2º Seminário de Relações Internacionais – Graduação e Pós-Graduação
28 e 29 de agosto de 2014. João Pessoa
A Atuação do Conselho de Segurança das Nações Unidas face aos Desafios
Sistêmicos do pós-Guerra Fria e à Concertação Política dos BRICS
Governança e Instituições Internacionais - GI
COMO OS EUA DESTRUÍRAM A PAZ MUNDIAL NO SÉCULO XXI
Luiz Fernando Castelo Branco Rebello Horta – Universidade de Brasília
Resumo
Em 2001, John Ikenberry descreveu o sistema de criação das instituições pós 2a
Guerra Mundial como uma escolha racional dos EUA em trocar seu poder imediato após
1945 pela construção de uma "ordem institucional estável" cujo papel americano seria não
só preponderante mas também teria caráter durador. Assim, estaria consolidada uma
"ordem hegemônica internacional" composta essencialmente pelo Sistema de Bretton-
Woods e pelo Sistema ONU. Nesse processo os acordos para formação do Conselho de
Segurança da ONU levariam à consolidação de "cinco grandes" sobre os quais recairia tanto
o fardo da manutenção de tal ordenamento como uma posição preponderante na política
internacional. O período da Guerra Fria passou e pareceu confirmar a tese de Ikenberry.
Contudo, após a queda do Muro de Berlim e o alegado fim do "sistema bipolar" o mesmo
país que teria aberto mão do poder conquistado após a 2a Guerra em prol do reforço de
uma ordem institucional internacional se torna o principal responsável pela desarticulação
dessa ordem. Os EUA ao enfraquecerem o Conselho de Segurança através de suas ações
promovem uma perigosa escalada de insegurança que tem na Crise da Ucrânia (2014) seu
mais visível impacto. Esse trabalho mostrará que ao perseguir seus interesses sem respeitar
a ordem que ele mesmo ajudou a criar, os Estados Unidos jogaram o mundo numa perigosa
espiral de questionamento da legitimidade e eficácia das instituições que serviram de forma
adequada ao período da Guerra Fria. Tornando o Conselho de Segurança uma meramente
instituição burocrática com uma área geográfica de atuação definida e sem acolher as
posições dos outros quatro membros permanentes os EUA solaparam as bases de
reconhecimento da posição cogente do Conselho de Segurança e, abusando da sua
condição de "super-potência" privaram o mundo de uma instância de resolução de conflitos
de forma negociada e pacífica.
Palavras-chave:
Conselho de Segurança – Realismo – Liberal-Institucionalismo – Guerra Fria – Crise
da Ucrânia
Introdução
A literatura de RI, especialmente as linhas mais afeitas às análises baseadas nas
teorias sistêmicas, afirmam que a humanidade sobreviveu à Guerra Fria em função do
correto entendimento pelos Estados do modus operandi dentro do sistema internacional.
Este entendimento quase todo calcado na ideia de bipolaridade realista concedendo quase
nenhuma importância para o papel das instituições, que seriam variáveis dependentes do
interesse dos Estados. Seja porque a distribuição de poderes levava à percepção racional
por parte dos Estados de que os custos de um conflito entre os polos (e sua possível
escalada nuclear) era proibitivo ou pelo fato de que, reconhecendo a importância das
concepções bipolares, era respeitada a “esfera de influência” do polo oposto, o realismo se
arrogava ter direcionado os Estados no caminho da “paz”, ainda que com turbulência. Nessa
concepção, o Conselho de Segurança estava “congelado” pelo efeito da bipolaridade e
pouco ou nada contribuiu para dita “estabilidade do sistema”.
Sem aqui questionar o quanto o sistema bipolar foi “estável” ou não, a posição que
se apresenta nesse trabalho é de que a causa para não ter ocorrido uma hecatombe
nuclear, com a guerra declarada entre potências foram também as instituições. Não
somente através dos constrangimentos e incentivos que elas criaram às atitudes dos
Estados, mas principalmente por oferecerem um campo de debate, deliberação e decisão
com indicativos claros das posições das potências, minorando os erros de avaliação e
permitindo soluções negociadas. Dentre as várias instituições, aqui se estuda o Conselho de
Segurança (CS) afirmando-se que é hoje, exatamente após a Guerra Fria, que o Conselho
está “congelado”. Ao reverso do que afirma a teoria, é após 1989 que, pelas ações de seus
participantes (em especial dos EUA), o Conselho perdeu a capacidade de oferecer saídas
pacíficas para os conflitos internacionais. Os EUA, assim, privaram o mundo de uma
instituição internacional cujo papel mediador tão bem nos serviu durante a Guerra Fria, e
exatamente agora em que os atritos entre os cinco membros permanentes se acirram, o
sistema internacional não mais entende legítimas as ações e decisões do CS.
Um pouco de pesquisa
No início de 2013 concluí minha dissertação de mestrado no Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília (apoiado pelo CNPQ) com um resultado que
contrariava a maior parte da literatura em Relações Internacionais. Estudando
quantitativamente e qualitativamente o Conselho de Segurança de 1945-2012 verifiquei que
“tanto está errada a percepção institucionalista de “congelamento” do CS [durante a Guerra
Fria] como também estão erradas as deduções normativas que partem desse ponto para
afirmar que o CS não serviu aos seus propósitos durante a Guerra Fria e hoje estaria
servindo” (HORTA, 2013a, p. 108). Minhas conclusões tinham fulcro em duas percepções
distintas, uma teórica e outra empírica. Teoricamente eu argumentava que o CS havia sido
criado não para manter a paz (como é dito pela própria carta da ONU),mas para evitar uma
Guerra ENTRE os 5 membros permanentes do próprio Conselho. Essa percepção vinha
alicerçada na ideia de que:
(...) a teoria interpretativa jurídico-institucionalista faz uma avaliação
totalmente normativa a respeito do que o CS deveria ser e fazer e, a partir
daí, compara o funcionamento do CS durante a Guerra Fria com o
funcionamento no pós-Guerra Fria para oferecer a tese de que:
“Thissituationgaverisetothehope, expressedbyvariousmembersofthe world
organization, thatthepotentialofthe Security Council,
whichhadbeenheldhostagebytheCold War, wouldnowbereleasedandthe UN
wouldbebetterabletofunction as it wasintendedto.” (BOURANTONIS, 2005,
p. 27)” (HORTA, 2013a, p. 63)
Essencialmente, a função de existência do Conselho de Segurança é dada pela
própriahistóriaemseuprocessofundacional: “First, that the four major powers will pledge
themselves and will consider themselves morally bound not to go to war against each other
or against any other nation, and to cooperate with each other and with other peace loving
states in maintaining the peace; (…)” (LOWE, ROBERTS, et al., 2008, p. 74). Difere muito a
percepção de uma instituição “para manter a paz mundial”, sem limites geográficos,
constrangimentos políticos ou mesmo restrição temporal, da percepção de uma instituição
que visava evitar a guerra entre seus membros mais fortes (membros permanentes do CS).
A segunda alternativa é, sem dúvida, histórica e politicamente mais apropriada e foi levada a
termo com resultados positivos.
Nesse sentido, dizer que o Conselho de Segurança estava “congelado” em função de
uma pretensa bipolaridade durante a Guerra Fria1 era não só cometer erros teóricos e
empíricos de avaliação como também, desconhecer o funcionamento histórico do Conselho
de Segurança. O erro teórico era afirmar, conforme as teorias realista e institucional, que o
Conselho de Segurança era bipolar (conquanto o realismo afirma que a bipolaridade era a
característica pervasiva de todo o período e, assim, uma instituição criada dentro da
bipolaridade deveria ser bipolar) para em seguida afirmar seu “congelamento” como um
efeito do poder dos Estados polos (super-potências) dentro da instituição (tese
institucionalista), o que “comprovava” o cerne da teoria realista de que as instituições são
variáveis dependentes da política de poder dos Estados (MALONE, 2004, p. 102):
“(…) realists have noticed that whether institutions have strong or
weak effects depends on what states intend. Strong states use institutions, 1“This situation gave rise to the hope, expressed by various members of the world
organization, that the potential of the Security Council, which had been held hostage by the Cold War, would now be released and the UN would be better able to function as it was intended to.”(BOURANTONIS, 2005, p. 27)
as they interpret laws, in ways that suit them. Thus Susan Strange, in
pondering the state’s retreat, observes that “international organization is
above all a tool of national government, an instrument for the pursuit of
national interest by other means.”
Empiricamente eu me reportava ao fato de que a análise dos dados do CS não
chancelava a hipótese de que ele tenha sido bipolar.
vendo nos votos negativos (vetos) da
“contenção” da outra potência
apresentação de proposição e veto de forma clara, com mínima forma de cooperação
institucional (conforme hipótese realista mais
empírico colhido, entretanto, é bem diferente:
Observa-se que o uso do veto foi extensivo pela URSS entre 1946 e 1960. E pelos
EUA entre 1970 e 1990. Ademais, os vetos soviéticos são quase todos contra a entrada de
membros na ONU (em função da discussão sobre quem deveria ocupar a cadeira da China,
se o Regime de Chiang-Kai
majoritariamente na defesa de seu aliado no Oriente Médio (Israel). Dada essa estratificação
qualitativa e quantitativa é difícil ver como esse padrão se enquadrava nos ditames
“(...) whatthe United StatesandtheSoviet Union did, andhowtheyinteracted,
weredominantfactors in internationalpolitics. The two countries, however,
constrainedeachother.” (WALTZ, 2000, p. 28)
institucionais, tomadas a partir das alianças de vontade expressas nos votos é totalmente
2“(...) states are positional, not atomistic, in character. Most significantly, state positionality
may constrain the willingness of states to cooperate.”
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Comparação vetos EUA/USSR
as they interpret laws, in ways that suit them. Thus Susan Strange, in
pondering the state’s retreat, observes that “international organization is
above all a tool of national government, an instrument for the pursuit of
national interest by other means.” (WALTZ, 2000, p. 24)
Empiricamente eu me reportava ao fato de que a análise dos dados do CS não
chancelava a hipótese de que ele tenha sido bipolar. Tomando por base a teoria realista e
vendo nos votos negativos (vetos) das superpotências com sua expressão final de
“contenção” da outra potência, era de se esperar um padrão bipolar de oposição entre
apresentação de proposição e veto de forma clara, com mínima forma de cooperação
institucional (conforme hipótese realista mais aceita2(GRIECO, 1988, p. 498
empírico colhido, entretanto, é bem diferente:
Fonte: (HORTA, 2013a, p. 88)
se que o uso do veto foi extensivo pela URSS entre 1946 e 1960. E pelos
EUA entre 1970 e 1990. Ademais, os vetos soviéticos são quase todos contra a entrada de
membros na ONU (em função da discussão sobre quem deveria ocupar a cadeira da China,
Kai-Shek ou o regime de Pequim). Já os vetos americanos são
majoritariamente na defesa de seu aliado no Oriente Médio (Israel). Dada essa estratificação
qualitativa e quantitativa é difícil ver como esse padrão se enquadrava nos ditames
whatthe United StatesandtheSoviet Union did, andhowtheyinteracted,
weredominantfactors in internationalpolitics. The two countries, however,
(WALTZ, 2000, p. 28). Mais do que isso, o padrão de alianças
institucionais, tomadas a partir das alianças de vontade expressas nos votos é totalmente
“(...) states are positional, not atomistic, in character. Most significantly, state positionality
may constrain the willingness of states to cooperate.”(GRIECO, 1988, p. 499)
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Comparação vetos EUA/USSR
as they interpret laws, in ways that suit them. Thus Susan Strange, in
pondering the state’s retreat, observes that “international organization is
above all a tool of national government, an instrument for the pursuit of
(WALTZ, 2000, p. 24)
Empiricamente eu me reportava ao fato de que a análise dos dados do CS não
Tomando por base a teoria realista e
sua expressão final de
era de se esperar um padrão bipolar de oposição entre
apresentação de proposição e veto de forma clara, com mínima forma de cooperação
(GRIECO, 1988, p. 498-501)). O padrão
(HORTA, 2013a, p. 88)
se que o uso do veto foi extensivo pela URSS entre 1946 e 1960. E pelos
EUA entre 1970 e 1990. Ademais, os vetos soviéticos são quase todos contra a entrada de
membros na ONU (em função da discussão sobre quem deveria ocupar a cadeira da China,
Shek ou o regime de Pequim). Já os vetos americanos são
majoritariamente na defesa de seu aliado no Oriente Médio (Israel). Dada essa estratificação
qualitativa e quantitativa é difícil ver como esse padrão se enquadrava nos ditames realistas:
whatthe United StatesandtheSoviet Union did, andhowtheyinteracted,
weredominantfactors in internationalpolitics. The two countries, however,
o padrão de alianças
institucionais, tomadas a partir das alianças de vontade expressas nos votos é totalmente
“(...) states are positional, not atomistic, in character. Most significantly, state positionality
EUA
EUA
USSR
diferente do padrão de “blocos” da Guerra Fria. Em realidade, EUA e URSS cooperaram
mais que URSS e China ou Inglaterra e França
Se tomarmos o padrão de veto e aprovação por blocos dentro do P5 (o chamado
“capitalista” composto por EUA, Inglaterra e França e o chamado “socialista” composto por
URSS e China) a situação
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Padrão Cooperativo de Alianças em votação
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s Comparação vetos por blocos
diferente do padrão de “blocos” da Guerra Fria. Em realidade, EUA e URSS cooperaram
ou Inglaterra e França, por exemplo:
Fonte: (HORTA, 2013a, p. 123)
Se tomarmos o padrão de veto e aprovação por blocos dentro do P5 (o chamado
“capitalista” composto por EUA, Inglaterra e França e o chamado “socialista” composto por
URSS e China) a situação em quase nada se altera.
Fonte: (HORTA, 2013a, p. 91)
48,7345,94
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Padrão Cooperativo de Alianças em votação
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Comparação vetos por blocos
diferente do padrão de “blocos” da Guerra Fria. Em realidade, EUA e URSS cooperaram
(HORTA, 2013a, p. 123)
Se tomarmos o padrão de veto e aprovação por blocos dentro do P5 (o chamado
“capitalista” composto por EUA, Inglaterra e França e o chamado “socialista” composto por
(HORTA, 2013a, p. 91)
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Padrão Cooperativo de Alianças em votação
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EUA, FRA, GBR
URSS, CHN
Ainda verificando a bipolaridade, é possível dizer com base no estudo empírico que:
“apenas 17 vetos (de um total de 179) durante o período da Guerra Fria, ocorreram em
resoluções apresentadas por uma superpotência (EUA ou URSS) e vetada pela outra. O
número aumenta para 21 vetos se contados os vetos como blocos de um sobre o outro
(capitalista composto por EUA, Inglaterra, França e socialista composto por URSS e China)”
(HORTA, 2013a, p. 75). Isso de forma alguma poderia ser interpretado como um
comportamento bipolar, mesmo que a teoria realista logicamente afirme que deveria
ser:“Realistsmantainthatinstitutions are basically areflectionofthedistributionofpower in the
world.” (MEARSHEIMER, 1994-1995, p. 7).
O fato é que o Conselho de Segurança não apresenta um padrão bipolar de votação
exatamente durante o período especificado pela teoria como bipolar3. Além disso, durante
tal período, a teoria afirma que o comportamento político das potências deveria apresentar
“(…) thenearlyconstantpresenceofpressureandtherecurrenceof crises” (WALTZ, 1964, p.
883)
O erro de se afirmar “congelado” o Conselho de Segurança durante a Guerra Fria
está em não perceber a função e o objeto da instituição em tela. Como dito anteriormente, a
função do CS sempre foi a de evitar uma guerra entre os membros permanentes. Para isso
se criou um indicativo institucional claro(KEOHANE e MARTIN, 1995, p. 42) dos interesses
de cada potência que pudesse ser verificado de pronto sobre qualquer assunto que fosse
colocado sob a apreciação do Conselho: o veto4. De fato, observa-se o veto comoUMA DAS
CAUSAS da paz no período da Guerra Fria: “Moreover, the veto was needed to rule out the
possibility that the Council would harm relations between the permanent members by making
a decision against the will of one of them” (WOUTERS e RUYS, 2005, p. 5)
Diante da indicação indelével de que determinado assunto era de interesse de algum
dos membros P5 (‘Permanent5’ do Conselho de Segurança) e que por aquele assunto tal
membro estaria disposto a ir às últimas consequências, o processo de negociação se abria
e a paz era mantida. Mais do que exercer poder de um sobre o outro, o veto significava um
valioso indicativo institucional que visava minorar as chances de uma errônea avaliação
internacional, aumentando dramaticamente a capacidade da instituição – Conselho de
Segurança – em oferecer informações corretas a seus participantes5. E sempre houve muito
3“Partindo, nesse ponto específico, do paradigma realista clássico da política internacional, o
realismo estruturalista destaca aquelas características da estrutura que moldam a forma em que os componentes se relacionam.” (DOUGHERTY e PFALTZGRAFF, 2003, p. 104)
4 “The veto—a classic balance of power mechanism—helps to guard against any single state or combination imposing their own interests under the guise of community norms.” (CRONIN e HURD, 2008, p. 71). Apesar da discordância sobre o veto como “balança de poder” a literatura chancela a importância de sua existência.
5 “Institutions can provide information, reduce transaction costs, make commitments more credible, establish focal points for coordination and in general facilitate the operation of reciprocity” (KEOHANE e MARTIN, 1995, p. 42)
espaço para soluções colaborativas, mesmo dentro da árida bipolaridade teórica proposta
pelo realismo:
Fonte:(HORTA, 2013a, p. 87)
O maior exemplo de sucesso da instituição é exatamente a inexistência de guerra
entre os membros permanentes durante todo o tempo da Guerra Fria, mesmo nos maiores
momentos de tensão. É impossível deixar de verificar que “institutionsmatters” (KEOHANE e
MARTIN, 1995, p. 40) e agora num estudo feito exatamente sobre uma instituição de
segurança, passando, assim, ao largo da crítica ao artigo de Robert Keohane e Lisa Martin
(KEOHANE e MARTIN, 1995) feita por John Mearsheimer(MEARSHEIMER, 1994-1995).
Entretanto, para que as instituições realmente funcionem, é necessário que elas
tenham capacidade de se ocuparem de seus objetos primários. Trocando em miúdos, o
Conselho de Segurança precisa ocupar-se em dirimir contenciosos entre o P5 pelo mundo
afora. Isso implica em ter capacidade e legitimidade para tal fim. Aqui, capacidade diz muito
mais do que apenas meios materiais para intervir. O termo capacidade vem fortemente
revestido de legitimidade o que nos leva a perceber que o CS precisa ser entendido como
autoridade legítima para que possa exercer seu múnus:
“In practice, the success of the Security Council often depends less
on its capacity to employ its collective military or economic strength than on
its ability to gain recognition as the body with the legitimate authority to take
a particular action on a particular matter.” (CRONIN e HURD, 2008, p. 3)
Legitimidade é um conceito bem mais complexo do que se faz parecer. Para Bruce
Cronin e Ian Hurd(CRONIN e HURD, 2008) ele se assenta em três condicionantes
fundamentais: o processo de deliberação, a existência e cumprimento dos mesmos
procedimentos (idênticos para todos os membros) e de algum grau de efetividade de suas
R² = 0,816
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Número de resoluções aprovadas e vetos por
ano
resoluções vetos Polinômio (resoluções)
ações (CRONIN e HURD, 2008, p. 6
legais do Conselho de Segurança (que até hoje funciona com u
oferecia, por historicidade remontada da
entre os países que haviam lutado e vencido o nazismo. Se por propaganda ou por
conhecimento histórico os cinco países se respeitavam mutuamente
contudo, o efeito era claro. Durante a Guerra Fria existia respeito pelas capacidades de
cada um dos participantes e assim se formava uma base sobre a qual a legitimidade podia
ser percebida. Assuntos sobre as “áreas de influência” das potên
convenientemente abordados com olhares mais permissivos
P5, basta ver a estratificação das resoluções aprovadas antes e depois de 1989
Surpreendentemente, o nível de deliberação durante a Guerra Fria era também
maior:
Guerra Fria (1946
Conselho era de 46,59% com quase 50 p
diferentes vezes, sua manifestação de discordância (abstenção, voto
negativo ou falta), já entre 1989 e 2012 o percentual de discordância cai
para 9,48% com apenas 37 países diferentes exercendo a opção da
discordância (HORT
aumento das oportunidades para discordar (resoluções apresentadas) que
foram 646 durante os 33 anos da Guerra Fria e 1431 resoluções nos últimos
23 anos (1989
mais democracia no Conselho de Segurança?
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e r
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luçõ
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Resoluções Aprovadas por região do Globo
(CRONIN e HURD, 2008, p. 6-10). Nesse sentido, o escopo mínimo dos estatutos
legais do Conselho de Segurança (que até hoje funciona com um estatuto provisório)
por historicidade remontada da Segunda Guerra, uma tela de fundo de respeito
entre os países que haviam lutado e vencido o nazismo. Se por propaganda ou por
conhecimento histórico os cinco países se respeitavam mutuamente
claro. Durante a Guerra Fria existia respeito pelas capacidades de
cada um dos participantes e assim se formava uma base sobre a qual a legitimidade podia
ser percebida. Assuntos sobre as “áreas de influência” das potên
convenientemente abordados com olhares mais permissivos, evitando
, basta ver a estratificação das resoluções aprovadas antes e depois de 1989
Fonte: (HORTA, 2013a, p. 122)
Surpreendentemente, o nível de deliberação durante a Guerra Fria era também
“Em números totais a crítica se torna ainda mais forte. Durante a
Guerra Fria (1946-1989) o percentual de discordância nas decisões do
Conselho era de 46,59% com quase 50 países diferentes exercendo, por
diferentes vezes, sua manifestação de discordância (abstenção, voto
negativo ou falta), já entre 1989 e 2012 o percentual de discordância cai
para 9,48% com apenas 37 países diferentes exercendo a opção da
discordância (HORTA, 2013, p. 104). Se atentarmos para o expressivo
aumento das oportunidades para discordar (resoluções apresentadas) que
foram 646 durante os 33 anos da Guerra Fria e 1431 resoluções nos últimos
23 anos (1989-2012), cabe a pergunta: tínhamos, durante a Gue
mais democracia no Conselho de Segurança? (HORTA, 2013b)
antes 89
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136 176 235
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Resoluções Aprovadas por região do Globo
. Nesse sentido, o escopo mínimo dos estatutos
m estatuto provisório)
uma tela de fundo de respeito
entre os países que haviam lutado e vencido o nazismo. Se por propaganda ou por
conhecimento histórico os cinco países se respeitavam mutuamente, pouco importa,
claro. Durante a Guerra Fria existia respeito pelas capacidades de
cada um dos participantes e assim se formava uma base sobre a qual a legitimidade podia
ser percebida. Assuntos sobre as “áreas de influência” das potências eram
evitando-se conflitos entre o
, basta ver a estratificação das resoluções aprovadas antes e depois de 1989-1991.
(HORTA, 2013a, p. 122)
Surpreendentemente, o nível de deliberação durante a Guerra Fria era também
“Em números totais a crítica se torna ainda mais forte. Durante a
1989) o percentual de discordância nas decisões do
aíses diferentes exercendo, por
diferentes vezes, sua manifestação de discordância (abstenção, voto
negativo ou falta), já entre 1989 e 2012 o percentual de discordância cai
para 9,48% com apenas 37 países diferentes exercendo a opção da
A, 2013, p. 104). Se atentarmos para o expressivo
aumento das oportunidades para discordar (resoluções apresentadas) que
foram 646 durante os 33 anos da Guerra Fria e 1431 resoluções nos últimos
2012), cabe a pergunta: tínhamos, durante a Guerra Fria,
(HORTA, 2013b).”
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Resoluções Aprovadas por região do Globo
antes 89
pos 89
A pesquisa empírica só vem a fortalecer o que uma parte pequena de teóricos já
vinham afirmando, embora sem serem ouvidos frente à euforia normativa institucionalista:
“I will show that the Council has shifted from a pluralist cold war
approach to one that is aggressively interventionist and partial to the
preferences of policy-makers from the United States and allied states (…)
Perhaps because of the political impasse between the United States and the
Soviet Union and collective demands from the recently decolonized states of
the South to reduce great power dominance, the cold war era was marked
by a great deal of pluralism.” (CRONIN e HURD, 2008, p. 156)
“The traditional emphasis on the restrictions imposed, due to U.S.–
Soviet rivalry, on UNSC authority masks a more complex reality, which
renders simplistic the standard portrayals of an ongoing UNSC paralysis.”
(CRONIN e HURD, 2008, p. 110)
O problema contemporâneo
Ainda no mesmo trabalho (dissertação de mestrado) eu concluía com uma
afirmação:
“Afirma-se que é agora, pós 1989, que o CS está “congelado” uma
vez que sequer como arena de discussão e acomodação política dos
interesses dos grandes membros (P5) ele tem servido. O número de
intervenções chanceladas ou não pelo Conselho cresceu imensamente,
bem como a simples desconsideração de seus desígnios (chamada pela
teoria de “outsideoptions”) é cada vez mais frequente e
expressiva.”(HORTA, 2013a, p. 109)
É sempre muito difícil argumentar contra o status quo teórico, mais ainda contra o
“mainstream” da interpretação institucionalista e realista. Mas eu interpretava como perigosa
a falta de interação conflituosa dentro do Conselho de Segurança. O conflito encerrado
dentro de uma instância institucional internacional é um conflito que tem maiores chances de
ser resolvido sem o uso da violência física. É a verificação do funcionamento do
ordenamento político; da política como forma de dirimir conflitos. O período da Guerra Fria é
conhecido (não sem uma boa dose de questionamento) de período de “Paz” e é o momento
em que se registra o maior número de dissensos dentro do CS. Inversamente, com o fim da
Guerra Fria, o número de dissensos cai assustadoramente, aumenta muito, contudo, o
número de conflitos pelo mundo afora.
Fonte: (HORTA, 2013a, p. 104)
Gráfico dosconflitos mundiais:
Fonte: (HARBOM e WALLENSTEEEN, 2007, p. 625)6
A correlação dos dados oferece um surpreendente argumento: o Conselho de
Segurança está “congelado”7 exatamente agora quando a teoria diz que ele está
6 O estudo de Harbom e Wallensteen vai apenas até 2006. Os dados posteriores a 2006
apenas reforçam a correlação mostrada com guerras na República Democrática do Congo (2007), Sudão (2009), Yemen (2009), Sudão (2011), Egito (2011), Líbano (2011), Síria (2011), Líbia (2011), Mali (2012), República Centro Africana (2012), Sudão do Sul (2013), Ucrânia (2014) e etc.
R² = 0,7850,00
20,00
40,00
60,00
80,00
100,00
120,00
Resoluções do CS com alguma forma de
dissenso
conflito total
Polinômio (conflito total)
funcionando liberto das amarras da Guerra Fria: “Hence,
whentheendofthecoldwarenabledtheCounciltoact as it wasoriginallyintended, it
hadalreadypossessedthe legal tools toactbeyondtheboundariesofcollectivesecurity”
(CRONIN e HURD, 2008, p. 73)
“It was a tendency that flowed naturally from the view that the
absence of great power unity throughout the Cold War had defined UN
experiences to such a degree that those very experiences were now largely
irrelevant to an understanding of the ‘post-Cold War’ challenges facing the
organization. Closely linked to this was the conviction that the removal of
Cold War tensions would necessarily result in the restoration of great power
unity and, with it, in a revitalized Security Council capable of developing the
long-established practices and functions of UN peacekeeping in new and far
more ambitious directions” (LOWE, ROBERTS, et al., 2008, p. 176)
“This situation gave rise to the hope, expressed by various members
of the world organization, that the potential of the Security Council, which
had been held hostage by the Cold War, would now be released and the UN
would be better able to function as it was intended to”. (BOURANTONIS,
2005, p. 27)
Apesar da teoriaafirmarque “The UN has proved to be the most effective institution in
history for aligning the security interests of the strong and the weak at the global level.”
(LOWE, ROBERTS, et al., 2008, p. 249), o conflito (pós 1991) saía da arena de discussão
das instituições (notadamente o CS) para tornar-se material nas sociedades mundo afora. E
a pergunta era exatamente o motivo disso. Por quê e como o Conselho de Segurança
estava sendo tão esvaziado de sentido, provocando o perigo real de uma escalada de
conflitos que não tinha ocorrido nem nos anos mais tensos da Guerra Fria? A resposta
revelou-se através do estudo da “outsideoption”.
Outsideoption
É consenso na literatura sobre o Conselho de Segurança que após o fim da Guerra
Fria ele se tornou muito mais “invasivo”. Empiricamente, o número de resoluções que
permitiam algum grau de invasão no território de um país soberano (indiferente ao motivo
alegado) aumenta imensamente.
“Yet while the Charter technically limits the Security Council’s
authority to opposing aggression and responding to threats or breaches of
the peace, the Council has rarely acted in this area. Rather, its most
effective and significant actions since the 1990s have been in areas that go
7Aqui se assume a mesma interpretação normativa que a teoria aponta para o período da Guerra Fria:
incapaz de evitar conflitos. O argumento de que o Conselho de Segurança foi criado para evitar uma Guerra
entre os cinco membros perdura. Entretanto, para usar a interpretação normativa da teoria é preciso perceber que
é agora que o CS não consegue oferecer formas de solução para os conflitos pelo mundo.
beyond the powers granted to the Council either by the Charter or by some
other means of expressing consent: nation-building (Bosnia, Afghanistan,
Somalia, East Timor), prosecuting war crimes (the former Yugoslavia,
Rwanda, and Sierra Leone), peacekeeping (57 operations since 1960),
dismantling apartheid (South Africa), alleviating serious humanitarian crises
(Rwanda, Burundi, East Timor, and Zaire), resolving civil wars (Liberia and
Angola) and restoring a democratically elected government (Haiti).”
(CRONIN e HURD, 2008, p. 57)
A produção científica sobre o tema reconhece que, após o fim da Guerra Fria, alguns
países passaram a entenderem-se legítimos para agir fora do Conselho de Segurança8. E,
mais profundamente, afirma-se que o próprio CS se tornou uma: forma de os “United
Statesandotherpowerful Western statestoexerciseauthorityprimarily over weakerstates in the
Southern hemisphere.” (CRONIN e HURD, 2008, p. 154). Uma leitura rápida no gráfico
nesta comunicação que versa sobre os locais geográficos das resoluções é suficiente para
chancelar tal afirmação.
Dentro desse escopo, reconhece-se a força do chamado “Permanent1” ou os
Estados Unidos e sua capacidade de fazer valer seus interesses dentro do espaço
institucional do CS, mesmo que com meios não ortodoxos.9 Entretanto, as ferramentas de
ação internacional dos EUA não se limitam ao Conselho de Segurança. Segundo Voeten, a
intenção da ação por fora da via institucional do CS pode ser tentada como uma
“costlyoutsideoption, eitherunilaterallyorwith na ally” (VOETEN, 2001, p. 845). A ação por
dentro do CS normalmente é entendida como menos custosa uma vez que a ação
multilateral recebe maior suporte legislativo interno nos EUA e o reconhecimento como ação
legítima tanto pela opinião pública americana10quanto pela comunidade internacional é bem
maior (VOETEN, 2001, p. 848). Essepareceser o mesmoentendimento de Niko Krisch,
quandoafirmaque “Yet while acceptance of action through the Council may be somewhat
unstable, its alternative – the use of force outside the Council – is more clearly regarded as
unacceptable” (LOWE, ROBERTS, et al., 2008, p. 147)
De fato, a existência da possibilidade real de ignorar as decisões, vetos e
recomendações do CS influencia não somente o resultado final da ação internacional, mas
também o processo de tomada de decisão dentro do próprio Conselho: “Outsideoptionsmay
8 A pergunta sobre se existia “OutsideOption” durante a Guerra Fria ainda não foi respondida.
De uma maneira geral usa-se o termo somente para ações pós 1989-1991. Ver Jonathan Graubart in Cronin & Hurd (CRONIN e HURD, 2008, p. 156-157)
9 Para ver um estudo sobre a convergência da liberação de verbas do FMI a membros não permanentes e seus votos em favor de propostas dos EUA ver artigo de James Vreeland(DREHER, STURM e VREELAND, 2009), para uma crítica ver Bacarinni e Diniz (BACCARINI e DINIZ, 2011)
10 Ver também NikoKrisch em Loweetall. (LOWE, ROBERTS, et al., 2008, p. 148)
more generallybeimportanttocreate multilateral agreementsamong veto players
withconflictinginterests” (VOETEN, 2001, p. 856):
The US, the UK, and France have been dominant in shaping Council
policy since theend of the ColdWar, despite Russia’s and China’s veto
power and their often diverginginterests. This has been explained as a result
of the existence of outside options: becausedominant powers can credibly
threaten to act outside an institution, they can shiftnegotiating results in their
favour if their opponents have an interest in keeping themwithin the
institution (for example, because this allows them greater infuence on
theshape of the action). (LOWE, ROBERTS, et al., 2008, p. 141)
Segundo o autor, o resultado do jogo institucional varia essencialmente com a
existência (e o reconhecimento por parte dos outros membros) da possibilidade real de uma
ação sem a chancela do CS, ou seja, uma ação “por fora” da instituição (VOETEN, 2001, p.
849). Ao mesmo tempo que existe uma ressignificação do sentido das formas de abstenção:
“Suchanabstentionsignalsdiscontent, notindifference. At the same time, anabstention
indicates impotence. Why else would a statewith formal veto power not exercise it on a
resolutionthat it dislikes?” (VOETEN, 2001, p. 851)
It appears that a credible outside option allows the United States to
shift the disagreement outcome in UNSC bargaining, that is, creates a
bargaining range that would not exist in the absence of such an option
(VOETEN, 2001, p. 851)
Voeten (2001), no mesmotrabalho,conclui de forma otimistaque: “Outside options
may more generally be important to create multilateral agreements among veto players with
conflicting interests”(VOETEN, 2001, p. 856). A avaliação histórica e empírica mostra,
entretanto, uma conclusão diferente, muito mais consistente com a primeira postura
evocada pelo autor que afirma que abstenção indica “impotência”. Essa “impotência” acaba
por atacar diretamente a legitimidade da instituição conquanto deixa patente que mesmo
com os pressupostos deliberativos estabelecidos pela teoria (CRONIN e HURD, 2008).
Incapaz de alcançar uma decisão deliberada e que se refletisse em um processo de
barganha institucional o qual ensejaria a legitimidade da ação institucional por meio da
autoridade histórico-política do CS ele se encontra, atualmente, inútil. Incapaz de receber o
conflito internacional e oferecer ao mundo uma forma pacífica de solução de maneira a
evitar que o conflito gerasse cisões mais profundas que pudessem contribuir para uma
escalada em direção à guerra. São exemplos eloquentes da incapacidade do CS de chegar
a soluções negociadas o caso da Guerra do Iraque em 2003 que mesmo sem a autorização
do CS foi levada a cabo invasão americana; o casoda recente invasão da Líbia (2011) em
que a resolução 1973 (2011) permitia apenas a “zona de exclusão aérea” e, mesmo assim,
os EUA levaram a cabo a deposição de Kadhafi, entre outros.
Ainda recentemente, os conflitos da Síria permitiram que fosse textualmente
demonstrada a falta do processo deliberativo institucional conquanto o embaixador russo
afirma, não sem base histórica para fazê-lo, que o CS vem sendo sucessivamente usado
para impor os interesses do Oeste sobre o mundo:
The Russian delegation had very clearly and consistently explained
that we simply cannot accept a document, under Chapter VII of the Charter
of the United Nations, that would open the way for the pressure of sanctions
and later for external military involvement in Syrian domestic affairs.
The Western members of the Security Council denied such
intentions, but for some reason refused to exclude military intervention. Their
calculations to use the Security Council of the United Nations to further their
plans of imposing their own designs on sovereign States will not
prevail.(S/PV.6810)
Sobre o mesmo tema a China afirma sobre a postura do Oeste que:
Thirdly, sovereign equality and non-interference in the internal affairs
of other countries are the basic norms governing inter-State relations
enshrined in the Charter of the United Nations. China has no self-interest in
the Syrian issue. We have consistently maintained thatthe future and fate of
Syria should be independently decided by the Syrian people, rather than
imposed by outside forces. We believe that the Syrian issue must be
resolved through political means and that military means would achieve
nothing. (…)
Fourthly, the draft resolution jeopardizes the unity of the Security
Council. The Council was unanimous in adopting resolutions 2042 (2012)
and 2043 (2012), displaying a hard-won spirit of unity and cooperation.
During consultations on today’s draft resolution, the sponsoring countries
failed to show any political will or cooperativeness, adopting a rigid and
arrogant approach to the reasonable basic concerns of other concerned
countries and refusing to make revisions(S/PV.6810)
Se diplomaticamente os vetos russos e chineses vêm suportando o regime de
Bashar Assad e não se pode, formalmente, falar em uso da “outsideoption” uma vez que
não houve medidas militares contra o governo sírio, os vazamentos de informações feitas
pelo Wikileaks fizeram o governo americano reconhecer que patrocinam os opositores do
governo no sentido de derrubá-lo (http://www.cbc.ca/news/world/u-s-admits-funding-syrian-
opposition-1.987112 acesso em 28/07/2014). Diante de tal evidência é preciso primeiro
perceber que a postura russa e chinesa vêm carregadas de uma desconfiança no processo
institucional exatamente porque se a “outsideoption” já minava por excelência a capacidade
e legitimidade do CS, as ações de financiamento pelo governo americano demonstram que
esse já, há muito, este vem deliberadamente erodindo a ordem institucional global.Ordem
esta que, segundo John Ikenberry, tanto trabalhou para criar (IKENBERRY, 2001).
Nós, pesquisadores, temos que olhar com mais cuidado, à luz das evidências atuais,
para verificar se realmente o “strategicrestraint” afirmado por Ikenberry (2001) não está
contaminado, desde o início por atitudes como as acima demonstradas. O fato é que, seja
através do uso da força aberto e contrário aos desígnios do CS e da sinalização do veto por
parte de membros permanentes ou seja através das “covertoptions”, como o financiamento
de operações que visam a implementação do interesse negado institucionalmente, os EUA
estão colocando o mundo em situação de enfrentar conflitos armados entre potências.
O caso da Ucrânia
Desde 23/02/2014 a integridade territorial da Ucrânia (estabelecida entre 1991 e
1995 durante a debacle da antiga URSS) vem sendo ameaçada especialmente na sua parte
sudeste por movimentos separatistas pró-russos. Não nos cabe aqui analisar a correção ou
não das reivindicações dos rebeldes ou das ações do governo. Cabe ressaltar, entretanto,
que dia 16/03/2014 mais de um 1,2 milhão de pessoas votaram num plebiscito onde era
perguntado se aceitavam unirem-se à Rússia. Mesmo com 96,8% de votos a favor da união
as potências ocidentais não aceitaram a validade do sufrágio
(http://www.nytimes.com/2014/03/07/world/europe/ukraine-sanctions.html?_r=0, acesso em
28/07/2014). A crise que já era violenta se torna ainda mais perigosa por oferecer um palco
em que o ocidente pode fortalecer a ordem institucional criada no pós Segunda Guerra
Mundial ou definitivamente enterra-la.
O CS recebeu apenas uma assertiva, apresentada pelos EUA11 (e vetada pela
Rússia), sobre o conflito. É a S/2014/189 de 15/03/2014 quereafirmava:
“(…) its commitment to the sovereignty, independence, unity and
territorial integrity of Ukraine within its internationally recognized borders (…)
Notes that Ukraine has not authorized the referendum on the status of
Crimea; (…) Declares that this referendum can have no validity, and cannot
form the basis for any alteration of the status of Crimea; and calls upon all
States, international organizations and specialized agencies not to recognize
any alteration of the status of Crimea on the basis of this referendum and to
refrain from any action or dealing that might be interpreted as recognizing
any such altered status;” (S/2014/189)
Efetivamente, a posição russa afirma que defende o direito de autodeterminação da
Criméia e lembra que:
11 O representante Americano, entretanto, afirma ser a reunião do qual o documento
S/PV.7138 procede ser já a sétima reunião para discussão o tema da Ucrânia.
(...)When the Soviet Union fell, Crimea automatically became part of
Ukraine. The view of the people of Crimea was once again ignored. After the
fall of the Soviet Union, for more than 20 years Crimea attempted to exercise
its right to self-determination.In January 1991, a referendum was conducted
in Crimea, resulting in the adoption of a law in Ukraine regarding the
establishment of autonomous Crimea. In September 1991, the High Council
of Crimea adopted a declaration on State sovereignty. In 1992, the
constitution of Crimea was adopted, declaring Crimea an independent state
within Ukraine. However, in 1995, through a decision of the Ukrainian
authorities and the President of Ukraine, the constitution was annulled,
without the agreement of the Crimean people. (S.PV.7138)
O conflito está evidente embora a forma de solução ainda seja de difícil previsão.
Combates estão sendo travados em áreas que vão ainda mais ao norte do que apenas a
Crimeia.O governo da Ucrânia vem fazendo repetidos apelos à intervenção internacional,
ainda sem sucesso. De fato, existe já postura anterior do CS de impor zonas de exclusão e
mesmo intervenção sem a autorização de nenhum dos lados, embora nunca contra um
membro permanente.
This became evident with the way in which the Council chose to
address the conflicts in the former Yugoslavia during the early 1990s. In
doing so, it specifically established two practices that represent a dramatic
expansion in the Council’s legal authority: the creation of war crimes
tribunals and the designation of sovereign territory as “safe zones” designed
to protect civilian populations in conflict situations, without the consent of the
belligerents.(CRONIN e HURD, 2008, p. 73)
E especialmente os EUA têm, como mostrado acima, histórico em ações
internacionais recentes tanto configurando as “outsideoptions” como as aqui nominadas
“covertoptions” e o discurso do embaixador americano evocando a Guerra Fria deixa poucas
dúvidas de que haverá alguma ação.
We have heard a lot, each time that the Security Council has met,
about the echoes and relevance of history. We have heard, for example,
about the pleas of the brave democrats of Hungary in 1956 and about the
dark chill that dashed the dreams of Czechs in 1968. We still have the time
and the collective power to ensure that the past does not become
prologue.(...)From the days of Lenin and Trotsky until the fall of the Berlin
Wall, Pravda was the name of the house newspaper of the Soviet
communist regime. But throughout that period, one could search in vain to
find “pravda” in Pravda. (...)Russia has used its veto as an accomplice to
unlawful military incursion. That very veto was given nearly 70 years ago to
countries that had led an epic fight against aggression(S.PV.7138)
Novamente, não cabe aqui verificar se são corretas ou não os motivos das ações de
ambas as partes ou a congruência e correção dos seus argumentos. Em discussão está
apenas a capacidade da ordem institucional ser mantida, reforçada ou transposta. Em
momentos anteriores os EUA passaram por alto das decisões do CS para fazer valer seus
interesses próprios e, com isso, vulneraram a legitimidade institucional. Agora se vêm os
efeitos deletérios desse tipo de atitude. Frente às “dangerousactions” russas, conforme
citado textualmente pelo representante americano, a legitimidade do CS inexiste,
especialmente com a abstenção da China.
Conclusão
Os EUA alegadamente (IKENBERRY, 2001) construíram uma ordem internacional no
pós-guerra em que exerciam uma restrição estratégica do seu poder naquele momento com
o objetivo de maximizar os efeitos e o tempo de duração das instituições internacionais
formadas. Se esse foi o intuito ou não importa menos do que a efetiva verificação de que,
durante a Guerra Fria essa ordem funcionou contrariando a literatura que afirmava um CS
“congelado”. Tanto funcionou que o nível de deliberação e oposição pacífica dentro do CS
entre 1946 e 1989 é muito maior do que entre 1989 até os dias de hoje. Notadamente o
número de resoluçõestomadas por consenso e a incapacidade do CS de fazer valer suas
decisões críticas a todos os signatários da Carta das Nações Unidades parecem caminhar
juntas.
A mesma nação que alegadamente orquestrou a ordem constitucional vigente a
partir de 2001 passou sucessivamente a erodi-la e jogar o mundo numa perigosa espiral de
imprevisibilidade. Desrespeitando os sinais claros (vetos) emitidos pela instituição, os EUA
aberta ou veladamente tomaram atitudes que relegaram os outros membros do CS a
condição de “impotência”. Tal percepção, que os outros membros fazem do seu papel
dentro da instituição, reafirmada pela falta do contraditório dentro do processo deliberativo
do CS (demonstrado pelo alto índice de resoluções aprovadas por unanimidade) e pelos
vazamentos do Wikileaks(monstrando que o arsenal de possibilidades de ação dos EUA não
se encerram nas “outsideoptions”) fazem fortalecer o argumento de que é hoje – exatamente
pós queda do Muro de Berlim – que o CS encontra-se “congelado”. Efetivamente inoperante
no seu essencial que é evitar uma guerra entre os membros permanentes.
O conflito na Ucrânia mostra todos os preocupantes sinais que existiram em 1953
durante a Guerra da Coréia, em 1979 durante a invasão russa ao Afeganistão e tantos
outros momentos de atrito entre os membros permanentes, com uma diferença: a
legitimidade institucional avariada do CS. O conflito reveste-se de importância cabal para a
Rússia seja pela proximidade de suas fronteiras, seja pelo interesse geopolítico na região.
Ao mesmo tempo a condição de nação europeia adquirida pela Ucrânia e sua proximidade
com a OTAN retomam a histeria da Guerra Fria e evocam uma pretensa necessidade
“moral” de ação por parte dos EUA.
Aos americanos restam apenas duas alternativas: (1) ou reforçar a instituição CS
respeitando seus desígnios o que significaria dizer aceitar o referendum da Crimeia e os
vetos russos sobre o assunto, abstendo-se de qualquer ação tentando, com isso, reforjar as
amarras que foram construídas ao longo da Guerra Fria; (2) ou promover uma ação aberta
(através da “outsideoption”) ou encoberta (através da “covertoption”) contra a Rússia e
assim jogar a legitimidade do Conselho de Segurança definitivamente por terra colocando o
mundo na iminência de um conflito entre dois membros permanentes e, possivelmente, uma
nova Guerra Mundial. Se, por um lado, usando o pressuposto do Estado racional, os custos
de da última opção são muito altos, por outro temos que considerar que o Estado não se
pauta sempre pelo modelo racional, especialmente em momentos de crise. Mais do que
nunca, fica evidente que as últimas ações americanas (desde 2001) têm tornado o mundo
um local muito mais inseguro. Talvez mais inseguro do que era durante a Guerra Fria.
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