CONTRIBUIÇÕES ACADÊMICAS PARA A ARQUITETURA REGIONAL – A ESPECIALIZAÇÃO EM ARQUITETURA NOS TRÓPICOS
Lilyan R. Galvão da Silva
Bolsista PIBIC Discente do Curso de Arquitetura e Urbanismo /UFPA
Cybelle Salvador Miranda Doutora em Antropologia
Professora FAU/PPGAU/UFPA
RESUMO:
O Regionalismo na Arquitetura possibilitou o despertar às especificidades de cada região, tornando-se um diferencial projetivo e possibilitando o surgimento de arquiteturas peculiares e mais coerentes com a realidade de cada lugar. Em 1986, o primeiro curso de Especialização em Arquitetura nos Trópicos da Universidade Federal do Pará possibilitou uma maior ênfase a estas questões, sobretudo as climáticas, inserindo Belém no cenário das discussões acerca do tema. De uma maneira bastante relevante, essas discussões fizeram brotar em Belém, principalmente entre os profissionais da área e acadêmicos do Curso de Arquitetura e Urbanismo, a consciência de que a arquitetura faz-se da adequabilidade e das diversidades manifestas.
Palavras chave: Regionalismo, Tradição, Escola de Arquitetura, Arquitetura em Belém.
ABSTRACT:
Regionalism in architecture contributed to the specificities of each region, making it a differential projective. It made possible the emergence of consistent and unique architectures according with the reality of each place. In 1986, the first specialization course in Architecture in the Tropics at Universidade Federal do Pará (Belém, Brazil) enabled a great emphasis on these issues, especially climate. On this regard, Belém was then introduced in the scenario of discussions on the subject. Discussions were performed mainly among professionals and students of the Course of Architecture and Urbanism, and thus they relevantly brought to Belém the consciousness that architecture is made of the suitability and diversities manifest.
Key words: Regionalism, Tradition, School of Architecture, Architecture in Belém.
CONTRIBUIÇÕES ACADÊMICAS PARA A ARQUITETURA REGIONAL – A ESPECIALIZAÇÃO EM ARQUITETURA NOS TRÓPICOS
1. Regionalismo: um parêntese ou uma vírgula na Arquitetura?
Dentro da história da Arquitetura o regionalismo parece nem ter tanta
significação assim. Por vezes passa despercebido. Um curto espaço de tempo de
uma manifestação conotada diversas vezes como reacionária ao Movimento
Moderno, mas que, todavia, é ideologicamente marcada por um cunho de
individualidade importante dentro do contexto de desenvolvimento da arquitetura
contemporânea.
O Movimento Moderno trouxera a estandardização da arquitetura, o
Regionalismo a valorização das manifestações individuais em suas expressões
peculiares de lugar, de cultura; como sinônimo de força que roga por existir e que
clama por evidência valorada em sua significação única. O Regionalismo
arquitetônico – muitas vezes acompanhado de seu predicativo “Crítico” – na visão de
alguns teóricos do assunto representou a chamada terceira geração da arquitetura
contemporânea. Uma fase de respeito e valorização das tradições arquitetônicas
locais, fato importante e despertar de consciência ante ao acelerado processo de
padronização que a arquitetura moderna vinha sobrepujando. Como uma vírgula, fez
uma quebra num período. Contudo, fez-se parêntese quando explicou melhor o
quão é importante valorizar as particularidades regionais.
Fora com Frampton que a conotação de Regionalismo Crítico ganhara força.
Para este “o regionalismo crítico deve ser entendido como uma prática marginal que,
embora crítica acerca da modernização, ainda assim se recusa a abandonar os
aspectos emancipatórios e progressistas do legado arquitetônico moderno.”1 Se
pretende assim, processar o regionalismo não como uma reação ao movimento de
estandardização, mas a busca por uma conciliação de valores. De fato não se trata
de oposição, e sim de uma nova leitura face ao processo de desenvolvimento
arquitetônico. E todas as discussões e definições do tema representam uma
expressão importante dentro do desenvolvimento teórico e prático da arquitetura,
não como uma manifestação autêntica, como bem observa Colquhoun2 em artigo:
desde o início, o conceito de uma arquitetura regional não era exatamente o
que parecia ser. Era mais um objeto de desejo que um fato objetivo. Por
isso a arquitetura do regionalismo, impulsionada pelos românticos, não
poderia ser essa coisa “autêntica.
Na verdade o Regionalismo clama os preceitos culturais, geográficos,
climáticos, enfim, todas as características que inferem na produção arquitetônica
valores do lugar onde está inserida, permitindo que se reconheça nesta imagem um
local, uma cultura, uma tradição, uma identidade.
1. Verificando a pontuação brasileira:
No Brasil a onda de manifestações regionalistas ocorreu em diversos estados.
Na década de 80 por todo o país se desenvolveram arquiteturas que enfatizaram a
busca por essas especificidades. Dos grandes expoentes de formação arquitetônica
do país: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais... migraram profissionais,
recém graduados para empreender em várias regiões do território, novas práticas
arquitetônicas muito mais engajadas de regionalidade; caracterizando o que Hugo
Segawa3 denominou por “Arquitetos peregrinos, nômades e migrantes”. Foi assim
com Severiano Porto, em Manaus; Luiz Nunes em Recife; Hélio Duarte, em São
Paulo e Jorge Derenji em Belém.
Um considerável número de Escolas de Arquitetura surge no país na década
de 60. O desenvolvimento brasileiro reflete no processo de formação de novos
profissionais na arquitetura, assim como o próprio impacto da criação de Brasília
também influencia sobremaneira. O cenário de discussões estava crescendo,
contudo não menos consciente de seu papel social.
A euforia do período “revolucionário” – com seu apogeu por volta de 1972 –, contemplando favoravelmente o mercado de trabalho dos arquitetos, escamoteou um conjunto de deficiências e questões mal-postas que se tornaram transparentes com o declínio do “milagre econômico”, tendo como sintomas superficiais as “crises” nos cursos de arquitetura (sobretudo nas instituições particulares)
4.
A terceira geração modernista brasileira mostrou-se disposta, sobretudo, a
fazer arquitetura com o que lhe havia e estava ao seu alcance, sem
necessariamente abrir mão do processo de evolução tecnológica que trouxera o
Movimento Moderno, conciliando assim criatividade e sensibilidade.
Em Belém, ao longo de sua história, houve a manifestação de diversos estilos
arquitetônicos. Um breve passeio pela Cidade Velha5 permite narrar,
cronologicamente, o surgimento da cidade à sua expansão. Embora os edifícios
mais imponentes (Neoclássicos e Ecléticos) sejam os que primeiramente identificam
a produção arquitetônica da cidade e expressamente a caracterizem, de forma geral
não a definem. É a somatória de todas as expressões: das que se edificam em
consonância com os “modismos” difundidos pelo país, e as que outrora surgem
como fruto da adequabilidade dos condicionantes culturais e climáticos; que formam
um conjunto arquitetônico coerente com sua história e tornam-se passíveis de
identificá-la.
As arquiteturas enquadradas dentro do ecletismo tardio, o neocolonial, o Art
Decó e do racionalismo clássico caracterizam-se por reverberarem as influências
econômicas da áurea época da borracha, frutos da mão de obra tradicionalmente
importada àquela época para produzir os imperativos das primeiras classes
burguesas resididas na capital. Os primeiros projetistas propriamente da região (e
consideram-se aqui os possuidores de formação acadêmica), já frutos do Curso de
Engenharia da UFPA, fundado em 1931, foram então responsáveis pela introdução
dos traços modernistas, que esparsamente encontram-se pela cidade em
conseqüência do crescimento urbano das décadas de 60 e 70, quando Belém
chegou a ser considerada a quarta maior capital do país. E assim, o espaço
arquitetônico, aos poucos, identifica o surgimento de manifestações mais
conscientes de adequabilidade com suas características e todos seus
condicionantes.
O processo de constituição do pensamento arquitetônico em Belém possui
inferências de categorias diversas no tocante a sua configuração. Quando do
advento da “Escola de Arquitetura” em Belém essas arquiteturas já se encontravam.
O curso de Arquitetura surge permeado das tendências modernistas que
hipnotizavam o país, influenciado tanto pela de sua escola de criação (UFRGS)
quanto pela própria época histórica. Em princípio, seu desenrolar é voltado para dar
competência aos profissionais – engenheiros civis – que desenvolviam a atividade
de arquitetura sem a devida habilitação. Embora estivessem imbuídos nesses ideais
de implantação do curso outros valores como o próprio contexto nacional
desenvolvimentista, o desenrolar do Curso correspondeu de imediato às
necessidades desses profissionais.
Nos completos 45 anos do Curso de Arquitetura e Urbanismo em Belém
existe um considerável caminho de conquistas e mudanças. A “Escola”, semente em
formação, que caminhava entre os ideais modernistas latentes à época, direcionava
o ensino da arquitetura ao tecnicismo prático. O Curso, todavia, possibilitou não só o
“socorro” aos engenheiros necessitados, como também a oportunidade que Belém
precisava para se inserir no universo das discussões teóricas sobre o assunto de
forma mais consciente.
A grade curricular assegurou a efetivação desse processo e inclusive a
primeira foi feita aos moldes rio grandenses. Alguns dos professores formados à
época ressaltam o quão forte era essa influência no ensino.
A estrutura do Curso de Arquitetura aqui foi montada perfeitamente integrada na sua organização com o Curso de Arquitetura lá de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Evidentemente que, a gente tentando fazer umas adaptações para o ambiente local, a Amazônia, trazer, porque a formação do arquiteto, aquela velha coisa, você tem que formar profissional que trabalhe evidentemente na sua terra, mas você não pode formar um arquiteto especificamente regional.
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De todo modo, o pragmatismo conferiu influências fortes na arquitetura
modernista que encontramos pela cidade, contudo o que de todo modo não lhes
cerceou a espontaneidade. Os engenheiros recém formados arquitetos possuíram
métodos projetistas próprios onde buscavam conciliar os conceitos arquitetônicos
com a engenharia e as influências modernistas dentro das condições locais e
acabavam por conferir ao projeto o ar de atualidade exigido pelas novas classes
elitistas e uma característica singular. Temos o Raio-que-o-parta7 como um símbolo
desse processo.
2. Colocando a pontuação
À medida que o Curso foi se consolidando permitiu que o espírito de produção
se modificasse. Ronaldo Carvalho8, formado na sexta turma do Curso e atual
professor na hoje denominada Faculdade, ressalta: “Os primeiros alunos de
arquitetura queriam o título de Arquiteto; e a nossa formação se preocupava
eminentemente em ser arquiteto.” Em finais da década de 70 as questões acerca do
ensino do processo projetual arquitetônico tornaram-se uma tônica recorrente e
dividia opiniões. José Bassalo9, também professor da faculdade, lembra que os
alunos dividiam-se ideologicamente, e ele, à época, considerava que o profissional
de arquitetura deveria ser prático e não teórico.
A reforma curricular de 1977 teve como diferencial a modificação da disciplina
de Conforto Ambiental de optativa à obrigatória. Época em que as discussões sobre
esse assunto começam a ganhar força em diversas regiões do país. Na década de
80 este assunto em Belém é enfatizado consideravelmente. Tal fato é comprovado
através do notável número de trabalhos de conclusão de curso (TCC) que
abordavam o assunto, culminando com a realização do 1º Curso de Especialização
em Arquitetura nos Trópicos em 1986.
A partir de então o Curso passa a permitir que as questões regionais,
especificamente as climáticas, à época, ganhem uma maior ênfase. Inicia-se o salto
para que a busca pelas especificidades de cada região tornem-se o diferencial
projetivo e possibilite o surgimento de arquiteturas mais peculiares. O que hoje é
discutido como Regionalismo Crítico, possui suas raízes plantadas nesse despertar
de consciência e de atenção.
O Curso de Especialização em Arquitetura nos Trópicos (1986) permitiu que
as questões de conforto ambiental fossem tratadas de forma mais direcionadas às
especificidades locais. A turma se constituiu principalmente de profissionais
renomados (Milton Monte, Paul Albuquerque, Manoel Maia da Costa, Ronaldo de
Carvalho...) e de arquitetos recém-formados que viriam a ter renome (Eurico Alves,
José Bassalo...) e durante dois anos, discutiu questões atinentes à adequabilidade
climática na arquitetura e urbanismo, sob a orientação teórica dos prestigiados
profissionais como Edgar Graeff, Severiano Porto, Márcio Villas Boas, Luiz Carlos
Chichierchio, entre outros.
As discussões teóricas tanto enfatizavam questões climáticas quanto
ensejavam a defesa pelas peculiaridades regionais. Nas apostilas de Edgar Graeff,
que serviram de fundamentação teórica aos alunos, existiam consideráveis
discussões acerca da importância em se valorizar e se adequar arquitetura às
características de cada região. O relativo distanciamento histórico nos permite
enquadrar aquela manifestação dentro do Regionalismo Crítico propagado por
Kennett Frampton, haja vista que a consciência era por adequação das
características locais e a utilização dos recursos disponíveis.
Embora observemos valiosas contribuições à formação de uma identidade
regional permitindo uma caracterização mais peculiar à cidade, não podemos
considerar que nossa manifestação regional foi única e independente no cenário
nacional. Possuímos todo o acervo de obras e o legado do conhecimento intuitivo e
prático do Mestre Monte10 com sua arquitetura influenciada pelas casas ribeirinhas e
o barracão indígena, configurando características tipicamente regionais; e temos
também a influência sulista de Jorge Derenji11, que ao chegar à região para lecionar
na ainda Escola de Arquitetura, atinou para as questões de adequabilidade, contudo
utilizando-se das regras de sua de formação: a modernista, influência extra-regional.
De uma maneira muito relevante essas contribuições em torno do
regionalismo fez brotar em Belém, e especificamente nas discussões acadêmicas da
hoje Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, a consciência de que a arquitetura faz-
se da adequabilidade e, sobretudo das diversidades manifestas, seja qual estilo for,
para que se possa, conscientemente, reconhecer na cidade, sem erros ou
restrições, o espaço arquitetônico que a identifica. Verificando assim, que as
manifestações regionalistas engrandeceram a história, ressaltaram a cultura e
principalmente fortalecem o elo de consciência sobre a importância projetual aliada
às questões específicas de cada lugar. O Regionalismo, sobretudo, permite ser um
vocativo às questões particulares de cada região, antes mesmo de tentar fazer uma
quebra num período ou explicar melhor determinado tipo de manifestação.
Santuário de Fátima – Projeto Arquiteto Stélio Santa Rosa
Foto: Cybelle Miranda
Interpass Clube reportagem da Revista Projeto nº 156.
Fonte: Revista Projeto
Notas
1 - FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p.
396.
2 - ELIAS apud COLQUHOUN, Alan. O conceito de regionalismo. Projeto, 159, dez 1992. p. 76.
3 - SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil Anos 80. São Paulo: Projeto, 1998. p. 9.
4 - SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil Anos 80. São Paulo: Projeto, 1998. p.12.
5 - Cidade Velha: bairro mais antigo na cidade de Belém, Pará.
6 - Entrevista concedida pelo Professor Hélio de Oliveira Veríssimo em 27/01/2009, à Cybelle Salvador Miranda.
7 - Raio que o parta: Ver MIRANDA, Cybelle Salvador, CARVALHO, Ronaldo Marques de. Dos mosaicos às
curvas: a estética modernista na Arquitetura residencial de Belém. Arquitextos (São Paulo), v.112, n° 523, 2009.
Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp523.asp>. Acesso em: 22 mar. 2010.
8 - Entrevista concedida pelo Arquiteto Ronaldo Nonato Ferreira Marques de Carvalho à discente Tainá Parente
em 16 de março de 2009.
9 - Entrevista concedida pelo professor José Maria Coelho Bassalo a discente Lilyan Galvão em 2 de fevereiro de
2010.
10 - Entrevista concedida pelo Professor Milton José Pinheiro Monte a Cybelle Miranda e Ronaldo Marques de
Carvalho em 11 de abril de 2009
11
- Um dos primeiro professores do Curso de Arquitetura da Universidade Federal do Pará.
Referencias:
COLQUHOUN, Alan. “O conceito de Regionalismo” in Projeto nº 159, 1992.
FAVILLA, Daniela. Regionalismo crítico e a arquitetura brasileira contemporânea: o caso Severino Porto. Campinas, SP 2003. Dissertação de Mestrado (Artes). Instituto de Artes.
Universidade Estadual de Campinas. 2003. 148p.
FERNANDÉZ COX, Cristián. “Modernidade Apropriada, Revisada e Reencantada” in Projeto
nº 146, São Paulo, out 1991.
FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. 2ª Edição. São Paulo:
Martins Fontes, 2008.
GRAEFF, Edgar Albuquerque. Apostilas do curso de Especialização em Arquiteturas nos Trópicos, Capítulo 4, Meios de Composição. Belém, 1986.
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil Anos 80. São Paulo: Projeto, 1998.
TOSTES, José Alberto; RAMOS, Ronaldo; MATOS, Edvaldo. Curso de Arquitetura da Universidade Federal do Pará. Belém, 1988. Trabalho de Conclusão de Curso (Arquitetura). Centro Tecnológico. Universidade Federal do Pará. 1988. 117 p.
Lilyan Galvão Graduanda da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará. Bolsista (PIBIC-AF UFPA) do Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará, vinculada à Pesquisa: “Panorâmica do Curso de Arquitetura da Universidade Federal do Pará: da „Escola‟ a Faculdade”. Cybelle Salvador Miranda Doutora em antropologia, Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (ITEC/UFPA). Coordenadora do Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural.
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