Contradiçõescontra-adições e con-tradições
#1
CréditosTextos
Arte/Diagramação
Carolina KowarickDaniela FialhoFabiana VanzJuliana BarrosLuísa AmaralRenan SilvérioPaola Ribeiro
Carolina Kowarick
Sumário
Fabiana Vanz06
Luísa Amaral10
Renan Silvério12
Juliana Barros16
Carolina Kowarick20
Daniela Fialho22
Contradiçõescontra-adições e con-tradições
Convencionalmente, o termo
contradição se define da seguinte
maneira: designa incompatibilidade
entre alegações atuais e anteriores, ou entre
palavras e ações. Diz respeito, também, ao fato
de que uma coisa não pode ao mesmo tempo
ser e não ser, e aponta para o ato de dizer contra
algo.
No entanto, é sabido que, após o abandono
do pensamento positivista moderno, as noções
acerca desta palavra – bem como todos os
termos que indicam a [im]possibilidade do
estabelecimento de uma só verdade, têm sido
largamente revistos e repensados: o abandono
do pensamento dicotômico abre espaço para
que a contradição possa existir enquanto faces
de uma mesma moeda.
É justamente a crença de que as contradições
estão inscritas nos mais diversos objetos e
situações, que motiva a reunião de trabalhos tão
distintos sob uma mesma perspectiva. Assim,
é neste espaço, onde opostos coexistem, que
se encontram as performances que integram a
presente revista: cada uma delas, a sua maneira,
desloca o tema tratado apontando para seu
oposto;o oposto do que se poderia esperar.
Dessa forma, reunimos nesta revista as
performances de seis artistas visuais que,
apesar de apresentarem trabalhos que diferem
enormemente enquanto forma, sustentam a
idéia da contradição em seu conceito. Em Não
é o seu maior mal de Fabiana Vanz e em Por
que falar em vão? de Luisa Amaral, o aspecto
contraditório surge por meio de metáforas, e
com o esvaziamento de elementos simbólicos
que passam do sublime ao mundano e vice e
versa. Nas performances de Renan Silvério e de
Juliana Barros, vemos a contradição aparecer
no nível da ação x pensamento: ambos os
artistas se lançam em um embate vão e estéril,
no qual é possível perceber o abismo entre as
duas esferas. Já nas performances de Carolina
Kowarick e Daniela Fialho, a contradição surge
de forma intensa na relação com o outro: nos
dois casos, trata-se de servir ou agradar alguém
– mesmo que em um dos casos (Menu Du chef)
este outro permaneça anônimo.
Operando, por meio de deslocamentos,
simbolismos ou metáforas, todos os trabalhos
relativizam a importância do estabelecimento de
uma verdade única e incontestável; trazendo à
tona situações antagônicas e questionamentos;
por fim convidando à quebra de paradigmas, à
revisão de rituais e tradições.
“Forma de arte que combina elementos do teatro, das artes visuais e da música. Nesse sentido, a performance liga-se ao happening (os dois termos aparecem em diversas ocasiões como sinônimos), sendo que neste o espectador participa da cena proposta pelo artista, enquanto na performance, de modo geral, não há participação do público.”
itaucultural.org.br
Não é o seu maior mal
“O casamento é uma imoralidade.
Não é seu maior mal. Porque é também
uma vaudevilesca grosseria. Faz do
que temos de mais sagrado, o amor,
uma coisa legal, isto é, pública e
indecente...”
Apolonio de Almeida Prado
texto autoral
6
Contradições: contra-adições e contradições
por Fabiana Vanz
“Uma noiva sem noivo” é
disso mesmo que trata a
performance? Ao realizar a
ação, e durante todo o processo de idealização
do trabalho, essa foi a pergunta que fiz a mim
mesma, e que ainda agora permanece sem
resposta...
Devia ser isso mesmo: uma noiva sem noivo,
com uma corda amarrada ao redor da cintura.
Agora sim: no lugar do noivo, o bolo; no lugar
da aliança, a corda. Escrevendo as coisas
realmente se esclarecem: botar no papel cria
certa ilusão de linearidade que contribui para a
compreensão, como se diz. No lugar da igreja
e sua eternidade, o ambiente universitário e
transitório; no lugar dos convidados, qualquer
um: curiosos, conhecidos ou desconhecidos.
A noiva de branco arrastando a mesa com o
bolo branco, esticando e afrouxando a corda.
A noiva corta pedaços do bolo e oferece aos
passantes durante uma hora. No lugar da valsa
suave dos noivos, os deslocamentos custosos
e barulhentos da performer. Por fim, uma hora
depois, a noiva desata o nó da corda amarrada
na altura da cintura, e vai embora: o bolo acabou.
...Mas, essa é a descrição. Do que trata a
performance? E o título: não é o maior mal... de
quê mesmo? Difícil dizer, posso apenas supor
que tem a ver com casamento, com imaginário
feminino, com relação conjugal, com ser mulher
no espaço público e nas relações sociais, com
o ato de oferecer e de entregar(-se), com
a exposição voluntária e obrigatória que é
ser mulher depois das conquistas dos anos
sessenta, com a possibilidade de divórcio – ou a
possibilidade de ficar juntos para sempre. Talvez
tenha a ver também com carregar simbolismos,
rituais e tradições pelo simples prazer de negá-
los, e com invocar algo pela simples ausência:
cadê o noivo? Será mesmo uma performance
de “noiva sem noivo”? E o amor? Não, não é
disso que se trata, nessa performance.
Dos comentários pós-performance, ouvi
desde “É por isso que nunca me casei!”
até “Que bonito, simboliza compromisso e
devoção.”. Sei que o branco simboliza pureza
e riqueza, e que o ato de alimentar está ligado
à maternidade, cordão umbilical... No entanto,
para mim, ao realizá-la, parecia grotesco: uma
superexposição cruel da intimidade do vestido
de noiva da minha mãe.
De qualquer forma, este trabalho parece
operar como um dispositivo para a sensibilidade
e a reflexão de memórias individuais ou coletivas
a cerca da mulher (logo, do homem também).
7
Contradições: contra-adições e contradições
Não é o seu maior malpor Carolina Kowarick
texto crítico
Vestida de noiva, com uma corda
amarrada à sua cintura que a
prende a uma mesa com um
bolo de casamento, Fabiana Vanz, quase
que ritualisticamente serve ao expectadores
pedaços de bolo delicadamente cortados
pela mesma. Um a um, os pedaços vão sendo
oferecidos, mas ao percorrer o caminho que a
leva ao expectador, a performer arrasta a mesa
demonstrando esforço e ocasionando uma
barulho muito alto em função do peso da mesa.
Repleta de metáforas, e aberta à muitas
leituras, a performance Não é o seu maior mal
é no mínimo, emocionante. Suscita discussões
a certa do casamento, da festa de casamento e
da figura da mulher em meio a tudo isso.
Ao realizar a performance, Vanz age como
se estivesse resignada. Não há expressão de
alegria ou dor, apenas resignação. Como se
não existisse outro alternativa a não ser, cortar
e servir o bolo, mesmo que para isso ela tenha
que levar a mesa junto.
Essa cena nos leva a pensar em como o
casamento é tratado hoje. Grande parte da
sociedade, o enxerga como um contrato
legal entre duas partes e não como uma união
comprometida com o amor, o carinho e o
cuidado entre duas pessoas. O amor se perde
em meio a tantos protocolos sociais e cláusulas
de contrato.
A imagem convencional de uma noiva
transparece felicidade, o que a artista cria é uma
contradição: uma noiva resignada. Seu destino
não é mais amar e ser amada. Seu destino é
cumprir aquilo que lhe é imposto, mesmo que
para isso ela tenha que suprimir suas vontades
e carregar um fardo.
Ao fim da ação, a Vanz desata o nó que a
liga à mesa, à resignação e se liberta do ritual,
do contrato. É um divórcio.
8
Contradições: contra-adições e contradições
https://vimeo.com/62133153link para o registro
9
Contradições: contra-adições e contradições
Assustadora Lembrança
por Luísa Amaral
Por que?
Por que repassar o passado?
Por que tirar algo do fundo do baú
mesmo que não esteja tão fundo?
Como gostaria que estivesse...
Creio que seja para tentar me ver livre
de algo que é impossível esquecer.
Algo que marcou minha vida, minha memória,
que deixou medos e anseios de viver nesta
cidade.
Mas para que falar sobre isso
neste momento e desse jeito?
Para que tentar insistentemente
solucionar algo insolucionavel?
Tanto desgaste para que?
Tanto sofrimento para nada?
Será que deu pra atingir e comover alguém
com essa história?
Será que fez pensar, pelo menos por um
instante,
sobre tudo que foi falado em vão?
texto autoral
Por que falar em vão?
10
Contradições: contra-adições e contradições
Assustadora lembrançapor Renan Silvério
texto crítico
Luísa constrói uma ambiência que
propicia o espectador se aproximar e
ouvir seus relatos. Os relatos carregam
seus traumas e sofrimentos de infância. O chão
coberto de rosas vermelhas indica o caminho.
A posição escolhida pertence a um esconderijo
estratégico. Luísa se coloca em posição
submissa desde a infância, teve de coexistir
no passado com uma serie de dificuldades
relacionadas ao preconceito e a descriminação
elitista de uma classe fétida e esnobe e agora
se propõem novamente a aguentar em baixo
da escada. Uma escada
normalmente serve
para deslocar pessoas
a lugares mais altos e
alcançar outros andares,
neste caso, sua função é
subvertida e é utilizada
como esconderijo. O clima
melancólico é evidente,
rosas vermelhas sugerem
o caminho, porém para
que ocorra a aproximação
o espectador é levado
a pisar nas flores e a
sentir seu próprio peso exercer uma pressão
destrutiva sobre a delicadeza alheia, assim como
os pré-conceitos e a discriminação destroem a
esperança de uma coexistência harmônica. Ao ir
se aproximando o espectador se encontra com
um confessionário, no estilo da moral religiosa.
Ouvem-se os gemidos e o choro, alguém parece
querer ter morrido há muito tempo e chora seus
sofrimentos e suas lamentações.
Conhecemos (n) historias de sofrimento,
sabemos como é viver em uma sociedade na
qual as primeiras impressões são as que ficam.
O ser humano sente a necessidade de exercer
sua vontade de poder e de subjugar o mais
fraco. Se pegarmos o potencial metafórico da
teoria de Darwin, os seres vivos mantem uma
constante luta pela sobrevivência inclusa em
uma rede de relações. Nos ambientes sempre
existem predadores e parasitas que necessitam
se alimentar. Sempre existem competidores para
concorrer pelo seu alimento, pelo seu habitat e
por parceiras sexuais e
estes exercerão forte
influência negativa para
diminuir suas chances
de sobrevivência.
Disso, observe como
os organismos utilizam
várias estratégias para
vencer a luta pela
sobrevivência, desde a
disputa acirrada entre
indivíduos da mesma
espécie, até métodos
de protocooperação e
camuflagem, tudo com a finalidade de perpetuar
sua espécie. Sendo assim talvez seja bom
pensar de maneira critica e analisar friamente
com quais espécies convivemos diariamente e
de que maneira estas utilizam de mecanismos
para se fortalecer e se perpetuar. Não se trata de
pontuar a questão do parasita ou do predador.
Observeis e criai vossos métodos, todos têm o
seu lugar no mundo!
http://www.youtube.com/watch?v=_BBeuMhXoc8link para o registro
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Contradições: contra-adições e contradições
texto autoral
Sem Título“Vem ocorrendo uma mudança
abissal nas práticas culturais, bem
como politico econômicas desde
mais ou menos 1972. Essa mudança
abissal esta vinculada à emergência
de novas maneiras dominantes pelas
quais experimentamos o tempo e o
espaço”.[...] “A cidade e os modos
de vida da civilização estão sendo
vitimados por um sistema racionalizado
e automatizado de produção e consumo
de signos e imagens.
HARVEY, David. 2009 p. 25
12
Contradições: contra-adições e contradições
por Renan Silvério
A contemporaneidade torna a relação
entre os homens altamente mediada
por imagens, desta forma essa
coexistência conturbada de imagens diversas
nos permite a refletir sobre uma das possíveis
designações da palavra impressão: impressão é
o ato de imprimir e a raiz de imprimir, está no
verbo latino premere, isto é, apertar. Imprimir é
apertar em. Impressão é a ação de um corpo
solido sobre outro. Im pressão, pois, é a pressão
em algo e sobre algo. O mundo da impressão é
diretamente ligado à ideia de multiplicação de
imagens. Porém a palavra impressão também
pode ser designada para fazer considerações no
âmbito estético e psicológico, estabelecendo
relação de significado com as sensações e os
sentimentos.
Sabemos como é viver em uma sociedade
na qual as primeiras impressões são as que
ficam. Desde os tempos mais antigos existe uma
energia vital presente no homem, uma vontade
de criar imagens, de exercer uma representação
de si e do outro seja ela palpável ou não. O
desenvolvimento e a multiplicação das imagens
criadas pelos homens uns sobre os outros torna
passível transformar a mediação em confusão.
Esse poder de mediação das imagens ou das
impressões que elas geram, exercem um jogo
de forças contrarias no mundo contemporâneo
e acabam por suscitar problemas demasiado
humanos. Observo os homens na tentativa de
serem Deuses construindo imagens artificiais
sobre os outros e tentando forçar uma relação
de simetria, porém imagem e homem não
podem ter o mesmo valor de verdade.
A ação surge a partir da vontade critica
do artista, um homem que se depara num
mundo mediado pelas imagens; Entretanto
esse homem percebe que as imagens lançadas
pelos outros homens sobre sua pessoa numa
tentativa de simetria, constituem apenas mais
um universo circunscrito de contradições e
perturbações. Em uma critica ao estatuto
das imagens e das impressões, o artista vê as
imagens que enganam os homens e os homens
que se enganam de imagens a todo o momento
e decide ir de encontro à destruição.
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Contradições: contra-adições e contradições
Sem título - Renan Silvériopor Fabiana Vanz
texto crítico
Dividida em quatro momentos ou
quadros, a performance apresentada
em vídeo por Renan Silverio
desenvolve-se da seguinte maneira: cada
quadro tem início com o artista atravessando
a rua e caminhando em direção a um muro no
espaço urbano, o artista pára e coloca-se de
perfil junto ao muro. Em seguida, uma pessoa,
aparentemente anônima, aproxima-se e
lentamente esboça a silhueta de Renan com giz
branco sobre o muro. Ao final de cada quadro,
o artista afasta-se de sua silhueta, volta ao lado
da rua aposto ao muro; e num impulso, corre:
chocando-se à silhueta frágil sobre o muro
sólido.
Neste trabalho Renan Silvério parece utilizar-
se do espaço público, e da paisagem urbana,
objetivando levantar questões a cerca da
maneira com que se estabelecem as relações
cotidianas entre os indivíduos.
Como sabemos, as relações sociais se
fundamentam em representações que criamos
sobre nós mesmos e sobre o outro; e, uma
vez que a própria compreensão de mundo
passa pelo universo da representação, esta é
condição mesma do reconhecimento de si e do
outro. Paradoxalmente as mesmas imagens que
mediam nossa relação com o que nos cerca,
tornam-se motivo de conflito na medida em que
nos sentimos confinados a um molde que nos é
externo, e no qual muitas vezes não podemos
ao menos nos encaixar.
No entanto, ao colocar-se de perfil junto
ao muro o artista não apresenta resistência:
como em um ato de resignação, e talvez pela
consciência de que seja preciso ceder às
projeções (impressões) do outro para que uma
relação se estabeleça. Contudo, ao afastar-se
do perfil de si traçado sobre o muro, o artista
lança-se a um embate vão e estéril: o choque
14
Contradições: contra-adições e contradições
performance de Renan. O que Renan parece
questionar é a correspondência entre as
projeções sobre um indivíduo e a maneira como
este se sente ou se enxerga, e a dificuldade de
tomar para si o que nos é atribuído no embate
com o outro.
àquela imagem. Nem a silueta, nem o muro são
danificados pela força do corpo do artista, que
segue para aparecer em mais um espaço no
qual a situação irá se repetir de maneira quase
idêntica.
Representação, projeção, construção
e desconstrução (embate) de imagem são
conceitos que vêem a tona ao assistirmos a
https://vimeo.com/60609467link para o registro
15
Contradições: contra-adições e contradições
texto autoral
Sem TítuloO que há em mim é sobretudo
cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada.
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.”
“Cansaço Álvaro de Campos eteronimo de
Fernendo Pessoa
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Contradições: contra-adições e contradições
por Juliana Barros
Cada um possui um tempo
de maturação, um tempo de
organização das ideias, de entender
as coisas e perceber ou chegar à consciência
de como nos relacionamos com o mundo,
como ele nos passa e é passado por nós. O
problema se apresenta justamente quando
esse tempo, extremamente particular, não é
respeitado pelos prazos que só tende a acelerar
o processo gerando “filhos” prematuros. O que
fazer? se torna a pergunta mais frequente do
vocabulário. Não que não haja nada em mente,
porém, o processo de transformação do tema
em trabalho simplesmente escapa como água
escorrendo por entre os dedos.
A motivação para a performance “Sem
Título” não foi nada além do cansaço gerado
pela espera incessante por uma ideia; a
tentativa de alcançar um trabalho singular que
abrangesse tudo aquilo que eu pensava e lia
no momento. A palavra que mais se encaixa?
Frustração. Frustração da não ideia, o insiste
tanto esperado: por que não usar isso a meu
favor?
Sentada numa poltrona nada faço além de
lidar com meu cansaço e tédio. A ação se dá
totalmente através do pensamento – o recurso
de áudio proporcionado pelo vídeo faz com
que o expectador tenha esse acesso (um texto
gravado por mim dá voz ao meu pensamento).
Trabalho prematuro, confesso, e não muito bem
elaborado, mas para mim, é um disparador
de questões relevantes: até que ponto a não
ação pode ser considerada performance? A
simples presença do corpo faz do trabalho uma
performance? A ação mental tem o mesmo
peso ou valor que a ação física? Qual a linha
que separa a videoarte da videoperformance?
Pensando nessas questões, tenho por mim
que o trabalho “Sem título” nada mais é que
um ensaio, um motivo de pesquisa a caminho
de um entendimento maior dos conceitos e
problemas levantados por ele.
A não ação resultante do bloqueio criativo
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Contradições: contra-adições e contradições
Silêncio. Acho que o silêncio seria o
esperado de quem está realmente
cansado. A pura letargia da mente.
Juliana Barros fala, em sua performance “Sem
Título”, do cansaço, do tédio. Permanece
sentada durante todo o período do trabalho,
sem executar nenhuma ação específica, apenas
ali ficar. Por fora, o áudio de sua própria voz
discursando durante todo o vídeo. O discurso
é livre, sem clímax e pouca linha de raciocínio,
parece, até mesmo na forma como é enunciado,
emperrado.
O cansaço causado por um esforço mental,
acredito ser esse o foco do discurso. Mas ao
mesmo tempo em que isso é dito, Juliana
parece fazer um esforço tremendo para dizer
algo, para surgir com palavras novas a respeito
de seu próprio sentimento. Não se pode dizer
muito bem que é tédio o que ela sente, já que
ela mesma também levanta várias opções de
coisas que poderia fazer, mas arremata essas
opções com «Ai. Não quero pensar nisso agora».
Ela nega, então, qualquer movimento. Nega as
possibilidades do que pode ser.
Muito difícil conter a angústia de ouvi-la por
quase 10 minutos falar de forma tão arrastada
sobre a inércia enquanto sentada naquela
poltrona, falar sobre o sofrimento de qualquer
por Daniela Fialho
texto crítico
Sem título - Juliana Barros
18
Contradições: contra-adições e contradições
performance ser, em seu cerne, uma criação
artística... Isso é indicado pela própria falta de
título - ou talvez, o título seja «Sem Título», como
se não existisse o ímpeto nem para nomear
o trabalho. Quando Juliana insere, em um
trabalho de arte, um discurso acerca da falta de
motivação, essa falta de motivação é associada
à criação, logo, à própria arte. Acredito que a
performance não seja aquilo registrado no vídeo
final, mas o ato de fazer o vídeo, uma obra, que
trate da falta de motivação para nada fazer.
https://vimeo.com/63814455link para o registro
esforço, enquanto tenta criar um discurso, sem,
de fato, falar a respeito de coisa alguma. Se
estivesse cansada de fato, se calaria. Relaxaria
naquela poltrona, já que, como ela mesma diz,
o esforço mental também gera cansaço. Devo
supor, então, que o que leva a performer àquela
situação é falta de motivação, falta de vontade
de se mover, de agir, de criar, sejam quais forem
os motivos que a levem a isso.
A performance é uma criação a respeito
da não-criação, especialmente por uma
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Contradições: contra-adições e contradições
Menu du chef:les rests de la semaine
por Carolina Kowarick
“Você é o que você come” essa
frase é largamente utilizada para
sugerir uma alimentação mais
saudável. Mas e aquilo que você não come? O
que é? O que se torna? Por que você não come?
Todos os dias toneladas de comida boa
para o consumo é desperdiçada. Esse número é
composto por aqueles alimentos que estragam
nas feiras até aqueles que são servidos em
restaurantes, por exemplo. Isso me incomoda.
Me incomoda demais!
Venho de uma família tradicional. Fui criada
em meio a muito luxo, principalmente por parte
pelos meus avós. Quando idealizei essa obra,
morava sozinha no apartamento da minha avó
que tinha uma empregada doméstica todo dia
para cozinhar para mim. Todo dia uma mesa
linda e farta era servida para mim. Só para mim.
Por mais que eu pedisse que a funcionária
cozinhasse porções menores, ela não fazia.
Aprendeu que o certo era a variedade. Havia de
ter fartura!
Muita comida era desperdiçada, direta ou
indiretamente por mim!
A fim de retratar minha indignação com essa
situação de desperdício, em que eu mesma
acabo contribuindo direta ou indiretamente,
proponho uma refeição requintada onde é
servido lixo.
Menu du chef: les rest de la semaine é um
retrato autobiográfico mas que com certeza
levanta questionamento aos expectadores. Será
mesmo que toda a comida que está no seu lixo
é lixo? Por que você prepara ou pede se não vai
comer? Cadê a elegância desse ato? “Você é o
que você come” e também aquilo que você não
come.
texto autoral
20
Contradições: contra-adições e contradições
Menu du chef:les rests de la semaine
por Juliana Barros
texto crítico
T odo um cenário é cuidadosamente
preparado; cada item é posto sobre a
mesa delicadamente calculado. Tudo
indica que um especial jantar vai acontecer ali.
O alimento é servido antes da chegada dos
convidados e para nossa surpresa, em contraste
com todo o cuidado na escolha da louça, taças
e prataria, restos de comida tiradas do lixo são
servidos nos pratos e deixados ali pela artista
Carolina Kowarick.
Sente-se, saboreie. O afastar das cadeiras
indica um convite apesar de não verbalizado;
mas ninguém dá as honras, ninguém interage
com a obra, a artista simplesmente sai de cena
deixando a mesa preparada para dois, vazia.
Um grande buraco se forma dando a sensação
de que a performance parece incompleta.
A ideia de cenário ganha dimensão
principalmente por que a performer nada faz
além de preparar esse espaço. O trabalho
é uma pintura 3D, remete à natureza morta,
à tableau vivant . Há implícita no trabalho a
necessidade de algo mais, entretanto, ao deixar
a ação “inacabada” Kowarick acaba por reforça
a estaticidade daquilo que foi construído. Deixo
apenas uma pergunta: O que é a obra afinal: a
ação ou o resultado dela?
Performance ou pintura?
https://vimeo.com/62117412link para o registro
21
Contradições: contra-adições e contradições
texto autoral
Relaçõespor Daniela Fialho
Não existimos sem o Outro. É ele quem nos
revela, quem nos insufla essência. E a forma
como você se relaciona comigo define a forma
como eu me relaciono contigo, ainda que não
seja de forma espelhada.
Preciso que olhe pra mim. Não preciso que
olhe pra mim para que eu olhe pra você. Preciso
olhar pra você. Não preciso olhar pra você para
que olhe pra mim.
Quão envolvida preciso estar com você para
que eu te ame? Para que eu te odeie?
Quanto do amor que sinto por você depende
de você? Quase nada.
Quase nada.
É tudo meu. Pertence a mim.
E se eu minto, por quanto tempo posso
mentir? Quanto tempo até você concluir que eu
minto? E se eu estiver mentindo agora
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Contradições: contra-adições e contradições
Relaçõespor Paola Ribeiro
texto crítico
Quatro formas de corte, quatro níveis de
ação. Duas pessoas, duas mulheres, duas jovens
mulheres. Um bolo apenas. Uma narrativa.
Daniela Fialho apresenta uma cena que se
descompassa. Ela corta um bolo caseiro, serve o
pedaço se ajoelha e massageia os pés da pessoa
que está sentada , essa cena se repete cerca
de quatro vezes em intensidades e expressões
crescentes.
É difícil se colocar frente a essa performance,
ela gera um desconforto devido a posição servil
de Daniela. Ela tira os sapatos, massageia os
pés, entrega o bolo. São ações de cuidado
que remetem a casais do inicio do século 20,
ou seja, ela se desloca no tempo, afinal estamos
no século 21 , mas não só no tempo como no
espaço também, o ambiente parece errado,
não é familiar, não é aconchegante, talvez ele
nem precise ser , porque no final, querendo
ou não, o bolo desce seco goela abaixo, sem
massagem, sem dó.
Que tipo de relação é esta que existe entre
essas duas mulheres? Que cuidado é esse que
se desmente com o tempo , medido por esse
relógio de facas que são também termômetros
desta relação? O calor crescente seria o cuidado
ou o desespero?
Todas estas conjecturas podem ser
enganosas, essa performance pode não se
tratar de como a artista se coloca, mas de
como a pessoa servida se mostra apática em
relação a ela, ou seja, a ação protagonizada
por Daniela Fialho pode não passar de uma
tentativa desesperada de conquistar o carinho
da pessoa a quem ela é devotada .
Aqui a física se contradiz porque a não ação
gera uma reação. O titulo da obra , Relação,
é um equivoco porque ela não existe, não há
troca, o que existe é uma tentativa que acaba
em uma violenta frustração.
Relação?
https://vimeo.com/63531597link para o registro
23
Contradições: contra-adições e contradições
Performances elaboradas e apresentadas no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, durante o segundo semestre de 2012 com finalidades academicas.
24
Contradições: contra-adições e contradições
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