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Cinema: poltico desde o nascimento Miguel Chaia*
Se para alguns existe uma linha tnue na relao entre cinema e arte, para muitos
so bastante estreitos seno estruturais os vnculos entre cinema e poltica. Inmeros
indcios e fortes evidncias podem ser percebidos tanto nas construes tericas para a
abordagem do cinema quanto nas produes cinematogrficas ao longo do tempo.
Enquanto Walter Benjamin entende que o cinema um tiro certeiro no inconsciente, Jean-
Luc Godard afirma que o importante no o cinema poltico, mas sim como fazer cinema
poltico. Diferentes perspectivas, originadas em distintas situaes problematizam a
produo cinematogrfica: se, com base em Gilles Deleuze, o cinema pode ser pensado
como uma mquina de guerra (no sentido de afrontar valores e propiciar experimentos
estticos mais prximos da vida), para o ator Michel Picolli, os filmes so,
paradoxalmente, contrapontos ao mundo miditico em que vivemos (no sentido de
expressar as possibilidades da liberdade frente sociedade do ordenamento).
Simultaneamente reflexo e sistematizao do conhecimento sobre o cinema, as
produes cinematogrficas tambm sustentam a idia da forte dimenso poltica dessa
forma audiovisual. Afinal, so to polticos os filmes produzidos pelo cinema de
sistema de Hollywood, quanto os filmes realizados pelo cinema de autor; so polticos
os filmes do cinema novo, do dito cinema marginal, da atual onda de documentrios
nacionais, e mesmo os filmes da chanchada produzidos em dcadas passadas no Brasil.
Assim como a dimenso scio-poltica est presente nas recentes produes de
audiovisuais, ela tambm caracterizou a origem do cinema, que nasce no final do sculo
XIX, sendo que em 1895 ocorre a sua primeira exibio pblica, como conseqncia da
Revoluo Industrial. Este salto tecnolgico de suporte e linguagem deu-se no interior da
modernidade, configurada em uma sociedade sensvel s mazelas sociais e que
experimentava um crescente processo de produo e consumo em massa.
*Professor do Departamento de Poltica e do Programa de Estudos Ps-Graduados em Cincias Sociais e pesquisador do Ncleo de Estudos em Arte, Mdia e Poltica da PUC/SP.
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O cinema enquanto meio propiciado pela reprodutibilidade tcnica volta-se a
pequenas platias e gradativamente a maiores pblicos, constitudos neste incio por
trabalhadores, comerciantes, profissionais liberais, desocupados e migrantes originados no
campo e no exterior. Talvez pela caracterstica da reproduo tcnica e pela platia
convocada nas ruas, tenha nascido a impresso do cinema como fenmeno que no
pudesse ser includo na categoria arte, mesmo porque as projees em residncias da
burguesia foram acontecimentos assustadores, dada a facilidade de incndio do celulide,
composto por nitrato de potssio, facilmente inflamvel. Assim, se o cinema se afasta dos
sales dos palacetes, ele encontra abrigo em salas de exibio pblicas. Ao longo do
tempo expandem-se os locais de projeo, aumentando o nmero de espectadores
passeantes das ruas, crescendo tambm a quantidade de produo de filmes.
Neste dinmico processo inicial de tcnicas e espaos de exibio, ocorrem
simultaneamente as invenes de linguagem. Alm das primeiras experincias de Thomas
Edison que exibia de forma restrita imagens documentando a realidade e pequenos
esquetes, sero os irmos Lumire os primeiros a ampliarem as exibies pblicas.
Engendram-se assim duas matrizes cinematogrficas, desta inveno da nova linguagem.
Os irmos Lumire, mesmo produzindo pequenas apresentaes, priorizaram o
documentrio, captando imagens em lugares remotos e registrando o cotidiano de
trabalhadores, filmando em portas de fbricas e nas ruas. Mlis, por sua vez, delimita o
territrio da fico criando imagens para contar histrias e inicia a narrativa ficcional.
Esto fundamentados, ento, os campos do documentrio e da fico no cinema que
passaro a estabelecer complexas relaes entre si, tendendo a levar ao desaparecimento
as fronteiras entre estas duas formas de filmar. O cinema tem a iluso do tempo e o
movimento como aspectos constituintes da sua linguagem, que passa a se desenvolver
com rapidez, seja no mbito da tecnologia, seja experimentalmente.
Essas duas matrizes pioneiras conduzem a D. W. Griffth, estruturador da
linguagem cinematogrfica clssica, que com o O Nascimento de uma Nao (1915) e
Intolerncia (1916), reafirma profundamente a dimenso poltica do cinema. Essas duas
pelculas abordam temas de forte cunho poltico, tendo como suporte no apenas a
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inveno da forma-linguagem, mas tambm uma especfica e articulada viso de mundo
do seu autor. Passa a estar em jogo a maneira de fazer cinema poltico.
Esta origem, delineada pelos irmos Lumire, Mlis e Griffth, foi marcada pela
presena das vertentes social e poltica. A partir de ento, essa dimenso scio-poltica
desdobra-se, aflorando com grande potncia em vrios momentos da histria
cinematogrfica: Vertov, Chaplin, Eisenstein, Rossi, Roselini, Welles, Godard, Glauber,
Pontecorvo, Sganzerla, Spike Lee, Babenco, Copolla, Scorsese, Reinchenbach, os irmos
Salles, Brant, Sacramento... e continua uma interminvel lista de realizadores de filmes...
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