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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA

Sergio M. S. Vidal

Colhendo Kylobytes:

O Growroom e a cultura do

cultivo de maconha no Brasil

SALVADOR - BA

2010.1

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Sergio M. S. Vidal

Colhendo Kylobytes: O Growroom e a cultura

do cultivo de maconha no Brasil

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais com concentração em Antropologia, sob orientação do Prof. Dr. Edward MacRae

Banca Examinadora:

SALVADOR - BA

2010.1

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AGRADECIMENTOS

À Família da qual venho (Mãe, Pai e irmão), por terem me apoiado, mesmo quando

nem sempre entendiam ou concordavam com todos os meus motivos e formas de

agir;

À família que estou formando (Laura e o bebê), pela paciência e tolerância que

tiveram e ainda terão que ter pelas conseqüências dos caminhos que escolhi trilhar;

Aos amig@s verdadeiros, por alimentarem minha alma, me acolherem nos momentos

mais difíceis e celebrarem comigo os grandes momentos;

Ao Ira, que mais que um amigo é um irmão que já fazia parte da Família antes mesmo

de nos conhecermos pessoalmente;

Ao meu orientador, que têm atuado de forma muito mais ampla do que esta função,

sendo apoiador, incentivador e amigo;

Aos Mestres contemporâneos com os quais tenho a honra de compartilhar lições

inesquecíveis;

Aos ilustres anônimos que me incentivaram, muito ou pouco, por e-mail, telefone;

carta, pensamento positivo ou sinal de fumaça;

Aos membros da comunidade Growroom, sem os quais nenhuma dessas linhas faria

o menor sentido de serem escritas;

E à Santa Maria por nos dar a vida e a luz para vivê-la com sabedoria.

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RESUMO

Este trabalho discute a cultura do cultivo não-comercial de maconha no Brasil,

através dos dados de uma pesquisa realizada em uma comunidade de usuários na

Internet. A pesquisa utiliza dados etnográficos sobre a comunidade Growroom

(www.growroomnet), relacionando-os com dados quantitativos a respeito do perfil e

dos hábitos de consumo de pessoas que plantam maconha para uso pessoal no Brasil,

coletados através de um levantamento realizado em 2004 (Censo Cannábico). Além

disso, discute o atual status legal da planta e da conduta de cultivar para uso pessoal,

reservando também uma discussão a respeito dos aspectos históricos e culturais

dessas práticas. A monografia é finalizada com algumas considerações a respeito de

mitos existentes em torno desses hábitos, tecendo recomendações que possam

embasar mudanças nas políticas e leis que os regulam.

Palavras-chave: Cannabis sativa – Maconha - Brasil; Cultivo de maconha para

consumo próprio; Aspectos históricos e antropológicos; Legislação e Políticas

Públicas; Growroom – seu espaço para crescer

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ABSTRACT

Keywords:

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SUMÁRIO

1. Sobre o lugar do autor neste trabalho.............................................7

2. Sobre este trabalho........................................................................11

3. Drogas, Ciência e Cultura..............................................................15

4. A maconha na História do Brasil...................................................27

5. A maconha no Brasil atual............................................................35

6. O status legal do cultivo não-comercial de maconha......................41

7. A redescoberta da cultura do cultivo de maconha.........................48

8. O nascimento do Growroom.........................................................57

9. Tornando-se usuário do Growroom..............................................61

10. Cultivando maconha para consumo próprio.................................76

11. Sobre o mito da “maconha transgênica” e outras considerações...91

12. Referências.................................................................................105

ANEXOS

I. Questionário das entrevistas com usuários do Growroom...........114

II. Questionário do Censo Cannábico...............................................117

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1.Sobre o lugar do autor neste trabalho

“pra mim é sagrado, é a minha Santa Maria, minha mãe, é a luz da minha vida, enfim, é a cura para humanidade... É quem me dá o meu valor... Pra eu ser quem sou, do jeito que escolhi ser...” (Cabelo1)

Antes de iniciar as discussões do trabalho apresentado aqui, é preciso

compartilhar questionamentos e dúvidas que, ao longo do tempo, tornaram-se

reflexões epistemológicas constantes, desde que decidi me enveredar pela

Antropologia das drogas e alimentos2. Na experiência do fazer antropológico, desde

cedo me deparei com questões que, aos poucos, decidi transformar em pilar para os

tão necessários exercícios de estranhamento e vigilância epistemológica,

fundamentais para o trabalho de campo. Afinal, ao conviver em comunidades para

estudar a cultura do uso de drogas, que lugar estaria eu ocupando nessas

Observações Participantes? O lugar de antropólogo observando enquanto participa

para aprender com os nativos, ou de um nativo que, deixando apenas de participar,

passou a aprender com a comunidade de antropólogos as ferramentas que

possibilitaram também exercer a observação e outras atuações do fazer

antropológico?

Essa reflexão se fez cada vez mais necessária, à medida que passei a optar por

temáticas específicas dentro da área de estudo escolhida. Antes de entrar na

Faculdade já havia experimentado diversas drogas, entre lícitas e ilícitas, bem como

me tornado usuário habitual de algumas. Porém, tais fatos, por si, não seriam um

motivo especial para que a escolha dessa área de estudos demandasse alguma

reflexão específica sobre os dilemas do trabalho de campo.

Diversos antropólogos estudam hábitos alimentares, sexuais, crenças

religiosas e outros temas que lhes são próximos enquanto indivíduos ou que fazem

parte do seu cotidiano extra-acadêmico. Alguns autores inclusive estudam práticas 1 Escolhi ilustrar cada tópico com um trecho das falas dos usuários entrevistados por mim durante a

pesquisa.2 Existe uma ampla discussão entre os antropólogos sobre qual seria realmente o melhor termo para

substituir a palavra drogas, sob argumento de que esta estaria muito estigmatizada atualmente. Substâncias psicoativas, plantas de poder e enteógenos, são apenas alguns dos exemplos dos termos utilizados, num debate que se amplia cada vez mais, sobretudo se formos buscar uma forma de definir o ramo da Antropologia que estudaria a relação dos seres humanos com as “drogas”. Nesse trabalho adotei a definição do historiador Henrique Carneiro, para quem as drogas, na maior parte da história humana, estiveram associadas à alimentos, sendo a origem do termo oriunda do holandês antigo: droog. Tal palavra era utilizada para designar os produtos de origem vegetal condicionados de forma desidratada, na clássica divisão entre secos e molhados, encontrada em diversas tradições humanas até os dias de hoje.

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sexuais que são próximas às suas próprias, ou sistemas religiosos dos quais muitas

vezes são praticantes. Existem inúmeros exemplos desse tipo, como o de

pesquisadoras feministas que estudam o próprio movimento feminista, ou de

antropólogos que fazem parte de Casas de Culto Afro-brasileiras e em seus trabalhos

tomam como objeto de estudo seus próprios sistemas de crença.

No entanto, sempre acreditei que, qualquer pesquisador que pretenda estudar

uma comunidade religiosa da qual faça parte, ou qualquer outro tipo de comunidade

ou grupo de indivíduos do qual ele mesmo seja um dos membros, precisará,

necessariamente, fazer considerações a respeito desse lugar especial que ocupa. Até

mesmo para manter a maior honestidade possível com leitores do seu trabalho, o

pesquisador-nativo, ou nativo-pesquisador, precisa expor seu pertencimento ao

grupo ou comunidade, e buscar uma forma de trabalhá-lo não só ao longo da

pesquisa de campo, mas principalmente na forma de exposição dos dados, ou seja no

texto publicado, construindo-o de maneira a deixar claro para o leitor onde termina a

fala do nativo e começa a do pesquisador e vice-versa.

Quando participei, como Bolsista do Programa de Incentivo à Bolsistas de

Iniciação Científica – PIBIC/UFBA – de uma pesquisa de campo por 30 dias no Acre,

coordenada pelo prof. Edward MacRae, a respeito do uso religioso de Ayahuasca3, foi

mais fácil equacionar essa questão. Apesar de já haver tomado Ayahuasca antes de

participar da pesquisa e ter uma relação que pode ser considerada espiritual com a

bebida, não sou “fardado”, nem posso afirmar que seja um “daimista”4, ou nem ao

menos um seguidor de alguma das religiões que fazem uso da bebida. Isso significa

que, mesmo estando em comunidades onde se faz uso da bebida, e mesmo

compartilhando daqueles momentos de uso ritual, não fazia parte das comunidades

estudadas. Os códigos, as categorias e os significados compartilhados em torno da

bebida e de seus usos tiveram que ser completamente apreendidos por mim, ainda

que de forma mediada pelas leituras de trabalhos a respeito do tema, e por minhas 3 Ayahuasca é uma bebida de origem indígena, utilizada por religiões brasileiras como a União do

Vegetal, a Barquinha e o Santo Daime, dentre outras. A ayahuasca é preparada com o cipó Banisteriopsis caapi e com as folhas da Psichotria viridis, fervidos juntos com água durante horas, para reduzir o volume do líquido e extrair o princípios ativos. A bebida contém substâncias como o DMT, Harmalina, Harmina, dentre outras, consideradas psicodélicos tão poderosos como o LSD-25, a Mescalina ou MDMA, e capazes de proporcionar estados especiais de percepção existencial.

4 Fardado é o termo utilizado para designar os adeptos do Santo Daime que realizam o ritual no qual se comprometem em seguir a Doutrina e participar frequentemente dos rituais do calendário daimista. Já Daimista é o termo com o qual se auto-denominam os adeptos do Santo Daime. É importante lembrar que o Santo Daime é um sistema de crenças com diferentes vertentes, muitas vezes divergentes entre si. As Igrejas que frequentei durante a pesquisa pertenciam ao CEFLI – Centro Eclético Flor de Lótus Iluminado e CEFLURIS – Centro Eclético Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra.

8

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próprias experiências com a bebida e com a religião.

Não precisei fazer o esforço para me colocar num lugar estranho, já que eu na

verdade tive que utilizar todo meu arcabouço teórico sobre essas religiões para

realizar o exercício de apreender aspectos da cultura da comunidade específica que eu

estava estudando, ou seja, o estranhamento estava dado. Não somente por estar em

uma comunidade religiosa com significados a respeito da bebida bastante

diversificados dos meus, ou ainda por estar em um contexto ecológico, cultural, social

e geográfico totalmente diferente do que eu conhecia, mas principalmente por não

fazer parte dessas comunidades. Além disso, não apenas os significados sobre a

bebida eram diferenciados, mas as concepções centrais sobre muitos valores de vida

eram diferentes das minhas, facilitando a realização de uma observação mais

distanciada.

A experiência da antropologia ayauasqueira5 é algo discutido há bastante

tempo dentro da área dos estudos sobre drogas, especialmente na antropologia

brasileira, onde é comum encontrarmos muitos pesquisadores que não apenas

comungam significados espirituais sobre a bebida, mas também participam

ativamente das religiões. De fato, desde o século XIX diferentes pesquisadores que

atuaram em comunidades indígenas no Brasil relataram não apenas a cultura do uso

da ayahuasca, mas suas próprias experiências com a bebida.

Devido, principalmente, à necessidade de estudos oficiais sobre essas culturas

que embasassem o processo de regulamentação do uso religioso dessas substâncias6,

diversos pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento têm sido chamados a

opinar sobre esses grupos. Desde a primeira expedição oficial do governo, no início

da década de 1980, antropólogos e sociólogos foram incorporados à equipe e, mesmo

antes disso, alguns pesquisadores já realizavam expedições independentes, como

Edward MacRae, orientador deste trabalho.

Face à estas considerações feitas, posso afirmar que, em minha participação 5 A antropóloga Beatriz Labate tece uma excelente reflexão a respeito do lugar do antropólogo

ayahuasqueiro, discutindo as tensões nesse campo, tanto na comunidade de antropólogos quanto nas comunidades ayahuasqueiras, incluindo considerações sobre ética, regras de conduta, dentre outros temas relevantes. Ver, LABATE, B. A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos. Campinas – SP: Editora Mercado de Letras, 2004.

6 O início do processo de regulamentação da Ayahuasca deu-se a partir da primeira expedição oficial do governo brasileiro para estudar uma comunidade que fazia uso religioso da bebida. Em 1983 o governo brasileiro enviou uma equipe multidisciplinar, que incluía um antropólogo e uma socióloga, para estudar o uso do Daime em comunidades da Igreja CEFLURIS. O processo de regulamentação só foi concluído em 2006, quando um Grupo Multidisciplinar de Trabalho formado por membros do governo, cientistas e representantes de diferentes religiões que fazem uso da bebida firmaram os Princípios Deontológicos do uso da Ayahuasca, que tornou-se, então, o documento base para a atual política sobre o tema.

9

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nesse trabalho de campo em comunidades religiosas que fazem uso de Ayahuasca, foi

mais fácil para mim realizar os exercícios de estranhamento e vigilância

epistemológica, já que contava com reflexões de outros autores a respeito desse tipo

de experiência e ao mesmo tempo, era muito mais explícito, tanto para mim, quanto

para os membros das comunidades, os limites entre meu “lado nativo” e meu “lado

antropólogo”. Nessa experiência de campo eu não podia ser considerado um nativo

apenas por fazer uso das mesmas plantas que a comunidade e por compartilhar

alguns dos seus valores e significados. Eu não era membro da comunidade, nem eles

me entendiam como um membro da comunidade, e sim, no máximo, como um

pesquisador em condição especial, principalmente por estar trabalhando com

Edward MacRae, que é bastante conhecido e respeitado na maioria das comunidades

do Santo Daime, especialmente nas que visitamos.

No entanto, a experiência do fazer antropológico da pesquisa apresentada

nesta Monografia, sobre a comunidade Growroom e a cultura do cultivo de maconha7,

a situação é bastante diferente. Não apenas faço uso da mesma planta que outros

membros da comunidade, mas também faço parte de sua história desde seu

surgimento, conhecendo o fundador antes mesmo da existência do fórum de

discussões, estimulando-o e auxiliando-o na organização e moderação. Além disso,

atualmente participo do processo de institucionalização do Growroom, que por hora

passa por criação de Estatuto e registro de documentos, dentre outras atividades, o

que me coloca diretamente ligado à sua estrutura, forma de atuação e funcionamento.

Assim, uma vez que faço parte da comunidade à qual me propus estudar antes

mesmo de ter definido quais seriam meus rumos na Faculdade de Filosofia e Ciências

Humanas, achei correto, do ponto de vista da manutenção do estatuto da

neutralidade científica8, colocar de forma clara meu envolvimento com a

comunidade, com o fórum e com as transformações realizadas ao ao longo de sua

história. Por isso, decidi que utilizaria nesse trabalho algumas estratégias para deixar

7 A maconha é uma planta usada pelos seres humanos há mais de 12.000 anos, para as mais diversas finalidades. Atualmente existem inúmeros termos para designar a planta, sendo maconha o mais conhecido no Brasil e Cannabis sativa, seu nome mais conhecido na taxonomia botânica. Por esse motivo, neste trabalho, usaremos predominantemente maconha e cannabis para nos referirmos à esta planta.

8 Discutir o conceito de neutralidade científica é algo fora dos objetivos e do formato necessário à este trabalho. Por hora, gostaria apenas de afirmar que meu posicionamento é de que a ciência, como todas as práticas humanas, estão impossibilitadas de ter uma neutralidade absoluta, por sua característica intrínseca de estar vinculada aos contextos histórico, econômico, social, cultural, dentre outros, dos quais faz parte. A neutralidade é, dessa forma, entendida neste trabalho como o esforço permanente para exercer a vigilância epistemológica e expor os meus lugares de pesquisador e nativo.

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da maneira mais explícita possível de que forma tem sido a minha participação na

comunidade, dentre as quais, utilizar meu próprio perfil e mensagens no fórum como

exemplos, quando isso for possível.

O tema drogas, e a análise das múltiplas questões envolvidas nele, ainda é um

tabu em nossa sociedade, ainda que muito tenhamos avançado nesse debate. Sei que

declarar-se usuário de alguma droga, especialmente ilícita, é uma atitude socialmente

arriscada, pois, na grande maioria das vezes, trazemos para nós olhares

estigmatizantes e discriminatórios. Olhares esses que, de forma superficial e taxativa,

provavelmente nos acompanharão a vida toda, mesmo que nossos trabalhos tenham

boa qualidade e a nossa relação com o uso da substância seja equilibrada. No entanto,

apesar de todos os riscos, acredito que não exista outra forma de fazer antropologia

senão sendo extremamente honesto tanto com a comunidade estudada, quanto com a

comunidade de antropólogos e com a sociedade em geral. Na verdade, não há outra

forma de se fazer qualquer atividade sem haver honestidade com as pessoas direta ou

indiretamente participantes do que é estudado e/ou produzido, e talvez influenciadas

por aquilo que fazemos ou falamos.

Espero ter trilhado este caminho, da melhor forma possível, neste trabalho,

com todas as comunidades e indivíduos a quem devo respeito e responsabilidades, e

onde busquei trazer colaborações para que a sociedade brasileira compreenda e possa

se relacionar melhor com aqueles cidadãos que optaram por cultivar a maconha que

consomem.

2.Sobre este Trabalho

“É incrível como a planta reage aos estímulos. É impressionante como ela muda diariamente, se relacionando mesmo conosco, de acordo com as condições que oferecemos a ela. Isso sempre me deixa impressionado. Me faz lembrar que sempre posso mudar também”. (Pintolico)

Inicialmente, na pesquisa que deu origem a esta Monografia, eu pretendia

analisar apenas a forma como usuários de maconha estabeleciam relações sociais

através de um fórum de discussões na Internet (www.growroom.net/board). Minha

idéia original era realizar uma observação participante em alguns tópicos de sub-

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fóruns com temas específicos, realizar entrevistas com alguns informantes-chaves e

traçar o histórico do fórum através de depoimentos do seu fundador. Além disso,

também analisaria os dados do Censo Cannábico, projeto do qual fiz parte, e que

consistiu num levantamento quantitativo realizado em 2004, que reuniu cerca de

5.400 questionários respondidos, com mais de 70 perguntas sobre os hábitos e o

perfil dos usuários de maconha brasileiros, sendo totalmente produzido e divulgado

através do Growroom.

Os objetos principais da pesquisa era o fórum, sua estrutura, seu histórico,

seus espaços, tempos e mecanismos de sociabilidade, e os dados do Censo Cannábico,

buscando traçar um perfil do usuário de maconha brasileiro que também faz uso da

Internet, e a questão do cultivo para consumo próprio entraria apenas como um dos

temas debatido na pesquisa. Porém, diversos acontecimentos ao longo da pesquisa

me fizeram redimensionar os espaços reservados a discutir o fórum e os dados do

Censo Cannábico e decidir analisar mais aprofundadamente, considerando como

uma importante questão a ser debatida, a cultura e condutas de cultivo não-comercial

ou para consumo próprio de maconha e seus atuais aspectos sócio-político-legais.

Alguns exemplos de fatores que motivaram a decisão de alterar o espaço e os

temas trabalhados na Monografia são: mudanças na Lei sobre drogas ocorridas em

2006, equiparando as condutas de portar e plantar para consumo próprio e definindo

para estas penas alternativas à prisão; a crescente intensificação do debate público

em torno da legalização da maconha e, principalmente, o que, nesse momento,

revela-se como o tema mais relevante para a comunidade estudada, que é o

alarmante aumento de usuários presos sob acusações de tráfico, devido a

desinformação a respeito do cultivo de maconha para uso pessoal.

Há também o fato de que a prática de cultivo para consumo próprio é cada vez

mais aceita entre os especialistas como uma estratégia de redução de danos eficiente,

e como uma forma de diminuir a violência do mercado atual de maconha9. Além

disso, tal prática, e sua regulamentação, é objeto de um Projeto de Lei que o

Deputado Paulo Teixeira (PT-SP) pretende propor, e também está sendo discutida

por um Grupo de Trabalho, do qual faço parte, do Conselho Nacional de Políticas

sobre Drogas (CONAD). É importante ressaltar que essa é uma prática ainda muito

pouco debatida na sociedade e que, mesmo a Lei 11.343/06 prevendo tal conduta, 9 Publiquei um artigo no qual discuto especificamente os trabalhos que relacionam a regulamentação

do cultivo para consumo próprio como uma estratégia de redução de danos e riscos do uso de maconha. Para saber mais ver: Toxicomanias: Abordagens clínicas e sócio-antropológicas. Salvador: Edufba, 2009.

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muitos usuários têm sido acusados injustamente de tráfico de drogas por cultivarem

alguns espécies de maconha10.

Assim, trazer à tona a discussão sobre essas questões, através da perspectiva

antropológica, mostrou-se indispensável para o a compreensão de processos recentes

no campo da cultura e das drogas. Considero como sendo a atuação principal do

antropólogo a de tradutor cultural. Nesse sentido, o antropólogo teria a função de

compreender aspectos da vida de uma comunidade, utilizando as ferramentas da

etnografia e da antropologia, enquanto participa do seu cotidiano, procurando

elaborar um nível de compreensão mínima a respeito da cultura estudada. Caberia ao

antropólogo focar o olhar não apenas para aqueles temas que sejam relevantes para si

mesmo e para a comunidade de antropólogos, ou outras a quem precise prestar

contas da pesquisa, mas também em questões que sejam relevantes para o grupo

específico com o qual está trabalhando e para a sociedade em geral.

Em minha convivência com a comunidade de usuários do fórum Growroom,

percebi como sendo o principal tema de discussões, o que inclusive o diferencia de

outros fóruns e sites sobre o tema, a troca experiências sobre cultivo para consumo

próprio e o significado atribuído à esta conduta, vista como uma forma potencial de

interferir no mercado de drogas em geral, diminuindo o poder do denominado

“tráfico”11 e a violência envolvida. De 2002 para cá, alguns membros da comunidade

foram presos e acusados de tráfico de drogas e, em geral, foram submetidos a longos

períodos de encarceramento antes de conseguirem ser reconhecidos como usuários.

Esses episódios causaram grande comoção na comunidade e o crescimento do

interesse de que a figura do cultivador passasse a ser reconhecida social e legalmente.

Todos esses processos políticos, legais e sociais e o reconhecimento, nascido na

própria experiência de pesquisa de campo, da relevância do tema do cultivo para a

comunidade estudada, me levaram a crer que tal prática merecia prioridade na

divulgação dos resultados da pesquisa, estimulando uma reflexão sobre mudanças no

objeto deste trabalho. Na difícil tarefa de recortar o objeto, procurei redimensionar a

10 Os casos mais recentes que envolveram diretamente a comunidade Growroom são o de Fábio (RJ) e Alexandre (RS), usuários que foram inicialmente acusados de tráfico e que depois da intervenção de advogados sob orientação e apoio do Growroom conseguiram reverter a acusação para cultivo com fins de consumo pessoal. Para maiores informações sobre o caso de Alexandre ver o tópico iniciado no dia 14 de dezembro, disponível no endereço: http://www.growroom.net/board/index.php?showtopic=33112&st=0. Para maiores informações sobre o caso de Fábio, ver o tópico iniciado no dia 16, disponível em: http://www.growroom.net/board/index.php?showtopic=33125&st=0.

11 A lei define tráfico de drogas como o comércio sem a devida autorização legal. Neste texto, aparecem como sinônimos os termos: tráfico, comércio não-autorizado, comércio ilegal e comércio sem a devida autorização.

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necessidade de produzir uma extensa descrição da história do Growroom, de sua

estrutura, formas e mecanismos de sociabilidade e de me debruçar sobre todos os

dados do Censo Cannábico. Por mais relevante que seja descrever uma comunidade

de maconha no ciberespaço, ou conhecer algumas informações sobre o perfil atual do

consumidor de maconha brasileiro, esses tópicos podem esperar um pouco mais para

terem a atenção que merecem e, é claro, me dedicarei à publicação desses outros

resultados da pesquisa em trabalhos futuros. Assim, , por hora, optei por eleger como

objetivo central discutir aspectos sócio-culturais e legais do cultivo para consumo

próprio, a partir da comunidade de usuários do fórum Growroom e dos dados do

Censo Cannábico, situando o atual status dessa prática segundo as Convenções

Internacionais sobre Drogas (1961, 1971 e 1988) e a Lei 11.343/2006 .

A pesquisa apresentada aqui é fruto de uma análise baseada em 4 tipos de

dados: Bibliográfico, sobre a maconha, seus usos e usuários; Observação Participante

realizada na Comunidade do Growroom – www.growroom.net/board; Entrevistas

com o fundador do Growroom e com outros usuários que cultivam para consumo

próprio; Dados do Censo Cannábico das pessoas que afirmaram plantar pra consumo

próprio.

O levantamento bibliográfico permitiu traçar um panorama sobre a maconha

na História do Brasil, até a atualidade. Os dados coletados em minha participação na

comunidade Growroom são utilizados para analisar as formas de sociabilidade entre

usuários e de reprodução das informações a respeito das técnicas e experiências de

cultivo. Além disso, também são usados para realizar uma descrição do histórico do

fórum, de sua estrutura e forma de funcionamento.

E os dados das entrevistas realizadas e dos questionários do Censo Cannábico

são utilizados para traçar um perfil dos usuários que plantam maconha para consumo

próprio e realizar algumas reflexões a respeito dessa prática no Brasil. As entrevistas

com os usuários do Growroom foram realizadas através de questionários abertos,

respondidos ao longo do último semestre de 2008, sendo que as entrevistas com Ira,

fundador do Growroom, foram realizadas através de softwares de comunicação

online e em 4 oportunidades em que pude estar pessoalmente com ele.

A utilização de metodologias de coleta de dados tão variadas se deve

especialmente ao objeto de estudo tão peculiar e que exige o maior número de

informações disponíveis para ser possível a realização de análises criteriosas sobre a

matéria. Espero ter utilizado da forma mais adequada e proveitosa possível, inclusive

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expondo as vantagens e desvantagens dos caminhos escolhidos para a obtenção das

informações as quais tive acesso para a realização deste trabalho.

3.Drogas, Ciência e Cultura

“O Growroom é um verdadeiro centro científico. Lá aprendi muito mais sobre plantas do que nas minhas aulas de biologia no colégio” (Tochiba).

Atualmente, vários pesquisadores têm afirmado a necessidade da utilização de

diferentes tipos de abordagens, concomitantemente, quando nos propomos realizar

estudos sobre o uso de drogas. (ROMANI, 1999; MACRAE, 2000). As abordagens

precisariam obrigatoriamente se debruçar de forma equivalente sobre aspectos

biológicos, sociais, culturais e psicológicos, que se relacionariam dentro do contexto

no qual uma determinada substância é utilizada. Não se trata de dizer que o efeito

farmacológico de uma droga não teria influência sobre a maneira como ela será

consumida, ou como seus efeitos serão percebidos, mas de admitir que todo uso de

substâncias psicoativas está obrigatoriamente inserido dentro de um contexto sócio-

cultural.

Quando se admite isso, é possível também admitir o fato de que as drogas têm

efeitos diferentes entre si e, de acordo com a configuração que o seu uso assuma em

um determinado grupo social, têm também efeitos antropológicos diferenciados.

Assim, tanto as concepções válidas que circulam na sociedade a respeito de drogas,

quanto os pressupostos epistemológicos, teóricos e metodológicos que estariam por

trás dos discursos científicos sobre o tema, deveriam se tomados como parte dos

objetos a ganhar atenção dos cientistas que estudam o uso de drogas (ROMANÍ,

1999).

Os fenômenos sociais relacionados à saúde e enfermidade têm recebido cada

vez maior atenção de cientistas sociais das mais diferentes correntes teóricas. Porém,

tradicionalmente deixada às ciências biomédicas, a produção do saber sobre essas

questões tem sido marcada pela busca do princípio da universalidade de tais

fenômenos que, muitas vezes, vêm sendo compreendidos apenas à luz de suas

determinantes biológicas. Essa perspectiva é informada pelo paradigma positivista e

visa, em última instância, produzir conhecimento para fomentar uma intervenção.

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Por outro lado, o pensamento antropológico de cunho mais compreensivista, partiria

da concepção de que é preciso produzir conhecimento sobre os fenômenos a partir da

forma como as populações estudadas se relacionam com eles. Em outras palavras, à

Sociologia e Antropologia caberia a compreensão e às ciências biomédicas a resolução

dos problemas.

Na área dos estudos sobre os fenômenos do consumo de substâncias

psicoativas não tem sido muito diferente. Apesar das suas especificidades, a

produção de conhecimento sobre o tema tem seguido a lógica das ciências

biomédicas, buscando modelos explicativos baseados na necessidade de elucidar o

nexo causal do problema a ser equacionado, o que, no caso das drogas, seria

eminentemente determinado pela relação substância-organismo. O que significa

dizer que, os trabalhos a respeito consumo de drogas, têm, em grande medida,

buscado o entendimento sobre esses fenômenos partindo de explicações centradas

nos efeitos farmacológicos dessas substâncias. Assim, as experiências com drogas não

seriam entendidas como práticas sociais diversas, com especificidades envolvendo

valores, sujeitos, representações, significados, dentre outros aspectos, mas como

padrões comportamentais gerados por indução farmacológica de um princípio ativo.

Toda a experiência com drogas, que envolveria não só a substância, mas

principalmente o contexto sócio-cultural de uso, seria entendida como causada

unicamente pelo efeito da substância no organismo.

No Brasil, o crescimento da produção de trabalhos em Ciências Sociais no

campo dos fenômenos da saúde se deu principalmente através de sua introdução em

cursos de pós-graduação nos campos da Medicina Social e da Epidemiologia (ALVES

& RABELO, 1998). Com essa afirmação, não se pretende negar a existência de

trabalhos anteriores ao estabelecimento da relação entre ciências sociais e ciências

biomédicas e mesmo de trabalhos posteriores oriundos exclusivamente da Sociologia

e Antropologia. No entanto, a introdução de uma demanda por parte das ciências

biomédicas pela colaboração de cientistas sociais no seu campo traz particularidades

ao pensamento social nessa área que são importantes de serem discutidas.

Ainda que as preocupações sobre os aspectos coletivos da saúde antecedam a

institucionalização de disciplinas especificas, foi somente a partir da década de 1940

que esse processo tomou impulso, sendo também nesse período que Ciências Sociais

entraram nos cursos de Pós-Graduação12. Assim, o processo de institucionalização

12 Como exemplo, temos o Curso de Problemas da Sociologia aplicada à Higiene (1945) na Faculdade de Saúde Pública da USP.

16

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das Ciências Sociais no país ocorreu paralelo ao das disciplinas da Saúde Coletiva e

Medicina Social, dentre outras iniciativas de tornar o olhar sobre a saúde mais

interdisciplinar. (CANESQUI, 1995).

Até a década de 60, a introdução das Ciências Sociais no pensamento sobre a

saúde no país se deu principalmente pelo que se chamavam de “Ciências da

Conduta”, através da cooperação em pesquisas epidemiológicas e que produziram

mudanças bastante restritas na compreensão clínica da noção de individuo enquanto

ser bio-psico-social (CANESQUI, 1995, p.20-1). Discutindo ainda sobre esse processo,

Canesqui identifica entre as décadas de 60 e 70 uma transição da hegemonia do

paradigma funcionalista para um materialismo histórico de inspiração althuseriana,

o que seria, segundo ela, a troca de um estruturalismo por outro (p. 22). Essa

mudança teria aberto um largo espaço para o florescimento de uma Epidemiologia

Social ou Crítica, que proporcionou o crescimento da inclusão de cientistas sociais

nas iniciativas de pesquisa nessa área.

No entanto, ainda que as pesquisas epidemiológicas tenham ampliado sua

relação com os fatores sociais das determinantes das doenças e enfermidades, a

lógica positivista intrínseca ao fazer epidemiológico excluía a possibilidade da

compreensão enquanto meta final, permanecendo a epidemiologia uma ferramenta

eminentemente intervencionista. Assim, o saber epidemiológico seria eminente

intervencionista, enquanto boa parte do saber sociológico seria produzido em bases

epistemológicas compreensivistas. Ou seja, em última instância, à epidemiologia

caberia produzir saber sobre um aspecto determinado sobre o qual se possa intervir,

sem a obrigação de desvendar o nexo causal entre determinantes, o que teria sugerido

a metáfora da Epidemiologia de Caixa-preta (p.24). Nesse contexto, caberia aos

cientistas sociais apenas o papel de facilitar a criação dos mecanismos de coleta de

dados para as pesquisas realizadas pelos epidemiologistas.

Mas, as especificidades das abordagens sociológicas de base compreensivista

para os fenômenos da saúde e doença tornaram possível que na década de 80

emergissem novas concepções sobre o tema. Canesqui (1994), analisando 120

trabalhos de ciências sociais na área de saúde, encontrou “crescente interesse

antropológico na análise de fenômenos saúde-doença, fugindo evidentemente à

visão naturalizada, dominante no modelo médico biologicista e mecaniscista”

(p.14). Este interesse teria como reflexo não apenas o crescimento de estudos

antropológicos sobre o tema mas, em sentido mais geral, revelar que a produção das

17

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Ciências Sociais sobre o tema da saúde havia se ampliado. Até esse período, a

produção das Ciências Sociais sobre o tema estava atrelada ao seu papel subsidiário

do conhecimento biomédico com vistas à promoção de intervenções médico

sanitárias, ou, no máximo, a produzir conhecimento sobre aspectos sociais que

facilitassem essas intervenções.

No entanto, os trabalhos deixaram de ser inspirados meramente por demandas

oriundas dos grupos de interesse ou instituições ligadas às ciências biomédicas, e

também surgiram trabalhos baseados nas preocupações emergidas dentro do próprio

campo das Ciências Sociais. Assim, o foco deixou de ser a doença ou o processo

patológico e passou a ser as populações que estavam sendo estudadas, seus processos

culturais e as relações que estabeleciam com os processos de saúde-enfermidade.

Canesqui destaca como sendo importantes para esse período as contribuições dadas a

partir das discussões sobre os conceitos de disease, illness e sickness, que guardariam

“distinções entre manifestações patológica ou biológica da doença, a percepção

individual ou subjetiva da doença e a ordem cultural estabelecida” (Eisemberg,

1977; Kleinmam, 1978; Frankenberg, 1980; Yung, 1982; apud CANESQUI, 1994).

Esses conceitos abriram a possibilidade de trabalhos que buscaram

compreender o saber, fundamentado nas ciências biomédicas, também, como

inserido em sistemas de referências socialmente e culturalmente determinados. Essa

forma de conceber os fenômenos do adoecer, baseada nos conceitos de disease e

illness, serviu de base para o surgimento da “Teoria do Conflito”. Essa teoria parte do

suposto de que o sistema médico de referências é intrinsecamente oposto ao sistema

leigo de referência, formado a partir das concepções do paciente. Muito utilizada para

entender os padrões de utilização dos serviços de saúde, afirma que “a concepção

biomédica está usualmente em uma oposição conflituosa com a do paciente, pois

para este a doença é formulada através de um ‘sistema leigo de referencia, isto é,

um corpo de conhecimentos, crenças e ações que estruturam a percepção leiga do

doente” (ALVES, s/d).

Assim, os sistemas culturais que informariam as concepções de médicos e

pacientes seriam intrinsecamente opostos e, a priori, inconciliáveis, segundo essa

teoria. Em outras palavras, a ascensão de paradigmas compreensivistas, dentro da

sociologia, possibilitou a emancipação do pensamento social sobre a saúde em

relação aos seus vínculos com o saber de origem biomédica. Essa emancipação tem

permitido que o saber antropológico sobre os fenômenos da saúde-doença deixem

18

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seus pactos com a intervenção sobre as populações estudadas e reatem seus

compromissos com a compreensão de tais realidades sociais, ainda que se

mantenham interesses intervencionistas, em alguns casos.

Podemos concluir, portanto, que o desenvolvimento do pensamento

antropológico em relação aos fenômenos da saúde-doença se fez em um primeiro

momento ligado às ciências biomédicas e foi à elas subjugado. Em um segundo

momento, a influência das Ciências Sociais se fez mais presente e determinou a

ascensão dos fatores sociais dentro dos modelos explicativos para esses fenômenos.

Foi somente a partir do surgimento de um pensamento sobre os fenômenos

relacionados à saúde-doença oriundos das Ciências Sociais e seus próprios

pressupostos que pudemos assistir ao crescimento das discussões que compreendem

os sistemas médicos e os sistemas leigos enquanto sistemas culturais pluri-

referenciados e, muitas vezes, conflitivos entre si.

Já as contribuições das Ciências Sociais especificamente para os estudos do

uso de drogas, tiveram início ainda na década de 1950, quando começaram a surgir os

primeiros trabalhos enfocando esses fenômenos dentro de alguns grupos urbanos

específicos.

Na década de 1950, analisando grupos de usuários de maconha, o sociólogo

americano Howard Becker propôs nos Estados Unidos um novo método para abordar

a reprodução e manutenção dessas práticas de consumo, buscando respeitar e

compreender a lógica interna dos grupos no qual elas se reproduziam. Vivendo em

um país onde o uso da Cannabis também é muito difundido, Becker inaugurou o

paradigma cientifico que passou levar em conta que os usuários, compartilhavam

entre si valores e significados sobre a maconha e seus usos,e que eram diferentes aos

socialmente hegemônicos. Ou seja, ainda que em muitos aspectos de suas vidas esses

usuários compartilhassem de valores e significados comuns à indivíduos e

comunidades de não-usuários, os valores e significados que se relacionavam à

Cannabis eram divergentes e até mesmo antagônicos. Becker, utilizou o conceito de

cultura definido na Antropologia, para falar em cultura da droga, passando a clamar

pela necessidade de um olhar diferenciado para as comunidades de usuários de

drogas, afirmando ser preciso entender tais grupos dentro de seus próprios termos

(BECKER, 1966).

Em seus trabalhos, Becker analisou a maneira como usuários de maconha, a

partir das experiências em grupo, construíam os significados que justificavam a

19

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permanência naquilo que ele chamou de carreira de maconheiro. Ele destacou a

maneira como a quantidade, a qualidade, as informações e as formas de uso, que

circulavam nesses grupos de usuários, influenciavam e determinavam as

representações dos usuários sobre seus hábitos, determinando inclusive as

configurações que esse hábito assumia. Dessa forma ele demonstrou que, para se

tornar um maconheiro, seria necessário ao usuário participar da cultura da droga,

para poder saber utilizar a substância da maneira adequada e aprender a identificar

dentre os efeitos obtidos, aqueles que buscava, bem como percebê-los como

prazerosos e reconstruir os próprios valores sobre a substância e suas práticas de uso,

distanciando-se daqueles reproduzidos no senso comum, que tendem a categorizar a

cultura da droga como algo negativo.

Com esse trabalho, Becker forneceu uma importante contribuição e construiu

as primeiras ferramentas teóricas e metodológicas para que os pesquisadores

pudessem analisar comunidades de usuários de drogas sem, no entanto, partirem do

estatuto de que toda a experiência com essas substâncias é determinada meramente

pelos fatores farmacológicos. Segundo ele:

“Evidências experimentais, antropológicas e sociológicas convenceram grande parte dos observadores de que os efeitos da droga variam muito, dependendo de variações na fisiologia e psicologia das pessoas que as tomam, do estado em que a pessoa se encontra quando ingere a droga e da situação social na qual ocorre a ingestão da droga”. (BECKER, 1977).

Assim, em sua perspectiva, o usuário aprende socialmente a perceber tais

efeitos e a interpretá-los como sendo ou não causados pela droga, bem como se tais

efeitos devem ou não ser encarados como prazerosos. Dessa forma, uma determinada

droga pode causar distorção na percepção do tempo e isso ser experimentado como

algo ruim por um indivíduo, mas pode ser o efeito buscado por um outro e ser tido

como prazeiroso. Nesse sentido, a quantidade e a qualidade de informações sobre a

substância consumida, na medida em que uma substância desencadeia múltiplos

efeitos sobre o organismo, o acesso a quais são esses efeitos e a forma como tais

efeitos devem ser percebidos pelo usuário, influenciariam diretamente a experiência

psicoativa.

20

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Informações sobre quais dosagens são necessárias para se obter os efeitos

esperados, a forma de consumir e as sensações que devem ser buscadas nesse leque

de efeitos são apenas alguns dos exemplos do que é aprendido em fontes que o

usuário considera confiáveis: normalmente usuários mais experientes, ou grupos de

usuários com os quais podem compartilhar experiências. Os usuários aprenderiam

também com sua própria experimentação e com informações buscadas em

publicações, pesquisas, livros, revistas e outros meios de comunicação, tanto dos

sistemas de especialistas como dos sistemas leigos de referência. Tudo isso formaria o

que Becker chamou de saber informal sobre a droga, que seria o conjunto de

informações que circulam nas redes de sociabilidade formadas por usuários

(BECKER, 1977).

Dessa forma, as representações que grupos na sociedade em geral e os grupos

formados por usuários em particular, constroem sobre a substância, sobre a cultura

em torno do seu consumo, e sobre seus efeitos, tanto individuais quantos sociais, são

de fundamental importância na elaboração das experiências com psicoativos. Por

outro lado, a maneira como a droga e os usuários são entendidas por um grupo social

específico e na sociedade em geral também podem determinar o caráter das

informações sobre as substâncias e seus usuários que serão produzidas pelas

instituições dessa sociedade.

Sabe-se que se uma determinada substância é historicamente categorizada de

forma negativa e sofre um longo processo de estigmatização, é comum que boa parte

das informações divulgadas pelos veículos de comunicação, principalmente os de

massa, estejam de acordo com esses significados e inibam o acesso de cidadãos,

usuários ou não de drogas, a outros tipos de informações, influenciando

especialmente a interpretação que os usuários têm para o uso e para os efeitos

experimentados em suas carreiras.

É nesse sentido que, usuários de maconha, que tenham que conviver com a

ilegalidade do seu hábito, sentem necessidade de reforçar valores que justifiquem a

sua opção e a continuidade de sua carreira desviante, buscando a construção de uma

imagem positiva tanto para seu hábito, quanto para si, em contraposição às

representações sociais que ligam a maconha e os usuários de maconha à imagens de

marginalidade, imoralidade, insanidade e vício. (MACRAE & SIMÕES, 2000).

Como vimos, as representações que os usuários têm sobre a droga, seu

consumo e seus efeitos são construídas em redes de sociabilidade de usuários,

21

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quando os usuários de determinada substância se mantêm ligados, mesmo que

indiretamente, por um certo período, fazendo circular uma grande quantidade de

informações sobre suas experiências formando o que se chama cultura da droga.

(BECKER, 1977). A cultura da droga é muitas vezes ignorada ou contestada nas

análises sobre os usuários construídas meramente sobre dados farmacológicos ou

jurídico-legais. Tais análises tendem a ignorar as opiniões e motivações dos

indivíduos na busca pelo uso de drogas, elaborando interpretações sobre os usuários

e seus hábitos desprovidas de qualquer relação com a cultura da droga.

Todas essas representações negativas elaboradas em torno da cultura da

droga acabam gerando um volume de informações que concorrem diretamente com

as informações que circulam nas redes informais de sociabilidade de usuários,

gerando uma disputa por legitimidade de duas posições que discordam em muitos

aspectos. As representações sobre a substância, os usuários, o consumo e os efeitos de

determinada substância, que são elaboradas em cima dessa visão reducionista,

tendem a empurrar de forma ainda mais acentuada os usuários para a marginalidade

e a intensificar na sociedade a construção de imagens negativas relacionadas às

substâncias psicoativas e seus usuários. (MACRAE, 2000).

No Brasil, os trabalhos de Becker e outros autores começaram a inspirar o

surgimento de novas abordagens, que passaram a levar em conta os contextos

socioculturais no qual o consumo de drogas se desenvolve, e destacam-se os trabalhos

de Gilberto Velho sobre os comportamentos desviantes. (VELHO, 1974). Em meados

de 1980, as publicações sobre o consumo de Cannabis já revelavam uma forte

identificação do hábito entre as diversas camadas sociais do país e a preocupação em

analisá-los a partir de olhar mais compreensivista. (HENMAN e PESSOA Jr., falta o

ano, pq não foi citado antes.; MACIEL, 1985).

No entanto, até esse período, a produção de dados a respeito dos fenômenos

relacionados ao uso de drogas se refere basicamente a estatísticas policiais,

hospitalares e de institutos médico-legais (BUCHER, 1992), com ênfase nos aspectos

ligados ao tráfico e ao uso de drogas ilícitas. Richard Bucher, afirma que somente a

partir de 1986 é que muitos estudos realmente relevantes começaram a surgir na

área, a partir do incentivo de instituições de fomento à pesquisa, nacionais e

internacionais,

“... graças a uma política de incentivo à investigação

22

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científica sobre o tema (com apoio do CNPq, do UNDCP, da OMS e outros), aliada ao esforço de diversos grupos de pesquisadores universitários, o Brasil se destaca como o país latinoamericano que mais dispõe de dados epidemiológicos recentes sobre o consumo de substâncias psicoativas ” (BUCHER, 1992, p. 12)

Dessa forma, foi somente a partir do final da década de 80 que surgem as

primeiras pesquisas de grande porte a respeito do consumo de drogas no Brasil. No

entanto, é importante ressaltar que tais pesquisas referem-se principalmente a

levantamentos quantitativos baseados em técnicas de survey, apoiados nos

paradigmas epidemiológicos emprestados da biomedicina, a exemplo dos estudos de

Bucher & Totugui (1986/87), Carlini-Cotrim & Carlini (1987), Almeida Filho &

Santana (1987/8), Carvalho Neto e outros (1987), Achutti (1989) (BUCHER, Op. Cit.,

p.9-23).

Na década de 1990 as abordagens interdisciplinares consolidaram sua

legitimidade enquanto perspectivas eficientes para os estudos sobre os usos de

psicoativos e os aspectos sócio-culturais do consumo passaram a ser cada vez mais

levados em consideração nas discussões sobre o tema. Nesse processo, os indivíduos

começam a ser vistos como sujeitos ativos na busca pelas substâncias e responsáveis

pela atualização das práticas e representações que justificam a manutenção desses

hábitos. (Espinheira; Neri Filho; Bucher In: BUCHER et al, 1994). Desde então, as

várias configurações que o uso, os padrões de consumo e os hábitos relacionados

assumem, e como esses têm sido articulados nos mais diversos contextos dentro da

sociedade, têm sido objeto de variados métodos de observação. Assim, populações

com características específicas passaram a ser estudas a luz das determinantes sócio-

culturais que tecem as suas especificidades e ao mesmo tempo indicam as melhores

abordagens.

A partir daí, têm surgido diversos trabalhos estudando situações em que o uso

de substâncias psicoativas não se relaciona necessariamente com problemas sociais

ou à saúde e muitas vezes é parte importante da cultura da população estudada. Entre

os temas estudados estão as práticas de uso tradicional, ritual e religioso de maconha

entre populações indígenas e caboclas13; uso ritual e religioso de Ayahuasca (Daime,

Yagé) entre povos indígenas e populações caboclas e urbanas14; e o uso ritual de

13 Sobre esse assunto ver o trabalho de Anthony Henman (1986).14 Sobre o tema ver os trabalhos de Beatriz Labate (2002) e as coletâneas “O uso ritual de Ayahuasca” (LABATE & GOULART, 2004) e “O uso ritual de plantas de Poder” (LABATE & ARAÚJO, 2004).

23

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fermentados alcoólicos (Mocororó, Cauim)15. Assim, o que se assistiu foi o

reconhecimento da importância de se observar a singularidade de cada uso de drogas,

o que levou, finalmente, a uma preocupação com o contexto sócio-cultural em que o

ato de tomar a substância está inserido, pois é nele que se forma o que poderia ser

chamado de efeito antropológico, ou seja, tudo que uma população se habituou a

esperar de uma droga e de seus usuários (BUCHER, Op. Cit.).

Lima, discutindo as concepções teóricas que das abordagens sobre o tema no

Brasil, considera como sendo três os modelos principais:

1. Modelo Experimental – ligado aos paradigmas posteriores aos trabalhos de

Darwin e Pasteur, fortemente influenciados pelo modelo explicativo da

biomedicina experimental do século XIX, baseando suas análises à substância

usada e aos seus efeitos farmacológicos como principal foco de saber sobre os

fenômenos relacionados ao consumo.

2. Modelo Clínico – baseado na experiência clínica junto a pacientes em

tratamento, e que constrói seu quadro analítico a partir do referencial de um

conjunto de sintomas que apontariam para possíveis desordens. A causalidade

deixaria de ser apenas farmacológica, mas continuaria a perspectiva de que o

uso é um sintoma do vício, doença que teria agora origem biopsicosocial.

3. Modelo Estrutural – associado às perspectivas de Saúde Pública e da Medicina

Social, buscando adotar abordagens sistêmicas, multi e interdisciplinares para

analisar os fenômenos. Esse modelo ainda estaria influenciado pelo paradigma

da biomedicina e o aporte teórico metodológico estaria ainda muito embasado

na epidemiologia, mas também é marcado por uma preocupação em incluir

fatores relativos aos aspectos sociais do consumo. (LIMA, 1997. p. 94-8)

No entanto, essas três vertentes apontadas por Lima dão conta apenas dos

trabalhos preocupados com de que maneira o uso de drogas está sendo realizado,

visando possíveis intervenções no sentido de combater o problema das drogas. Na

perspectiva de Lima, os modelos dariam conta de explicar que paradigmas estariam

informando os estudos sobre drogas de acordo com diferentes referenciais. Mas, para

ele, os modelos experimental, clínico e estrutural seriam permeados constantemente

pelo risco de um determinismo farmacológico intrínseco às abordagens tradicionais

15 Sobre o uso do Cauim e outras bebidas fermentadas tradicionais ver Henrique Carneiro (2005).

24

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sobre o uso de drogas16. Assim, para ele, nos estudos sobre o uso de substâncias

psicoativas seria recorrente a compreensão de que a substância em si é portadora de

fatores de explicação causal.

Seguindo a sugestão de Richard Bucher, podemos dividir os estudos sobre a

Cannabis no Brasil entre o que ele chama de perspectivas moralista e liberal17. No

primeiro grupo estariam os estudos voltados para discutir os aspectos negativos do

uso da maconha, a partir dos efeitos farmacológicos da substância, focalizando as

análises na discussão dos potencias riscos e danos relacionados com o uso abusivo.

Nesse caso, à ciência caberia não apenas o papel de compreender o fenômeno, mas

também de julgá-lo, considerando-o em si negativo ou positivo e, por isso, ilícito ou

lícito. No segundo, estariam os estudos que entendem a maconha e outras drogas

como sendo objetos de consumo, em si, neutros ou vazios, não podendo ser

analisados fora de seus contextos culturais específicos, e que não atribuem

julgamentos de valor supostamente baseados em conhecimentos científicos

(BUCHER, 1992).

Para os autores inseridos nesse segundo grupo, qualquer que fosse o

“problema das drogas”, este seria expressão de uma configuração específica, num

contexto sócio-cultural determinado, mas que não poderia ser generalizado para

todos os casos, já que as experiências com drogas na maioria das vezes não é

entendida como um problema para o usuário. Seguindo essa linha, na maioria dos

estudos, as práticas relacionadas com uso de drogas não são analisadas como

problemas, uma vez que não seria de grande valia uma ciência da cultura que, a

priori, considerasse como problema uma prática cultural tida como comum para o

grupo estudado.

O antropólogo Oriol Romaní, discutindo o papel do cientista social no campo

de estudo dos fenômenos relacionados ao uso de substâncias psicoativas, afirma que

não apenas tais fenômenos, mas também os próprios paradigmas que orientam as

reflexões sobre eles, precisam ser entendidos à luz das características sócio-culturais

da sociedade da qual são fruto. Assim, para além de constituir conclusões a respeito

das substâncias em si, o antropólogo inserido nesse campo precisa constituir um

discurso sistemático a respeito do maior número de fenômenos relacionados às

16 LIMA, Élson da Silva. Existe um paradigma epidemiológico para o estudo do fenômeno da drogadição?. In; BAPTISTA, Marcos; INEm, Clara (Orgs.) TOXICOMANIAS – abordagem multidisciplinar Rio de Janeiro – RJ: Editora Sette Letras, 1997. p. 94.17 BUCHER, Richard. Drogas e Drogadição no Brasil. Porto Alegre – RS: Editora Artes Médicas, 1992. p. 89-91.

25

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formas com as quais a sociedade que estuda lida com essas substâncias. Tanto as

concepções válidas que circulam na sociedade a respeito das drogas, seus usos e

usuários (sistemas leigos), quanto os pressupostos epistemológicos, teóricos e

metodológicos que estariam por trás dos discursos científicos sobre o tema (sistemas

especialistas) deveriam ser objetos da atenção do cientista social na área do uso de

psicoativos (ROMANÍ, 1999.p.135-174).

Romaní afirma ainda que, por fazerem parte tão intrínseca da cultura das

sociedades, as drogas devem ser estudadas de uma forma muito especial, voltada

para a compreensão de toda a diversidade e formas singulares de expressão do

fenômeno, ao invés da comum busca obsessiva por uma explicação causal. Em suas

palavras “considerando que en el caso de las drogas estamos ante un fenómeno

expresivo, tendremos una mayor capacidad de entenderlo si lo situamos en el

contexto de los paradigmas científicos que priman la comprensión a la explicación”

(ROMANÍ, Op. Cit.p. 138).

O papel das ciências sociais na produção do conhecimento a respeito dos

fenômenos sobre o uso de drogas estaria, portanto, vinculado não apenas à produção

de dados a respeito da ação das substâncias, ou dos problemas relacionados ao seu

uso, mas, sobretudo, à compreensão crítica da forma como toda sociedade que ele

analisa se relaciona com as drogas, seus usos e usuários. Nesse sentido, ao cientista

social caberia o papel de compreender como a droga é usada social e culturalmente

não apenas por seus usuários, mas por diversos grupos na sociedade, inclusive os que

querem combatê-las ou analisá-las.

Durante essa pesquisa procurei elaborar reflexões críticas não apenas a

respeito do uso da maconha, mas também a respeito da prática científica relacionada

com o tema. Nessa pesquisa, adotei a postura sugerida por Romani e antes dele por

Bucher e muitos outros, procurando utilizar o texto para realizar uma tradução o

mais eficaz possível da realidade estudada, numa linguagem inteligível para

antropólogos e não-antropólogos. Devido a meu lugar especial de nativo-antropólogo,

já mencionado anteriormente, essa postura se fez ainda mais inevitável, devido ao

meu conhecimento sobre quais temas são de maior relevância para os cultivadores e

que precisavam ter maior destaque. Ao me colocar neste papel procurei não criar

julgamento baseados em valores morais ou ideológicos, mas sim me ater à tarefa de

analisar e discutir a respeito da cultura estudada sem “maquiá-la” de forma alguma.

Espero que o papel a que me propus nessa pesquisa tenha sido realmente a melhor

26

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escolha e que, através desse trabalho, tenha podido realizar boas análises críticas a

respeito do tema e também trazido dados e informações relevantes que ajudem na

compreensão da maconha, seus usos e usuários, no Brasil atual.

4. A Maconha na História do Brasil

“Conheço político, advogado, policial, médico, professora de jardim de infância, preto, branco, azul e verde. Todo mundo fuma, pô!” (Fangorn)

As práticas culturais relacionadas com o consumo de maconha no Brasil atual

não poderiam ser discutidas sem antes fazer algumas considerações a respeito dos

usos e papéis que a planta teve na história do país. Também considerei que deveria

discutir de que maneira foi construída a imagem negativa associada à planta e seus

usos e como se deu o processo de criminalização da maconha no Brasil, tendo como

principal fonte de conhecimento os dados encontrados ao longo da pesquisa

bibliográfica.

No Brasil, as práticas sociais associadas ao consumo Cannabis sativa e seus

derivados sempre foram bastante comuns, desde o inicio da colonização, e

incorporadas junto com outros elementos culturais de diferentes grupos étnicos que

vieram ou foram trazidos para o país (Dória, 1915; Iglesias, 1918; Moreno, 1946;

Mott, 1986; In; HENMAN & PESSOA Jr, 1986). Embora a maioria dos registros

históricos aponte que, nesse período inicial essas práticas fossem quase

exclusivamente restritas aos escravos, sabe-se que com o passar dos anos, assumiram

as mais variadas configurações, com uma maior ou menor penetração em diferentes

camadas sociais.

Certamente, os colonizadores, agentes do Império Lusitano, já estavam

habituados, desde o período denominado como Expansão Marítima, ao

relacionamento com diferentes culturas consumidoras da planta. Além de

conhecerem os usos lúdicos e medicinais de sua resina, a partir do seu contato com

populações de países asiáticos e africanos, onde mantinham outras colônias, também

conheciam as utilidades de sua fibra. Denominada na Europa mais comumente de

Linho-cânhamo, ou somente Cânhamo, as fibras da planta eram amplamente

utilizadas na indústria têxtil, sendo reconhecidamente um dos produtos centrais à

27

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economia e sociedade da época (HERER, 1985; BOOTH, 2003; BENTO, 1992).

Apesar dos dados históricos apontarem que as contribuições dos africanos e

seus descendentes à cultura do uso da maconha no país sejam bem antigas, tudo

indica que as contribuições dos colonizadores também foram bastante relevantes

para a disseminação dessa espécie vegetal em todo país. Se por um lado a introdução

e utilização de Cannabis seguiram a mesma lógica que outros aspectos da vida das

populações de escravos e ex-escravos, estando restritas às determinações das elites

econômicas, sociais e políticas, por outro, os colonizadores cultivaram oficialmente

variedades da planta de diversas origens, em diferentes regiões do país.

Pesquisas evidenciam a existência de fazendas e benfeitorias com plantio de

maconha, instaladas no sul do país, em regiões que atualmente ficam entre os

municípios de Canguçu e Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul ainda no século

XVIII. Também foi a partir desse período que ocorreu um amplo movimento,

inserido num projeto de fortalecimento do Estado através da busca por riquezas

naturais que pudesses ser exploradas economicamente, de cultivo da planta no Brasil,

com ações oficiais entre as quais se destacam a importação de sementes da Índia e

Europa para serem distribuídas e cultivadas em diferentes pontos do país, tradução

de manuais de cultivo para o português, e estudos e investimento na adaptação

climática de variedades da planta. Os Hortos Botânicos Imperiais trabalharam na

produção desse conhecimento e alguns relatórios e correspondências apontam para

as discussões sobre o desempenho das plantas em solo nacional, sendo que para

alguns, era um cultivo considerado altamente promissor (SANTOS & VIDAL, 2009).

Fora esse período de iniciativas oficiais de usos e os registros de usos entre

africanos, há ainda poucos registros encontrados sobre as práticas de uso da

maconha, anteriores ao século XX. Mas, ainda assim, sabe-se que já no início do

século XIX, havia um cenário de usos distinto do que havia no início da colonização, e

nesse contexto, apesar de ainda bastante limitado às populações rurais, os usos já

eram identificados também entre brancos, indígenas e mestiços, com os quais os

antigos fumadores possivelmente mantiveram algum contato (HENMAN e PESSOA

Jr., Op. Cit).

Do século XIX é o primeiro documento proibindo o uso da maconha, uma

Postura18 da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, de 1830, penalizando a venda e o

uso do denominado pito do pango, sem, no entanto obter quaisquer repercussões

18 Nome dado à época aos decretos de validade municipal.

28

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significativas. Foi somente no início do século XX, com a intensificação do processo

de urbanização, quando o hábito ganhou adeptos entre os habitantes das zonas

urbanas, que ele passou a figurar entre as preocupações das autoridades

governamentais.

Apesar de sua ampla utilização como matéria-prima para fibra têxtil,em

determinado período, principalmente pelas populações ligadas às elites econômicas e

sociais, a imagem da planta ficou marcada permanente por sua associação com o uso

por parte das populações pobres, negras e indígenas. Até o final do séc. XIX e as

primeiras décadas do séc. XX, a planta era bastante difundida nas regiões norte e

nordeste do país, sendo consumida por ex-escravos, mestiços e grupos indígenas,

principalmente nas zonas rurais, mas com o avanço do processo de urbanização, as

populações migrantes passam a ser vistas como fonte de problema sociais e

sanitários. Os hábitos de consumo e higiene desses grupos tornaram-se objeto de

estudo e controle das instituições e autoridades médicas e sanitárias. Foram criadas

delegacias e outras instituições específicas para tratar do assunto, a exemplo da

Inspetoria de Entorpecentes, Tóxicos e Mistificações, que também era responsável

pela repressão às práticas religiosas de origem africana, afro-brasileira e afro-

indígenas, em geral consideradas feitiçaria, curandeirismo ou magia-negra.

(MACRAE & SIMÕES, 2000; ADIALA, 2006).

A partir de 1910, alguns cientistas, como Rodrigues Dória e Francisco Iglesias,

passaram a divulgar e descrever, em artigos e congressos científicos internacionais,

suas teorias relacionando o comportamento considerado por eles, e outros

eugenistas, como natural19 das populações de origem africana, com os efeitos

farmacológicos da Cannabis. Segundo essa perspectiva, a maconha causaria em seus

consumidores “degeneração mental e moral”, “analgesia/entorpecimento”,

“vício/compulsão”, “loucura, psicose e crime”. Esses efeitos seriam os responsáveis

pelo comportamento atribuído por esses cientistas à natureza das populações de

origem africana, que seriam caracterizadas pela “ignorância”, “resistência física”,

“intemperança”, “fetichismo” e “criminalidade” (ADIALA, 1986, 2006; RODRIGUES,

19 A eugenia é um paradigma científico que se ampara na teoria evolucionista para afirmar que é importante atuar rigorosamente de forma seletiva na reprodução para garantir a “evolução” das espécies. Durante o final do séc. XIX e primeiras décadas do séc. XX, ela foi amplamente utilizada como justificativa para políticas de controle social e cultural, como base científica de diversas iniciativas de cunho racista e de perseguição à práticas culturais de populações consideradas “inferiores”. Um dos maiores exemplos históricos desse tipo de uso do paradigma eugenista foram as políticas de controle das populações “indesejáveis”, como Judeus, ciganos, imigrantes, dentre outros, durante os regimes nazistas na Alemanha, na primeira metade do séc. XX.

29

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2004).

Essas idéias se difundiram facilmente no ambiente acadêmico da época,

quando muitos dos conceitos ligados às teses eugênicas estavam no auge de sua

influência nos meios científicos do país. As drogas foram consideradas “venenos

sociais” e o hábito de consumi-las uma doença socialmente transmissível. (STEPAN,

2005). Bem aceita no meio acadêmico e na sociedade em geral, essa tese alcançou

repercussões nacionais e internacionais. As posições do Dr. Dória sobre o que ele

chamou de “a vingança dos vencidos” podem ser resumidas no trecho que encerra

sua comunicação no Segundo Congresso Científico Pan-americano, realizado em

Washington, 1915:

“A raça preta, selvagem e ignorante, resistente, mas intemperante, se em determinadas circunstâncias prestou grandes serviços aos brancos, seus irmãos mais adiantados em civilização, dando-lhes, pelo seu trabalho corporal, fortuna e comodidades, estragando o robusto organismo no vício de fumar a erva maravilhosa, que, nos estases fantásticos, lhe faria rever talvez as areais ardentes e os desertos sem fim de sua adorada e saudosa pátria, inoculou também o mal nos que o afastaram da terra querida, lhe roubaram a liberdade preciosa, e lhe sugaram a seiva reconstrutiva” (DÓRIA, 1915. p.37)

A partir dos esforços do Dr. Dória e seus colaboradores, as práticas e

representações sobre o uso, plantio e preparo de Cannabis, tradicionalmente

transmitidas e socialmente validadas através das diversas gerações de brasileiros que

a consumiam há séculos, passaram a ser oficialmente desqualificadas, deslegitimadas

e consideradas sintomas de uma doença social (MACRAE e SIMÕES, 2000). Foi

como doença transmissível de população para população que o hábito de consumir

Cannabis foi introduzido nos meios científicos da época, e foi dessa forma que passou

a ser discutido e pensado dentro de boa parte da comunidade científica.

Interpretadas como sintomas de uma “psicose hetero-tóxica” e compreendidas a

partir das categorias “maconhismo” ou “canabismo”, essas práticas passaram a ser

objeto de estudos e pesquisas em grande parte fomentadas ou promovidas pelas

autoridades oficialmente legitimadas sobre o assunto. (ADIALA, 1986, 2006).

Em 1921, as autoridades brasileiras que lidavam com as questões das drogas se

alinharam às posições repressoras dos EUA, seu principal aliado comercial e político,

aderindo aos acordos firmados na reunião da Liga das Nações Unidas através da

30

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aprovação da Lei Federal nº 4.294, de 6 de julho de 1921, que “estabelecia medidas

penais mais rígidas para os vendedores ilegais, fortalecia a polícia sanitária nas

suas prerrogativas e reafirmava a restrição do uso legal de substâncias psicoativas

para fins terapêuticos” (RODRIGUES, 2004, p. 135).

Com essa lei, o país estabeleceu os primeiros passos para a burocratização da

repressão e do controle das substâncias proscritas. Essa norma previa

encarceramento para os traficantes, mas interpretava os consumidores como doentes,

vítimas das substâncias, prevendo para eles o tratamento compulsório. Apesar dos

esforços das autoridades ligadas ao aparelho de repressão estatal, o ordenamento

jurídico brasileiro em relação ao tema só voltaria a sofrer alterações significativas na

década de 1930, período de promulgação de uma nova Constituição.

A partir da década de 1930, a repressão ao uso da maconha, no Brasil, ganhou

força e se intensificou, principalmente devido à postura adotada pelo representante

brasileiro na reunião da Liga das Nações, em 1924, que, de forma arbitrária e

contradizendo importantes estudos científicos realizados no país, incluindo os dele

próprio, comparou os perigos da maconha aos do ópio, exigindo equivalência na lista

classificatória da Convenção20 (CARLINI, 2004; MILLS, 2005). A equivalência

solicitada pelas autoridades brasileiras foi aceita, a após isso houve a inclusão da

planta como substância proscrita no país e a promoção de uma campanha para

erradicação do seu cultivo e consumo, com a implantação do Decreto 20.930, em

1932, onde os crimes de “vender, ministrar, dar, trocar, ceder ou, de qualquer modo,

proporcionar substâncias entorpecentes, sem a devida autorização” passaram a ser

previstas penas de 1 a 5 anos.

O mesmo Decreto passou a incluir a maconha na lista de substâncias

proscritas, sob a denominação de Cannabis indica, descrevendo o uso como doença

passível de internação e notificação compulsórias, inaugurando ainda a prisão para

usuários, ao prever penas de até nove meses para “[...] quem for encontrado tendo

consigo, em sua casa, ou sob sua guarda” (RODRIGUES, Op. Cit.).

Em 1934, foi promulgada uma nova Constituição, em meio a muitas agitações

políticas e sociais e, um ano depois, o Poder Executivo decretou a Lei de Segurança

Nacional (LSN), através da qual passou a vigorar um Estado de Exceção, com

20 É importante informar que no dia 2 de março de 2008, em Reunião do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, o Brasil aprovou o encaminhamento à Organização das Nações Unidas de um documento no qual se retrata oficialmente pela postura dos seus representantes nas Reuniões Internacionais de 1924 e 1961, e no qual sugere que, em reparação às consequências desse erro a Cannabis seja retirada da Lista IV da Convenção Única de 1961.

31

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restrições às liberdades individuais e direitos constitucionais. Em 1937, o então

presidente Getúlio Vargas fechou o Congresso, prendeu parlamentares e decretou o

estabelecimento de uma ditadura que vigoraria até 1945, conhecida como Estado

Novo.

Um ano após a instauração do Estado Novo, Getúlio Vargas impôs o Decreto-

lei nº 891, de 25 de novembro de 1938, que punia com penas ainda mais severas o

comércio não-autorizado e os usuários, ao prever pena de até quatro anos de prisão

para a conduta de “ter consigo [...] sem prescrição do médico ou cirurgião-dentista

[...] ou sem observância das prescrições legais ou regulamentares”. Segundo o

Cientista Político Thiago Rodrigues:

“A condenação moral de fundo religioso, que criou um caldo de pressão política na sociedade da década de 1910, é absorvido pelo Estado; o saber médico, da mesma forma, é capturado pelas instâncias sanitárias estatais, que com essa apropriação passam a determinar quais drogas são permitidas e quais não são, indicando aquelas que poderiam ser receitadas [...] Mesmo modificada, a lei de 1938 lança as bases de um ordenamento repressivo moderno, afinado com as determinações internacionais e fundante do controle ampliado do Estado sobre a sociedade e a conduta individual, tônica da estratégia de controle social condensada nas leis antidrogas a partir de então” (RODRIGUES, Op. Cit.,p. 148-9).

O Decreto-lei n. 891 tinha como principais pontos a regulamentação e

definição das atribuições da Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes

(CNFE), criada em 1936 e o estabelecimento de penalidades de encarceramento para

condenados por uso ou porte para consumo pessoal. Além de introduzir o

entendimento de que o usuário não era mais um doente e sim um criminoso, a lei

regulamentou no ordenamento jurídico o papel da CNFE, órgão centralizador de

todos as ações anti-drogas. A partir disso, outras instituições estaduais e municipais

passaram a ser formadas especificamente para tratar das questões relacionadas ao

consumo e comércio das substâncias proscritas, que passaram a ser chamadas

genericamente de tóxicas ou entorpecentes. Houve um crescimento do número de

delegacias, departamentos de polícias, clínicas e outros órgãos e instituições que

passaram a ter como principal atividade designar aos usuários e comerciantes não-

autorizados das drogas tornadas ilícitas um tratamento burocrático-legal21.

21 É interessante notar que, apesar de prever exceções para uso medicinal e científico, as leis anti-drogas foram tão parcialmente e erroneamente utilizadas, que esses usos também foram

32

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A CNFE surgiu para centralizar todos os esforços anti-drogas em uma só

agência Federal, e a Cannabis e seus usuários entraram nesse processo como o elo de

caráter nacional que faltava para a unificação das iniciativas de combate às drogas.

Como planta psicoativa de uso bastante difundido em todo território nacional, a

maconha se transformou no estandarte unificador dessas iniciativas, e em mito

explorável para promover e justificar as “medidas enérgicas de profilaxia”

recomendadas pelos especialistas. (ADIALA, Op. Cit.; CARDOSO, 1994).

Em 1943, uma expedição científica foi destacada para visitar comunidades

onde se fazia uso nos estados da Bahia, Sergipe e Alagoas, principalmente nos

povoados às margens do Rio São Francisco. Ao término da expedição um relatório foi

encaminhado à CNFE alertando que a planta era cultivada e consumida

principalmente entre as “classes baixas”, mas que na Bahia, o uso também ocorria

nas “classes altas”. É importante ressaltar o fato de que, a despeito das leis vigentes, o

relatório aponta que quase a totalidade dos cultivadores e consumidores visitados

desconhecia a proibição da planta, que era vendida livremente por mateiros e

herboristas em feiras e mercados sob a denominação de “fumo bravo”. O relatório

recomendava a CNFE que promovesse uma intensa campanha mostrando os

“malefícios do cultivo e do uso da maconha”, e buscasse maior articulação entre os

diversos Estados da Nação com o objetivo de erradicação da planta e de seu uso.

(CNFE, 1951).

Para isso, a CNFE promoveu a realização do Convênio Interestadual da

Maconha, em 1946, reunindo em Salvador representantes das Comissões de

Fiscalização de Entorpecentes dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco.

Após dezenas de palestras e outras exposições de agrônomos, médicos, autoridades

policiais e outros especialistas, os trabalhos foram encerrados com a publicação do

Relatório Final, redigido pelo Dr. Pernambuco, e com o lançamento da Campanha

Nacional de Repressão ao Uso e Comércio da Maconha. O Relatório estabeleceu as

seguintes normas, que deveriam passar a ser seguidas rigidamente em todo o

Território Nacional:

1) Planejamento de ações e padronização de estudos visando a promoção

de uma intensa campanha educativa contra o uso e plantio;

paulatinamente exterminados no processo de criminalização da maconha. Atualmente, apesar da Lei 11.343 também prever tais exceções, não há conhecimento de cidadão ou instituição que tenham conseguido autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para sequer cultivar a planta.

33

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2) Organização de cursos práticos para as autoridades policiais e sanitárias

para ampliar os conhecimentos sobre a botânica e os “males” da planta, buscando

principalmente facilitar o trabalho de identificação dos “criminosos e viciados”;

3) Estímulo a classe médica para promover estudos sobre os “males da

maconha” e sobre as características dos usuários;

4) Promoção da inclusão do tema nos congressos e reuniões de psiquiatria;

5) Incentivo a cooperação e articulação entre as Comissões de Fiscalização

dos estados onde o uso e plantio seriam mais disseminados – Bahia, Sergipe, Alagoas,

Pernambuco, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas – promovendo o estabelecimento de

convênios e a obrigatoriedade do intercâmbio de todo tipo de informações (relatórios,

dados estatísticos, fichas criminais, dentre outros);

6) Criação nos Departamento de Segurança Pública, em nível federal e

estadual, de órgãos especializados na repressão e combate ao uso;

7) Registro de indivíduos e grupos ligados a cultos afro-brasileiros onde se

fazia uso da planta, a partir de fontes médicas e sociológicas, e encaminhamento dos

dados às autoridades responsáveis;

8) Estabelecimento de gratificações aos membros das Comissões de

Fiscalização de Entorpecentes do país, “em vista dos extraordinários serviços

prestados por eles à sociedade”. (CNFE, op. cit.; 237-9).

Apesar de toda repressão, a partir da segunda metade da década de 1960 a

maconha deixou de ser apenas hábito de negros, pobres e marginalizados (se é que

algum dia esteve restrito a eles), para ser cada vez mais consumida nas chamadas

classes médias e altas. Os inimigos da saúde pública, da moral e dos bons costumes

deixaram de ser habitantes das favelas e das camadas baixas dos estados do Norte e

Nordeste, para serem os jovens adeptos da contra-cultura, do movimento hippie, das

experimentações psicodélicas e de outras manifestações culturais alternativas,

oriundos das camadas médias e altas urbanas.

Em 1964 foi publicado o Decreto-lei nº 54.216, incorporando ao ordenamento

interno do país os acordos firmados na Convenção Única sobre Entorpecentes,

realizada em Nova York (1961). Em 1968, um novo Decreto passou a estabelecer

equivalência penal entre condenados por tráfico e por uso. Mais uma vez as leis de

controle sobre hábitos culturais voltaram a ser utilizadas para controlar populações

específicas. Para manter sob constante vigilância grupos considerados como

potencialmente ameaçadores as ordem social, cultural, política mantida à força, as

34

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leis sobre drogas foram uma oportunidade de ampliar os controles sobre a sociedade.

Mas as principais mudanças foram inseridas com a Lei 6368, de 1976,

conhecida como Lei de Tóxico, que passou a reunir todos os ordenamentos jurídicos

relacionados com tema em apenas um documento. Os poderes de repressão do

Estado em relação ao uso da maconha e outras drogas ganharam novas dimensões e,

na prática, passaram a marginalizar ainda mais os consumidores, submetendo-os a

violência e arbitrariedades maiores que antes. Um exemplo de uma das principais

distorções dessa legislação é a tipificação do crime de “apologia ao uso de drogas”,

que também tornaria possível a condenação de qualquer um que falasse dos aspectos

positivos de uma substância ou da sua legalização, mesmo que não estivesse

vendendo ou consumindo, como foi o caso dos integrantes do grupo musical Planet

Hemp, que ficaram presos por 5 dias, em 1997, acusados de infração à Lei 6368/76

(MUNDIM, 2006, p.151-174).

6.A Maconha no Brasil Atual

“Chega de subsidiar o tráfico de drogas punindo brasileiros que querem apenas se libertar desses mesmos traficantes!” (Beque)

Apesar de proibida no Brasil desde 1932, a maconha é uma das plantas mais

antigas cultivadas pelos seres humanos e, atualmente, é a droga ilícita mais

consumida em todo o mundo. Há, pelo menos, 12.000 anos, pessoas de diferentes

países e tradições culturais de todo o planeta fazem uso tanto das partes psicoativas

quanto das partes não-psicoativas da planta (ABEL, 1980). Seja por suas

potencialidades medicinais, nutricionais, pelas utilidades de suas fibras têxteis, de

seu óleo combustível, ou ainda por suas propriedades psicoativas, consumir

derivados de Cannabis sempre foi algo natural às sociedades humanas. No entanto,

como vimos, desde o início do séc. XX e, principalmente, a partir da década de 1960,

o hábito de fumar a planta vem se intensificando em diversos países, tornando-se um

fenômeno de massa bastante integrado à sociedade capitalista de consumo. Ao

mesmo no tempo, a partir da década de 1970, se ampliaram os esforços repressivos

em todo o mundo e, no Brasil, isso se traduziu em operações de erradicação de

cultivos no norte e nordeste do país e aumento da repressão em centros urbanos.

Por outro, lado também houve o surgimento dos movimentos

35

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antiproibicionistas e as lutas por mudanças nas leis. Os primeiros movimentos

antiproicionistas podem ser datados do final da década de 1960 e inicio dos anos

1970. Em 1967, foi lançado na capa do New York Times o primeiro manifesto

internacional pela legalização da maconha, assinado por diversos artistas, entre os

quais os Beatles. Na década de 1970, surgiram organizações pela legalização da planta

e a primeira revista de cultura canábica, a High Times22, nos EUA, que desde 1974

publica mensalmente matérias sobre a cultura da planta, técnicas de cultivo, ativismo

pró-legalização, dando um exemplo da extensa rede antiproibicionista que já estava

em crescimento nesse período.

No Brasil, os primeiros movimentos pela revisão das leis anti-drogas também

centravam o discurso no pedido de legalização da Cannabis sativa. Em 1976,

estudantes da USP organizaram um encontro para debater o tema que reuniu cerca

de 400 pessoas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. A partir dali,

diversas outras iniciativas do gênero passaram a ocorrer com maior frequência. Outra

forma de organização do movimento antiproibicionista brasileiro passou a ser a

publicação de revistas e jornais sobre o tema. Nessa época, circulavam no Rio de

Janeiro, por exemplo, publicações como o Ato Vapor, Panflema, o Jornal da Massa e

o Patuá, esse último editado por estudantes de Ciências Sociais da UFRJ.

Em 1982, na PUC, foi organizado um evento que reuniu cerca de 200 pessoas e

resultou no que pode ser considerado o 1º Manifesto Brasileiro pela Legalização da

Cannabis. O documento pedia a descriminalização total da Cannabis, do seu uso,

posse e cultivo para consumo próprio. Assinavam o documento diversas

personalidades, entre as quais músicos como Jorge Mautner e Hermeto Paschoal e

parlamentares como Fernando Gabeira, José Genoíno e Lúcia Arruda.

Em 1983, alguns estudantes e jovens intelectuais que formavam o denominado

Coletivo Maria Sabina, em homenagem à curandeira mexicana que utilizava

cogumelos psicodélicos em seus rituais de cura, organizaram um debate de 5 dias no

qual filósofos, advogados, antropólogos, juízes, escritores, deputados e outros

debatedores de diferentes áreas discutiram variados aspectos do tema. As

perspectivas giravam em torno do respeito aos direitos individuais, à pluralidade

cultural e não deixaram de abordar as consequências negativas das políticas

proibicionistas. O debate foi transcrito e em 1985, a editora Brasiliense publicou o

livro Maconha em Debate, com o texto das exposições no evento, dando maior

22 Atualmente, além dos EUA e diversos países da Europa, existem publicações desse tipo na Argentina, Chile e Peru.

36

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divulgação aos conteúdos debatidos.

A década de 1980 foi marcada por muita discussão na Academia e na chamada

“imprensa nanica” a respeito do tema. O pesquisador Pedro Mundim, em sua análise

sobre o discurso produzido pelo grupo musical Planet Hemp, realizou uma detalhada

historiografia a respeito do debate público sobre o tema nas décadas de 1970 a 1990.

Segundo ele, além dos espaços nas universidades e em algumas publicações

impressas, o debate também ganhou os espaços políticos ao ser usado por diversos

candidatos em diferentes momentos a partir da década de 1980. Isso tudo revela que,

desde o momento da abertura política em 1978, a demanda oprimida por discutir a

questão passou a ser atendida de diferentes maneiras (MUNDIM, 2006).

O debate antiproibicionista no Brasil parece ter ficado um pouco apagado na

década de 1990. Apesar de existirem alguns trabalhos a respeito de décadas

anteriores, nenhum dos autores estudados ao longo da pesquisa discutem maiores

informações a respeito desse período, no máximo chamando atenção para o papel

desempenhado pelo Deputado Fernando Gabeira e a atuação da banda Planet Hemp.

Mesmo Mundim, que analisa detalhadamente a história do grupo e o contexto sócio-

político da época com relação ao tema, atém sua análise do período à atuação do

grupo, algumas pesquisas de opinião sobre o tema e suas repercussões na imprensa e

na sociedade. Isso não significa que os trabalhos estejam falhando em suas análises,

mas que talvez a década de 1990 realmente tenha apresentado um vácuo importante

e preocupante, nas discussões sobre legalização.

Alguns pesquisadores com quem tenho dialogado admitem a possibilidade de

que o estabelecimento de espaços de tolerância ao consumo em certos ambientes e

circunstâncias dentro da sociedade brasileira tenha feito com que o consumo tenha se

normalizado, sem ser legalizado, em alguns espaços específicos. Ou seja, ainda que

ilícito, o consumo de maconha, como outras práticas sociais ilícitas a exemplo do

“jogo do bixo”, a pirataria de Cd's e DVD's, etc, passou a ser mais socialmente aceito.

Não que o preconceito e a estigmatização das pessoas que fumam maconha tenha

diminuído, ou mesmo que tenha diminuído a quantidade de presos por consumo ou

porte da planta, mas passou a ser mais aceita a existência de rodas de fumo em festas,

e outros ambientes. Assim, as pessoas que fumam maconha puderam seguir com seus

hábitos sem sentirem a necessidade de se engajar na luta pela legalização.

Essa tese ajuda entender um pouco, mas não explica completamente o fato do

movimento antiproibicionista ter diminuído suas atividades nesse período. Até

37

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porque, apesar disso, o discurso pró-legalização retomou forças a partir da segunda

metade dos anos 90, através das músicas de grupos como o Planet Hemp e outros .

Nos anos 2000, o debate ganhou força novamente com algumas iniciativas.

Em 2002 surgiu o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP),

primeiro grupo de cientistas brasileiros antiproibicionistas (www.neip.info). E, no

mesmo ano surgiu o Growroom, um centro de convivência e redução de danos para

usuários de Cannabis na Internet. A partir do Growroom muitos usuários puderam se

conhecer e começar a ser articular para organizar passeatas e outras formas de

manifestação e ativismo. Um dos exemplos foram as Passeatas Verde, realizadas de

2003 a 2006, em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades. Além disso, muitos dos

organizadores das Marchas da Maconha, que ocorrem todos os anos desde 2004, em

diversas cidades do país, também se conheceram e começaram suas atividades de

militância através do Growroom.

Atualmente existem dezenas de sites e blogs a respeito do tema, abordando-o a

partir das mais variadas perspectivas, num claro exemplo do avanço da

democratização da produção e difusão de informações sobre o assunto, num contexto

em que cresce o uso da planta. Em 2006, o Relatório Mundial da Agência das Nações

Unidas para o Combate às Drogas e à Criminalidade – UNODC, baseado nos dados

enviados pelas autoridades policiais brasileiras, apontou o país como o principal

consumidor de maconha da América do Sul (UNODC, 2006). Segundo o Relatório, a

produção brasileira de maconha se concentraria nas regiões Norte e Nordeste do país,

em áreas onde os períodos de sol possibilitam um maior número de colheitas por ano,

e onde tradicionalmente se cultiva a planta desde o início da colonização. O valor

final da produção é de U$ 30,00 o quilo, custando até U$ 220,00 nas zonas urbanas,

chegando ao consumidor final por um preço de até U$ 2.000 o quilo, ou U$ 2,00 a

grama (UNODC, 2006, p.167-168).

O Relatório apontou ainda que as autoridades do Paraguai relataram que 85%

da produção do país foi destinada ao mercado brasileiro, 12% ao mercado do Cone

Sul e apenas 3% ao mercado paraguaio. Além disso, a forte demanda brasileira fez

com que os cultivadores paraguaios contratassem agrônomos para lhes ensinar

técnicas de cultivo, colheita e preparo, e a utilizar variedades melhores adaptadas ao

clima do país, ganhando em rendimento e potência. Com isso, os cultivadores do

Paraguai têm conseguido uma produção maior e até desenvolveram uma técnica de

confecção de haxixe de qualidade apreciada em toda na América Latina,

38

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principalmente no Brasil. O relatório ainda chama atenção para o fato de que o país

produz apenas 20% do que consome, importando o restante de países vizinhos,

principalmente do Paraguai. (UNODC, Op. Cit.).

Já as estatísticas do II Levantamento Domiciliar sobre o uso de Drogas

Psicotrópicas no Brasil, afirmam que cerca de 2,6% de brasileiros entre 12 e 65 anos

fumaram maconha no ano 2005 (CARLINI et al., 2005, p. 23). Esse mesmo trabalho

apontou que cerca de 8,8% das pessoas entrevistadas havia fumado maconha pelo

menos 1 vez em toda a vida, um crescimento em relação aos 6,9% encontrados em

2001 (CARLINI et al, 2001). Nesse mesmo ano, segundo Relatório do Departamento

Penitenciário Nacional, existiam 296.919 mil detentos em presídios, dividindo as

apenas 206.347 vagas existentes (DEPEN, 2006, p. 34). À época estavam em vigor, as

Leis nº 6.368, de 1976 e 10.409, de 11 de janeiro de 2002, essa última não

substituindo completamente a anterior por ter tido grande parte de seu conteúdo

vetado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Ainda que a forma de coleta dessas informações torne questionável o alcance

dos seus dados a respeito dos detalhes sobre os padrões e frequências de consumo

para substâncias ilícitas23, eles são importantes fontes de informações sobre a atual

magnitude do uso de maconha no Brasil. Além disso, em relação ao uso de maconha e

outras drogas atualmente consideradas ilícitas, eles nos ajudam a pensar qual seria o

impacto no Sistema Penitenciário, caso todas as quase seis milhões de pessoas

estimadas que, em 2005, afirmaram já ter fumado maconha ao menos uma vez na

vida, por exemplo, tivessem sido responsabilizadas penalmente pelo crime de portar

maconha (à época sob pena de 6 meses a 2 anos), e tivessem que cumprir pena no

Sistema Penitenciário, já sobrecarregado.

Esses dados nos ajudam a refletir um pouco sobre o atual cenário do uso de

maconha no Brasil e a relevância de discutir esse tema e de propor que as políticas e

leis relacionadas sejam mais justas, humanas e eficientes. Além disso, ajudam-nos a

avaliar se os objetivos propostos pela atual política proibicionista realmente têm sido

alcançados, ajudando a medir a eficácia das leis e políticas públicas que priorizam a

repressão às condutas de porte e cultivo sem intenção de comercializar.

Mesmo que, em suas origens, essas leis e políticas tivessem a intenção de

proteger a saúde e a ordem públicas, atualmente, essas estratégias têm conseguido 23 Os conceitos conhecidos como dependência e, uso indevido, abuso, uso crônico são utilizados de

forma pouco homogênea e, muitas vezes, bastante ambígua, pelos autores que tratam do tema. Para uma discussão crítica sobre o conceito de dependência utilizado nos levantamentos epidemiológicos sobre o uso de drogas, ver FIORE (2006); MACRAE; VIDAL (2007).

39

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apenas agravar os fatores causadores de danos e custos sociais associados ao mercado

consumidor dos derivados da planta, obtendo pouco ou nenhum sucesso na

diminuição das práticas de produção e distribuição não-autorizadas.

A proibição não diminuiu os problemas relacionados com o uso indevido de

maconha e outras drogas, nem diminuiu o consumo. Como vimos mais acima, há um

crescente movimento de utilização da maconha dentro do contexto urbano, inserido e

bastante integrado à sociedade capitalista de consumo. Nesse novo contexto, saberes

e significados sobre a planta, sua história, seus usos, têm sido resgatados,

reformulados e re-apropriados, formando o que alguns autores têm chamado de

tradição ultramoderna cannábica24.

Nesse movimento de re-apropriação de saberes e significados sobre a planta e

seus usos, está incluída a retomada da prática do cultivo não-comercial da planta

para subsistência, formando um movimento social que prega o cultivo doméstico

como uma das alternativas ao mercado criminalizado da planta – seja para não

financiar a violência, seja para melhorar a qualidade do que é consumido ou para

qualquer outro objetivo. Isso tem exigido dos estudiosos novos olhares sobre a

prática do consumo de maconha e suas representações, sobre o conceito de Redução

de Danos25 e sobre a elaboração de leis e políticas que busquem dar conta dessas e de

outras novas modalidades de consumo.

O nascimento de uma cultura centrada na prática do cultivo de Cannabis sem

fins lucrativos exigiu a emergência de leituras mais amplas sobre diversos conceitos,

principalmente sobre o de usuário de drogas, que deixou de ser apenas aquele que

consome, porta ou armazena, mas também aquele que cultiva ou prepara o que

consome. Agora, cada vez mais se torna obrigatória a inclusão dessa nova figura nas

discussões sobre o uso de maconha, especialmente as que visem a elaboração de leis e

políticas públicas: as pessoas que plantam a maconha que fumam.

7.O Status Legal do Cultivo Não-Comercial26 de Maconha24 Para conhecer a discussão sobre a tradição ultramoderna da Cannabis, ver GAMELLA et al, 2004, p.

23-54.25 A redução de danos é um paradigma redescoberto a partir dos anos 1980, quando os saberes

oriundos da cultura do uso de drogas passaram a ser levado em consideração na elaboração das estratégicas de intervenção. Atualmente diversos autores discutem aspectos históricos e conceituais da redução de danos e esse paradigma já faz parte das políticas e leis sobre drogas no Brasil, faltando-lhe apenas maior regulamentação e aplicação.

26 O termo não-comercial foi escolhido em detrimento do termo para uso pessoal, que é o termo utilizado na Lei 11343 para definir as condutas relacionadas com o uso. Isso porque na experiência de

40

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“O problema não é o comércio, é a proibição. Pô, com a proibição, os bandidos se aproveitam do negócio pra tirar uma grana. Não seria muito melhor dar uma grana pra o tiozinho que já planta tomate, cebola, completar a renda pra pagar os estudos das crianças do que por dinheiro na mão de vagabundo?” (Macanudo)

Apesar do foco das regulamentações propostas através das Convenções

Internacionais terem sido desde o princípio a repressão de condutas destinadas à

comercialização não-autorizada, as Leis brasileiras pós-Convenções reproduziram os

equívocos históricos das Leis e Decretos anteriores, que tendiam a centralizar os

esforços da repressão nas condutas relacionadas com o consumo pessoal. Além disso,

as autoridades brasileiras também optaram pela interpretação mais repressora das

Convenções, negando qualquer nível de regulamentação, mesmo que para fins

médicos ou científicos, em flagrante oposição às Convenções.

Segundo a interpretação oficial do Escritório das Nações Unidas para Drogas e

Crime (UNODC)27, as Convenções das Nações Unidas Sobre Controle de Drogas, de

1961 a 1988, têm como principal objetivo regular o uso medicinal e científico de

drogas28 e restringir o comércio não-autorizado, principalmente de nível

internacional. A Convenção de 1961, por exemplo, afirma que os países signatários

não são obrigados a extinguir a produção autorizada das substâncias listadas na

Convenção, incluindo a Cannabis, apenas indicando a proibição como uma das

possibilidades a serem levadas em consideração na elaboração de medidas que

restrinjam o comércio não-autorizado. Ainda segundo a UNODC, mesmo se, após

estudos e análises do contexto sócio-cultural da sociedade em questão, um dos países

signatários decidir que a proibição da produção, distribuição e consumo é mesmo a

melhor estratégia para reprimir o comércio ilegal, os usos médicos e científicos não

campo percebi que todos os usuários compartilham o uso do fumo produzido a partir de cultivos domésticos com amigos e conhecidos. Dessa forma, optamos por utilizar no título o termo não-comercial, entendendo como usuário mesmo aquele que produz e distribuí pequena quantidade sem que tenha obtido lucro com tal atividade, ou seja, sem interesse de mercância. Durante o texto também são usados os termos uso pessoal, uso próprio, dentre outros, mas com esse mesmo significado.27 Os dados apresentados a respeito do status da Cannabis sativa nas Convenções sobre Drogas da ONU (1961, 1971, 1988), são baseadas na fala de Valerie Labaux, Ph.D. em leis na área judicial, formada pela Universidade Paris II em Direito, à época representante do escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), durante o “Simpósio Cannabis sativa L. e substâncias Canabinóides em Medicina” (CARLINI et al, 2004). 28É importante destacar que o cultivo de Cannabis para exploração comercial das partes não-psicoativas da planta não é controlado pelas Convenções sobre Drogas das Nações Unidas, que se referem apenas às finalidades medicinais e científicas das partes psicoativas. Países como Holanda, Canadá e Alemanha, atualmente, empreendem cultivos controlados pelo governo para abastecimento do mercado médico-farmacêutico e, além desses, diversos outros países como França, Hungria, Itália, Romênia, EUA, dentre outros, têm explorado de diferentes formas o mercado voltado ao uso industrial das fibras da planta.

41

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devem ser obstruídos por tal medida (LEBAUX, 2004, p. 109-10).

A Convenção Única de 1961 não menciona nada sobre condutas relacionadas

ao consumo pessoal e, nesse caso, a interpretação oficial é de que todas as

recomendações dessa Convenção, visando o estabelecimento de regulamentações e

punições para as condutas de porte e plantio, se referem apenas às que têm intenção

de gerar comércio não-autorizado (LEBAUX, Op. Cit., p. 111).

Somente na Convenção de 1988, as condutas de porte, aquisição e plantio para

consumo pessoal são mencionadas, sugerindo-se, mais uma vez, que cada país

signatário deva tratá-las respeitando os princípios constitucionais e os conceitos

básicos de cada sistema jurídico-legal, e, é claro, suas especificidades sócio-culturais.

Ainda segundo a Convenção de 1988, os países signatários, ao estabelecerem tais

condutas como proibidas, não são obrigados a processar ou punir as pessoas que

usam maconha através do sistema de justiça criminal (LEBAUX, Op. Cit.,2004, p.

112-3).

Assim, apesar das Convenções da Organização das Nações Unidas (ONU)

darem aos países signatários uma grande margem de atuação para a criação de leis e

políticas sobre drogas, adaptadas às suas próprias realidades, diversos países têm

dado prioridade àquelas que concentram seus objetivos na repressão às condutas de

porte, aquisição e plantio destinadas a consumo próprio. É a própria UNODC quem

denuncia os abusos cometidos em nome de uma suposta obediência às Convenções.

Entre os itens que chama de “discrepâncias na implementação das Convenções da

ONU”, Lebaux cita as nações onde a prioridade são os processos judiciais contra

condutas relacionadas com o consumo pessoal. Segundo ela, esses casos são

preferidos por serem de fácil execução já que, em geral, os réus dispõem de poucos

recursos para a defesa, aumentando de forma equivocada as estatísticas sobre

combate ao crime de drogas. No entanto, ela alerta para o fato de que, nos países que

adotam essa postura, há um desvio de recursos que poderiam estar sendo

empreendidos contra grandes organizações que realmente estejam ameaçando a

ordem social e uma superlotação desnecessária do sistema judicial. (LEBAUX, Op.

Cit., p. 104).

Segundo Maria Lúcia Karam, importante jurista que, nos últimos anos, tem

denunciado incansavelmente os danos causados pela adoção desse tipo de política,

“Além de ocultar os riscos e danos à saúde pública, o proibicionismo oculta ainda o fato de que ,com a intervenção do sistema penal sobre as condutas de produtores e

42

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distribuidores das substâncias e matérias primas proibidas, o Estado cria e fomenta a violência. Não são as drogas que criam a violência. A violência só acompanha as atividades econômicas de produção e distribuição das drogas classificadas de ilícitas porque o mercado é ilegal” (KARAM, 2008).

Fica claro que, apesar das Convenções Internacionais sobre Drogas da ONU

não focarem a atenção sobre as condutas relacionadas ao uso pessoal e até mesmo

serem flexíveis quanto à possibilidade de adaptação para as realidades dos países

signatários, o Brasil optou por uma das interpretações mais duras das Convenções.

Isso ajuda a entender porque, durante o séc. XX, as políticas de drogas no Brasil

buscaram se amparar numa “ideologia do combate à maconha que serviu para

orientar o sistema punitivo disciplinar para as áreas ocupadas pela população

negra e mestiça” (CARDOSO, 1994, p. 81).

Usadas para reforçar os mecanismos institucionais de punição e controle sobre

essas populações, seus hábitos e costumes tradicionais, essas leis e políticas foram

implantadas durante períodos marcados pelo autoritarismo estatal e pela restrição de

direitos e liberdades adquiridos, ignorando ou se opondo aos saberes científicos sobre

o tema, sem maiores debates ou diálogo com os setores interessados da sociedade

civil.

Em outubro de 2006, entrou em vigor a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de

2006, trazendo algumas alterações significativas, dentre as quais, o fato de que as

condutas de posse, porte e plantio destinados ao consumo pessoal foram

equiparadas. Apesar da Lei 11.343 abrir novos caminhos para a atuação de policiais,

juízes e outros operadores do Direito, conforme citado anteriormente, ela reproduz a

maioria dos erros históricos das Leis e Decretos anteriores. Além disso, não teve sua

implantação efetivamente realizada, já que lhe faltam reformas e regulamentação em

diversos pontos, e a maioria dos policiais e operadores do direito aplicam

interpretações proibicionistas para essa Lei, o que faz com que continue violando boa

parte dos princípios fundamentais da Constituição Brasileira. Dessa forma, a Lei

ainda

[...] impede um controle de qualidade das substâncias entregues ao consumo, impõem obstáculos ao uso medicinal, dificulta a informação e a assistência, cria a necessidade de aproveitamento de circunstâncias que permitam um consumo

43

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que não seja descoberto, incentivando o consumo descuidado ou anti-higiênico[...]. (KARAM, Op. Cit., p.118).

Antes da Lei 11.343, não havia o tipo penal do usuário que planta para

consumo pessoal. Os verbos “semear, cultivar, preparar, colher”, dentre outros

relacionados com a produção de maconha, eram exclusivos do artigo que tipificava a

conduta de comércio não-autorizado. Esse fato fazia com que boa parte dos casos nos

quais usuários cultivavam pés de maconha para uso pessoal fossem sentenciados

como tráfico.

Durante a vigência da Lei 6.368/76, as condutas de “semear, cultivar ou fazer

a colheita” estavam descritas apenas no artigo 12, que tratava do comércio não-

autorizado da planta. Nesse contexto, inexistia no artigo 16, que tratava da “posse,

armazenamento, transporte”, condutas relacionados com o uso, descrições que

previssem a figura do usuário que planta para consumo pessoal.

Os juristas Junqueira e Fuller29, afirmam que nesse período existiam três tipos

de interpretações dadas pelos magistrados, formando correntes diferenciadas de

posicionamentos sobre o tema. A primeira, dava à essa conduta a interpretação

através do artigo 16, sentenciando-os a penas por uso. A segunda, seguia de forma

quase ortodoxa as definições do texto legal, dando à conduta de cultivo para consumo

próprio sentenças baseadas numa interpretação fundamentalista do artigo 12, devido

ao fato de ser o único que contemplava os verbos necessários para descrever a

conduta, justificando que, nesses casos, havia exclusivamente o delito de tráfico,

independentemente das intenções do agente. Uma terceira corrente, que se restringia

a pouquíssimas decisões, defendia que tratava-se de conduta atípica, e que por isso

não poderia ser qualificada penalmente30.

A Lei 11.343, portanto, trouxe algum avanço ao dar aos magistrados uma

possibilidade maior de atuação no sentido de sentenciar mais corretamente o cidadão

que cultiva maconha para seu próprio consumo. Porém, como já afirmei, não houve

uma iniciativa no sentido de capacitar os magistrados e outros operadores do direito

para lidarem com a figura do cultivador não-comercial. Isso se reflete no fato de que

apenas uma pequena parte dos magistrados, na prática, entendiam a conduta como

atípica e boa parte deles ainda reservava à essa conduta a sentença de tráfico. Há

29 Ver: FULLER, P. H.; JUNQUEIRA, G. D. Legislação penal especial. 3. Ed. São Paulo: Premier, 2006. v. 1, p. 181.

30 Ver: ARRUDA, S. M. Drogas: Aspectos penais e processuais penais (Lei 11.343/2006). São Paulo: Método, 2007. p. 27-28.

44

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ainda o fato de que a Lei prevê a emissão de autorização para plantio que sejam

destinados apenas a uso científico ou medicinal, criminalizando cidadãos que fazem

uso recreativo da planta e cultivam sua própria maconha, mesmo que sejam adultos,

sem antecedentes criminais e sem históricos de problemas de saúde física ou mental.

No entanto, na prática, nem mesmo para uso medicinal tem sido emitida

autorizações para cultivo legal e muitos usuários têm se submetido ao conflito com a

lei para ter acesso ao seu medicamento. Um caso que merece destaque é o de

Alexandre, portador de um tumor maligno, que utiliza Cannabis para tratar os

sintomas das terapias de combate ao tumor. Alexandre foi autuado por cultivo não-

autorizado e atualmente conta com ajuda de membros do Growroom para realizar

sua defesa jurídico no caso. O caso de Alexandre tem causado grande comoção entre

os membros do Growroom, desde o dia 13/12/2009, quando a polícia invadiu seu

sítio e apreendeu 22 espécimes de Cannabis. Alexandre ficou foragido cerca de 1

semana antes de comparecer com um advogado para prestar depoimento e explicar

sua situação.

Outro caso interessante que ajuda a analisar a real eficácia das mudanças na

Lei é o caso de Fábio, usuário que cultivava para consumo pessoal no Rio de Janeiro e

foi preso acusado de tráfico. Sua imagem foi divulgada de forma deturpada por quase

toda a imprensa, até que eu e outros ativistas como o sociólogo Renato Cinco e o

advogado Gerardo Santiago, ambos do Rio de Janeiro, nos envolvêssemos no caso e

lutássemos para reverter a acusação de tráfico inicialmente proposta pela Polícia Civil

do Rio de Janeiro, para a de usuário. É relevante ressaltar que, nesse caso, devido à

hiper exposição na mídia, foi possível que pessoas envolvidas com movimentos pró-

legalização tomassem conhecimento e buscassem ajudar, mas muitos outros casos

como o de Fábio devem passar anônimos cotidianamente. Casos, sobretudo, de

garotos pobres, moradores de bairros populares, afro descendentes sem acesso à

ajuda financeira, jurídica, ou de qualquer ordem, flagrados com alguns pés de

maconha e acusados de tráfico por isso.

Os exemplos de Alexandre e Fábio me levam a crer que, ainda que faltem

dados oficiais substanciais sobre a real aplicabilidade da Lei 11.343, ao menos na

questão de considerar quem cultiva como usuário, ela ainda está longe de ser aplicada

como está escrita. Esses e muitos outros casos semelhantes aparecem

constantemente no fórum do Growroom e as repercussões de cada um podem ser

acompanhadas diariamente.

45

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Desde março de 2009 está em curso um processo de construção de reformas e

regulamentações visando melhorias na aplicação da Lei 11.343. O marco inicial desse

processo foi o pronunciamento do General Félix, Secretário Nacional de Políticas

sobre Drogas, na Sessão Especial das Nações Unidas sobre as Drogas – UNGASS – ,

realizada em Viena. Esse pronunciamento foi construído de forma democrática no

Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas - CONAD, órgão normativo máximo do

Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD, com estrutura de

representação paritária. O posicionamento brasileiro se deu no sentido de afirmar

que a meta de um mundo sem drogas é inatingível e que, mais do que simplesmente

reprimir ou combater a oferta e a demanda, é necessário admitir novas posturas

sobre o tema para poder lidar melhor com as consequências do uso indevido de

drogas. Segundo ele,

Em dezembro de 2006, o Brasil deu mais um importante passo na modernização legislativa e na garantia dos direitos humanos, ao estabelecer que conduta que não envolva prática de mercancia não pode ser considerada como tráfico ilícito de drogas. Com essa medida, permite-se tratamento diferenciado entre pequenos e grandes traficantes de drogas. Nesse sentido, a nova Lei de drogas brasileira já, em 2006, aboliu definitivamente a pena privativa de liberdade para o cidadão usuário de drogas[...] Temos clareza de que as metas de um “mundo sem drogas” se mostraram inatingíveis, com visível agravamento das “consequências não desejadas”, tais como aumento da população carcerária por delitos de drogas, aumento da violência associada ao mercado ilegal das drogas, aumento da mortalidade por homicídio e violência entre jovens - com reflexo dramático nos indicadores de mortalidade e de expectativa de vida da população. (Gen. Félix, SENAD, 2009)

A UNGASS foi um exemplo de como está em curso no mundo um verdadeiro

movimento de mudança na postura política com relação às drogas, engendrado por

países atualmente insatisfeitos com o resultado do proibicionismo31. Pela primeira vez

na história dessa Reunião não houve consenso entre os países e diversos temas, como

31 Proibicionismo é um termo utilizado frequentemente para designar as posturas oficias, políticas e leis, incluindo aí a forma como são colocadas em prática, que têm a proibição às drogas como a principal meta a ser atingida, independentemente dos custos econômicos, sociais, políticos, dentre outros, em jogo. O conceito de proibicionismo é utilizado de forma variada pelos pesquisadores da área e pelos ativistas ligados a movimentos sociais. Nesse trabalho consideramos proibicionismo a utilização de regras, leis e políticas de proibição de condutas que causem mais danos e riscos do que as condutas que pretendem proibir.

46

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a inclusão da redução de danos como um dos pilares da política de drogas mundial,

ficaram em aberto, sem definições consensuais.

Em agosto de 2009, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD

– convidou uma parte dos membros do CONAD e especialistas na área, parar formar

um Grupo de Trabalho e sugerir reformas e regulamentações à Lei 11.343. Em

paralelo, a Ong Viva Rio, com o apoio do Deputado Federal Paulo Teixeira (PT-SP),

lançou a Comissão Brasileira Drogas e Democracia, formada por 50 membros de

diversos setores da sociedade civil. Esses dois espaços têm como objetivo articular um

Projeto de Lei a ser proposto ao Congresso nacional, solicitando a regulamentação do

cultivo de maconha para consumo próprio e a descriminalização do porte de outras

drogas para uso pessoal.

Desde dezembro de 2008, sou representante da União Nacional dos

Estudantes – UNE – no CONAD e, por isso, também represento a UNE no GT da Lei

11.343, a partir das discussões que estão sendo realizadas, considero que o objetivo

não é apenas fazer pequenas reformas na Lei, mas alterá-la de forma que realmente

seja possível minimizar as consequências negativas que o mercado ilícito tem gerado.

Tanto no CONAD, quanto no GT, a maioria dos pontos de vista são de que os

principais danos causados pela proibição da maconha são a exposição do usuário aos

pontos de tráfico de drogas, a criminalização e a discriminação e estigmatização a que

estão sujeitos, e, é claro, as consequências do atual comércio não-autorizado e do

proibicionismo para toda a sociedade.

A proposta discutida nesses espaços e que embasa o Projeto de Lei do

Deputado Paulo Teixeira é a regulamentação do cultivo de maconha para consumo

próprio e a descriminalização do porte de pequenas quantidades de outras drogas.

Nesse sentido, é mais do que essencial se discutir a regulamentação do cultivo para

consumo próprio com base na realidade brasileira a respeito do tema, com vistas

colocá-la em prática com um mínimo de conhecimento necessário à elaboração de

qualquer política pública. Dessa forma, a pesquisa apresentada aqui procura ajudar a

plantar as primeiras sementes sobre um solo tão fértil para o florescimento de

discussões e políticas públicas interessantes e necessárias, mas que até então tem sido

pouquíssimo explorado.

8.O Ressurgimento32 da Cultura do Cultivo de Maconha 32 Ao usar o termo ressurgimento ao invés de surgimento, estou fazendo uma referência ao fato de

que existiam, no período anterior à proibição, diversos culturas relacionadas com o cultivo não-

47

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“Cannabis é uma planta. Seu uso já é conhecido há milhares de anos. Todos os seres vivos têm uma função no grande bioma que é a Terra. Não existe esse poder especial que vocês acham que têm de dizer o que pode crescer no solo de sua nação ou não”. (Txapuan)

Em 1972, o governo do presidente estadunidenses Richard Nixon criou a Drug

Enforcemente Agency – DEA, com poderes para atuar realizando revistas, escutas e

visitas a domicílios sem necessidade de mandado e centralizando em nível federal

todos os órgãos e agências relacionadas às drogas ilícitas. Esse pode ser considerado

o início oficial da War on Drugs, que inaugurou um novo patamar nos investimentos

para reprimir a produção, distribuição e consumo de maconha e outras drogas. Em

1975, a Agência lançou uma série de atuações buscando a supressão do fornecimento

de maconha com origens em plantações mexicanas. Entre elas, numa parceria entre

os governos dos EUA e do México, a DEA iniciou pulverizações de plantações

mexicanas de Cannabis sativa com o herbicida Paraquat33®.

Em 1979, após quatro anos de pulverizações, o Secretário de Saúde dos EUA

publicou alertas, em diverso meios de comunicação, afirmando que fumar a

marijuana fumigada com o herbicida poderia causar danos permanentes, câncer e

levar à morte. No mesmo ano, o DEA iniciou o Domestic Cannabis Eradication and

Suppression Program, intensificando as operações de erradicação de cultivos da

planta dentro dos EUA, antes centralizados apenas no Havaí e Califórnia, ampliando-

as para mais de cinqüenta estados da União. (DEA, 2007)

As operações de fumigação em cooperação bilateral só pararam em 1981,

depois que o governo dos EUA pulverizou plantações no estado da Geórgia, e recebeu

diversas pressões internas e externas. As pressões da empresa distribuidora do

Paraquat® nos EUA, a Chevron Chemical Co., que chegou a declarar publicamente

que “a etiqueta do produto exibe a palavra ‘veneno, com uma caveira e ossos

cruzados como insígnia, mas aterrorizar populações para forçá-las a mudar

comportamentos sociais não está entre os usos registrados do produto’”, além do

comercial e comercial da planta. Essa história só poderá ser escrita com um ampla pesquisa que inclua a contribuição dos processos ocorridos nos países europeus também. Para atender às restrições desse trabalho nos limitaremos à descrever apenas a realidade estadunidense e brasileira. A opção pelos EUA se deve ao fato da sua reconhecida importância para a história do proibicionismo.

33 O Paraquat é um dos nomes comerciais do conhecido “Agente Laranja”, substância utilizada pelo Exército dos EUA durante a Guerra do Vietnã para exterminar as florestas vietnamitas esperando, com isso, facilitar a identificação das bases consideradas inimigas.

48

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fato da Agência de Proteção Ambiental nos EUA ter proibido o comércio do produto

em solo estadunidense, são exemplos do que determinou o fim dessas operações com

o herbicida. (JELSMA, 2001).

No entanto, ainda que os EUA tenham cortado as operações bilaterais com o

México usando o Paraquat®, continuaram estimulando testes em território

mexicano, colombianos, bolivianos e outros. Além disso, diversos testes com

alternativas como o Roundup® foram realizadas e os EUA abertamente facilitaram a

manutenção de operações locais de fumigação de plantações de Cannabis, papoula34 e

coca35, em diversos países aliados. De fato, os EUA obtiveram muito êxito na

exportação de tecnologias antidrogas, já que México e Colômbia prosseguiram

fumigando suas plantações e em 2001 o governo mexicano registrava a destruição

anual de mais de 85% dos 50.000 hectares estimados de plantações de Cannabis no

país, embora o próprio governo admitisse que essas fossem replantadas quase

imediatamente e que existiam centenas de vítimas com problemas de saúde devido à

contaminação pelos herbicidas usados nas operações. (JELSMA, op. cit.).

Dessa maneira, o DEA procurava reprimir radicalmente a oferta de Cannabis

no mercado consumidor dos EUA. No entanto, as evidências apontam para que a

crescente demanda por derivados da planta, e o intenso combate ao seu cultivo

empreendido pelos EUA nesse período, atuaram conjuntamente para que ocorresse o

crescimento do que a juíza Maria Lúcia Karam chama de “demanda artificial”,

incentivando que novos atores se interessassem pelo negócio. (KARAM, 2003, p.46-

47). Nesse sentido, a elevação dos preços dos derivados de Cannabis se deu pela

supressão sistemática do fornecimento do produto, o que criaria no mercado uma

variável introduzida por fatores externos aos envolvidos diretamente na dinâmica de

mercado, fazendo com que houvesse uma elevação dos preços, sem uma justificada

base real. Plantar e colher Cannabis, ou mesmo separar as inflorescências femininas

não é uma tarefa custosa, que envolva muitos gastos para o produtor, mesmo em

cultivos de larga escala. No entanto, sob regimes proibicionistas, outros fatores, que

não apenas os que envolvem o processo de cultivo, colheita e preparo do fumo,

passam também a serem tomados como intrínsecos à produção.

34 Nome popular da planta denominada pela botânica como Papaver soninferum, cujos bulbos floridos onde são produzidas as sementes têm uma resina rica em diversas substâncias, muito procurada por suas propriedades psicoativas. O nome mais conhecido dessa resina é ópio.

35 Nome comum da planta denominada botanicamente como Erythroxylon coca, cujas folhas são tradicionalmente utilizadas como estimulante e consideradas como manifestações divinas por diversos povos em toda América Latina. A substância mais conhecida extraída dessa planta é a cocaína.

49

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Assim, quando uma legislação fomenta a supressão ao acesso às substâncias, o

mercado sofre uma interferência externa e os preços são superestimados, por

agregarem valores estranhos à produção do bem em si (fatores como violência, riscos

de prisão, marginalização, vácuos extraordinários na oferta, dentre outros). Com as

possibilidades de obter lucro artificialmente elevadas e as fontes de oferta do produto

estagnadas, segundo essa tese, cresceria o interesse pela lucratividade gerada pelo

negócio e aumentaria o número de indivíduos atraídos para o empreendimento.

Nesse sentido, o mercado de drogas estaria constantemente influenciado em termos

de elevação de preço, e principalmente, por oportunidade de trabalhar nos vácuos de

oferta, criados pelos fatores que poderíamos chamar de “risco proibição”. (KARAM,

op. cit:45-97).

O sociólogo Paulo Morais analisa esse processo destacando que, na era Reagan

(1981-1989), com o aumento da repressão, o preço da maconha teve elevação de até

14%, tendo como consequência principal a exclusão de pequenos e médios

investidores e a geração de um mercado de importação e distribuição oligopolizado,

sem qualquer registro de diminuição no consumo. (MORAIS, 2005, p.3). Isso

significa dizer que o aumento da repressão à produção e distribuição da planta não

diminuiu o consumo, apenas criou condições para as quais passaram a ser

necessárias a criação de estratégias alternativas.

A intensa campanha do governo dos EUA fez com que as pessoas que

consumiam Cannabis, preocupadas com sua saúde, passassem a evitar os fumos

cujas procedências ou aparências levantassem a menor suspeita de que suas origens

fossem campos contaminados. No entanto o consumo não parou e as pessoas que

usavam Cannabis tiveram apenas que inserir no seu rol de preocupações o cuidado

com a procedência do fumo. O que essas intensas campanhas de erradicação de

plantações de Cannabis conseguiram, de fato, foi diminuir os canais de oferta do

produto num momento específico no qual a demanda era crescente. A escassez de

oferta fez com que os cidadãos dos EUA passassem a buscar no cultivo da planta

excelentes oportunidade de alcançar grandes lucros rapidamente, ou de obter

colheitas que permitissem ficar independentes do mercado fornecedor.

Além do surgimento de um mercado de cultivo doméstico da planta para

consumo próprio, a atividade de cultivador de Cannabis tornou-se altamente atrativa

e as relações entre as tradições fortes no país em empreendimentos comerciais e no

cultivo da planta, moldaram o contexto propício para o ressurgimento de técnicas de

50

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cultivo que permitiram a adaptação à criminalização do mercado produtor.

Como discutido anteriormente, os consumidores de derivados de Cannabis

compartilham saberes específicos essenciais para a manutenção do seu consumo, que

são desenvolvidos de forma mais ou menos individual para a resolução de problemas

comuns. Os usuários desenvolvem e compartilham um conjunto mais ou menos

comum de símbolos, significados, representações, regras de conduta e outros

elementos que os definiria enquanto coletividade sui generis, formando o que se

chama de cultura da Cannabis. (BECKER, Op. Cit.). Embora tenham existido

culturas da maconha há milhares de anos, desde que os seres humanos começaram a

utilizá-la, em diferentes regiões do globo, somente no início na década de 1960

surgiram os primeiros discursos públicos sobre legalização da planta e passou a

ocorrer o ressurgimento da cultura do cultivo de Cannabis para consumo próprio, que

alguns autores têm chamado de ‘cultura ultra-moderna da Cannabis’ (GAMELLA &

RODRIGO; 2004), e a ONU tem chamado de re-engineering of cannabis e

rediscovery of sinsemilla (UNODC, 2006, p.155-196).

No início, os principais veículos de divulgação dessa cultura eram os relatos

orais e as publicações impressas. Em 1966, uma coletânea de artigos sobre cultivo da

planta foi publicada sob o título “How to Grow the Finest Marijuana Indoors Under

Lights” , que é a publicação mais antiga que encontrei sobre o tema36. A partir daí,

surgiram uma série de publicações em língua inglesa sistematizando, compilando e

principalmente divulgando e registrando as informações relacionadas a técnicas de

cultivo.

No início da década de 1970, esses conteúdos passam a ser publicados com

maior frequência e intensidade, a exemplo de: 1969 (GAINAGE & ZERKIN;

SUPERWEED); 1970 (DRAKE; SUPERWEED); 1971 (DRAKE; KRANZ & KRANZ);

1973 (STEVENS); 1974 (DRAKE; FABER; FLEMING; FRANK & ROSENTHAL;

KRAMER; MURPHY); 1975 (FITCH; GOTTLIEB); 1976 (RICHARDSON & WOODS;

DANIELS); 1977 (CLARKE; MURPHY; OAKUM); 1978 (FRANK & ROSENTHAL;

IRVING); 1979 (DRAKE; STEVENS); 1981 (CLARKE). Essas obras não apenas

criaram um meio físico que pudesse servir de registro dos saberes relacionados ao

cultivo da planta, até então transmitidos apenas oralmente, mas forneceram base de

consulta para milhares de leitores, principalmente em língua inglesa. Não é possível 36 Por estarmos tratando do ressurgimento da cultura do cultivo de maconha para consumo próprio e

não da sua formação que tem origem imemorável, estamos considerando nessa reconstituição apenas o período histórico pós-proibição, quando a cultura da planta passou a ser perseguida, deslegitimada e ignorada.

51

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dizer ao certo em que medida o acesso a essas obras influenciou as transformações no

mercado fornecedor da planta nos EUA e em todo o mundo, mas essas publicações

certamente são parte integrante desse processo.

A partir da década de 1980, a DEA começou a encontrar as primeiras

plantações que utilizavam técnicas de cultivo indoor37 e, é claro, a promover

operações de combate a esse tipo de práticas. No entanto, o mesmo período que

poderíamos considerar como o de nascimento da cultura do cultivo indoor (1966-

1980), foi o de maiores iniciativas de repressão ao fornecimento dos derivados da

planta. Tanto a repressão à importação com a intensificação do controle das

fronteiras, quanto o recrudescimento das iniciativas de combate às plantações de

Cannabis nos EUA (manualmente) e no México, Jamaica, Colômbia e outros países

(quimicamente), causaram um vácuo no fornecimento de derivados da planta. É

possível afirmar que cultivadores estadunidenses tenham passado a querer preencher

esse vácuo, mas se depararam com uma intensificação do combate ao cultivo dentro

do próprio território estadunidense.

Até 1980, somente 10% da maconha consumida nos EUA era produzida no

próprio país. Em 1984 era12,5%., 25% em 1989 e em 1995 esse número chegava a

50%, ainda que a legislação aplicasse à posse de 100 espécimes da planta penas

idênticas às da posse de 100g de heroína – 5 a 40 anos de reclusão. (POLLAN, 1995).

Até a década de 1970, quase toda a maconha consumida nos EUA era

proveniente dos campos mexicanos, ainda que muitos cidadãos estadunidenses já

cultivassem suas próprias colheitas, dentro do engajamento nos princípios do “Grow

your own”38. A situação foi alterada a partir das operações de fumigação com

Paraquat® e com a intensificação da War on Drugs. Mas até então, o

empreendimento de cultivo indoor era considerado muito dispendioso e pouco

rentável, pois as variedades da planta que cresciam no México, Jamaica, Colômbia e

outros países da América do Sul, não se desenvolviam muito bem na maioria das

regiões dos EUA.

Nesse período, hippies que viajavam por países orientais como Marrocos e

Afeganistão, visitando comunidades das regiões que ficaram conhecidas como “the

37O termo indoor é usado aqui para designar os empreendimentos de cultivo que usam lâmpadas, ventiladores e outros mecanismos para reproduzir em ambientes fechados as condições necessárias para o desenvolvimento da planta. 38 O Grow your own foi um movimento cultural que preconizava que cada indivíduo deveria tentar se

responsabilizar ao máximo pela produção do seu alimento e dos bens necessários à sua sobrevivência. Esse movimento surgiu nos anos 1980 e em suas versões mais radicais proclamava o cultivo de vegetais usados para produção de roupas, utensílios, etc.

52

Page 53: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

hashish trail”, levaram para os EUA sementes de variedades de fenótipo indica,

cultivadas tradicionalmente há dezenas de gerações, e selecionadas, na busca por

espécies mais resinosas, principalmente para finalidades medicinais e religiosas. A

partir dessas sementes selecionadas, os cultivadores estadunidenses passaram a fazer

cruzamentos entre as diversas variedades que tinham à mão, obtendo espécies sui

generis, que mantinham características de ambos os fenótipos, indica e sativa. Com

o tempo, passaram desenvolver variedades com características que podiam ser

melhor utilizadas comercialmente, como floração densa, alta produção de resina e

ciclo de vida curto, características de plantas indica, e o grande porte das plantas e

concentrações de proporção de THC na resina, características de plantas sativa.

Nesse período, foram desenvolvidas variedades como Skunk, Big Bud, Haze,

Califórnia Orange e Northern Lights39, ganhadoras de diversas premiações

internacionais em festivais de colheita e base para as variedades atualmente mais

valorizadas no comércio legal de sementes de Cannabis. (POLLAN, 2002; pp. 128-

139).

Nesse período os cultivadores passaram a utilizar o maior número de técnicas

agrícolas já existentes, aperfeiçoando-as constantemente e adaptando-as às

especificidades botânicas da Cannabis, procurando dominar as condições de

crescimento das plantas para otimizar os resultados da colheita. A necessidade de

migrar as colheitas para ambientes indoor impôs novos fatores a serem considerados

na seleção dos espécimes que iriam ser reproduzidos. Nesse processo, as

experimentações com diferentes linhagens da planta, para poder recriar em

ambientes fechados as condições climáticas ideais, resultaram em saberes específicos

sobre esse tipo de cultivo, que envolvem botânica, agronomia e até mesmo

engenharia. As experimentações com novas linhagens e cruzamentos de plantas com

genótipos variados resultou no desenvolvimento de linhagens híbridas adaptadas às

39 Em 2003, o mercado legal de sementes de Cannabis contava com 450 variedades registradas, das quais muitas com origens genéticas em variedades nativas de países como Jamaica, Colômbia, México, E.U.A e Brasil, além de países na Ásia e África. (GREEN, 2003, p. 16). Muitas landraces, como são comercialmente conhecidas as variedades que não sofreram hibridização e que por isso mantém as características desenvolvidas no habitat de uma determinada região, têm origem em países onde o cultivo da Cannabis é bastante reprimido. No entanto, os espécimes mais apreciadas pelos breeders, profissionais desenvolvedores de variedades, são provenientes de landraces, porque guardam possibilidades genéticas inéditas e ainda não exploradas. O exemplo do Brasil pode ilustrar bem o caso de países de política repressora que exportam qualidade genética canábica, sem que a maioria dos seus cidadãos nem o imagine. Variedades como Bahia Black Head, Black Widow, El Niño, Leda Uno, Medicine Man,White Shark, Great White Shark, White Widow, dentre outras, são exemplos de marcas registradas em propriedade de bancos de sementes holandeses, ganhadoras de prêmios internacionais, que têm origens genéticas em landraces brasileiras. (ROSENTHAL, 2001).

53

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condições indoor e às características buscadas pelos cultivadores – maior produção

de inflorescências, aromas, cores e sabores variados e, especialmente, plantas com

ciclos de vida mais curtos.

Michael Pollan identifica 1987 como o ano de surgimento do conjunto de

técnicas que marcaria definitivamente o modelo indoor como exemplo de eficiência e

controle de produtividade. O modelo que ficou conhecido como “Sea of Green” ou

“Mar Verde”, consiste na aplicação de técnicas de clonagem (mudas, estacas),

amplamente utilizadas em outros tipos de agricultura, aos saberes relacionados às

especificidades do ciclo de vida e do metabolismo das plantas Cannabis sativa.

Planta anual, a Cannabis só floresce quando o seu ambiente de crescimento

lhe fornece um período sem luz (noite), mais longo do que o período com luz (dia), e a

planta entende que é chegado o outono e é preciso iniciar o processo de floração. O

ciclo de vida da planta é dividido pelos cultivadores em períodos de “germinação”,

“vegetação” e “floração”, com durações que podem variar respectivamente entre 1 a 4

semanas, 8 a 32 semanas e 7 a 24 semanas. Assim, uma planta in natura, pode levar

até 15 meses para completar seu ciclo de vida, de acordo com sua variedade, que se

encerra com a maturação completa das inflorescências. Os cultivadores que utilizam

ambientes indoor procuram encurtar ao máximo o ciclo de vida da planta, sem

prejudicar sua saúde, controlando o fotoperíodo e simulando a chegada da época de

floração através da diminuição do período em a planta fica exposta à luz.

Assim, esses cultivadores procuraram criar condições de cultivo ideais a partir

da adoção das seguintes práticas: controlar o ciclo de vida da planta, mantendo-a o

mínimo possível no período “vegetativo” e administrando um regime de luz que force

a floração precoce40; manter as melhores condições de cultivo para as plantas com

exposição máxima à iluminação, buscando lâmpadas com maior eficiência e

estudando as respostas das plantas aos diferentes tipos de irradiações41; inserir as

plantas em condições de nutrição ideais, a partir do uso do cultivo hidropônico42 com 40 Alguns cultivadores administram o regime de 24hs de luz e 0hs de escuridão, durante o período

“vegetativo”, outros optam por regimes de 20/4hs, 18/6hs ou até mesmo de 14/8, mas é unânime o reconhecimento de que as plantas iniciam a fase de produção de inflorescências quando lhes é administrado um período de no mínimo 12hs de escuridão diário.

41 As lâmpadas usadas inicialmente eram lâmpadas de vapor de flúor em baixa pressão, que conferem uma quantidade razoável de iluminação sem produzir muito calor. Com o surgimento das lâmpadas de vapor em alta pressão, as lâmpadas de vapor de Sódio (HPS) e vapor metálico (HQI) substituíram as fluorescentes na maioria dos empreendimentos de cultivo por oferecerem uma maior quantidade de iluminação, e frequências luminosas mais eficientes, ainda que produzam muito mais calor, exigindo o investimento num sistema de refrigeração.

42 As técnicas de cultivo hidropônico foram desenvolvidas em Israel. Elas têm conseguido proporcionar o fornecimento de alimentos de qualidade cultivados em locais onde o acesso à terra com nutrientes adequados é difícil. As técnicas hidropônicas baseiam-se no conceito de dar às

54

Page 55: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

quantidade e qualidade de nutrientes, acidez (Ph) e temperaturas equilibrados;

eliminar os espécimes machos das plantações43 e seleçionar os mais saudáveis

espécimes fêmea e macho que apresentem as características que interessam para o

desenvolvimento de híbridos melhores adaptados ao cultivo indoor (curto ciclo de

vida, rápida floração, enraização homogênea, etc)

O “Sea of Green”, ou SOG marca o ápice desse processo moderno de

domesticação da planta visando a intensificação da produção em ambientes fechados.

O intenso desenvolvimento das práticas de cultivo tornou possível que os cultivadores

mantivessem o que se denomina de “planta mãe”, uma espécie fêmea escolhida após

um período de experiência com o cultivo e seleção em uma determinada população de

plantas. Essa planta passa a ser a base para a aplicação da variedade de técnicas

acumuladas para produzir o máximo de colheita com o mínimo de espaço. Assim, os

cultivadores recolhem mudas das linhagens que desejem manter das “plantas mãe” e

administram condições adequadas para que possam produzir mais facilmente as

raízes. Em cerca de dez a quinze dias elas já estarão na fase “vegetativa”, ainda que

tenham apenas alguns centímetro de altura. Dessa forma, os cultivadores obtêm

plantas geneticamente idênticas às “plantas mãe”, mas com um porte menor e um

metabolismo em fase adulta. Ou seja, os espécimes serão todos fêmeas, com as

características das “plantas mãe” e poderão ter sua estatura mais facilmente

controlada, ainda que tenham potencial para floração semelhante ao de uma planta

de grande porte.

O ressurgimento da cultura do cultivo de maconha e o desenvolvimento das

técnicas de cultivo indoor não podem ser relacionados diretamente à ampliação do

mercado produtor de maconha nos EUA. No entanto, essas evidências apontam ser

possível uma reflexão no sentido de admitir que, de certa forma, o trabalho de

domesticação da planta empreendido por esses cultivadores, coletiva ou

individualmente, transformou o mercado da planta não só nos EUA, mas também na

Europa e outras partes do planeta. Atualmente, o cultivo e Cannabis é o maior

plantas condições de nutrição máxima para o crescimento de um vegetal. Assim, cultivam as plantas em soluções à base de água e nutrientes em quantidade previamente estudada, mantendo-a enriquecida com oxigênio.

43 A quantidade de resina produzida por espécimes machos é irrelevante para o uso. O que se considera como maconha, marijuana, ou seja, de onde se deriva o fumo de valor comercial são as inflorescências dos espécimes fêmeas. A maconha chamada “sinsemilla” (sem semente) nada mais é do que a colheita de plantações onde os machos são regularmente controlados e eliminados antes de florirem e polinizarem os espécimes fêmeas. Quando não são polinizadas, as inflorescências femininas continuam produzindo resina até a sua colheita, o que não acontece quando são fecundadas pelo pólen e têm que se dedicar a produção das sementes.

55

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agronegócio dos EUA, gerando uma renda anual de cerca de 36 bilhões de dólares,

em um mercado dominado pelos empreendimentos de cultivo de linhagens híbridas

em ambientes indoor. (GETTMAN, 2006).

O Relatório Mundial da Agência da Organização das Nações Unidas para as

Drogas e o Crime (UNODC), referente ao consumo mundial de substâncias

psicoativas no ano de 2006, dedicou um capítulo especial à Cannabis (UNODC,

2006, p.161). Ainda que mantendo o discurso alarmista em relação ao consumo dos

derivados da planta, a ONU admitiu que as atuais técnicas de cultivo em ambientes

indoor permitem que a produção seja realizada em países onde as condições

climáticas impedem o cultivo da planta, favorecendo o surgimento de produtores de

pequena e média escala, que muitas vezes vendem diretamente ao consumidor final.

Segundo o Relatório, atualmente os cultivadores holandeses, utilizando

práticas de cultivo em ambientes indoor, conseguem produzir toda a Cannabis

consumida no país e são responsáveis por 25% da maconha em países como Áustria,

Belarus e Bélgica; 50% na República Checa; 20% Estônia; 50% na França, Alemanha,

Hong Kong e Hungria; 17% na Islândia, Irlanda e Itália; 75% na Lituânia; além de

exportar também para países como Espanha, Polônia, Suíça e Estados Unidos

(UNODC, Op. Cit.:170-171). A Agência estima também que, com base nas apreensões

reportadas pelos países que participaram da pesquisa, a produção mundial de

maconha seja de 30.000 toneladas e a de haxixe ultrapasse as 7.000 toneladas

(UNODC,Oop. Cit.:174).

O mercado consumidor norte-americano está estimado entre 10 e 60 bilhões

de dólares e é abastecido em sua maioria por cultivadores locais, que respondem pela

3ª maior colheita mundial de maconha, atrás do México e do Marrocos,

respectivamente. (UNODC, Op. Cit.; 164). O relatório chama a atenção para o fato

dos EUA ser um país que produz uma grande quantidade de Cannabis e que também

tem revelado altos índices de consumo dos derivados da planta. Assim, não apenas

consome toda a Cannabis que produz, como importa de produtores no Canadá e

México.

Ao estimar o consumo mundial de derivados da planta, o Relatório chama

atenção para os desvios inerentes aos dados produzidos dessa forma, alertando para

as dificuldades intrínsecas em se fazer levantamentos sobre o uso de drogas, práticas

consideradas criminosas, especialmente nos países onde o uso é estigmatizado e

bastante reprimido.

56

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Esses dados nos fazem refletir sobre o ressurgimento da cultura do cultivo de

maconha e a difusão de saberes associados que, ao mesmo tempo que possibilita aos

usuários se tornarem auto-suficientes, facilitam a inserção de novos atores na função

de produtores não-autorizados da planta. Existem poucos trabalhos que tratam das

consequências da popularização desses saberes na configuração do mercado ilícito da

planta em países como Austrália, Inglaterra, Holanda, EUA, dentre outros, e neste

trabalho iremos analisar e discutir ressurgimento dessa cultura no Brasil, através de

uma comunidade específica na Internet, que abriga usuários de maconha que falam

português: O Growroom – seu espaço para crescer.

9.O Nascimento do Growroom

“Me apaixonei desde o início!” (Ira, fundador do Growroom)

A Internet é um ambiente fértil para as novas experiências de sociabilidade e

compartilhamento de interesses e significados. Nesse espaço é possível que se

formem grupos que discutam sobre quaisquer assuntos de maneira mais ou menos

livre, compartilhando experiências, informações, significados e representações.

(GUIMARÃES, 1997).

Não é possível datar exatamente quando a cultura canábica, já bastante

registrada em revistas, livros, fotos, outros tipos de publicações impressas e em

vídeos, passou também a ser divulgada através da Internet. Seria uma tarefa

exaustiva e impossível de ser realizada fazer o levantamento de cada site publicado. A

alta velocidade e os diversos caminhos possíveis de publicação na Internet tornaram

bastante trabalhosa a tarefa de acompanhar o fluxo de conteúdos que atualmente são

publicados por essa via. Ademais, a Internet é considerada pelos principais autores

da área como um instrumento potencializador e veículo facilitador de divulgação de

culturas existentes no mundo off-line e não como uma cultura diferenciada em si

mesma. Dessa forma, podemos admitir que, desde que o primeiro entusiasta da

cultura canábica teve acesso às tecnologias de comunicação em rede, fez uso delas da

forma que lhe era possível.

No caso dos fóruns de discussão sobre a maconha, essa tarefa é mais restrita,

mas ainda assim é muito ampla e fugiria aos objetivos deste trabalho. Por me propor

57

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uma análise restrita à cultura relacionada com o cultivo para consumo próprio no

fórum Growroom, cabe registrar a história dos fóruns de discussão em língua

portuguesa, que são onde se desenvolveram os processos que me coloquei como

tarefa analisar.

Em 2002, Ira44, um brasileiro à época residindo na Holanda, criou o

“Growroom – seu espaço para crescer” www.growroom.net, um blog de notícias

sobre maconha que abriga o fórum de discussões on-line cujo objetivo inicial era

proporcionar um espaço onde pessoas adultas, usuárias de maconha, pudessem

trocar suas experiências sobre o tema em uma plataforma de sociabilidade on-line,

comumente chamadas de fórum de discussões, ou apenas fóruns. Situado no

ciberespaço, está estruturado para receber usuários de qualquer parte do mundo que

tenham acesso à Internet, disponibilizando um espaço no qual é possível consultar

um banco de experiências e informações gerado pela interação de milhares de

pessoas..

Nessa época, já existiam diversos fóruns do mesmo estilo, mas nenhum deles

tinha o português como idioma utilizado. Havia fóruns do mesmo tipo nos EUA,

Inglaterra, Espanha, França, Itália, Canadá, Holanda, Alemanha, dentre outros

países. Nesse tipo de espaço de sociabilidade online, os internautas encontraram a

possibilidade de construir perfis, como em outros sites de relacionamento, mas para

discutirem temas relacionados especificamente a maconha e seus usos. Entre 1997 e

2008, Ira morou na Europa, em países como Holanda, Alemanha, Espanha e

Portugal, onde teve contato com uma realidade completamente diferente da

brasileira, com relação não só ao uso da planta, mas também às políticas públicas e

iniciativas sociais e culturais relacionadas aos usuários. Nesse período, visitou

diversos países europeus e conheceu ativistas e pessoas ligadas à cultura canábica em

diferentes cidades. Em seu relato, ele conta:

“Cara! É impressionante como são mundos diferentes. Enquanto nêgo ta falando de legalizar ou não legalizar por aqui, os caras lá tão debatendo se o grau de

44 Ira é o pseudônimo do criador do Growroom. Por motivos de segurança, os dados sobre ele foram cuidadosamente estudados, procurando utilizar somente aquilo que interessava para facilitar a compreensão das informações relevantes para a discussão deste trabalho, preservando-o de uma exposição desnecessária e que poderia incorrer em riscos à sua segurança e privacidade.

58

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pureza das flores45 dos cafés46 é adequado mesmo para o uso medicinal ou se é melhor consumir o produto cultivado pelo governo(...). Naquela época (2002), tudo que eu queria era tentar fazer com que os brasileiros pudessem ter acesso a esse tipo de informação. A galera precisava saber que, mesmo ilegal, essa planta é vista de forma muito diferente em outros países(...). O Growroom era principalmente uma forma de ver se os brasileiros acordavam pra vida, saca? Pra ver se eles corriam atrás e mudavam um pouco a realidade por aqui(...)”

Em 2002, quando criou o Growroom, Ira passou a abrir tópicos no Overgrow e

em outros fóruns em línguas diferentes, chamando os brasileiros a se cadastrarem no

fórum do Growroom. O Overgrow era uma plataforma de relacionamento em língua

inglesa e durante anos foi o principal canal de diálogo entre milhares usuários de

maconha de todo o mundo. Apesar de terem acesso aberto a pessoas de todas as

nacionalidades, o Overgrow e outros fóruns eram direcionados para pessoas em

países com idiomas e realidades completamente diferente da brasileira, dificultando

o acesso de boa parte dos brasileiros , que ficavam sem um espaço específico no qual

pudessem debater seus temas locais. Por isso, mesmo que as discussões abarcassem

questões e problemas comuns a pessoas que consomem Cannabis e derivados, seja

no Brasil, nos EUA ou em outros países, o Overgrow e o outros fóruns do gênero

nunca conseguiram proporcionar a reunião de muitos brasileiros. Era essa lacuna que

Ira queria ocupar com a criação do Growroom e seu fórum.

O Growroom nasceu, portanto, da ideia de criar um espaço de sociabilidade

que funcionasse como um ponto de diálogo entre a cultura sobre a maconha que

existia em outros países e os usuários brasileiros que não tinha acesso à essas outras

realidades, nem tinha um espaço onde pudessem trocar experiências e dialogar com

outros brasileiros. Além disso, Ira tinha como objetivo central promover o debate

sobre a maconha dentro da comunidade de brasileiros. Ele acreditava que, se os

brasileiros tivessem acesso à existência de discussões sobre manifestações pela

legalização e políticas e leis voltadas para a tolerância ao cultivo para consumo

próprio, talvez começasse a surgir um movimento social no país que fosse baseado no

45 As flores dos espécimes femininos são as partes da Cannabis com maior concentração de princípios ativos. Em países onde há certa regulamentação do mercado consumidor somente as flores são comercializadas.

46 Na Holanda algumas cidades autorizam que estabelecimentos possam vender flores de maconha e haxixe, a resina psicoativa extraída das flores, sob algumas regras. Essa política é constantemente revisada de acordo com as mudanças sociais, culturais, políticas e principalmente a utilização de dados das pesquisas sobre o tema.

59

Page 60: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

autocultivo, como existia em diversos países desde a década de 1960.

Foi no Overgrow que conheci Ira e foi através dele que Ira conseguiu os

primeiros parceiros para trabalhar na administração do fórum. Em maio de 2002 o

Growroom começou a funcionar na Internet e, em menos de 10 dias, mais de 400

pessoas se inscreveram no fórum, entre elas eu, que passei a acompanhar as

discussões e ajudar na administração, participando da equipe de moderação.

Fato na História do Growroom

60

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10.Tornando-se usuário do Growroom

“Para mim o Growroom representa uma esperança para quem luta pela Cannabis. Ajuda para quem quer cultivar sua própria erva e não mais contribuir com o tráfico. O Growroom é uma família, uma escola, uma irmandade. É um espaço para aprender e ensinar” (Tito)

O endereço www.growroom.net, dá ao internauta acesso a um blog de notícias

sobre a cultura da maconha e, nele, há um botão redirecionando o usuário para o

fórum. Quando clicado, o botão apresenta uma versão restrita do fórum, onde só é

possível visualizar os sub-fóruns sobre avisos, notícias, uso medicinal e as discussões

desenvolvidas neles. O objetivo dessa restrição é limitar o acesso aos espaços de

discussões às pessoas devidamente cadastradas e que tenham afirmado, para o

reenchimento de formulário de cadastro, que leram, entenderam e aceitaram as

Regras de Conduta e Termos de Utilização do Fórum. Após isso, precisam escolher

um apelido e uma senha, informando também um endereço de e-mail válido através

do qual será confirmada a veracidade dos dados emitidos.

Com essa política, o Growroom se reserva apenas a obrigação de confirmar que

o endereço de correio eletrônico informado é realmente existente e é utilizado pela

mesma pessoa que pediu o cadastro no fórum, tornando desnecessário a utilização de

nomes pessoais no cadastro do fórum, preservando o anonimato dos usuários. Dessa

forma o Growroom, como outros sites de relacionamento, passa às empresas que

prestam serviço de correio eletrônico a responsabilidade pela veracidade dos dados

dos usuários do serviço de correio eletrônico, se reservando apenas a obrigação de

avaliar a veracidade do e-mail fornecido.

Após realizar o cadastro, em cerca de 10 minutos a pessoa recebe uma

mensagem em seu email com as informações para realizar a validação desse cadastro

no fórum. Nessa mensagem o usuário recebe um endereço de Internet, um código de

identidade do usuário (User ID) e a chave de validação (Validation Key). Na primeira

visita é preciso acessar através do endereço citado no e-mail de boas-vindas e utilizar

o User ID e a Validation Key. Só após esta operação o usuário tem acesso à página do

Growroom, onde deverá usar seu apelido e senha escolhidos. Feito isso, o usuário

pode acessar todos os tópicos do fórum e sub-fóruns e tambémsua página pessoal,

onde poderá alterar as configurações do seu perfil .

O fórum é baseado num tipo de software de relacionamento conhecida como

61

Page 62: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

board, que permite aos usuários registrados criarem perfis com informações básicas

a respeito de si mesmos, possibilitando que formem uma representação de si para a

comunidade, a exemplo de outras plataformas de relacionamento populares como

orkut (www.orkut.com), MSN – (www.msn.com.br) e twitter (www.twitter.com).

Abaixo, uso meu próprio perfil no fórum como exemplo:

62

Page 63: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

Painel de controle do meu perfil no Growroom (Alma_Rastafari)

Esse tipo de plataforma permite aos usuários trocarem mensagens através de

duas maneiras: 1) Tópicos e Postagens no fórum; 2) Mensagens Privadas – MP´s. As

mensagens privadas funcionam como um sistema de correio eletrônico interno do

fórum, onde cada membro possui uma caixa de mensagens e pode se corresponder

com outros usuários sem que terceiros tenham acesso à troca de mensagens e seus

conteúdos. Os tópicos e postagens são abertas e podem ser visualizadas por qualquer

membro do fórum.

Os membros moderadores são voluntários que trabalham na administração do

fórum. Os moderadores foram sendo recrutados à medida que Ira estabelecia um

circulo de relacionamentos com usuários específicos do fórum, que passaram a se

destacar por suas contribuições em alguns tópicos. A equipe de moderadores se

alterou ao longo do tempo, de acordo com a disponibilidade das pessoas para a

função e com o nível de engajamento dos usuários do fórum.

No início, as Regras de Conduta e os Termos de Utilização do fórum, dois

documentos centrais para definir o que é o fórum e como ele pode ser usado, ainda

63

Page 64: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

eram documentos muito pouco claros e com apenas algumas linhas escritas. Esses

dois documentos, juntos com os registros das discussões de casos específicos no sub-

fórum de acesso restrito aos moderadores, podem ser considerados como a política

de funcionamento do Growroom. Enquanto os tópicos no sub-fórum de moderadores

serve como orientação para que estes saibam como se portar em casos semelhantes,

as Regras de Conduta e os Termos de Utilização do Fórum são documentos usados

como referência pelos moderadores para justificarem uma advertência ou punição à

alguma conduta dos usuários do fórum que desrespeite às Regras e/ou os Termos.

Uma vez cadastrado, o usuário pode abrir tópicos ou publicar postagem em

quaisquer dos sub-fóruns, para discutir algum tema de seu interesse. Nos “Termos de

Utilização de Uso do Site Growroom” é recomendado que antes de abrir um novo

tópico os usuários consultem a busca para saber se já não há outros tópicos

discutindo o assunto sobre o qual ele quer se informar ou trocar experiências. Nos

caso do tema já estar sendo contemplado em algum tópico, é recomendado que o

usuário leia todas as postagens de outros usuários a respeito do tópico e caso deseje

fazer algum comentário, publique uma nova postagem, que será adicionada ao fim do

tópico. Assim, os tópicos são uma espécie de mural de recados, onde um usuário

inicia um assunto e aguarda comentários de outros usuários, a partir dos quais

constroem réplicas, tréplicas, sem uma data limite para ser finalizado.

No início, os tópicos eram abertos como uma forma de puxar assunto sobre um

determinado tema e, com isso, facilitar estabelecimento de relações com outros

membros, como em qualquer espaço semelhante na Internet. As pessoas não usavam

o espaço para tirar dúvidas e a grande maioria dos tópicos eram abertos para discutir

temas como filmes, livros e outros assuntos relacionados com maconha e outras

drogas. A maioria dos usuários desconhecia a cultura do cultivo para consumo

próprio, que só passou a ser introduzida no fórum à medida que os brasileiros que já

plantavam e utilizavam fóruns em outros idiomas passaram a se cadastrar no

Growroom e postar suas experiências.

Inicialmente, muitos tópicos eram abertos pedindo conselho sobre locais

seguros para comprar drogas em uma determinada cidade, ou sobre qual o melhor

espaço público para fumar sem ser incomodado. Esse tipo de discussão rapidamente

foi identificada e rechaçada pela equipe de moderadores como sendo limítrofe entre

liberdade de expressão e apologia, e estes se reuniram e publicaram atualizações nos

“Termos de Utilização de Uso do Site Growroom”, o que passou a ser feito

64

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periodicamente, buscando dar conta das questões que surgiam ao longo do

desenvolvimento do fórum.

Com o passar do tempo e a intensificação das relações sociais estabelecidas via

fórum, os próprios usuários passaram a criar controle informais. Aos poucos, regras

informais de conduta, que nunca foram colocadas em nenhum dos documentos

oficiais do fórum, se estabeleceram como consenso e seguem sendo praticadas até

hoje. Em minha leitura, essa etiqueta coletiva é baseada principalmente em três

princípios: 1) Garantir a segurança do fórum acima de tudo; 2) Garantir a harmonia

entre os participantes do fórum; 3) Garantir a qualidade e organização das

informações no fórum.

Aos poucos, uma série de tipos de comportamento passaram a ser criticados e

combatidos publicamente, mesmo quando não mereciam atenção dos moderadores.

Criar tópicos com temas repetidos, divulgar dados pessoais, criar tópicos em sub-

fóruns que não correspondem ao tema proposto e falar de drogas ou plantas que não

sejam variedades de maconha, são apenas algumas dentre as muitas condutas que

estão previstas nos documentos oficiais do fórum, mas são reprimidas pelos próprios

usuários. Por outro lado, ao mesmo tempo em que alguns tipos de condutas são

reprimidas, outros tipos de conduta são extremamente valorizados. Compartilhar

fotos e relatos de experiências de cultivo para consumo próprio, dar dicas e responder

dúvidas sobre os cultivos de outros usuários do fórum e produzir manuais, guias, ou

relatórios que possam facilitar a compreensão sobre um determinado assunto

específico, são alguns exemplos de condutas valorizadas dentro da comunidade.

Aos poucos, o banco de dados com informações e experiências sobre os mais

variados temas foi se tornando cada vez maior e mais abrangente. Em 2002, o fórum

dispunha de menos de 10 sub-fóruns, em contraste com os atuais 46 sub-fóruns,

divididos em assuntos que vão de técnicas avançadas de cultivo para consumo

próprio à farmacodinâmica da interação entre maconha e medicamentos.

Para melhor compreender o funcionamento de uma discussão realizada

através do fórum e as informações ali compartilhadas, analisaremos abaixo exemplos

de tópicos sobre temas diferentes: um aberto pelo usuário Tapa na pantera, outro

pelo usuário Cezar e por último o tópico aberto pelo usuário SRV. Através dos

exemplos do Tapa na Pantera e Cezar discutirei os aspectos apresentados acima a

respeito da formação do que podemos chamar código de ética e conduta do usuário

do Growroom. Através do exemplo do SRV, discutirei alguns aspectos relacionados

65

Page 66: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

com a socialização do saber a respeito do cultivo de maconha para consumo próprio

através do fórum.

O tema escolhido por Tapa na pantera foi a própria experiência de utilização

do fórum, em especial o uso da ferramenta de busca para consultas no banco de

dados. Ele inicia o tópico com um manual bem elaborado a respeito de como utilizar

a busca, formulado a parir da sua própria experiência. Em seguida, diversos outros

usuários comentam seu tópico através de postagens. Nesse caso, o tema pode ser

considerado esgotado e não vemos entre os comentários qualquer acréscimo de

informações sobre o assunto.

O tutorial criado por Tapa na pantera é um manual bem elaborado com

informações de utilização do fórum que os próprios moderadores do Growroom não

tinham produzido. Seu tópico explica em detalhes e com ilustrações como utilizar a

ferramenta de busca, facilitando o trabalho dos milhares de usuários do site. Todos as

postagem são comentários elogiosos e muitos recomendam que os moderadores

coloquem o tópico fixo no alto do sub-fórum. Quando um tópico é considerado

relevante para a comunidade, uma das opções utilizadas pelos moderadores é colocá-

lo fixo na página inicial do sub-fórum, medida que foi adotada nesse caso.

O caso do tópico aberto pelo usuário Cezar será utilizado aqui em contraste

com o tópico do Tapa na pantera. O tópico do Cezar trata de um pedido de ajuda a

respeito da planta que ele estava cultivando pela primeira vez. Ele iniciou o tópico

afirmando ser novato e tratando do caso específico da sua planta, que, segundo ele,

estaria passando por dificuldade no desenvolvimento.

Um outro usuário, Pedrogs bike, imediatamente respondeu seu tópico,

afirmando que a postura do Cezar de abrir um tópico só para discutir esse tema era

desnecessária. Pedrogs bike rechaça o tópico de Cezar, recorrendo à uma das

categorias mais estigmatizantes do Growroom, a de novato. O novato tanto pode ser

aquele que desconhece as técnicas de cultivo, como aquele que desconhece o código

de ética implícito do site. É curioso notar que essa categoria não é formal, ou seja, não

é encontrada nos Termos de Utilização e Regras do Fórum. Do mesmo modo, não são

previstas sansões ou regras de moderação especialmente para alguém por ser novato.

Ao mesmo tempo, informalmente, tanto os moderadores quanto usuários mais velhos

se sentem à vontade para corrigir e disciplinar usuários mais novos do site.

É interessante notar também que não necessariamente a categoria novato é

acionada apenas por usuários muito antigos ou moderadores, nem mesmo é sempre

66

Page 67: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

associada à uma interpretação pejorativa. O próprio Cezar inclusive já inicia o tópico

se colocando como novato no cultivo. Além disso, a categoria também pode ser

acionada, mesmo em casos onde não há explicitamente um consenso sobre se a

atitude foi ou não de novato. No caso citado, o usuário Cezar, está registrado no

fórum desde setembro de 2009, enquanto o usuário Pedrogs bike foi registrado em

julho, ou seja, apenas 2 meses antes. Assim, o próprio Pedrogs bike também poderia

ser considerado um novato, mas não houve nenhuma utilização por parte de outros

membros no tópico, a não ser eles dois, da categoria em questão.

67

Page 68: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

68

Page 69: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

O exemplo acima não é um caso de comportamento proibido no fórum, tanto

que, o único moderador que respondeu ao tópico, Zóio vermeio, disse para o Cezar

“relaxa... brow... posta uma foto...”. Zóio vermeio, ao afirmar isso está sinalizando

que o tópico não infringiu nenhuma das regras e que não há motivo para se assustar

com a resposta do Pedrogs bike. Já ao afirmar “posta uma foto...” ele sinaliza que

seria de bom tom haver mais informações sobre a planta para a qual o Cezar deseja

um diagnóstico e que essa seria uma forma mais interessante de pedir ajuda sobre

um cultivo. Seja por ter ficado envergonhando por uma de suas primeiras aparições

no fórum ter sido rapidamente reprimida por outro usuário, ou porque descobriu

como usar a busca, o próprio Cezar solicitou o trancamento do tópico.

Esse exemplo nos ajudar a vislumbrar de que forma os quase 8 anos de

acúmulo de experiência e de estabelecimento de relacionamentos ajudaram a criar os

códigos e regras informais de conduta no fórum e os mecanismos que asseguram seu

funcionamento. O contraste entre as reações ao tópico do Tapa na pantera e ao

tópico do Cezar são bastante ilustrativas sobre como são construídos os valores a

respeito de que forma e quais sãos os temas que merecem ser debatidos, e quais

temas e tipos de comportamento devem ser rechaçados.

Além desse jogo entre o tipo de comportamento valorizado e o que é

rechaçado, toda a estrutura de sociabilidade no fórum é baseada na noção da

pontuação por qualidade dos tópicos. Os usuários podem pontuar os tópicos de

outros usuários, fazendo com que o tipo de conteúdo e a forma de um comentário

possam não apenas influenciar a opinião de outras pessoas a respeito de um usuário,

mas alterar a forma de exibição do seu perfil. Assim, os melhores tópicos e postagens

são pontuados com estrelas que podem ir de 0 a 5. Dessa forma, os usuários

desenvolveram a cultura de pontuar as contribuições uns dos outros, de acordo com

os critérios próprios de cada área temática do fórum.

Em relação ao tópico aberto pelo usuário SRV, utilizo-o para ilustrar de que

forma são socializados os conhecimentos a respeito do cultivo de maconha. Nesse

tópico, SRV expõe dados de sua primeira experiência de cultivo hidropônico, no qual

estava germinando 5 sementes da variedade The Pure, desenvolvidas pelo banco de

sementes The Flying Dutchmen e compradas através da Internet, e 2 sementes de

variedade híbrida obtidas a partir de um cruzamento entre plantas de variedades

Skunk e Haze. SRV descreveu as características da sua estufa e adiciona à sua

descrição fotos para ajudar a ilustrar seu tópico.

69

Page 70: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

Apesar de demonstrar bastante conhecimento sobre projeto e construção de

estufas e até mesmo sobre técnicas de cultivo, SRV não abriu o tópico somente para

compartilhar sua experiências, mas também para tirar dúvidas. Esse é um tipo de

tópico bastante comum, já que raramente se encontra um no qual o usuário posta

toda a experiência de cultivo, sem receber qualquer comentário ou sugestão. No

tópico citado, ele busca informações sobre manejo de nutrientes, que é o aspecto que

parece ser o mais difícil de dominar no cultivo hidropônico.

SRV questionou especificamente se o sal amargo, nome popular para o Sulfeto

de Magnésio, poderia ser usado na mistura de água com os fertilizante para

hidroponia. O Sulfeto de Magnésio é um laxante mineral para uso humano, vendido

em farmácias e utilizado pelos cultivadores para acrescentar magnésio à dieta das

plantas. O magnésio é um elemento essencial para a maioria dos processos

metabólicos da Cannabis sativa e da maioria dos vegetais, atuando na formação da

clorofila, substância essencial para os processos nos quais a planta transforma a

energia solar, utilizando-a para absorver os macronutrientes como nitrogênio (N),

fósforo (P) e potássio (K), minerais (cobre, ferro, zinco, dentre outros) e aminoácidos

vitais como tiamina (vitamina B1), dentre outras.

É interessante notar que, para a maioria da população, até mesmo cidadãos

acostumados a praticar como hobby a jardinagem, esse tipo de informação é pouco

conhecida. Porém, em se tratando de um tipo de cultivo destinado à subsistência de

uma necessidade de consumo, qualquer diferença na produção final é significativa,

forçando os usuários a procurarem controlar o máximo de fatores determinantes,

conforme discutido anteriormente. O exemplo do sal amargo citado no tópico do

SRV pode ser utilizado por nós para refletirmos sobre o grau de aprofundamento em

conhecimento de nutrição vegetal, necessário ao cultivo de maconha.

SRV abriu o tópico no dia 12 de setembro de 200947, pedindo sugestões sobre a

dúvida sobre o sal amargo. Desde esse dia, diversas mensagens elogiando seu cultivo

surgiram, mas só no dia 16 o usuário Usainbolt respondeu ao tópico com uma

sugestão de quantidade de Sulfeto de Magnésio a ser acrescentada na fórmula

hidropônica. SRV respondeu agradecendo, afirmando que já estava experimentando

por conta própria uma quantidade menor do mineral, obtendo resposta positiva das

plantas e que iria aumentar para a dose sugerida. No dia 18, ele respondeu ao tópico

47 Acompanhei dezenas de tópicos desde que iniciei minha colaboração no Growroom e todas as reflexões feitas a partir dos exemplos citados se baseiam em observações de outros tópicos também, não apenas nos tópicos usados como exemplos.

70

Page 71: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

informando que as plantas estavam aparentemente melhor nutridas e se recuperando

bem da falta de nutrientes do período inicial do cultivo, no qual as quantidade de

magnésio ainda eram administradas de forma insuficiente.

Esse exemplo permite ver de que maneira a interação mediada pelo fórum

Growroom permitiu a dois usuários de maconha compartilharem informações sobre a

dose de um mineral específica da nutrição da planta. A rapidez da comunicação

permitiu com que a informação disponível pela experiência da carreira de cultivador

de Usainbolt fosse facilmente assimilada por SRV que, em poucos dias pôde passar a

aplicar um novo conhecimento e melhorar o seu cultivo. A agilidade nesse tipo de

sociabilidade proporciona aos usuários suprir as necessidades das plantas que estão

sob seus cuidados de maneira que um erro ou inaptidão possam ser corrigidos em

tempo hábil para manutenção da saúde do vegetal.

No dia 22 do mesmo mês, SRV postou uma nova mensagem, colocando mais

algumas informações sobre o tipo de fertilizantes usados na planta. Ele afirmou que

usava fertilizantes da série Dyna, mas que antes usava dosagens menores, até ter sido

aconselhado por outros usuários a aumentar as doses, obtendo realmente melhores

resultados. Mais uma vez ele não usou o tópico somente para colocar informações

sobre o cultivo, mas para tirar dúvidas. Ele perguntou se era possível que os órgãos

pré-flores já estivessem nascendo com apenas 5 semanas de crescimento. SRV

utilizou uma foto para ilustrar as pré-flores, para que cultivadores mais experientes

pudessem identificar se eram pré-flores e, em caso afiirmativo, qual o sexo da planta.

O próprio SRV, que também é cultivador experiente descobriu que se tratavam

de pré-flores denunciando uma planta macho, o que é possível perceber pela forma

como respondeu o tópico. No entanto, a esperança de estar enganado, já que plantas

macho não servem para produzir fumo, ou o desejo de socializar uma nova

informação sobre o seu cultivo, o tenham motivado a tirar uma foto e publicar no site,

mesmo tendo quase certeza da resposta às sua dúvida. Sete minutos depois de sua

postagem, o usuário MaldororBR respondeu, taxativo, “Sim, dá pra ver... são

sacudos mesmo! Passa a faca!”, dando a sugestão de eliminar o espécime macho e

assegurar que as flores das outras plantas fossem sinsemilla. Diversas outras

respostas se seguem a essa, dando-lhe a mesma sugestão e ironizando o fato de ter

nascido um macho.

A interação em um tópico não se dá apenas entre o usuário que abriu o tópico e

os usuários que o respondem, sendo livre que os usuários dialoguem entre si casos

71

Page 72: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

semelhantes ao debatido no tópico. No caso analisado, o usuário Blackweed

respondeu afirmando que pretendia usar um sistema de gotejamento da solução

hidropônica semelhante ao utilizado por SRV, aproveitando para consultar se este

estaria satisfeito com o tipo de fertilizante – Dynagro. O usuário Usainbolt, que havia

respondido a dúvida do SRV sobre se era possível acrescentar sal amargo à nutrição

das plantas em hidroponia, respondeu afirmando que o Dynagro é um fertilizante

razoável, bastante completo e dá indicações de tipos do produtos e formas de

utilização . No entanto, ele chama atenção que, no período de floração, no qual a

planta necessita de maiores quantidade de micronutrientes, é preciso utilizar algum

tipo de suplementação.

Os aspectos de nutrição da planta são apenas um dos fatores que devem ser

controlados para conseguir otimizar as colheitas. Um bom cultivador sabe que a

relação das plantas com as fontes de energia é o que determina o resultado final. Por

isso a qualidade e quantidade das fontes de luz, água e nutrientes são os principais

pontos de interesse das discussões no fórum. As discussões, em geral, são a

socialização de experiências de cultivo com objetivo de que o saber coletivo possibilite

que esses fatores sejam melhor controlados.

No dia 1 de outubro de 2009, SRV colocou outra resposta no fórum

atualizando a comunidade a respeito de suas plantas. Animado com os resultados da

72

Page 73: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

fórmula de nutrientes, informou que havia iniciado o processo de forçar a floração

nas plantas da variedade The Pure. Ele informou ainda que todas as plantas estavam

bem, mas as híbridas de Skunk com Haze estavam ainda com pouca saúde e por isso

ele havia decidido não incluí-la no grupo de plantas que iria colocar em regime de

floração. SRV aproveitou para dizer que fez mudas, chamadas pelos usuários do

Growroom mais comumente de clones, antes de colocar as The Pure para florir,

usando mais uma vez uma foto para ilustrar o fato.

No dia seguinte, 2 de outubro, SRV publicou uma resposta com outra foto,

dessa vez pedindo uma ajuda para solucionar os problemas de desenvolvimento de

algumas mudas, que apresentam folhas amareladas e retorcidas nas pontas. Para

ajudar no diagnóstico, SRV utilizou mais uma vez o recurso da fotografia.

73

Page 74: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

Poderia analisar toda a experiência de cultivo de SRV e a troca de experiências

geradas pelo seu tópico, ou ainda acompanhar e descrever toda uma experiência de

cultivo, analisando cada assunto debatido no tópico. Mas acredito que a análise dos

temas debatido nos casos citados acima ilustraram bem a forma como se dá a

sociabilidade no fórum Growroom, possibilitando conhecer um pouco melhor os

caminhos de formação da cultura da maconha nessa comunidade, atendendo aos

limites estabelecidos e propostos neste trabalho.

As especificidades da comunidade Growroom se expressam de maneira mais

acentuada quando se compara essa cultura da maconha com a descritas pelas

pesquisas de Becker na década de 1950, e de MacRae e Simões, na década de 1980.

Os saberes informais sobre a maconha e seus usos, nos casos estudados por esses

autores, se reproduziam através da interação direta e presencial dos usuários em

redes e círculos de amizade em que ocorria o consumo. Já na comunidade do

Growroom, o saber surge tanto de interações diretas, quanto da interação indiretas

dos usuários. As interações diretas podem ocorrer através da troca de mensagens no

fórum, ou mesmo de encontros pessoais ou em outros espaços virtuais, marcados

através do fórum. Já as interações indiretas são os casos no qual um tema já foi

suficientemente explorado e o usuário apenas lê a interação de outros usuários sobre

um determinado assunto.

74

Page 75: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

Essa rede de sociabilidades, construída através das contribuições de muitos

indivíduos, possibilita que usuários de diversas partes do mundo compartilhem

experiências, informações e significados sobre diversos aspectos relacionados com a

maconha, seus usos, usuários e a forma como esse hábito é visto na sociedade. Talvez

de nenhuma outra forma um número tão grande de usuários poderia se manter em

contato direto.

Essa nova forma de sociabilidade precisa ser analisada à luz das contribuições

de Becker e outros autores sobre a importância do saber que circula na comunidade

de usuários para o processo de construção da cultura da droga. Percebi, a partir do

Growroom, as especificidades dessa nova forma de comunicação e a maneira como os

desdobramentos da virtualização48 das informações, e da própria experiência de

sociabilidade, dão uma dinâmica e configuração especificas a conceitos, práticas,

valores e saberes que circulam nessa comunidade de usuários de maconha.

Esse tipo de sociabilidade permite que um grande número de usuários esteja

em constante contato, mantendo uma rede de sociabilidade virtual, com a qual todos

eles interagem sem que os desdobramentos de tais contribuições se encerrem em

algum deles especificamente. Os textos escritos pelos usuários, em geral, também

contém links que levam a outros sítios da Internet, onde o usuário poderá ir buscar

maiores informações sobre as idéias e experiências que influenciaram a construção

daquele texto. Pode-se, assim, construir suas próprias idéias sobre aquele tema

debatido, a partir da sua relação com todo o emaranhado complexo de informações

disponibilizadas na Internet, para daí tornar sua própria experiência enriquecida por

esse acervo de informações. Tal forma de expor conteúdos cria uma teia de

informações abrindo inúmeras possibilidades para que cada tópico, texto ou link seja

analisado e interpretado de uma maneira especifica pelos diversos usuários do fórum,

possibilitando que as referências que cada um tenha sobre determinado assunto

possam ser compartilhadas de forma direta com outros.

Nas redes de usuários analisadas por Becker, por MacRae e Simões e outros

pesquisadores, a maior parte dos saberes que circulavam nas redes de usuários

provinham do acervo coletivo de informações, baseadas principalmente nas

48 Virtualização aqui é usado no sentido apresentado por Levy (1999). Virtualizar é não encerrar no objeto suas possibilidades, levando em consideração sempre as pressões e inferências externas ao objeto como determinantes do próprio objeto, ou seja, as informações virtualizadas em um fórum de discussões no ciberespaço nunca se encerram na sua leitura, sempre existem desdobramentos, hipertextos e interatividade constante, no sentido de garantir o eterno fazer-se das informações virtualizadas.

75

Page 76: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

experiências individuais dos membros dos diversos grupos que acessavam essa rede.

Na rede de usuários do Growroom, além das informações disponibilizadas pelas

experiências individuais de consumo, é possível ter acesso a uma grande quantidade

de publicações ,cientificas ou não, sobre o tema, bem como de sítios do Brasil e de

muitos outros países que tratam do mesmo assunto, ampliando, assim, a quantidade

e a qualidade de informações disponíveis para os usuários.

Dessa forma, podemos afirmar que a cultura da maconha que é compartilhada

pelos usuários do Growroom é, de certa forma, bastante distinta da descrita pelos

trabalhos citados, tanto em seus conteúdos, como na forma como ela se reproduz e

difunde. Nesse sentido, destaco que a compreensão da cultura da maconha na

comunidade Growroom é peça fundamental para ajudar a entender melhor a prática

do cultivo de maconha para consumo próprio na atualidade, quem são as pessoas que

estão exercendo tal atividade e de que maneira a estão realizando.

11.Cultivando maconha para consumo próprio

“A grande maioria dos cannabicultores são pessoas que se preocupam com a realidade ambiental que os cercam e, de forma equivocada ou não, estão dispostos a pensar um caminho melhor. Eles dizem que somos nós que financiamos o tráfico, pois bem, e eles? Criam o mercado de trabalho dos traficantes, geram mão-de-obra e, pior, ainda cobram caro por isso! Se nós financiamos o tráfico, já estamos tentando achar uma solução, venham construí-la junto conosco, ao invés de atrapalhar!” (Pintolico)

Nesta parte do trabalho, tentarei traçar um perfil do usuário de maconha que

planta para consumo próprio, com base na análise dos dados da etnografia realizada

na convivência no fórum, da amostra do Censo Cannábico relacionada com as

pessoas que afirmaram já terem cultivado, e dos questionários distribuídos por mim a

alguns usuários do Growroom.

Durante o segundo semestre de 2007, publiquei uma chamada no fórum

pedindo voluntários para participar da pesquisa preenchendo questionários abertos

(Anexo I). Recebi diversas mensagens solicitando participação, dentre as quais

selecionei 20 pessoas, seguindo alguns critérios. Para participar da pesquisa, o

76

Page 77: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

indivíduo deveria ter realizado ao menos um cultivo de ciclo completo, isto é,

semeado e cuidado de uma planta da germinação até sua colheita. O perfil desses

usuários é bastante variado, com idade mínima de 22 e máxima de 41 anos. Todos os

usuários que responderam a este questionário são homens, com profissões variadas,

incluindo estudantes, professores, empresários, um advogado e até mesmo um agente

da Polícia Rodoviária Federal.

Os dados referentes a amostra de pessoas que afirmaram já ter plantado no

questionário do Censo Cannábico foi de mais difícil análise, devido a falta de

ferramentas tecnológicas necessárias para trabalhar com o extenso banco de dados

que possuo49. O Censo Cannábico foi uma iniciativa de alguns moderadores do

Growroom que, constatando a existência de uma escassez de dados sobre os usuários

da Cannabis no Brasil, procuraram uma forma de trazer à tona informações até então

ignoradas e que pudessem ser úteis no debate sobre a planta e o seus usos. A intenção

era levantar informações que pudessem elucidar diversos aspectos mais gerais

relacionados ao uso da maconha e mais específicos dos perfis dos usuários e seus

hábitos de consumo.

Em novembro de 2003, em uma reunião online, alguns moderadores do

fórum, entre eles eu, conversaram sobre as possibilidades técnicas de realizar um

levantamento através da Internet, que pudesse alcançar um grande número de

usuários de maconha e produzir dados relevantes e inéditos sobre o tema. Acolhida

com entusiasmo, a idéia passou a ser desenvolvida pelo moderador de pseudônimo

Meriadoc, um programador de informática versado na linguagem mySQL50. Nessa

fase inicial do projeto a equipe de colaboradores era formada pelos moderadores

Alma Rastafari (autor deste trabalho), Ira (designer gráfico fundador do

Growroom), Luluds (técnica em programação mySQL e processamento de dados,

versada em SPSS51) e Meriadoc, que dialogaram entre si através de e-mails e

encontros virtuais52 para a troca de idéias e sugestões sobre qual seria a melhor forma

49 É preciso ser dito também que os dados do Censo não foram publicados até hoje porque o grupo que realizou o projeto se desfez e boa parte dos integrantes romperam relações entre si e nunca foi possível retomar uma equipe com tempo e qualificação necessária para realizar a análise e publicação dos resultados. Isso se deve principalmente a grande dificuldade em obter financiamentos para essa pesquisa, sobre Cannabis, que há anos vem sendo realizada.

50 MySQL é um tipo de programação específica para criação e gerenciamento de banco de dados.51 Software de tratamento estatístico para dados de análises sociais. SPSS – Statiscial Package for

Social Science.52 Os encontros virtuais se baseavam em softwares de comunicação instantânea como o MSN

messenger® e o YAHOO! messenger®, bem como através de mensagens trocadas através do fórum do Growroom.

77

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de confeccionar o questionário, quais perguntas inserir e de que forma recrutar

informantes interessados em respondê-las.

Após as primeiras semanas de debate, uma primeira versão do questionário já

estava confeccionada e foi decidido que mais três pessoas seriam convidadas a

participarem do projeto: Luchiano (técnico em programação mySQL e

processamento de dados que, à época, havia sido recém admitido como moderador

do fórum), e dois sobrinhos do Luchiano, que o auxiliavam na elaboração do banco

de dados. A importância da admissão do Luchiano, seus sobrinhos e da Luluds se

deveram à necessidade de pessoas que se dedicassem com afinco à tarefa de extração

dos dados da base em mySQL. Além disso, Luluds tinha experiência em trabalhar

com bancos de dados de pesquisas quantitativas. A linguagem mySQL funciona

baseada no sistema operacional Linux53 e, para que os dados produzidos ,utilizando-a

como ferramenta, pudessem ser tratados pelo SPSS ou por outros softwares de banco

de dados, como o Excel ou Acces, foi necessário converter os formatos originais. A

opção pelo uso da linguagem mySQL se fez pelo fato de que toda a plataforma do

fórum e do portal do Growroom estão baseadas no sistema operacional Linux e,

estando o Censo Cannábico hospedado na Internet através do Growroom, ele

precisaria estar programado em linguagem com a qual o Linux pudesse dialogar de

forma menos trabalhosa.

No início de janeiro de 2004, o questionário (Anexo II) foi considerado

concluído pela maior parte da equipe, e era composto por 79 questões, em cinco

grupos temáticos: Dados Pessoais, Dados Econômicos, Dados Sócio-culturais,

Hábitos de Consumo e Efeitos Colaterais e Danos. As perguntas 2 a 12, 14 a 16 e 22

cobrem algumas características socioeconômicas dos usuários e, apesar de terem

sofrido algumas adaptações, tiveram como base as pesquisas censitárias do IBGE54.

As perguntas 13, 21 a 24, 28 e 32 a 65 estão relacionadas diretamente aos hábitos de

consumo e abrangem uma quantidade ampla de aspectos, incluindo os usos religiosos

e medicinais, que foram abordados pela primeira vez em uma pesquisa do tipo, é

importante destacar.55 Detalhes sobre da cultura da maconha foram trabalhados nas

53 Sistema operacional baseado nos princípios do software livre, no qual os usuários não precisam pagar pela programação e podem ajudar comunidades de programadores a melhorar o sistema e os softwares a ele relacionados.

54 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – www.ibge.org.br.55 As perguntas sobre uso medicinal da cannábis, e algumas sobre os hábitos e práticas de consumo foram adaptadas ou inspiradas no Questionário para Registro dos Pacientes de Cannabis, iniciativa da Multidiciplinary Association for Psychedelic Studies (Associação Multidisciplinar para Estudo Psicodélicos – www.maps.org. O questionário é um anexo do livro HEMP – Uso Medicinal e

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perguntas sobre a iniciação ao uso, práticas e hábitos de consumo e aquisição56 e

sobre a experiência psicoativa com a planta. As perguntas 17 a 20, 25 a 27, 30 e 31

procuraram abordar as representações sociais sobre o uso, através das opiniões dos

usuários sobre o tráfico, sobre a legislação relacionada e sobre a estigmatização de

usuários. Essas perguntas atendem boa parte das demandas sociais contemporâneas

sobre o tema e foram desenvolvidas a partir dos referenciais e experiências do grupo

de colaboradores do Censo. Outro grupo de perguntas está relacionado aos efeitos

colaterais e danos, possíveis problemas de saúde, distúrbios sociais ou psicológicos e

dependência ao qual se confrontam alguns usuários da Cannabis. Esse grupo também

contempla perguntas relacionadas aos possíveis problemas ocorridos em decorrência

do status legal da planta e do seu uso.

Toda a estratégia de distribuição dos questionários representou um desafio

para conseguir levar a pesquisa ao maior número de usuários possível, ultrapassando

os limites impostos pela comunicação via Internet, sem comprometer a idoneidade da

amostra. A solução encontrada para iniciar a distribuição do questionário foi utilizar

banners57 no Portal Growroom, convidando usuários que frequentavam o fórum a

respondê-lo. Contudo, esse tipo de convite influenciaria para que boa parte dos que

respondessem pudessem ser formada apenas de freqüentadores do fórum.

Para minimizar esse viés da amostra, na própria página do Censo foi

disponibilizada a opção para que as pessoas que o respondessem pudessem divulgar

com facilidade a existência desse tipo de iniciativa para amigos e conhecidos usuários

de Cannabis, enviando convites para até 10 pessoas por vez. Dessa forma, cada

visitante do Censo que acionou a ferramenta de divulgação atuou como agente

distribuidor de questionários, contribuindo para ampliar os níveis de

heterogeneidade e aleatoriedade da amostra. Esse tipo de metodologia de coleta,

conhecida como bola de neve, dispensa o prévio estabelecimento do tamanho da

amostra, deixando-o à mercê do sucesso do esquema de distribuição dos

questionários.

Os 5.44358 questionários, respondidos de 05 de março a 01 de maio de 2004,

Nutricional da Maconha, do autor Chris Conrad.56 As perguntas sobre métodos e práticas de aquisição abordaram especialmente aspectos relacionados ao autocultivo de Cannabis, devido ao envolvimento do portal Growroom com tal movimento. É um movimento social que se expressa nos empreendimentos de usuários, ou grupos de usuários, que desenvolvem e compartilham técnicas de cultivo e preparo da planta, única e exclusivamente com o objetivo de consumi-la sem precisar comprá-la. 57 Banners são mídias eletrônicas utilizadas em páginas de Internet que consistem em imagens e textos animados expostos em um espaço de destaque.58 A amostra original era de 8.190 questionários respondidos. No entanto, foram adotadas algumas

79

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constituem uma amostra de proporções suficientemente seguras para servir de base

para pesquisas, análises e estudos. Mesmo garantida a margem de segurança da

amostra, o fato do questionário só ter sido respondido por pessoas que tinham acesso

à Internet é um fator que deve ser considerado em todas as etapas da pesquisa.

Qualquer projeção das análises em um universo maior de usuários requer uma

relativização dos dados e um cuidado constante para não invadir espaços alheios à

amostra.

O volume e a amplitude dos dados do Censo Cannábico são suficientes para

colher uma amostra expressiva de uma população específica de usuários de maconha

no Brasil e de diversos aspectos importantes relacionados aos seus hábitos. Porém, é

preciso tecer com cuidado qualquer tipo de consideração sustentada através deles.

Devido ao fato de sua divulgação e aplicação ter sido feita exclusivamente pela

Internet, os dados do Censo têm, logo de saída, um alcance restrito à população com

algum tipo de acesso à Rede.

Mesmo no Brasil, um dos líderes de acesso mundial e o maior da América

Latina, “só se pode constatar um número aproximativamente exato da abrangência

de utilização da Internet por meio de estimativas”. (German, 2000). A dificuldade

em precisar esse universo se revela mais claramente quando levamos em

consideração de que há múltiplas formas de acessar a Rede. Já em 1999, quando o

número de usuários era apenas 3,3 milhões de pessoas59, mais da metade dos acessos

era realizado em locais como trabalho, escola e estabelecimentos de acesso à internet,

revelando uma ampla profusão de modos de uso da Rede.

Dessa forma, ainda que os dados permitam uma certa aproximação com a

realidade de acesso à Internet, a profusão e a variedade de formas pela qual ele é feito

nos impedem de afirmar que apenas pessoas com computadores em casa tenham

respondido ao Censo. Mesmo que o fato de ser proprietário de um computador com

acesso à internet pudesse nos fazer considerar que as pessoas que responderam ao

Censo são de camadas social e economicamente privilegiadas, a variedade de modos

de acessar à Rede nos dá margem para afirmar que a amostra do Censo tenha em sua

formação uma ampla participação de pessoas das mais diversas camadas sociais e

econômicas.

Ainda que a recente popularização da Internet já tenha permitido que o Brasil

estratégias para evitar repetição de questionários enviados pela mesma pessoa, como os enviados com menos de 10 segundos de intervalo, ou que tivessem as respostas totalmente iguais ou ainda que tivessem sido enviados pelo mesmo IP (identidade individual de cada máquina na Internet). 59 Cf. www.ibope.com.br/digital/produtos/adpprc60.htm In; German, 2000.

80

Page 81: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

figure entre os países com maior acesso à Internet, os custos de acesso e de aquisição

de um computador e a obrigatoriedade de familiaridade com um conjunto de

conhecimentos técnicos para o controle da tecnologia utilizada, ainda são alguns dos

fatores que mantém a maioria dos brasileiros excluídas do universo digital. Ainda que

a Internet brasileira, hoje, seja acessível a parcelas cada vez maiores e mais amplas da

população do país, ela demanda dos seus usuários um certo engajamento na

sociedade de mercado informatizada, seja através do consumo direto ou do aluguel

do acesso à Internet, ou do vínculo com alguma instituição que permita esse acesso,

ou ainda do acesso à educação formal ou informal sobre tecnologias informacionais.

É importante destacar que a abrangência dos dados do Censo e o alcance de

quaisquer projeções que se possa fazer com seus dados estão limitados a essa

população específica de brasileiros que têm acesso a serviços de correio eletrônico60.

Nesse sentido, após ter descrito suficientemente as características das metodologias

que foram usadas na coleta dos dados utilizados na análise do perfil do usuário que

cultiva para consumo próprio, inclusive dedicando uma crítica aos aspectos positivos

e negativos, acredito que podemos nos debruçar sobre esses dados com a consciência

adequada a respeito das suas possibilidades e limitações.

Os dados do Censo que são usados nessa discussão foram selecionados da sub-

amostra de pessoas que responderam a alternativa sim à questão de número 54,

“Você planta?”61. Das 5.443 que responderam ao questionário, 609 afirmaram “Sim”,

correspondendo a pouco mais de 11%. A amostra de pessoas que responderam

positivamente à questão sobre cultivo acompanha outras pesquisas sobre o uso de

drogas, sendo predominantemente formada por pessoas do sexo masculino. Das 609,

534 são homens (87,68%), enquanto apenas 75 afirmaram ser do sexo feminino

(12,22%).

É interessante notar que a segmentação por faixa etária segue proporções

semelhantes na amostra do sexo masculino e feminino em quase todas as questões.

Essa proporção é constante em quase todos os dados relativos tanto às pessoas que

plantam como às pessoas que não plantam. A seguir exponho alguns gráficos

60 O Censo foi respondido apenas por pessoas que o acessaram através do banner no Growroom, ou que receberem um convite enviado por amigo através de correspondência eletrônica.

61 É importante destacar que aqui há uma distinção importante com relação à amostra de cultivadores selecionada no Growroom para entrevistas semi-estruturadas. Enquanto o critério para esta última era o de ter realizado ao menos uma colheita, a pergunta do Censo Cannábico dá margem para que pessoas que tenham apenas semeado algumas sementes em qualquer oportunidade sejam incluídas na amostra. Dessa forma, o universo onde foram coletados os dados do Censo deve ser tomado com bastante cuidado, entendido inclusive como mais abrangente do que o de onde foi retirado a amostra mais restrita.

81

Page 82: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

ilustrando os dados a respeito do perfil das pessoas que responderam “sim” à

pergunta “você planta?”, do questionário do Censo Cannábico.

Faixa etária

É possível notar que nos dois grupos o maior número de cultivadores é

encontrada entre os jovens de 16 a 30 anos, grupo que entre os homens chega a 90%

e entre as mulheres 96%.

Cor e/ou identificação racial

82

Homens Mulheres

0

50

100

150

200

250

2% 1%

22%

23%

41%

49%

27%

24%6%3%2%

0%

10 a 15 anos16 a 20 anos21 a 25 anos26 a 30 anos31 a 40 anosmais de 40 anos

Page 83: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

Os dados referentes à cor/identificação62 racial revelam uma predominância de

branco(a)s. Notamos que houve um maior número de pessoas que optou pela

categoria afro-descendentes ao invés de negro. Os dados referentes talvez não sirvam

para analisar o uso de maconha, mas podem demonstrar uma desigualdade social

com relação ao acesso à internet e, por isso, também ao acesso à cultura do cultivo

para consumo próprio, difundida principalmente através da WEB.

Com relação à ocupação das pessoas que plantam para consumo próprio é

bastante difícil expressar os dados em uma tabela, já que se tratam de dezenas de

categorias. É suficiente dizer que para todas as categorias disponíveis, entre as quais

cito como exemplo, policiais, atletas profissionais, médicos, psicólogos, professores,

políticos, pilotos de avião e designer, houve no mínimo 1 pessoa que respondeu

exercê-las como profissão. A categoria mais expressiva é a de estudantes, que fica em

quase 27%, coerente com a faixa etária da maioria dos cultivadores, 16 a 30 anos.

A maior parte dos usuários tem nível superior completo, ou está cursando a

graduação ou pós-graduação, somando 82% da amostra. A renda dos usuários

também sinaliza uma boa inserção no mercado de circulação de bens e serviços, já

que mais da metade deles, 62%, possui renda pessoal superior a 500 reais por mês63.

Em relação aos hábitos de cultivo metade dos usuários afirmou utilizar

62 As categorias contempladas no questionário foram fruto de um trabalho coletivo.63 Existem diversos outros dados referentes ao Censo, mas que não seriam interessantes de serem

explorados neste trabalho, e mereceriam muitas críticas antes de serem utilizados de forma honesta.

83

Homens Mulheres

0

50

100

150

200

250

300

350

400

45077%

75%14%

15%4%4%2% 3%1% 0%1% 1%1% 1%0% 1%

Branco(a)Mestiço(a)Outro(a)Afro-descendenteNegro(a)OrientalAlbino(a)Índia

Page 84: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

sementes recolhidas de fumos comprados para consumo e apenas 28% afirmou

comprar sementes de seed banks64. Apesar do clima brasileiro possibilitar o cultivo de

maconha sem a necessidade do uso de lâmpadas e ambientes indoor, a maior parte

dos usuários, 55%, realiza o cultivo utilizando esse método. Pouco menos de 5% dos

usuários utilizam técnicas hidropônicas de cultivo. Esse fato se deve principalmente à

necessidade de ocultar a prática de vizinhos, amigos ou familiares que poderiam se

escandalizar com o fato ou até mesmo realizar uma denúncia formal à polícia.

Sobre esse dado, é interessante analisar algumas das respostas dos usuários do

Growroom, obtidas através dos qustionários, a respeito dos motivos que os levariam a

optar pelo cultivo indoor. Todos os cultivadores que optaram pelo cultivo indoor são

taxativos ao afirmarem que não preferem esse tipo de cultivo, só optando por ele por

segurança:

“Olha, eu não prefiro não. O que acontece é que no atual estado das coisas, a gente tem que viver dando um jeitinho nas coisas, entende? E o indoor é uma coisa escondida, que tem as vantagens de te permitir controlar o crescimento da planta, manter plantas-mãe eternamente vegetando... mas preferir, eu prefiro o Sol, o que acontece é que temos que usar tudo a nosso favor e em favor da causa. Eu também já plantei usando lâmpadas uma época e depois usando só o Sol... agora eu uso o melhor de cada mundo!” (Cabelo)

“Prefiro indoor porque o risco de alguma pessoa descobrir sua horta é menor. Os muros da minha casa são baixos, mas se eu morasse em um local apropriado com certeza utilizaria a energia do Deus Sol.” (Txapuan)

As falas de Cabelo e Txapuan ilustram bem a posição dos cultivadores a

respeito da real necessidade do uso de ambientes de cultivo indoor. Para eles, como

para a maioria dos usuários, o que determina a opção pelo indoor são as

possibilidades de controlar o ciclo de vida da planta e a segurança do cultivo. Dessa

forma, seriam características relacionadas com as leis sobre o cultivo e com o

significado desta prática na sociedade em geral que influenciariam para que os

usuários optassem pelo uso do indoor. Ou seja, motivos semelhantes aos que fizeram

64 Os seed banks são estabelecimentos regulamentados em países onde plantar maconha para produção de sementes é uma atividade legal. Apesar desses estabelecimentos não venderem diretamente para o Brasil, existem atualmente centenas de sites que fazem a mediação entre os seed banks e os clientes em países como o Brasil.

84

Page 85: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

as técnicas indoor se desenvolverem e adquirirem legitimidade nos EUA: a Guerra às

Drogas, que mantém atualmente as condições para que esse tipo de iniciativa esteja

se proliferando em diversos países.

Entre os usuários que responderam ao Censo, o hábito de cultivar maconha é

algo recente para a maioria, 61%, respondeu realizar a atividade há menos de 1 ano na

época. A forma como os usuários têm adquirido os conhecimentos necessários para o

cultivo revelam algumas particularidades dessa cultura e reforçam alguns dados

encontrados na observação na comunidade Growroom.

As diferenças entre os dados a respeito dos hábitos dos homens e mulheres

seguiram uma proporção bastante semelhante, não sendo relevante separar as

informações, que foram apresentadas acima de modo geral. No entanto, os dados

sobre as fontes de informação sobre o cultivo apontam reflexões que merecem

destacar novamente essas diferenças. Em minha observação no Growroom, constatei

que é bem reduzido o número de mulheres no fórum e a participação na sessão de

cultivo é quase nula, sendo, inclusive, motivo de comemoração por parte dos

usuários, quando ocorrem.

Durante o período em que selecionei usuários para participar da pesquisa

apenas uma cultivadora entrou em contato. Após a troca de algumas mensagens

tentando esclarecer-lhe sobre a segurança e o anonimato na participação da pesquisa,

me apresentando e explicando as intenções do levantamento, ela desistiu e parou de

me responder sem dar qualquer explicação. Seja por receio maior de se expor, ou pela

falta de acesso à informações sobre a existência do fórum, de fato a menor

quantidade de mulheres é um dado comum desde a sua fundação, ainda que nos

últimos dois anos tenha aumentado muito a participação feminina no fórum.

Fontes de Informação sobre Cultivo

85

Page 86: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

É interessante notar nesses dados que, no caso dos homens, a grande maioria

busca informações na Internet, opção de 69% dos cultivadores. Já entre as mulheres

a fonte de informação preferida sãos os amigos, em seguida a Internet e,

aparentemente, as mulheres também lêem mais livros sobre o tema do que os

homens. Essa preferência feminina por obter informações através dos amigos

também pode sinalizar que é o contato com outros cultivadores no seu círculo de

amizade que as têm estimulado a plantar. Tanto os resultados do Censo como o

resultado das entrevistas realizadas apontam o Growroom como o principal espaço de

aprendizado sobre o tema. Nas palavras de alguns entrevistados:

“O Growroom sempre foi minha principal fonte de informação sobre cultivo, notícias, leis e ativismo, além de ser um instrumento de integração entre eu e meus amigos growers que adquiri no site. Ampliei incrivelmente meus horizontes. Além dos conhecimentos sobre botânica, adquiri noções de marcenaria, elétrica, luminotécnica, dentre outras”. (Tito)

“Tenho ótima relação com o Growroom. Lá aprendi, ensinei e tento ajudar outros cidadãos interessados em fugir do tráfico. Para mim o Growroom representa um poderoso mecanismo de apoio às pessoas que, como eu, querem fumar seu beck sem ter que recorrer ao crime, afinal de contas, também somos honestos e odiamos ter que conviver com o estigma de contribuir com a violência. Ele é a chave que nos traz a informação que precisamos para poder fumar sem precisar sujar as mãos de sangue comprando do crime organizado. Ele é um exemplo de como nós, maconheiros, somos pessoas organizados, sociáveis e mentalmente saudavéis”.

86

Homens Mulheres

0

50

100

150

200

250

300

350

40069%

30%

18%

51%10%

16%3% 3%

InternetAmigosLivrosRevistas

Page 87: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

(Cabelo).

Esses depoimentos nos permitem entender de que maneira a prática do cultivo

para consumo próprio e o acesso a informações sobre o tema, bem como a outros

usuários, têm tido um impacto positivo na vida dos indivíduos. Para muitos usuários,

a convivência no Growroom tem proporcionado transformações não apenas no tipo e

na qualidade da maconha consumida, mas na relação estabelecida com o uso e com a

planta. Algumas falas a respeito da atual relação dos usuários com a maconha podem

ajudar a ilustrar essas reflexões:

“Minha relação com as plantas é muito boa. Eu adoro cuidar das minhas 'filhas' e, até hoje, todo dia, eu faço alguma coisa no meu grow65, é uma verdadeira terapia. Tanto o fato de cuidar das plantas, como o de bolar as estufas, planejar a iluminação, ventilação, etc.” (Nem me viu)

“Hoje eu a utilizo como um instrumento para me conhecer e conhecer a Deus. Essa é minha relação atual com a erva, como uma planta sagrada, mestra, criada por Deus para fazermos uso consagrado, não atrapalhado, que se vem praticando para uso de ego e dinheiro... Por isso ela é proibida, querem fazer dinheiro mantendo ela proibida... Ela é minha mãezinha santa que nunca fez mal mas é crucificada todos os dias... essa é minha relação com ela, pra mim é sagrado, é a minha Santa Maria, minha mãe, é a luz da minha vida, enfim, é a cura para humanidade... É quem me dá o meu valor... Pra eu ser quem sou, do jeito que escolhi ser...” (Cabelo)

Em minha análise, pude perceber que uma das principais preocupações a

respeito da cultura do cultivo para uso pessoal se refere ao risco dos usuários se

tornarem pequenos traficantes. Apenas um dos usuários entrevistados afirmou já ter

vendido sua produção, justificando ter utilizado o dinheiro para cobrir parte dos

custos com energia elétrica. Porém, muitos deles, ao contrário, afirmam que evitam

até mesmo doar aos amigos, devido à grande dificuldade em se produzir o fumo.

Todos eles demonstraram valorizar muito a produção doméstica, reservando-a

apenas ao consumo pessoal, e no máximo compartilhando com amigos mais

65 Nome dado à estufa onde se cultiva maconha Do inglês, Grow – crescer, cultivar; Room – sala, ambiente; Growroom – Sala para o cultivo. Dessa expressão vem o nome do fórum, Growroom – Espaço para crescer.

87

Page 88: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

próximos. A fala do usuário Nem me viu ilustra bastante esse fato, ainda sendo

representativo da mudança de significado sobre o uso, proporcionado pela cultura do

cultivo:

“Já doei algumas poucas vezes, e fumei também com alguns conhecidos. Não faço mais isso, pois não me agrada a ideia de ver o resultado do meu trabalho banalizado, fumado sem propósito, apenas para ficar doidão, como faz a esmagadora maioria dos maconheiros, sem a consciência do trabalho que deu criá-la, desde a germinação até a colheita e a secagem, a cura, acho que isso tudo tem um propósito, não acho que fico doidão quando eu fumo, alcanço um estado de consciência que me permite enxergar o mundo sob outro prisma”. (Nem me viu)

O tema do comércio com os frutos da colheita doméstica é bastante

controverso no fórum e, desde a abertura do Growroom, tem sido encarado das mais

variadas formas. Atualmente é possível notar que, como em outros países, a figura do

cidadão que cultiva e vende maconha, sem se envolver com outros crimes, tem

sofrido uma sensível modificação na forma como é entendida no fórum. Não faz parte

do objeto de estudo deste trabalho, mas vale a pena apenas destacar que o cultivador

que tem vendido seu excedente tem sido cada vez menos considerado criminoso e

mais entendido como uma figura necessária num contexto de injustiça forçada. Num

contexto de extrema violência urbana relacionada com o comércio de maconha

oriunda do crime organizado, muitos usuários têm preferido comprar colheitas

excedentes de amigos à alimentarem esquemas violentos e corruptos, abrindo a

possibilidade de novas configurações no atual mercado ilícito de drogas. Esse tema

merece ser explorado numa oportunidade mais adequada, na qual seus diversos

pontos polêmicos possam ser analisados e debatidos com maior propriedade.

Dos 20 usuários entrevistados através dos questionários, apenas 4 (20%),

haviam conseguido obter o sustento total do seu consumo através do cultivo. Quando

questionados sobre o motivo que os impedia de obter a independência, todos os

usuários atribuíam como principal causador dessa situação o fato de não poderem

cultivar muitos pés, sob risco de serem interpretados como traficantes caso

decidissem cultivar mais plantas. Nesse sentido, é importante destacar que não há

como atribuir à uma determinada conduta de cultivo uma interpretação como sendo

destinada ao comércio não-autorizado sem qualquer indício de intenção de

88

Page 89: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

comercializar. Esse receio de ter uma quantidade maior de espécimes de maconha

tem feito com que a maioria dos usuários cultivadores não obtenham uma autonomia

com relação ao seu abastecimento. Dessa forma, o fumo produzido por cultivo

doméstico é um produto escasso bastante valorizado pelos cultivadores, raramente é

doado ou mesmo compartilhado e quase nunca é vendido.

É importante destacar também que a grande maioria dos usuários afirmaram

estarem dispostos a se adequar aos limites legais de uma eventual regulamentação

para uso pessoal. Apenas dois deles (10%) afirmaram que só se adequariam caso os

limites estivessem de acordo com as suas necessidades pessoais. Todos eles foram

enfáticos ao afirmarem ser bastante difícil obter auto-suficiência com poucos pés de

maconha. Ao serem questionados sobre qual deveria ser o número máximo de

plantas por pessoa, nenhum deles conseguiu responder de forma definitiva à questão

e as respostas oscilaram entre 3 e 40 espécimes. É importante destacar que nem

todos concordaram com a utilização de quantidades máximas para uso pessoal e

todos enfatizaram a necessidade de se levar em conta principalmente as técnicas e as

condições de cultivo para se avaliar a real produtividade de um empreendimento do

gênero.

Devido à variedade de respostas, ficou claro que o único critério possível de ser

adotado é o das evidências de comércio para a caracterização de tráfico. É até possível

estabelecer um teto máximo de plantas por usuário, mas sabendo que qualquer limite

fixo não dará conta de todos os padrões de uso, nem das condições de cultivo de todos

os cidadãos. Nesse sentido, de fato, a melhor maneira de construir uma

regulamentação seria não estabelecer limites de número de plantas para uso pessoal,

sendo necessária apenas autorização prévia, mediante fiscalização de Agência de

Estado.

No atual contexto, em que se mantém a Lei 11.343 sem alteração, prevendo

punições aos crimes de semear, cultivar ou preparar maconha para consumo pessoal,

é recomendado que se siga a orientação constitucional de presunção da inocência. Ou

seja, até que haja julgamento, o cidadão acusado deverá ser presumido inocente, a

não ser em casos de flagrante delito. Nos casos em que haja dúvida a respeito de se o

cultivo destinava-se ao comércio ou não, é importante levar em consideração a real

ameaça que representa à sociedade uma pessoa que apenas cultive maconha. Em

casos onde não há flagrante, a não ser que hajam provas, resultantes de investigação

autorizada judicialmente, nenhum cidadão deveria ser presumido culpado. Em outras

89

Page 90: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

palavras, sem provas ou flagrante de venda, nenhuma quantidade de pés de maconha

deveria ser considerada suficiente para iniciar um processo por tráfico contra

nenhum cidadão brasileiro.

Antes de iniciar as considerações finais, acho importante destacar ainda, um

dado do Censo que nos ajuda a refletir sobre o grau de mudança na relação com o

consumo de maconha, proporcionado pelo engajamento na cultura do cultivo para

consumo próprio. Já vimos como o engajamento na cultura do cultivo para consumo

próprio demanda um envolvimento e a aquisição de uma série de saberes específicos,

mais amplos do que os descritos nas pesquisas de Becker, MacRae e Simões e outros.

Dentre essas especificidades, seria interessante discutir até que ponto há de fato

transformações no significado atribuído ao uso de maconha e temas afins.

Enquanto, entre na amostra de pessoas que responderam ao Censo e que não

plantam, somente 10% afirmaram participar de algum movimento pela legalização da

planta, entre a amostra dos que cultivam esse número sobe para 32%. Isso me faz

crer que o envolvimento com outros aspectos relacionados com a cultura da planta

amplie a percepção do usuário tanto do seu papel enquanto consumidor, quanto do

seu papel de cidadão.

Esse fato se revela ainda mais interessante quando o relacionamos com o fato

de que todos os cultivadores entrevistados por mim afirmaram saber que a Lei

brasileira sobre drogas tinha mudado e quase a totalidade, 85%, afirmou já ter lido a

Lei. Esse dado revela um grau de politização e reflexividade a respeito da sua própria

conduta não encontrado nos usuários de maconha e outras drogas de um modo geral.

Mesmo havendo poucas discussões e pesquisas a esse respeito, é possível afirmar que

o Growroom e outros espaços de sociabilidade para usuários de drogas têm servido

como espaços de politização do debate público sobre o tema.

A esse respeito é interessante citar algumas das falas dos usuários, quando

questionados sobre se gostariam de deixar alguma mensagem para as autoridades

que eventualmente fossem ler este trabalho. Esse depoimentos demonstram

engajamento no debate a respeito das questões políticas do tema, reforçando os

indícios de que o compartilhamento do espaço no fórum facilita a politização dos

cidadãos usuários de maconha que frequentam o Growroom:

“Diria que, antes de condenar quem cultiva pequenas quantidades, seria interessante que fosse feita uma reflexão baseada em três questionamentos: Essa pessoa

90

Page 91: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

está prejudicando alguém com seu cultivo? Essa pessoa está prejudicando a si própria? Está prejudicando ou destruindo o meio ambiente e a natureza? Caso as três respostas sejam negativas, ou apenas a segunda seja positiva, que deixem as pessoas em paz e que vão fazer o trabalho que se espera dos repressores que é proibir e prender os verdadeiros criminosos que são os responsáveis pela roubalheira e corrupção absurda que assolam este país!” (Nem me viu).

“Eu diria a eles o que na verdade eles já sabem. O cultivo para consumo próprio descaracteriza qualquer argumento que associe o consumo de maconha ao crime. Não existem vitimas, pois não é proveniente do tráfico de drogas, considerado atualmente o maior problema do país, mas que só existe por causa da proibição, que financia toda a máquina criminosa do país. Enquanto os governantes de todo o país ignorarem soluções simples como a Gaiola de Faraday (para acabar com os celulares em presídios) e a legalização, ao menos do cultivo para consumo pessoal e dos clubes coletivos, nosso país vai continuar seguindo o caminho do colapso que tem seguido nas últimas décadas” (Tito).

Diversos outros temas de discussão e objetos de estudo poderiam ser

analisados através dos dados do Censo, da Observação Participante e das entrevistas

realizadas com cultivadores. Espero ainda publicar esses resultados e as discussões

afins em diversas outras oportunidades e seguir com as pesquisas sobre esse tema,

com o intuito de explorar melhor e mais profundamente essa tão ampla e

pouquíssima explorada área de estudo.

12.Sobre o mito da “maconha transgênica” e outras

considerações finais

“Sou empresário e pago meus impostos em dia há 10 anos. Tenho automóvel há mais de 15 anos e nenhum histórico de acidente, muito menos que envolvesse o uso de drogas lícitas ou ilícitas. Gostaria que as autoridades enxergassem os usuários de maconha, não como criminosos, mas como eles são. Me considero um cidadão comum, que não faria mal algum a outro indivíduo ou ao Estado e não como um criminoso” (Oversize)

Não poderia finalizar este trabalho, sem me debruçar sobre um dos maiores

mitos formados a partir do ressurgimento da cultura do cultivo de maconha. Em

91

Page 92: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

muitos países do mundo essa discussão já foi ou está sendo travada e estudada por

pesquisadores, mas, no Brasil, entretanto, essa questão tem sido debatida apenas pela

imprensa, ou por poucos parlamentares, em geral de forma pouco informada66.

Diversas notícias têm criado alarde sobre os perigos do Skunk67, da maconha

hidropônica ou da “maconha transgênica”68, baseadas principalmente em situações

de apreensão no qual plantas estavam sendo cultivadas por usuários para consumo

próprio, em geral quando esses utilizam técnicas indoor ou sementes de seed banks.

Esse processo de estigmatização sobre as práticas de cultivo não-comercial é

fundamentado na desinformação a respeito das características botânicas da planta e

nas características culturais das comunidades que realizam esse tipo de prática.

Um dos principais mitos relacionados com esse tipo de cultura é a acusação de

que tais técnicas de cultivo e os novos híbridos da planta possibilitariam plantas com

maiores quantidades de resina e princípios ativos, incorrendo em maiores riscos e

danos à saúde dos usuários. De fato, a produção de resina e inflorescências depende,

como vimos, dos cuidados do cultivador e das técnicas empregadas. Porém, alguns

pesquisadores afirmam que qualquer linhagem de maconha, quando bem cuidada,

poderá produzir muitas flores e grandes quantidades de resina. No entanto, isso não

significa dizer que, por isso, as plantas sejam geneticamente modificadas, muito

menos que os usuários estejam consumindo maconha de forma mais arriscada ou

perigosa.

O citado ressurgimento da cultura de cultivo de maconha é um movimento

relativamente recente na história da humanidade e ainda mais recente na história da

evolução dessa espécie vegetal. Seria muita pretensão acreditar que os cultivadores

contemporâneos, em menos de 50 anos de relação com o vegetal, tenham conseguido

desenvolver técnicas de cultivo assim tão inovadoras e revolucionárias. Como vimos

66 Sobre esse tema é curioso a afirmação do Senador Demóstenes Torres na ocasião em que a Lei 11.343 estava sendo discutida no Senado, durante o debate sobre o artigo que classificava o cultivo para consumo próprio como conduta de usuário. Ele afirmou que para produzir um cigarro de maconha eram necessários de 2 a 3 pés da planta, demonstrando ou um total desconhecimento a respeito do tema ou uma postura completamente negligente com a realidade.

67 Apesar de atualmente existirem centenas de variedades híbridas vendidas no mercado legal de sementes e registradas comercialmente, no senso comum, o nome Skunk, apenas uma dessas muitas variedades, é utilizado como sinônimo de maconha cultivada com sementes selecionadas vendidas em banco de sementes internacionais.

68 Tanto veículos de imprensa quando a população em geral têm usado erroneamente o termo transgênico para se referir às variedades hibridas. Transgênicos são espécies desenvolvidas com alguns genes de outras espécies e o processo é realizado através de modificações em laboratórios de genética. Os híbridos da maconha são desenvolvidos mediante seleção manual de espécimes e o cruzamento entre as diferentes linhagens é realizado utilizando técnicas semelhantes às utilizadas há milhares de anos: coleta manual de pólem das plantas macho que deverá ser levado às plantas fêmeas.

92

Page 93: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

em outros momentos deste trabalho, tudo o que eles fizeram foi resgatar, registrar,

difundir e adaptar dentro das condições específicas do regime proibicionista em cada

localidade, uma ampla variedade de saberes que já estavam por aí difundidos.

Além disso, o mercado legalizado de variedades da planta tem investido muito

mais em propriedades como aroma, sabor, proporção dos canabinóis69, cores e

formatos das inflorescências, do que somente na busca de maiores quantidades de

flores ou resina70. Dessa forma, tem procurado ampliar a possibilidade da cultura

canábica desenvolver-se de forma semelhante à cultura do consumo de vinho, cerveja

ou café, por exemplo.

Quando fazemos considerações comparando a maconha produzida por um

cultivo doméstico, com o fumo apreendido em operações policias, precisamos fazer

ponderações importantes, afim de assegurar um mínimo de equidade. A maconha é

um produto bastante frágil, que perde a maior parte das suas propriedades quando

armazenado, transportado ou manuseado em condições inadequadas. A resina

psicoativa, que atualmente lhe dá valor no mercado ilícito de drogas, se apresenta na

planta apenas nas inflorescências dos espécimes fêmeas, na forma de pequenas gotas

de óleo, que facilmente se desprendem.

Essa resina se desprende tão facilmente da planta que, durante uma colheita

doméstica, somente com a resina que cai na manipulação da planta no processo de

manicuração71, é possível obter pequena quantidade de haxixe. O próprio método

tradicional de extração da resina para manufaturação de haxixe é feito colocando a

planta sobre um tecido de seda esticado, cobrindo a planta com uma lona e batendo

com varas por cima, para que a resina passe pela seda e se acumule em um recipiente.

Isso significa que todo tipo de manipulação das flores após a colheita, até mesmo as

realizadas com bastante cuidado, ocasionam perda de resina. Não há pesquisas sobre

o grau de perda da resina no processo de produção, armazenamento, transporte e

distribuição de maconha sob regimes proibicionistas. Além disso, todas as pesquisas

69 Até o momento, são conhecidos cerca 70 princípios ativos produzidos especificamente por plantas Cannabis, conhecidos como canabinóis, dos quais 9 são psicoativos. Atualmente sabemos que não só a quantidade de princípios ativos, mas sua configuração, ou seja, a proporção de cada um deles também é um importante fator para determinar os efeitos da planta nos usuários.

70 A produção de resina não é um fator atrelado à produção de princípios ativos numa planta. Apesar dos canabinóis estarem presentes na resina, isso não significa que todas as variedades produzam a mesma proporção de canabinóis por grama de resina. Isso significa dizer que, na prática, uma planta menos resinosa pode até mesmo ser mais psicoativa do que uma outra que produza mais resina.

71 Após colher as plantas é preciso cortar todas as folhas grandes e as folhas anexas às flores, deixando o mínimo de matéria vegetal que não seja inflorescências. À esse processo os cultivadores denominam manicuração.

93

Page 94: Colhendo  Kylobytes    O  Growroom E A Cultura Do Cultivo De Maconha No  Brasil

realizadas para medir o nível de resina e princípios ativos são feitas com amostras de

maconha apreendidas bem depois de terem sido colhidas, o que faz com que tenham

boa parte da sua resina já deteriorada ou perdida.

Flor de cannabis cultivada para consumo pessoal72.

Dessa forma, não pode-se afirmar que a maconha cultivada atualmente é mais

forte que a cultivada no período pré-proibicionismo, a não ser que se façam estudos

comparando as características das híbridas de seed banks com land races brasileiras.

Com base nos conhecimentos botânicos sobre a planta e sua resina, pode-se apenas

especular que o produto vendido ao consumidor final na maioria dos

empreendimentos atuais que comercializam maconha sem autorização perde boa

parte da sua resina antes de ser consumida pelo usuário. Isso se deve não só aos

rústicos processos de colheita, armazenamento, transporte e distribuição, que têm

que seguir a lógica da priorização da quantidade, mas também ao fato dos pólos

consumidores se encontrarem a longas distâncias dos locais de cultivo. Nesse

contexto, grande parte da maconha vendida no Brasil está em estado de deterioração 72 É interessante notar que, segundo o usuário Serth, que gentilmente nos cedeu esta foto, essa planta

foi cultivada utilizando sementes comuns, recolhidas de fumo comprado na região nordeste do país. Nota-se que, ao contrário do fumo comumente vendido, a flor ainda preserva a resina cobrindo-a e lhe dando o brilho peculiar.

94

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avançado, muitas vezes contaminada com fungos e bactérias nocivas. Portanto,

quaisquer comparações entre os níveis de resina e princípios ativos da produção

doméstica e os da produção comercial não-autorizada merecem bastante ressalva, já

que as diferenças não estão na qualidade da maconha produzida numa e noutra

situação, mas no estado do produto e na quantidade de resina que chega até o

consumidor final.

É verdade que, ao cultivar para consumo próprio, os usuários podem obter

fumo fresco, recém colhido e livre de fungos e outros fatores deteriorantes, mantendo

boa parte da resina produzida pela planta. Porém, isso não significa que estejam

consumindo maiores quantidades de resina ou princípios ativos. Nesse sentido,

precisamos admitir que existe uma diferença entre quantidade de resina e de

princípios ativos contidos na maconha colhida e preparada pelos próprios usuários e

pela maconha apreendida pela polícia. Mas, nesse caso, a maconha cultivada não é

mais potente e por isso mais perigosa e arriscada. É a maconha vendida nas ruas que

está mais deteriorada, por ser armazenada, transportada e manuseada em condições

inadequadas, e com isso, aumentando os riscos à saúde dos usuários.

Uma leitura patologizante da cultura da maconha tende a afirmar que os

usuários buscam um fumo mais potente e, quando o encontram, isso não significa

uma diminuição nas dosagens. Em outras palavras, dentro dessa tese, se um usuário

de maconha consome por mês 100 gramas contendo 1% de princípios ativos e passa a

plantar, obtendo uma maconha com uma proporção maior de princípios ativos, ele

consumiria a mesma quantidade, apenas mantendo-se sob efeitos mais intensos.

O relatório da ONU sobre drogas de 2006 dedica um capítulo especial ao tema

chamado de re-enginnering of cannabis (UNODC, 2006). Porém, apesar de tecer

comentários alarmistas sobre a potência da maconha produzida atualmente, o

relatório afirma que, antes da utilização dessa técnica, grande parte do que era

comercializado como maconha era, na verdade, composta de folhas, galhos, sementes

e outras partes da planta não aproveitadas pelos usuários. O relatório alerta que,

apesar dos esforços em reprimir o comércio não-autorizado, a partir da década de

1970, os produtores passaram a optar por vender quantidade menores que tivessem

melhor qualidade e, com isso, pudessem obter maior lucro por grama da erva.

Isso significa que no início do proibicionismo grande parte da erva disponível

para consumo era de péssima qualidade e continha muitas partes não-psicoativas da

planta. Com o surgimento, a partir da década de 1970, do que o relatório chamou de

95

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redescoberta da marijuana sinsemilla e a retomada de técnicas de cultivo e

adaptação dessas técnicas aos ambientes indoor, os comerciantes não-autorizados

passaram a oferecer maconha de boa qualidade para os usuários. Tendo acesso à

maconha em condições de preservação que mantenham boas quantidades de resina

nas flores, os usuários, em geral, consomem quantidades de material vegetal menor.

Ou seja, para obter os mesmos efeitos, inalam menos fumaça.

Assim, quando tem acesso apenas à maconha com pouca resina, os usuários

tendem a inalar maiores quantidade de fumaça para obter o efeito desejado. O

próprio relatório da ONU, ao traçar comparações entre os hábitos de consumo de

usuários de diferentes países, traz dados que ilustram bem essa afirmação:

Adaptado da tabela disponível no Relatório da ONU de 2006, página 1977374.

É claro que diversos outros fatores de ordem cultural, social, política,

econômica, dentre outras, determinam as quantidades de maconha utilizadas em

cada país, tanto quanto a quantidade de princípios ativos disponíveis por grama de

maconha. No entanto, esses dados nos ajudam a refletir sobre a necessidade de

relativizar a noção de que maior acesso à maconha de melhor qualidade signifique

necessariamente um maior consumo do vegetal ou de seus princípios ativos, ou

mesmo maiores danos à saúde.

Os danos ocasionados pelos padrões de consumo geralmente estão ligados à

utilização de métodos de ingestão que usam a fumaça da planta como veículo

condutor dos princípios ativos (CORRIGALL et al, 1999; MACRAE, 2006). A ingestão

de qualquer conteúdo inalando a fumaça da sua queima provoca irritação e danos nos

órgãos e tecidos dos aparelhos digestivos e respiratórios, que podem levar ao

desenvolvimento de feridas e, até mesmo, ao câncer. Usada na forma de cigarros,

além da fumaça em alta temperatura, a Cannabis libera substâncias tóxicas, como o

monóxido de carbono, que podem apresentar o mesmo potencial de risco que as

73 Países em que há cultura de adicionar tabaco nos cigarros confeccionados com maconha (baseados). Um país estar na tabela marcado como sim, não significa que não hajam pessoas que fumem maconha sem adicionar tabaco, apenas que este é a forma mais predominante de consumo de maconha. 74 A técnica sinsemilla, como falamos anteriormente faz com que a maconha produza mais resina do que quando o espécime é polinizado e passa a dedicar sua energia à produção da semente. Como no caso da prática de adicionar tabaco, o uso da técnica sinsemilla é expressa aqui como sendo a de maior predominância ou não no país citado, o que não exclui a existência de exceções à regra.

96

País Gramas de maconha em 1 baseado Adiciona tabaco?* Sinsemilla** Baseados feitos com 1 gramaHolanda 0,1g – 0,25g Sim Sim 4 – 10

Reino Unido 0,15g – 0,33g Sim Sim 3 – 7Canadá 0,2g – 0,33g Às vezes Sim 3 – 5

EUA 0,4g – 0,5g Não Não 2Jamaica 2g – 3g Não Não 0,5 – 0,33

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liberadas pela queima do tabaco e outras plantas.

Quando o consumo é feito em locais reservados, os indivíduos muitas vezes

procuram evitar fumar pontas de cigarros ou utilizam técnicas para resfriar a fumaça

(cachimbos, piteiras, cachimbos d’água, bongs, etc.) ou se alimentam com preparados

à base da erva, buscando métodos para eliminar os riscos da inalação de fumaça em

alta temperatura (LOPES-MALCHER; RIBEIRO, 2007, p. 91). Desde a década de

1990, também estão disponíveis no mercado aparelhos que aquecem as

inflorescências a uma temperatura que varia entre 150Cº e 250Cº, o suficiente para

transformar em vapor toda a água e grande parte da resina contida na matéria

vegetal, sem necessidade de provocar a queima. Estas tecnologias reduzem ao

máximo os riscos do ato de inalar a resina, com uma perda mínima dos princípios

ativos contidos na matéria vegetal. Tais mecanismos diminuem muito os riscos do

consumo dos compostos ativos da Cannabis. (GIERGINGER et al, 2004).

O uso das propriedades psicoativas da planta também é contra-indicado no

caso de pessoas com propensão a problemas psiquiátricos, embora haja mais

controvérsias do que confirmações sobre as possibilidades da maconha provocar

danos ao cérebro ou à psique. Alguns autores afirmam que o número de dependentes

da planta e ou de usuários crônicos é bastante variável e os principais riscos à saúde

estariam ligados a esses padrões de consumo. Para outros:

A maconha é a droga ilícita mais consumida no mundo e é a primeira da lista em um grande número de países. Ainda assim, não há descrito sequer um único caso de morte por ‘overdose’ da droga. Constata-se que mesmo a maconha sendo consumida por muitos milhões de pessoas, é extremamente pequeno o número dos que estão em tratamento ou dele precisam por problemas de saúde física ou mental verdadeiramente induzidos pela droga. A maconha é uma droga pouco tóxica e sem grande poder de levar pessoas à dependência ou a prejuízos físicos e mentais graves. Na realidade, apesar de séculos de uso, somente nas últimas 2 ou 3 décadas algumas correntes passaram a pregoar poder indutor de dependência à maconha. (ABRAMD, 2006, p. 6).

Pelas razões expostas, fica claro porque alguns autores têm sugerido que os

principais danos decorrentes do consumo da planta seriam causados pela forma

como a sociedade lida com a produção, a distribuição e o consumo dos seus derivados

(WENDY et al, 2000; MAUER; KING, 2006; GOLUB et al., 2006). Em meio a tantas

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controvérsias a respeito do potencial danoso do consumo da Cannabis, a única

certeza é que os mercados de derivados da planta, quando tornados ilícitos, têm

assumido configurações muitas vezes violentas e quase sempre relacionadas com

outros crimes, causando mais problemas na vida dos indivíduos consumidores e da

comunidade da qual fazem parte do que os que poderiam ser causados pelas

propriedades farmacológicas da planta.

Quando a produção, distribuição e consumo de uma determinada droga

tornam-se legalmente atividades criminosas e condutas altamente repreendidas,

variáveis não inerentes às propriedades específicas da substância são inseridas dentro

dos contextos de consumo. O contato com ambientes violentos, a repressão policial e

produtos em condições inadequadas seriam algumas das principais conseqüências

diretas da adoção de políticas públicas focadas na repressão às condutas relacionadas

com o consumo pessoal (KARAM, 2003; MACRAE, 2000).

Se, por um lado, as políticas proibicionistas atuam introduzindo fatores

geradores de danos sobre um determinado mercado consumidor, por outro, sua

eficácia, enquanto estratégia para prevenção e diminuição do consumo de drogas, é

bastante questionável. Um estudo conduzido na Austrália entrevistou pessoas entre

18 e 29 anos e concluiu que proibição e repressão não são os únicos fatores que atuam

desestimulando o consumo de Cannabis e que as decisões dos indivíduos são

tomadas levando em consideração muitos outros aspectos.

Quase a metade dos entrevistados (47%) respondeu que nunca havia usado a

planta (47%) porque nunca haviam pensado sobre o assunto, enquanto 41%

afirmaram nunca ter fumado por preocupações com a saúde. Dentre os que já haviam

experimentado, mas não seguiram com o hábito, 52% afirmaram não o fazer por não

ter gostado da experiência com a planta. Dos que nunca experimentaram a erva,

apenas 29% afirmou ter sido a proibição a principal motivação para não ter usado

(WEATHERBURN; JONES, 2001, p. 5).

De fato, estudos anteriores realizados nos EUA já apontavam a ineficácia das

políticas proibicionistas e a sua posição desconfortável com relação ao custo-

benefício, quando comparadas com políticas mais voltadas para a redução de dano e

prevenção. Um artigo publicado por Saffer & Chaloupka, em 1998, afirma que a

persuasão à redução do consumo e a prevenção são estratégias eficientes, mas que

medidas de restrição à liberdade eram pouco produtivas, chegando a custar quatro

vezes mais do que as medidas preventivas.

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O estudo conduzido na Austrália, permite reflexões sobre a ineficácia das

políticas baseadas no sistema criminal com relação à promoção da diminuição do

consumo de derivados de Cannabis e à prevenção ao seu uso inadequado. Outros

estudos têm apontado dados ainda mais relevantes não apenas sobre os custos de tais

políticas, mas sobre suas consequências, indicando serem tais políticas as principais

responsáveis por danos à sociedade bastante específicos, como: criação de condições

para o surgimento de um mercado criminoso das substâncias; desrespeito às

liberdades individuais e direitos civis; uso ineficiente dos recursos humanos e

materiais dos setores judiciais e policiais; dentre outros (LENTON et al., 1999a,

1999b, 2000; HALL, 2000).

Além de não coibirem o uso, as intervenções desse tipo não têm grandes

resultados na diminuição da oferta e na elevação dos preços. Diversos autores têm

apontado para o fato de que, ainda que as intervenções de repressão ao comércio

ocasionem uma elevação do preço temporária em uma determinada região, esse

crescimento tem um limite e o mercado rapidamente se estabiliza novamente

(DESIMONE, 1998; SHEPARD; BLACKLEY, 2005; OURS; WILLIAMS, 2005).

No Brasil, não existem pesquisas semelhantes que possam nos ajudar a refletir

mais detalhadamente sobre os custos e os impactos da proibição na vida dos

consumidores e da sociedade. Porém, alguns levantamentos realizados entre 1997 e

2003 apontaram para o fato de que, nas regiões onde há cultivos de larga-escala de

Cannabis e em centros urbanos onde há distribuição da droga, ocorre o

desenvolvimento de relações sociais violentas e outros crimes, principalmente devido

ao enfrentamento com outros grupos concorrentes no mercado de produção e

distribuição não-autorizado e à necessidade de auto-regulamentação dos conflitos

entre esses grupos (IULIANELLI, 2000; GUANABARA et al., 2004; RIBEIRO,

2006). Esse fenômeno vem ocorrendo desde a década de 1970, período em que se

intensificaram as operações de erradicação e repressão ao cultivo da planta no Norte

e Nordeste do país.

Estudos mais recentes acrescentam que, além de todos esses problemas, esses

contextos de produção também estariam submetendo jovens e adultos camponeses

engajados em pequenos e médios empreendimentos de cultivo comercial a condições

subumanas de trabalho (MOREIRA, 2004; LIMA et al., 2005; IULIANELLI et al.,

2006). O sociólogo Paulo César Morais sugere que, ao focar a atenção na proibição e

repressão ao uso, tais políticas geralmente não atingem os objetivos de constranger o

99

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comércio não-autorizado e o consumo, gerando o que ele chama de efeito perverso.

Isso se deve, principalmente, ao fato de se basearem em “interpretações equivocadas

sobre o comportamento de usuários, sobre a relação entre usuários e traficantes, e

entre traficantes e pequenos varejistas; em suma, sobre o mercado de drogas”

(2005, p. 1).

O consumo de drogas deve ser visto como um fenômeno de massa bastante

complexo, que, para ser analisado com vistas ao estabelecimento de medidas de

intervenção, requer que sejam levados em consideração dois fatores básicos: 1) uma

lei só pode ser eficaz quando é respeitada e considerada justa; e 2) o consumo de

drogas é um fenômeno que ocorre das maneiras mais variadas possíveis, dentro de

episódios esparsos na história de vida de milhões de pessoas diferentes. Tendo isso

em vista, a amplitude de tais comportamentos e a óbvia dificuldade em torná-los

ilícitos, é possível entender os motivos para a pouca efetividades das leis sobre drogas

que se baseiam na proibição do porte, aquisição e cultivo para consumo pessoal.

Fenômeno de massa, o consumo de drogas acontece geralmente em ambiente

privado, ou em ambientes públicos tolerantes onde o uso é feito de maneira que possa

ser ocultado ou dissimulado, ocorrendo com uma periodicidade variável e em

companhia de pessoas diferentes. Em tais circunstâncias, um ato privado praticado

por milhões de pessoas, que já se acostumaram a desenvolver técnicas para garantir a

segurança da prática e ocultá-la de pessoas indesejáveis, torna-se praticamente

impossível de ser controlado por autoridades policiais. Como outros comportamentos

de âmbito privado, o controle e a formação de regras e sanções sobre o consumo de

drogas sempre esteve a cargo dos grupos e comunidades nas quais o consumo era

empreendido e só no período recente da história da humanidade isso foi alterado. A

persuasão e o convencimento sempre foram as principais maneiras de atuar na

promoção de padrões e modos seguros de consumo de quaisquer substâncias

psicoativas.

Intervenções que visem diminuir os problemas em decorrência do consumo de

Cannabis e da configuração do seu mercado precisam levar em conta os múltiplos

fatores que se inter-relacionam na formação do mercado consumidor e adotar

estratégias que atinjam esse mercado de maneira mais ampla. Admitir a

heterogeneidade e fluidez das estruturas de produção e distribuição dessa planta e de

seus derivados pode ser uma primeira medida nesse sentido. A criação de leis mais

adequadas e embasadas nessa realidade e o treinamento das autoridades policiais

100

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para o enfrentamento de situações concretas de forma a estarem amparadas em

informações reais sobre esse cenário são essenciais, se quisermos criar políticas que

promovam de fato a saúde das pessoas que fazem uso de drogas e o bem-estar da

sociedade em geral.

O uso controlado de drogas, muito mais do que pela polícia ou pela lei, é

fundamentalmente regulado pela forma como as sanções e rituais sociais são

socialmente apreendidos pelos usuários, ou seja, pela cultura da droga e a

comunidade que lhe dá sentido. Tal aprendizado depende diretamente da

disponibilidade e da qualidade das informações sobre a substância, os efeitos, os

usuários, seus hábitos, sobre a própria cultura da droga e todos os temas

relacionados.

Atualmente vivemos um tempo em que as opiniões sobre o tema são, muitas

vezes, cercadas de maniqueísmos estéreis e a escassez de informações isentas de

parcialidade se faz predominante. Ter na Internet possibilidades para que grupos de

usuários possam ter acesso a formas de sociabilidade dinâmicas e abertas, na qual

informações de todos os tipos de fontes e experiências estejam disponíveis é, de certa

forma, tranquilizador. Me faz ter esperança que, de uma forma ou de outra, a cultura

da droga sobrevive reproduzida pelos milhões de usuários e dando-lhes amparo, num

contexto no qual só encontram exclusão social, política e legal do Estado.

Ainda que o uso da Cannabis possa causar alguns danos, em uma sociedade na

qual informações sobre maneiras seguras de consumir a planta circulassem

abertamente, certamente esses danos seriam menores e mais facilmente

equacionados. As principais formas de diminuir os problemas decorrentes do uso, no

atual contexto, seriam políticas que garantissem o acesso a informações seguras e

diversificadas sobre o tema, capacitando as pessoas que usem maconha a

estabelecerem uma relação menos prejudicial de consumo.

Assim, as melhores estratégias de redução de danos são aquelas que alteram

de forma persuasiva os métodos de consumo utilizados, dialogando de maneira

franca com os usuários. Para isso, seriam necessários espaços de convivência,

promoção de debates, seminários, palestras e, até mesmo, a utilização de fóruns de

discussão.

Fica claro que, em meio às discussões e divergências sobre modelos

preventivos e de regulamentação a serem adotados, a preocupação de todos os atores

envolvidos nesses debates é com a saúde e o bem-estar dos cidadãos brasileiros que

101

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fazem ou não uso de derivados da maconha. Admitindo isso, devemos também

entender que a persistência em defender a proibição e a manutenção do foco da

repressão nas práticas de porte e plantio para consumo próprio é realizada em um

contexto de desconhecimento do histórico de políticas públicas sobre o tema, dos

seus resultados e de suas consequências, bem como no vácuo de pesquisas sobre os

reais riscos à saúde provocados pela planta. No entanto, ao observarmos o atual

cenário, no qual a atuação pública sobre o tema é hegemonicamente proibicionista,

vemos que os resultados das medidas adotadas, supostamente visando à proteção da

saúde dos usuários e a segurança e o bem-estar dos cidadãos, estão longe de alcançar

os objetivos que se propõem.

Assim, acredito ser uma agressão aos fundamentos constitucionais brasileiros,

que atualmente um adulto que cultive, prepare e armazene uma quantidade de

maconha para seu uso pessoal ou compartilhamento entre amigos seja considerado

um criminoso. A despeito de se deve ou não ser legalizada a maconha e outras drogas

e de como deveria ser uma eventual produção regulamentada, é inadmissível que

adultos não possam optar sobre o tipo de vegetais que irão cultivar para seu próprio

uso. Como afirmei acima, não se trata de negar riscos e danos do uso de maconha,

mas de admitir que desde a proibição da planta no território nacional a cultura do seu

uso não foi exterminada, como prevista pelos proibicionistas, ao contrário, persiste e

tem se adaptado.

Ao admitirmos isso, ampliamos a compreensão sobre o uso da maconha e

podemos entender que a Guerra à Maconha e outras drogas não é só um esforço de

promoção da extinção de uma espécie vegetal, o que já seria um absurdo, mas o

extermínio sistemático das culturas de utilização de algumas plantas selecionadas

para serem mantidas na ilicitude. Nesse sentido, a Guerra às Drogas seria, na

verdade, uma guerra etnocida, que visa o encarceramento de pessoas que fazem parte

de culturas onde o consumo de drogas é compreendido de forma diversa do que prega

a legislação atualmente em vigor (HENMAN, op. Cit.).

Com este trabalho espero ter podido trazer alguns dados e informações

importantes sobre a cultura do cultivo não-comercial de maconha, desejando, com

isso, auxiliar na tarefa de promover reflexões críticas a respeito do atual status social

e político-legal desse hábito. Assim, talvez possamos produzir reflexões a respeito da

realidade brasileira e das possibilidades de transformá-la através de processos que,

verdadeiramente, melhorem a qualidade de vida das pessoas, sejam elas

102

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consumidoras ou não de Cannabis e derivados, reduzindo os custos da administração

pública e da violência associados ao mercado criminalizado.

Desejo, com esta pesquisa, ter conseguido realizar a função de tradutor

cultural a que me propus, facilitando a compreensão da comunidade de antropólogos

e outros cientistas sobre os usuários de maconha, mas também possibilitando que

usuários de maconha tenham acesso a informações e dados que lhes ajudem na luta

pela garantia dos seus direitos. Só assim, num contexto de garantias de Direitos

Constitucionais e acesso real e igualitário à esses direitos poderemos realmente

diminuir os danos e riscos do consumo de qualquer droga.

Por fim, quero registrar algumas recomendações que, em minha opinião,

poderiam ajudar a acelerar a implantação desse tipo de política na realidade

brasileira:

1. Promoção de debates, palestras e outras iniciativas de cunho informativo sobre a nova lei n. 11.343, o histórico de Leis brasileiras e internacionais, a interpretação oficial da UNODC sobre as Convenções da ONU e sobre as possibilidades da regulamentação do cultivo não-comercial de Cannabis, destinados a todas as pessoas ligadas ao SISNAD e outros cidadãos interessados no tema;

2. Dar seguimento ao envio da petição pela retirada da Cannabis sativa da Cédula IV, da Convenção de 1961, em reconhecimento dos erros históricos cometidos pela delegação brasileira, em 1924, conforme o processo iniciado em 2004 pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD). (CARLINI et. al., 2004);

3. Estabelecimento de parcerias com os governos dos países que têm adotado uma interpretação mais flexível das Convenções da ONU, promovendo o intercâmbio de experiências, dados e informações a respeito de políticas e leis sobre drogas;

4. Estabelecimento de parcerias com instituições de pesquisas, nesses países, para a promoção de estudos comparativos sobre a viabilidade da aplicação dessas políticas, no Brasil;

5. Fomento e incentivo para realização de pesquisas que tenham como objetivo analisar a implantação da Lei nº 11.343 e seus impactos na sociedade, assim como o funcionamento dos diferentes setores do SISNAD;

6. incentivo a grupos de pessoas e instituições para criação de espaços de convivência, mesmo que em ambiente on-line, para compartilhamento de experiências e informações, sempre atentando para a criação de espaços de diálogo entre as pessoas que usam Cannabis ou outras drogas e o Sistema Único de Saúde (SUS);

7. promoção de estudo sob coordenação do Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) sobre as possibilidades de implantação de modelos de regulamentação da posse, aquisição e cultivo para consumo próprio, a exemplo

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do Office of Medicinal Cannabis75, na Holanda, dos Medical Clubs nos EUA76

ou dos Cannabis Social Clubs77;8. fortalecimento do diálogo com os grupos, comunidades, associações e outros

coletivos de pessoas que usam Cannabis e outras drogas, buscando entender as demandas e as necessidades específicas dessas populações.

75 Para saber mais sobre a Office of Medicinal Cannabis, na Holanda, visite: www.cannabisoffice.nl.76 Sobre as experiências de regulamentação do uso medicinal da Cannabis nos EUA, ver: GERBER, 2004, p. 121-34; GIERINGER, 2003).77 O Cannabis Social Clubs é um modelo de regulamentação criado pela Coligação Européia por Políticas de Drogas Justas e Eficazes (ENCOD), colocado em prática, atualmente, por Organizações Não-governamentais (ONG’s), na Espanha, Bélgica e Suíça, e foi apresentado oficialmente como proposta de redução de danos, durante a 4ª Conferência Latina de Redução de Riscos relacionados ao Consumo de Drogas (CLAT), em 2007. A proposta se baseia na formação de associações de consumidores que teriam como princípios: 1) não ter fins comerciais nem buscar obtenção de lucro; 2) só aceitar como associados pessoas maiores de 18 anos; 3) não fazer qualquer tipo de publicidade; 4) notificar constantemente a quantidade de plantas cultivadas, e de flores colhidas e distribuídas; 5) não realizar qualquer tipo de comércio ou de distribuição gratuita a pessoas não associadas; e 6) manter um constante diálogo com os órgãos de Saúde Pública. Para saber mais sobre a proposta, visite o endereço: www.encod.org/info/test.

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113

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ANEXO I

Questionário das entrevistas com usuários do Growroom

“Prezado Usuário,

Você está sendo convidado a fazer parte de um levantamento a respeito das pessoas que consomem Cannabis sativa, e que também a cultivam. Se aceitar, deverá responder ao questionário abaixo, elaborado para coletar alguns dados a respeito das pessoas que plantam Cannabis sativa para consumo próprio.

As informações que você me fornecer serão usadas de uma forma que não prejudique ou identifique as pessoas que colaborarem com a pesquisa. O sigilo e o anonimato das pessoas que participam deste tipo de pesquisa é assegurado pelas diretrizes impostas pelo Código de Ética da Associação Brasileira de Antropologia. Ou seja, ao assumir realizar uma pesquisa de cunho antropológico, para resultar na produção de uma monografia de graduação em antropologia, estou me comprometendo em seguir todas as normas e regulamentações próprias do fazer antropológico, o que inclui a preservação das fontes, especialmente em casos em que algumas informações possam prejudicar a comunidade estudada, como é o caso desse trabalho. Não se preocupe quanto ao sigilo com relação às informações que for me enviar, asseguro que são de uso exclusivo para análise científica e os dados publicados não identificarão nenhum dos entrevistados, nem direta nem indiretamente.

O Código de Ética da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), pode ser consultado no site da instituição www.abant.org.br

O questionário pode ser respondido livremente, ou seja, não se limite a dizer sim ou não, aproveite o espaço para explicitar tudo que deseja com relação ao tema. Todo o conteúdo sobre você e seu histórico de vida relacionado com o tema que tiver interesse de revelar é importante para meu trabalho. (NÃO TENHA PRESSA PARA RESPONDER, FAÇA NO SEU TEMPO).

Acredito que talvez seja interessante me enviar ele respondido em um arquivo de Word anexado, para o endereço de emaiL: [email protected] a não ser que prefira por aqui. Aguardo notícias. Qualquer dúvida pode entrar em contato no mesmo endereço, ou via Mensagem Privada no fórum.

• IDADE?

• COR / ETNIA / RAÇA?

• SEXUALIDADE?

• QUAL SUA OCUPAÇÃO NO MOMENTO, INDEPENDETEMENTE DE SE

114

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LHE TRAZ RENDA OU NÃO?

• RENDA MENSAL? COMO ELA É ADIQUIRIDA?

• É CASADO, SOLTEIRO, ETC...?

• COMO É SUA RESIDÊNCIA E COM QUEM A DIVIDE?

• O QUE VOCÊ COSTUMA FAZER PRA SE DIVERTIR?

• COM QUANTOS ANOS VOCÊ FICOU BÊBADO PELA PRIMEIRA VEZ?

• COMO FOI SUA RELAÇÃO COM AS BEBIDAS ALCÓOLICAS NO INÍCIO?

• COMO É ATUALMENTE SUA RELAÇÃO COM AS BEBIDAS ALCÓOLICAS?

• QUANTOS ANOS TINHA QUANDO FUMOU O 1º BASEADO?

• COMO FOI SUA RELAÇÃO COM A MACONHA NO INÍCIO?

• COMO É ATUALMENTE SUA RELAÇÃO COM A MACONHA?

• VOCÊ JÁ EXPERIMENTOU OUTRAS DROGAS? QUAIS?

• ATUALMENTE, COMO É SUA RELAÇÃO COM OUTRAS DROGAS?

• COM QUANTOS ANOS VOCÊ PLANTOU MACONHA PELA PRIMEIRA VEZ?

• VOCÊ JÁ CONHECIA O GROWROOM?

• COMO ERA SUA RELAÇÃO COM O GROWROOM NO INÍCIO?

• COMO É SUA RELAÇÃO COM O GROWROOM ATUALMENTE?

• O QUE REPRESENTA O GROWROOM PARA VOCÊ?

• COMO FOI SUA RELAÇÃO COM O PLANTIO DE MACONHA NO ÍNICIO?

• E ATUALMENTE COMO É?

• PORQUE VOCÊ PLANTA MACONHA?

• VOCÊ PLANTA USANDO O SOL OU USANDO LÂMPADAS?

• SE VOCÊ PLANTA USANDO LÂMPADAS, PORQUE PREFERE O CULTIVO INDOOR?

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• SE VOCÊ PLANTA COM LÂMPADAS, COMO É O SEU “GROWROOM”?

• SE VOCÊ PLANTA COM O SOL, QUAIS SÃO AS CONDIÇÕES DO LUGAR (QUANTIDADE DE LUZ, SE É GUERRILHA OU DOMÉSTICO, ETC)?

• QUE TIPO DE SEMENTES VOCÊ CULTIVA?

• QUAIS TÉCNICAS DE CULTIVO VOCÊ COSTUMA UTILIZAR?

• VOCÊ UTILIZA FERTILIZANTES? DE QUE TIPO?

• QUAL É ATUALMENTE SUA MAIOR FONTE DE INFORMAÇÕES SOBRE O TEMA?

• VOCÊ ESTARIA DISPOSTO A ADEQUAR SUAS PRÁTICAS DE CULTIVO E CONSUMO A UMA LEGISLAÇÃO QUE PREVESSE O CULTIVO DE UMA QUANTIDADE LIMITADA PARA CONSUMO PRÓPRIO?

• QUAL VOCÊ ACHA QUE SERIAM OS LIMITES DE UM CULTIVO PARA CONSUMO PRÓPRIO?

• COMO VOCÊ ACHA QUE DEVERIA SER A LEIS QUE REGULAMENTAM A POSSE E O CULTIVO DE MACONHA?

• VOCÊ SABE QUE A LEI BRASILEIRA SOBRE DROGAS MUDOU?

• VOCÊ JÁ LEU A LEI 11.343?

• O QUE VOCÊ ACHOU/ENTENDEU DESSA NOVA LEI?

• VOCÊ ATUALMENTE COLHE O SUFICIENTE PARA TODO SEU CONSUMO?

• SE NÃO, COMO CONSEGUE O RESTANTE?

• VOCÊ COSTUMA DOAR ALGUMA QUANTIDADE DA COLHEITA A AMIGOS E CONHECIDOS?

• VOCÊ JÁ VENDEU ALGUMA VEZ ALGUMA QUANTIDADE DA COLHEITA? PORQUE? FOI PARA UM AMIGO, CONHECIDO PRÓXIMO, CONHECIDO DISTANTE OU PARA UM ESTRANHO?

• O QUE VOCÊ GOSTARIA DE DIZER PARA AS AUTORIDADES

BRASILEIRAS SOBRE O CULTIVO PARA CONSUMO PRÓPRIO?”

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ANEXO II

Questionário do Censo Cannábico

1. E-mail (opcional)

2. Cidade onde mora

3. Estado

4. Faixa etária10 a 1516 a 2021 a 2525 a 3031 a 40mais de 40

5. SexoMasculinoFeminino

6. Cor e/ou identificação étnicaNegroBrancoMestiçoAfro-descendenteOrientalAlbinoIndígenaOutro

7. ReligiãoAfro-brasileiraBudismoIslamismoCristianismoRastafarianismoAgnósticoAteuHinduísmoSemitismoNenhumaOutra

8. Opção SexualHeterossexualHomossexualBissexual

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9. Ocupação

10. Renda pessoal (em R$)até 500500 a 800800 a 1.5001.500 a 2.5002.500 a 4.0004.000 a 7.0007.000 a 12.000mais de 12.000

11. Renda familiaraté 500 500 a 800800 a 1.5001.500 a 2.5002.500 a 4.0004.000 a 7.0007.000 a 12.000mais de 12.000

12. Você contribui na renda da família?SimNão

13. Quanto você gasta por mês em maconha? (em R$)Nada ou quase nadaaté 10entre 11 e 20entre 21 e 30entre 31 e 50entre 50 e 100mais de 100

14. Número de pessoas na família, residentes no mesmo lar1 a 34 a 67 a 1010 a 15mais de 15

15. Escolaridade1 grauGinásio incompletoGinásio com incompleto2 grau incompleto2 grau completoSuperior incompletoSuperior completoPós-graduação

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16. Grau de escolaridade do chefe da família1 grauGinásio incompletoGinásio com incompleto2 grau incompleto2 grau completoSuperior incompletoSuperior completoPós-graduação

17. Qual a sua posição quanto às leis relacionadas a drogas psicoativas?A favor da legalização total de todas as drogasSó as mais leves (Cannabis, p. ex.)Descriminalização e permissão de plantio/produçãoPunir apenas o tráfico, usuário não é criminosoLiberar o consumo em locais específicos

18. Você acredita que usar drogas ilegais contribui com o tráfico (mercado negro), aumenta a violência e faz mal à sociedade como um todo?

SimNão

19. Você costuma se sentir culpado acreditando que pode estar financiando a violência?

SimNão

20. Você considera hipócrita o fato de cigarro e cerveja serem drogas liberadas para consumo, enquanto a maconha é proibida?

SimNão

21. Você associa o consumo à alguma religião e/ou prática religiosa?SimNão

22. A qual religião e/ou prática religiosa você associa seu consumo? (selecione até três opções)

CristianismoBudismoEspiritismoHinduísmoIslamismoPráticas MísticasReligiões Afro-brasileirasSeitas daimistasOutras

23. Você utiliza Cannabis medicinalmente?Sim

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Não

24. Em caso afirmativo, qual tipo de uso? (selecione até três opções)AnalgésicoEstimulador de apetiteTópicoPsicológico

25. Você participa de algum movimento pró-legalização?SimNão

26. Que tipo de movimento? (selecione até três opções)Lista de discussõesFóruns de discussõesEntidades partidáriasOrganizações não-governamentais

27. Já sofreu algum tipo de descriminação?SimNão

28. O que você mais gosta de fazer quando está sob efeito da droga? (selecione três opções)

matar a larica (comer)transar (fazer sexo)zoar com a galeraandar de carroescutar um somtocar um instrumento musicalcinematrabalharbeberpraticar esportes coletivospraticar esportes individuaisshows e espetáculosler relaxar e não fazer nada

29. Quais estilos de música você prefere? (selecione três opções)RockPop-rockRock progressivoReggaeSoul/R&BJazz/BluesClássicoLatinaHip-Hop/RapAxéPagode Pop

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Samba/Pagode “raiz”Heavy-metal e afinsMúsica internacional (indiana, celta, russa, etc.)TechnoTranceHouseDrum and bassMPB/Bossa NovaPop

30. Você estuda o assunto (Cannabis e a relação do homem com ela)?SimNão

31. O que você estuda sobre o assunto? (selecione até três opções)Uso medicinalLegislaçãoCultivoDependência, tratamento e/ou Redução de danosPsicologia do usoHistóriaAspectos sócio-antropológicosTráfico e violênciaTodos

32. Quanto você fuma em média?Algumas vezes por anouma ou outra vez por mêsalguns fins de semanatodo fim de semanamais de três vezes por semanatodo dia 2 a 3 baseados por dia mais de 3 baseados por dia

33. Quantas gramas consome por mês?Entre 1 e 10Entre 11 e 30Entre 30 e 5051 e 100100 e 150150 e 200mais de 200quase nada (menos de 1 g)

34. Em geral você fuma mais...sozinhoacompanhadomeio a meio

35. Quanto você gasta por mês com equipamentos (sedas, cachimbos, pipes, bongs,

121

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etc.)?Menos de R$ 3,00De R$ 3,00 a R$ 7,00De R$ 7,00 a R4 15,00De R$ 15,00 a R$ 30,00De R$ 30,00 a R$ 50,00Acima de R$ 50,00

36. Como você mais costuma consumir?Alimentos (Cannabis culinária)Baseado (cigarro)BongCachimbo ou maricaChillumNarguilléTinturas, chás, bebidas à base de CannabisVaporizadorOutro

37. Se você costuma optar por consumir em baseados, que tipo de papel prefere para fazê-los?

Papel de ArrozPapel de Cânhamo IndustrialPapel de sedaPapel de guardanapo de lanchonete

38. Já comeu maconha?SimNão

39. Com que frequência você come?RaramenteOcasionalmenteFrequentemente

40. Em quais locais prefere fumar? (selecione duas opções)Em casaNa praiaEm bares e boatesNo campoShows e espetáculosNo carroNa Faculdade/EscolaNo trabalho

41. Você consome por motivo de tratamento médico?SimNão

42. Quantas pessoas conhece que são usuários ativos?Entre 1 e 5

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Entre 6 e 10Entre 11 e 20Entre 21 e 30Mais de 30

43. Começou a fumar com quantos anos?Entre 10 e 15Entre 16 e 19Entre 20 e 25Mais de 25

44. Seus pais fumam ou fumaram maconha?SimNão

45. Já fumou com seus pais?SimNão

46. Seus pais sabem que você consome?SimNão

47. Que tipo de maconha consome com mais frequência?SoltoPrensadoHaxixe“Skunk”

48. Você usa outras drogas regularmente?SimNão

49. Quais outras drogas costuma usar regularmente? (selecione até três opções)ÁlcoolAlucinógenos (cogumelo, LSD, etc.)AnfetaminasCalmantes e XaropesCocaínaCrackNarcóticos (morfina, heroína, ópio)TabacoTranquilizantes e SoníferosOutras plantas psicoativas

50. Você costuma associar o uso de Cannabis à outras drogas (álcool, anfetaminas, etc.)?

SimNão

51. Alguém te aplicou (te induziu ou convenceu a fumar) ou você decidiu sozinho?

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SozinhoFui aplicado (a)

52. É fácil conseguir maconha?SimNão

53. Como você consegue sua maconha? (selecione até quatro opções)PlantandoDoações de amigos e conhecidosCompro de alguém que conheceCompro direto do traficante

54. Você planta?SimNão

55. Planta o que?Genética comum (semente de fumo comum)Genética qualificada (sementes de seed bank)AmbosNada

56. Planta em que ambiente?Indoor (interior)Outdoor (exterior)

57. Qual meio de cultura usa na plantação?TerraHidroponiaCôcoOutros

58. Quanto tem investido em seu cultivo?Até R$ 50,00Até R$ 200,00Até R$ 500,00mais de R$ 500,00mais de R$ 1.000,00

59. Há quanto tempo cultiva?A pouco tempo mais de 1 anode 2 a 5 anosmais de 5 anos

60. Onde aprende sobre cultivo?LivrosWebAmigosRevistas

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61. Planta apenas para o consumo próprio?SimNão

62. Com quem fumou o primeiro baseado?Amigo(a)Namorado(a)Irmã(o)/Primo(a)Pai/Mãe/Tio(a)CônjugeColega de trabalho

63. Aonde foi?Na Escola/Faculdade Na praiaNo campoNa nigthShow ou estáculoFestaNo trabalho Na casa de amigos ou parentes

64. Que tipos de efeitos ou reações prefere? (selecione duas opções)Viajar/filosofarMorgar/relaxarEstímulo/empolgaçãoAlucinações visuais e auditivas

65. Você acredita que fumar aumenta sua libido (tesão)?SimNãoÁs vezesRaramente

66. Você acredita que a maconha te levou a usar outras drogas?SimNão

67. Já teve algum problema de saúde causado pelo uso da maconha?SimNão

68. Se respondeu “Sim” na pergunta acima, quais? (selecione até três opções)Respiração ofeganteTosseDor de gargantaArdência nos olhosConfusão mental Perda de memóriaDificuldade de concentração

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69. Já se sentiu prejudicado em sua vida profissional/ acadêmica devido ao consumo da erva?

SimNão

70. Você percebe que passa dos limites...Na maioria das vezesÁs vezesPoucas vezesQuase nuncaNunca

71. Você já se sentiu dependente?SimNão

72. Você consegue se controlar com facilidade?SimNão

73. Você já pensou em parar de consumir Cannabis?SimNão

74. Você já tentou parar de fumar?SimNão

75. Quantas vezes já tentou parar de usar maconha?Uma vezDe 2 a 5 vezesMais de 5 vezes

76. Você já “rodou” (foi pego em flagrante pela polícia)?SimNão

77. Mais de uma vez?SimNão

78. Na ocasião, ocorreu suborno aos oficiais?SimNão

79. Já assinou o 12 ou o 16?Só o 12Só o 16Os doisNenhum

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O que é isso?

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