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  • Quim. Nova, Vol. 32, No. 5, 1338-1341, 2009Ed

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    *e-mail: [email protected]

    COMPARAO ENTRE MTODOS DE QUANTIFICAO EM CROMATOGRAFIA GASOSA: UM EXPERIMENTO PARA CURSOS DE QUMICA

    Carolina Bastos Pereira Ligiero, Lindomar Augusto dos Reis, Gabrieli Lessa Parrilha, Milton Baptista Filho e Maria Cristina Canela*Centro de Cincia e Tecnologia, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-602 Campos dos Goytacazes RJ, Brasil

    Recebido em 23/4/08; aceito em 3/2/09; publicado na web em 7/5/09

    COMPARISON OF QUANTIFICATION METHODS IN GAS CHROMATOGRAPHY: AN EXPERIMENT FOR CHEMISTRY COURSES. This article describes an experiment designed to teach quantitative determination in gas chromatography (GC) in Organic and Analytical Chemistry practical classes. The experiment consisted of extracting and analyzing eugenol from clove seeds to perform a quantitative approach aimed at comparing results obtained by external and internal calibration procedures. Therefore, this experiment proved to be very effective tool to enhance students awareness on the need to understand different types of calibration in GC and on how to avoid common experimental errors, and to find the best ways to eliminate their interference during the quantitative analysis phase.

    Keywords: GC; quantitative analysis; teaching.

    INTRODUO

    A cromatografia gasosa um tpico apresentado nos cursos de Qumica, tanto nas disciplinas de Qumica Analtica como de Qumica Orgnica. No primeiro caso, a cromatografia gasosa mostrada na maioria das vezes como uma ferramenta analtica quantitativa, uma vez que o cromatgrafo est ligado a um detector capaz de responder a um determinado composto de maneira proporcional a sua concentrao.1,2 No caso da Qumica Orgnica, um enfoque maior dado ao aspecto qualitativo e de separao de misturas, embora a sua utilizao em termos quantitativos tambm ocorra. A cromatografia gasosa normal-mente utilizada como ferramenta analtica nos laboratrios de Qumica Orgnica durante o curso de graduao.3 Os livros de Qumica Orgnica, entretanto, raramente trazem teorias sobre o assunto, apenas ressaltando um dos detectores utilizados que o espectrmetro de massas.4

    A difuso e o desenvolvimento da cromatografia gasosa se deram por seu potencial para realizar anlises quantitativas com velocidade e rapidez na determinao de compostos orgnicos presentes em concentraes relativamente baixas em diferentes tipos de amostras. As matrizes complexas normalmente sofrem diferentes processos de extrao e o composto de interesse pode ser ento quantificado atravs desta tcnica, que passa assim a ter grande importncia na pesquisa cientfica bsica e nas suas aplicaes na indstria.

    O mtodo direto para anlises cromatogrficas quantitativas envolve a preparao de uma srie de solues-padro de composies prximas concentrao do analito na amostra, com o objetivo de realizar uma calibrao externa. Os cromatogramas dos padres so ento obtidos, e as alturas ou as reas dos picos terminam lanados em um grfico em funo da concentrao. Idealmente a curva obtida deve ser uma reta que passa pela origem e a concentrao da amostra obtida a partir da equa-o desta reta.5 Porm, algumas vezes se obtm curvas com coeficientes lineares positivos ou negativos, cabendo ao analista a realizao de um tratamento criterioso dos dados da curva. As fontes mais importantes de erros analticos atravs do uso deste mtodo so as incertezas no volume da amostra e na preparao dos padres, alm de problemas durante o processo de injeo. As amostras so normalmente pequenas e as incer-tezas associadas injeo de um volume reprodutvel deste tamanho com

    uma microsseringa podem chegar a um erro relativo alto.5 Outro mtodo que pode ser utilizado para anlises quantitativas

    com maior preciso a padronizao interna. Nesta metodologia po-dem ser minimizadas as incertezas introduzidas na injeo da amostra devido s pequenas quantidades de amostras injetadas e diferentes analistas. especialmente indicada para tcnicas com pouca repro-dutibilidade, como no caso das injees manuais.6 Na padronizao interna uma quantidade de uma substncia medida cuidadosamente, que atua como padro interno, introduzida em cada padro e na amostra, e a razo entre as reas do pico do analito e do padro interno funcionam como parmetro analtico.3,5 Na escolha de um composto como padro interno deve-se observar que o pico referente ao padro esteja bem resolvido dos demais picos dos componentes da amostra e elua prximo ao sinal do analito. O padro interno deve, ainda, ser altamente puro, no reagir com nenhum dos componentes da amostra e ser quimicamente similar ao analito de interesse.6

    Alm da escassa disponibilidade de propostas de experimentos utilizando cromatografia gasosa em Qumica Orgnica na literatura, mais raro ainda encontrar experimentos com uma abordagem quantitativa que ressaltem a funo da padronizao interna nesta tcnica instrumental.7

    Este trabalho prope a realizao de um experimento para ser ministrado nas disciplinas de laboratrio de Qumica Orgnica ou Analtica com o objetivo de oferecer aos seus participantes aprendizado sobre cromatografia gasosa e ainda sobre como conduzir comparaes entre a qualidade dos resultados obtidos com os diferentes mtodos quantitativos. Alm disso, pretende mostrar como o erro de injeo atravs de diferentes analistas pode influenciar no resultado final de uma anlise quantitativa. Neste caso, o mtodo de experimentao envolve a quantificao do teor de eugenol no leo extrado de cravo-da-ndia atravs dos mtodos de calibrao direta e padro interno.

    PARTE EXPERIMENTAL

    Obteno do leo de cravo-da-ndia

    O leo essencial foi obtido atravs da utilizao de 16 g de cravo-da-ndia e 200 mL de gua destilada pelo mtodo de desti-lao por arraste de vapor (Figura 1). A mistura foi colocada em

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    um balo de fundo redondo com prolas de vidro, adaptado a um condensador com um bquer para coleta do destilado. O lquido do balo foi aquecido em uma manta aquecedora at a ebulio. O produto obtido apresentou-se como uma emulso (gua mis-turada ao leo de cravo). O arraste a vapor foi finalizado quando o volume no balo atingiu cerca de 50 mL. O lquido resultante foi extrado em um funil de separao com 3 pores de 50 mL de diclorometano (Vetec). As trs pores orgnicas foram ento reunidas, secadas com sulfato de sdio (Syntht) e submetidas evaporao em evaporador rotatrio, fornecendo ento 1,94 g de leo de cravo (12%).

    Preparo dos padres para as curvas de calibrao

    Foram confeccionadas cinco solues-padro com diferentes concentraes de eugenol obtido comercialmente (Firmenich) em 25 mL de diclorometano (Vetec). Como padro interno adicionou-se uma quantidade fixa de 46 mg (1,84 g L-1) de carvona (Firmenich) a cada padro. As massas e concentraes de eugenol em cada padro so mostradas na Tabela 1.

    Preparo da amostra analtica

    Uma alquota de 51 mg da amostra do leo essencial extrada do cravo-da-ndia foi diluda para 25 mL de diclorometano. Como padro interno foram adicionados 46 mg de carvona, conforme feito anteriormente com os padres.

    Injeo das amostras

    As injees das solues-padro para a construo das curvas de calibrao foram feitas por um mesmo analista. A amostra de leo de cravo-da-ndia foi injetada por quatro analistas diferentes. Os cromatogramas obtidos foram integrados e as curvas de calibrao foram feitas utilizando-se as reas dos picos.

    Condies cromatogrficas

    As anlises cromatogrficas foram realizadas em um cromatgra-fo a gs acoplado a um detector de ionizao em chama (CG-DIC) modelo Shimadzu 17A, utilizando uma coluna DB-1 J&W de 30 m, dimetro interno 0,25 mm e espessura do filme de 0,25 m. A tem-peratura do injetor e do detector foram mantidas em 200 e 230 oC, respectivamente, e a programao do forno foi de 50 at 230 oC com uma taxa de aquecimento de 15 oC min-1. O gs carregador utilizado foi o hidrognio com uma vazo na coluna de 1,8 mL min-1. O volume de injeo foi de 1 L.

    Tratamento dos dados

    Os tratamentos estatsticos e a gerao dos grficos foram feitos no software Origin 7.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    A Figura 2 mostra o cromatograma obtido a partir da injeo de um dos padres. Os sinais com tempos de reteno de 5,32 e 6,29 min referem-se carvona (padro interno) e ao eugenol, respectivamente. possvel observar na figura que a resoluo obtida permitiu a sepa-rao completa dos dois componentes, no havendo sobreposio dos picos cromatogrficos. Os valores obtidos para as reas dos padres e a razo entre as reas so apresentados na Tabela 2.

    A curva de calibrao direta, Figura 3, foi obtida atravs de um grfico da concentrao de eugenol versus a rea dos respectivos sinais. O valor do coeficiente de correlao linear (R) de 0,97007, maior que o valor crtico tabelado de Pearson para N= 5 (N o nmero de pontos da curva) indica uma correlao linear significativa entre os dados. J a curva para calibrao interna, Figura 4, foi construda

    Tabela 1. Preparao dos padres

    Padro Massa de eugenol (mg) Concentrao de eugenol (g L-1)1 20,8 0,832 31,2 1,253 52,0 2,084 72,8 2,915 93,6 3,74

    Tabela 2. Resultados das injees dos padres

    Padro rea Eugenol rea Carvona Razo reas Eugenol/Carvona1 33423 87415 0,3822 49625 88792 0,5593 60810 69865 0,8704 120861 102089 1,1845 176752 111873 1,580

    Figura 1. Aparato experimental para extrao por arraste de vapor

    Figura 2. Cromatograma do padro contendo eugenol e carvona

  • Ligiero et al.1340 Quim. Nova

    usando a concentrao de eugenol versus a razo entre as reas dos sinais de eugenol e carvona de cada soluo-padro. O valor de R= 0,99867 mostra que a correlao linear para este caso foi mais sig-nificativa que para a curva anterior.

    Idealmente as curvas de calibrao deveriam passar pela ori-gem, porm, isso no foi observado para as curvas obtidas. Desta forma, levou-se em considerao o valor dos desvios referentes a cada parmetro das equaes das retas (coeficientes lineares e angulares), fornecido pelo software utilizado na confeco dos grficos, para avaliar a significncia dos mesmos (Tabela 3). Para que o parmetro seja estatisticamente significativo, a razo entre o valor do parmetro e o desvio deve ser maior que o valor tabelado para o t de Student.8 Em um modelo linear, o nmero de graus de liberdade (GL) dado por GL= N - 2, onde N o nmero de pon-tos da curva. Para um limite de confiana de 95%, o t de Student tabelado igual a 3,182; desta forma, os valores dos coeficientes

    lineares foram considerados estatisticamente no significativos para as duas curvas, no sendo utilizados nas equaes das retas para os clculos das concentraes.

    A anlise da amostra extrada do cravo-da-ndia foi feita em replicata por quatro analistas, o que um procedimento comum nos casos em que a prtica realizada por uma equipe e onde todos devem participar. A Tabela 4 mostra os resultados obtidos por cada analista levando em considerao os dois tipos de calibrao.

    Por anlise de varincia one-way dos resultados obtidos para os dois tipos de calibrao, Tabela 5, foi possvel constatar que as mdias das duas metodologias so significativamente diferentes a um nvel de confiana de 95%.9

    Assim sendo, atravs desta prtica foi possvel demonstrar a pouca reprodutibilidade que existe nos resultados quando vrios analistas esto envolvidos na injeo de uma amostra com fins quantitativos na tcnica de cromatografia gasosa e, principalmente, que a utili-

    Tabela 3. Anlise estatstica de significncia dos parmetros das curvas

    Parmetros Valores Obtidos Desvio t calculado

    Calibrao Direta

    Coeficiente Linear (A) 0,44844 0,28912 1,55105 no significativoCoeficiente Angular (B) 1,94074.10-5 2,80483.10-6 6,91928 significativoR 0,97007Eq. da Reta usada nos Clculos Y= 94074.10-5 X

    Calibrao Interna

    Coeficiente Linear (A) -0,09426 0,07437 1,26747 no significativoCoeficiente Angular (B) 2,46856 0,07361 33,5357 significativoR 0,99867Eq. da Reta usada nos Clculos Y= 2,46856 X

    Figura 4. Curva de calibrao utilizando padro internFigura 3. Curva de calibrao externa do eugenol

    Tabela 4. Resultados obtidos com diferentes analistas

    Analista rea Eugenol rea Carvona Razo reasEugenol/CarvonaCal. Dir. Conc. Eugenol (g L-1)

    Cal. Int. Conc. Eugenol (g L-1)

    A 64339 102144 0,630 1,249 1,555B 62623 97877 0,640 1,215 1,579C 63283 101065 0,626 1,228 1,570D 55828 88254 0,633 1,083 1,563

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    zao de padronizao interna infere um desvio muito menor nos resultados (Tabela 6). Este fato indica uma maior suscetibilidade a erros na medida de volume e de manuseio do operador do mtodo de calibrao externa. Os desvios relativos para o clculo de eugenol na amostra com a calibrao externa e interna foram de 6,272 e 0,673%, respectivamente. O percentual de eugenol obtido no leo atravs da calibrao do padro interno foi compatvel com o valor apresentado na literatura (70 a 90%)3, enquanto que para a calibrao externa o valor encontrado foi inferior ao esperado.

    Com este experimento possvel demonstrar para os alunos as diferenas entre os dois tipos de padronizao, bem como fornecer a eles a oportunidade de realizar calibraes.

    Tabela 5. Resultados da ANOVA para as duas calibraes

    Fonte GL SQ MQ F F-crtico

    Modelo 1 0,278269190 0,278269190 97,31001 9,28

    Residual 6 0,0171576919 0,00285961531

    Tabela 6. Comparao entre as diferentes calibraes

    Calibrao Concentrao Mdia (g L-1)Desvio Padro

    Percentual de Eugenol

    no leoDesvio Rela-

    tivo (%)

    Externa 1,194 0,075 58,525 6,272

    Interna 1,567 0,011 76,810 0,673

    CONCLUSO

    Este trabalho apresenta uma proposta de experimento empregando a cromatografia gasosa para ser utilizada em uma aula de Qumica Orgnica e Analtica, onde os alunos podero aprender a realizar anlises quantitativas atravs de calibrao externa e interna. A partir do experimento proposto possvel proporcionar aos participantes a observao e assimilao dos principais fatores que influenciam uma anlise quantitativa na cromatografia gasosa e as diferenas entre as calibraes, os erros que podem ocorrer, e os procedimentos neces-srios para minimiz-los atravs do uso de padro interno.

    REFERNCIAS

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