornalismo, o que Entretenimento no suficiente. necessrio
tambm identificar o que faz um acontecimento virar notcia e como
essa notcia se insere no fluxo televisual para, a sim, com os conceitos
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
13
em mente e toda a sorte de articulaes que ensejam, tencionar com
eles o objeto at a soluo, total ou parcial, do problema.
Por isso o ponto de partida a discusso sobre o Jornalismo na
sociedade contempornea. Tal discusso perpassa por um breve
resgate histrico dos paradigmas editorias ligados ao surgimento,
consolidao e expanso da imprensa que conhecemos hoje. O impacto
que a televiso impingiu ao Jornalismo e o poder do Entretenimento
disseminado pelos aparatos da indstria cultural tambm so aspectos
contemplados na construo terica da pesquisa, para que os conceitos
e prticas inerentes ao jornalismo e concernentes ao carter e funo
do meio difusor possam ser esclarecidos de maneira satisfatria.
Tal preocupao se justifica porque o objeto estudado um
produto televisivo sujeito s normas e idiossincrasias do veculo,
inserido em uma grade de programao que, postula-se, tende a
determinar o carter jornalstico ou no de um programa ou conjunto
deles. A anlise tem como marco terico principal os estudos sobre a
produo da notcia, filo de investigao do jornalismo e das notcias a
partir de sua definio como construo determinada pelas prticas de
uma classe profissional especfica.
Atualmente existem inmeros programas de informao
esportiva nas emissoras de sinal aberto com cobertura nacional. Mas
optamos por desenvolver a pesquisa tendo por objeto o noticirio do
Globo Esporte, totalmente voltado s informaes esportivas, e das
matrias sobre esportes do Jornal Nacional, telejornal generalista
voltado para um pblico mais amplo e heterogneo, pelos motivos
enumerados a seguir.
De acordo com as sondagens periodicamente divulgadas pelo
Instituto Brasileiro de Opinio e Estatstica (IBOPE), os noticirios da
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
14
Rede Globo so os lderes de audincia na televiso brasileira. Esta
uma das razes para, de certa forma, ditarem as normas de cobertura
jornalstica copiadas e adaptadas pelas demais emissoras. Outro motivo
que os telejornais globais esto no ar h um tempo considervel o
Jornal Nacional desde 1969 e o Globo Esporte desde 1978 garantindo
a estabilidade necessria para que uma pesquisa possa identificar
traos da evoluo do trabalho jornalstico neles apresentado.
Os programas passaram por vrias reformulaes ao longo dos
anos, incorporando avanos tecnolgicos, de linguagem e de
tratamento da informao, consolidando um modelo de cobertura e
estabelecendo padres e critrios de noticiabilidade que acabaram
sendo adotados pelas emissoras concorrentes, o que gerou a
institucionalizao de um modelo especfico tornado geral.
A escolha dos dois programas para a seleo do corpus no
tem por objetivo a realizao de um estudo comparativo sobre o
tratamento da notcia esportiva em dois telejornais voltados para
pblicos diferenciados. O objetivo to somente verificar se os critrios
de noticiabilidade so os mesmos, independente do horrio e do pblico
para o qual a informao destinada e do tratamento que uma mesma
informao pode receber em contextos de difuso diversos.
Ou seja: no objetivo da pesquisa descobrir se no programa
A a notcia esportiva Jornalismo e no programa B ela
Entretenimento. A proposta observar o conjunto e ver como a
informao esportiva incorpora as marcas do fluxo televisual para
figurar como Jornalismo ou Entretenimento apesar do programa de
veiculao. Por isso, a composio final do corpus um misto de
reportagens exibidas em um e outro programa porque consideramos ser
o corpus um valioso pano de fundo para empreendermos uma discusso
conceitual entre Jornalismo e Entretenimento.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
15
O prazo disponvel para a realizao de uma pesquisa de
Mestrado imps a delimitao do corpus de pesquisa a um conjunto de
reportagens no muito extenso. Por este motivo, optamos por efetivar o
trabalho a partir da manipulao dos dados obtidos com a observao
de reportagens sobre o futebol, no perodo de cinco semanas, entre os
dias 22 de abril e 30 de maio de 2005.
A escolha do contedo recaiu sobre o futebol por vrias razes.
A primeira e mais importante que o futebol hoje se constitui como o
esporte de maior apelo nacional, detendo mais de 80% do tempo do
noticirio esportivo na televiso. Outra razo que o prprio
desenvolvimento da imprensa esportiva no Brasil est atrelado ao
desenvolvimento do futebol enquanto esporte profissional e paixo
popular.
Um terceiro motivo que o futebol ganha espao regular no
Jornal Nacional independente da ocorrncia de competies, o que j
no observado com regularidade em relao aos demais esportes. Por
ltimo, como a evoluo do jornalismo esportivo no Brasil est
intimamente relacionada evoluo do futebol, os critrios e o
tratamento a ele aplicados no noticirio valem para os demais esportes
com as adaptaes pertinentes e necessrias.
Mas o futebol por si s gera uma quantidade muito ampla de
informaes que viram notcia, principalmente porque existe uma
grande variedade de competies que acontecem simultaneamente
envolvendo os times brasileiros e a prpria seleo nacional. A
necessidade de delimitar ainda mais o corpus nos levou ento a optar
apenas por aquelas reportagens relacionadas com o Campeonato
Brasileiro de Futebol da Primeira Diviso, disputado por 22 equipes de
todo o pas. A gravao dos programas coincidiu com o dia anterior ao
incio do torneio.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
16
Alm da gravao do material, o percurso metodolgico incluiu
o levantamento bibliogrfico para uma acurada reviso da literatura
disponvel sobre Jornalismo, Jornalismo Esportivo, Televiso,
Telejornalismo e Entretenimento. Pela dificuldade em encontrar dados
sobre a mdia esportiva pertinentes pesquisa documentados na
literatura, recorremos a entrevistas com jornalistas e pessoas ligadas
memria esportiva e a textos, reportagens televisivas e pesquisa de
campo em bibliotecas e arquivos pblicos com o objetivo de encontrar
indcios que guiassem a busca por respostas s dvidas que surgiam,
especialmente sobre a histria do jornalismo esportivo no Brasil.
Confrontamos ainda os resultados da pesquisa bibliogrfica
que contemplou, entre outros aspectos, estudos sobre Sociologia do
Jornalismo, Teoria da Notcia e Sociologia do Conhecimento, com as
matrias selecionadas, objetivando determinar onde teoria e prtica se
aproximam e se distanciam no jornalismo esportivo. J as reportagens
foram analisadas individualmente levando-se em considerao o
contedo, a forma e a construo discursiva de cada uma. O resultado
da pesquisa est expresso em um texto estruturado em cinco captulos,
alm da concluso e desta apresentao, divididos em trs partes que
formam um todo interligado pela retomada de conceitos e discusses.
A primeira parte, denominada Primeiro Tempo, comporta
dois captulos. O Jornalismo que a sociedade consome: um pensar
terico, uma retomada histrica do Jornalismo enquanto prtica,
contedo e conceito. aqui que defendemos uma proposta de definio
de Jornalismo a ser utilizada no trabalho. Para chegar a uma
conceituao satisfatria do ponto de vista de nossos objetivos,
iniciamos o captulo discutindo as condies para o aparecimento da
imprensa, contemplando ainda uma reflexo sobre os aspectos
histricos que condicionaram importantes mudanas no paradigma
editorial do Jornalismo em sua fase de consolidao e expanso.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
17
Tambm atravessamos a discusso sobre o porqu das notcias
serem como nos apresentam os meios de comunicao, apontando os
elementos conformadores das notcias vlidos para o jornalismo em
geral: os critrios de noticiabilidade que atuam como guias que os
jornalistas usam para determinar que acontecimentos merecem ser
publicizados, como uma forma de emprestar ordem a um caos de
ocorrncias da vida cotidiana.
Tal discusso continua no captulo seguinte, Televiso e
Jornalismo, que traz o foco da reflexo para o telejornalismo e as
notcias em um meio audiovisual marcado por constantes de
funcionamento e caractersticas de programao. Este segundo captulo
tambm encerra uma tentativa de analisar a televiso e o
telejornalismo brasileiros a partir da argumentao acerca das
particularidades que conformam o papel do veculo em nossa sociedade.
Os argumentos aqui apresentados so retomados em todos os captulos
seguintes, dada a importncia da televiso e das prticas incorporadas
ao Jornalismo por causa dela e que se refletem de maneira intensa no
noticirio esportivo.
A segunda parte do trabalho, Intervalo, composta de um
captulo em que discutimos a aproximao entre Jornalismo e
Entretenimento verificada atualmente nos meios de comunicao, com
nfase especial ao que acontece na televiso. Nesta etapa do trabalho
buscamos compreender o que seja Entretenimento em uma sociedade
pautada pelos meios de comunicao de massa e como o Jornalismo se
articula com os critrios de publicidade inerentes ao Entretenimento que
comungam semelhana com os critrios de noticiabilidade jornalstica.
Segundo Tempo a terceira parte do trabalho, composto por
mais dois captulos que retomam toda a discusso terica levantada
anteriormente com foco centrado no noticirio esportivo. O quarto
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
18
captulo, Jornalismo Esportivo: alm dos resultados, resgata a
introduo da imprensa esportiva no Brasil como manifestao das
mudanas editoriais proporcionadas pela conjuntura histrica do incio
do sculo XX em um pas que importava conceitos e prticas europias
em quase todos os aspectos da vida nacional e que viu em um esporte
europeu sua base de consolidao e expanso.
Alm de um histrico sobre a imprensa esportiva no Brasil, o
captulo discute tambm o impacto da televiso na mudana dos
paradigmas editoriais de um jornalismo que se definia pela publicao
de resultados e passou a ser pautado pelos bastidores de competies,
pela vida de atletas e por histrias de interesse humano amparadas no
apelo que o futebol desperta em nossa sociedade. As caractersticas da
notcia esportiva so comentadas com o objetivo de entender melhor os
critrios de noticiabilidade inerentes a tais acontecimentos.
O captulo cinco, Para ser notcia na TV: critrios de
noticiabilidade do esporte, apresenta os resultados da pesquisa. Todos
os critrios de noticiabilidade vlidos para o acontecimento esportivo
identificados no corpus so sistematizados e comentados com o objetivo
de, a sim, encontrar os elementos que fazem com que a notcia
esportiva seja Jornalismo ou Entretenimento na televiso.
E na Prorrogao, so apresentadas as concluses a que um
trabalho pautado pela dedicao e determinao chegou, com a
conscincia de que com esta abordagem ao nosso objeto o noticirio
esportivo no se esgotaram as possibilidades para novos enfoques e
novas anlises. Da apontamos encaminhamentos e dvidas surgidas na
periferia do estudo que possam gerar novas pesquisas, de maneira a
contribuir para o avano do conhecimento cientfico em uma rea cuja
prtica ganha cada vez mais importncia nos meios de informao e
entretenimento.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
19
PPRRIIMMEEIIRROO TTEEMMPPOO
JJOORRNNAALLIISSMMOO EE TTEELLEEVVIISSOO
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
20
1 O JORNALISMO QUE A SOCIEDADE CONSOME:
um pensar terico
A natureza do jornalismo est no medo. O medo do desconhecido, queleva o homem a querer exatamente o contrrio, ou seja, conhecer. Eassim, ele acredita que pode administrar a vida de forma mais estvel ecoerente, sentindo-se um pouco mais seguro para enfrentar o cotidianoaterrorizante do meio ambiente.
Felipe Pena
O que o Jornalismo, afinal? Relatos sobre acontecimentos
corriqueiros que tm lugar na sociedade? Reflexo, manipulao,
construo ou simples produto da realidade social? Para dar conta do
problema de pesquisa se o noticirio esportivo na televiso
Jornalismo ou Entretenimento preciso responder primeiro a estas
questes aqui propostas, com a conscincia de que definir o que
Jornalismo uma tarefa terica das mais instigantes e ao mesmo
tempo complexas.
Instigante porque o pensar terico sobre uma prtica
enraizada e internalizada na sociedade ocidental requer do pesquisador
no apenas o desprendimento e o rigor que a pesquisa acadmica
impe, mas tambm, e principalmente, o abandono de conceitos pr-
concebidos, de vcios acumulados pelos anos de prtica em redao, ao
passo que no se pode esquecer, apesar disso, que o Jornalismo uma
prtica, e precisa ser pensado como uma prtica porque um produto
social.
Complexa tarefa porque no existe uma, nem poucas,
definies do que seja o Jornalismo em uma sociedade livre,
democrtica e cada vez mais dependente dos fluxos de informao.
uma tarefa complexa porque no basta apenas encontrar uma definio
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
21
satisfatria para o Jornalismo sem tambm ter em conta que existem
outros conceitos subjacentes a este que, igualmente, precisam ser
definidos, nomeadamente, o que notcia e, por termos como objeto de
estudo um produto de televiso, o que notcia em televiso, j que
entendemos que a notcia que se vende em um jornal ou revista, no
obstante ser semelhante, tem suas diferenas em relao notcia que
vai ao ar na televiso. Este captulo, portanto, vai se ocupar destes dois
conceitos: o que o Jornalismo, o que a notcia, para, mais adiante,
avanar na reflexo terica que nos permitir dar conta de nosso objeto
de estudo.
A breve resenha histrica da evoluo do Jornalismo a ser
apresentada aqui, lembramos, no tem por objetivo uma descrio de
como a tcnica de colheita e redao das notcias mudou ao longo do
tempo. O foco est em como o contedo informativo passou a
incorporar variadas pautas para atender a diferentes pblicos e
interesses e, em sentido mais amplo que extrapola o mbito deste
captulo, como o formato de apresentao dado a este contedo na
televiso pode interferir na natureza da notcia, a ponto de haver
dvidas se um determinado tipo de material que vai ao ar pode mesmo
ser classificado como Jornalismo, tendo por Jornalismo a definio que
ser adotada neste trabalho.
1.1 Sobre o Jornalismo
Quando, no sculo XV, Gutenberg introduziu a imprensa no
Ocidente, imprimiu sua primeira Bblia e inaugurou uma nova ordem
para a circulao do conhecimento, estava tambm lanando as bases
tecnolgicas para o surgimento de uma atividade que se desenvolvia
medida que acompanhava a consolidao de uma nova classe social: o
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
22
Jornalismo como instrumento para a informao e, at o sculo XIX,
formao poltica da burguesia.
No incio, a imprensa estava mais para um meio de
desenvolvimento da cultura e do comrcio nos centros urbanos que
comeavam a se formar na Europa do que para a veiculao de relatos
da vida cotidiana das comunidades. E era muito restrita. Poucas
pessoas sabiam ler. Informaes comerciais para orientao dos
negociantes e novidades do mundo conhecido e em descoberta, alm de
informaes dos governos, eram a matria bsica das gazetas, folhas
de notcias que circulavam nesses centros. Pena (2005:34) situa no
sculo XVI o surgimento dos ancestrais dos jornais modernos:
Na rvore genealgica dos jornais esto as gazetas, que vm doitaliano gazzette, a moeda utilizada em Veneza no sculo XVI.Elas eram manuscritas, peridicas e apresentadas em quatropginas em frente e verso, dobradas ao meio, como umpequeno flio, de vinte centmetros de altura e quinze delargura. Custavam uma moeda, ou seja, uma gazeta. Asnotcias eram vinculadas ao interesse mercantil, com informessobre colheitas, chegada de navios, cotaes de produtos erelatos de guerras. Vinham de diversos pases. No traziamttulos, apenas data e local de procedncia.
O autor tambm chama a ateno para o fato de que j nessa
poca era comum encontrar relatos sobre as roupas e o comportamento
das pessoas da Corte, sobre casamentos entre nobres e outras
amenidades. Ao traar uma retrospectiva, mas no exaustiva, do
Jornalismo no Ocidente, Pena (Ibdem: 36) mostra que no foi apenas o
comrcio o grande propulsor do jornalismo nascente:
Tambm preciso registrar que o desenvolvimento da difusode informao pblica a partir da Europa do sculo XVI deve-seno somente ao crescimento do comrcio, mas consolidaode um modelo de vida urbana e constituio de um pblicoleitor. Os acontecimentos histricos so o pano de fundo quecondicionam o aparecimento da imprensa. Neles esto aascenso da burguesia e dos valores capitalistas de acmulo debens e competio. Entretanto, a noo de tempo que vaiefetivar a constituio dos primeiros jornais. Estes sero
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
23
caracterizados por trazerem notcias de todos os gneros e porterem atualidade e periodicidade. Da o termo jornal, que vemdo francs journal, ou seja, dirio.
Como o autor considera a periodicidade e a atualidade
princpios bsicos para situar o Jornalismo em sua gnese, postula que
as primeiras publicaes jornalsticas modernas surgiram no comeo do
sculo XVII em pases como Alemanha, Inglaterra e Pases Baixos,
consideradas herdeiras legtimas das gazetas venezianas do sculo
anterior. E que a publicidade e a universalidade acabaram por
juntarem-se atualidade e periodicidade como sendo as quatro
caractersticas dos jornais modernos.
Mesmo j adotando estes quatro critrios como constituintes
de um Jornalismo que se consolidava como atividade burguesa e social,
as pginas dos peridicos eram predominantemente preenchidas com
opinies e doutrinas polticas com as quais os (donos dos) jornais se
identificavam e defendiam. At ento, jornalismo era sinnimo de
opinio, de comentrio, de anlise poltica e instrumento de divulgao
de idias, no de notcias, no de fatos, no de acontecimentos. Nas
palavras de Tuchman (1983:30),
Publicados com mais regularidade, geralmente como cartas denotcias semanais, estavam firmemente ligados aos partidospolticos, comprados por assinatura e circulavam entremembros de um partido. Suas colunas eram preenchidas peloque hoje chamaramos anlise de notcias, incluindo ataquesinjuriosos contra os lderes da oposio. Desenhados para aelite urbana, as assinaturas dos jornais eram caras demaispara os trabalhadores e para o homem comum. (traduonossa).
Essa forma de fazer Jornalismo no significava que a
informao, a notcia, estivesse ausente por completo das pginas dos
jornais. Significava apenas que a forma de apresentao era diferente e
que as reportagens no escondiam a carga panfletria, defendendo
explicitamente as posies dos jornais (e de seus donos) sobre os mais
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
24
variados temas. As narrativas eram mais retricas do que informativas
(Pena: 2005, 41).
Mas o sculo XIX trouxe consigo mudanas que acabariam por
transformar a atividade jornalstica e fazer nascer um novo modelo, um
novo Jornalismo, um Jornalismo moderno que serviu de base para o
desenvolvimento da atividade que evoluiu durante todo o sculo
seguinte, tendo se renovado a cada dia. Os jornais, ento, passaram a
oferecer informaes sobre acontecimentos e no mais propaganda
poltica. Tal comportamento conseqncia da Revoluo Industrial que
estava em curso. De acordo com Traquina (2004:34)
No sculo XIX, verificamos a emergncia de um novoparadigma informao, no propaganda que partilhadoentre os membros da sociedade e os jornalistas; a construode um novo grupo social os jornalistas que reivindica ummonoplio do saber o que notcia; e a comercializao daimprensa a informao como mercadoria.
Uma mercadoria diferenciada, alis, porque se trata de um
bem simblico. O financiamento da imprensa atravs da publicidade
tambm contribuiu para a crescente despolitizao dos jornais, que
passaram a no depender de recursos partidrios. A urbanizao
acelerada e a industrializao tambm contriburam para que os jornais
abrissem suas pginas para os fatos, notcias sobre acontecimentos
cotidianos e, principalmente, para o homem, o cidado. Alsina
(1996:14) comenta, inclusive, que um elemento importante na
sociedade capitalista da poca que a noo de acontecimento
sempre antropocntrica. O homem o centro do acontecimento.
So os reflexos do Iluminismo e do Positivismo. Com a
valorizao do homem e dos mtodos cientficos a atividade jornalstica
passou a ser balizada pelo culto aos fatos, a objetividade, que
recomendava aos jornalistas o distanciamento crtico, o ouvir todos os
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
25
lados de uma questo, a definio do que notcia e, como sempre se
aperfeioando e se adaptando ao momento histrico, a adoo de
critrios para transformar acontecimentos em notcias. A objetividade,
alis, passou a ser uma metodologia de trabalho para, supostamente,
garantir uma real separao entre o que fato e o que opinio sobre
o fato.
O sculo XIX tambm viu nascer um tipo de imprensa barata
na Europa e nos Estados Unidos, com forte apelo entre os operrios que
se alfabetizavam e que buscavam, alm de novidades, a sensao de
fazer parte do tecido social atravs da leitura dos jornais: a penny
press. O nome deriva do fato de os jornais serem vendidos a um penny,
um centavo. A partir do desenvolvimento da penny press a separao
entre fatos e opinies se intensificou. Mais baratos, os jornais
aumentavam suas tiragens e atingiam um pblico cada vez mais
heterogneo, com demandas e interesses informativos igualmente
heterogneos e diversificados:
Devido ao objetivo de querer mais leitores, houve anecessidade de obter uma melhor utilizao do espao dojornal, ainda muito limitado. Era importante que o espaousasse matria que interessasse s pessoas. Com a maiordiversidade nos assuntos abordados, para alm das notciassobre a poltica e o estrangeiro, houve espao nos jornais dapenny press para publicar notcias sobre os tribunais, a polcia,os acontecimentos da rua, os acontecimentos locais (Traquina:2004, 55-56).
Houve espao tambm, podemos acrescentar, para as notcias
relacionadas ao esporte enquanto lazer e competio. Naquele perodo,
a notcia dividia espao nas pginas dos jornais com a publicao de
folhetins e, inspirados neles, histrias de interesse humano, embora
Kunczik (1997) afirme que trs sculos antes assuntos assustadores e
maravilhosos fossem publicados com certa regularidade nas gazetas
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
26
venezianas. Mas os jornais da penny press sistematizaram a publicao
de temas universais, fossem eles sensacionais ou no (Gabler: 1999).
A competio entre os vrios jornais que proliferaram nessa
poca levou, no fim do sculo, a uma diviso do espao por tpicos ou
editorias (Tuchman: 1983), com departamentos independentes e
critrios prprios de seleo das notcias convivendo lado a lado com os
critrios gerais adotados pelas publicaes e com o objetivo de atrair
leitores a partir da identificao destes com os jornais que veiculavam
matrias de seu interesse.
Traquina (2004:35) afirma que o sculo XIX foi a poca de
ouro da imprensa, que assistiu a uma rpida expanso dos jornais, ao
nascimento de uma classe de trabalhadores integralmente dedicados
atividade, a uma mudana de paradigma editorial que, para o autor, foi
a luz que viu nascer valores que ainda hoje so identificados com o
Jornalismo: a notcia, a procura da verdade, a independncia, a
objetividade, e uma noo de servio ao pblico.
Mas o sculo das luzes do Jornalismo no foi uma poca
apenas de cultivo de valores considerados elevados nas pginas dos
peridicos. Surgia ali uma imprensa que se ocupava de assuntos
considerados sensacionais, de forte apelo popular, inspirada nas
histrias de interesse humano, ou seja, aquelas que envolviam crimes,
paixes, adultrio, escndalos, aberraes da natureza, coisas
consideradas fora do comum. O Jornalismo sensacionalista, a imprensa
marrom, tinha como objetivo entreter, divertir, fazer com que o leitor
encontrasse nas pginas dos jornais assuntos que o fizesse esquecer
seus prprios problemas e se projetar nas histrias que lia:
Para um contingente condicionado por folhetos vulgares decrimes horrendos, romances sangrentos e melodramasfloreados, as notcias eram simplesmente o contedo mais
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
27
emocionante e divertido que um jornal podia oferecer,sobretudo quando desviadas, como era invariavelmente o casona imprensa barata, para as histrias mais sensacionais. Naverdade pode-se at dizer que os mestres da imprensa baratainventaram o conceito de notcia porque essa era a melhormaneira de vender jornal num ambiente dominado peloentretenimento. (Gabler: 1999, pp.62-63)
Para o autor, o Jornalismo moderno j nasceu desvirtuado pelo
entretenimento. Mas esta discusso ser retomada mais adiante, no
captulo 3. Por agora, voltamos a nos ocupar do ambiente que
proporcionou o nascimento e o desenvolvimento dos conceitos bsicos e
marcos identitrios fundamentais da atividade jornalstica e que
atravessaram todo o sculo XX incorporando transformaes,
redefinies e adaptaes. Nesse ambiente do sculo XIX, j existia a
plena conscincia de que os avanos na transmisso da informao
seriam, para sempre e continuamente, um fator intrnseco ao fazer
jornalstico.
Jornalismo e tecnologia caminham lado a lado e os avanos na
transmisso da informao tambm imprimiram, e imprimem, novas
maneiras de se produzir Jornalismo. Entre 1844 e 1866 inveno do
telgrafo e do telgrafo por cabo, respectivamente o Jornalismo
assumiu um compromisso com a atualidade que at ento era
tecnicamente falho. O telgrafo emprestou aos jornais uma identificao
com a atualidade e os jornalistas passaram a trabalhar com a obrigao
maior de fornecer as ltimas notcias, de preferncia em primeira mo
e com exclusividade, como marco fundamental da identidade
jornalstica (Traquina: 2001, p.38).
Transmitir notcias por telgrafo, porm, era caro, com o preo
da transmisso calculado por palavra. Era preciso encontrar uma
maneira de redigir as notcias de forma a responder suscintamente
todas as questes bsicas que um acontecimento levantava. Surgia a
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
28
idia do lead, o pargrafo guia que deveria responder o que tinha
acontecido, quem estava envolvido, onde e quando havia ocorrido,
como ou de que maneira e por que razes.
A histria deveria ser contada a partir do fato mais importante
e todo o acontecimento deveria constar, de forma resumida, no
pargrafo de abertura. Assim, o cliente que recebia a transmisso por
telgrafo podia ter toda a histria por um preo menor. E se quisesse
e pudesse pagar por mais detalhes, compraria a histria por
completo em seus pormenores. Este modelo de redao ficou conhecido
como pirmide invertida2. Pena (2005: pp.48-49), comenta que
Os autores tradicionalmente afirmam que a estratgia ouestrutura narrativa pirmide invertida surgiu em abril de1861, em um jornal de Nova York. Pouco tempo depois ela jera usada pelas agncias de notcias, espalhando-se por todo oplaneta, por ser mais prtica e com preo mais barato natransmisso via telegrama, da poca; assim, dependendo dointeresse do cliente da agncia, o primeiro ou o segundopargrafos j seriam suficientes para atender demanda doveculo assinante.
Desde ento o modelo da pirmide invertida, a ditadura do
lead, era o que assegurava ao jornalista o exerccio de uma
objetividade caracterizada pelo contar frio e seco dos fatos, sem
comentrios, sem enfeites, pelo menos na abertura das matrias.
Atualmente, o formato da pirmide invertida ainda justificado e
prioritariamente utilizado sob a alegao de que o indivduo no tem
tempo a perder e que por isso precisa de formas rpidas de informao.
2 A tcnica da pirmide invertida, em jornalismo, consiste em apresentar os elementos danotcia em ordem decrescente de importncia. A regra geral diz que primeiro deve vir o fatomais importante a ser noticiado, para depois a histria ser completada com os elementossecundrios. Na construo do texto preciso responder s seis perguntas bsicas do lead oucabea da matria: quem, o qu, quando, como, onde e por qu. O que acontece no texto dojornalismo esportivo que existe uma maior liberdade na disposio dos elementos narrativos,o que permite comear uma matria mostrando um torcedor comemorando um gol queaconteceu no meio do jogo e mudou toda a histria da partida para s depois mostrar os golsna ordem em que saram, por exemplo.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
29
Nos veculos impressos, a redao telegrfica ainda uma
norma para a maioria das reportagens. No rdio, frases curtas e poucos
pargrafos, e o enquadramento da notcia em um tempo padro de um
minuto no noticirio da televiso aberta so manifestaes desse
conceito de redao gil, objetiva, sem desperdcios, herana do
perodo de consolidao do Jornalismo moderno e seus quatro
fundamentos bsicos: universalidade, periodicidade, atualidade e
objetividade.
tambm em meados do sculo XIX que a noo de meios de
comunicao de massa ganha corpo, com os jornais que se tornavam
acessveis a um nmero cada vez maior de indivduos nos grandes
centros urbanos. De acordo com Alsina (1996: 87),
A imprensa se converteu para os cidados na principal fonte detransmisso de acontecimentos. Alm disso, diante dosacontecimentos sociais, a imprensa adotou uma postura maisativa; j no se trata de receber a informao e coment-la, masde descobrir o acontecimento (traduo nossa).
A postura mais ativa a que Alsina se refere, do descobrimento
e da busca pelo acontecimento noticivel, chama a ateno para a
institucionalizao da figura do reprter que passa a ser funo
essencial dentro de uma redao. ele quem vai atrs da notcia. ele
quem tem contato com a realidade e quem vai contar os fatos a um
pblico vido por informao. Ao reprter cabe reportar, no comentar.
Com a figura do reprter, a separao entre fato e comentrio, era a
pretenso e o pensamento dominante, estaria sacralizada, embora os
jornais continuassem a oferecer no fatos, mas verses sobre eles, tal
como acontece hoje.
A atividade jornalstica passou a ser encarada com seriedade
tanto por parte dos consumidores quanto, principalmente, por parte dos
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
30
produtores. O jornal se consolidava como uma mercadoria rentvel,
como um bem social, como instrumento de mediao entre o
acontecimento e o indivduo que buscava na leitura fosse informao,
fosse divertimento. Amparado pelos mtodos positivistas de recolha e
redao da notcia, o Jornalismo passa a ser visto, e definido, como um
espelho da realidade:
A metfora presente nessa teoria auto-explicativa. Ela foi aprimeira metodologia utilizada na tentativa de compreenderporque as notcias so como so, ainda no sculo XIX. Suabase a idia de que o jornalismo reflete a realidade. Ou seja,as notcias so do jeito que as conhecemos porque a realidadeassim as determina. A imprensa funciona como um espelho doreal, apresentando um reflexo claro dos acontecimentos docotidiano. Por essa teoria, o jornalista um mediadordesinteressado, cuja misso observar a realidade e emitir umrelato equilibrado e honesto sobre suas observaes, com ocuidado de no apresentar opinies pessoais. Seu dever informar, e informar significa buscar a verdade acima dequalquer outra coisa. Mas, para isso, ele precisa entregar-se objetividade, cujo princpio bsico a separao entre fatos eopinies. (Pena: 2005, p.125)
O aparecimento da teoria do espelho est relacionada s
mudanas de paradigma editorial que aconteceram no sculo XIX.
Acreditava-se que, se os fatos substituem as opinies, a palavra pode
muito bem refletir a realidade. Apesar de outras teorias, ou outras
tentativas de explicar por que as notcias so como so, terem
aparecido ao longo do sculo XX, at hoje os jornalistas parecem
acreditar que as notcias no so nada alm de um reflexo da realidade
(Ibdem).
Porm, longe de simplesmente refletir uma dada realidade,
consideramos que a notcia, o Jornalismo, produto e produtor da
realidade, na medida em que contribui para construir o que real para
um pblico leitor, ouvinte, telespectador. Nesta perspectiva,
concordamos com Traquina (2004: 22), quando afirma que o
Jornalismo uma atividade intelectual no podendo, por isso, ser
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
31
reduzida ao domnio de uma tcnica, de uma linguagem, e os
jornalistas serem reduzidos a simples empregados dos meios de
comunicao: so os jornalistas que decidem o que notcia, so eles
que estabelecem os critrios que um acontecimento deve obedecer para
ser publicizado.
Em interao com outros profissionais, com as fontes e com o
sistema social, como membros de uma comunidade profissional, os
jornalistas acreditam deter o monoplio do conhecimento sobre o que
notcia. Mas a pesquisa acadmica ao longo do sculo XX tem
demonstrado que possvel avanar sobre esse conhecimento e, mais,
trazer luz os critrios que os jornalistas utilizam, de forma emprica e
sem reflexo terica, para selecionar entre milhares de acontecimentos
cotidianos os que vo ser alados categoria de notcia e levados ao
conhecimento pblico.
No pretenso, nesta pesquisa, explorar todas as teorias que
explicam o Jornalismo e a notcia. Nosso fundamento terico baseia-se
em um paradigma que surge nos anos de 1970 e se apia nos estudos
sobre a Produo da Notcia (Newsmaking). Este paradigma uma
conjuno de perspectivas tericas que trabalham o Jornalismo como
lugar de construo do real. Como pontua Traquina (2004:168),
O filo de investigao que concebe as notcias comoconstruo rejeita as notcias como espelho por diversasrazes. Em primeiro lugar, argumenta que impossvelestabelecer uma distino radical entre a realidade e os medianoticiosos que devem refletir essa realidade, porque asnotcias ajudam a construir a prpria realidade. Em segundolugar, defende a posio de que a prpria linguagem no podefuncionar como transmissora direta do significado inerente aosacontecimentos, porque a linguagem neutral impossvel. Emterceiro lugar, da opinio de que os media noticiososestruturam inevitavelmente a sua representao dosacontecimentos, devido a diversos fatores.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
32
Fatores esses que incluem aspectos da prpria organizao do
trabalho, questes de oramento dos media noticiosos, limitaes
tcnicas e de pessoal, entre outros. Tendo em mente tal perspectiva,
mister nos ocuparmos do conceito de notcia, fundamental para o
presente trabalho, antes de avanarmos na conceituao do que seja o
Jornalismo na sociedade contempornea.
1.2 As notcias
Partimos do pressuposto de que as notcias no so meros
reflexos da realidade. H algo mais profundo, mais complexo, a ser
explorado no estudo delas que so a essncia do Jornalismo. possvel
afirmar que cada pesquisador tem seu prprio conceito do que seja uma
notcia jornalstica. Assim como, para os jornalistas, notcia aquilo que
eles publicam, para o grande pblico, notcia o que est impresso nos
jornais e revistas, o que vai ao ar no rdio e na televiso, o que est
publicado nos sites informativos na internet.
Por isso, Kunczik (1997:240), afirma que a notcia
freqentemente se define de maneira puramente tautolgica, no
sentido de que notcia o que os meios do dia publicam como notcia.
Altheide (Apud Wolf: 2003, p.196), ainda mais conciso e diz que as
notcias so o que os jornalistas definem como tais. Posio, inclusive,
compartilhada por Herraiz (apud Alsina: 1996, p. 181) que afirma que a
notcia o que os jornalistas crem que interessa aos leitores,
portanto, a notcia o que interessa aos jornalistas (traduo nossa).
Mas, porque estes e no aqueles assuntos so publicados como
notcias do dia nos meios de comunicao? O que faz um
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
33
acontecimento, isolado ou no, romper a barreira do anonimato e virar
manchete, reportagem, contedo publicvel? Por que os jornalistas
definem algumas notcias como tais? Existem critrios, existem valores,
existem regras que so internalizadas pela comunidade jornalstica para
dar conta da abundncia de ocorrncias na sociedade porque o espao
no jornal limitado, seja essa limitao espacial ou temporal.
Acontecimentos irrompem a todo instante, em todo lugar, sem
aviso prvio. E, para darem conta do que acontece e selecionar o que
vai ser publicado, os jornais precisam impor ordem ao caos. Precisam
criar regras, compartilhadas pelos jornalistas e internalizadas na cultura
profissional, que facilitem o trabalho de ordenao e seleo.
Para virar notcia, os acontecimentos precisam atender a uma
srie de critrios: os critrios de noticiabilidade, definidos por Wolf
(2003:196) como
O conjunto de critrios, operaes e instrumentos com os quaisos aparatos de informao enfrentam a tarefa de escolhercotidianamente, de um nmero imprevisvel e indefinido deacontecimentos, uma quantidade finita e tendencialmenteestvel de notcias.
Tuchman (1983:58) compara os critrios de noticiabilidade ao
conjunto de sintomas aos quais os doentes em um hospital so
reduzidos, para facilitar sua identificao e seu tratamento. Pena
(2005:131), destaca que a noticiabilidade negociada entre os
jornalistas que exercem as mais variadas funes em uma redao:
reprteres, editores, pauteiros, e outros.
Os critrios de noticiabilidade comportam valores: os valores-
notcia, que so os tais critrios e operaes usados para definir quais
acontecimentos so significativos e interessantes para serem
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
34
transformados em notcia (Ibdem: pp.130-131). Os valores-notcia so
regras prticas que guiam o trabalho jornalstico na definio do que
ou no notcia.
Elaborar uma notcia no simplesmente redigir um texto com
as tcnicas exigidas ou recomendadas pelos manuais. Elaborar uma
notcia pressupe, alm desta traduo, o domnio do manejo dos
critrios de noticiabilidade e dos valores-notcia adotados na cultura
profissional e institucional da produo das notcias. este domnio que
permite aos jornalistas darem ao Jornalismo o carter de universalidade
que o constitui:
Desastres, dramas, os gestos do dia-a-dia cmicos etrgicos de pessoas vulgares, a vida dos ricos e poderosos, etemas to perenes como o futebol (...), todos eles encontramum lugar regular nas pginas de um jornal. Duas coisasresultam disto: a primeira que o jornalismo tender a realaros elementos extraordinrios, dramticos, trgicos, etc., numaestria para reforar a sua notabilidade; a segunda queacontecimentos que maior pontuao tenham num nmerodestes valores-notcia tero maior potencial noticioso do que osoutros (Hall et alli: 1993, p.225).
A diviso de uma redao em setores temticos, as editorias,
uma indicao da existncia de rotinas produtivas, tal como numa
indstria que as empresas jornalsticas efetivamente so, com o
objetivo de facilitar e tornar constante a produo das notcias. Mesmo
existindo todo um corpo de critrios e de valores que so comuns a
todas as editorias, cada uma delas tem os seus prprios, pela variedade
e diversidade dos assuntos que tratam entre si e at mesmo pela
concepo do que notcia para cada seo do jornal.
Em seu estudo sobre as rotinas de produo dos editores do
RJTV, telejornal local da Rede Globo no Rio de Janeiro, Pereira Jr.
(2003) aponta sete critrios de noticiabilidade vlidos para o Jornalismo
em geral e um para a televiso em particular, nomeadamente:
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
35
factualidade, despertar o interesse do pblico, atingir o maior nmero
de pessoas, acontecimentos inusitados, novidades, personagens e boas
imagens.
De volta s notcias, e assumindo que as consideramos uma
construo que ajuda a criar um mundo possvel e, por isso mesmo,
representvel jornalisticamente, concordamos com Sousa (2002: 16),
para quem a notcia uma construo influenciada por fatores pessoais,
sociais, culturais, ideolgicos, histricos e tecnolgicos. O autor se
baseia nos estudos do historiador da imprensa Michael Schudson, para
quem a ao social, a ao pessoal e a ao cultural, inter-relacionadas,
esto situadas entre as principais explicaes do que so e porque as
notcias so como so:
Em conformidade com a ao pessoal, as notcias so vistascomo um produto das pessoas e das suas intenes; a aosocial d nfase ao papel das organizaes (vistas como maisdo que a soma das pessoas que as constituem) e dos seusconstrangimentos na conformao da notcia; a ao culturalperspectiva as notcias como um produto da cultura e doslimites do que culturalmente concebvel no seio dessacultura: isto , uma dada sociedade, num determinadomomento, s consegue produzir uma determinada classe denotcias.
A reflexo sobre as aes ideolgica, histrica e do meio fsico
e tecnolgico so contribuies do autor teoria schudsoniana. A ao
ideolgica se refere tanto cultura profissional que define a ideologia
jornalstica quanto ao carter jornalstico de manter em vista as
fronteiras do que seja legtimo e aceitvel socialmente. A ao
tecnolgica diz respeito s modificaes que a tecnologia permite ao
fabrico e difuso das notcias. E a ao da histria em curso nos faz
compreender que em determinadas pocas certas classes de
acontecimentos sejam mais ou menos noticiveis.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
36
Assim, a definio do que seja notcia em sentido amplo,
perpassa a discusso no apenas do que seja importante, mas tambm
destes fatores que concorrem para que esta construo que
identificamos como sendo a notcia seja uma forma de ver, perceber e
conceber a realidade (Pereira Jr: 2003, p.64), ou ainda uma
representao social da realidade cotidiana produzida institucionalmente
que se manifesta na construo de um mundo possvel (Alsina: 1996,
p.18, traduo nossa), um bem de consumo perecvel (Tuchman: 1996,
p.181), ou, na conceituao de Martinez Alberto (apud Alsina: 1996,
p.181), um fato verdadeiro, indito ou atual, de interesse geral, que se
comunica a um pblico que pode ser considerado massivo, uma vez que
tenha sido reconhecido, interpretado e valorado pelos sujeitos
promotores que controlam o meio utilizado para a difuso (traduo
nossa).
Desta forma, concordando com os autores citados, mas
interessados em propor uma viso ao mesmo tempo consoante e
complementar, utilizaremos neste trabalho a conceituao de notcia
enquanto acontecimento tornado pblico nos meios de comunicao por
obedecer a uma srie de critrios estabelecidos pela instituio
publicizadora jornalistas e empresas jornalsticas , em
conformidade com fatores como as pessoas e organizaes envolvidas
no fabrico da notcia, a cultura, a ideologia, a histria, a tecnologia e a
prpria sociedade fornecedora da matria-prima noticivel, sendo
reconhecido como tal pelo pblico consumidor e que, por isso, irrompe
do mundo cotidiano e ganha espao na mdia impressa e tempo nos
meios audiovisuais como uma estria do cotidiano.
E o Jornalismo se ocupa deste produto. a notcia a sua
matria bsica. Existem diferentes notcias, que podem ser dadas em
diferentes formatos. Tuchman (1983: 59) identifica cinco tipos de
notcias: duras, sbitas, brandas ou leves, em desenvolvimento e
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
37
notcias de seqncia. Esta classificao, explica a autora, diferencia
tipos de contedos ou de temas.
A notcia dura representa o que de interesse pblico,
questes importantes para as pessoas enquanto cidads. J a notcia
branda trata de questes interessantes, comumente identificadas com
relatos de interesse humano. Mas a autora lembra que difcil
diferenciar se um dado acontecimento importante ou interessante ou
se interessante e importante ao mesmo tempo e que, por isso, o
mesmo acontecimento pode ser tratado como relato de uma notcia
dura ou como relato de uma notcia branda (Ibdem: p.61, traduo
nossa).
Se existe dificuldade de distino entre notcias duras e
brandas, o mesmo ocorre entre as notcias sbitas e em
desenvolvimento e as de seqncia. Notcias sbitas e em
desenvolvimento so como subclassificaes das notcias duras e, no
caso das sbitas, se definem pelos acontecimentos no programados,
imprevistos, que devem ser processados e publicizados com rapidez. As
notcias em desenvolvimento se referem a situaes de emergncia,
que no se esgotam em sua irrupo no espao pblico e continuam a
gerar fatos novos.
J as notcias de seqncia so acontecimentos pr-
programados que se constituem numa srie de relatos sobre o mesmo
tema e tais relatos so baseados em acontecimentos que ocorrem
durante um determinado espao de tempo. As referidas tipificaes,
porm, no devem ser vistas como classificaes fechadas, porque as
notcias so dinmicas, assim como dinmicos so a sociedade e o
Jornalismo.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
38
1.3 Jornalismo: em busca de uma definio
Se a vida social uma sucesso catica de acontecimentos, o
Jornalismo pode ser encarado como uma entre muitas formas de tentar
pr ordem a esse caos ao transformar alguns desses acontecimentos
em notcias (Pena: 2005, p.22), categorizando-os e distribuindo-os por
sees temticas a partir das caractersticas semelhantes que
apresentam, num processo de enquadramento que os torna
reconhecveis e aceitveis enquanto notcias por parte da sociedade.
Inmeras so as tentativas de reduzir esse ordenamento a
uma conceituao satisfatria ou que, pelo menos, contemple um
dentre seus vrios aspectos, uma dentre as vrias facetas em que se
apresenta. Por isso, h quem defina o Jornalismo a partir de suas
relaes com o poder institudo, julgando-o como o quarto poder, ou
como uma forma de reproduzir e manter os processos de dominao na
sociedade capitalista (Marcondes Filho: 1989), ou seguindo esta mesma
linha de raciocnio ao coloc-lo no rol dos aparelhos ideolgicos de
Estado (Althusser: 1989). O Jornalismo tambm pode ser definido por
seu carter industrial, j que produz um tipo de mercadoria mpar no
contexto da indstria cultural (Adorno e Horkheimer: 2002).
J outros pesquisadores preferem defini-lo a partir de sua
relao com o tempo, com o espao e com a sociedade como um todo.
Assim, Jos Marques de Melo (2003) trabalha com a noo de
jornalismo como comunicao de atualidades. Jornalismo tambm
um bem social (Pena: 2005), um servio pblico (Sousa: 2002), uma
forma de dar voz, teoricamente, a todos os setores da sociedade. Ou
ainda uma arena de representaes, um campo ideolgico onde se d a
batalha por mentes e coraes (Knightley:2002).
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
39
Jornalismo tambm uma atividade definida pelas tcnicas
compartilhadas pelos membros da comunidade profissional, tcnicas
que do ao texto jornalstico as caractersticas que o distinguem dos
textos artsticos, literrios, publicitrios, dentre outros. E no apenas as
tcnicas de redao, mas o tratamento, o enfoque dado ao material
informativo e o prprio contedo veiculado ajudam a definir o que seja
Jornalismo.
Tal como propomos um conceito generalista de notcia para
guiar nossos passos nesta pesquisa, tambm estamos preocupados em
chegar a um conceito de Jornalismo que possa ser tensionado com o
conceito de Entretenimento nos captulos seguintes. Se a notcia uma
construo, e se a definimos sob esta perspectiva, o Jornalismo pode
ser encarado como um grande painel: um catlogo onde as peas que
ajudam a construir a percepo do que real para o cidado comum
esto colocadas. um mosaico de estrias. Traquina (2004:21) diz que
o jornalismo um conjunto de estrias, estrias da vida, estria
das estrelas, estrias de triunfo e tragdia.
Como mosaico de estrias, nada lhe escapa, desde que possa
ser enquadrado no sistema de critrios e valores que os construtores
desse mosaico observam antes de colocar cada pea em seu lugar at
que a figura do que concebem como realidade aparea. Assim,
propomos uma abordagem do Jornalismo enquanto uma atividade
intelectual que rene um conjunto de tcnicas, objetivas e subjetivas,
de publicizao de acontecimentos que mobilizam a sociedade e ajudam
a construir uma realidade para o pblico, atravs de relatos de estrias
as notcias que contemplam todos os aspectos da vida social.
Tambm ajudam a definir o Jornalismo a natureza dos meios
de difuso da informao. Jornalismo em veculo impresso diferente
de Jornalismo em veculo audiovisual, embora existam semelhanas e
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
40
linhas norteadoras comuns. Estudos sobre Jornalismo geralmente
versam sobre a imprensa mais propriamente dita, deixando em um
segundo plano o telejornalismo. quase como se os autores, boa parte
deles e isso sem deixarem explcito em lugar algum, no considerassem
como tal o Jornalismo de televiso. como se a distncia fosse muito
grande, muito intransponvel. Reflexo para o prximo captulo.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
41
2 TELEVISO E JORNALISMO
A informao televisiva oferecida ao consumo como testemunho docotidiano e como espetculo; a novela de cada dia.Jos Manuel Morn
Sem dvidas, o Jornalismo praticado pela mdia impressa
diferente daquele praticado na televiso. So diferenas estruturais
relacionadas com o meio, e a concepo de Jornalismo e de notcia
muda em virtude dessas diferenas. Mas tambm existem semelhanas,
j que, apesar das particularidades, h uma noo geral de Jornalismo
partilhada pela mdia.
O telejornalismo deve ser pensado como mais um produto da
grade de programao das emissoras, que deve obedecer a um padro
identitrio comum a todos os outros programas, guardadas as
especificidades relativas ao gnero e ao status de cada um. Mas, para
refletir e discutir os conceitos ligados ao telejornalismo, preciso antes
fazer um exerccio de reflexo e discusso sobre o prprio veculo
televiso.
Este captulo comea, ento, com tal exerccio. A televiso,
enquanto veculo de comunicao massiva e, no caso da sociedade
brasileira, meio de comunicao por excelncia, nico modo de contato
com o mundo exterior da maioria dos cidados, guarda aspectos que
merecem e precisam ser levados em considerao para que se
possa compreender por que o telejornalismo como e por que as
notcias em televiso so como so.
Falamos, especificamente, das caractersticas do meio, do seu
poder de penetrao social, do prprio papel social que a TV
desempenha na sociedade brasileira e de como tudo isso se encontra no
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
42
telejornalismo oferecido na tela. Consideramos til, tambm, no deixar
de comentar a influncia do modelo oferecido pela Rede Globo na
constituio da identidade televisiva brasileira.
2.1 Televiso: aspectos tericos
A televiso um meio de comunicao destinado a um pblico
imenso, annimo e heterogneo, constituindo-se no apenas numa
transformao radical, mas numa revoluo comunicacional que
comeou com a expanso da imprensa no sculo XIX, ganhou impulso
com o rdio e o cinema nas primeiras dcadas do sculo seguinte e
levou para dentro dos lares, a partir de 1950, um mundo em sons e
imagens.
Desde a sua insero no mundo social at hoje, a televiso
passou por inmeros avanos tecnolgicos introduo do video-tape,
da cor, de novas possibilidades de captao da imagem, etc. mas seu
carter permaneceu imutvel, qual seja, reunir indivduos que tudo
tende a separar e oferecer-lhes a possibilidade de participar de uma
atividade coletiva (Wolton: 1996, p.15), uma forma de aliana entre o
individual e o coletivo, entre o indivduo e a comunidade. Desta aliana
possvel apreender quatro aspectos bsicos inerentes ao meio e que
ajudam a compreender algumas das caractersticas de suas mensagens:
a televiso um meio massivo, intimista, dispersivo e seletivo (Maciel:
1995).
A televiso massiva porque seu pblico medido sempre em
milhes de telespectadores. Uma mensagem televisiva abrangente e
no conhece limites, a no ser os tcnicos, para a recepo. Hoje no
h quem no assista TV, que tambm um meio intimista porque,
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
43
apesar de se dirigir a um pblico heterogneo e numeroso, o discurso
dirigido a cada telespectador em particular. Desta forma, a televiso se
coloca na articulao entre os nveis individual e coletivo.
Mas, por se tratar de um veculo parte da moblia do lar, a
televiso acaba por ser dispersiva, dividindo as atenes com os
afazeres domsticos, a leitura, os rudos provenientes da rua ou de
cmodos prximos de onde o aparelho est instalado. Para superar esta
dificuldade, a mensagem deve ser simplificada e atraente. E em
conseqncia de sua dispersividade, ela igualmente seletiva: nem
tudo o que o telespectador gostaria de ver ele realmente o ver na
televiso.
A limitao de tempo faz com que um telejornal, por exemplo,
faa uma rigorosa seleo do que vai levar ao conhecimento da
audincia. preciso salientar, porm, que a seleo das mensagens no
parte apenas de quem produz a TV, mas tambm de quem a assiste
porque a oferta variada de produtos em canais diversos faz com que o
telespectador tenha uma autonomia limitada sobre o que quer ver.
A par destas quatro caractersticas bsicas, a televiso pode
ser encarada como uma forma de lao social entre os indivduos que se
projetam nas experincias expostas na tela. A televiso no apenas o
conjunto de seus programas e contedos: tambm uma forma de
cultura social que, de acordo com Vilches (1996:13), estabelece uma
relao comunicativa baseada na cumplicidade e no apenas, ou
necessariamente, na intransponvel dualidade entre dominantes e
dominados.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
44
Numa perspectiva prxima, Wolton (1996) defende ser a
televiso generalista3 um meio de forjar e manter laos sociais via
um mecanismo de identificao, no de manipulao ou dominao
porque, para o autor, o pblico saberia assistir s imagens que recebe e
no jamais passvel, nem neutro. O pblico filtra as imagens em
funo dos seus valores, ideologias, lembranas, conhecimentos
(Ibdem: p.6). Porm, esta no a opinio dominante entre os tericos
que se ocupam da televiso.
A opinio dominante entre os pesquisadores que se dedicam
ao estudo da televiso pode ser sintetizada na afirmao de Bourdieu
(1997:20), para quem a TV explora como nenhum outro meio de
comunicao as paixes mais primrias das pessoas e que, por seu
alcance, ela um formidvel instrumento de manuteno da ordem
simblica, uma ordem de violncia e opresso exercida por aqueles
que dominam o acesso aos meios de comunicao, produo e ao
consumo dos bens culturais, simblicos. Em ltima instncia, a violncia
simblica seria mais uma manifestao de fora do poder capitalista.
Bourdieu se alinha aos intelectuais que tm uma viso prxima
acerca do Jornalismo dentro de uma perspectiva frankfurtiana de que os
meios de comunicao de massa estariam servio de uma indstria
cultural alienante:
Uma parte da ao simblica da televiso, no plano dasinformaes, por exemplo, consiste em atrair a ateno parafatos que so de natureza a interessar a todo mundo, dos quaisse pode dizer que so omnibus isto , para todo mundo. Osfatos-nibus so fatos que, como se diz, no devem chocarningum, que no envolvem disputa, que no dividem, queformam consenso, que interessam a todo mundo, mas de ummodo tal que no tocam em nada de importante. As notcias de
3 O termo televiso generalista, Wolton utiliza em contraposio televiso temtica,segmentada. A televiso generalista corresponde aos canais abertos que oferecem programaspara todos os tipos de pblico com os mais variados interesses. A televiso temtica , emgrande parte, os canais fechados que oferecem uma programao montada a partir deinteresses de uma audincia que se restringe aos assuntos enfocados.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
45
variedades consistem nessa espcie elementar, rudimentar, dainformao que muito importante porque interessa a todomundo sem ter conseqncias e porque ocupa tempo, tempoque poderia ser empregado para dizer outra coisa. Ora, otempo algo extremamente raro a televiso. E se minutos topreciosos so empregados para dizer coisas to fteis, queessas coisas to fteis so de fato muito importantes namedida em que ocultam coisas preciosas (Ibdem: p.23).
Apesar de no desprezarmos a contribuio terica tanto do
socilogo francs quanto daqueles que defendem uma linha similar,
entendemos ser a televiso mais que esse instrumento de dominao e
manuteno de uma ordem burguesa de organizao social. Televiso,
concordamos com Machado (2003: pp.10-11), um dispositivo
audiovisual atravs do qual uma civilizao pode exprimir a seus
contemporneos os seus prprios anseios e dvidas, as suas crenas e
descrenas, as suas inquietaes, as suas descobertas e os vos de sua
imaginao. 4
Bucci (1996:12) diz para quem julga que a televiso faz o que
bem entende com a audincia que
No bem assim (...). ela no determina o que cada um vaifazer ou pensar, no h um crebro maquiavlico por trs decada emissora procurando doutrinar a massa acrtica (...); amassa de telespectadores no obedece irrefletidamente o quev na televiso; o que acontece que a televiso se apresentacom os mecanismos necessrios para integrar expectativasdiversas e dispersas, os desejos e as insatisfaes difusas,consegue incorporar novidades que se apresentemoriginalmente fora do espao que ela ocupa e, em suadinmica, vai dando os contornos do grande conjunto, com umtratamento universalizante das tenses.
4 Uma outra perspectiva conceitual acerca da televiso oferecida por Muniz Sodr em AAntropolgica do Espelho (Petrpolis: Vozes, 2002): o autor considera que a televiso aprincipal expresso de uma nova forma de vida, a bios-media, em que a vida cotidiana passapara o campo do virtual e do simulacro na, e graas a, interferncia da mdia nas relaeshumanas. O homem , nessa perspectiva, potencial produto e produtor, alimento e alimentadordesse sistema miditico. No desprezamos a valiosa contribuio do autor, mas, nesta pesquisaem particular, optamos pelo vis emprestado ao estudo da televiso por Arlindo Machado porconsiderarmos mais pertinente aos objetivos especficos deste trabalho.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
46
Os defeitos to prontamente apontados e criticados, muitas
vezes so caractersticas mal compreendidas da televiso. Por exemplo,
onde Bourdieu v apenas censura, o que, de fato e no fundo, existe
um conjunto de rotinas de produo e critrios de noticiabilidade que
ajudam a definir o que ou no noticivel por se enquadrar ou no nas
regras de produo jornalstica5.
Sua to proclamada superficialidade, to denunciada
espetacularidade, seu condenado poder de fascnio e sua alegada
alienao cultural encontram explicao terica na prpria constituio
do veculo. Porque a televiso um eletrodomstico procura de uma
necessidade que possa legitim-la socialmente, conforme comentrio de
Sodr (1984:14). Por esta razo, Vilches (1996:15) sai em sua defesa
afirmando que a televiso uma forma de expressar experincias
culturais e estticas diversas que acabam por relativizar o conceito de
realidade e, por isso, ele comenta que a televiso no boa nem m
em si: apenas um meio que expe o mito da sociedade atual atravs
do narrativo, do fantstico e do ritual da cotidianidade, sem buscar a
objetividade da realidade da forma que fazem as cincias (traduo
nossa).
Essa diversidade de experincias partilhadas, mediadas pelas
ondas hertzianas, ajuda a construir no apenas os laos sociais, o
sentimento de povo em comunidade como afirma Wolton, mas tambm
a prpria realidade. No caso da televiso brasileira, por exemplo, ela foi
capaz de criar um elo entre os indivduos de todas as partes do pas
forjando uma idia de identidade nacional, entendendo por identidade a
definio de Castells (1999:22) como sendo a fonte de significao e
5 Bourdieu toca na questo das rotinas e dos critrios, mas categorizando-os como censura aoafirmar que no h discurso (...) nem ao (...) que, para ter acesso ao debate pblico, nodeva submeter-se a essa prova de seleo jornalstica, isto , a essa formidvel censura que osjornalistas exercem, sem sequer saber disso, ao reter apenas o que capaz de lhes interessar,de prender sua ateno, isto , de entrar em suas categorias, em sua grade, e ao relegar insignificncia ou indiferena expresses simblicas que mereceriam atingir o conjunto doscidados (1997:67).
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
47
experincia de um povo. Identidade esta talvez no nacional, mas
miditica. Afinal, como afirma Wolton (1996:16),
A fora da televiso est no religamento dos nveis daexperincia individual e da coletiva. Ela a nica atividade afazer a ligao igualitria entre ricos e pobres, jovens e velhos,rurais e urbanos, entre os cultos e os menos cultos. Todomundo assiste televiso e fala sobre ela. Qual outra atividade, hoje, to transversal? Se a televiso no existisse, muitagente sonharia em inventar um instrumento capaz de reunirtodos os pblicos.
Mesmo assumindo uma postura otimista, porm crtica, sobre
a televiso, no deixamos de refletir acerca de seu papel poltico e do
peso das foras econmicas que a viabilizam. Afinal, a TV no Brasil
um servio e uma concesso pblica que segue o modelo de
organizao, administrao e gesto da empresa privada que e que,
por isso, precisa buscar fontes de financiamento na publicidade,
garantida a partir do bom desempenho da audincia de seus produtos.
Mas, outra vez, pontuamos que esta mais uma caracterstica da TV e
no um defeito inerente.
Ao contrrio dos meios impressos, o veculo audiovisual se
organiza em funo do tempo, em uma grade de programao que
garante a oferta quase contnua de imagens com prerrogativas e status
diferentes. A programao deve ser atraente o bastante para conquistar
a ateno dos telespectadores e, por meio deles, a dos anunciantes que
possam financiar a sobrevivncia dos programas e da prpria instituio
televisiva privada.
Neste sentido, a televiso precisa oferecer aquilo que, supe-
se, o telespectador pretende encontrar nela: entretenimento,
informao, servios de utilidade pblica ou o que quer que seja. Mas,
dada a constituio social e econmica da sociedade contempornea
e, assinale-se, no apenas a brasileira , onde o acesso a variadas
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
48
formas de lazer e bens culturais no est a pleno alcance de todos, a
televiso acabou por transformar-se na maneira mais prtica e barata
de entretenimento para a imensa maioria das pessoas. Logo, a
televiso, que um eletrodomstico em busca de uma funo social
conforme dito anteriormente, acabou por se transformar em um veculo
de entretenimento por excelncia.
No estamos querendo dizer com isso que no haja nada alm
de entretenimento na televiso. A informao est l, a utilidade pblica
est l, uma aparente democratizao da informao e de uma forma
de cidadania mediada est l. S que est de forma a conservar uma
unidade identitria que leva o telespectador a interessar-se pelo fluxo
televisual como um todo, incluindo os (cada vez maiores) espaos
dedicados publicidade6.
Assim, a televiso tambm um negcio, mas um negcio
diferenciado, to particular, que mesmo sendo a indstria cultural que
, fora-nos a buscar no apenas explicaes econmicas que nos
ajudem a entend-la e a seus produtos. No caso da televiso brasileira,
por exemplo, e faremos isso mais adiante, possvel apontar para uma
srie de fatores histricos interligados aos aspectos econmicos,
polticos, tcnicos e sociais que mobilizaram e ainda mobilizam o nosso
sistema audiovisual.
De volta aos aspectos tericos pertinentes a este tpico, no
podemos deixar de contemplar outra caracterstica fundamental da
televiso nas sociedades contemporneas: que ela, como todos os outros
media, ajuda a construir uma noo de realidade. Uma realidade
mediada. A realidade tal como a conhecemos socialmente construda,
no dada aprioristicamente (Berger e Luckmann: 1995). Vrios fatores
6 A televiso fica com metade de todos os gastos com publicidade no Brasil, gastos querepresentam algo em torno de 1% do PIB (Pereira Jr.: 2002)
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
49
determinam e contribuem para esta construo, no apenas os media
eles no agem isoladamente, mas so peas fundamentais neste
processo porque a complexidade da vida social contempornea faz
aumentar a dependncia das pessoas pelas imagens (incluindo textos e
narrativas) miditicas, conforme depreendemos das palavras de Mayo
(2004:16):
A crescente complexidade da vida social faz com que muitos deseus aspectos escapem percepo direta, e que por issoaumente a dependncia de carter vicrio dosespectadores com respeito a uns meios de comunicao que,de maneira massiva e incessante, produzem e difundemdeterminadas imagens da sociedade e da realidade (traduonossa).
O processo de produo da realidade nos meios de
comunicao o resultado de uma prtica determinada por certas
rotinas submetidas a uma lgica organizacional e profissional que
permitem aos media selecionar o que deve ser publicizado e levado ao
conhecimento pblico, logo, tornado realidade. Essas rotinas
produtivas, conforme comentadas no primeiro captulo, obedecem a
uma categorizao da matria-prima os acontecimentos da sociedade
de forma a facilitar a montagem de um grande painel do real.
Os acontecimentos sociais passam assim pelo crivo dos
produtores miditicos que tipificam os fatos em quadros de referncia
pr-estabelecidos. O que no se encaixa em nenhum dos quadros
reconhecidos e aceitos pelos media fica fora da realidade miditica,
implicando tambm sua ausncia da realidade do cidado de uma
sociedade midiatizada.
Cada vez mais as pessoas moldam suas concepes de
realidade a partir da experincia vivida atravs de uma mediao
televisiva. O que est fora da TV tambm est fora do alcance de parte
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
50
significativa da sociedade. O que est fora da TV por no se encaixar
em seus quadros de referncia tambm est fora dos quadros de
referncia para aqueles a quem a TV o espelho do real.
Mas, que realidade a televiso produz? A realidade televisiva
no pode ser considerada apenas como algo alienado e distante do dia-
a-dia, porque a que a televiso vai buscar inspirao. O que acontece
que a televiso um aparato de produo cultural que obedece a
critrios prprios para transformar os fatos do cotidiano em fico,
humor, notcia, aventura, em outras palavras, programao.
O telejornalismo uma pea chave nessa programao. E o
produto que reclama credibilidade para que seja aceito como espelho do
real para um pblico que v diante dos olhos, numa profuso de
imagens, no apenas um espelho, mas uma janela que se abre para
que ele possa ver e conhecer o que est perto e longe, o que lhe
afeta poltica, social e economicamente e o que lhe distrai, o que lhe
entristece, o que lhe alegra.
O telejornal leva ao telespectador um real fragmentado,
tipificado, categorizado, um mosaico de imagens e um quebra-cabea
de informaes que pautam as conversas das pessoas. O mesmo
acontece com outro produto-chave da televiso brasileira: as
telenovelas. Assim, a televiso fornece a referncia sobre o que falar e,
em alguns casos, sobre como falar. uma fora de agendamento social
somente possvel em uma sociedade midiatizada, numa redefinio do
espao pblico que passa a ser o espao de uma mdia dominada pela
televiso.
http://www.pdfdesk.com
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAOCOBERTURA ESPORTIVA NA TELEVISO: JORNALISMO OU ENTRETENIMENTO?
51
2.2 A televiso no Brasil
Top Related