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CEPLAM CENTRO DE ESTUDOS e PESQUISAS LITERÁRIAS
ACADÊMICOS MAÇÔNICOS (Só não é membro quem não quer)
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Por que sou Franco-Maçom ? Porque sou livre e de bons costumes, porque me
subjuga o amor, porque me absorve a beleza, porque me emociona a liberdade, porque vou atrás da justiça e aspiro a felicidade da Humanidade. E a satisfação de tão elevados ideais só se encontra no seio da Franco Maçonaria.
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CEPLAM – CENTRO DE ESTUDOS e PESQUISAS LITERÁRIAS ACADÊMICPOS
MAÇÔNICOS
A Lei Geral das Religiões o Enfraquecimento do Estado Laico no Brasil
No senso comum, a fé religiosa – prática que tem a idade do ser
humano – tem sido reduzida à crença em verdades sobrenaturais e,
portanto, improváveis. Nas diferentes formações sociais, as
instituições religiosas, ao longo da história, objetivadas em
estruturas hierárquicas, procuraram sempre organizar e fidelizar as
multidões crentes. Da magia inaugural, mundo simbólico em
confronto com os mistérios que a envolvia (e sempre envolverão),
a humanidade que professava alguma forma de fé transitou para
sistemas religiosos mais complexos.
Marx, analisando o fenômeno no século xix, classificou a religião
como “suspiro da criança oprimida, coração de um mundo sem
coração, espírito de uma situação sem espírito, ópio do povo”.
Destacou, portanto, elementos de libertação simbólica, ânsia
mística de superação, mas eles foram, em cada situação específica,
devidamente domesticados, para que a religião fosse
instrumentalizada como bálsamo de consolação dos sofrimentos e
promessa da recompensa celestial. Consolo de fracos, refrigério
para os frustrados e ressentidos. E, com a montagem dos sistemas
eclesiásticos, uma poderosa instância de cimento ideológico de
manutenção da ordem social.
A exacerbação de uma fé primária, em muitas sociedades, levou ao
fanatismo. O fundamentalismo religioso – distraído da verdadeira
busca dos fundamentos, das raízes profundas de cada crença – não
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interpela pelo sentido da vida, na dialética agostiniana do “procurar
para achar e, achando, mais procurar”. A religião dogmática do “crê
ou morre” afirma-se na condenação do que lhe é diferente: os
“hereges”, os que devem ser eliminados. Esse espírito cruzadista
de extermínio do que não adere continua até hoje, e às vezes sem
muitas sutilezas. Aí estão Estados Religiosos a comprovar essa
prática.
A sacralização do Poder e dos governos, desde os faraós do Antigo
Egito, consolida o mando opressivo, anestesia o espírito crítico,
complementa a dominação objetiva com a subjetiva, impondo uma
determinada crença como religião de Estado e, por consequência, a
“santificação” do Poder Temporal.
Assim como teólogos respeitáveis afirmam, em aparente paradoxo,
que “Deus não tem religião”, é urgente reiterar, nesses tempos de
retrocessos fundamentalistas e reprimarização simbólica
mistificadora, que só o Estado Laico garante a verdadeira liberdade
religiosa!
A fé – de qualquer matriz e, por óbvio, não só a cristã, tão forte na
nossa cultura ocidental – também pode e deve ser elemento de
humanização. Só o ser humano cria ritos e magias, imagina
eternidades, é capaz de transcendência. A fé, assim, não é simples
anteparo a dúvidas e angústias, nem escudo dogmático a evitar
contradições, muito menos amálgama para consolidar estruturas
estatais.
O psicanalista inglês Donald Winnicott (1896–1971) disse que a fé
“é o primeiro motor da práxis humana: é que nos faz ver que a vida
vale a pena ser vivida”. Jurandir Freire Costa, seu colega brasileiro
e ainda bem vivo entre nós, compara a fé religiosa em Deus, nessa
perspectiva madura e libertária, com “a do cientista na ciência, a do
artista na arte, a do moralista nos deveres éticos e a do humanista
nos melhores aspectos das pessoas”.
...
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Do Decreto à Lei Geral
O Congresso Nacional aprovou, em outubro de 2009, um acordo
entre o Brasil e a Santa Sé (DL no 698/2009), atualizando o estatuto
jurídico da Igreja Católica no Brasil. Segundo a proposição, objeto
de negociação restrita desde o segundo semestre do ano anterior,
ad referendum do Parlamento Nacional, o Brasil reconhece à Igreja
Católica o “direito de desempenhar a sua missão apostólica,
garantindo o exercício público de suas atividades, observado o
ordenamento jurídico brasileiro”.
Diante das fortes reações que outras denominações religiosas
opuseram ao Decreto Legislativo aprovado pelo Congresso,
lideranças partidárias, em especial aquelas vinculadas a hierarquias
religiosas evangélicas neopentecostais, elaboraram – e fizeram
tramitar em tempo recorde na Câmara dos Deputados – uma
chamada “Lei Geral das Religiões” (PL no 5 598/2009), cópia fiel
do tratado do governo brasileiro com a Santa Sé, garantindo a todas
as Igrejas, de qualquer credo, os direitos concedidos à Católica
Romana.
O texto que beneficia as outras religiões foi votado, a toque de caixa
(registradora?), por exigência de segmentos evangélicos, como
condição para aprovarem o acordo com o Vaticano, e teve como
relator o deputado e neoevangélico Eduardo Cunha (pmdb-rj).
A “Lei Geral das Religiões”, ainda em debate no Senado,
generaliza benefícios e, no nosso entendimento, cria uma
debilidade republicana, conferindo incontrolável poder temporal a
qualquer organização religiosa, tenha tradição e preceitos
doutrinários ou não.
Obviamente, existem Igrejas que têm raiz, fundamento, tradição
histórica. Cometeram muitos equívocos e crueldades em sua
trajetória, mas estão consolidadas. “Civilizaram-se”, dizem alguns.
Agora, a Câmara dos Deputados decidiu que quem quer que
organize uma “instituição religiosa” terá sua seita obrigatoriamente
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reconhecida pelo Estado no simples ato de criação,
independentemente de lastro histórico e cultural, doutrina, corpo de
crença. Toda e qualquer ata de fundação de uma Igreja será aceita
como fidedigna.
Esses templos, que já proliferavam de maneira impressionante
desde o final do século passado – estimam-se em mais de 500 as
novas Igrejas oficializadas, além de outras tantas em processo –
terão a facilidade da montagem das quitandas dos tempos antigos,
quando bastava um pequeno espaço, o tabuleiro, alguns produtos e
a capacidade de “vender o peixe” do dono empreendedor. Com
cultos apelativos para curar doenças, conseguir empregos, banir
vícios, evitar traições afetivas, barrando, em suma, “os ardis de
satanás”, e uma clientela sofrida e desamparada, vivemos, nessa
quadra de absolutização dos negócios como caminho de
prosperidade, uma espécie de “supermercado aberto da fé”.
Reconheça-se que, na sociedade da indiferença e do
individualismo, o líder religioso que acolhe o desvalido e, em
êxtase, apela ao Todo-Poderoso pelo bem de outrem, reconhecido
pelo nome, agrega uma humanidade que parecia perdida: “coração
de um mundo sem coração”…
Cada instituição religiosa poderá modificar à vontade suas
instâncias. E suas atividades gozarão de todas as isenções,
imunidades e benefícios – fiscais, trabalhistas, patrimoniais –
possíveis e imagináveis. Além dos templos (“templo é dinheiro”?),
vão atuar sem qualquer supervisão do Poder Público na educação,
no comércio, nas comunicações… Para tanto, basta declarar
que“perseguem fins de assistência e solidariedade social” e tudo
será validado. As articulações de última hora, e “de sacristia”,
envolvendo as partes interessadas, foram tantas, que a impressão
que restou, ao final da tramitação legislativa, foi a da proclamação,
a um ano do pleito geral nacional, da “República Mercantil
Religiosa Eleitoral do Brasil”.
Estado e Igreja ao longo da história
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A aprovação desses projetos reacendeu o debate histórico acerca
das relações entre o Estado e as Igrejas no Brasil. Afinal, estaria o
“exercício público” das atividades das igrejas ameaçado,
demandando por isso um novo marco jurídico? Os séculos do
catolicismo como religião oficial – “primeira missa, primeiro índio
abatido também” (Gilberto Gil) –, superados há tanto tempo, e o
relativismo e a laicidade atuais, terão estimulado um outro extremo,
das restrições à liberdade de crença e culto?
Uma rápida passagem pela história do Império Brasileiro nos
relembra a “Questão Religiosa” – que, ressalte-se, não foi tão
decisiva, como se propala, para a queda da Monarquia. Inclusive
porque, à época, na segunda metade do século XIX, o próprio clero
estava dividido. Muitos padres eram ligados à Maçonaria, como os
republicanos (apesar da proibição pelo papa Pio IX estar vigente
desde 1864), mas também a setores da alta hierarquia episcopal
ainda vinculados umbilicalmente ao regime monárquico. Sem
dúvida, porém, a condenação à prisão, pelo governo imperial, dos
bispos de Olinda e de Belém do Pará, em 1874, contribuiu para o
desgaste das relações entre a Igreja e o Estado e fortaleceu as teses
da separação entre uma e outra instituição, bem como reforçou a
liberdade de culto e evangelização, não obstante a anistia concedida
um ano depois pelo gabinete chefiado por Duque de Caxias.
Com a República, instituída no Brasil em 1889, a religião católica
deixou de ser oficial. Os direitos de “padroado” e “beneplácito”
foram derrogados. Os sacerdotes não seriam mais uma espécie
singular de funcionários públicos. Começou então a lenta
secularização dos aparelhos estatais, de instituições como o
casamento e até dos cemitérios, desde a Colônia vinculados a
irmandades católicas. Instituíam-se, gradualmente, os pressupostos
republicanos do Estado Laico e da liberdade religiosa.
O Brasil não vive clima de restrição ou intolerância religiosa.
Exceções existem, é verdade. Em 12 de outubro de 1995, um pastor
da Igreja Universal do Reino de Deus, em programa de televisão ao
vivo, chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, em
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protesto contra o que definia como veneração de imagens pela
Igreja Católica em seus processos litúrgicos. Esse episódio,
conhecido como “chute na santa”, por sua raridade e tacanhez,
repercutiu muito, provocou enormes reações e fixou-se como
marco simbólico de uma intolerância religiosa que a sociedade
brasileira não aceitava. A própria denominação religiosa do
agressor tratou de afastá-lo do cenário.
Religiões afro – estas, sim, ameaçadas
Mais recorrente é o desrespeito e a perseguição contra as religiões
afro, que muitas vezes sequer são lembrados como atos de
intolerância religiosa. Quem protesta contra inscrições em muros
com a afirmação de que “só Jesus expulsa o demônio das pessoas”
e de que certas religiões são “do diabo”, clara alusão aos cultos de
origem africana?
Algumas Igrejas neopentencostais protagonizam o desrespeito à
pluralidade religiosa, por meio da “demonização” dessas crenças e
de seus rituais, especialmente as da umbanda e do candomblé.
Essas Igrejas fortalecem seu discurso a partir da relação que
estabelecem entre religiões afro, o que chamam de “mal”, e uma
suposta condição social insuperável de muitos de seus praticantes.
Disputam, palmo a palmo, o território popular com essas religiões,
e com êxito crescente. Com os tambores dos ogãs sendo
silenciados, as vigílias de louvor estridente vão prosperando.
A intolerância contra as religiões afro, no entanto, é secular, ligada
a preconceitos étnicos construídos no Ocidente – onde a escravidão
africana foi uma realidade e é um legado histórico: em nosso país,
temos 360 anos de escravidão oficial e apenas 120 de república. Ao
definir as etnias e culturas africanas como “primitivas” e
“arcaicas”, mandatários religiosos afirmavam que elas estavam
destinadas, portanto, a desaparecer, porque representariam o
“passado” e/ou o “atraso” da humanidade.
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Também a Igreja Católica, que abençoou a escravidão negra, não
se eximiu de atos de intolerância contra as religiões afro, por meio
do uso dos púlpitos e de um continuado desmerecimento de rituais
tipificados como “selvagens”, “atrasados”. Em tempos mais
recentes, com mais sofisticação, alguns ainda se utilizam dos meios
de comunicação de massa para desqualificar ou “folclorizar”
perante a opinião pública tais religiões, que têm, efetivamente,
muito menor estrutura de poder.
Assim agiu, em certa época, o próprio Estado brasileiro, ao
estabelecer exigências burocráticas para o funcionamento das casas
e terreiros de culto e, por vezes, pela utilização do aparelho
repressivo para seu fechamento.
Essas perseguições pontuais não têm sido objeto de preocupação e
tratamento legal por parte do Congresso Nacional. Isso se explica,
em parte, pela ausência de representação política dos adeptos das
religiões afro no Poder Legislativo nacional. E pela posição de
subalternidade imposta às culturas negras em nosso país. Mais
recentemente, porém, tornou-se visível a reação a essa dominação
étnico-cultural, com sucessivas e massivas manifestações contra a
discriminação religiosa.
O que diz a Constituição
Desde a Proclamação da República, em especial no caso das
religiões cristãs, a liberdade religiosa está suficientemente coberta
pela separação entre o Estado e a Igreja. O Estado brasileiro, desde
a década final do século XIX, firmou um pacto superior e
inquestionável com o povo inteiro: todos estão absolutamente
livres para professar sua fé, escolher sua Igreja e optar por sua
doutrina e suas práticas de culto. E não menos livres para não ter
religião alguma, o que não torna ninguém menos cidadão.
A Constituição de 1988 materializa a separação da Igreja em
relação ao Estado em seu artigo 19, inciso I:
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
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municípios: estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-
los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na
forma da lei, a colaboração de interesse público.
A nossa Carta cidadã também enfatiza o direito à liberdade de
crença, em seu artigo 5o, inciso VIII:
Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou
de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-
se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei.
Portanto, o acordo Brasil/Santa Sé e a Lei Geral das Religiões não
foram aprovados para garantir o exercício público, supostamente
cerceado ou pontualmente dificultado, das atividades das Igrejas –
pois este não se encontra ameaçado. Também não asseguram uma
desnecessária livre doutrinação, pois todos reconhecem que a
mesma está em pleno vigor. Trata-se, na verdade, de normas legais
voltadas para isenções fiscais e questões patrimoniais, trabalhistas
e educacionais.
Alguns representantes da Igreja Católica no Brasil afirmam que o
texto do projeto original, o do acordo com a Santa Sé, é uma singela
consolidação e sistematização da legislação existente. Dom Orani
Tempesta, arcebispo metropolitano do Rio de Janeiro, assegura que
“o conteúdo do acordo consta, basicamente, da reunião de toda a
legislação já existente sobre a atuação da Igreja Católica em nosso
país, até então dispersa”.
É o caso de indagar, então: se as questões propostas no acordo já
estão previstas em lei, quais as razões para – do ponto de vista da
economia processual legislativa – propô-las novamente?
O Brasil, que tem um dos textos constitucionais mais extensos do
mundo, sofre de uma proliferação de normatizações
infraconstitucionais. Isto contribui para a consolidação do Estado
Democrático de Direito? Em geral, a sucessão de leis similares
confunde o cidadão, e até mesmo o Judiciário, pela imensidão de
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normas sociais repactuadas legalmente pelas casas legislativas.
Nesse caso específico, gerou novas demandas e talvez novos
privilégios, agora generalizados. O reclamo, justo, por isonomia
entre todas as religiões frente ao Estado deu resultados. Mas
legislar é simplificar, evitando-se essa pletora de leis, e não reiterar
matérias consolidadas!
Alguns juristas questionaram a constitucionalidade de firmar por
lei uma aliança entre o Poder Público e uma determinada confissão
religiosa, mesmo que, no caso do acordo, uma parte esteja
representada por outro Estado – o Vaticano. A “universalização”
dos direitos, através da Lei Geral das Religiões, procurou dar conta
do problema.
Ensino público confessional?!
No que diz respeito ao conteúdo das novas proposições, alguns dos
seus artigos tratam de temas especificamente educacionais,
configurando uma tentativa de destaque para o ensino religioso na
escola pública, colocando-o sob controle das instituições religiosas.
Isso, a nosso juízo, pode conflitar com o artigo 33 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (ldb), que determina que
o conteúdo da disciplina “ensino religioso” seja estabelecido pelos
sistemas de ensino, especificamente pelos respectivos Conselhos
de Educação, depois de ouvidas entidades civis constituídas pelas
diversas confissões religiosas.
A redação do artigo 11 do acordo dá margem à interpretação de que
o ensino religioso nas escolas públicas – facultativo para os alunos
– tem de ser obrigatoriamente confessional, como é defendido por
algumas autoridades eclesiásticas. A Lei Geral das Religiões, mais
cuidadosa, veda qualquer proselitismo.
D. Eugenio Sales, cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do
Rio, em artigo n’O Globo (7.11.2009), foi taxativo: “a educação
religiosa, para ser autêntica, é confessional. Não basta transmitir
conceitos mais ou menos genéricos sobre a Bondade, a Verdade, a
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Justiça. Urge que tais ideias sejam traduzidas na vivência concreta
com a integração em um corpo social, uma comunidade. […] O
Estado respeita a liberdade religiosa de cada cidadão. Não lhe cabe
intervir na estrutura e gerência interna das confissões, no seu corpo
de doutrina, em seus códigos de ética ou nos rituais. […] Cada
família, ao confiar seus filhos à escola, tem o direito de ver
preservada a pureza do ensinamento.[…] Não se contribui para o
amadurecimento do jovem diluindo as dificuldades e diferenças
existentes numa catequese genérica. O verdadeiro ecumenismo
leva-o a viver em intensidade sua própria fé e ser diferente com a
dos outros. Um programa único, comum a todas as religiões, é
utópico e impossível, pois há conceitos fundamentais diferentes ou
díspares. Além disso, restringindo-se a noções básicas de um
humanismo natural, seria insuficiente para dar à educação sua
dimensão religiosa”.
Sendo o ensino religioso de “matrícula facultativa”, reiterá-lo como
“disciplina dos horários normais das escolas públicas” (a propósito,
o que seria um “horário anormal”?), em unidades escolares
públicas sabidamente carentes de recursos e educadores
concursados para matérias elementares, propiciadoras do
instrumental básico para se aprender a ler, escrever, contar e
refletir, seria prioridade, mesmo do ponto de vista do
imprescindível sentido humanístico da educação?
O ensino religioso fora da grade curricular, e oferecido sob
responsabilidade das diversas igrejas e/ou dos admiráveis
educandários confessionais, em coordenação com o sistema geral
de ensino, é mais consentâneo com o Estado republicano e laico.
Escola é lugar de descentramento, de socialização, de ensino, de
formação cidadã, científica e filosófica. De humanização. Educar é
ensinar a olhar, para fora e para dentro, na dimensão imanente e
transcendente. Essa educação libertadora ou cidadã já carrega, em
sua essência, uma dimensão mística, espiritual, e é portadora de
valores e signos superiores, concretos e abstratos, materiais e
imateriais, finitos e perenes.
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Essa educação, na rede estatal de ensino público, gratuito e de
gestão democrática, com profissionais dignamente remunerados e
constantemente atualizados, religa crianças, jovens e adultos às
grandezas do ser humano. Inclusive a Deus, para os que têm fé. Em
palestra recente, o teólogo Leonardo Boff lembrava que “a função
principal da religião, ou melhor, da espiritualidade, é nos ligar a
todas as coisas e à Fonte donde promana todo o ser. O drama do ser
humano atual é ter perdido a espiritualidade e sua capacidade de
viver um sentimento de conexão. Isso não resulta da irreligião ou
do ateísmo. Hoje as pessoas estão desconectadas da Terra, da anima
(da dimensão do sentimento profundo) e, por isso, de si mesmas. A
Terra está doente porque nós estamos doentes”.
A educação religiosa, gozando de total liberdade, deve estar sob
responsabilidade prioritária da família e da comunidade de culto.
Nas escolas públicas, seu ensino, ainda que sob a supervisão das
diferentes igrejas em sua pluralidade, não pode ser dissociado do
projeto político pedagógico e das diretrizes didáticas em vigor.
Privilégios tributários e trabalhistas
Além da questão do ensino religioso, há outros pontos que
merecem destaque, envolvendo aspectos tributários e trabalhistas.
Um deles é a concessão de isenção fiscal para rendas e patrimônio
de pessoas jurídicas eclesiásticas. Outro é a manutenção do
patrimônio cultural das Igrejas, como prédios, acervos e
bibliotecas, com recursos do Estado. Um terceiro é a isenção, para
as Igrejas, do cumprimento das obrigações impostas pelas leis
trabalhistas brasileiras.
Alguns lembrarão que a Constituição já proíbe a União, no seu
artigo 150, alínea B, de instituir impostos sobre “templos de
qualquer culto”. Sem desconsiderar isto, experimentados
tributaristas alegam que o texto das leis recém-aprovadas na
Câmara é impreciso, abrindo caminho para a ampliação do
benefício: ele poderia ser aplicado não só aos templos, mas a todos
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os negócios das Igrejas, que, em geral, são donas de editoras,
emissoras de rádio e tv, escolas e lojas de produtos diversos.
O jornal O Estado de S. Paulo, insuspeito de qualquer postura
antieclesiástica, em editorial de 24.8.2009, ao se referir à
manutenção do patrimônio cultural das Igrejas com dinheiro dos
contribuintes – parte dos quais, lembre-se, têm o direito de ser ateu
ou agnóstico –, lembra que os contenciosos jurídicos poderão ser
ainda mais graves. Diz o tradicional diário: “O artigo 19 da
Constituição é preciso ao determinar que o Estado não pode
‘subvencionar igrejas’. E, mesmo que pudesse, faz sentido destinar
recursos públicos para o custeio de bens que, segundo as leis,
permanecerão sob gestão, custódia e salvaguarda de estruturas e
ordens religiosas? A Igreja terá que se submeter à fiscalização dos
Tribunais de Contas, como a lei brasileira prevê, ou gozará de
autonomia, valendo-se da condição de ser formalmente
subordinada ao Estado do Vaticano?”
Por fim, as propostas também pretendem resolver a pendência do
vínculo empregatício entre padres, pastores e outros dedicados
missionários de tempo integral e as suas igrejas – o que, num
Estado Laico, é atribuição do Judiciário. Ao eximir as Igrejas de
obrigações trabalhistas, classificando as relações jurídicas de
pastores, missionários, padres, freiras como “vínculo não
empregatício”, sob a justificativa de que eles exercem uma função
“peculiar”, de “caráter apostólico, litúrgico e catequético”, os
tratados cometeriam, ainda segundo O Estado de S. Paulo, “dois
pecados jurídicos”. Um, o de dar tratamento privilegiado às Igrejas
enquanto empregadoras, violando o princípio da igualdade das
partes perante a lei. Outro, o de passar por cima dos dispositivos do
artigo 5o da Constituição, que asseguram o livre acesso à Justiça e
determinam que “a lei não excluirá da apreciação do Judiciário
lesão ou ameaça ao direito”. Trata-se, aliás, de cláusula pétrea,
irrevogável portanto, de nossa Carta Magna.
Outros temas polêmicos, propostos originalmente pela Santa Sé,
como a oficialização de feriados católicos e permissão para entrada
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de missionários em áreas indígenas, foram retirados do texto
apresentado ao Congresso Nacional, por recusa do Itamaraty
durante as longas e discretíssimas negociações. Estas divergências,
mantidas até então em sigilo, demonstram que a “concordata”
pleiteada não se propunha simplesmente a compilar a legislação já
existente sobre o exercício da religião católica no Brasil. Alguma
vontade de ocupar mais espaço para a conquista de fiéis, na acirrada
disputa inter-religiosa, parecia existir aí.
Os diplomas legais aprovados na Câmara, ainda que escoimados de
evidentes demasias, abrem brechas para novas interpretações e
privilégios, ao autorizar a complementação dos novos
ordenamentos através de convênios posteriores e, aparentemente,
diversos e ilimitados (art. 18), que alguns caracterizam como
“cheque em branco”.
Negócios da fé
Com o novo acordo entre o Brasil e o Vaticano, já aprovado pelo
Congresso, e a extensão, por isonomia, através do PL no 5 598,
ainda em tramitação no Senado, às demais denominações
religiosas, dos direitos de exercício público da fé concedidos
inicialmente à Igreja Católica, reforçou-se, na prática, o “negócio
da fé” e seu uso político, que tanto tem prosperado na sociedade
brasileira nos últimos anos.
O poder político dos representantes do “setor da fé”, como é
notório, tem crescido na vida pública brasileira. No Congresso
Nacional, enquanto alguns parlamentares de formação evangélica
e católica operam na direção correta da ampliação de direitos
universais, pela construção republicana de uma sociedade mais
justa e igualitária, fundada nos valores cristãos do amor ao
próximo, outros, majoritários, buscam representar suas igrejas,
articulados em “bancadas confessionais”. Estas atuam fortemente
em torno de valores, legítimos para elas, e de propostas concretas,
como a criminalização da interrupção de toda e qualquer gravidez
indesejada ou de risco e a ferrenha oposição à união civil de pessoas
do mesmo sexo.
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A tendência de consolidação do perfil conservador do Congresso
brasileiro contrasta com o fato de que na última eleição, em 2006,
as bancadas da Igreja Universal do Reino de Deus e da Assembleia
de Deus tiveram significativa redução, por causa do envolvimento
de seus parlamentares com os escândalos dos sanguessugas e do
“mensalão”. Sinal, aliás, de que a proclamada fé religiosa não gera,
automaticamente, políticos mais éticos. A bancada da Universal
caiu de 18 para seis deputados e a da Assembleia de Deus, de 22
para nove. Mas é importante frisar que as dissidências em várias
dessas Igrejas originaram outras denominações, que também
elegem seus representantes. Em época eleitoral, com candidatos
definidos pelas próprias Igrejas, os púlpitos tornam-se palanques,
as pregações são discursos e os fiéis, eficazes militantes.
Persiste no Brasil uma dinâmica de ampliação da representação de
setores socialmente dominantes através do crescente abuso do
poder econômico utilizado nos processos eleitorais. Essa situação,
derivada do sistema político vigente, que os grandes partidos não
aceitam reformar, alimenta o controle ideológico e eleitoral das
bases religiosas, potencializado por igual domínio dos meios
eletrônicos de comunicação. O contraponto da redução da
participação política cidadã e a debilidade dos movimentos sociais
organizados, fenômeno das últimas duas décadas, foi o aumento da
politização “desideologizada” da massa de fiéis, na forma de
arrebanhamento acrítico.
Hoje temos emissoras nacionais em rede de tv aberta vinculadas a
Igrejas, e centenas de canais regionais, afiliados às grandes redes,
que transmitem programação religiosa.
O empenho das Igrejas na conquista do seu próprio veículo de
comunicação é o resultado da competitividade no campo religioso,
sobretudo a partir dos anos 1980. É preciso atrair mais fiéis. A
mídia, numa sociedade urbana e de massas, é o mais poderoso e
eficiente meio para anunciar qualquer mensagem, seja a de bens
materiais ou espirituais.
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Os canais de tv são uma concessão pública, viabilizada pelo
Executivo e homologada pelo Legislativo. Seu arrendamento
parcial ou integral a uma determinada orientação religiosa debilita
nossa democracia cultural, ainda de tão baixa intensidade.
Emissoras de tv, pela sua força de difusão, têm o dever de veicular
prioritariamente programação formativa e informativa, ou mesmo
de entretenimento, para o conjunto da sociedade, e não apenas para
parte dela. Algumas Igrejas estão consolidando impérios de
comunicação. A disputa mercantil e concorrencial nesse âmbito é
feroz.
Nesse cenário, as proposições aprovadas na Câmara dos Deputados
são temerárias. Pelo contexto acima descrito, favorecem a
ampliação do poder dos que fazem da fé fonte de lucro.
Poucas vozes defensoras do Estado Laico e da plena liberdade
religiosa têm-se levantado, no Congresso Nacional da República,
para questionar propostas desse tipo. Muitos parlamentares ligados
a denominações religiosas, em especial à Católica, temem que o
simples questionamento possa ser interpretado como uma oposição
ao próprio catolicismo. Outros mal disfarçam seu exclusivo
interesse eleitoreiro – bem materialista, por sinal! – nas matérias e
no “ficar bem” com todas as Igrejas, já de olho nas eleições de
2010.
Confissão pessoal
Peço licença, por fim, para fazer um registro de ordem pessoal, que
não deixa de ter um conteúdo político. Por formação e convicção,
oriento-me na vida – que busco fruir na sua integralidade, até de
seus percalços, e com cada vez menos certezas absolutas – pelos
valores do cristianismo. Foram também eles que me levaram a
problematizar essas questões indevidamente classificadas como
“religiosas”. Na realidade, e isso ficou patente nos céleres debates
em plenário, tudo estava muito vinculado, como tantos outros
projetos, ao chamado “Poder Temporal”. Todo esse embate
parlamentar, longe de me distanciar, só fez me aproximar – a mim
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e a muitos outros homens e mulheres de boa vontade – do antigo e
sempre jovial sonho que nos anima, tão bem dito pelo bispo emérito
de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga:
Faço uma confidência eclesial, de bispo velho que continua
sonhando: penso que se deveria falar muito mais – falar e fazer! –
de uma reestruturação radical disso que chamamos a Sé Apostólica.
De um novo modo do ministério de Pedro: sensível, como o
coração de Jesus, ao clamor da pobreza, do sofrimento e da deriva;
sem estado pontifício e com uma cúria leve e serviçal;
profeticamente despojado de poder e de fausto; apaixonado pelo
ecumenismo e pelo diálogo inter-religioso; desabsolutizado e
colegial; descentralizador e verdadeiramente ´católico` no
pluralismo cultural e ministerial; como uma mediação religiosa –
em colaboração com outras mediações, religiosas ou não – a
serviço da paz, da justiça, da vida”.
A propósito, a Campanha da Fraternidade de 2010 será ecumênica,
pela terceira vez, reunindo as Igrejas Cristãs do Brasil, participantes
do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs. Terá como tema
“Economia e Vida” e como lema a assertiva constante do
Evangelho de Mateus, capítulo 6, versículo 24: “Vocês não podem
servir a Deus e ao dinheiro”. Seu objetivo geral é “colaborar na
promoção de uma economia a serviço da vida, fundamentada no
ideal da cultura da paz, para que todos contribuam na construção
do bem comum em vista de uma sociedade sem exclusão”.
O texto-base da CFE-2010 traz um “apelo às igrejas”: “somos
chamados a ser comunidades não-conformistas e transformadoras.
Somos chamados a nos deixar transformar, mediante a libertação
das nossas mentes, da postura imperial dominadora, conquistadora
e egoísta, assim praticando a vontade de Deus (de acordo com a
Torá), a qual é cumprida em amor (ágape, em grego) e
solidariedade. […] Na qualidade de igrejas somos chamados a criar
espaços para a transformação e nos tornar agentes de
transformação, mesmo se estivermos enredados e mancomunados
com o próprio sistema a cuja mudança somos chamados. […] O
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lugar das igrejas é onde Deus está atuando, Cristo está sofrendo e
o Espírito está cuidando da vida e resistindo aos principados e
poderes destrutivos. As igrejas que se mantiverem distantes desse
lugar concreto do Deus Triúno não podem afirmar que são igrejas
fiéis”.
29/09/2014 -Disponível na internet
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