Dizer que cuidar é questão de relações humanas é óbvio. Mas, como toda a evidência, isso precisa ser estranhado para ser compreendido de fato, e não passarmos batido pelo que se diz.
Daí a importância de nos determos no significado de cuidar, de cuidador, de quem é cuidado e de refletir a respeito, para entender melhor essas relações humanas .
Pensando bem: na vida, todos somos cuidados e cuidamos de crianças, de jovens, de adultos ou de idosos, ora numa situação ora noutra.
Cuidar é, de fato, uma questão de relações humanas – multifacetadas, interativas, cambiantes relações.
Nesse imenso e complexo universo de relações, por que cuidar do(a) cuidador(a) se - primordialmente - quem interessaria é aquele (a) que é cuidado(a)?
Porque o cuidador ou a cuidadora é o pilar dessa relação tão delicada.
Cuidadores leigos: familiares ou não de pessoas dependentes > haveria nesse caso tendência a um relacionamento mais afetivo, mais pessoal?
Cuidadores profissionais: formação na área da saúde > haveria, então, tendência a um relacionamento mais formal, mais impessoal?
Seja leigo ou profissional, o cuidador sempre terá que lidar com expectativas, anseios de identificação, receio de rejeições, limitações físicas, emocionais, intelectuais – de sua parte e da parte de quem ele cuida
Essas circunstâncias - mediante a responsabilidade e o comprometimento com a função - e o perfil do cuidador dimensionam a perspectiva humanista da relação cuidador- cuidado.
Profissional ou leigo, a função do cuidador – necessariamente – se reveste de um tipo especial de humanismo, aquele ligado à saúde. Como se relacionaria essa perspectiva com a visão de Cyro Martins quanto ao que ele considera humanismo médico?
Consiste essencialmente no respeito que devemos à personalidade do paciente, seja ele previdenciário, conveniado, indigente ou particular e rico, adulto, adolescente ou criança. Essa consideração no trato já é, por si só, um remédio, o vínculo que singulariza o acontecer emocional entre a pessoa do paciente e a pessoa do médico. Este é o remédio mais universal e mais eficiente. Se falhar, possivelmente todo o resto irá mal, principalmente se ponderarmos que todo o doente, não importa a natureza do seu mal, do corpo ou da alma, mais comumente psicossomática, quando chega na frente do médico se encontra num estado emocional regressivo. Basta atendê-lo como gente para robustecer-lhe o ego. Demais, com essa atitude, composta de tato e objetividade, nós o chamamos a brios, e para isso não usamos palavras. É algo próprio da linguagem pré-verbal, inerente à simples presença do médico.”
Cyro Martins,“A relação médico-paciente”. (Caminhos - ensaios psicanalíticos. Movimento, 1993.)
SER de boa índole, bem-humorado, resiliente
De boa índole - do bem, não necessariamente bonzinho Bem-humorado - disposto a ver o lado light da vida Resiliente - capaz de superar tensões e estresse, adversidades Essas características são da natureza de cada indivíduo, as quais as circunstâncias da vida podem acentuar.
TER capacitação, interesses culturais e amizades
Capacitação - porque conhecimento sobre o cuidar de outrem – e de si - é fundamental para a realização adequada das tarefas e da função do cuidador Interesses culturais - do tricô e da novela às artes em geral - porque eles distraem, alimentam o espírito e são compartilhados, prazerosamente, pelo cuidador e por quem é cuidado Amizades - porque elas fortalecem a afetividade, confortam dores e permitem trocar alegrias, criam vínculos
Essas características - também elementares e óbvias – deveriam tomar a atenção de todos nós, de tanto em tanto, para balancearmos melhor nosso estar no mundo, não só por sermos cuidadores ou cuidados.
Para uns, a função de cuidador parecerá natural, exercida com disponibilidade e afeto Para outros, será talvez uma dura tarefa, verdadeira cruz a carregar
Essa função, de fato, mobiliza predisposições, desperta sentimentos contraditórios, tem características diversificadas, muitas exigências, o que a torna efetivamente complexa; difícil de definir, avaliar, ensinar e vivenciar.
É muito comum se envolver emocionalmente com quem se cuida e, assim, ficar deprimido diante de limitações de seu paciente e de si próprio para superá-las. Mas, antes de sucumbir à depressão, todo cuidador deveria reconhecer que isso é praticamente inevitável – estamos tratando de relações humanas - e que o bom senso recomenda procurar a orientação de um profissional de saúde mental para levar sua função a bom termo.
“No decorrer da experiência, o cuidador acaba cuidando mais de si próprio
também! Isso acontece pelo prazer provocado pelo auxílio ao outro."
Cuidadora Anônima
Maria Helena Martins Porto Alegre, 20 de abril de 2013
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