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Contratação temporária de servidores públicos:desvirtuamento da exigência constitucional

do concurso público

Igor Bebiano Leite da Silva1, [email protected]. Graduado em Direito pela Faculdade de Minas (FAMINAS), Muriaé, MG.

RESUMO: O presente trabalho busca analisar oinstituto da contratação por prazo determinado paraatendimento de necessidade temporária deexcepcional interesse público, previsto no inciso IXdo art. 37 da Constituição de 1988. A contrataçãotemporária é importante instrumento para a garantiada continuidade dos serviços públicos, sendoimprescindível para a boa gestão da coisa pública.Contudo, em flagrante afronta aos princípiosconstitucionais norteadores da administração pública,o instituto sob exame vem sendo desvirtuadosistematicamente, com enormes prejuízos para acoletividade. Partindo de um levantamentodoutrinário, foram analisados os conceitos básicos eas questões polêmicas acerca da contrataçãotemporária, com exame da jurisprudênciadominante, de forma a demonstrar a corretautilização do permissivo constitucional acimareferido.Palavras-chave: contratação temporária, excepcionalinteresse público, necessidade transitória.

RESUMEN: Contratación temporal de losfuncionarios públicos: la distorsión de la

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exigencia constitucional de concurso público. Esteestudio tiene como objetivo analizar la institucióndel contrato de plazo fijo para suplir las necesidadestemporales de excepcional interés público a lodispuesto en la sección IX del art. 37 de laConstitución de 1988. La contratación temporal esuna herramienta importante para asegurar lacontinuidad de los servicios públicos, siendoindispensables para la buena gestión de los asuntospúblicos. Sin embargo, en flagrante afrenta a losprincipios constitucionales rectores de laAdministración Pública, el Instituto examinadosistemáticamente socavado, con enormes pérdidaspara la comunidad. A partir de una encuestadoctrinal, los conceptos básicos y las cuestionescontrovertidas relativas a la contratación temporalse analizaron con el examen de la jurisprudenciadominante con el fin de demostrar el uso correctode la permisiva constitucional anteriormente.Palabras llave: contratación temporal, excepcionalinterés público, necesidad transitoria.

ABSTRACT: Temporary hiring of public servants:distortion of constitutional requirement for publictender. This study aims to analyze the institution offixed-term contract to supply temporary need ofexceptional public interest as provided for in sectionIX of art. 37 of the 1988 Constitution. The temporaryhiring is an important tool for ensuring the continuityof public services, being indispensable for the propermanagement of public affairs. However, in flagrantaffront to the constitutional principles guiding PublicAdministration, the institute under examination hasbeen systematically undermined, with huge lossesfor the community. From a doctrinal survey, the basicconcepts and controversial issues regarding thetemporary appointment were analyzed, with thedominant jurisprudence exam in order todemonstrate the correct use of the aboveconstitutional permissive.

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Keywords: temporary hiring, exceptional publicinterest, transient need.

Introdução

O Estado possui como finalidade primordial a manutenção eexecução de serviços públicos, razão pela qual pode ser considerado gestordos interesses coletivos. A atuação funcional do Estado concretiza-se pelaação de seres humanos, os quais praticam atos em nome e por conta doPoder Público, em conformidade com as atribuições previstas pela ordemjurídica. Eis o elemento dinâmico da administração pública, personificadonos agentes públicos.

É certo que as pessoas que prestam serviços ao Estado o fazem nointeresse da coletividade. E não se pode olvidar que a máquina pública é custeadapor todos os integrantes dessa mesma coletividade. Justo por isso, a admissãode pessoal na administração pública deve obedecer aos princípios daimpessoalidade, moralidade e publicidade, a fim de garantir a isonomia entre osinteressados em ocupar um posto de trabalho no serviço público.

Vale dizer, o acesso aos quadros da administração deve observarprocesso público de seleção, salvo as exceções constitucionais, mesmoporque é de interesse do próprio Estado o recrutamento dos melhoresprofissionais para a execução das atividades estatais, de forma a efetivar oprincípio da eficiência.

E a maneira mais democrática para a admissão de pessoal no serviçopúblico é através do concurso, procedimento por meio do qual o candidato éavaliado pelo sistema de mérito. E o art. 37, inciso II, da Constituição de 1988,consagrou o princípio do concurso público, exigindo, para o ingresso em cargose empregos públicos, a prévia aprovação em concurso público de provas ou deprovas e títulos.

Contudo, forçoso reconhecer que há situações transitórias, deexcepcional interesse público, que demandam a contratação temporária deservidores. Dentre essas situações transitórias, algumas se revelam urgentes,razão pela qual a abertura de processo seletivo regular certamente acarretariagraves conseqüências para a continuidade dos serviços públicos, mormente osessenciais, afetando toda a coletividade. Há também situações que não sãourgentes, mas, dada a natureza transitória da atividade, a criação de cargos eempregos públicos não se justifica.

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Para disciplinar tais situações, o administrador público pode valer-seda contratação por prazo determinado para atendimento da referida necessidadede excepcional interesse público, conforme disposição contida no art. 37, incisoIX, da Constituição da República.

Ocorre que, de forma recorrente, maus administradores da coisapública estão a utilizar o instituto da contratação temporária como meio deadmissão de pessoal, sem observância dos requisitos necessários para a validadede tal modalidade de contratação, o que contraria o disposto no art. 37, incisoII, da CR/88. Tal prática afronta, a um só tempo, a ordem jurídica, a eficiênciados serviços públicos e os direitos e garantias mínimos dos servidores contratadosa título precário.

Constitui objeto de estudo do presente trabalho a análise doregramento pertinente à contratação temporária, em especial seu fundamento,requisitos de validade, regime jurídico aplicável, competência jurisdicional eresponsabilização das autoridades que desvirtuam sua correta utilização.

I – Definições básicas

1.1 – Classificação dos agentes públicos

A expressão agentes públicos possui amplo sentido. Designa todas aspessoas físicas que prestam serviços ao Estado. São todos aqueles que exercemuma função pública na qualidade de prepostos do Estado. Tal função pode serremunerada ou gratuita, definitiva ou transitória, política ou jurídica. Referidosagentes estão, pois, vinculados ao Estado e agem em seu nome, ou seja, amanifestação volitiva dos agentes é imputada ao próprio Estado.

O gênero agentes públicos pode ser dividido, para fins didáticos, nasseguintes espécies: agentes políticos, servidores públicos, particularescolaboradores e agentes de fato.

A conceituação do termo agentes políticos encontra divergênciadoutrinária. Celso Antônio Bandeira de Mello (2003) entende por agentes políticosos formadores da vontade superior do Estado. É uma definição mais restritiva,visto que considera como tais apenas aqueles a quem incumbe a execução dasdiretrizes fundamentais do Estado. De acordo com esta definição, seriam agentespolíticos apenas os chefes do Executivo, seus ministros ou secretários, bemcomo os membros do Poder Legislativo, isto é, os senadores, deputados evereadores.

Este conceito restritivo funda-se na natureza do vínculo existente entretais agentes e o Estado. No mesmo sentido, José dos Santos Carvalho Filho(2010, p. 639):

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[...] parece-nos que o que caracteriza o agente políticonão é só o fato de serem mencionados na Constituição,mas sim o de exercerem efetivamente (e nãoeventualmente) função política, de governo e deadministração, de comando e, sobretudo, de fixação dasestratégias de ação, ou seja, aos agentes políticos é quecabe realmente traçar os destinos do país.

Florivaldo Dutra de Araújo (apud MAGALHÃES, 2005) acrescenta àconcepção restritiva os membros do Supremo Tribunal Federal (STF), aoargumento de que os ministros da referida Corte exercem função política, vistoque, além de ser o STF o guardião da Constituição (art. 102, CR/88), é o órgãode cúpula do Poder Judiciário, sendo suas decisões definitivas e irreversíveis.

Hely Lopes Meirelles (1999, p. 71-73) apresenta um sentido aindamais amplo para a expressão agentes políticos, incluindo nesta categoria, alémdos chefes do Executivo, seus auxiliares imediatos e parlamentares, osmagistrados, membros do Ministério Público, membros dos Tribunais de Contas,representantes diplomáticos e “demais autoridades que atuem comindependência funcional no desempenho de atribuições governamentais,judiciais ou quase-judiciais, estranhas ao quadro do serviço público”. Para ofestejado autor, os agentes políticos são “os componentes do Governo nosseus primeiros escalões”.

Adota-se no presente trabalho o conceito amplo de Hely LopesMeirelles, acima explicitado. É certo que os magistrados, membros do MinistérioPúblico e Tribunais de Contas possuem vínculo de natureza profissional epermanente com o Estado, de modo que o preenchimento de tais cargos nãodecorre de processo eletivo. Contudo, os agentes mencionados possuem assentoconstitucional, exercendo suas funções com independência funcional.

Já a categoria dos servidores públicos abarca a maior parte dos agentesdo Estado. São todos aqueles que se vinculam ao Estado por uma relaçãoprofissional, permanente, subordinada, verdadeira relação funcional. Maria SylviaZanella Di Pietro (2000) divide o gênero servidores públicos nas seguintesespécies: servidores estatutários, que são os ocupantes de cargos públicos,regidos por estatuto; empregados públicos, contratados pelo regimeceletista; e servidores temporários, os quais atendem necessidade transitóriade excepcional interesse público.

Os servidores ocupantes de cargos públicos submetem-se a regimejurídico estatutário, ou seja, a relação que os vincula ao Estado é disciplinadapor diplomas legais específicos, os estatutos. Em tais instrumentos constam os

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direitos e deveres dos servidores e do Estado. É uma relação jurídica decorrentede lei, com normas de ordem pública, de natureza não contratual.

Os empregados públicos submetem-se às normas da Consolidaçãodas Leis do Trabalho (CLT - Decreto-lei n. 5.452/43), sendo certo que as regrasdisciplinadoras da relação Estado-trabalhador são as mesmas aplicáveis à relaçãode emprego na esfera privada, observadas, por óbvio, as disposições pertinentesao Poder Público.

A última espécie de servidor público é a dos agentes temporários, osquais são contratados por prazo determinado para atender necessidade temporáriade excepcional interesse público. Tais servidores exercem função pública, denatureza transitória, precária, não ocupando cargo ou emprego.

A terceira categoria de agentes públicos diz respeito aos particularesem colaboração com o Poder Público. São todas as pessoas físicas que prestamserviço ao Estado sem se vincularem a regime funcional, podendo serremuneradas ou não. Nesta categoria incluem-se os jurados, mesários, integrantesde juntas apuradoras, comissários de menores voluntários, bem como os titularesde ofícios de notas e de registro não oficializados, os concessionáriospermissionários de serviços públicos.

Por último, temos os agentes de fato. São aqueles que exercem umafunção pública em nome do Estado, porém sem ter uma investidura normal eregular. Contrapõem-se aos agentes de direito e são agrupados em duascategorias: agentes necessários e agentes putativos. Na primeira, enquadram-se aqueles que praticam atos e executam atividades em situações excepcionais,colaborando com o Poder Público, como ocorre em situações de emergência.Os atos praticados por tais agentes são confirmados pelo Estado. Já os agentesputativos são aqueles que exercem uma função pública, com presunção delegitimidade, sem observância do procedimento legal para sua investidura. É ocaso dos servidores contratados temporariamente, quando suas contrataçõesnão atendem aos pressupostos fáticos autorizadores de tal modalidade decontratação, sendo declaradas nulas. Em relação a terceiros de boa-fé, os atosde tais agentes devem ser convalidados, tendo em vista a teoria da aparência.

1.2 – Regimes jurídicos dos servidores públicos

Regime jurídico, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2010, p.647), pode ser definido como “[...] o conjunto de regras de direito que regulamdeterminada relação jurídica”.

É o regime jurídico que determina os direitos e deveres do servidorpúblico. Cumpre salientar que é de suma importância a análise da natureza doregime jurídico aplicável a determinada categoria de servidores, visto que disso

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decorre a definição da competência legislativa e jurisdicional acerca da relaçãofuncional travada entre Estado e servidor.

Para melhor compreensão do tópico, importante distinguir o conteúdodo regime jurídico de sua natureza.

Segundo Gustavo Alexandre Magalhães (2005, p. 44):

[...] a natureza do regime do agente público pode sertrabalhista ou estatutário, por exemplo. Já o conteúdo doregime consiste nos direitos e deveres específicos dosservidores, que variam de regime para regime,independentemente de sua natureza. Pode-se mencionarcomo exemplo a possibilidade de haver a mesma previsãode remuneração adicional para o trabalho insalubre, tantoem um regime jurídico trabalhista quanto em outro,estatutário. Neste caso, identifica-se o mesmo conteúdoem regimes jurídicos de natureza diversa. Por outro lado,podem existir regimes jurídicos estatutários que tratemdiferentemente de adicionais por tempo de serviço, demaneira que em um deles o adicional seria anual(“anuênio”) e no outro o adicional seria trienal (“triênio”).Trata-se de regimes jurídicos de mesma natureza (naturezaestatutária), com conteúdos diversos.

Nota-se, pois, que o regime jurídico comum pode ser trabalhista ouestatutário.

1.2.1 – Regime jurídico estatutário

O regime estatutário consiste no conjunto de direitos e deveresprevistos no estatuto funcional do ente federativo. São disposições estabelecidasunilateralmente pelo Estado com o intuito de reger a relação entre a administraçãoe o servidor. Não possui natureza contratual, mas sim funcional, regulamentar,fundando-se na supremacia do interesse público.

Como bem salientado por José dos Santos Carvalho Filho (2010),para o regime estatutário há um regime constitucional superior (com o núcleonorteador), um regime legal (estatuto), contendo a disciplina básica sobre amatéria, e um regime administrativo, de caráter organizacional, o qual sematerializa por meio de atos administrativos.

Considerando a autonomia entre os entes políticos, cada um deveeditar sua lei estatutária para disciplinar a relação jurídica funcional com

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seus servidores, a exemplo da União, cujo estatuto funcional está previsto naLei n. 8.112/90.

Cabe ressaltar que é competência privativa do chefe do Executivo ainiciativa de lei que disponha sobre o regime jurídico dos servidores públicos,conforme redação do art. 61, §1º, II, “c”, da CR/88.

O servidor estatutário ocupa cargo público, sendo certo que sua relaçãocom o Estado é de natureza institucional, visto que não há contrato entre aspartes. Trata-se, pois, de relação regida por normas de direito público, de modoque o servidor se submete às disposições do regime jurídico previamenteinstituído, não havendo margem para negociações, tal como ocorre numacontratação do setor privado.

1.2.2 – Regime jurídico trabalhista

O regime trabalhista baseia-se nas disposições constitucionais einfraconstitucionais aplicáveis aos trabalhadores em geral. Por esse regime, arelação jurídica entre Estado e servidor rege-se pela legislação trabalhista, emespecial a CLT, haja vista sua natureza contratual. Vale dizer, na hipótese emepígrafe, há nítido contrato de trabalho.

Os agentes públicos submetidos ao regime trabalhista ocupamempregos públicos, os quais são criados por lei e devem ser ocupados porservidores previamente aprovados em concurso público.

Ao contrário do regime estatutário, aqui vigora o princípio da unicidadenormativa, de forma que os entes federativos que adotem este regime deverãoobservar as disposições da CLT e legislação correlata. Como a competência paralegislar sobre direito do trabalho é privativa da União (art. 22, I, CR/88), umavez alteradas as disposições das normas trabalhistas vigentes, o regime jurídicodos servidores trabalhistas também será alterado, ainda que estes pertençamaos demais entes da federação.

Importante destacar que, embora ainda não exista regulamentaçãoespecífica, as denominadas “atividades exclusivas de Estado” devem ser exercidaspor servidores estatutários, haja vista a natureza peculiar das atividadesdesenvolvidas pelo servidor.

Outra questão polêmica diz respeito à extensão do instituto daestabilidade ao servidor celetista. Com efeito, o art. 41 da CR/88 diz que sãoestáveis os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtudede concurso público. Dessa forma, o texto constitucional restringiu a aplicaçãoda estabilidade apenas aos servidores ocupantes de cargos públicos, estatutários,portanto. E como bem observa Gustavo Magalhães (2005, p.79):

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[...] a EC n. 19/98 restringiu a estabilidade apenas aosservidores ocupantes de cargo de provimento efetivo. Dessaforma, considerando que os empregados públicos sãobeneficiados pelo FGTS, negou-lhes expressamente o direitoà estabilidade. E não há que se falar em possívelinterpretação extensiva do dispositivo, visto que não setrata de omissão do Poder Legislativo, mas de opção clarae expressa, que fica ainda mais evidente quando sãocomparadas a redação original e a nova redação dada pelaEC n. 19.

No mesmo sentido manifesta-se José dos Santos Carvalho Filho (2010,pp. 735-736):

O concurso é pré-requisito de ingresso no serviço público,independente do regime jurídico a que pertencer o servidor,e em nenhum momento a estabilidade foi atrelada a esserequisito. Desse modo, não será atribuída ao servidortrabalhista a garantia da estabilidade ainda que tenha sidoaprovado em concurso público antes da contratação.

Por outro lado, o Tribunal Superior do Trabalho reconhece o direito àestabilidade aos servidores celetistas da administração direta, autárquica efundacional, nos termos da Súmula 390, a qual exclui apenas os empregadosdas sociedades de economia mista e empresas públicas, em virtude do dispostono §1º do art. 173 da CR/88. No tocante a estas, ressalva deve ser feita aosempregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), os quais sópodem ser dispensados mediante ato motivado, conforme OJ-SDI-1-247 doTST.

1.2.3 – Regime jurídico dos servidores temporários

Já o regime “especial” disciplina a categoria específica dos servidorestemporários. O art. 37, IX, da Carta Política diz que a lei estabelecerá os casosde contratação para atender necessidade temporária de excepcional interessepúblico. A expressão “contratação” remete à idéia de que o Constituintereconheceu a natureza contratual da relação funcional entre o Estado e o servidortemporário.

Discorrendo sobre a natureza jurídica do regime especial, esclareceCarvalho Filho:

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Diz a Constituição que a lei estabelecerá os casos decontratação desses servidores. Assim dizendo, só se podeentender que o Constituinte pretendeu caracterizar essarelação funcional como de natureza contratual. Cuida-se,de fato, de verdadeiro contrato administrativo de caráterfuncional, diverso dos contratos administrativos em geralpelo fato de expressar um vínculo de trabalhosubordinado entre a Administração e o servidor (2010,p. 654, grifos do autor).

Observada a diretriz constitucional, a lei instituidora do regimeestabelecerá as disposições a serem aplicadas a tal relação funcional. Merecedestaque, pela clareza, a lição de Gustavo Magalhães:

Independentemente da natureza do vínculo, o regimejurídico dos servidores temporários deverá ser distintodaquele previsto para os agentes público efetivos. Aindaque se adote o regime trabalhista, sua natureza será sempreespecial, pois, embora as normas de direito do trabalhosejam as mesmas para o pessoal temporário e permanente,pelo menos quanto às hipóteses de contratação, seráaplicada a lei local, e não o art. 443 da CLT. (2005, p. 83).

Ainda sobre o tema, asseverou o ilustre autor:

Não há que se falar também que a natureza jurídica doregime poderia ser ‘especial’, considerando que talexpressão consiste em rótulo vazio, desprovido de conteúdo.Regime especial deve ser entendido como aqueleespecífico dos servidores com vínculo temporário, diferentedo regime jurídico dos agentes públicos integrantes doquadro permanente da Administração. Como o dito ‘regimeespecial’ pode assumir naturezas diversas, não pode serconsiderado regime jurídico autônomo quanto à sua natureza(2005, p. 226).

Assim, a expressão “regime especial” deve ser entendida como oregime jurídico aplicável aos servidores contratados temporariamente,independentemente da natureza do regime adotado pelo ente contratante.Regime especial, em uma simples definição, deve ser entendido em

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contraposição ao regime jurídico comum, aplicável aos servidores permanentesda Administração.

1.2.4 – Regime jurídico único

A redação original do caput art. 39 da CR/88 previa o regime jurídicoúnico no âmbito de cada ente federativo. O texto constitucional pretérito nãoera claro o suficiente, de modo que gerou intensa divergência doutrinária ejurisprudencial. Para uns, o regime único seria apenas o estatutário (excluído,portanto, a adoção do regime celetista). Para outros, a unicidade referia-se àadoção de apenas um regime pela pessoa federativa, ou seja, esta teria a opçãopelo regime que entendesse mais adequado e, uma vez escolhido, deveria sero único em seu âmbito.

A Emenda Constitucional n. 19, de 04/06/98, denominada de “reformaadministrativa”, alterou a redação do dispositivo acima citado e aboliu aobrigatoriedade de instituição de regime jurídico único. Assim, um determinadoente federativo poderia ter grupos de servidores com regimes distintos, desdeque previstos em lei.

Há de se considerar, outrossim, a decisão do Supremo Tribunal Federalque deferiu parcialmente o pedido de medida cautelar na ADI 2135 MC/DF(Rel. min. Néri da Silveira, Rel. p/ acórdão: min. Ellen Gracie, DJe 07/03/2008).Tal decisão suspendeu a eficácia do caput do art. 39 da Constituição da República,com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n. 19/98, ensejandoo retorno de sua redação original, a qual dispõe sobre a instituição de regimejurídico único para os servidores de cada ente federativo, no âmbito de suacompetência.

Com isso, restabeleceu-se a controvérsia acerca do significado daexpressão “regime jurídico único”. Muitos autores sustentam que o regime único,obrigatoriamente, deve possuir natureza administrativa, estatutário para osservidores permanentes e, em razão de suas peculiaridades, contratual-administrativo para os servidores temporários.

Por outro lado, José dos Santos Carvalho Filho sustenta que: “[...]consideramos que a intentio do Constituinte foi a de que o regime de pessoalfosse apenas único, seja o estatutário, seja o trabalhista [...]” (2010, p. 660,grifos do autor).

Prossegue o ilustre doutrinador:

Cabe anotar, também, que a unicidade de regime jurídicoalcança tão-somente os servidores permanentes. Para os

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servidores temporários, continua subsistente o regimeespecial, como previsto no art. 37, IX, da CF. Portanto,será sempre oportuno destacar que a expressão “regimeúnico” tem que ser considerada cum grano salis, paraentender-se que os regimes de pessoal são dois – um,o regime comum (tido como regime único), e outro, oregime especial (para servidores temporários) (2010, p.660, grifos do autor).

Portanto, a prevalecer a redação original do caput do art. 39 da CartaPolítica, cada ente deverá adotar regime jurídico único para seus servidorespermanentes, seja ele estatutário ou trabalhista, desde que seja o único na suaesfera de competência. Com relação aos servidores temporários, por expressaressalva constitucional, admite-se o regime “especial”, em razão de suaexcepcionalidade, a eles se aplicando o regime jurídico a ser instituído peloente respectivo na lei autorizativa de tal modalidade de contratação. Vale dizer,o ente federativo tem a faculdade de escolher o regime jurídico que entendaser o mais conveniente para reger sua relação funcional com os servidorestemporários.

II – Princípio constitucional do concurso público

O art. 37, inciso I, da Constituição de 1988 estabelece que: “oscargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros quepreencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros,na forma da lei”. O inciso II do dispositivo constitucional cima referidodispõe que: “a investidura em cargo ou emprego público depende deaprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, deacordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na formaprevista em lei [...]”.

Verifica-se, a partir da leitura dos referidos incisos, que a Constituiçãogarantiu ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas, sendocerto que estabeleceu a exigência de prévia aprovação em concurso para ingressoefetivo nos quadros da Administração.

O concurso público é o instrumento de que se vale o Poder Públicopara efetivar o amplo acesso aos postos de trabalho no serviço público.

Em que pese a discussão doutrinária acerca do tema, pode-se dizerque o inciso II do art. 37 apresenta uma regra e, ao mesmo tempo, um princípio,como salienta Gustavo Magalhães:

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Nesse sentido, podemos inferir do art. 37, inciso II, daConstituição de 1988, uma regra segundo a qual é exigidaa aprovação prévia em concurso público de provas ou deprovas e títulos como condição intransponível para aadmissão de pessoal à função pública – e um princípio quevisa a efetivar os valores de igualdade entre os sereshumanos e de boa gestão da coisa pública (2005, p. 90,grifos do autor).

O princípio constitucional do concurso público é, pois, fruto dosprincípios da impessoalidade, moralidade e eficiência, visto que se destina agarantir o amplo acesso aos quadros do serviço público e, conseqüentemente,selecionar os melhores profissionais para servir à coletividade.

Contudo, existem algumas exceções ao princípio em epígrafe. Aprimeira está prevista no próprio art. 37 da CR/88 e refere-se aos cargos emcomissão e funções de confiança. Referida exceção justifica-se em razão danatureza das atividades exercidas.

A segunda exceção diz respeito aos cargos eletivos, tendo em vistasua natureza política.

Outra exceção é o ingresso de advogados e membros do MinistérioPúblico nos tribunais pelo sistema do quinto constitucional (art. 94, CR/88). Oacesso aos Tribunais de Contas segue regra similar, sendo inexigível o concurso(art. 73, §2º, CR/88).

O art. 19 do ADCT da Carta de 1988, por sua vez, declarou aestabilidade dos servidores civis que em 05/10/88 contavam com pelo menoscinco anos de exercício continuado.

Vale citar, ainda, o art. 98, II, da CR, que prevê a justiça de paz, bemcomo o art. 53, I, do ADCT, relativo aos ex-combatentes que tenhamefetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda GuerraMundial.

Por fim, o concurso também é inexigível para a contratação por tempodeterminado para atender necessidade temporária de excepcional interessepúblico, na forma do art. 37, IX, da Constituição de 1988, quando tratar-se decasos urgentes. Nos situações não urgentes, deve ser observado o processoseletivo, ainda que simplificado, a exemplo do que ocorre no âmbito federal(art. 3º da Lei n. 8.745/93). Regramento similar está previsto no § 4ºdo art. 198 da Constituição da República, o qual estabelece a admissãode agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemiaspor meio de processo seletivo público.

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III – Contratação temporária para atendimento deexcepcional interessa público

De início, vale citar a redação do inciso IX do art. 37 da CR/88: “a leiestabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atendernecessidade temporária de excepcional interesse público”.

Do dispositivo constitucional acima transcrito, encontram-se todos osrequisitos para a contratação temporária, os quais serão analisados em seguida.

A norma constitucional sob apreciação é de eficácia limitada, vistoque atribui à lei ordinária a disciplina da contratação temporária de servidores.O requisito em comento é pressuposto de tal modalidade de contratação.Considerando a autonomia político-administrativa conferida pela Constituiçãoaos entes federativos, cabe a eles a edição da referida lei, de modo que umapessoa política não poderá valer-se da lei reguladora editada por outra.

No âmbito federal, a União editou a Lei n. 8.745/93, que estabeleceas hipóteses de contratação e o regime jurídico dos servidores temporários.

Questão polêmica surge quando um estado ou município edita lei,determinando a aplicação de lei específica editada por outro ente federativo.Nesse caso, como ressalta Gustavo Magalhães (2005), entende-se que não hárenúncia de competência legislativa, mas a ocorrência do fenômeno da imputaçãoou reenvio, por meio do qual o legislador determina que as autoridadesresponsáveis pela aplicação da lei dirijam-se a outros dispositivos que igualmentetratam da matéria.

A lei em referência deverá estabelecer as hipóteses de contrataçãotemporária, fixar as condições e prazos máximos de duração do contrato,conforme as situações excepcionais que arrolar. Deverá, outrossim, estabelecero regime jurídico disciplinador do vínculo Estado-servidor. Não é demais ressaltarque a natureza do vínculo será sempre contratual. Desse modo, cabe ao legisladorde cada ente federativo adotar o regime que melhor lhe convier, optando peloregime celetista ou de contrato administrativo de trabalho.

Assim, a lei específica deverá instituir o regime funcional dos servidorestemporários. Não o fazendo ou sendo omissa em relação às garantidas mínimasdo servidor, deve ser aplicado o regime celetista, previsto no art. 7º da CR/88,como regra geral a ser observada nas relações de trabalho subordinado.

Por fim, cabe ressaltar que, independentemente do regime adotadopelo legislador, deve-se garantir os direitos mínimos ao agente temporário, deforma a garantir a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho,fundamentos da República (art. 1º, III e IV, da CR/88).

Contudo, ainda que inexista lei disciplinadora, na hipótese deocorrência de fatos que demandem a atuação imediata do Poder Público,

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considerando o princípio da continuidade do serviço público, deve-se admitirtal modalidade de contratação. Gustavo Magalhães ensina que:

Assim, deve ser permitida a contratação temporária nestescasos, ainda que inexista lei ordinária prevendo as hipótesesconsideradas como de excepcional interesse público. É claroque o dever de motivação pela Administração do ato decontratação deve ser fiscalizado com muito mais rigor. Deveo Poder Público demonstrar que a situação fáticaefetivamente demanda a contratação de servidorestemporários como condição de resguardar interessespúblicos ameaçados. (2005, p. 239-240).

3.1 – Conceito de necessidade transitória

A expressão necessidade transitória refere-se às situações de fatoautorizadoras para a contratação de agentes temporários, nos moldes dopermissivo constitucional contido no inciso IX do art. 37 da Carta Política.

Desse modo, necessidade transitória deve ser entendida como asituação que demanda atendimento prioritário por parte da administração,abrangendo situações urgentes – ainda que em atividades de naturezapermanente – ou não urgentes, para atividades de natureza transitória que,justo por isso, não justificam a criação de cargos ou empregos públicos.

Há julgados do STF no sentido de limitar a abrangência da expressão“necessidade temporária” às situações em que a própria atividade seja transitória(ADI n. 2987/SC, Rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ 02.04.2004; ADI n. 890/DF, Rel. min. Maurício Correa, DJ 06.02.2004). Segundo tal entendimento, alei do ente federativo que estabelece hipóteses de contratação temporária paraatividades de natureza permanente seria inconstitucional, visto que, em taiscasos, a necessidade de mão-de-obra deve ser suprida pela criação de cargosou empregos, obedecendo-se às formalidades para ingresso no serviço público.No mesmo sentido se manifestou José dos Santos Carvalho Filho (2010).

Contudo, no julgamento da ADI n. 3068/DF (Rel. min. Marco Aurélio,Julg. 25/08/04), o STF mudou o entendimento acima e legitimou tal modalidadede contratação para atividades de caráter permanente, desde que paraatendimento de situações urgentes. Vale citar a ementa do referido acórdão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.10.843/04. SERVIÇO PÚBLICO. AUTARQUIA. CADE.CONTRATAÇÃO DE PESSOAL TÉCNICO POR TEMPO

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DETERMINADO. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DAATIVIDADE ESTATAL. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 37,IX, DA CB/88. 1. O art. 37, IX, da Constituição do Brasilautoriza contratações, sem concurso público, desde queindispensáveis ao atendimento de necessidade temporáriade excepcional interesse público, quer para o desempenhodas atividades de caráter eventual, temporário ouexcepcional, quer para o desempenho das atividades decaráter regular e permanente. 2. A alegada inércia daAdministração não pode ser punida em detrimento dointeresse público, que ocorre quando colocado em risco oprincípio da continuidade da atividade estatal. 3. Ação diretajulgada improcedente.

Verifica-se, pois, que a expressão “necessidade temporária” deve seranalisada sob o aspecto da urgência da situação excepcional. Se há urgência naatividade a ser desempenhada, não importa sua natureza, poderá o administradorpúblico valer-se da contratação temporária, haja vista que, ainda que a atividadeseja permanente, a urgência da situação impossibilita o atendimento àsformalidades legais, de forma a preservar s direitos e interesses coletivos.

Para as situações não urgentes, o que deve ser analisado é a naturezada atividade a ser desempenhada. Se esta for transitória, poderá a administraçãopública utilizar a contratação temporária para a admissão de pessoal, visto que,em casos tais, o provimento em caráter permanente revela-se incompatívelcom o interesse público. Vale dizer, cessada a situação excepcional autorizadorada contratação temporária, os serviços do agente temporário não são maisnecessários, o que justifica o seu enquadramento como agente temporário. Seassim não fosse, mesmo diante de situações transitórias, haveria a necessidadede admissão de pessoal em cargos ou empregos com a posterior declaração desua desnecessidade, uma vez cessada a necessidade pública transitória. Bemde ver que tal hipótese afrontaria o princípio da razoabilidade e eficiência.

Celso Antônio Bandeira de Mello traz interessante e preciosa lição:

A razão do dispositivo constitucional em apreço,obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própriaatividade a ser desempenhada, requerida por razõesmuitíssimo importantes, é temporária, eventual (não sejustificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê nãohaveria cogitar do concurso público), ou a atividade não étemporária, mas o excepcional interesse público demanda

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que se faça imediato suprimento temporário de umanecessidade (nesse sentido, ‘necessidade temporária’), pornão haver tempo hábil para realizar concurso, sem quesuas delongas deixem insuprido o interesse incomum quese tem de acobertar (2003, p. 261, grifo do autor).

Pode-se dizer que para a validade da contratação temporária éimprescindível o enquadramento da situação como transitória. A necessidadede mão-de-obra deve ser sempre transitória, podendo-se classificar as situaçõesde excepcional interesse público em urgentes e não urgentes. Se urgentes,ainda que permanente a atividade, justifica-se a contratação. Se não urgente, anatureza da atividade deve ser transitória ou sazonal. Em ambos os casos, oexcepcional interesse público autoriza a contratação em comento.

E é justamente essa divisão da necessidade transitória em função daurgência que definirá a exigência ou não da realização de processo seletivo.Tratando-se de necessidade urgente, patente está a desnecessidade de realizaçãode processo seletivo, por óbvias razões. Já para as contratações temporárias nãourgentes, ou seja, aquelas cujo objeto é o desempenho de atividades de naturezatransitória, previsíveis, permanece a exigência de prévio processo seletivo paraadmissão dos servidores. Tal exigência funda-se na possibilidade de planejamento,por parte da Administração, da admissão de pessoal. Importante observar que:

De fato, a Constituição não exigiu expressamente aaprovação prévia em concurso como condição de admissãode pessoal em função público, visto que o art. 37, II, sófaz menção a cargos e empregos. Contudo, utilizando-sede interpretação sistemática e teleológica, conclui-se queo princípio do concurso público só poderá ser excepcionadonos casos em que necessidades públicas urgentesrequererem atuação imediata da Administração(MAGALHÃES, 2005, p. 173).

Em tais situações, a admissão dos servidores temporários deve serprecedida por processo seletivo, tal como ocorre com os recenseadores doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Em outras palavras: como aConstituição de 1988 consagrou o princípio do concurso público, sua dispensasó pode ocorrer para evitar o perecimento de interesses públicos.

Importante destacar que, na dinâmica da rotina administrativa, umanecessidade originariamente não urgente, pode tornar-se urgente em razão dainércia do administrador pública em tomar as medidas cabíveis. Neste caso,

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embora o ato de admissão seja válido (em razão da urgência), o administradorpúblico deverá ser responsabilizado por sua omissão. Responderá não pelo atode contratação em si, mas por sua omissão referente à não realização do processoseletivo. Insta salientar que a questão da responsabilidade será apreciada emtópico específico.

3.2 – Conceito de prazo determinado

Do texto constitucional, infere-se que a contratação sob exame deveefetivar-se por prazo determinado, ou seja, o vínculo deve ter natureza transitória.Os contratos celebrados devem ter prazo certo, com duração restrita aoatendimento da necessidade transitória. A expressão “prazo determinado” refere-se à duração do vínculo Estado-servidor, guardando íntima ligação com atransitoriedade das atividades a serem desempenhadas.

Considerando a diversidade de situações que podem ser enquadradascomo de excepcional interesse público, seria difícil para o legislador estabelecerum prazo uniforme para todas as hipóteses de contratação temporária. Poroutro lado, a inexistência de prazos a serem observados pelo administradorcertamente ensejaria a desvirtuação do instituto em referência.

Justo por isso, a lei deve prever um prazo-limite para as contratações,observando, para tanto, prazo razoável para a tutela do excepcional interessepúblico, de acordo com as atribuições a serem exercidas pelo servidor. Valedizer, a exigência de prazo determinado para o vínculo deve estar relacionada àestrita observância da necessidade pública transitória, de forma que a contrataçãonão se perpetue no tempo.

No tocante à prorrogação dos contratos temporários, prática muitocomum no âmbito dos Estados e Municípios, cabe ressaltar que, como ditoantes, o contrato deve perdurar pelo tempo estritamente necessário para oatendimento da necessidade transitória. Dessa forma, o prolongamento do vínculosó deve ser admitido em situações justificadas e, de igual modo, pelo prazonecessário.

3.3 – Conceito de excepcional interesse público

De início, destaca-se a lição trazida por José dos Santos CarvalhoFilho:

Empregando o termo excepcional para caracterizar ointeresse público do Estado, a Constituição deixou claroque situações administrativas comuns não podem ensejar

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o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse públicocorresponde à excepcionalidade do próprio regimeespecial (2010, p. 656).

A situação autorizadora para a contratação temporária deve ser,além de transitória, excepcional, aqui entendida como algo extraordinário.O interesse público excepcional reside no atendimento de situações deexceção, indispensáveis para a continuidade dos serviços públicos, sendocerto que não há necessidade de estar relacionado apenas a serviços públicosessenciais.

Gustavo Magalhães ressalta que “deve, portanto, ficar claro que anoção de excepcional interesse público destina-se a atender a situaçõesrelevantes e indispensáveis, mas que não serão necessariamente urgentes”(2005, p. 182-183).

Conclui-se, assim, que o conceito de excepcional interesse públicoestá relacionado à satisfação de necessidade pública transitória, seja esta derivadade atividade permanente, porém urgente, seja decorrente de atividade denatureza transitória, que, por tal razão, não justifica a admissão de pessoal pormeio de cargos ou empregos públicos.

IV – Desvirtuamento da contratação temporária

A Constituição de 1988 estabeleceu que a investidura em cargo ouemprego público depende de prévia aprovação em concurso público de provasou de provas e títulos (art. 37, inciso II). Verifica-se que a rigidez na admissãode pessoal tem por escopo a moralização do serviço público, de forma a atenderaos princípios previstos no caput do art. 37.

Entretanto, devido à dinâmica dos fatos que ocorrem na sociedade, oconstituinte ressalvou determinadas situações da regra geral prevista no inciso IIdo art. 37, a exemplo da previsão contida no inciso IX do artigo antes referenciado.O instituto em questão, como analisado anteriormente, permite ao administradorpúblico contratar pessoal para atender necessidade temporária de excepcionalinteresse público, inclusive com dispensa da realização de processo seletivo,em casos urgentes.

A contratação temporária de servidores possui importante função social,visto que busca resguardar o interesse coletivo. Contudo, nota-se que talmodalidade de contratação tem sido utilizada em situações nas quais o interesseadministrativo não se revela presente.

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4.1 – A contratação temporária no âmbito do Programa Saúde deFamília

Obviamente, a contratação temporária de servidores pode ocorrerem todos os setores de atuação do Estado, mas é na área da saúde que seconcentra boa parte das contratações.

A Constituição define a saúde como direito de todos e dever doEstado. A execução das ações e serviços de saúde cabe ao Poder Público, sendocerto que a iniciativa privada participa de forma complementar do Sistema Únicode Saúde (SUS), o qual é financiado com recursos de todos os entes federativos,tendo em vista sua descentralização (art. 198, inciso I, CR/88).

O governo federal, a quem cabe elaborar as diretrizes da políticanacional de atenção básica à saúde, criou, em 1994, o Programa Saúde daFamília (PSF), o qual possui como finalidade a produção de resultados positivosnos indicadores de saúde e de qualidade de vida da população assistida, o quedenota seu caráter definitivo. Tal iniciativa é louvável e possui inegável cunhosocial.

Contudo, a implementação do PSF em diversos municípios brasileirosnão vem respeitando as normas constitucionais e legais pertinentes à admissãode pessoal.

De início, cumpre ressaltar que a execução do PSF constitui atividadeprópria do Estado, de modo que sua terceirização não pode ser admitida, sobpena de se transferir à iniciativa privada a execução de atividade finalística doEstado. Cabe aos municípios, como gestores locais do SUS, a implementação eexecução operacional do PSF e também do PACS (Programa de AgentesComunitários de Saúde, outro programa de estratégia articulada nos três níveisde governo), no âmbito de seu território, mediante convênio e repasse derecursos financeiros pela União, através do Ministério da Saúde.

Adriano Mesquita Dantas, em artigo sobre o tema, registra que:Sendo assim, temos que para a celebração do convênio ea implantação e execução do PSF os Municípios, entre outrasobrigações, devem selecionar, contratar e remunerar osprofissionais que integram as equipes de saúde dafamília e garantir a infra-estrutura e os insumosnecessários para as atividades das unidades de saúdeda família. (DANTAS, 2007).

Assim, o PSF está consolidado como atividade permanente daAdministração, não havendo que se falar em contratação temporária deprofissionais para a constituição das equipes de saúde.

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No tocante aos agentes comunitários de saúde (ACS) e agentes decombate às endemias (ACE), o §4º do art. 198 da Constituição da República,incluído pela EC 51/06, prevê sua admissão pelos gestores locais do SUS medianteprocesso seletivo público, sendo certo que o §5º reserva à lei federal, entreoutras coisas, a disciplina sobre o regime jurídico e regulamentação das atividadesacima citadas.

E a Lei n. 11.350/06, que regulamenta o §5º do art. 198 da CR/88,determina que o exercício das atividades de ACS e ACE dar-se-á exclusivamenteno âmbito do SUS, mediante vínculo direto com os órgãos ou entidades dedireito público da Administração, estabelecendo que a contratação dos agentesdeverá ser precedida de processo seletivo público. Vale dizer, ao gestor local doSUS compete dispor sobre a criação de cargos ou empregos necessários àexecução das atividades de ACS e ACE. O art. 8º da referida lei estabelece queos ACS e ACE submetem-se ao regime celetista, observadas as disposições doart. 10, salvo quando adotado regime jurídico diverso pelos Estados, DistritoFederal ou Municípios, mediante lei local.

Importante disposição consta do art. 16 da Lei n. 11.350/06, queveda expressamente a contratação temporária ou terceirização de ACS e ACE,salvo hipótese de combate a surtos endêmicos, na forma da lei aplicável.

O argumento mais utilizado pelos administradores locais para autilização da contratação temporária na admissão de pessoal para atuar emprogramas (os quais pressupõem início, desenvolvimento e finalização) como oPSF é o fato de que os recursos para o custeio de mão-de-obra são repassadospela União, não constituindo receita permanente. Ocorre que tais profissionaissão contratados para atuarem em programas que, na verdade, são açõespermanentes, eis que constituem medidas de política de saúde pública,integradas, pois, ao SUS.

Sendo assim, não se justifica as contratações de profissionais, a títuloprecário, para atuarem nos referidos programas, eis que incorporadosdefinitivamente nas políticas públicas de saúde.

4.2 – Competência jurisdicional

A jurisdição, como se sabe, é una e indivisível. Contudo, a funçãojurisdicional do Estado costuma ser classificada em espécies. Dentre asclassificações, vale destacar aquela que leva em consideração a natureza dapretensão deduzida em juízo, podendo ser penal ou civil, esta última definidapor exclusão. Outra forma de classificação divide a jurisdição em especial ecomum. A jurisdição especial atribui a certos órgãos jurisdicionais o julgamentode causas de natureza determinada, sendo exercida pela Justiça do Trabalho,

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Justiça Eleitoral e Justiça Militar. Já a jurisdição comum possui natureza residual,visto que, salvo as demandas submetidas à jurisdição especializada, as demaispretensões são submetidas aos órgãos da Justiça Comum, Estadual ou Federal,conforme o caso.

Essa “divisão” da jurisdição se faz pelas regras de repartição decompetência entre os diversos órgãos que compõem o Poder Judiciário. AlexandreFreitas Câmara traz excelente definição:

Assim sendo, pode-se definir a competência como oconjunto de limites dentro dos quais cada órgão do Judiciáriopode exercer legitimamente a função jurisdicional. Em outraspalavras, embora todos os órgãos do Judiciário exerçamfunção jurisdicional, cada um desses órgãos só pode exercertal função dentro de certos limites estabelecidos por lei. Oexercício da função jurisdicional por um órgão do Judiciárioem desacordo com os limites traçados por lei será ilegítimo,sendo de se considerar, então, que aquele juízo éincompetente (2010, p. 99-100).

A competência do juízo é um pressuposto processual intrínsecoindispensável à validade do processo.

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, no julgamento do RE 573.202-9/AM, deixou escrito:

Como é definida a competência? A jurisdição é una, massabemos que, ante a necessidade de racionalização, hádiversos segmentos. Como é definida a competênciaconsiderada certa causa ajuizada? É definida a partir dascausas de pedir e dos pedidos formulados na inicial.Procedência ou improcedência resolve-se em outro campo,que não é o da competência.

O art. 114 da CR/88, em sua redação original, assim dispunha:

Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídiosindividuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores,abrangidos os entes de direito público externo e daadministração pública direta e indireta dos Municípios, doDistrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma dalei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho,

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bem como os litígios que tenham origem no cumprimentode suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

Nota-se que o texto constitucional originário definia a competênciada Justiça do Trabalho, como regra geral, apenas para o julgamento das lidesdecorrentes das relações empregatícias, o que excluía as demandas decorrentesde relação de natureza administrativa.

Seguindo tal entendimento, a SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalhoeditou a OJ n. 263, in verbis:

CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. LEI ESPECIAL(ESTADUAL E MUNICIPAL). INCOMPETÊNCIA DAJUSTIÇA DO TRABALHO. A relação jurídica que seestabelece entre o Estado ou Município e o servidorcontratado para exercer funções temporárias ou de naturezatécnica, decorrente de lei especial, é de naturezaadministrativa, razão pela qual a competência é da justiçacomum, até mesmo para apreciar a ocorrência de eventualdesvirtuamento do regime especial (CF/1967, art. 106; CF/1988, art. 37, IX).

O entendimento consubstanciado na OJ n. 263 considerava, parafins de fixação de competência, a natureza da relação jurídica travada entre oPoder Público e o servidor temporário. Se a contratação tivesse como pano defundo o regime estabelecido em lei especial (administrativo, portanto), acompetência seria da Justiça Comum, mesmo para apreciar eventual alegaçãode desvirtuamento e ilicitude contratual. Segundo tal corrente, ainda que ocontrato administrativo fosse nulo, por não se enquadrar como hipótese válidade contratação temporária, isto não o transmudaria em um contrato de emprego,de forma a atrair a competência da Justiça laboral.

Contudo, o TST, em 2004, cancelou a OJ acima transcrita, passandoa trilhar o entendimento do Pretório Excelso, o qual vinha decidindo, de formareiterada, que a competência material, em casos tais, seria decidida em funçãoda causa de pedir e do pedido. Por tal motivo, a SDI-1 do TST modificou aredação da OJ n. 205, que passou a dispor o seguinte:

COMPETÊNCIA MATERIAL. JUSTIÇA DO TRABALHO.ENTE PÚBLICO. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. REGIMEESPECIAL. DESVIRTUAMENTOI - Inscreve-se na competência material da Justiça do

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Trabalho dirimir dissídio individual entre trabalhador e entepúblico se há controvérsia acerca do vínculo empregatício.II - A simples presença de lei que disciplina a contrataçãopor tempo determinado para atender a necessidadetemporária de excepcional interesse público (art. 37, incisoIX, da CF/1988) não é o bastante para deslocar acompetência da Justiça do Trabalho se se alegadesvirtuamento em tal contratação, mediante a prestaçãode serviços à Administração para atendimento denecessidade permanente e não para acudir a situaçãotransitória e emergencial.

Malgrado os posicionamentos divergentes na jurisprudência, oentendimento predominante no Tribunal Superior do Trabalho passou a ser aqueleque considerava como competência material da Justiça do Trabalho as causasinstauradas entre servidor temporário e a administração pública, quando havia aalegação de nulidade contratual em decorrência de desvirtuamento do art. 37,IX, da CR/88.

A partir do entendimento acima esposado, a competência seria definidaexclusivamente pela pretensão deduzida em juízo. Caso o autor pleiteasse verbastipicamente trabalhistas (pedidos), fundadas numa relação de trabalho – aindaque nula – com o Poder Público (causa de pedir), a Justiça do Trabalho seriacompetente para apreciar a demanda, independentemente do rótulo jurídicoda relação travada entre as partes. A procedência ou não do direito materialvindicado seria matéria de mérito, inclusive a declaração de nulidade do contrato.Lado outro, se os pedidos fossem de natureza administrativa, restaria patente acompetência da Justiça Comum.

Vale dizer, se a contratação referenciada se enquadrasse nas hipótesesde validade do instituto, a competência seria da Justiça Comum, Estadual ouFederal, se o regime adotado pelo ente não fosse o celetista. Caso o regimeadotado fosse o trabalhista ou a contratação fosse irregular, seja porque nãofosse o caso de contratação temporária, seja porque o contrato foraindefinidamente prorrogado, a demanda atrairia a competência da JustiçaTrabalhista. Frisa-se, ainda que o vínculo formal fosse administrativo, uma vezque o autor alegasse que a realidade fática descaracterizou o vínculo original,poderia subsistir uma relação de natureza trabalhista, sendo o juiz do trabalho aautoridade competente para reconhecê-la, em sede de mérito.

Posteriormente, a Emenda Constitucional n. 45, de 30/12/04, tal comofoi promulgada, deu a seguinte redação ao art. 114 da Constituição:

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Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos osentes de direito público externo e da administração públicadireta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federale dos Municípios; [...].

Aparentemente, o intuito do Constituinte derivado foi o de ampliar acompetência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causasderivadas da relação de trabalho do servidor público (gênero). Por outro lado, anova redação do art. 114 em nada alterou o entendimento então firmado peloTST, no tocante aos servidores temporários, visto que, mesmo antes dapromulgação da referida Emenda, se a pretensão do autor fosse o deferimentode verbas tipicamente trabalhistas fundadas em uma suposta relação de empregocom o Poder Público, ainda que nula, conforme explicitado antes, a competência,segundo o posicionamento dominante no TST, seria da Justiça do Trabalho.

Contudo, em 2005, o então ministro Nelson Jobim, do SupremoTribunal Federal, ao apreciar a ADI 3395/DF, ajuizada pela AJUFE (Associaçãodos Juízes Federais do Brasil), concedeu medida cautelar suspendendo toda equalquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CR/88, com a redaçãodada pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, “aapreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seusservidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráterjurídico-administrativo”.

A referida decisão monocrática, que é dotada de eficácia erga omnese efeitos ex tunc, deu interpretação conforme à Constituição ao dispositivomencionado, sendo certo que fora posteriormente referendada pelo pleno doSTF, estando a ADI ainda em tramitação na Corte constitucional.

A polêmica agora reside no alcance material da liminar concedida,concernente à expressão “típica relação de ordem estatutária ou de caráterjurídico-administrativo”. Para alguns, a relação jurídico-administrativa seria sinônimade relação estatutária, de forma que estariam excluídas da competência daJustiça do Trabalho apenas as ações ajuizadas por servidores ocupantes de cargosefetivos ou em comissão. Assim, as demandas instauradas entre o Poder Públicoe os servidores temporários continuariam na esfera material da Justiça laboral.Ao inverso, a prevalecer a tese de que a relação de ordem estatutária difere darelação de caráter jurídico-administrativo, ambas estariam sujeitas à competênciada Justiça Comum, estadual ou federal, a depender do ente público. O últimoentendimento parece ser o que melhor se coaduna com o ordenamento jurídico,visto que toda relação estatutária possui caráter jurídico-administrativo, mas nemtoda relação jurídico-administrativa é estatutária.

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Cabe destacar a análise de mérito do recurso extraordinário n. 573.202-9/AM (Rel. min. Ricardo Lewandowski, julg. 21/08/08). O Supremo TribunalFederal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucionalsuscitada no recurso, declarando a competência da Justiça Estadual Comumpara dirimir conflitos de relação jurídico-administrativa entre o Poder Público eseus servidores.

Vale citar, pelo conteúdo didático, trecho do voto do exmo. ministroCarlos Britto no julgamento do RE 573.202-9/AM, alhures mencionado:

Portanto, o meu ponto de vista é saber se, no caso concreto,a lei criou um regime especial de proteção jurídica. Secriou, o contrato é de Direito Administrativo, a definir acompetência da Justiça Comum – fica excluída a Justiça doTrabalho. Se a lei silenciou, não protegeu por nenhum modoo recrutado, a competência é da Justiça do Trabalho.

Mais adiante, ainda no julgamento do recurso acima mencionado,sustentando tese contrária, o ministro Cezar Peluso deixou assentado que, aindaque se aplique o regime celetista aos servidores temporários, por expressadisposição legal, isso não desnatura a natureza da relação jurídica que o PoderPúblico trava com o servidor. Segundo tal posicionamento, a relação jurídica,ainda que sob o manto celetista, continuaria ostentando o caráter jurídico-administrativo, revelador da preponderância do interesse público. Dessa forma,a relação entre o Poder Público e seus servidores seria sempre de caráter jurídico-administrativo, não importando o regime jurídico aplicável, de modo que caberiaà Justiça Comum solucionar as controvérsias oriundas de tais relações.

Importante mencionar, ainda, que o TST, no intuito de alinhar suajurisprudência com a do STF, cancelou a OJ n. 205 em 2009. Vale transcreverementa de recente decisão em recurso de revista da Corte Trabalhista:

RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇADO TRABALHO. CONTRATAÇÃO EM CARÁTERTEMPORÁRIO. REGIME ESPECIAL. I – De acordo com ainterpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal ao art.114 da CF/88, causa instaurada por servidor temporáriocontratado pelo ente público por regime especial sempreestá no âmbito de competência da Justiça Comum, aindaque haja discussão sobre eventual irregularidade nacontratação administrativa entre trabalhador e ente públicoou sobre FGTS. II – Por isso, o Tribunal Superior do Trabalho

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cancelou a Orientação Jurisprudencial nº 205 da SBDI-1 ealinhou sua jurisprudência com a consolidada na SupremaCorte. III – Assim, prevalece nesta Corte Superior oentendimento de que o julgamento de litígio entreservidores temporários e a administração pública, mesmoque se discuta eventual nulidade da contrataçãoadministrativa, não pode ser processado perante a Justiçado Trabalho, pois tal hipótese afronta o comando inseridono art. 114, I, da CF/88. IV – Diante do exposto, declara-se a incompetência desta Justiça do Trabalho para apreciare julgar a presente causa e determina-se o encaminhamentodos autos para a Justiça Comum Estadual. Prejudicado oexame das demais matérias veiculadas no recurso de revista.Recurso de revista a que se dá provimento (RR10900.93.2008.5.08.0105, Rel. min. Fernando Eizo Ono,4ª Turma, DEJT 28/06/10).      

Não obstante a intensa divergência, dentro do próprio STF, acerca dosignificado jurídico da expressão “caráter jurídico-administrativo”, o presenteestudo adota o entendimento de que a definição da competência deve ser feitaem função da natureza da relação jurídica entre Estado e servidor, restando naseara de competência da Justiça do Trabalho apenas as demandas em quefigurem servidores vinculados ao Estado por regime trabalhista, ainda quetemporários, desde que a lei autorizativa da contratação temporária disponhaexpressamente sobre a aplicação do regime celetista ou seja silente quanto aoregime funcional dos servidores temporários.

Assim, nos casos em que o Poder Público admite servidores paraatendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, combase em lei autorizativa que estabelece regime jurídico-administrativo para seusservidores, a relação jurídica terá nítido caráter administrativo. E tal naturezaadministrativa permanece ainda que a contratação seja considerada inválida, ouseja, o vínculo que era originalmente administrativo não se transforma emtrabalhista pela simples declaração de nulidade da contratação, de modo que acompetência permanece com a Justiça Comum em tais casos.

Importante ressaltar, como analisado no tópico sobre regime jurídicoúnico, a decisão do STF que deferiu parcialmente o pedido de medida cautelarna ADI 2135 MC/DF (Relator min. Néri da Silveira, Relatora para acórdão min.Ellen Gracie, Julg. 02/08/07). Referida decisão suspendeu a eficácia do caputdo art. 39 da Constituição de 1988, com a redação que lhe foi dada pela EC n.19/98, ensejando o retorno de sua redação original, a qual prevê a obrigatoriedade

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de instituição de regime jurídico único para os servidores de cada pessoa política,no âmbito de sua competência.

A prevalecer o entendimento que apregoa que o regime jurídico devepossuir natureza administrativa, a controvérsia acerca da competência, sob talângulo, em tese, restaria superada, uma vez que, adotando a pessoa política oregime jurídico-administrativo, seria ele aplicável a todos os seus servidores, desorte que as controvérsias advindas das relações funcionais seriam da competênciada Justiça Comum.

Contudo, como ressaltado por José dos Santos Carvalho Filho (2010),o regime deve ser único, seja estatutário ou trabalhista. Ademais, a unicidadede regime jurídico alcançaria apenas os servidores permanentes, de modo queaos servidores temporários aplicar-se-ia o dito “regime especial”, assimconsiderado por suas peculiaridades, em contraposição ao regime comum, estesim único.

Portanto, segundo tal posicionamento, cada ente federativo tem aprerrogativa de escolher o regime jurídico de seus servidores temporários,podendo adotar o regime administrativo ou o celetista, sendo da Justiça doTrabalho a competência para apreciar as demandas ajuizadas por servidoresdeste último regime.

4.3 – Responsabilização da autoridade responsável pela contrataçãoirregular

Em clara ofensa ao texto constitucional, maus administradores públicosestão a utilizar a contratação temporária como meio de burlar a exigênciaconstitucional do concurso público e, assim, favorecer apaniguados. Trata-se, abem da verdade, de conduta que revela desvio de finalidade, bem como afrontadiretamente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência,visto que o Poder Público deixa de selecionar os melhores profissionais parafavorecer, na maior parte dos casos, apadrinhados políticos.

Outrossim, tal prática ofende a dignidade da pessoa humana e ovalor social do trabalho, uma vez que traduz-se em precarização do vínculoEstado-servidor.

O desvirtuamento em epígrafe ocorre quando efetiva-se a contrataçãotemporária para atividade de natureza permanente, fora de situações urgentes.Ocorre também quando há cargos ou empregos a serem providos, com concursopúblico vigente, e a Administração, ignorando tal fato, contrata agentestemporários para suprir a demanda por mão-de-obra. Vale citar, ainda, a hipótesede contratação temporária derivada de atividades transitórias não urgentes,

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situação em que o Poder Público poderia – e deveria – realizar processo seletivoe não o faz.

Em todas as situações citadas acima, evidente está, como dito alhures,a ilegalidade da atuação administrativa, devendo ser reconhecida a nulidade dacontratação e consequente responsabilização da autoridade administrativaresponsável pela contratação, nos termos do §2º do art. 37 da Constituição daRepública.

Tal conduta caracteriza, em tese, ato de improbidade administrativa,na forma do art. 11 da Lei n. 8.429/92, que dispõe: “Constitui ato de improbidadeadministrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualqueração ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade,e lealdade às instituições, e notadamente: [...]”.

O objetivo do legislador foi preservar os princípios constitucionaisnorteadores da administração pública. Ao discorrer sobre o dispositivo acimacitado, José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 1182) assevera que:

Na análise do dispositivo, merece destaque o fato de aofensa a princípios caracterizar-se como ato de improbidadeadministrativa, com o que se refugiu à clássica noção deque somente o enriquecimento ilícito e os atos danosos aoerário seriam idôneos para caracterizá-la”. O ilustre autoracrescenta: “o pressuposto exigível é somente a vulneraçãoem si dos princípios administrativos. Conseqüentemente,são pressupostos dispensáveis o enriquecimento ilícito e odano ao erário.

No mesmo sentido, vem se manifestando o Superior Tribunal deJustiça ao julgar ações ajuizadas pelo Ministério Público:

No que concerne à inexistência de dano ao erário e àausência de enriquecimento ilícito por parte da recorrente,pacífico no Superior Tribunal de Justiça entendimentosegundo o qual, para o enquadramento de condutas noart. 11 da Lei n. 8.429/92, é despicienda a caracterizaçãodo dano ao erário e do enriquecimento ilícito (AgRg noREsp 1143484/SP, Segunda Turma, Rel. min. MauroCampbell, julgado em 6.4.2010, DJe 16.4.2010).

Isto é: “o simples fato de a conduta do agente não ocasionardano ou prejuízo financeiro direto ao Erário não significa

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que seja imune a reprimendas, nos termos dos arts. 11,caput, e 12, III, da Lei 8.429/92” (REsp 1143815/MT, Rel.min. Herman Benjamin, julgado em 6.4.2010, DJe20.4.2010). (REsp 1.191.095/SP, Rel. min. HumbertoMartins, julgado em 31.05.2010, DJe 16.06.10).

Quanto ao elemento subjetivo para a caracterização de ato deimprobidade administrativa, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 909.446 -RN (1ª Turma, Rel. min. Luiz Fux, julgado em 06.04.2010, DJe 20.04.2010),assentou que deve ser comprovada a má-fé do administrador público para aconfiguração da lesão prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/92. Se a conduta daautoridade administrativa não for dolosa, poderá enquadrar-se como infraçãofuncional, passível de correção administrativa, mas não configurará ato deimprobidade.

Não obstante o entendimento do STJ quanto à exigência de má-fé,não se pode negar que o simples fato de o administrador público não observaras mais elementares regras de direito público, demonstrando despreparo para agestão da coisa pública, denota que sua conduta revela mais do que uma merairregularidade, mas sim verdadeiro ato de improbidade, por atentar contra osprincípios basilares da administração pública. No julgamento do Recurso Especialn. 1.191.095, mencionado alhures, o ministro Humberto Martins, do STJ, citandotrecho do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, deixou escrito:

Quanto ao dolo, salta aos olhos a sua caracterização peloTribunal a quo, grifo e sublinho: ‘A violação decorre do usoabusivo que o Prefeito Municipal fez da lei que autorizava acontratação sem concurso público em hipótesesexcepcionais, utilizando-a como mecanismo rotineiro de burlaà Constituição Federal e sua principiologia. Tanto assim quenão se cuido de realizar nenhum concurso público ou, aomenos, estabelecer um cronograma de concursos, conformea disponibilidade orçamentária. (...) a própria sentençamonocrática reconheceu que as contratações temporáriasapenas objetivaram burlar a exigência do concurso público.O artifício pelo Agente Político consistia em aplicar odispositivo autorizador da contratação que ultrapassassecento e vinte dias, de modo a eternizar o vínculo. (fl. 1.865).(...) Induvidoso, portanto, que o réu violou a Constituiçãoe seus princípios, notadamente a igualdade, a finalidade,a impessoalidade e a moralidade administrativa e o fez

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de modo absolutamente escancarado. Pouco importaaqui o elemento subjetivo que o animou , embora custecrer que o Prefeito Municipal de importante cidadelocalizada em região altamente desenvolvida do Estadode São Paulo, não tivesse a exata dimensão de sua ação”Em arremate, o réu violou, e de modo grave aConstituição Federal e seus princípios, caracterizando-sesua conduta como de improbidade administrativa.’ (fl.1.863-1.867).

Assim, revela-se de suma importância a atuação do Ministério Público,seja por meio de termos de ajustamento de conduta (TAC) com os entes públicos,seja ao ajuizar ação civil pública para coibir as contratações temporárias irregulares,na forma do art. 129, inciso III, da Constituição da República. A utilização dopermissivo constitucional contido no inciso IX do art. 37 como meio de burlar aregra geral do concurso público configura lesão aos direitos coletivos, haja vistaque toda a coletividade é prejudicada quando o gestor público utiliza de formaabusiva o instituto da contratação temporária.

Igualmente importante é a atuação dos Tribunais de Contas, por meiode fiscalização ou análise das prestações de contas dos entes públicos, de modoa averiguar as reais condições das contratações temporárias e, caso constateirregularidades, aplicar as sanções pertinentes aos agentes públicos.

4.4 – Direitos assegurados ao servidor temporário

A contratação temporária de servidores, como visto em tópico próprio,está prevista no texto constitucional como medida extraordinária, com o objetivode assegurar a continuidade da atividade estatal em situações temporárias deexcepcional interesse público. E, como tal, deve atender aos requisitos traçadosno art. 37, IX, da Constituição da República, quais sejam: a) previsão em leilocal; b) contratação por prazo determinado; c) atendimento de necessidadetemporária; d) caráter de excepcional interesse público. Todos os requisitos emreferência foram analisados anteriormente.

Uma vez descaracterizada a situação autorizativa da contrataçãotemporária, impõe-se o reconhecimento da nulidade contratual, sob pena deafronta à ordem constitucional, nos termos do art. 37, §2º, o qual prevê anulidade do ato e conseqüente punição da autoridade administrativa.Questão interessante diz respeito aos direitos do servidor em exercício defunção pública, designado em caráter precário, quando do rompimento deseu vínculo funcional com o Estado.

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Segundo o pretérito entendimento do Tribunal Superior doTrabalho, hoje superado pelas recentes decisões do Supremo TribunalFederal, uma vez declarada a nulidade da contratação temporária, aindaque fosse ela fundada em regime de natureza jurídico-administrativa, ovínculo original se transmudaria num vínculo trabalhista, embora nulo, porafronta ao disposto no art. 37, II, da CR/88. Assim, o servidor temporário,uma vez rompido o vínculo, faria jus apenas aos salários (em sentido estrito)e aos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. A Súmula 363do C. TST consolidou tal entendimento:

CONTRATO NULO. EFEITOS (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 A contratação de servidorpúblico, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concursopúblico, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º,somente lhe conferindo direito ao pagamento dacontraprestação pactuada, em relação ao número de horastrabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo,e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

No mesmo sentido, o art. 19-A da Lei n. 8.036/90, incluído pelaMedida Provisória n. 2.164-41, de 2001: “Art. 19-A. É devido o depósito doFGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declaradonulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2o, da Constituição Federal, quandomantido o direito ao salário.”

O entendimento consubstanciado na Súmula 363 do C. TST pareceatentar contra a própria ordem constitucional, haja vista que beneficia o PoderPúblico, responsável pela contratação irregular, em detrimento do servidor. Comobem observa Gustavo Magalhães (2005, p. 261):

Como já foi dito, se houve má-fé do trabalhador, ele deveser penalizado, tanto no plano cível quanto no planocriminal. O ponto central da discussão aqui trazida à tona éque vem sendo presumida a má-fé do trabalhador ao seindeferir as parcelas remuneratórias.

Resta claro que, dessa forma, o Poder Judiciário vem conferindo maiorrelevância à supremacia do interesse público, não observando, em sua máximadimensão, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho,fundamentos da República (art. 1º, III e IV, da CR/88). Em que pese a importânciada proteção do interesse público, não se pode negar que a valorização do

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trabalho humano deve ser prestigiada, de forma a garantir a harmonia da ordemconstitucional vigente.

Recentemente, considerando o posicionamento ora trilhado peloSTF, o TST consolidou sua jurisprudência no sentido de que cabe à JustiçaComum apreciar as causas instauradas entre servidor temporário e Estado,fundadas em regime especial, previsto em lei local. Dessa forma, aindaque se discuta eventual nulidade da contratação administrativa temporária,isso não altera a natureza jurídica do vínculo Estado-servidor, tampouco acompetência jurisdicional.

Assim, uma vez reconhecida a nulidade da contratação, haja vistanão estarem presentes os pressupostos autorizadores para a utilização do institutoem questão, resta analisar os direitos assegurados ao servidor temporário, nacondição de agente de fato.

Antes de passar ao exame das conseqüências jurídicas da declaraçãode nulidade contratual, importante destacar que o art. 1º da Constituição Federalelenca a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho comofundamentos da República. O trabalho humano também mereceu destaque nocaput do art. 170, como fundamento da ordem econômica e no art. 193, o qualestabelece o primado do trabalho como base da ordem social.

Bem de ver que a nulidade advinda de disposição constitucional éabsoluta, operando efeitos ex tunc, ou seja, retroativos à data de constituiçãodo ato viciado. Justo por isso, sendo nulo o vínculo jurídico entre Estado eservidor, não haveria, em tese, o direito ao recebimento de verbas decorrentesdo contrato quando de sua anulação, visto que, segundo a doutrina tradicional,ato nulo não gera direitos ou obrigações, devendo as partes restituirem-semutuamente, retornando ao estado anterior.

Entretanto, tratando-se de prestação de serviços, torna-se impossívela restituição ao agente temporário da força de trabalho despendida em prol doPoder Público, o qual, importante frisar, foi o responsável pela contratação irregulare conseqüente nulidade contratual. Dessa forma, a nulidade em apreço operariaefeitos ex nunc, devendo o julgador pautar-se pelos princípios da boa-fé objetivae da primazia da realidade, conferindo ao agente público de boa-fé orecebimento de verbas salariais e complementares, como gratificação natalinae férias acrescidas do terço constitucional, observando-se o regime jurídicoformalmente adotado.

Vale dizer, se a contratação temporária funda-se em regime de caráterjurídico-administrativo, não se aplica ao agente temporário, mesmo em situaçãoirregular, os direitos assegurados aos trabalhadores em geral, a exemplo doFGTS, mas sim os direitos previstos para os servidores públicos no art. 39,§3º, da CR/88.

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O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais vem adotando talposicionamento, conforme se depreende das ementas abaixo transcritas:

AÇÃO DE COBRANÇA - SERVIDOR CONTRATADO SEMCONCURSO - VERBAS SALARIAIS - CONTRATAÇÃOTEMPORÁRIA IRREGULAR - BOA-FÉ OBJETIVA -AFASTAMENTO DO ENUNCIADO 363 DO TST - DEVIDASAS PARCELAS SALARIAIS. O contrato de trabalho celebradoentre a administração pública e o administrado deve ater-se às regras insculpidas no artigo 37, II e IX da ConstituiçãoFederal. No caso de contratação irregular, os efeitos dovício serão observados ‘ex nunc’, pelo que tendo sidodespendida a força de trabalho do empregado fará jus àsparcelas anteriormente acordadas, e garantidas por lei, comosalário dos dias trabalhados e verbas remuneratórias,indenizatórias e rescisórias. O princípio da boa-fé objetivadeverá ser respeitado, vedado à administração pública alteraros contornos do acordo anteriormente traçado com fins deobter vantagem da sua própria torpeza. (Apelação Cível nº1.0684.08.004208-9/001, 1ª Câmara Cível, Rel. DESªVanessa Verdolim Hudson Andrade, julgado em 07.07.09,pub. 24.07.09).

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO ADMINISTRATIVO -SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL - FUNÇÃO PÚBLICA -CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA - EXCEPCIONALIDADE -CARÁTER ADMINISTRATIVO - COMPETÊNCIA DOPODER JUDICÁRIO ESTADUAL - QUESTÕES DECIDIDASPELO STF - COBRANÇA DE VERBA RESCISÓRIA DENATUREZA TRABALHISTA - FGTS - IMPROCEDÊNCIA -MANUTENÇÃO. Incabível reabrir discussão quanto ànatureza do contrato temporário de trabalho firmado entreo particular e o Poder Público, se o STF, órgão judiciáriomáximo do País, concluiu pelo nítido caráter administrativo,e, por conseguinte, estabeleceu a competência do PoderJudiciário Estadual para dirimir a controvérsia relativa à verbarescisória pleiteada. Aos servidores públicos são devidos osdireitos previstos no art.7º da Constituição da Repúblicaque estejam elencados em seu §3º, do art. 39, dentre osquais não está inserido o “”fundo de garantia do tempo de

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serviço”. (Apelação Cível nº 1.0145.09.509682-5/001, 4ªCâmara Cível, Rel. DES. José Francisco Bueno, julgado em02.07.09, pub. 21.07.09).

O entendimento acima esposado, alicerçado nos princípios da boa-fée da segurança jurídica, busca a harmonia entre a supremacia do interessepúblico e a proteção do trabalho humano. Gustavo Magalhães (2005, p. 265),discorrendo sobre o tema, assentou:

[...] a Constituição Federal de 1988 só será obedecida emsua plenitude, considerando os vários ângulos analisadosno presente trabalho, se forem pagos aos servidores defato, que agiram de boa-fé, todas as parcelas remuneratóriasdevidas, tais como férias, décimo terceiro salário, horasextras, e demais adicionais e gratificações, além dascontribuições previdenciárias devidas.

Portanto, tratando-se de contratação temporária irregular, impõe-se adeclaração de nulidade contratual, assegurando-se ao servidor de fato, que agiude boa-fé, os direitos mínimos constitucionalmente previstos para toda acategoria, em observância à proteção do trabalho humano, com a consequenteresponsabilização da autoridade responsável por sua contratação.

Considerações finais

A Constituição de 1988 trouxe importantes inovações na sistemáticade admissão de pessoal pelo Poder Público. Garantiu a ampla acessibilidade aoscargos, empregos e funções públicas, consagrando, de igual modo, a exigênciade prévia aprovação em concurso público para a investidura em cargo ou empregopúblico. Tal exigência garante a observância dos princípios constitucionaisnorteadores da administração pública, insculpidos no caput do art. 37 daConstituição, visto que, além de ser o concurso público um instrumento impessoalde seleção, é baseado no sistema meritório, de modo que revela-se um eficientemeio para o recrutamento dos melhores profissionais para o serviço público.

Considerando a dinâmica da rotina administrativa e a necessidade decontinuidade dos serviços públicos, o texto constitucional, acertadamente,ressalvou a contratação temporária de servidores para atendimento de necessidadede excepcional interesse público. Para tanto, estabeleceu requisitos que autorizama referida contratação, nos termos do inciso IX do art. 37 da Carta Política.

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A partir do levantamento realizado no presente estudo, constata-seque as contratações temporárias irregulares são comuns nos quadros daAdministração, a exemplo do que ocorre na área da saúde em todo o país. Bemde ver que condutas tais afrontam diretamente o ordenamento jurídico e nãodevem ser chanceladas pelo Poder Judiciário, visto que não observam ospressupostos fáticos estabelecidos no texto constitucional para o recrutamentoexcepcional.

Quanto à competência para apreciar litígios envolvendo servidorestemporários, matéria outrora polêmica, o STF assentou que controvérsias oriundasdas relações de caráter jurídico-administrativo devem ser processadas e julgadaspela Justiça Comum, Estadual ou Federal, conforme o ente contratante.

Embora não haja consenso quanto ao alcance da expressão “caráterjurídico-administrativo”, deve-se entender como tal o vínculo baseado em leiespecífica reguladora do regime “especial”, ou seja, se a lei que autoriza acontratação temporária avança na disciplina dos direitos e deveres dos servidoresou faz remissão a determinadas disposições estatutárias, patente está a naturezaadministrativa da relação Estado-servidor, ainda que haja alegação de nulidadeda contratação, o que revela a competência da Justiça Comum. Por outro lado,se a lei reguladora for omissa quanto ao regime jurídico aplicável aos servidoresou estabelecer expressamente o regime celetista, a competência será da Justiçado Trabalho. Bem de ver que o caput do art. 39 da CR/88 teve sua eficáciasuspensa por decisão do STF, o que reabre a discussão acerca da expressão“regime jurídico único”. Contudo, deve ser considerado que o regime jurídicoaplicável aos servidores temporários possui natureza especial, não se enquadrandono conceito de regime jurídico único, o qual, segundo autorizada doutrina,refere-se ao regime comum dos servidores permanentes.

Infelizmente, o instituto em questão vem sendo utilizado de formafraudulenta por muitos gestores públicos, que encontraram na contrataçãotemporária um eficiente meio para burlar a exigência constitucional do concursopúblico e, assim, prestigiar seus apaniguados políticos.

Dessa forma, revela-se de suma importância a atuação do MinistérioPúblico e dos Tribunais de Contas, bem como da própria sociedade, de forma acoibir o desvirtuamento das contratações temporárias e, conseqüentemente,proteger o interesse público da má gestão administrativa, com a adequada puniçãodos agentes responsáveis pelas mencionadas contratações irregulares.

Referências

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