Jurisdio do Trabalho e da Empresa
COLEO FORMAOINICIAL
CONTRAORDENAES LABORAIS(2. Edio)
maio de 2014
Coleo de Formao Inicial
2
A Coleo Formao Inicial publica materiais
trabalhados e desenvolvidos pelos Docentes do
Centro de Estudos Judicirios na preparao das
sesses com os Auditores de Justia do 1 ciclo de
Formao dos Cursos de Acesso Magistratura
Judicial e do Ministrio Pblico. Sendo estes os
primeiros destinatrios, a temtica abordada e a
forma integrada como apresentada (Bibliografia,
Legislao, Doutrina e Jurisprudncia), pode
tambm constituir um instrumento de trabalho
relevante, quer para juzes e magistrados do
Ministrio Pblico em funes, quer para a restante
comunidade jurdica.
O Centro de Estudos Judicirios passou a
disponibilizar estes Cadernos, com o compromisso
de uma peridica atualizao, por forma a manter e
reforar o interesse da sua publicao.
A presente edio refora o cumprimento desse
objetivo.
Ficha Tcnica
Jurisdio Trabalho e da Empresa
Joo Pena dos Reis (Coordenador)
Albertina Aveiro Pereira
Viriato Reis
Diogo Ravara
Nome do caderno: Contraordenaes Laborais (2. edio)
Categoria: Formao Inicial
Conceo e organizao:
Albertina Aveiro Pereira
Reviso final:
Edgar Taborda Lopes
Joana Caldeira
Nota:
Foi respeitada a opo dos autores na utilizao ou no do novo Acordo Ortogrfico
O Centro de Estudos Judicirios agradece as autorizaes prestadas para publicao dos
textos constantes deste e-book
NDICE
I BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 5
II LEGISLAO ................................................................................................................. 11
III DOUTRINA .................................................................................................................. 15
"A Reforma do Direito das Contra-ordenaes" - Paulo Pinto Albuquerque ...................... 17
"Os direitos de audio e de defesa no processo das contra-ordenaes - art. 32., n. 10
da Constituio da Repblica" - Antnio Leones Dantas ................................................... 41
"O auto de advertncia no regime processual das contra-ordenaes laborais e da
Segurana Social - algumas questes" - Rodrigo Serra Loureno ....................................... 81
"O dever de fundamentao da deciso administrativa condenatria em processo contra-
ordenacional" - Vtor Sequinho dos Santos ......................................................................... 95
IV JURISPRUDNCIA ...................................................................................................... 145
Acrdos do Supremo Tribunal de Justia ........................................................................ 147
Acrdo do Tribunal Constitucional .................................................................................. 151
Acrdos do Tribunal da Relao de Lisboa ...................................................................... 155
Acrdos do Tribunal da Relao do Porto ....................................................................... 165
Acrdos do Tribunal da Relao de Coimbra .................................................................. 173
Acrdos do Tribunal da Relao de vora ....................................................................... 181
Acrdos do Tribunal da Relao de Guimares ............................................................... 187
NOTA:
Pode clicar nos itens do ndice de modo a ser redirecionado automaticamente para o tema em
questo.
Clicando no smbolo existente no final de cada pgina, ser redirecionado para o ndice.
Registo das revises efetuadas ao e-book
Identificao da verso Data de atualizao
1. edio 26/11/2013
2. edio 22/05/2014
Separador de nvel 1
I Bibliografia
7
Bibliografia
Albuquerque, Paulo Pinto, Comentrio ao Regime Geral das Contra-Ordenaes luz da
Constituio da Repblica e da Conveno Europeia dos Direitos do Homem, Universidade
Catlica Editora, 2011
Albuquerque, Paulo Pinto, A Reforma do Direito das Contra-Ordenaes, Estudos em
Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol IV, FDUL, 2012, pgs. 735 e sgs.
Andrade, Manuel da Costa, Contributo para o Conceito de Contra-Ordenao (A Experincia
Alem), Vol. I, Problemas Gerais, Instituto de Direito Penal Econmico e Europeu da FDUC,
Coimbra Editora, pgs. 75 e sgs.
Antunes, Manuel Ferreira, Contra-Ordenaes e Coimas, Regime Geral, Petrony, 2. edio.
Azevedo, Tiago Lopes, Da Subsidariedade no Direito das Contra-Ordenaes, Coimbra
Editora, 2011
Correia, Eduardo, Direito Penal e Direito de Mera Ordenao Social, Boletim da Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. 49, 1973
Costa Andrade, Manuel, Contributo para o conceito de contra -ordenao, Revista de Direito
e Economia, Anos 6-7, 1980-81
Costa, Jos Faria, Crimes e Contra-Ordenaes, in Questes Laborais, Ano VIII, n. 17,
Coimbra Editora, pgs. 1 e sgs.
Costa, Jos Faria, A Importncia da Recorrncia no Pensamento Jurdico. Um Exemplo: A
Distino Entre o Ilcito Penal e o Ilcito de Mera Ordenao Social, Vol. I, Problemas Gerais,
Instituto de Direito Penal Econmico e Europeu da FDUC, Coimbra Editora, pgs. 109 e sgs.
Dantas, A. Leones, O Ministrio Pblico no Processo das Contra-Ordenaes, Questes
Laborais, Ano VIII, n. 17, Coimbra Editora, pgs. 26 e sgs.
Dantas, A. Leones, Os Direitos de Audio e de Defesa no Processo das Contra-Ordenaes,
Revista do CEJ, 2. Semestre 2010, n. 14, pgs. 293 e sgs.
Dias, Jorge de Figueiredo, O Movimento de Descriminalizao e o Ilcito de Mera Ordenao
Social, Jornadas de Direito Criminal, o Novo Cdigo Penal Portugus, Centro de Estudos
Judicirios, pgs. 317 e sgs.
Dias, Jorge de Figueiredo, Para uma Dogmtica do Direito Penal Secundrio, Vol. I,
Problemas Gerais, Instituto de Direito Penal Econmico e Europeu da FDUC, Coimbra Editora,
pgs. 35 e sgs.
Geral
8
Bibliografia
Fernandes, Antnio Joaquim, Regime Geral das Contra-Ordenaes, 2. Edio, 2002
Ediforum
Lumbrales, Nuno B. M., Sobre o Conceito Material de Contra-Ordenao, Lisboa,
Universidade Catlica Editora, 2006
Mendes, Manuel de Oliveira e Cabral, Jos dos Santos, Notas ao Regime Geral das Contra-
Ordenaes e Coimas, 3. Edio, Almedina, 2009
Moutinho, Joo Lobo, Direito das Contra-Ordenenaes, Universidade Catlica Editora, 2008
Passos, Srgio, Contra-Ordenaes Anotaes ao Regime Geral, 3. Edio (Revista e
Actualizada), Almedina, 2009
Pereira, Antnio Bea, Regime Geral das Contra-Ordenaes e Coimas, Almedina, 9. Edio,
Maio de 2013
Pinto, Francisco Lacerda, O Ilcito de Mera Ordenao Social e a Eroso do Princpio da
Subsidiariedade da Interveno Penal, in Revista Portuguesa de Cincia Criminal, Ano 7,
Janeiro Maro 1997, Coimbra Editora, pgs. 1 e sgs.
Rato, Joo, Ainda a Questo da Remisso Fundamentadora, Questes Laborais, Ano X,
2003, n. 21, Coimbra Editora, pgs. 112 e sgs.
Rego, Lopes, Alguns Problemas Constitucionais do Direito das Contra-Ordenaes, Questes
Laborais, Ano VIII, 2001, n. 17, Coimbra Editora, pgs. 12 e sgs.
Ribeiro, Joo Soares, Responsabilidade pela Segurana na Construo e Obras Pblicas,
Almedina, Fevereiro de 2005
Ribeiro, Joo Soares, Questes Sobre Processo Contra-Ordenacional, Questes Laborais, Ano
VIII, 2001, n. 18, Coimbra Editora, pgs. 121 e sgs.
Ribeiro, Joo Soares, Natureza da Deciso Administrativa em Processo Contra-Ordenacional,
Pronturio de Direito do Trabalho, n. 63, Centro de Estudos Judicirios, Coimbra Editora,
pgs. 99 e sgs.
Ribeiro, Joo Soares, A Responsabilidade Solidria no Cdigo do Trabalho, Pronturio de
Direito do Trabalho, n. 67, Centro de Estudos Judicirios, Coimbra Editora, pgs. 83 e sgs.
Ribeiro, Joo Soares, A Discricionariedade no Exerccio da Aco Inspectiva, Pronturio de
Direito do Trabalho, n.s 79, 80, 81, Centro de Estudos Judicirios, Coimbra Editora, pgs. 263
e sgs.
Rocha, Manuel Lopes, Dias, Mrio Gomes, Ferreira, Manuel C. Atade, Contra-Ordenaes,
Escola Superior de Polcia
Santos, Manuel Simas e Sousa, Jorge Lopes, Contra-Ordenaes, Anotaes ao Regime
Geral, 6. Edio, Vislis Editores, Dezembro de 2011
9
Bibliografia
Silva, Augusto e Ramos, Vnia, O Direito no inculpao (nemo tenetur se ipsum accusare)
no processo penal e contra-ordenacional portugus, Coimbra Editora, 2009
Serra, Teresa, Contra-Ordenaes: Responsabilidade de Entidades Colectivas, Revista
Portuguesa de Cincia Criminal, Ano 9, Abril-Junho 1999, Coimbra Editora, pgs. 187 e sgs.
Silva, Incio Mota, O Novo Regime das Contra-Ordenaes Laborais, III Congresso Nacional
de Direito do Trabalho, Almedina, 2001, pgs. 179 e sgs.
Arajo, Ana Paula, Contra-Ordenaes Laborais O Problema da Remisso
Fundamentadora, Pronturio de Direito do Trabalho, n. 62, Centro de Estudos Judicirios,
Coimbra Editora, pgs. 81 e sgs.
Botelho, Joo, Contra-Ordenaes Laborais, Petrony, 2010
Correia, Joo, Direito Penal Laboral As Contra-Ordenaes Laborais, Questes Laborais,
Ano VII, 2000, n. 15, Coimbra Editora, pgs. 31 e sgs.
Costa, Adalberto, Contra-Ordenaes Laborais, 2002, Vislis Editores, Dezembro 2001
Loureno, Rodrigo Serra, O Auto de Advertncia no Regime Processual das Contra-
Ordenaes Laborais e da Segurana Social Algumas Questes, Pronturio de Direito do
Trabalho, n. 90, Centro de Estudos Judicirios, Coimbra Editora, pgs. 89 e sgs.
Marques, Abel e Barroso, Carlos, As Contra-Ordenaes Laborais e Sociais nos Transportes
Rodovirios, Quid Juris, Setembro 2003
Moreira, Antnio Jos, O Direito do Trabalho e o Ilcito Contra-Ordenacional Laboral, Porto
Editora, 1986
Nunes, Cludia, Contra-Ordenaes Laborais: Aspectos Substantivos e Procedimentais, I
Congresso Internacional de Cincias Jurdico-Empresariais
(http://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/779/1/artigo9.pdf)
Pereira, Antnio Bea, Contra-ordenaes Laborais. Breves Reflexes Quanto ao Seu mbito
e Sujeitos, Questes Laborais, Ano VIII, 2001, n. 18, Coimbra Editora, pgs. 142 e sgs.
Reis, Viriato, A Responsabilidade Solidria nas Contra-Ordenaes Laborais Ntulas Sobre
Algumas Questes, Pronturio de Direito do Trabalho, n. 87, Centro de Estudos Judicirios,
Coimbra Editora, pgs.309 e sgs.
Ribeiro, Joo Soares, Contra-Ordenaes Laborais, 2011, 3. Edio, Almedina
Laboral
http://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/779/1/artigo9.pdf
10
Bibliografia
Ribeiro, Joo Soares, Anlise do Novo Regime das Contra-Ordenaes Laborais, Questes
Laborais, Ano VII, 2000, n. 15, Coimbra Editora, pgs. 1 e sgs.
Ribeiro, Joo Soares, Auto de Notcia da Inspeco do Trabalho, Questes Laborais, Ano VI,
1999, Coimbra Editora, pgs. 102 e sgs.
Ribeiro, Joo Soares, Da Legalidade ou Oportunidade da Actuao da Inspeco do
Trabalho, Questes Laborais, Ano V, 1998, n. 11, Coimbra Editora, pgs. 74 e sgs.
Roxo, Manuel e Oliveira, Lus C., O Processo de Contra-Ordenao Laboral e da Segurana
Social, Novembro 2009, Almedina
1
II Legislao
13
Legislao
Constituio da Repblica Portuguesa (artigos 32., n. 10, 165., n. 1 alnea d))
Lei 52/2008, de 28 de agosto (Lei de Organizao e Funcionamento dos Tribunais Judiciais
(art. 119.)
Lei 62/2013, de 26 de agosto (Lei de Organizao do Sistema Judicirio) (art. 126., n. 2)
Lei 63/2013, de 27 de agosto (Procede alterao da Lei 107/2009, de 14 de setembro e
institui mecanismos de combate utilizao indevida do contrato de prestao de servios
em relaes de trabalho subordinado)
DL 49/2014, de 27 de maro (Regulamenta a Lei n. 62/2013, de 26 de agosto (Lei da
Organizao do Sistema Judicirio), e estabelece o regime aplicvel organizao e
funcionamento dos tribunais judiciais)
DL 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contra-Ordenaes RGCO), alterado pelo DL
356/89, de 14 de outubro, pelo DL 244/95, de 14 de setembro, pelo DL 323/2001, de 17 de
dezembro e pela Lei 109/2001, de 24 de dezembro)
DL 326-B/2007, de 28 de setembro (Lei Orgnica da Autoridade para as Condies de
Trabalho - ACT), alterado pelo Decreto Regulamentar 47/2012, de 31 de julho
DL 112/2001, de 6 de abril (Carreiras de Inspector) e Despacho Conjunto 37/2004, DR II Srie,
de 22 de junho
Lei 7/2009, de 12 de fevereiro (reviu o Cdigo do Trabalho alterada, por sua vez, pelas Leis
109/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012,
de 29 de agosto, 69/2003, de 30 de agosto, 3/2012, de 10 de janeiro, 11/2013, de 28 de
janeiro, 69/2013, de 30 de agosto e 76/2013, de 7 de novembro)
Lei 98/2009, de 4 de setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho, (artigos 167. a 173.)
Lei 107/2009, de 14 de setembro (Regime processual aplicvel s contra-ordenaes laborais
e da segurana social RCOLSS)
Reg. (CEE) 3820/85, do Conselho de 20 de dezembro de 1985, (transporte de mercadorias e
passageiros), revogado pelo Reg. (CEE) 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15
de maro de 2006
Reg. (CEE) 3821/85, do Conselho de 20 de dezembro de 1985 (introduo do aparelho de
tacgrafo nos transportes rodovirios, de mercadorias e de passageiros), alterado pelo Reg.
(CE) 561/2006 e pelo Reg. (CE) 1791/2006, de 20 de novembro
1. Legislao
14
Legislao
Directiva 2002/15/CE, de 11 de maro de 2002
Directiva 2006/22/CE do Parlamento e do Conselho de 15 de maro, alterada pelas Directivas
n. 2009/4/CE, de 23/01 e n. 2009/5/CE, de 30 de janeiro
DL 272/89, de 19 de agosto (regime sancionatrio da violao dos tempos de conduo,
interrupes e de repouso), revogado pelo DL 169/2009 de 31 de julho e depois
integralmente revogado pelo DL 27/2010, de 30 de agosto
Lei 13/2006, de 17 de abril (regime do transporte de crianas)
DL 237/2007, de 19 de junho (aspectos do tempo de trabalho dos trabalhadores mveis em
actividades abrangidas pelo Reg. (CE) 561/2006
Portaria 983/2007, de 27 de agosto (publicidade dos horrios de trabalho e registo dos
tempos de trabalho e de repouso dos trabalhadores mveis no sujeitos ao aparelho de
tacgrafo)
DL 169/2009, de 31 de julho (regime contra-ordenacional aplicvel ao incumprimento das
regras relativas instalao e uso do tacgrafo)
DL 27/2010, de 30 de agosto (regime sancionatrio aplicvel violao das normas
respeitantes aos tempos de conduo, pausas e tempos de repouso constantes do Reg. (CE)
561/2006, e ao controlo da instalao e utilizao de tacgrafos)
Lei 63/2013, de 27 de agosto (Agosto (combate utilizao indevida do contrato de prestao
de servios em relaes de trabalho subordinado, procedendo a alteraes ao Cdigo de
Processo do Trabalho e ao regime processual aplicvel s contraordenaes laborais e da
segurana social)
Lei 70/2003, de 30 agosto (estabelece o regime jurdico do fundo de compensao do
trabalho, do mecanismo equivalente e do fundo de garantia de compensao do trabalho)
1
III Doutrina
17
Doutrina
A Reforma do Direito das Contra-ordenaes
Paulo Pinto Albuquerque
I.
Em 1979, o ento ministro da justia, EDUARDO CORREIA, elaborou o Decreto-Lei n.
232179, de 24/7, que aprovou o novo regime geral das contra-ordenaes. O diploma previa um
regime em tudo semelhante Gesetz ber Ordnungswidrigkeiten da Repblica Federal alem, de
1968, contendo um conceito legal da contra-ordenao (todo o facto ilcito e subjectivamente
censurvel que preencha um tipo legal no qual se comina uma coima) e um conjunto de regras
substantivas e processuais para a aplicao de coimas a contra-ordenaes. O diploma no
continha qualquer norma sancionadora em que se cominasse uma coima, ao invs do que
sucedia com o diploma alemo.
O diploma tinha aplicao imediata, porque estabelecia que eram equiparveis s contra-
ordenaes as contravenes ou transgresses previstas pela lei vigente a que sejam aplicadas
sanes pecunirias e que ao mesmo regime podiam ser submetidos os casos indicados na lei.
As dvidas sobre a constitucionalidade do diploma por omisso na CRP de qualquer
meno ao regime das contra-ordenaes e por falta de autorizao legislativa do decreto-lei,
bem como a incerteza sobre a capacidade das autoridades administrativas para processar e
julgar as contra-ordenaes suscitaram uma reaco jurisprudencial e legislativa.
Por um lado, o Decreto-Lei n. 411-A/79, de 1/10, revogou as disposies do artigo 1., n.
3 e n. 4, ficando prejudicada a aplicao imediata da nova legislao, mas no o prprio
decreto-lei (FIGUEIREDO DIAS, 1983 b: 45).
Juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Publicado em Estudos em Homenagem ao Professor Jorge Miranda, 2012, Coimbra Editora e FDUL, pp. 735 e segs.
e Comentrio do RGCO luz da Constituio da Repblica e da Conveno Europeia dos Direitos do Homem, 2011,
Universidade Catlica Portuguesa, pp. 9-26
18
Doutrina
Por outro lado, a Comisso Constitucional decidiu no se pronunciar pela
inconstitucionalidade orgnica do referido Decreto-Lei n. 232/79 em virtude de aquele diploma
no versar matria de crimes, nem processo criminal, mas antes de ilcito de mera ordenao
social e seu processo sancionador (parecer da Comisso Constitucional n. 4/81). Acresce que a
Comisso rejeitou tambm a inconstitucionalidade material das normas que previam a
responsabilidade objectiva (independentemente do carcter censurvel do facto), a
responsabilidade das pessoas colectivas pelas contra-ordenaes cometidas pelos seus rgos e
a deteno para efeitos de identificao do autor de uma contra-ordenao.
O diploma de 1979 veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n. 433/82, de 27/10, publicado
no uso da autorizao legislativa concedida pela Lei n. 24/82, de 23/8. A reviso da CRP de 1982
j previa uma meno ao regime das contra-ordenaes, mas a nova verso da Constituio no
estava ainda em vigor na data da publicao do diploma de 1982.
O novo diploma repetiu o anterior, com uma novidade: a regulamentao do concurso de
crimes e contra-ordenaes (FIGUEIREDO DIAS, 1983 a: 24).
Tambm o novo diploma manteve as transgresses em vigor, com receio dos efeitos
prticos nocivos que poderiam decorrer de uma transformao automtica repentina das
transgresses em contra-ordenaes.
A inteno do legislador era a de regular amplos espaos da vida social e econmica, neles
incluindo objectos altamente complexos como as prticas restritivas da concorrncia, as
infraces contra a economia nacional e o ambiente, bem como a proteco dos consumidores.
A natureza do direito emergente no era, pois, a de um direito penal bagatelar, mas a de um
verdadeiro ramo do direito sancionatrio pblico (com razo, JOS MOUTINHO, 2008: 28).
Este novo diploma foi revisto quatro vezes, em 1989, 1995 e 2001.
O Decreto-Lei n. 356/89, de 17/10, publicado ao abrigo da autorizao legislativa
concedida pela Lei n. 4/89, de 3/3, agravou o elenco das sanes acessrias e aumentou o prazo
de recurso da deciso administrativa, tendo tido o propsito de manter o carcter de lei-
quadro do RGCO e no o carcter de lei exemplificativa (ver o estudo preparatrio do decreto-
lei referido, MIGUEL MACHADO, 1992: 306 e 307).
O Decreto-Lei n. 244/95, de 14/9, publicado ao abrigo da autorizao legislativa
concedida pela Lei n. 13/95, de 5/5, procedeu a uma reforma global do regime das contra-
ordenaes, tendo sido precedido de um estudo de FERNANDA PALMA e PAULO OTERO, a
pedido do ento Secretrio de Estado da Presidncia do Conselho de Ministros (FERNANDA
PALMA e PAULO OTERO, 1996). O Decreto-Lei n. 323/2001, de 17/12, procedeu actualizao
dos valores em escudos para euros.
19
Doutrina
A Lei n. 109/2001, de 24/12, modificou o regime da prescrio do procedimento contra-
ordenacional.
parte, tm surgido mltiplos regimes especiais de contraordenaes, por vezes com
ambies generalistas, como sucedeu no mbito do trabalho e do ambiente. Com as palavras
sbias de COSTA PINTO se podem julgar estes regimes especiais: a fragmentao e o casusmo de
muitas destas solues so a negao implcita da vocao de um regime geral (COSTA PINTO,
1997: 270, tendo do mesmo mal j se queixado tambm JOS VELOSO, 2003: 59, e SOUSA
MENDES, 2009: 707, falando mesmo da condio lastimvel em que se encontra o direito nos
domnios financeiro, ambiental, etc., e ainda mais recentemente ADALBERTO COSTA, 2010: 18, a
propsito do novo regime da Lei n. 107/2009, que adjectiva como muito estranho..., criando
uma amlgama de normas adjectivas que, embora separadas entre si por artigos, no o esto por
matrias, diplomas, infraco ou contra-ordenao). Acresce que em alguns destes regimes
especiais com pretenses generalistas se procede frequentemente repetio desnecessria
de algumas normas do RGCO, omitindo, no entanto, outras, o que conduz a situaes
perversas, ficando o intrprete sem saber se a omisso corresponde a um propsito legislativo
de afastar as regras omitidas do RGCO naquele sector de actividade (advertindo com toda a
pertinncia para estes problemas, VASCO PEREIRA DE SILVA, 2009: 291). Esta fragmentao e
casusmo so favorecidos pela inexistncia de uma lei com valor hierrquico acrescido no tocante
ao regime geral das contra-ordenaes (como j notou MIGUEL MACHADO, 1992: 321).
Exemplo flagrante desta legislao casustica e contraditria respeita ao regime de
responsabilidade das pessoas colectivas, valendo ainda hoje as palavras de TERESA SERRA a
propsito do critrio do artigo 7.: deveria, porm, ter sido objecto de reavaliao, em face, no
apenas da criao de sucessivos regimes que em muito o ultrapassavam, mas principalmente do
critrio consagrado em matria de responsabilidade criminal. Com efeito, a legislao contra-
ordenacional tem consagrado variadssimas solues, por vezes mesmo contraditrias entre elas,
revelando uma poltica legislativa anrquica. As palavras de TERESA SERRA, escritas em 1999, so
hoje ainda mais justificadas, aps a criao de um regime geral de responsabilidade criminal das
pessoas colectivas sediado no CP, mais amplo do que o previsto no RGCO, o que coloca um
problema grave de violao do princpio da proporcionalidade entre os regimes criminal e
contra-ordenacional de responsabilidade das pessoas colectivas (sobre este problema ver a
anotao prvia ao artigo 11. do meu Comentrio do Cdigo Penal...; e tambm TERESA
SERRA, 1999: 207, SOARES RIBEIRO, 2003: 228, e de novo, 2011: 323, e JOS MOUTINHO, 2008:
94). No obstante, o direito de contra-ordenaes um instrumento fundamental de regulao
social na sociedade portuguesa, compatvel com a CRP e a CEDH. Dizendo-o com as palavras de
20
Doutrina
FARIA COSTA: o binmio crimes/contra-ordenaes aquele que melhor responde aos anseios,
no s de certeza e de segurana, mas tambm s aspiraes de eficcia, controlada, porm,
pela defesa intransigente do valor da liberdade. A unidade terica que o binmio anteriormente
desenhado representa , por conseguinte, o instrumentum mais apto a responder s finalidades
de uma consequente poltica criminal (FARIA COSTA, 2001: 8). O problema reside hoje, como no
incio, na delimitao das fronteiras do direito contra-ordenacional. E no apenas em relao ao
direito penal, mas tambm, e crescentemente, em relao ao prprio direito civil. que a
avalanche legislativa no mbito do direito das contra-ordenaes invade muitas vezes o espao
clssico do prprio direito civil, como sucede nos casos em que as contra-ordenaes tutelam
direitos e interesses estritamente subjectivos. Como bem notou HENRIQUE SOUSA ANTUNES, A
lata amplitude do direito de mera ordenao social constitui uma aplicao do princpio da
subsidiariedade do direito penal.
Uma aplicao injustificadamente privilegiada. As sanes beneficiam a Administrao sem
curar da natureza essencialmente individual dos bens ofendidos (HENRIQUE SOUSA ANTUNES,
2011: 652). Por outro lado, o processo contra-ordenacional enfrenta um duplo desafio.
Primo, o papel subsidirio dos preceitos reguladores do processo criminal no processo
de contra-ordenaes foi reforado com a reforma do RGCO de 1995. Est em causa, no apenas
a autonomia cientfica do processo das contra-ordenaes, mas at o prprio princpio da
Funktionstchtigkeit der Strafrechtspflege.
Secundo, o carcter geral do processo de contra-ordenaes previsto no RGCO tem sido
frustrado em face da multiplicao de regimes extravagantes que contrariam o regime geral.
Desta forma, o processo contra-ordenacional tomou-se o mbito do direito sancionatrio pblico
onde mais gravemente se viola o princpio da igualdade. A situao agrava-se por fora de uma
jurisprudncia atrabiliria, que o fruto directo de urna legislao catica.
II.
A resoluo destes dois problemas dogmticos deve ser feita de acordo com a seguinte
metodologia: (1) definio dos princpios comuns do direito sancionatrio que enquadram esta
rea do direito pblico com base na jurisprudncia nacional e europeia que se tem debruado
sobre esta rea do direito, isto , a jurisprudncia do TEDH, do TJ, do TC portugus e do TC
alemo, e (2) definio dos princpios estruturais do processo contra-ordenacional, por
contraposio com os princpios correspondentes do processo penal. luz destes princpios pode
no apenas descortinar-se a idiossincrasia dogmtica do processo contra-ordenacional, mas
21
Doutrina
tambm avaliar as mais importantes solues dos regimes especiais do direito contra-
ordenacional e apresentar propostas de iure condendo para a reforma deste ramo do direito
sancionatrio pblico. Segundo a jurisprudncia do TEDH, os direitos estabelecidos pelo artigo
6. da CEDH valem para o arguido de um processo contraordenacional, desde que a infraco
contra-ordenacional possa ser considerada como matria criminal de acordo com os critrios
da jurisprudncia Engel. Em regra, as infraces contra-ordenacionais constituem matria
criminal, em virtude da natureza geral da regra imposta e do carcter preventivo e punitivo da
sano prevista (the general character of the rule and the purpose of the penalty, being both
deterrent and punitive, suffice to show that the offence in question was, in terrns of Article 6
(art. 6) of the Convention, criminal in nature, como consta do fundamental acrdo do TEDH
ztrk v. Alemanha (plenrio), de 21/2/1984, seguido pelo acrdo Lutz v. Alemanha, de
25/8/1987, e pela deciso de inadmissibilidade de 7/12/1999, proferida no caso Scisloski v.
Polnia, relativo omisso de uma demolio ordenada pela autoridade administrativa, mas
contrariado pela deciso de inadmissibilidade de 11/1/2001, proferida no caso Inocncio v.
Portugal, com o argumento de que a punio da omisso da uma autorizao antes da realizao
de um trabalho de construo no uma medida criminal punitiva de aplicao geral a todos os
cidados, mesmo que a omisso seja punvel com uma quantia certamente substancial de 20
milhes de escudos, dado que ela no podia ser substituda por priso). Discute-se se os
referidos direitos valem por igual em todo o processo contra-ordenacional ou apenas na fase
judicial do processo contra-ordenacional (na doutrina, concorda com a aplicao do artigo 6. da
CEDH a todo o processo contra-ordenacional, incluindo a fase administrativa, GOLLWITZER,
anotao 237. ao artigo 6., mas contra GHLER, anotao 10. ao 46.).
O direito de acesso ao tribunal no mbito do processo contraordenacional foi estabelecido
no referido caso ztrk v. Alemanha, tendo o TEDH admitido a existncia de uma poltica
sancionatria de infraces menores por autoridades administrativas desde que a deciso
administrativa possa ser contestada diante de um tribunal que oferea as garantias do artigo 6.
(Having regard to the large number of minor offences, notably in the sphere of road traffic, a
Contracting State may have good cause for relieving its courts of the task of their prosecution
and punishment. Conferring the prosecution and punishment of minor offences on
administrative authorities is not inconsistent with the Convention provided that the person
concemed is enabled to take any decision thus made against him before a tribunal that does
offer the guarantees of Article 6). Contudo, o TEDH concluiu que houve violao do direito a uma
audincia, porque o tribunal de recurso recusou ouvir o requerente. O direito de acesso ao
tribunal inclui, pois, segundo a autoridade do TEDH, o direito a uma audincia pblica, quando
22
Doutrina
ela tenha sido requerida pelo arguido. O direito de acesso ao tribunal depende da iniciativa do
interessado. No caso Van Ham v. Alemanha (deciso sobre admissibilidade de 11/9/2007), no
obstante ter rejeitado liminarmente a queixa por ser manifestamente infundada, o TEDH
reconheceu o direito do requerente impugnar a deciso administrativa que aplicou uma coima,
tendo, contudo, a responsabilidade de arguir em tempo a invalidade da notificao feita em
lngua que o acoimado no domina.
O direito de depor de tempo e das facilidades necessrias preparao da defesa vale no
processo contra-ordenacional, incluindo a fase administrativa, sendo suficiente um prazo de trs
meses concedido pela autoridade administrativa ao arguido para estudar um processo de
dezenas de milhares de pginas e devendo o arguido alegar os motivos pelos quais as provas
no juntas ao processo poderiam ter contribudo para a sua defesa (acordo Messier v. Frana,
de 30/6/2011).
O direito assistncia de um tradutor gratuito vale tambm para o processo contra-
ordenacional, pelo menos na fase contenciosa (acrdo ztrk v. Alemanha).
Os princpios da proporcionalidade na produo da prova e, designadamente, da proteco
dada ao domiclio tambm valem o processo contra-ordenacional (acrdo Buck v. Alemanha).
Alis, a CDH j tinha admitido a realizao de buscas domicilirias com vista prova de contra-
ordenaes (deciso sobre a admissibilidade de 10/12/1986, proferida no caso H.N. v. Alemanha,
com base no fundamento da preveno do crime do artigo 8. da CEDH). O princpio do caso
julgado e do caso decidido da condenao (no impugnada) foi estabelecido no acrdo Sergey
Zolotukhin v. Rssia (GC), de 10/2/2009, que decidiu sobre uma situao em que os mesmos
factos foram submetidos a um procedimento criminal depois de o arguido ter sido sujeito a um
procedimento administrativo que terminou com a imposio de uma sano de 3 dias de
deteno aplicada por um tribunal. O TEDH concluiu pela violao do artigo 4. do protocolo 7.
em virtude de se tratar de factos idnticos ou substancialmente Iguais, sendo irrelevante a
classificao legal dos mesmos (the Court takes the view that Article 4 of Protocol No. 7 must be
understood as prohibiting the prosecution or triai of a second offence in so far as it arises from
identical facts or facts which are substantially the sarne). Este princpio foi, mais recentemente,
tambm aplicado numa situao em que o arguido foi submetido a um procedimento criminal
depois de ter sido julgado num processo administrativo que terminou com uma coima aplicada
por uma autoridade administrativa (acrdo Tsonyo Tsone v. Bulgria (N. 2), de 14/1/2010).
23
Doutrina
III.
De acordo com a jurisprudncia do TJ, os direitos fundamentais do visado num processo
sancionatrio da ordem jurdica da Unio Europeia so: (1) o direito a uma audincia diante da
autoridade administrativa, (2) o direito no auto-inculpao, (3) o direito fundamentao das
decises, (4) o direito de acesso a documentos, (5) o direito representao legal, que inclui o
direito confidencialidade da comunicao entre o advogado e o cliente, e (6) o direito de acesso
a um tribunal independente e imparcial num tempo razovel. Estes direitos foram vertidos para
os artigos 41. e 47. da Carta dos direitos funda mentais e, mais especificadamente, para o
Regulamento do Conselho n. 112003, de 16/12/2002, e o Regulamento da Comisso n.
773/2004, de 7/4/2004, que j foi alterado pelo Regulamento n. 1792/2006, 23/10/2006, e pelo
Regulamento n. 622/2008, de 30/6/2008.
Doutra banda, os queixosos tambm tm um direito processual a intervir e defender os
seus interesses legtimos no processo sancionatrio (caso BAT e Reynolds v. Comisso, 142 e
156/84), incluindo o direito de ser ouvidos se a autoridade administrativa entender que o caso
deve ser arquivado (caso Guerin Automobiles v. Comisso, C-282/95 P) e o direito a uma deciso
devidamente fundamentada de arquivamento (caso Automec II, T-24/90 e, para casos de no
fundamentao adequada de arquivamento, caso BEUC v. Comisso, T-37/92, e caso BEMIM v.
Comisso, T-114/92). Os referidos Regulamento do Conselho n. 1/2003 e Regulamento da
Comisso n. 773/2004 consagraram os direitos dos queixosos ou terceiros interessados.
Estes direitos dos visados e dos queixosos podem ser invocados no s diante das
instncias judiciais europeias, mas tambm diante das instncias judiciais nacionais, quando
estas tenham competncia para aplicar lei da Unio Europeia (caso Steffensen, C-276/01, sobre o
direito a uma segunda anlise pericial). O direito a uma audincia diante da autoridade
administrativa foi sintetizado no caso Michelin v. Comisso, 322/81, nos seguintes termos:
A necessidade de ter em conta os direitos da defesa um princpio fundamental da lei
comunitria que a Comisso deve observar nos processos administrativos que possam levar
imposio de sanes sob as regras da lei da concorrncia previstas no Tratado. A sua
observncia requer inter alia que a empresa visada possa ter tido a possibilidade de exprimir
efectivamente os seus pontos de vista sobre os documentos usados pela Comisso para
fundamentar a sua alegao de uma violao.
O direito de audincia consubstancia-se em duas vertentes: por um lado, o visado deve ser
notificado de forma exacta e completa dos factos existentes contra ele (caso Pases Baixos v.
Comisso, 48/90 e 66/90, e mais recentemente, caso Mediocurso Estabelecimento de Ensino
24
Doutrina
Particular Lda, v. Comisso, C-462/98 P); por outro lado, o visado deve ter a possibilidade de
comentar toda a informao tida em considerao pela autoridade administrativa para motivar a
sua deciso (caso Hoffmann-La Roche v. Comisso, 85/76). J o nus da prova de que a
informao necessria foi comunicada ao visado cabe autoridade administrativa (caso Al-Jubail
Fertiliser v. Conselho, C-49/88).
O direito de audincia diante da autoridade administrativa est expressamente
consagrado no artigo 27., n. 1, do Regulamento do Conselho n. 1/2003 e regulado em detalhe
nos artigos 10. e 11. (audio escrita do visado) e nos artigos 12. e 14. (audio oral do
visado) do Regulamento da Comisso n. 773/2004. O direito resume-se na afirmao de
princpio de que A Comisso deve, nas suas decises, tratar somente de objeces que as partes
(...) puderam comentar (The Commission shall, in its decisions, deal only with objections in
respect of which the parties (...) have been able to comment).
O direito de acesso aos documentos representa uma consequncia do direito de audincia
(casos Pases Baixos e Van der Wal v. Comisso, C-174/98 P e C-189-98 P). Este direito s existe
se os documentos forem relevantes e a sua no revelao puder ter influenciado o curso do
processo e o contedo da deciso administrativa em desfavor do visado (caso Pases Baixos v.
Comisso, 58194, e caso Solvay, T-30/91). Em caso de dvida sobre se o documento ou no
relevante, cabe ao visado pela deciso administrativa provar essa relevncia (caso Van
Landewyck v. Comisso, C-208/15 e C-218/78), podendo essa relevncia verificar-se apenas em
relao a parte dos documentos (caso Verein fr Konsummentinformation v. Comisso, T-2/03).
O dever de revelao inclui no apenas os documentos incriminatrios, mas tambm os
documentos exoneratrios de responsabilidade do visado (caso Alborg Portland AIS e outros v.
Comisso, C-204, 205, 211, 213, 217 e 219/00 P). A no revelao de certos documentos no pe
necessariamente em causa a deciso administrativa, salvo se ela s pudesse ser tomada com
base nesses documentos (caso AEG v. Comisso, 107/82). Contudo, a revelao de documentos
no deve prejudicar o segredo profissional, pelo que a autoridade administrativa no deve
fundamentar a sua deciso em documentos cuja revelao esteja vedada por fora do segredo
profissional (caso Blgica v. Comisso, 234/84, e caso AKZO v. Comisso, C-62/86).
A ocultao de documentos confidenciais tem consequncias diversas, consoante se trate
de documentos incriminatrios ou exoneratrios (acrdo do TPI, de 27/9/2006, T-314/01, que
desenvolve o acrdo do TJ, de 18/5/1982, processo 155/79). A ocultao de documentos
exoneratrios, isto , que poderiam ilibar o arguido, s viola o direito de defesa se o arguido
provar que a deciso administrativa teria sido diferente se ele tivesse tido acesso aos
documentos durante o processo administrativo (if it is shown that the administrative procedure
25
Doutrina
might have had a different outcome if that undertaking had had access to the documents in
question during that procedure). No caso de o documento exoneratrio se encontrar no
processo da autoridade administrativa, irrelevante o modo como procedeu o arguido durante o
processo administrativo. No caso de o documento exoneratrio no se encontrar no processo da
autoridade administrativa, s se verifica violao do direito de defesa quando o arguido requereu
expressamente o acesso ao mesmo e ele foi recusado. Se o documento exoneratrio no se
encontrar no processo administrativo e o arguido no tiver requerido esse documento, no h
violao do direito de defesa (where the exculpatory documents in question are not in the
Commission 's investigation file, an infringement of the rights of the defence may be found only if
the undertaking expressly asked the Commission for access to those documents during the
administrative proce dure, failing which its right to put forward that plea is barred in any action
for annulment brought against the final decision).
A ocultao de documentos incriminatrios, isto , que foram utilizados para fundamentar
a imputao, viola o direito de defesa independentemente da iniciativa do arguido, desde que se
verifiquem duas condies cumulativas: 1. Se no houver outros documentos no processo que
sirvam de fundamento da deciso da autoridade administrativa, e 2. se ficar provado que a
autoridade administrativa teria concludo diferentemente se tivesse sido afastado o referido
documento confidencial. Esta condio uma condio de relevncia lgica do documento para
a fundamentao da deciso administrativa. Aquela condio uma condio axiolgica que
consubstancia o contedo mnimo do direito de defesa, em tudo semelhante condio
colocada pelo acrdo do TEDH Kostovski v. Pases Baixos e, posteriormente, tomada como
ltimo e derradeiro crivo para a restrio do direito de defesa pelo TEDH e at pela Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa. Se a fundamentao da deciso administrativa no permitir
apurar quais os factos baseados em documentos confidenciais, h violao do direito de defesa,
devendo ser cominada essa violao com a sano da nulidade sanvel.
O direito de acesso ao processo e aos documentos est hoje expressamente consagrado
no artigo 27., n. 2, do Regulamento do Conselho n. 1/2003, sob reserva do interesse legtimo
das empresas na proteco dos segredos comerciais, e mais amplamente nos artigos 15. e 16.
do Regulamento da Comisso n. 773/2004, que incluem tambm "outra informao
confidencial. O considerando 13. deste Regulamento esclarece o que deve entender-se por
outra informao confidencial: trata-se de informao diferente de segredos comerciais, que
pode ser considerada como confidencial, na medida em que a sua revelao poderia prejudicar
significativamente uma empresa ou pessoa. As empresas inspeccionadas podem tambm ficar,
depois de findar a inspeco, com cpia das inquiries em que os seus representantes
26
Doutrina
participaram (artigo 4., n. 2, do Regulamento da Comisso n. 773/2004). Por outro lado, o
artigo 27., n.s 3 e 4, do mesmo Regulamento do Conselho prev o direito dos autores das
denncias e de outros terceiros interessados de se pronunciarem sobre a posio da
Comisso, com conhecimento de causa do processo, sempre sob ressalva da proteco dos
segredos comerciais. Este direito detalhadamente regulado nos artigos 7. e 8. do
Regulamento da Comisso n. 773/2004, a que acresce o direito de participar na audincia oral
previsto no artigo 6., n. 2.
O direito fundamentao das decises administrativas ainda um corolrio do direito de
audincia, uma vez que dele decorre que a autoridade administrativa deve demonstrar que
tomou em considerao os argumentos apresentados pelos visados, o que lhes permite
impugnar a deciso, bem como permite ao Tribunal exercer uma funo de controlo da
legalidade da deciso. Se a deciso da autoridade administrativa no for suficientemente precisa
nos seus fundamentos de modo a permitir o exerccio dos direitos de impugnao, ela padece de
um vcio (caso Alemanha v. Comisso, 24/62).
O direito fundamentao das decises administrativas est hoje previsto em particular
para a deciso de arquivamento da queixa, nos termos do artigo 7., n. 1, do Regulamento da
Comisso n. 773/2004 (it shall inform the complainant of its reasons). O direito representao
legal (caso Demont v. Comisso, 115/80), que inclui o direito confidencialidade da comunicao
entre o advogado e o cliente, foi reconhecido com duas restries: (1) ele no inclui os
advogados que tenham uma relao laboral com o cliente, isto , que sejam empregados do
cliente; (2) ele s inclui as comunicaes mantidas com vista defesa dos interesses do cliente
(caso AM & S Europa v. Comisso, 155/79, e caso Hilti v. Comisso, T-30/89).
O direito representao legal est hoje consagrado no artigo 14., n. 1, do Regulamento
da Comisso n. 773/2004.
O direito no auto-inculpao foi consagrado no caso Orkem v. Comisso, C-374/87, que
incidiu sobre o artigo 11. do Regulamento n. 17/62. O TJ decidiu que as pessoas colectivas no
tinham um direito absoluto no auto-inculpao em processo no penal por infraco de
natureza econmica.
O direito de guardar silncio s pode ser reconhecido a uma empresa destinatria de uma
deciso de pedido de informaes na acepo do artigo 11., n. 5, do Regulamento n. 17/62,
na medida em que esta seja obrigada a fornecer respostas atravs das quais seja levada a admitir
a existncia da infraco cuja prova cabe Comisso. No mais, as empresas so obrigadas a
entregar documentos e a prestar informaes, mesmo que aqueles documentos e estas
informaes possam vir a ser utilizadas para provar uma infraco. O TJ utilizou como argumento
27
Doutrina
a circunstncia de data o TEDH no ter ainda reconhecido esse direito, o que veio a suceder em
1993 com o caso Funke v. Frana. Mais tarde, no caso Mannesmanrhen-Werke AG v. Comisso,
T-112/98, o TPI concretizou o mbito das questes no abrangidas pelo direito de defesa: a
resposta a questes factuais da Comisso e a satisfao de pedidos de documentos pr-
existentes. O visado pode sempre provar que as informaes pedidas e os documentos
transmitidos tm um significado jurdico distinto daqueles que lhe deu a Comisso, pelo que o
seu direito de defesa est ainda assegurado. Por exemplo, so de natureza a obrigar uma
empresa a confessar a sua participao num acordo ilegal contrrio s regras comunitrias de
concorrncia e, portanto, constituem uma violao dos direitos de defesa as questes pelas quais
a Comisso convida uma empresa a descrever o objectivo das reunies em que teria participado
e as decises tomadas durante essas reunies, quando claro que a Comisso suspeita que o
objectivo dessas reunies foi a celebrao de acordos sobre os preos de venda, susceptveis de
impedir ou restringir o jogo da concorrncia. No caso PVC II, Limburgse Vinyl, C-238/99 P, o TJ
considerou que apenas a deciso de pedido de informao acompanhada de um elemento
coercivo poderia violar o direito ao silncio, pelo que nem a resposta voluntria do visado nem a
recusa da resposta implicavam qualquer violao do dito direito.
Ainda que as respostas possam induzir a uma confisso, a deciso final da autoridade
administrativa s fica prejudicada pelo recurso efectivo s respostas do visado como fundamento
da deciso. No caso Comisso v. SGL Carbon, C-301/04 P, o TJ manteve esta jurisprudncia,
considerando que ela no era prejudicada pelos princpios resultantes da nova jurisprudncia do
TEDH. Ao revogar a deciso do TPI recorrida, o TJ considerou que as empresas continuam
obrigadas a entregar Comisso documentos, que constituam informao que exista
independentemente da sua vontade.
Esta jurisprudncia foi ainda recentemente confirmada pelo acrdo do TJ, de 26/9/2009,
proferido no caso ErsteBank e outros v. Comisso, C-125, 133, e 137/07 P, (sobre a
incompatibilidade desta jurisprudncia do TJ com a jurisprudncia do TEDH, RICHARD GORDON,
2007: 10.42, TAKIS TRIDIMAS, 2009: 375 a 377, e VNIA RAMOS, 2010: 183 a 187, mas em
sentido diverso, MARIA REIS SILVA, 2007: 68 e 69, e HELENA MARTINHO, 2010: 166 a 172).
O direito no auto-inculpao mencionado presentemente no pargrafo 23. do
Regulamento do Conselho n. 1/2003, segundo o qual as empresas no podem ser foradas a
admitir que cometeram uma infraco, mas so de qualquer forma obrigadas a responder a
perguntas de natureza factual e a exibir documentos, mesmo que essas informaes possam ser
utilizadas para determinar que elas prprias ou quaisquer outras empresas cometeram uma
infraco.
28
Doutrina
Acresce que o artigo 2. do referido Regulamento prev expressamente o nus do
queixoso e da autoridade administrativa da prova das infraces.
O princpio da tutela judicial inclui no apenas a fixao das regras sobre a competncia
dos tribunais, mas tambm a definio detalhada das regras de processo (caso Pontin, C-63/08).
Mas esse direito no absoluto e pode ser limitado, designadamente pela obrigatoriedade de
uma tentativa prvia de conciliao extrajudicial (caso Ressaiba Alassini e outros v. Telecom Italia
SPA, casos juntos C-317/08, C-318/08, C-319/08 e C-320/08).
A tutela judicial tem de ser tempestiva (caso Limburgse Vinyl Maatschappij (LVM) v.
Comisso e outros, C-238, 244, 245, 247, 250-252 e 254/99 P). Por exemplo, a pendncia de um
caso no TPI durante cinco anos e meio viola o dito princpio (caso Baustahlgererbe GmbH v.
Comisso, C-185/95 P).
A quebra de direitos da defesa pela autoridade administrativa pode ser sanada na fase
contenciosa pelo tribunal, se essas violaes no tiverem prejudicado os interesses do visado
(caso Hoffmann-La Roche v. Comisso, 85/76).
O princpio da tutela judicial tem ainda como corolrios a garantia do caso julgado, em
relao qual o direito comunitrio reconhece excepes baseadas nas seguintes circunstncias:
o facto foi cometido no territrio nacional, o facto representa uma violao da segurana
nacional ou outro valor idntico ou o facto foi cometido por um funcionrio civil nacional (artigo
7. da Conveno sobre a proteco dos interesses financeiros da Comunidade Econmica, e
artigo 55. da conveno de implementao do acordo de Schengen). No caso de buscas, o
princpio da tutela judicial condensa-se na faculdade de o tribunal nacional controlar a
proporcionalidade da medida requerida pela Comisso (caso C-94/00, Roquette Freres SA, que
interpreta os famosos casos 46/87 e 227/88, Hoechst), com base na jurisprudncia do TEDH
Funke v. Frana, Camenzind v. Sua, e Colas Est v. Frana, expressamente invocados no
pargrafo 49 do acrdo. Mas o tribunal nacional no tem de conhecer os meios de prova que
sustentam o pedido da Comisso, pois esta tem apenas de descrever os fundamentos razoveis
(reasonable grounds) da existncia de uma infraco.
A busca domiciliria foi consagrada no artigo 21. do Regulamento do Conselho n.
1/2003, cujo considerando n. 26 justificou esta medida coerciva nos seguintes termos: Alm
disso, a experincia demonstrou que h casos em que os documentos profissionais so
guardados no domiclio dos dirigentes e dos colaboradores das empresas. A fim de preservar a
eficcia das inspeces, ser por conseguinte necessrio permitir que os funcionrios e outras
pessoas mandatadas pela Comisso tenham competncia para aceder a todos os locais onde
possam encontrar-se documentos profissionais, incluindo os domiclios privados. O
29
Doutrina
considerando acrescenta que: O exerccio desse poder dever todavia ficar sujeito interveno
da autoridade judicial, que pode pedir Comisso informaes adicionais que necessita para
levar a cabo o seu controlo e na ausncia das quais pode recusar a autorizao". Nos termos do
artigo 21., n. 3, o controlo judicial nacional incide apenas sobre o carcter no arbitrrio e no
excessivo da medida coerciva, no incluindo a necessidade da inspeco, nem podendo exigir
que lhe sejam apresentadas informaes que constem do processo da Comisso.
IV.
No direito alemo, os direitos processuais fundamentais (Justizgrundrechte) so o direito
de acesso ao tribunal (Rechtsweggarantie) previsto no artigo 19., n. 4, da GG, o princpio do juiz
natural ou legal (gesetzliche Richter) previsto no artigo 101. da GG, e os princpios da audincia
(Rechtliches Gehhr), da legalidade das penas e do caso julgado, previstos no artigo 103. da GG.
Mais relevantes para o mbito do processo contra-ordenacional so o primeiro e o quarto
princpios.
A competncia sancionatria da autoridade administrativa funda-se no pensamento da
auto-sujeio do visado (Selbstunterwerfung des Betroffenen, na expresso consagrada na
doutrina, como se v em GHLER, anotao 10. ao 35., e KK-LAMPE, anotao 2. ao 35.).
Os princpios de acesso ao tribunal e da audincia so, pois, garantidos, mas a ttulo
secundrio.
A aplicao dos institutos do processo penal no processo contra-ordenacional obedece ao
princpio da proporcionalidade. Por um lado, as medidas intrusivas na privacidade e as medidas
restritivas da liberdade no so, em regra, admissveis, salvo casos excepcionais. Por exemplo, a
privao da liberdade (Freiheitsentziehung) admissvel no processo contra-ordenacional com
autorizao de um juiz, mas a priso preventiva (Verhaftung) est vedada no processo contra-
ordenacional por fora do 104., n. 2, da GG (FRISCH, anotao 2. ao 46.). Por outro lado,
as regras que visam promover a defesa do arguido no processo penal podem ser interpretadas
de forma menos exigente quando sejam aplicadas no processo contra-ordenacional (GHLER,
anotao 10. ao 46.).
Mas quando a lei imponha deveres de colaborao e informao, os elementos de prova
obtidos desta forma fora do processo contra-ordenacional no podem ser valorados contra si no
processo contra-ordenacional. De acordo com a deciso fundamental do
Bundesverfassungsgericht de 1981, desconforme com a Constituio a obrigao de, atravs da
prpria declarao, ter de fornecer a condio para uma condenao penal ou a aplicao de
30
Doutrina
sanes correspondentes (durch eigene Aussage die Voraussetung fr eine strafgerichtliche
Verurteilung oder die Verhngung entsprechender Sanktionen liefern zu mssen), expresso que
a doutrina tem entendido como referindo-se ao processo contra-ordenacional (ROLF STRNER,
1981: 1759). Na sntese de GHLER, Na medida em que fora do processo contra-ordenacional
deveres administrativos e compulsrios de informao e cooperao atinjam o arguido e,
portanto, ele no beneficie do direito ao silncio, os conhecimentos adquiridos deste modo no
podem ser valorados no processo contra-ordenacional a seu desfavor (ver especialmente no
direito tributrio e no direito da concorrncia) (Soweit den Betroffenen ausserhalb des
Bussgeldverfahrens erzwingbare verwaltungsrechtliche Auskunfts und Mitwirkungspflichten
treffen und ihm insoweit kein Aussageverweigerungsrecht zusteht, drfen die auf diese Weise
erlangten Kenntnisse im Bussgeldverfahten nicht zu seinem Nachteil verwertet werden (vgl.
lnsbesondere im Steuer und Kartellrecht). A mesma soluo deve valer para o caso de o
arguido ter um direito de recusar a colaborao e no ter sido advertido desse direito. Mais: se
no decurso da prestao do depoimento de uma testemunha se verificarem indcios da sua
comparticipao numa contra-ordenao ou se forem colocadas questes que visam averiguar a
sua comparticipao numa contra-ordenao, ela deve ser constituda arguida e advertida do seu
Schweigerecht e ser ouvida nessa qualidade (GHLER, anotaes 8. e 15. ao 55., e anotaes
4. e 16. ao 59., e KK-WACHE, anotao 15. ao 55.).
Dito de outro modo, no caso de deveres obrigatrios de colaborao e informao, o
princpio da proibio da auto-inculpao exige ou o reconhecimento de um direito de recusa de
depoimento ou o estabelecimento de uma proibio de prova (como diz ROLF STRNER, Bei
erzwingbaren Aufkiirungspflichten...verlangt der Schutz vor Selbstbelastung entweder
Aussageverweigerungsrechte oder strafprozessuale Verwertungsverbote, dando o exemplo do
46. V da anterior verso da Gesezt gegen Wettbewerbsbeschrnkungen, de 1957, que
corresponde hoje ao 59. (5) da mesma GWB, na verso de 1998).
Com efeito, diz o n. 5 do pargrafo 59. da GWB, os obrigados a informao podem
recusar a informao s perguntas cuja resposta os colocaria, a eles prprios, ou aos familiares
descritos no pargrafo 383. nmero 1 a 3 do Cdigo de Processo Civil, sob perigo de perseguio
criminal ou de um processo segundo a lei das contra-ordenaes (Zur Auskunft Verpflichtete
knnen die Auskunft auf solche Fragen verweigern, deren Beantwortung sie selbst oder
Angehrige, die in 383 Abs. 1 Nr. 1 bis 3 der Zivilprozessordnung bezeichnet sind, der Gefahr
strafgerichtlicher Verfolgung oder eines Verfahrens nach dem Gesetz ber Ordnungswidrigkeiten
aussetzen wrde ).
31
Doutrina
Portanto, na falta de uma previso expressa do direito de recusa de depoimento do
suspeito da prtica de contra-ordenao, vale a regra da proibio de prova. Esta proibio de
prova funciona preventivamente como uma verdadeira Chinese wall, no sentido de uma
barreira tica e jurdica entre diferentes divises da uma instituio para evitar o conflito de
interesses. Isto , a prova inculpatria fornecida pelo sujeito a deveres de colaborao e
informao no pode ser usada contra ele num processo administrativo sancionatrio.
A posio do Bundesverfassungsgericht foi duplamente restringida.
Por um lado, o princpio da proibio da auto-inculpao e o direito ao silncio
(Auskunftsverweigerungsrecht) no foram reconhecidos no caso de pessoas colectivas, com base
no argumento de que o direito de no auto-inculpao decorre da dignidade da pessoa humana
e, portanto, no aproveita pessoa colectiva (sentena do Bundesverfassunsgericht de
26/2/1997, mas com a crtica da doutrina, como nota GOLLWITZER, 2005: 422).
Por outro lado, na sua recente deciso de 15/10/2004, o Bundesverfassungsgericht
confirmou a interpretao restritiva do 393 I 2 da AO feita pelo Bundesgerichtshof no sentido
de que a proibio da auto-inculpao do contribuinte no inclui os crimes gerais (como por
exemplo a falsificao de documentos) cometidos em unidade processual com a infraco fiscal.
A proibio de auto-inculpao do contribuinte s inclui os crimes e as contra-ordenaes fiscais.
O argumento do Tribunal Constitucional alemo este: o contribuinte tem o dever de
informar, mas esta obrigao no tutelada por uma sano, pelo que no deve valer qualquer
proibio de prova em relao informao obtida do contribuinte. Isto , sempre que o dever
de prestar informaes seja imposto sem a ameaa de uma sano para a sua violao, as
informaes obtidas do obrigado no esto sujeitas proibio de prova. Destarte, o Tribunal
adaptou a doutrina j sustentada no referido texto fundamental de ROLF STRNER (1981: 1761).
Acresce que, no entendimento do TC alemo, a interpretao restritiva de uma regra de
proibio de prova no viola a proibio de analogia do artigo 103 II da GG, uma vez que esta no
incide sobre normas processuais relativas valorao da prova, e o princpio da confiana que
flui do artigo 20 III da GG no se ope reduo teleolgica da referida previso legal da AO.
V.
As solues processuais dos regimes especiais tm, em alguns casos, provado bem, do
ponto de vista preventivo dos fins das coimas, sendo mais eficazes do que as do RGCO. So
exemplos disso mesmo: 1. o reforo da posio processual da autoridade administrativa, por via
do reconhecimento dos poderes processuais previstos nos artigos 228., 230. e 231. do RGICSF,
32
Doutrina
artigo 416. do CVM, artigo 51. da LC e os artigos 230. e 233. do DL n. 2/2009; 2. A imposio
do pagamento de juros de mora pela coima desde a data da notificao da deciso
administrativa no caso de improcedncia da impugnao judicial, como j se prev no artigo 53.
da Lei n. 50/2006; 3. o efeito meramente devolutivo da impugnao judicial, como ocorre no
caso do recurso previsto no artigo 79. do Decreto-Lei n. 28/84, de 20/1 (decises
condenatrias em coima inferior a 300.000$00), no artigo 207. do CDADC (decises
condenatrias em coima inferior a 80.000$00), no artigo 187., n. 1, do CE (quaisquer decises
condenatrias) ou nos artigos 99., 211., 212., 217. e 227. do RGICSF, aprovado pelo
Decreto-Lei n. 298/92, de 31/12 (decises condenatrias em sanes acessrias); 4. o efeito
suspensivo do recurso para o TR quando tiver sido prestada uma garantia em certo prazo, salvo
prova de impossibilidade financeira de o fazer, como prev o artigo 84. do RGIT; 5. o controlo
hierrquico do arquivamento administrativo, como prev o artigo 77., n. 2, do RGIT; 6. o
alargamento do princpio da oportunidade, sobretudo atravs de solues informais de diverso
do processo comum contra-ordenacional, como as formas de processo sumarssimo ou de
advertncia, com vista a fazer observar o comportamento devido pelo arguido no mais curto
prazo, com ou sem sano pecuniria consensual, mas visando sempre a compliance do
programa normativo; e o 7. O pagamento da coima e das custas com os valores apreendidos,
como prev o artigo 215. do RGICSF, na falta de uma Erzwingungshaft, como prev o 96. da
OWIG.
O papel subsidirio dos preceitos reguladores do processo criminal no processo de
contra-ordenaes foi reforado com a reforma do RGCO de 1995. Est em causa, no apenas a
autonomia cientfica do direito das contra-ordenaes, mas at o prprio princpio da
Funktionstchtigkeit der Strafrechtspflege.
Impe-se o regresso regra da admissibilidade da reformatio in pejus, quer na
impugnao judicial, quer no recurso para o TR, como sucede nos regimes do artigo 75. da Lei
n. 50/2006, de 29/8, e do artigo 222., n. 1, al. f), do RGICSF. Por outro lado, a produo de
prova no pode estar dependente da vontade das testemunhas. indispensvel a
regulamentao especfica da quebra do segredo profissional, da busca domiciliria (como no
artigo 215. do RGICSF e artigo 21. do Regulamento n. 1/2003) e dos meios coercivos para
garantir a presena da testemunha nas diligncias probatrias. Esta regulamentao h-de ser
mais restritiva do que a do CPP, em virtude do princpio da proporcionalidade.
Urge uma reforma do processo de contra-ordenaes que siga duas linhas orientadoras: a
primeira a da autonomizao do processo contra-ordenacional em relao ao processo penal; a
segunda a da compatibilizao do RGCO com as solues mais eficientes dos regimes
33
Doutrina
processuais especiais. Em nome da concretizao prtica do princpio da igualdade e da garantia
eficaz da Funktionstchtigkeit der Strafrechtspflege.
BIBLIOGRAFIA
Anastcio, Catarina, 2010: O dever de colaborao no mbito dos processos de contra-
ordenao por infraco s regras de defesa da concorrncia e o princpio nemo tenetur se
ipsum accusare, in Revista de Concorrncia e Regulao, ano 1, n. 1, pp. 199 a 236.
Andrade, Manuel da Costa, 1980: Contributo para o conceito de contra-ordenao (A
experincia alem), in RDE, 6/7, pp. 81 a 121, e republicado in Direito Penal Econmico e
Europeu, Volume 1, Problemas Gerais, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 75 a 107, de que
se cita.
- 1985: A nova lei dos crimes contra a economia (Dec-Lei n. 28/84, de 20 de Janeiro)
luz do conceito de Bem Jurdico, in CEJ, Ciclo de estudos de direito penal econmico,
pp. 69 a 105, e republicado in Direito Penal Econmico e Europeu. Volume 1, Problemas
Gerais, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 387 a 418, de que se cita.
Antunes, Henrique Sousa, 2011: Da incluso do lucro ilcito e de efeitos punitivos entre
as consequncias da responsabilidade civil extracontratual: a sua legitimao pelo dano,
Coimbra, Coimbra Editora.
Antunes, Manuel Ferreira. 2005: Contra-Ordenaes e Coimas Anotado e comentado,
Lisboa, Dislivro.
Bolina, Helena, 2000: As contra-ordenaes no novo cdigo de valores mobilirios:
aspectos processuais, in Cadernos do Mercado de Valores Mobilirios, n. 7, pp. 431 a 447.
- 2009: O regime dos processos de contra-ordenao dos reguladores independentes, in
Paz Ferreira e outros (coord.), Regulao em Portugal: Novos tempos, novo modelo?,
Coimbra, Almedina, pp. 737 a 772.
Bohnert, Joachim, 2007: Kommentar zum Ordungswidrigkeitenrecht. 2. edio,
Munique, Beck. Catarino, Lus, Guilherme, 2010: Regulao e Superviso dos Mercados de
Instrumentos Financeiros, Fundamento e Limites do Governo e Jurisdio das Autoridades
Independentes, Coimbra, Almedina.
Costa, Adalberto, 2002: Contra-Ordenaes Laborais, Regime Geral, anotado e
comentado, Lisboa. Vislis editores.
- 2010: Contra-Ordenaes Laborais e da Segurana Social, Porto, Vida Econmica.
34
Doutrina
Costa, Joaquim Cardoso da, 1992: O recurso para os tribunais judiciais da aplicao da
coima pelas autoridades administrativas, in CTF, n. 366.
Costa, Jos de Faria, 1983: A importncia da recorrncia no pensamento jurdico. Um
exemplo, a distino entre o ilcito penal e o ilcito de mera ordenao social, in RDE, 9, pp. 3 a
51, e republicado in Direito Penal Econmico e Europeu, Volume 1, Problemas Gerais,
Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 109 a 142, de que se cita.
- 1986: Les problmes jwidiques et pratiques poss par Ia diffrence entre le droit
criminel et le droit administratif penal, in BFDUC, LXII, pp. 141 a 182.
- 1992: A responsabilidade jurdico-penal da empresa e dos seus rgos, in RPCC, ano 2,
pp. 537 a 559.
- 2001: Crimes e contra-ordenaes (Afirmao do princpio do numerus clausus na
repartio das infraces penais e diferenciao qualitativa entre as duas figuras
dogmticas), in Questes Laborais, ano VIII, n. 17, pp. 1 a 11.
Costa, Jos Gonalves da, 1995: Contra-ordenaes, Decr.Lei n. 433/82: as normas de
direito material e sobre a estrutura e contedo da deciso (considerando as alteraes
introduzidas pelo Decr.-Lei n. 244/95), Lisboa, CEJ.
Costeira, Maria Jos, 2007: As buscas e apreenses no processo de natureza contra-
ordenacional, in Sub judice, n. 40, pp. 27 a 38.
Dantas, Antnio Leones, 1993: Consideraes sobre o processo das contra-ordenaes,
in RMP, n. 55, pp. 99 a 105.
- 1994: Consideraes sobre o processo das contra-ordenaes: as fases do recurso e da
execuo, in RMP, n. 57, pp. 71 a 83.
- 1995: Consideraes sobre o processo das contra-ordenaes: a fase administrativa, in
RMP, n. 61, pp. 103 a 119.
- 2001: O Ministrio Pblico no processo das contra-ordenaes, in Revista de Questes
Laborais, ano VIII, n. 17, PP- 26 a 40.
- 2007: Procedimentos de natureza sancionatria no direito da concorrncia, in Sub
judice, n. 40, pp. 99 a 110.
2009: O processo das contra-ordenaes na Lei n. 50/2006, in Paz Ferreira e outros
(coord.), Regulao em Portugal: Novos tempos, novo modelo?, Coimbra, Almedina, pp. 773 a
798.
Dias, Augusto Silva, 2010: O direito no-inculpao no mbito das contra-ordenaes,
in Revista de Concorrncia e Regulao, ano I, n. 1, pp. 237 a 266 (republicado em Estudos
35
Doutrina
em homenagem ao Prof. Doutor Srvulo Correia, volume IV, Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, pp. 13 a 38).
Dias, Augusto Silva, e Vnia Ramos, 2009: O direito no auto-inculpao (Nemo
tenetur se ipsum accusare) no processo penal e contra-ordenacional portugus, Coimbra,
Coimbra Editora.
Dias, Jorge de Figueiredo, 1983 a: O Movimento da Descriminalizao e o Ilcito de
Mera Ordenao Social, in CEJ, Jornadas de direito criminal: O Novo Cdigo Penal portugus e
Legislao Complementar, 1, Lisboa: CEJ, pp. 317 a 336, e republicado in Direito Penal
Econmico e Europeu, Volume 1, Problemas Gerais, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 19 a
34, de que se cita.
- 1983b: Para uma dogmtica do direito penal secundrio, Um contributo para a reforma
do direito penal econmico e social portugus, in RLJ ano 116., pp. 263 ss, e ano 117.,
pp. 7 ss, e republicado in Direito Penal Econmico e Europeu, Volume 1, Problemas
Gerais, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 35 a 74, de que se cita.
Dias, Jorge de Figueiredo, e Manuel da Costa Andrade, 2009: Poderes de superviso,
direito ao silncio e provas proibidas (parecer), in Superviso, direito ao silncio e legalidade
da prova, Coimbra, Almedina, pp. 11 a 56.
Fernandes, Antnio da Costa, e Joo dos Santos Rodrigues, 1986: Manual das Contra-
ordenaes Laborais, Lisboa, Rei dos Livros.
Fernandes. Antnio Joaquim, 2002: Regime geral das contra-ordenaes, Notas
prticas, 2. edio, Lisboa, Ediforum.
Femer, Wolfgang, 2009: Gesetz ber Ordnungswidrigkeiten, Kommentar, volumes l e 2,
69. actualizao, Colnia, Luchterhand.
Ghler, Erich, 2009: Gesetz ber Ordnungswidrigkeiten, 15. edio (editada por Franz
Grtler e Helmut Seitz), Munique, Beck.
Gollwitzer, Walter, 2005: Menschenrechte im Strafverfahren, MRK und IPBPR
Kommentar, Berlin, De Gruyter.
Gordon, Richard, 2007: EC Law in judicial review, London, OUP.
KK. 2006: Karlsruher Kommentar zum Gesetz ber Ordnungswidrigkeiten, 3. edio
(organizada por Senge), Munique, Beck (citada com a indicao do autor da anotao).
Lumbrales, Nuno, 2006: Sobre o conceito material de contra-ordenao, Lisboa,
Universidade Catlica Editora.
Machado, Miguel Pedrosa, 1986: Elementos para o estudo da legislao portuguesa
sobre contra-ordenaes, in SI, 1986, pp. 59 a 134, e republicado in Direito Penal Econmico e
36
Doutrina
Europeu, Volume 1, Problemas Gerais, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 145 a 207, de que
se cita.
1992: Anteprojecto de reviso do DecretoLei n. 433/82, de 27de Outubro, in RPCC,
ano 2, pp. 295 a 321.
- 2011: Outra vez o RGCO (actualizao de fontes e chamada de ateno para uma nova
inconstitucionalidade formal no seu percurso legiferativo), in Legislao. Cadernos de
Cincia de Legislao, n. 52.
Martinho, Helena, 2010: O direito ao silncio e a no auto-incriminao nos processos
sancionatrios do Direito da concorrncia Uma anlise da jurisprudncia comunitria, in
Revista de Concorrncia e Regulao, ano 1, n. 1, pp. 145 a 174.
Mattes, Heinz, 1982 a: Untersuchungen zur Lebre von den Ordnungswidrigkeiten, 1,
Berlin, Duncker & Humblot.
- 1982b: Untersuchungen zur Lebre von den Ordnungswidrigkeiten, II, Berlin, Duncker
& Humblot.
Mendes, Antnio de Oliveira, e Jos dos Santos Cabral, 2009: Notas ao regime geral das
contra-ordenaes e coimas, Lisboa, Almedina.
Mendes, Paulo Sousa, 2009: O procedimento sancionatrio especial por infraces s
normas de concorrncia, in Paz Ferreira e outros (coord.), Regulao em Portugal: Novos
tempos, novo modelo?, Coimbra, Almedina, pp. 705 a 720.
- 2010: As garantias de defesa no processo sancionatrio especial por prticas restritivas
da concorrncia confrontadas com a jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem, in Revista de Concorrncia e Regulao, ano 1, n. 1, pp. 121 a 144
(republicado com o titulo O dever de colaborao e as garantias de defesa no processo
sancionatrio especial por prticas restritivas da concorrncia, in Estudos em
homenagem ao Prof. Doutor Srvulo Correia, Faculdade de direito da Universidade de
Lisboa, pp. 45 a 64).
Mitsch, Wolfgang, 2005; Recht der Ordnungswidrigkeiten, 2. edio, Berlin, Springer.
Moreira, Antnio Jos, 1986: O Direito do Trabalho e o Ilcito de Contra-Ordenao
Laboral, Lisboa, Porto Editora.
Moreira, Teresa, 2007: O novo instituto da clemncia a dispensa e a atenuao
especial da coima aplicvel a prticas restritivas da concorrncia, in Sub judice, n. 40, pp. 75
a 97.
Moutinho, Jos Lobo, 2008: Direito das contra-ordenaes, Ensinar e investigar, Lisboa,
Universidade Catlica Editora.
37
Doutrina
Palma, Fernanda, 2009: O direito no auto-incriminao, in Boletim informativo do
IDPCC da FDUL, ano 1, n. 1 (online).
Palma, Fernanda, e Paulo Otero, 1996: Reviso do Regime Legal do Ilcito de Mera
Ordenao Social, in RFDUL, vol. XXXVll, pp. 557 a 593.
Pereira, Antnio Bea, 2001 a: Regime geral das contra-ordenaes e coimas anotado,
4. edio, Coimbra, Almedina.
- 2001b: Contra-ordenaes laborais. Breves reflexes quanto ao seu mbito e sujeitos,
in Questes laborais, ano VIll, n. 0 18, pp. 142 a 154.
Pinto, Frederico de Lacerda da Costa, 1997: O direito de mera ordenao social e a
eroso do principio da subsidiariedade da interveno penal, in RPCC, ano 7, pp. 7 a 100,e
republicado in Direito Penal Econmico e Europeu, Volume 1, Problemas Gerais, Coimbra,
Coimbra Editora, 1998, pp. 209 a 276, de que se cita.
- 1999: A tutela do mercado de valores mobilirios e o regime do ilcito de mera
ordenao social, in Direito dos Valores Mobilirios, I, Coimbra, Coimbra Editora, pp.
285 a 321.
- 2000a: O Novo Regime dos Crimes e Contra-Ordenaes no Cdigo dos Valores
Mobilirios., Coimbra, Almedina.
- 2000b: Tendncias da jurisprudncia sobre contra-ordenaes no mbito do mercado
de valores mobilirios (estatuto processual da CMVM na fase de impugnao judicial e
critrios de censurabilidade do erro sobre a ilicitude), in RFDUL, vol. XLI, n. l, pp. 299 a
313.
- 2002a: Acesso de particulares a processos de contra-ordenao arquivados. Um estudo
sobre o sentido e limites da aplicao subsidiria do Direito Processual penal ao
processo de contra-ordenao, in Estudos em homenagem Professor Doutora Isabel
de Magalhes Colao, volume II, Coimbra, Almedina, pp. 601 e 624.
- 2002b: As codificaes sectoriais e o papel das contra-ordenaes na organizao do
direito penal sancionatrio, in Themis, Revista da UNL, ano III, n. 5, pp. 87 a 100, e
republicado in Direito Penal Econmico e Europeu, Volume III, Textos Doutrinrios,
Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 681 a 692, de que se cita.
- 2002c: A figura do assistente e o processo de contra-ordenao, in RPCC, 12, pp. 118 a
128.
- 2003: Erro e conscincia da ilicitude em infraces contra o mercado de valores
mobilirios, in Sistemas penales iberoamericanos: Libro homenage al professor Dr. D.
Enrique Bacigalupo en su 65 aniversario, Lima, ed. ARA, e republicado in Direito Penal
38
Doutrina
Econmico e Europeu, Volume III, Textos Doutrinrios, Coimbra, Coimbra Editora, 2009,
pp. 661 a 678, de que se cita.
- 2009: Superviso do mercado, legalidade da prova e direito de defesa em processo de
contra-ordenao (parecer), in Superviso, direito ao silncio e legalidade da prova,
Coimbra, Almedina, pp. 57 a 126.
Pinto, Frederico da Costa, e Clia Reis, 2001: Determinao e clculo das custas em
processo de contra-ordenao, in Caderno do Mercado de Valores Mobilirios, n. 11, pp. 19
a 33.
Ramos, Vnia Costa, 2010: Nemo tenetur se ipsum accusare e concorrncia
Jurisprudncia do Tribunal de Comrcio de Lisboa, in Revista de Concorrncia e Regulao,
ano 1, n. 1, pp. 175 a 198.
Rato, Joo, 2003: Contra-ordenaes laborais, Ainda a questo da remisso
fundamentadora, in Questes Laborais, ano X, n. 21, pp. 111 a 115.
RRH (Rebman, Roth e Hemnann), 2008: Gesetz ber Ordnungswidrigkeiten,
Kommentar, volumes 1 e 2, 3. edio (editada por Hans-Jrgen Frster, Rolf Hannich, Bemd
Bsert e Christoph Reichert), Estugarda, Kohlharnmer.
Rego, Lopes do, 2001: Alguns problemas constitucionais do direito das contra-
ordenaes, in Questes laborais, ano VIII, n. 17, pp. 12 a 25.
Ribeiro, Joo Soares. 1994: O auto de notcia de contraveno e de contra-ordenao:
valor probatrio, in Questes Laborais, ano 1, n. 3, pp. 129 a 143.
- 2000: Contra-ordenaes laborais, regime jurdico anotado, Lei n. 116/99, Coimbra:
Almedina.
- 2001: Questes sobre o processo contra-ordenacional, in Questes Laborais, ano VIII,
n. 18, pp. 121 a 141.
- 2003: Contra-ordenaes laborais, regime jurdico anotado contido no Cdigo do
Trabalho, 2. edio, Coimbra, Almedina.
- 2011: Contra-ordenaes laborais, regime jurdico (anotado), 3. edio, Coimbra,
Almedina.
Santos, Manuel Simas, e Jorge Lopes de Sousa, 2001: Regime geral das infraces
tributrias anotado, Lisboa, reas Editora.
- 2002: Contra-Ordenaes, Anotaes ao Regime Geral, 2. edio, Lisboa, Vislis.
Serra, Teresa, 1999: Contra-ordenaes: responsabilidade de entidades colectivas, in
RPCC, ano 9, pp. 187 a 212.
39
Doutrina
Silva, Maria de Ftima Reis, 2007: O direito no auto-incriminao, in Sub judice, n.
40, pp. 59 a 74.
Silva, Vasco Pereira, 2009: Breve nota sobre o direito sancionatrio do ambiente, in
Maria Fernanda Palma e outros (coord.), Direito Sancionatrio das Entidades Reguladoras,
Coimbra, Coimbra Editora, pp. 271 a 298.
Stmer, Rolf, 1981: Strafrechtliche Selbsbelastung und Verfahrensermittlung, in Neue
Juristiscbe Wochenschrift, 1981, pp. 1757 a 1763.
Teixeira, Carlos Adrito, 2001: Direito de mera ordenao social, o ambiente como
espao da sua afirmao, in RMP, 85, pp. 71 a 92.
- 2009: Questes processuais da responsabilidade das pessoas colectivas no domnio do
Direito sancionatrio da regulao, in Maria Fernanda Palma e outros (coord.), Direito
Sancionatrio das Entidades Reguladoras, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 107 a 138.
Tridimas, Takis, 2009: The general principies of EU law, London, OUP.
Veiga, Raul Soares da, 2009: Legalidade e Oportunidade no direito sancionatrio das
entidades reguladoras. in Maria Fernanda Palma e outros (coord.). Direito Sancionatrio das
Entidades Reguladoras, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 139 a 176.
Veloso, Jos Antnio, 1999: Questes hermenuticas e de sucesso de leis nas sanes
do regime geral das instituies de crdito, in Revista da Banca, n.0 48, pp. 27 a 72, e n.0 49,
pp. 23 a 71.
- 2003: Aspectos inovadores do projecto de regulamento da autoridade de concorrncia.,
in ROA, ano 63., pp. 237 a 312, e republicado in AAVV, Regulao e Concorrncia,
Perspectivas e limites da defesa da concorrncia, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 29 a
106.
41
Doutrina
Os direitos de audio e de defesa no processo das contra-ordenaes1
Art. 32., n. 10 da Constituio da Repblica
Antnio Leones Dantas
I.
1. O Direito de Mera Ordenao Social foi introduzido no sistema jurdico portugus
em 1979 atravs do Decreto-Lei n. 232/79, de 24 de Julho2, no contexto da Reforma Penal
que se veio a concretizar em 1982, onde aquele diploma foi substitudo pelo Decreto-Lei n.
433/82, de 27 de Outubro, que define o regime geral em vigor daquele ramo do direito3 4 5.
introduo daquele Direito esto subjacentes preocupaes de natureza poltico-
criminal que se centralizam na afirmao de que aquele novo ramo do sistema sancionatrio
pblico estaria vocacionado para dar ateno a certas reas de interveno de que,
nomeadamente pela sua componente social, o Estado se no podia alhear, como a tutela do
1 Este texto reproduz de forma quase integral os pontos III a VIII do parecer do Conselho Consultivo da
Procuradoria-Geral da Repblica n. 23/2010, de 28 de Outubro de 2010, relatado pelo signatrio.
2 Sobre os fundamentos doutrinrios deste diploma e do Direito das Contra-ordenaes, cfr. o prembulo
daquele Decreto-Lei e EDUARDO CORREIA, Direito Penal e Direito de Mera Ordenao Social, Direito Penal
Econmico e Europeu, Textos Doutrinrios Volume 1, Coimbra Editora, 1998, pp. 3 e ss.
3 Com as alteraes decorrentes do Decreto-Lei n. 356/89, de 17 de Outubro, do Decreto-Lei n. 244/95,
de 14 de Setembro e Lei n. 109/2001, de 24 de Setembro, designado no texto por regime geral e a que se
referem todas as disposies legais sem indicao de origem.
4 Sobre o Direito das Contra-ordenaes e a sua relao com o Direito Penal, cfr. FIGUEIREDO DIAS, Direito
Penal Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pp. 144 e ss. e AMRICO A. TAIPA DE CARVALHO, Direito
Penal, Parte Geral, Publicaes Universidade Catlica, 2003, pp. 147 e ss.
5 Reproduzem-se, com alteraes, os pontos II.1, II.2, II.4 e II.5, do parecer deste conselho n. 84/2007, de
28 de Fevereiro de 2008, publicado in Dirio da Repblica, 2. Srie de 7 de Abril de 2008.
Publicado na Revista do Centro de Estudos Judicirios, 2. semestre 2010, n. XIV, pp. 293 a 332
42
Doutrina
ambiente, aspectos diversos da economia nacional ou uma interveno preventiva na rea dos
direitos dos consumidores6.
Tratar-se-ia de reas carentes de tutela jurdica de carcter sancionatrio e finalidades
preventivas nas quais, de acordo com as valoraes ento dominantes, no se justificava uma
resposta penal, j ento orientada para uma interveno de ultima ratio, conforme apontava o
disposto no artigo 18. , n. 2, da Constituio de 19767.
Tal como se referia no prembulo do Decreto-Lei n. 433/82, de 27 de Outubro, A
necessidade de dar consistncia prtica s injunes normativas decorrentes deste novo e
crescente intervencionismo do Estado, convertendo-as em regras efectivas de conduta,
postula naturalmente o recurso a um quadro especfico de sanes.
Surgia assim um novo ramo do direito sancionatrio, autnomo do Direito Penal, como
forma de garantir o princpio da subsidiariedade da interveno penal, permitindo reservar o
uso daquele direito para as situaes em que estivessem em causa os interesses colectivos
mais relevantes.
A autonomia do Direito das Contra-ordenaes face ao Direito Penal surge, assim, como
uma das justificaes da prpria existncia deste ramo do direito e vai materializar-se na
conformao de solues de natureza substantiva e processual diversas das vigentes naquele.
O Direito das Contra-ordenaes mantm, contudo, profundas ligaes ao Direito Penal,
que se materializam na existncia de mltiplas solues normativas comuns criadas no espao
da dogmtica penal e que se fundamentam no facto de, tal como aquele, fazer parte do
direito sancionatrio de carcter punitivo que tem aquele ramo do direito como paradigma.
No admira, por isso, que o Direito Penal tenha sido definido como direito subsidirio,
nos termos do artigo 32. do Regime Geral e que, coerentemente, o Cdigo de Processo Penal
seja direito subsidirio, no que se refere ao regime processual, por fora do disposto no artigo
41. do mesmo regime.
6COSTA PINTO, O Ilcito de Mera Ordenao Social e a Eroso do Princpio da Subsidiariedade da
Interveno Penal, Direito Penal Econmico e Europeu Textos Doutrinrios, Volume I, Coimbra Editora,
1998. p. 212.
7 COSTA PINTO, Ibidem.
43
Doutrina
Apesar da evoluo que o Direito das Contra-ordenaes sofreu ao longo do seu perodo
de vigncia e da aproximao que se verificou, em algumas reas, ao Direito Penal, mantm-se
ainda o fundamental das linhas estruturantes deste sector do sistema jurdico8.
2. Por fora do disposto no artigo 41., n. 1, do Decreto-Lei n. 433/82, de 27 de
Outubro, que tem por epgrafe direito subsidirio, sempre que o contrrio no resulte deste
diploma, so aplicveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo
criminal9.
Decorre deste dispositivo a afirmao de que o Cdigo de Processo Penal direito
subsidirio relativamente ao processo das contra-ordenaes, o que pressupe o recurso s
solues normativas daquele cdigo sempre que se constate a inexistncia de soluo prpria
nos quadros do regime especfico das contra-ordenaes.
A importao das solues daquele cdigo no , contudo, directa, devendo passar
sempre que necessrio por um processo de adaptao aos princpios e s solues processuais
prprias do Direito das Contra-ordenaes, de forma a salvaguardar a harmonia do processo e
a afastar disjunes que podem afectar a aplicao do direito.
Nas situaes em que se constate a necessidade de recorrer s solues do direito
subsidirio impe-se, pois, ao intrprete o cuidado de avaliar previamente as solues do
processo penal e a sua articulao com as especificidades do processo das contra-ordenaes,
de forma a respeitar os valores acima referidos, em conformidade com o comando legal
devidamente adaptados, constante daquela norma eventualmente reconstrudos para alm
da sua literalidade de forma a respeitarem a organizao, os valores e as finalidades do regime
processual e substantivo do DMOS10.
S atravs deste processo de adaptao possvel salvaguardar a autonomia do
processo das contra-ordenaes face ao processo penal e respeitar os princpios e os valores
que inspiram as especificidades das solues processuais que consagra.
8 Sobre a evoluo do Direito das Contra-ordenaes, cfr. COSTA PINTO, obra citada, pp. 215 e ss.
9 Sobe o artigo 41., n. 1 do Regime Geral, cfr. COSTA PINTO, Acesso de Particulares a Processos de
Contra-ordenao Arquivados, Estudos em Homenagem Professora Doutora Isabel de Magalhes Colao,
Almedina, Volume II, pp. 601 e ss.
10 COSTA PINTO, obra citada, p. 618.
44
Doutrina
3. Um dos segmentos em que a autonomia do Direito das Contra-ordenaes se
afirma face ao Direito Penal o do regime processual que, apesar das ligaes que mantm
com o processo penal, se distancia do mesmo, quer na estrutura do processo, quer no regime
de mltiplos actos processuais.
De facto, concebido o Direito das Contra-ordenaes como um instrumento de
interveno administrativa de natureza sancionatria no sentido de dar maior eficcia aco
administrativa, o ncleo fundamental dos poderes sancionatrios, quer ao nvel da iniciativa
processual, quer ao nvel decisrio propriamente dito, atribudo Administrao, relegando
a interveno judiciria para um nvel de subsidiariedade.
Incumbe deste modo Administrao o conhecimento das infraces e o respectivo
sancionamento, sendo os tribunais chamados apenas a intervir pela via do recurso de
impugnao, em caso de discordncia dos condenados relativamente s decises proferidas,
em primeiro nvel, pela Administrao.
Os tribunais intervm igualmente em sede de execuo das coimas emergentes das
decises condenatrias, quando no sejam pagas voluntariamente, e em caso de discordncia
de medidas de natureza transitria tomadas pela Administrao ao longo do processo (artigo
55. do Regime Geral).
Costuma falar-se em fase administrativa do processo para designar a interveno
administrativa no mesmo que vai da notcia da infraco deciso propriamente dita,
prevista no artigo 58. do regime geral e em fase do recurso de impugnao, para designar o
conjunto de actos processuais que vo da interposio do recurso deciso do mesmo nos
tribunais (artigos 62. e ss. daquele regime).
Na fase administrativa do processo relevam trs conjuntos de actos relevantes na
ordenao do processo.
Assim, um primeiro momento do processo que vai da notcia da infraco ao
cumprimento do artigo 50.; os actos subsequentes interveno prevista nesta norma
agrupam uma segunda fase do processo, seguindo-se, por ltimo, a deciso final.
4. Nos termos do artigo 33. do Regime Geral, incumbe s autoridades
administrativas o processamento das contra-ordenaes e a aplicao das coimas e das
sanes acessrias.
As excepes previstas na parte final do mesmo artigo prendem-se com a articulao do
ilcito de mera-ordenao social com o ilcito criminal, dando origem a um conjunto de normas
45
Doutrina
que disciplinam o conhecimento daquele ilcito no processo penal, entre outras, as dos artigos
38. e 39. do mesmo diploma.
Para a prossecuo desta actividade aquele diploma,
Top Related