CURRÍCULOS FUNCIONAIS
Manual para formação de docentes
NOTA PRÉVIA
A elaboração deste Manual para Formação de Docentes processou-se nas seguintes fases:
Numa primeira fase, constitui-se uma equipa de trabalho formada por Ana Maria Bénard da Costa,
Directora de Serviços do IIE, que coordenou; Francisco Ramos Leitão, coordenador da Equipa de
Coordenação dos Apoios Educativos do Cacém; Jorge Santos, coordenador da Equipa de Coordenação
dos Apoios Educativos de Cantanhede e Mira; José Vaz Pinto, técnico da Coordenação da Área
Educativa do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral e Noémia Duarte Fino, coordenadora da Equipa de
Coordenação dos Apoios Educativos de Olivais e Sacavém. Esta equipa elaborou uma primeira versão
da obra.
Numa segunda fase, procedeu-se à testagem e avaliação das actividades e materiais que o constituíam,
tendo por base a realização de duas acções de formação em que foram aplicados todos os Módulos e
todas as Unidades desta primeira versão. Participaram nestas acções professores e técnicos que não
tinham sido previamente confrontados com uma preparação sistemática sobre a perspectiva educativa
funcional e em cujas escolas havia alunos com deficiência intelectual acentuada.
Para assegurar esta nova tarefa, a equipa inicial foi alargada, passando a contar com a supervisão técnica
do Senhor Professor Doutor Joaquim Bairrão Ruivo da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação
do Porto e com a colaboração da Dr.ª Ana Isabel Mota Pinto, assistente da mesma Faculdade. Foi ainda
prestado um apoio directo da Direcção Regional de Educação do Norte, através do técnico Dr. Serafim
Queirós.
AGRADECIMENTOS
A equipa que participou nos trabalhos ao longo destas duas fases agradece:
Ao Departamento de Educação Especial da UNESCO, à sua coordenadora, Lena Saleh e ao professor
Mel Ainscow, a autorização para que esta obra adoptasse o formato do “Conjunto de Materiais para a
Formação de Professores” (UNESCO, 1996).
Ao professor Lou Brown, a orientação técnica que informa toda esta obra e a inclusão de textos da sua
autoria.
Aos professores e técnicos, a seguir indicados, que participaram nas acções de formação realizadas com
base nestes materiais e que tiveram por objectivo a testagem dos mesmos.
ESCOLAS/INSTITUIÇÕES PROFESSORES/TÉCNICOS
EB 23 Alto do Moinho - Catujal - Loures
Ana Maria Matias
Maria de Lourdes da Silva
Natividade de Jesus
Maria Clara Vilar
Susana Guimarães
Cristina Sena Neves
EB 23 Mário de Sá Carneiro - Camarate -
Loures
Ana Maria Lopes
Ana Sofia Piteira
Marilisa Cambraia
Wislaye Dias
EB 23 António Sérgio - Mira Sintra
Rosa de Oliveira
Eduardo Júnior
Maria Teresa Folgado
Maria Isabel Timóteo
EB 23 Domingos Jardo - Cacém Anabela Machado
Francisco Rego
Centro de Educação para o Cidadão
Deficiente (CEDC) - Mira Sintra
Margarida Maria Marques Duarte
EB1 n.º 2 - Salvador - Beja Francisca Faísco
Maria de Lourdes Gomes
ECAE - Beja António Manuel Lança
EB 23 Santa Maria - Beja Maria Teresa Baião
Joana Raposo Gonçalves
EB 23 - Cantanhede Isabel Maria Lourenço
Ana Maria Martins
EBI Carlos de Oliveira - Febres - Cantanhede
Célia Miranda
Leontina Rodrigues
Ana Paula Pereira
Martina Konisgstedt
EB 23 Maria Lamas - Porto
Maria Corália Pinto
Maria Manuela dos Santos
Maria Ermelinda Silva
Ana Maria Fernandes
EB 23 Nicolau Nasoni - Porto
Ana Sofia Ferreira Borges
Conceição Maria de Sousa
Irene Patarata
Maria Manuela Magalhães
Arminda Santos
EB1 de Meleses - Gondomar Ana Maria Fernandes
Instituto Inovação Educacional Lina Vicente
ÍNDICE
INTRODUÇÃO........................................................................................................................................ 1
Módulo 0
Individualização, diferenciação curricular e inclusão........................................................................... 5
INTRODUÇÃO......................................................................................................................................... 6
DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR E A CRIANÇA............................................................................... 7
DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR E INTERACÇÃO......................................................................... 12
DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR E FAMÍLIA.................................................................................. 14
DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR E INCLUSÃO.............................................................................. 18
INCLUSÃO E SUPORTE SOCIAL ÀS FAMÍLIAS.............................................................................. 23
Módulo 1
Qualidade de vida e currículos funcionais........................................................................................... 28
Material para estudo............................................................................................................................... 30
Unidade 1.1
Percepção da qualidade de vida.............................................................................................................. 40
Unidade 1.2
Os direitos e a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual acentuada........................... 41
Unidade 1.3
Qualidade de vida ao longo dos diferentes ciclos de vida...................................................................... 43
Módulo 2
Características fundamentais dos currículos funcionais............................................................... 46
Material para estudo............................................................................................................................ 48
Unidade 2.1
População alvo dos Currículos Funcionais......................................................................................... 61
Unidade 2.2
Estratégia de desenvolvimento curricular numa perspectiva funcional.............................................. 62
Unidade 2.3
Perspectiva curricular funcional vs. desenvolvimentalista................................................................. 64
Unidade 2.4
Funcionalidade.................................................................................................................................... 67
Unidade 2.5
Relação com a idade cronológica....................................................................................................... 74
Unidade 2.6
Probabilidades de transferência das aprendizagens........................................................................... 79
Unidade 2.7
Aprendizagem em tempo útil e com significado ao longo da vida.................................................. 82
Unidade 2.8
O Manual “Currículo Funcional” como recurso na elaboração de programas educativos.............. 87
Módulo 3
Avaliação e programação............................................................................................................ 91
Material para estudo....................................................................................................................... 93
Unidade 3.1
Avaliação do aluno e da família....................................-............................................................... 102
Unidade 3.2
Avaliação da comunidade..............................-.............................................................................. 112
Unidade 3.3
Análise de vida no espaço e tempo.............................-................................................................. 115
Unidade 3.4
A análise de discrepância.............................................................................................................. 118
Unidade 3.5
Factores de decisão na selecção das aprendizagens..................................................................... 123
Módulo 4
Prática educativa......................................................................................................................... 127
Material para estudo.................................................................................................................... 128
Unidade 4.1
Colaboração dos pais, outros familiares e elementos da comunidade........................................ 161
Unidade 4.2
Cooperação entre profissionais.................................................................................................. 166
Unidade 4.3
Aprendizagem e ensino cooperativo entre alunos......................................................................... 168
Unidade 4.4
Participação parcial....................................................................................................................... 172
Unidade 4.5
Apoio especial nas fases de transição.............................................................................................. 175
Unidade 4.6
Currículos funcionais em escolas regulares..................................................................................... 179
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................ 185
INTRODUÇÃO
Objectivos
Este Manual para Formação de Docentes e os materiais e actividades que o constituem situam-se na
sequência do projecto de investigação que foi realizado pelo IIE, durante os anos de 1995 e 1996, sobre
“Currículos Funcionais” e pretende constituir um suporte à formação de professores. De um modo
particular, visa os professores que trabalham com alunos com deficiência intelectual acentuada, quer em
escolas ou classes especiais, quer em classes regulares. De facto, pretende-se que estes materiais possam
ser utilizados em situações muito diversas: diferentes tipos de escolas, diferentes graus de ensino,
diferentes características dos alunos e dos respectivos enquadramentos sócio-familiares. No que respeita
às estratégias a utilizar no seu uso, verifica-se, igualmente, um enorme leque de possibilidades: cursos
de carácter prolongado, seminários de curta duração ou meras acções de sensibilização. Finalmente,
alguns dos tópicos e dos textos que neles se incluem podem ser integrados em cursos de formação
inicial ou contínua que abordem o ensino de alunos com necessidades educativas especiais.
A elaboração deste material de suporte à formação de professores tem por objectivo final a melhoria das
condições de vida da população com deficiência intelectual acentuada, preparando-a, desde os primeiros
anos de escolaridade, para uma vida autónoma e integrada em que tenham lugar as condições que
fundamentalmente caracterizam uma vida com qualidade. De uma forma particular, apontam-se
orientações que podem ser adoptadas ao nível da escola e que devem informar a actuação dos agentes
educativos. No entanto, o âmbito da intervenção preconizada estende-se para além dos edifícios
escolares, projectando-se para a vida familiar, para a inserção na comunidade e para as actividades de
lazer e de preparação para o trabalho.
Inspiração do Manual, no que se refere à metodologia adoptada
Este Manual inspira-se directamente no documento editado pela UNESCO em 1993, intitulado “Teacher
Education Resource Pack: Special Needs in the Classroom”, o qual foi elaborado por diversas equipas,
de diferentes partes do mundo, coordenadas pelo Professor Mel Ainscow. Em 1996, foi traduzido para
português e publicado pelo Instituto de Inovação Educacional.
Esta inspiração diz respeito aos princípios educativos em que se baseia, à metodologia de formação e ao
aspecto formal que é adoptado. Vejamos separadamente, cada um destes pontos:
Princípios educativos
Este Manual baseia-se, tal como o documento da UNESCO, nos princípios educativos relativos à
eficácia da aprendizagem, seguintes:
- A aprendizagem é activa.
- A aprendizagem implica a partilha, cooperação e apoio entre os diferentes actores do processo
educativo.
- Os objectivos da aprendizagem devem ser sujeitos a negociação e as matérias ensinadas devem estar
relacionadas com os reais interesses dos educandos.
- A aprendizagem implica uma atitude de permanente reflexão e avaliação das práticas.
Metodologia de formação
Tal como o Conjunto de Materiais da UNESCO, este Manual também respeita o princípio do
isomorfismo, ou seja, ambos estão organizados de forma a que se estabeleça com os formandos a
intervenção pedagógica que se pretende que estes venham a proporcionar aos seus alunos. Assim, os
princípios que acima enunciámos são praticados e exemplificados, na medida do possível, nas sessões
de trabalho propostas em cada uma das Unidades. Leituras e estudo individual, actividades práticas,
trocas de experiências em pequenos grupos, negociação de objectivos de estudo, entre-ajuda, produção
de materiais, reflexão individual, partilha, são algumas das estratégias que os professores vão
experimentar e que se pretende que transponham para as respectivas salas de aula.
Aspecto formal
Sob o ponto de vista formal, este Manual segue linearmente o documento da UNESCO. Assim:
Está dividido em grandes áreas, intituladas “Módulos” e em sub-áreas intituladas “Unidades”.
Como base de reflexão, são utilizados textos agrupados nas secções de “material para estudo” que se
destinam a ser lidos antes da realização das acções de formação;
Cada Unidade constitui um esquema orientador duma sessão de trabalho (realização de trabalho
individual, em sessões de pequenos grupos e em sessões plenárias).
Como apoio às sessões de trabalho existem pequenos textos, gráficos ou fichas intitulados “material
para discussão” e que se destinam a ser lidos e utilizados no decurso das sessões.
Forma de utilização
Este Manual tem por objectivo apoiar, com base na perspectiva educativa funcional, a formação dos
agentes educativos que trabalham com alunos com deficiência intelectual acentuada. Constitui, só por si,
um material de estudo com potencialidades de transmissão de conceitos e de práticas. No entanto, tal
como acima referimos, foi estruturado como “guia” ou “esquema orientador” de acções de formação
dirigidas a grupos de formandos e como tal devem ser utilizados. De facto, as potencialidades
formativas destes materiais só poderão ser integralmente exploradas se servirem de base às referidas
acções, pelo que se recomenda que os professores interessados em conhecer ou aprofundar esta área
procurem organizar seminários, com a colaboração de um Monitor. A dimensão destes grupos pode ser
variável, embora se considere que não deve ultrapassar os 30 elementos. O tempo de duração de cada
acção pode, igualmente, diferir, de acordo com os objectivos inicialmente propostos e com as
características dos formandos. De facto, os participantes nestas acções podem ter formações de base
diversas (professores, terapeutas, auxiliares) mas devem, todos eles, estar motivados em aprofundar a
temática em causa.
Os temas a abordar e a respectiva sequência (Módulos e Unidades), devem ser encontrados em função
das características da acção a realizar e dos interesses dos participantes.
Finalmente, há que lembrar que este Manual (tal como foi o caso do Conjunto de Materiais da
UNESCO) não deve ser entendido como uma versão acabada. Cada grupo que os utilize pode propor
algum tipo de alteração, seja acrescentando um texto para ser “material para estudo” ou “material para
discussão”, seja introduzindo uma actividade não prevista. As reflexões individuais de cada participante
podem ainda constituir uma documentação de grande interesse que se somará à inicialmente
apresentada.
Perfil e papel do monitor
Embora se pretenda que este Manual contenha, em si próprio, uma considerável potencialidade
formativa e constitua, de certo modo, um material “auto-formativo”, o papel a desempenhar pelos
Monitores das sessões de trabalho é indispensável.
Muito do sucesso desta formação dependerá da selecção dos temas a abordar, da organização das
diferentes tarefas individuais e de grupo, do “clima” de cooperação e de interesse que exista entre os
participantes, do equilíbrio entre os momentos de “pressão” e os momentos de “descontracção” ou de
“apoio”. Como se verifica em qualquer outra actividade em que a dinâmica de grupo ocupe lugar de
relevo, o papel do dinamizador é de importância primordial e, consequentemente, a sua competência
para exercer esta função, deve merecer uma atenção especial.
Tratando-se, neste caso, de sessões de formação que têm um conteúdo específico – a educação de alunos
com deficiência mental acentuada – é igualmente importante que o Monitor tenha experiência de ensino,
convivência e conhecimentos sobre a problemática educativa destes alunos. No entanto, considera-se
que não se devem confundir tais requisitos com diplomas ou certificados de habilitação. As
competências específicas que se pretende que os participantes adquiram através da participação nas
sessões apresentadas neste Manual devem decorrer, essencialmente, das actividades e das leituras neles
sugeridas e não de “lições” complementares dadas pelo Monitor. Para além de orientador do grupo, o
Monitor também pode ser, de certa maneira, um formando em relação ao conteúdo específico destes
materiais. O que é importante é que saiba gerir o grupo e que esteja familiarizado (como poderá
acontecer a muitos dos participantes) com a problemática em causa.
Perfil dos participantes
Já fizemos referência ao facto de não haver uma definição rígida do perfil dos participantes que
constituem a população alvo dos materiais deste Manual. Dum modo geral, poderá dizer-se que estes
foram elaborados tendo em vista todos os profissionais que estão directamente envolvidos na educação
de crianças e jovens com deficiência mental acentuada. Considerando que esta população se encontra na
escola, verifica-se que se destacam como alvo mais evidente os professores, sejam professores de
educação especial – exercendo funções em escolas especiais – sejam professores a quem compete
prestar apoio educativo, sejam professores de ensino regular que têm este tipo de alunos nas suas turmas
ou classes. No entanto, não podemos esquecer os professores que ocupam cargos directivos ou de
orientação, dos quais dependerão muitas das medidas essenciais ao sucesso educativo destes alunos. Há
ainda a referir o papel extremamente relevante que cabe junto da educação destes alunos ao pessoal
auxiliar pois, muitas vezes, dele dependem alguns dos aspectos essenciais dos seus programas, como
sejam a sua preparação para a vida na comunidade, as actividades de lazer e a formação para a vida
activa.
Partindo do princípio de que o sucesso da aprendizagem depende, em grande parte, da motivação em
aprender, pode concluir-se que o factor decisivo na selecção dos participantes nas acções de formação
que venham a ser realizadas, tendo por base estes materiais, reside na sua vontade de aprender novas
formas de trabalhar com estes alunos. Ou, dito por outras palavras, consiste na consciência prévia de
uma insatisfação em relação às práticas educativas actuais (assim como das escolas onde trabalham) e
do desejo de partir para uma mudança de conceitos e de práticas.
Módulo 0
Individualização, diferenciação curricular e inclusão
Não há, não,
Duas folhas iguais em toda a criação.
Ou nervura a menos, ou célula a mais,
Não há, de certeza, duas folhas iguais.
António Gedeão
INTRODUÇÃO
O processo educativo sempre envolveu a tomada de decisões sobre o que ensinar e como ensinar. Por
outro lado, a organização do sistema educativo sempre se debateu com o problema da homogeneização e
da diferenciação.
O processo educativo sempre envolveu a tomada de decisões sobre:
Que ensinar (currículo).
Como ensinar (métodos, estratégias, materiais, actividades).
A organização do sistema educativo sempre se debateu com o problema da:
MASSIFICAÇÃO (Uma mesma resposta para todos).
DIFERENCIAÇÃO (Respostas adaptadas às necessidades de cada um).
As políticas educativas de alguns países caracterizam-se por um grande centralismo por parte do Estado.
Um sistema burocrático, pesado e centralizador, a que alguns chamam “ditadura” ou “imperialismo”
educativo dos Estados, transformou a educação num bem de consumo em que as sociedades modernas
alicerçam a sua promoção e o seu progresso. Este tipo de ditadura educativa dos Estados, gerador de
padrões educativos extremamente rígidos, conduziu a um modelo de escola estandardizada,
massificadora, desumanizada, rotuladora, onde predomina a lei do mais dotado, do mais capaz. Escola
onde a integração e o desenvolvimento se avaliam por critérios de adequação ou aproximação em
relação a uma “norma” e onde, portanto, os que dela se afastam ou desviam são, duma ou doutra forma,
excluídos.
João Evangelista Loureiro (1983), num artigo intitulado “A Escola como factor de integração”, afirma
que “...o fenómeno da massificação em interacção com a função reprodutora da escola, reprodutora de
um determinado tipo de organização social, em nada beneficiou a situação da escola enquanto factor de
integração”.
Esta mesma escola, com todas as suas dificuldades e limitações, lutando contra a sua inadequação
relativamente à orientação integradora que deveria ser a de toda a educação, procura adaptar a sua
intervenção à diversidade de dificuldades, interesses, motivações e expectativas dos seus alunos.
A individualização, a diferenciação curricular e a atenção à diversidade tornam-se assim num eixo
organizador e estruturante dos projectos de reforma educativa que, nos últimos anos, têm sido
implementados nos diversos países europeus.
No caso de Portugal, a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei N.º 46/86 de 14 de Outubro), na alínea
d) do Artigo 3º, consagra o seguinte princípio organizativo:
“Assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais da
existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas”.
A atenção às diferenças individuais, seja qual for a sua origem, numa escola que se quer para todos,
exige currículos abertos e flexíveis, capazes de responder às necessidades comuns ao conjunto da
população escolar. Currículos capazes de se ajustarem às necessidades específicas de cada um (Martin
Diaz, in Hodson e Reid, 1993). Currículos em que, no dizer de Luisa Alonso (1992), “... as decisões se
vão tornar cada vez mais adequadas e significativas nos diferentes contextos em que o próprio currículo
se vai construindo como praxis, à medida que se desenvolve”.
Surge, assim, a necessidade da diferenciação curricular, da adaptação e individualização curricular às
necessidades e características de cada um, em especial dos alunos com necessidades educativas
específicas, sejam elas decorrentes ou não de deficiências. Todo o processo integrativo se joga entre
estes dois eixos: o princípio de que somos todos iguais, a igualdade de direitos e de oportunidades, e o
princípio de que somos todos diferentes, o direito à diferença, o direito a uma educação adaptada às
necessidades de cada um.
INTEGRAÇÃO
Somos todos iguais.
Igualdade de direitos e oportunidades.
Somos todos diferentes.
Direito à diferença.
Educação adaptada às necessidades de cada um.
Tradicionalmente, encara-se a individualização e a diferenciação curricular como simples adaptação às
necessidade do aluno. No entanto, a individualização e diferenciação curricular devem ser entendidas,
simultaneamente, em termos de uma abordagem:
Centrada no aluno.
Centrada na interacção.
Centrada na família.
Centrada na interacção entre sistemas.
DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR E A CRIANÇA
A individualização e a diferenciação curricular, entendidas em termos de uma abordagem centrada no
aluno, traduz-se na ideia de que os currículos se devem adaptar às necessidades do aluno e não o
inverso.
Os currículos devem adaptar-se às necessidades do aluno e não o inverso.
Confrontamo-nos assim com uma situação aparentemente paradoxal já que, se por um lado se pode
conceptualizar a aprendizagem em termos de uma apropriação, por parte do aluno, dos conteúdos
curriculares previstos para a generalidade da população escolar que frequenta um determinado nível de
ensino, por outro lado, o processo ensino-aprendizagem implica, também, a adaptação do currículo às
necessidades, características e expectativas de cada um.
APRENDIZAGEM
Apropriação do currículo.
Adaptação do currículo às necessidades do aluno.
Pode assim afirmar-se que a discriminação pedagógica, a ausência de integração, se verifica em todos os
casos em que a escola nega o direito de cada um ser educado de acordo com as suas necessidades
(segregação massificadora). Ou seja, a orientação integradora que deverá ser a de toda a educação
deriva, em última instância, do direito de cada um ser educado em função das suas características
próprias, da sua história pessoal. É óbvio que a integração, entendida desta maneira, está longe de ser
praticada pela escola actual, da mesma forma que a discriminação pedagógica, a inadequação das
respostas educativas às características específicas de cada um, está longe de abranger apenas os
deficientes.
A massificação condena, à partida, alguns alunos ao fracasso e ao insucesso
Programas Educativos Individuais
De acordo com vários autores (Gearheart e Weishahn, 1980; Cope e Anderson, 1981; Brennan, 1985) o
recurso a Programas Individuais estabelecidos em função das necessidades específicas de cada aluno
parece ser a resposta mais apropriada aquando da integração de crianças e jovens com necessidades
educativas específicas. Esses programas assumem normalmente a forma de um documento que tem um
carácter oficial e uma função de instrumento de controlo e deverão resultar do trabalho de uma equipa
que envolva nomeadamente:
Representante do órgão de gestão e administração da escola.
Professor ou professores da classe.
Professor dos apoios educativos.
Pais.
Outros técnicos (psicólogos, terapeutas...).
No caso concreto de Portugal, de acordo com o previsto no D.L. N.º 319/91, o Programa Educativo
Individual deverá incluir:
Nível actual do aluno.
Objectivos anuais e de curto prazo.
Conexões com o currículo de base.
Datas e duração prevista para as várias acções.
Procedimentos avaliativos.
Critérios de Adaptação no que respeita a alunos com deficiência intelectual acentuada
Se a questão central do problema da individualização e da diferenciação curricular, na óptica da
abordagem centrada no aluno, está na planificação e organização de currículos que se adaptem às
características específicas dos alunos a apoiar, então assume toda a pertinência saber quais os critérios
que justificam a tomada de decisões sobre esse processo adaptativo. No entender de Lou Brown a
adaptação curricular às necessidades individuais das pessoas com deficiência intelectual acentuada deve
ter em conta os seguintes pontos:
Os conteúdos de aprendizagem são adequados para dar resposta às necessidades de adaptação
pessoal, social e ocupacional do aluno?
Os conteúdos de aprendizagem centram-se nos conhecimentos e nas competências necessários a um
funcionamento, o mais autónomo possível, na família, na escola e na comunidade?
O aluno e os pais pensam que esses conteúdos são importantes para dar resposta às necessidades
actuais e futuras do aluno?
Os conteúdos são adequados à idade cronológica do aluno e ao seu nível actual de realização
intelectual, académica e comportamental?
Qual o lugar do Plano e ou Programa Educativo Individual no contexto de uma educação e de uma
escola inclusiva?
Direitos, Qualidade de Vida e Adaptação Curricular
De uma forma mais concreta, os conteúdos de aprendizagem, num processo de individualização e
diferenciação curricular, encontram a sua razão de ser no facto de existir a expectativa de poderem
contribuir activamente para que a vida actual e futura do aluno possa decorrer, com o máximo de
autonomia possível, nos vários ambientes em que se insere (na família, na escola, no trabalho) e possa
usufruir dos recursos sócio-educativos que a colectividade prevê para o conjunto dos seus membros. São
portanto conteúdos de aprendizagem que, de uma ou de outra forma, promovem a qualidade de vida do
aluno, entendida esta, fundamentalmente, em termos da diversidade de ambientes em que o aluno
funciona autonomamente. Qualidade de vida que tem a ver com a resposta a uma multiplicidade de
questões de entre as quais poderemos referir:
Vive com a sua família ou numa instituição?
É autónomo em muitas das actividades do dia a dia ou alguém tem que fazer por ele muitas dessas
actividades?
Frequenta a escola da sua área de residência, com os seus irmãos, amigos vizinhos, ou tem que se
deslocar a uma escola afastada passando grande parte do tempo nos transportes?
Utiliza regularmente um número alargado de recursos comunitários (transportes públicos, lojas, jardins,
cafés, restaurantes...) ou circunscreve as suas actividades a um único espaço, fechado e restritivo?
A sua actividade laboral desenvolve-se em regime normal de trabalho ou em situação protegida ou semi-
protegida onde interage exclusivamente com pessoas com deficiência?
Participa activamente em actividades lúdicas, recreativas, culturais, desportivas, da comunidade de que
faz parte, ou apenas em programas especialmente organizados para deficientes?
Convive com pessoas sem deficiência e assume, com regularidade, iniciativas de interacção e
comunicação social?
É capaz de, autonomamente, tomar decisões sobre a sua vida, ou foi-se tornando passivo e dependente,
sendo a sua vida totalmente controlada pelos outros?
A Perspectiva Funcional
Não sofre qualquer contestação a ideia de que o processo de adaptação curricular deve ser norteado, no
que respeita à decisão dos conteúdos de aprendizagem (ensinar o quê?), pela relevância desses
conteúdos na promoção da qualidade de vida do aluno (resposta às suas necessidades actuais e futuras).
Deveremos, no entanto, referir que a aplicação deste princípio à educação de alunos com deficiência
intelectual acentuada, nem sempre se traduziu em planos curriculares capazes de proporcionar a estas
populações um funcionamento autónomo e socialmente integrado. Esta situação deve-se, em grande
parte, à adopção das perspectivas desenvolvimentalistas como único referencial.
Modelo Curricular Desenvolvimentalista
De facto, os pressupostos básicos das perspectivas desenvolvimentalistas (invariantes do
desenvolvimento, hierarquização das aprendizagens, teoria dos estadios...) traduziram-se, no âmbito da
intervenção educativa, na utilização de desenhos curriculares baseados na articulação vertical e
horizontal dos conteúdos de aprendizagem (congruência curricular). Esses conteúdos, organizados da
base para o topo e subdivididos em múltiplas e pequenas tarefas, cobrem as áreas fundamentais do
desenvolvimento. Entendido desta forma, o currículo não é mais do que um conjunto de sequências
lineares, variações, especificações ou “aproximações verticais das hierarquias próprias do
desenvolvimento normal” (Neel, R. & Billingsley, I. (1989), pp.12).
Desta forma, os Programas Educativos implementados com crianças e jovens com deficiência
intelectual acentuada, respeitando embora os princípios da relevância (adaptação às necessidades
individuais) e da congruência (articulação horizontal e vertical dos conteúdos de aprendizagem) tal
como os entendem as abordagens desenvolvimentalistas, acabaram, na generalidade dos casos, por
assumir contornos claramente não funcionais, descontextualizados e esvaziados de conteúdo, incapazes
de promover a autonomização, socialmente integrada, destas populações. Contribuem mesmo, muitas
vezes, para a sua infantilização, dependência e passividade. Quis-se aplicar, rigorosamente, o princípio
de que o desenvolvimento das crianças com deficiência intelectual acentuada segue a mesma linha
evolutiva das crianças normais - princípio aliás aceite pela generalidade dos investigadores e que os
nossos próprios trabalhos também confirmam (Leitão, 1994) - mesmo quando isso implicava grandes
desfasamentos entre a idade cronológica em que normalmente emergem determinados comportamentos
e a idade cronológica das crianças com deficiência intelectual acentuada a que se procuravam aplicar,
em termos curriculares, as “sequências lineares” correspondentes a esses comportamentos (Guises e
Noa, 1982).
Implicações Práticas
Ora, como se sabe, uma pessoa com graves problemas de aprendizagem que tenha por exemplo 15 anos
de idade cronológica, com uma idade mental de 6 anos, não é propriamente uma criança de 6 anos nem
pode ser tratada como tal. Mas se no seu currículo estão previstas actividades como picotar, colorir ou
recortar imagens (desenvolvimento da motricidade fina como pré-requisito para a escrita), discriminação
de sons, cores, cheiros, texturas (educação sensorial), esse jovem está efectivamente a ser tratado como
uma criança e submetido a um programa de estimulação interminável. Estas abordagens curriculares,
rigidamente enfeudadas às perspectivas desenvolvimentalistas, traduziram-se, na sua aplicação às
populações com deficiência intelectual acentuada, em programas curriculares que, embora concebidos
para adolescentes, ou mesmo adultos, mantinham muitas das características próprias dos Programas
Educativos elaborados para alunos com idades bem mais baixas.
Modelo Curricular Funcional
Numa linha de pensamento bem distinta do modelo curricular desenvolvimentalista, o modelo curricular
funcional baseia-se na análise dos ambientes de vida da criança e nas competências necessárias ao
funcionamento, o mais autónomo possível, nesses ambientes. Tudo se centra (validade ecológica) na
análise das características dos ambientes naturais em que a criança vive e nas competências que
necessita desenvolver para aí funcionar com o máximo de autonomia possível. Trata-se, portanto, de
desenvolver competências específicos em e para ambientes naturais específicos.
DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR E INTERACÇÃO
Se até agora nos centrámos basicamente, no que respeita à individualização ou diferenciação curricular,
na questão do que ensinar (Ensinar o quê?), passaremos agora a tecer algumas considerações em relação
à questão de como ensinar, onde portanto, as estratégias a pôr em acção estão no centro dos programas
a desenvolver.
Multiplicidade de Factores
Para avançar com processos de individualização e diferenciação curricular, como reconhecem vários
autores (Barthorpe, 1989; Brennan, 1985), é necessário ter uma ideia clara sobre os estilos cognitivos
dos alunos, é necessário repensar e reformular todo o trabalho de articulação e colaboração entre
profissionais, é necessário ter conhecimento e dominar técnicas ligadas à modificação do
comportamento, à instrução directa, à aprendizagem cooperativa, ao trabalho de grupo, à prossecução de
actividades de projecto, à diversificação das estratégias pedagógicas.
Nas classes/grupos em que os professores recorrem mais frequentemente à ajuda entre alunos, em que os
professores apresentam uma maior abertura à presença e participação de outros intervenientes,
profissionais ou não profissionais (professor de apoio, auxiliares de educação, outros técnicos, pais,
voluntários), a individualização e diferenciação curricular parece estar facilitada e é mais fácil encontrar
as condições para se poder processar de forma mais adequada.
Interacção e Grau de Estruturação Curricular
Individualização e diferenciação curricular exige, da mesma forma, a capacidade de permanentemente
ajustar o processo ensino-aprendizagem à imprevisibilidade dos comportamentos do aluno, a capacidade
de abdicar de actividades, metodologias, estratégias, a fim de ajustarmos o nosso comportamento aos
comportamentos actuais da criança e do grupo, a capacidade de aceitar as iniciativas do outro, mesmo
que isso implique a “negação” de actividades curriculares anteriormente planificadas. Ora, acontece que
a instauração de mecanismos comunicativos e interactivos, orientados pelo princípio da adaptação
mútua e recíproca de comportamentos, parece ocorrer com maior dificuldade quando o professor se
agarra, rígida e inflexivelmente, a um qualquer tipo de currículo altamente estruturado.
Construção do Processo Interactivo
Toda a aprendizagem envolve mecanismos comunicativos, interpretativos, hermenêuticos.
Tudo o que fica anteriormente dito aponta no sentido de as estratégias pedagógicas deverem ser
entendidas em termos de gestão e organização dos processos comunicativos e interactivos entre
professor e aluno. Sem podermos aprofundar esta questão no contexto destes Materiais[1] deveremos no
entanto referir que todo o processo de desenvolvimento, todo o processo de aprendizagem, envolve
mecanismos comunicativos, interpretativos, hermenêuticos. O que é remeter o problema das estratégias
pedagógicas para o plano do simbólico e do intersubjectivo e não apenas (atitude francamente
[1] Para aprofundar este tema consultar Leitão, 1994.
reducionista que lamentavelmente ocorre com demasiada frequência) para o plano do técnico e do
tecnológico. É que a análise dos comportamentos interactivos coloca-nos, obrigatoriamente, perante os
conceitos de bidireccionalidade, adaptação mútua de comportamentos, contingência, responsividade,
sincronia, pré-adaptação biológica à interacção social. Coloca-nos face à capacidade/incapacidade de
permanentemente ajustarmos os nossos comportamentos à imprevisibilidade e complexidade estrutural
(cognitiva, motora, linguística...) dos comportamentos do outro, o que envolve a presença, a fusão e o
abraço, de mecanismos lógico-racionais e de mecanismos afectivos e intuitivos.
A capacidade de permanentemente ajustar os comportamentos à imprevisibilidade dos comportamentos
do outro envolve simultaneamente mecanismos lógico-racionais e afectivo-intuitivos.
Sentimentos de Eficácia e Competência
Importa acrescentar que a dimensão do envolvimento social que permite à criança diferenciá-la do
envolvimento físico é a responsividade, isto é, a possibilidade de proporcionar respostas contingentes
mutuamente reguladas. Desta forma, se é certo que o organismo humano está biologicamente pré-
programado para responder, preferentemente, às características do envolvimento social, não é menos
verdade que essa preferência se consolida através da aprendizagem das diferenciações entre o mundo
físico e o mundo social. Ora, esta diferenciação parece resultar da contingência dos feed-backs
proporcionados pelo envolvimento humano, já que o envolvimento físico raramente proporciona, de
uma forma sistemática, respostas contingentes. Quando esporadicamente o faz, como ocorre com
objectos que incorporam efeitos mecânicos (luzes, sons, movimentos...), é de uma forma mecanizada e
estereotipada. Mas, como acima referimos, a responsividade - dimensão específica do envolvimento
social - é a possibilidade de, permanentemente, podermos ajustar os nossos comportamentos à
imprevisibilidade dos comportamentos do outro.
É neste sentido que devem ser entendidas as evidências da investigação sobre a relação entre
competências e aprendizagem do aluno e responsividade dos adultos. Isto, quer a responsividade seja
entendida como um mecanismo directamente facilitador do desenvolvimento e das aprendizagens - ao
promover a adaptação dos comportamentos do adulto ao nível das competências da criança - quer seja
entendida como um mecanismo mediador. Ao potenciar a construção de uma relação afectiva
securizante, a vivência de sentimentos de competência e eficácia por parte da criança, facilita o
confronto com as aprendizagens.
Interacção e Sentimento de Controlo do Mundo Físico e Social
Como é sobejamente conhecido, o facto de a criança com deficiência apresentar limitações e
dificuldades na forma como se relaciona com o envolvimento, desencadeia o stress e a frustração,
sentimentos de incapacidade e incompetência, sentimentos de incapacidade de agir e controlar o
envolvimento.
É, pois, fundamental, quando se pretende eliminar ou reduzir a frustração e o stress, fazer com que a
criança se sinta capaz de comunicar, agir, controlar o envolvimento. É fundamental ajudar a criança a
desenvolver sentimentos de competência e eficácia em relação à sua capacidade de agir e controlar o
mundo físico e social.
É neste âmbito que muito tem sido escrito sobre o papel determinante da tecnologia (software
especializado, hardware, periféricos...). As tecnologias, ao facilitarem o processo comunicativo da
criança com o envolvimento, desenvolvem nela sentimentos de competência e eficácia.
Pena é que atenção idêntica não tenha sido dada à forma como se organizam os processos interactivos
entre a criança e o envolvimento social (mãe, educadora, pares...), pois como referem vários autores
(Goldberg, 1977; Belsky, 1984; Brazelton, 1989; Leitão, 1994), o desenvolvimento de sentimentos de
competência e eficácia na criança resulta fundamentalmente da partilha de experiências interactivas
contingentes, ou seja, de situações sociais em que os outros adaptam os seus comportamentos às
expectativas da criança. O mesmo é dizer que, desde sempre, desde a altura em que a criança, dada a sua
imaturidade motora, não consegue ainda controlar o mundo dos objectos físicos, já retira sentimentos de
competência e eficácia das trocas interactivas em que vivencia a experiência de controlar o outro. Ora,
estas transacções, ocorrem quando o outro se adapta, responsivamente, às necessidades e expectativas
da criança.
DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR E FAMÍLIA
A cooperação pais-professores é um dos tópicos mais valorizados na educação e na educação especial e
insere-se na preocupação mais alargada de dinamizar as potencialidades decorrentes da ajuda e
cooperação entre alunos, promover a ajuda mútua entre professores e encorajar a emergência de relações
positivas com a comunidade em geral.
Participação Activa
A individualização e a diferenciação curricular, num determinado sentido, pode ser entendida como um
conjunto de serviços que decorrem a partir da interacção entre pais e profissionais. Desde os
primeiros contactos devem ser criadas oportunidades para os pais poderem participar activamente
em todo o projecto educativo a desenvolver, dinamizando processos que levem a uma participação
mais empenhada, a uma tomada de consciência das suas competências e capacidades como
primeiros educadores e a um entendimento dos serviços educativos como serviços que procuram
autonomizar e apoiar as famílias e não substitui-las.
Os pais não participam, ou participam passivamente, nas decisões.
Inicialmente a intervenção dos pais era extremamente passiva, limitando-se à recepção de informações
transmitidas pelos profissionais em reuniões para o efeito convocadas. Progressivamente esta situação
foi-se modificando passando os pais a ser considerados como parceiros fundamentais nas tomadas de
decisão sobre a educação dos seus filhos. É extremamente importante ter em consideração as
expectativas, necessidades e aspirações das famílias, criar oportunidades para que as famílias possam
exprimir as suas opiniões, ter em consideração o que consideram mais importante para os seus filhos,
respeitar as suas opiniões e envolvê-las nos processos de decisão.
O papel dos pais como participantes activos no processo educativo dos seus filhos, nomeadamente nos
processos de decisão, foi conceptualmente desenvolvido e valorizado a partir do início dos anos setenta.
No entanto as investigações levadas a cabo nos últimos anos indicam que a maioria dos pais não
participa nos processos de decisão e que, quando isso ocorre, normalmente é de uma forma passiva.
Necessidades e Expectativas das Famílias
Os pais referem que os serviços não respondem às suas necessidades e expectativas.
Sabe-se também, e alguns estudos parecem confirmá-lo, que os pais referem que os serviços de
educação especial não respondem de forma adequada às suas expectativas e necessidades familiares.
Urge, pois, modificar esta situação na medida em que a diferenciação curricular, no eixo da intervenção
com a família, deve antes de tudo procurar desenvolver a capacidade de as famílias responderem às
necessidades específicas das crianças deficientes, evitando que se tornem dependentes dos serviços de
apoio.
Competências Comunicativas e Interacções Positivas entre Profissionais e Famílias
Uma das etapas decisivas na promoção de serviços individualizados de apoio às famílias é sem dúvida o
desenvolvimento, por parte dos próprios professores, de capacidades de comunicação que lhes
permitam instaurar interacções positivas com as famílias. Múltiplas razões suportam a ideia da
importância fundamental que deve ser atribuída ao estabelecimento de relações positivas entre
profissionais e famílias.
Uma primeira razão reside no facto de a relação dos pais com os técnicos dever ser uma experiência
agradável e gratificante e não mais uma experiência de stress.
A tendência actual é no sentido de as famílias das crianças com deficiências serem entendidas não como
famílias “patológicas” ou “perturbadas”, como muitas vezes ocorria no passado, mas como um recurso
capaz de desempenhar um papel positivo, ou seja, estas famílias são consideradas igualmente
competentes, confrontando-se embora com factores adicionais de stress.
Os pais das crianças deficientes devem ser considerados como potencialmente competentes, como um
recurso desempenhando um papel positivo e primordial.
O fracasso na activação dessas competências deve procurar-se mais nos sistemas sociais de apoio, que
muitas vezes não oferecem oportunidades para que essas competências se manifestem e actualizem, do
que nos défices dessas famílias.
Construção de Sentimentos de Autonomia, Competência e Dignidade
Uma segunda razão encontra-se no facto de a partilha de interacções positivas entre profissionais e
famílias, construída a partir do reconhecimento, aceitação e respeito pela diversidade de opiniões,
valores, crenças, aspirações e expectativas de cada família, contribuir para acentuar nessas famílias um
sentimento de autonomia, competência e dignidade.
Participação Activa nas Decisões
Uma terceira razão reside no facto de uma relação construtiva entre profissionais e família abrir a
possibilidade ao planeamento e implementação de serviços de apoio baseado nas necessidades e
prioridades das famílias. Desloca-se assim o eixo das decisões para uma relação de parceria entre os
actores envolvidos. Rompe-se com as práticas tradicionais em matéria de individualização curricular
que assentavam na ideia de que as decisões repousavam única e exclusivamente na competência dos
técnicos.
Tradicionalmente os pais eram relegados para uma posição de subalternidade, de passividade, meros
ouvintes, por vezes executantes é certo, mas das decisões previamente tomadas, individual ou
colectivamente, pelos profissionais.
As decisões concretas em termos de integração e individualização curricular devem ser o resultado de
um compromisso entre os vários intervenientes no processo educativo, assumindo os pais um papel
determinante.
Dado o tipo de interacções que os técnicos estabeleciam com os pais, estes encontravam-se numa
situação de consumidores passivos de serviços, numa situação de dependência em relação aos serviços
que lhes eram prestados. Assim se instalavam sentimentos de incompetência e incapacidade dada a
superioridade da intervenção técnica dos profissionais, vistos como “peritos”, “especialistas”, detentores
de uma qualquer “magia” que eles pais não possuíam. Gerava-se desta forma, nas famílias, uma atitude
de desconfiança e demissão em relação à sua capacidade de participarem, activa e decisivamente, na
educação dos seus filhos deficientes.
Poderemos, desta forma, afirmar que a individualização curricular, quando entendida como simples
adaptação às necessidades específicas do aluno - adaptação levada a cabo pelos profissionais sem ter em
consideração as necessidades e prioridades da própria família - coloca os pais numa situação de
passividade e dependência, que pode ser expressa da seguinte forma:
“Nós, pais, não somos capazes, vocês são os especialistas”
Pelo contrário, os processos de individualização curricular que têm em linha de conta as filosofias de
intervenção centradas na família, ao criarem oportunidades e meios para os pais poderem aplicar as suas
competências, ao apoiarem a emergência de novas competências, ao suportarem a instauração de
relações de sincronia e contingência entre os pais e os seus filhos deficientes, ao promoverem a
autonomia das famílias, ao ajudarem os pais a desenvolver sentimentos de competência e capacidade
quanto à educação e desenvolvimento dos seus filhos, parecem contribuir para a organização de um
modelo interno que poderemos representar da seguinte forma:
“Nós, pais, sentimo-nos cada vez mais capazes e competentes para ajudar o nosso filho a desenvolver-
se”.
Redução de Factores de Stress
Uma quarta razão que fundamenta a importância da construção de relações positivas entre profissionais
e famílias reside no facto de uma tal relação ser igualmente gratificante para os profissionais.
À semelhança do que ocorre com o processo interactivo mãe-criança - hoje parece aceitar-se que os
modelos explicativos da dinâmica transaccional entre mãe e criança podem ser de grande utilidade para
aprofundar e compreender outros contextos interactivos - também no caso das relações entre
profissionais e famílias poderemos afirmar que a construção de relações de contingência e sincronia, de
relações onde prevalece a capacidade (a sensibilidade) para uma permanente adaptação mútua de
comportamentos, parece potenciar a vivência, nos pais e nos profissionais, de sentimentos de eficácia e
competência. Ao inverso, situações de interacção entre pais e profissionais onde cada um mantém,
persiste e procura impor os seus pontos de vista, sem levar em consideração as opiniões, valores,
crenças e expectativas do outro, parecem ser geradoras de sentimentos de ineficácia e incompetência.
Cooperação Professores-Família e Eficácia dos Programas Educativos
Finalmente, uma quinta razão, justifica a imperiosidade da construção de relações positivas, de partilha
e cooperação, entre profissionais e famílias. Esta razão prende-se com a própria eficácia dos Programas
Educativos a desenvolver. A generalidade dos autores com trabalho desenvolvido nesta área reconhece
que um dos factores críticos que contribui para a eficácia de um programa, que o torna mais eficaz, é o
grau de participação dos pais nesse programa.
As famílias, como parceiros e colaboradores, devem ser consideradas como participantes activos que
podem dar um contributo valioso e decisivo para a educação dos seus filhos. As famílias, como
parceiros e colaboradores, devem fazer parte integrante do processo de tomada de decisões. As famílias
têm um conhecimento profundo dos seus próprios filhos, das suas necessidades, expectativas e desejos.
As famílias podem proporcionar oportunidades acrescidas para os seus filhos funcionarem em contextos
sociais cada vez mais alargados, principalmente quando, como resultado do trabalho desenvolvido pela
escola e pelos professores, já conhecem melhor o que os seus filhos são capazes de fazer nesses
ambientes.
Relações positivas entre profissionais e famílias, uma participação efectiva, por parte dos pais, no
planeamento e elaboração dos Programas Educativos Individualizados de intervenção, são factores de
eficácia desses mesmos programas e garantia que as famílias se envolverão mais activamente na sua
implementação.
A individualização curricular deve ser entendida como uma estratégia de suporte social às famílias,
parte integrante de uma rede mais alargada de serviços e respostas formais e informais de apoio.
Fica assim claro que a individualização e diferenciação curricular não se reduz à adequação dos
conteúdos ao nível do desenvolvimento do aluno. Individualização e diferenciação, na perspectiva das
intervenções centradas na família, consubstancia-se também na organização de uma diversidade de
serviços e respostas que procurem reduzir o stress das famílias das crianças com deficiência, que
procurem apoiar os pais na compreensão das limitações dos seus filhos, que lhes proporcionem uma
melhoria da qualidade das interacções, que promovam competências nos pais, no sentido de
mobilizarem, criarem e participarem, de forma cada vez mais autónoma, num leque diversificado de
redes, formais e informais, de suporte social.
DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR E INCLUSÃO
Até ao momento centrámos a nossa atenção sobre três questões básicas, o que ensinar (adaptação do
currículo às necessidades do aluno), como ensinar (estratégias, regulação dos comportamentos, escola
como um sistema de comportamentos interactivos e comunicativos), através de quem (onde realçamos
o papel dos pais e a importância das relações entre famílias e profissionais). Procuraremos agora
equacionar algumas das questões que se centram sobre o problema do onde, ou seja, sobre os
envolvimentos sócio-educativos onde decorre o processo de diferenciação curricular.
Inclusão Escolar
Como é sabido, as tendências actuais, em matéria de princípios, políticas e práticas educativas, vão
claramente no sentido da promoção da escola para todos, no sentido da promoção da escola inclusiva.
Estrutura educativa de suporte social que a todos receba, que se ajuste a todos os alunos
independentemente das suas condições físicas, sociais, étnicas, religiosas, linguísticas, ou outras, que
aceite as diferenças, que apoie as aprendizagens, promovendo uma educação diferenciada que
responda às necessidades individuais deixando assim de ser institucionalmente segregadora.
Razões de ordem filosófica, ética e sociológica, razões que se prendem com o mais elementar respeito
pelos direitos humanos, razões que se prendem com a aceitação da diferença e dignidade do “outro” e,
no caso de Portugal, com imperativos legislativos, fundamentam e justificam uma política educativa
integradora. Uma política educativa que promova - sublime desafio aos sistemas educativos actuais -
uma educação inclusiva. Educação que reconheça portanto o direito de todos os alunos aprenderem
juntos, independentemente das dificuldades e diferenças que apresentam.
Suporte Emocional
Gostaríamos, no entanto, de salientar algumas razões específicas, claramente do âmbito pedagógico, que
suportam estas posições.
Em primeiro lugar deve reconhecer-se que o contacto e o convívio, no plano formal e informal, entre
alunos com e sem dificuldades, entre alunos com e sem deficiências, é um meio insubstituível de
normalização dos comportamentos. É uma oportunidade para a construção de laços de vinculação, de
relações afectivas, que podem vir a revelar-se, ao longo dos anos, como um suporte emocional
fundamental na construção da personalidade dos alunos com deficiência. É um apoio aos seus esforços
para se envolverem em transacções sociais progressivamente mais autónomas e diversificadas. Por sua
vez os alunos ditos “normais” poderão desenvolver uma maior capacidade, afectiva e cognitivamente
construída, de aceitação da diferença.
Suporte Social e Instrucional
Em segundo lugar, deve referir-se o facto de, num envolvimento normalizante, os pares da mesma idade
ou idades próximas (colegas) poderem funcionar, com ou sem
a mediação dos professores, como um suporte social (círculo de amigos, apoio e partilha de actividades
na escola, vizinhança, comunidade local...) ou como um suporte instrucional (aprendizagem
cooperativa, modelação, aprendizagem por imitação...), mecanismos extraordinariamente importantes no
desenvolvimento das crianças e jovens com deficiência intelectual acentuada.
Com efeito, a ajuda pode resultar de recursos informais interiores ou exteriores à escola (colegas,
amigos, familiares, grupos sociais...) ou de recursos formais (médicos, professores, serviços técnicos
vários...). Deve no entanto reconhecer-se que não se tem valorizado suficientemente o papel que as
redes de suporte social informal podem exercer junto das crianças com deficiência intelectual acentuada
e suas famílias.
Também no que respeita aos mecanismos formais de apoio se podem ir encurtando as distâncias entre
crianças normais e crianças com deficiência intelectual acentuada. Professores de apoio, trabalhando
fora da sala de aula, com pequenos grupos de alunos, podem passar a prestar apoio dentro da sala de
aula. Este caminho implica a organização de todo um trabalho cooperativo em que os dois professores,
solidariamente, definem e vão interactivamente construindo, a forma de trabalhar.
Alguns autores entendem que o apoio na sala de aula pode ter alguns efeitos menos favoráveis nas
aprendizagens (interrupção do aluno quando concentrado na tarefa, redução das situações de “conflito
cognitivo”, parcialmente anuladas pelo apoio, situações de discriminação, desresponsabilização...). Deve
no entanto reconhecer-se que, quando o objectivo fundamental é criar melhores condições de
aprendizagem para todos os alunos, a presença de outros recursos na sala de aula, no caso um segundo
professor, pode constituir uma ajuda importante.
Da situação anterior não pode no entanto deduzir-se que a inclusão de um aluno com deficiência
intelectual acentuada deve ficar confinada à classe. O facto de a escola e a classe serem as grandes
referências do processo de inclusão escolar não significa que as crianças com deficiência intelectual
acentuada reduzam e limitem o seu processo educativo a esses contextos. Pelo contrário, há que alargá-
lo, como já referimos anteriormente, a contextos e ambientes comunitários bem mais abrangentes.
Cooperação Criança-Criança.
Em terceiro lugar gostaríamos de registar o facto de a adopção de uma política educativa, assente na
construção de um sistema de educação especial segregado, paralelo ao sistema educativo geral,
pressupor, consciente ou inconscientemente, que o factor crítico do desenvolvimento e da
aprendizagem, reside na intervenção e na competência técnica de docentes e outros profissionais.
Nega-se ou desvaloriza-se, assim, a importância e a força dos mecanismos interactivos e comunicativos
criança-criança, nega-se ou desvaloriza-se o papel do grupo e dos envolvimentos sociais naturais como
factores fundamentais da construção, normalização e regulação dos comportamentos e das
aprendizagens.
É neste contexto que assume toda a importância a aprendizagem activa e o trabalho cooperativo.
Deve no entanto referir-se que o ênfase dada à aprendizagem cooperativa não relega a aprendizagem
individual para um estatuto de menoridade. Com efeito, o equilíbrio entre trabalho cooperativo e
trabalho individual é extremamente importante e implica uma reflexão aprofundada sobre as formas de
organizar a sala de aula.
Cooperação Criança-Criança e Mediação do Professor
O simples facto de se colocarem crianças lado a lado, deficientes ou não, não garante, só por si, a
manifestação de interacções e formas de ajuda positivas, podendo mesmo ocorrer atitudes relacionais
negativas.
É, sem dúvida, enorme a capacidade de os alunos se ajudarem mutuamente. Mas para que esta
capacidade se manifeste em toda a sua plenitude, situação que contribui francamente para a construção
de um clima favorável às aprendizagens, é necessário que os professores liderem o processo e encorajem
e cooperem com os alunos.
Sabemos hoje que muitas vezes os alunos, espontaneamente, ou como tutores que beneficiam da
mediação do professor, são mais eficazes do que os adultos na promoção de certas formas de ajuda,
sejam elas de suporte social ou de suporte instrucional.
Cooperação e Organização da Sala de Aula
Uma boa organização da sala de aula exige a presença de regras claras, quer no que respeita ao que é e o
que não é umcomportamento aceitável, quer no que respeita à forma de execução das tarefas e
actividades de aprendizagem, base para que o professor seja capaz de ensinar sem dificuldade e os
alunos possam melhorar as suas aprendizagens. No entanto, não é possível esquecer que todo esse
processo de organização e funcionamento deve passar pelo respeito mútuo, pela aceitação e
compreensão das necessidades do outro, por um processo aberto e dinâmico de negociação onde o aluno
se sente responsável e participante. Responsável e participante nas questões que têm a ver com a gestão
dos comportamentos na sala de aula, com a construção de um clima social favorável às aprendizagens e
na determinação dos próprios objectivos de aprendizagem. Responsável e participante na formulação
dos programas e conteúdos de aprendizagem e na avaliação dos seus próprios progressos, verificando,
através de critérios cooperativamente construídos entre professor e alunos, se os produtos da sua
actividade se ajustam às aprendizagens a realizar e que previamente foram negociadas.
Relações de Vizinhança e Contextualização das Aprendizagens
Por último, importa referir que a frequência de uma instituição de educação especial, na generalidade
dos casos mais ou menos afastada da área de residência do aluno, implica um corte nas relações com os
seus amigos e vizinhos. Da mesma forma, condiciona gravemente a implementação de currículos
funcionais, ao afastar o aluno dos contextos sócio-educativos onde as aprendizagens se deveriam
realizar e que em termos gerais coincidem com as estruturas locais onde se prevê que, no seu futuro,
venha a utilizar essas competências. De facto, é sobejamente conhecida, no caso das pessoas com
deficiência intelectual acentuada, a importância da aprendizagem contextualizada. Isto sugere que,
sempre que possível, as aprendizagens devem decorrer nos contextos e nas condições em que
posteriormente essas competências irão ser exercidas.
INCLUSÃO E SUPORTE SOCIAL ÀS FAMÍLIAS
A implementação de uma política de inclusão escolar não pode no entanto ignorar todo um conjunto de
factores inerentes à dinâmica de funcionamento das famílias com crianças deficientes, na medida em
que, o confronto com a inclusão, é ele próprio gerador de stress.
Stress Familiar e Institucionalização
Como já referimos anteriormente estas famílias, embora consideradas competentes e capazes de
responder às necessidades dos seus filhos, são contudo particularmente vulneráveis à experiência do
stress, podendo afirmar-se que a deficiência influencia as interacções familiares a nível dos seus vários
subsistemas (marital, parental e fraternal). Esta influência, como referem vários autores, parece
manifestar-se nomeadamente a nível da redução do grau de satisfação conjugal, da ruptura ou
disfuncionalidade das relações pais-filhos, da modificação qualitativa das interacções entre irmãos, no
aumento das dificuldades económicas e num maior isolamento e diminuição da mobilidade social.
O aumento do stress familiar, motivado pela decisão de a criança com deficiência frequentar, não uma
instituição de educação especial mas uma escola regular, parece resultar nomeadamente dos seguintes
factores:
Do confronto diário com a diferença entre os seus filhos e as crianças ditas “normais”.
Do sentimento de não serem aceites pelos outros pais, docentes e serviços, ou seja, do quadro geral de
expectativas que constróem a partir das atitudes dos outros (reacção social negativa).
Do confronto com as dificuldades de adaptação social e escolar dos seus filhos.
Do receio de a integração acarretar a perda de outros serviços prestados à criança e à família.
Do receio de colocarem os seus filhos num envolvimento que consideram “não preparado” para os
receber e onde portanto estarão “menos protegidos”.
Se é difícil mudar a escola tornando-a mais receptiva à diferença (escola como factor de integração),
é também imperioso que se reconheça que, sem essa mudança, sem a capacidade de se ajustar às
expectativas e necessidades das famílias e dos alunos, sem se tornar inclusiva, será um factor e uma
fonte considerável de stress e violência para o aluno e para a família.
Sem esta capacidade de mudança a escola, que se pretende inclusiva, acaba por ser, ela própria, factor
de institucionalização. É este um dos grandes desafios que se colocam ao actual sistema escolar.
O aumento do stress familiar parece ser o factor maioritariamente responsável pela institucionalização.
O processo de individualização e diferenciação curricular, entendido em termos de uma escola inclusiva,
não pode portanto ignorar que o aumento do stress familiar parece ser exactamente o factor que, mais
significativamente, leva os pais a decidirem-se pela institucionalização dos seus filhos.
Suporte Social e Inclusão
A diversidade de apoios sociais, formais e informais, parece levar à redução do stress familiar .
É conhecido o facto de as famílias das crianças deficientes serem particularmente vulneráveis à
experiência do stress. A investigação mostrou que as famílias que apresentam menos stress são as que
recebem ajudas de várias fontes. Os parentes e amigos podem desempenhar um papel fundamental na
promoção do alargamento das interacções sociais das famílias com crianças deficientes. Também os
profissionais são um apoio importante com que as famílias deverão contar, embora a história das
relações entre pais e profissionais nem sempre tenha sido positiva. Assim, se a diversificação dos
sistemas sociais de apoio parece conduzir à redução do stress familiar, não tem mais sentido continuar a
entender a individualização e diferenciação na óptica reducionista da simples adaptação do currículo às
necessidades e níveis de desenvolvimento do aluno.
A individualização e diferenciação curricular também deve ser entendida na óptica do suporte social
à família, na óptica da promoção de estratégias de suporte social que reduzam o stress familiar e ajudem
à implementação de uma efectiva política de inclusão. A tendência actual para a colocação no
envolvimento o menos restritivo possível, para a desinstitucionalização, não pode continuar a ser
“travada”, inibida, bloqueada, pela falta de suporte social às famílias, não pode continuar a realizar-se na
base de graves custos para os pais.
Mudar a Escola
Trata-se, pois, e antes de tudo, de mudar a escola, de a transformar capacitando-a para a integração
escolar em geral. Trata-se de a capacitar para a criação de situações pedagógicas que assentem no
reconhecimento de que cada aluno tem o direito de ser pedagogicamente olhado de forma diferenciada,
o que pressupõe a adopção, de forma clara e inequívoca, de uma estratégia de integração e inclusão
escolar.
Níveis Sistémicos
Aos vários níveis sistémicos a individualização e a diferenciação curricular, entendida na óptica da
mudança da escola, envolve uma multiplicidade de factores e de dimensões que, de forma extremamente
sintética, procuramos apresentar nos tópicos que se seguem.
A NÍVEL MACRO (PAÍS)
Flexibilidade / Rigidez do sistema educativo
Legislação e medidas alternativas previstas
Recursos materiais e humanos; apoios complementares
Formação de professores
Critérios de transição e retenção (avaliação)
Quadros; Fixação dos professores à escola
A NÍVEL MESO (ESCOLA)
Gestão e administração escolar; defesa de uma política de inclusão
Organização social escolar
Recursos educativos e apoios complementares
Relação escola/família/comunidade
A NÍVEL MICRO (SALA DE AULA)
Atitudes e sensibilidade do professor
Diversificação de estratégias, actividades, materiais
Diferenciação Pedagógica
Aprendizagem cooperativa e ensino cooperativo
Os parceiros (colegas) como suporte social (círculo de amigos)
Os parceiros (colegas) como suporte instrucional (alunos como tutores)
Fenómeno Multidimensional
O grande desafio que se coloca à escola é o de encontrar formas de responder efectivamente às
necessidades educativas de uma população escolar cada vez mais heterogénea, de construir uma escola
efectivamente inclusiva, uma escola que a todos aceite e trate de forma diferenciada.
Uma tal mudança implica uma nova filosofia organizacional, assente nos princípios da inclusão,
integração e participação, filosofia que tem que ser complementada com medidas paralelas nos sectores
da saúde, da segurança social, da formação profissional e do emprego.
Uma tal mudança implica alterações profundas no plano da organização e gestão curricular, no plano da
gestão escolar, na plano da formação dos docentes e outros técnicos.
Uma tal mudança implica uma nova política de articulação e implementação de serviços externos de
apoio, uma política que encaminhe para a escola recursos adicionais.
Uma tal mudança implica a adopção de perspectivas comunitárias que apontem para a construção de
redes alargadas de suporte social que dinamizem a participação activa das famílias, que mobilizem a
comunidade educativa, o grande público, os mass media, na promoção de atitudes positivas em relação à
integração das pessoas com necessidades educativas específicas na sociedade em geral e na escola em
particular.
Complexidade
Mas não nos iludamos com a aparente simplicidade destas questões, pois se as reflexões de muitos
estudiosos sobre estas matérias já não são de agora, o que é certo é que talvez não seja incorrecto
afirmar que a escola, tradicionalmente enfeudada à massificação pedagógica, só recentemente se
começou a interrogar seriamente sobre a discriminação pedagógica, sobre a sua própria incapacidade
integradora.
Investimentos na beneficiação da infra-estrutura escolar, no alargamento da rede, na formação dos
docentes, na modificação dos currículos, na unificação dos estudos, no prolongamento da escolaridade
obrigatória, têm modificado a face da escola. No entanto, apesar das reformas do sistema educativo
levadas a cabo nos últimos anos, as discriminações sociais e pedagógicas continuam e mantêm-se em
níveis elevados o insucesso e abandono escolar. A “democratização” do sistema escolar arrastou consigo
a exclusão e o insucesso; a “democratização” da escola não se traduziu numa orientação pedagógica
integradora, orientação que deveria ser a de toda a educação.
Mudanças significativas têm sido introduzidas nos sistemas educativos ao longo dos últimos anos.
Fortes evidências confirmam que alguns alunos podem necessitar de mais tempo para se apropriarem
dos conteúdos programáticos e de uma participação mais activa e mais prática no processo de
construção das aprendizagens. Reconhece-se a importância de introduzir abordagens mais
individualizadas, diferenciadas, cooperativas, de introduzir modificações mais ou menos profundas
nos conteúdos programáticos, mas não de introduzir estratégias explicitamente distintas das usadas
com os restantes alunos. Entende-se que os alunos devem aprender uns com os outros. No entanto,
apesar dos estudos realizados e da divulgação das práticas educativas mais efectivas, o impacto de todo
este conhecimento, na forma como as escolas respondem às necessidades de uma população escolar tão
heterogénea, tem sido extremamente limitado.
Valores
Apesar de todas estas mudanças, cumulativamente pedagógicas e político-organizacionais, o significado
social da escola em nada ou em muito pouco se alterou, continuando a aprendizagem a ser avaliada, ao
contrário do que muitas vezes se afirma, em termos de desenvolvimento exclusivamente técnico,
científico e económico. Um abismo imenso separa a escola actual do princípio básico de que ela própria
se reclama, o princípio de que está primordialmente ao serviço do desenvolvimento humano de todos os
alunos.
É este o grande desafio que actualmente se coloca à escola, desafio tão claramente expresso no “Pacto
Educativo para o Futuro”: “A finalidade essencial do processo educativo é o desenvolvimento e a
formação global de todos, em condições de igualdade de oportunidade, no respeito pela diferença e
autonomia de cada um. A formação global é pessoal, cívica, científica, cultural, técnica e prática”.
Trata-se de uma questão simultaneamente política e pedagógica, de um desafio que encerra, antes de
tudo, um problema de valores e de hierarquia de valores.
Quando, não apenas a escola, mas toda a colectividade, der corpo ao sonho de um sistema educativo
directa e primordialmente ao serviço do desenvolvimento e da formação global de todos, quando o
projecto social definir como prioridade absoluta, como valor supremo, o desenvolvimento humano, a
escola será então totalmente inclusiva, diferenciadora e integradora, não mais massificadora e
institucionalmente segregadora.
A escola será então um tempo e um espaço, físico e simbólico, de construção do desenvolvimento
humano, de construção de liberdade e autonomia, um espaço e um tempo de dignidade, de
solidariedade, de respeito por si próprio, pelos outros, pela aprendizagem e pelo envolvimento.
Módulo 1
Qualidade de vida e currículos funcionais
Índice do Módulo
Material para estudo................................................................................................... 30
Material para discussão
Unidade 1.1 Percepção da qualidade de vida............................................................ 40
Unidade 1.2 Os direitos e a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual
acentuada 41
Unidade 1.3 Qualidade de vida ao longo dos ciclos de vida..................................... 43
GUIA
Neste módulo pretende-se definir o conceito de qualidade de vida e sua relação com as necessidades de
apoio de cada indivíduo.
Levanta-se também uma questão fundamental quando se pretende trabalhar com crianças e jovens com
deficiência: Qual é o nosso conceito da qualidade de vida a que eles têm direito? Será que essa
qualidade de vida terá que ser diferente da do cidadão comum? E como avaliá-la?
Por outro lado todos os docentes sabem os problemas que existem com a baixa auto-estima comum à
criança ou jovem com problemas e, extensivamente, à sua família. O desenvolvimento de sentimentos
de competência e eficácia em ambos (aluno e família), é um trabalho a levar a cabo por todos os
técnicos envolvidos no processo educativo.
DIREITOS, SERVIÇOS DE APOIO E QUALIDADE DE VIDA
Dificuldades Intelectuais Acentuadas e Determinantes Orgânicos ou Internos
Durante muito tempo, até aproximadamente ao início dos anos setenta, as pessoas com deficiências
intelectuais, e por maior número de razões as pessoas com deficiências intelectuais acentuadas, viviam
fundamentalmente em hospitais ou em instituições de cariz assistencial e não na comunidade. Estas
políticas sociais de apoio assistencial às populações com deficiências intelectuais decorriam
fundamentalmente de uma concepção exclusivamente médica da deficiência.
De acordo com esta concepção as limitações comportamentais dos deficientes intelectuais eram
entendidas como a consequência de factores genéticos ou de lesões orgânicas registadas antes, durante
ou após o nascimento.
Transformações ocorridas a vários níveis, sociais, políticos, culturais e, obviamente, no plano da
investigação científica, levaram a modificações profundas nessas concepções. As pessoas com
deficiência intelectual deixam de ser vistas como seres dependentes aos quais é necessário proporcionar
protecção em instituições adaptadas às suas características pessoais, deixam de ser vistas como seres
fatalmente prisioneiros das limitações impostas pelos factores genéticos e orgânicos, e passam a ser
entendidas como pessoas com a sua vida própria, os seus direitos, as suas potencialidades. Passam a ser
entendidas como cidadãos de pleno direito, com os mesmos direitos de todos os outros cidadãos, como
cidadãos a quem devem ser proporcionadas as mesmas oportunidades sociais, como cidadãos que,
limitados embora nalgumas das suas potencialidades, são, à semelhança de todos nós, uma
potencialidade em desenvolvimento, uma transcendência.
Dificuldades Intelectuais Acentuadas e Determinantes Interactivos e Sociais
Desta forma, o ênfase deixou de ser colocada exclusivamente nos determinantes orgânicos ou
internos e passou a englobar, cada vez mais fortemente, os determinantes interactivos e sociais. A
deficiência deixou de ser considerada como uma questão meramente orgânica e pessoal e passou a ser
entendida, primordialmente, como um problema social. Assim, as limitações funcionais decorrentes de
uma dada deficiência, já não são a consequência de lesões orgânicas, mas o resultado da interacção entre
as competências do indivíduo e as normas, exigências, atitudes e valores sociais. Isto é, passaram a ser
entendidas como o resultado das oportunidades de participar, activamente, nos vários contextos
sociais, na família, na escola, no trabalho e na comunidade em geral.
Colocada a questão desta forma, o problema central com que nos debatemos, parece ser o da relação
entre serviços de apoio e suporte necessários (dadas as limitações e necessidades específicas que as
pessoas com deficiência intelectual acentuada apresentam) e a qualidade de vida a que essas
populações, com a mediação dos serviços de apoio, podem aspirar. O que, duma ou doutra forma, é pôr
a questão do tipo e qualidade dos envolvimentos, do tipo e qualidade das experiências sociais, que a
comunidade proporciona às pessoas com deficiência intelectual acentuada.
Se, como referimos anteriormente, o hospital e as instituições foram, até aos anos setenta, a resposta
básica encontrada pela estrutura social para as pessoas com deficiência intelectual acentuada, como é
que hoje em dia, na óptica das relações entre serviços de apoio - autonomização crescente - qualidade
de vida, se coloca, ou pode colocar, o problema dos envolvimentos e experiências sociais a que as
pessoas com este tipo de deficiência têm direito?
De acordo com vários autores e um número crescente de investigações, parece poder afirmar-se que o
desenvolvimento e a qualidade de vida se relacionam muito fortemente com características
envolvimentais que proporcionem:
O bem estar físico e mental, a segurança, o conforto material, cognitivo, interactivo e social.
A participação activa, total ou parcial, nas actividades e papéis inerentes aos diversos contextos
sociais: mobilidade social, diversificação de experiências, acesso a redes alargadas de relações pessoais
e sociais, acesso à educação, ao trabalho, à recreação, lazer e tempos livres.
O desenvolvimento de um sentimento de satisfação pessoal, de um sentimento de bem estar,
competência, capacidade e controlo, de um sentimento de pertença a um grupo social também
caracterizado pela partilha de relações de amizade e solidariedade.
Qualidade de Vida: Factores Objectivos e Experiência Subjectiva
Mas, a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual acentuada, não pode de forma alguma
ser reduzida à qualidade dos apoios prestados, às oportunidades sociais proporcionadas, isto é, não se
reduz às características objectivas dos envolvimentos e apoios prestados. Com efeito, alguns autores têm
chamado a atenção para o facto de a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual acentuada
não poder ser avaliada, exclusivamente, com base em critérios objectivos, já que a qualidade de vida é
também, e fundamentalmente, uma experiência subjectiva. Desta forma, as circunstâncias objectivas
proporcionadas, só por si, não garantem, necessariamente, o desenvolvimento de sentimentos de bem
estar.
É evidente a importância de criar apoios de alta qualidade e de proporcionar condições envolvimentais
que promovam a autonomização crescente das pessoas com deficiência intelectual acentuada. É
fundamental que essa independência seja entendida como independência para funcionar nas situações e
contextos que a colectividade prevê para o conjunto dos seus membros e não como independência para
funcionar em contextos especificamente construídos para as populações com deficiência. Assim, a
educação destes cidadãos, se por um lado é preparação para a participação em contextos normais, ela
própria deve decorrer, não apenas nos espaços específicos das escolas, mas também fora desses espaços,
nas situações normais da vida.
Dizendo de uma outra forma, as pessoas com deficiência intelectual acentuada, têm o direito a:
Viver numa casa, com ambiente familiar - e não numa instituição, em conjunto com um grande
número de utentes.
Frequentar, enquanto criança e jovem, a escola da sua comunidade, com os seus irmãos e vizinhos - e
não ter de frequentar uma escola especial distante.
Conviver com pessoas sem deficiência - e não conviver exclusivamente com pessoas com deficiência.
Usufruir dos recursos da comunidade –e não estar confinado a um espaço fechado.
Participar em actividades de recreação-lazer da comunidade - e não ter exclusivamente programas
recreativos especiais.
Trabalhar e ser pago pelo seu trabalho - e não estar ocupado em actividades inúteis e não gratificadas.
Exercer uma ocupação em locais normais de trabalho - e não em locais destinados exclusivamente à
população deficiente.
Tomar decisões sobre a sua vida - e não ser totalmente controlado por outros.
Autonomização Crescente
No entanto, e voltando ao que anteriormente dizíamos, que a qualidade de vida das pessoas com
deficiência intelectual acentuada, não se esgota nas condições objectivas que lhes são proporcionadas,
importa agora dizer que a questão não é a da influência do envolvimento na autonomia crescente das
pessoas com deficiência (posição que deriva ainda de um envolvimentalismo serôdio), mas a da
interacção entre o deficiente, com as suas possibilidades e limitações, e o envolvimento.
Ora, interacção quer dizer reciprocidade, determinar-se mutuamente, poder optar e decidir
partilhadamente. Interacção, neste contexto específico, quer dizer não retirar ao deficiente o direito a
poder escolher, a poder decidir. O que significa que qualidade de vida, numa perspectiva subjectiva, tem
a ver com o sentimento de satisfação pessoal, com o sentimento de, mesmo com limitações, poder
decidir sobre a sua própria vida. Direito que em muitos aspectos tem sido retirado aos deficientes e às
suas famílias.
Neste sentido, a educação, entendida como o proporcionar oportunidades e experiências sociais nos
contextos e circunstâncias normais da vida, no respeito pela liberdade e individualidade do outro, ao
promover o desenvolvimento de sentimentos de autonomia e satisfação pessoal e familiar, é claramente
factor de apoio e suporte à qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual acentuada.
Considerando que a qualidade de vida envolve a interacção de factores objectivos e subjectivos
diversos, mas que em última instância só ganha sentido no âmbito da experiência subjectiva de cada um
e não no significado que observadores exteriores lhe possam atribuir, importa operacionalizar este
conceito através de abordagens multidimensionais. Ou seja, através de indicadores e de dimensões
diversificadas que, em termos técnicos e metodológicos, não ignorem o que as pessoas com deficiência
intelectual acentuada podem dizer sobre as suas próprias vidas.
Qualidade de Vida: Indicadores e Dimensões
Nesse sentido sugerimos, com base no esforço de sistematização levado a cabo por vários autores (Stark
e Faulkner, Hughes e Wang, Schalock), os seguintes indicadores e dimensões de qualidade de vida
(Quadro 1.1).
Ciclos de Vida
Esta concepção geral da qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual acentuada, entendida
de acordo com os diferentes contextos comunitários e ao longo dos diferentes ciclos de vida dos
indivíduos, embora sem nunca esquecer a perspectiva individual dos próprios deficientes, acaba por
objectivar-se através de indicadores diferentes.
Quando no quadro anterior falamos da dimensão “Interacções e relações sociais” e dentro desta
dimensão se referem as “Relações de intimidade e afecto” e a “Diversidade de relações interpessoais”, o
sentido que estes indicadores e dimensões assumem no caso de uma criança com um ano é bem distinto
do sentido que assumem no caso de um jovem adolescente.
No primeiro caso estamos certamente a referir a construção de vínculos afectivos entre a criança e a
mãe, a partilha de experiências no seio da família, a forma como se desenvolvem as transacções
afectivas no seio do agregado familiar.
No segundo caso estamos a pensar na construção de relações preferenciais com os colegas da escola ou
do bairro, na vida afectiva e sexual, no estabelecimento de relações de confiança, confidência, partilha
afectiva, em contextos sociais mais ou menos diversificados.
Desta forma, a qualidade de vida é conceptualizada de forma similar ao longo dos vários ciclos de vida,
embora através de indicadores distintos.
O Desenvolvimento de Sentimentos de Competência e Eficácia
De entre os indicadores de qualidade de vida unanimemente referidos pelos vários autores, importa
igualmente referir, pelos equívocos que muitas vezes gera, a “segurança pessoal”, indicador usualmente
considerado no domínio do “Bem estar físico e conforto material”. Ora, segurança pessoal não quer
dizer protecção ou superproteção, não quer dizer colocar o indivíduo em contextos ou ambientes
ecologicamente não naturais que proporcionem conforto físico e material, não quer dizer eliminar riscos,
confrontos, diversificação de experiências e contactos.
Quadro 1.1: Qualidade de vida: indicadores e dimensões
1. Bem estar físico e conforto material
Saúde Física
Acesso a cuidados de saúde
Segurança pessoal
Habitação
Estatuto sócio-económico; autonomia financeira
2. Desenvolvimento e realização
pessoal
Competências no ambiente casa
Competências no ambiente escola
Competências no ambiente trabalho
Competências na comunidade
Competências de recreação/lazer
3. Interacção e relações sociais
Relações com os membros da família
Relações de vizinhança
Interdependência na relação com os membros da
comunidade
Relações de amizade
Relações de intimidade e afecto
Grau de iniciativa nas interacções sociais
Diversificação das relações interpessoais
4. Autonomia e poder de decisão
Escolhas, preferências e decisões pessoais
Autonomia, independência e capacidade de
escolha nos ambientes casa, escola, trabalho,
comunidade e recreação e lazer
Objectivos e expectativas pessoais
Valores
5. Bem estar psico-afectivo
Sentimento de pertença e aceitação nos diferentes
grupos sociais
Sentimento de felicidade
Sentimento de dignidade
Auto-estima
Satisfação pessoal no ambientes casa, escola,
trabalho, comunidade e recreação/lazer
6. Inclusão social
Normalização
Envolvimento residencial
Envolvimento educacional
Envolvimento laboral
Integração e participação na comunidade
Mobilidade social
A segurança pessoal deve, pelo contrário, ser entendida na perspectiva da autonomização crescente, do
renovado confronto com novas realidades, possibilidades, experiências, riscos. Riscos controlados é
certo, mas riscos promotores do desenvolvimento e da realização pessoal, das interacções e das relações
pessoais, da autonomia e do poder de decisão, do bem estar físico, material e psico-afectivo, da inclusão
social. É que eliminar riscos, proporcionando protecção e dependência, é também eliminar
possibilidades de opção e de escolha, é eliminar novas possibilidades de vida.
Ainda nesta perspectiva da relação entre segurança, autonomização crescente e qualidade de vida,
justificam-se algumas reflexões sobre a questão da intensidade dos apoios prestados e a diferenciação
que fazem alguns autores entre serviços e apoios.
Esta última questão parece ser particularmente pertinente na perspectiva das famílias que têm filhos
deficientes. Com efeito Cathy Ficker Terril (1996) expressa-se da seguinte forma: “Um serviço é algo
que a comunidade me proporciona, normalmente numa clínica, hospital, clínica dentária ou centro de
saúde mental. Um apoio é algo que aumenta a qualidade da minha vida na minha casa”, acrescentando
que são seis os indicadores que definem a qualidade de vida da sua família: habitação, participação na
comunidade, oportunidades de escolha, segurança, equilíbrio económico e saúde.
Embora todas as famílias experimentem o stress, as famílias que têm filhos deficientes confrontam-se
com exigências adicionais, com factores adicionais de stress, o que as coloca numa situação de maior
vulnerabilidade.
A forma como nos relacionamos com estas famílias, como proporcionamos ajudas e apoios, como
respondemos às suas necessidades e expectativas, influencia e afecta o stress familiar.
Na intervenção com as famílias o grande princípio orientador será autonomizar e fortalecer. Sobrepor-
se às funções e papéis básicos da família, iniciar todas as actividades com a criança, relegar os pais para
papéis secundários e passivos, afastá-los dos processos de decisão, em vez de os ajudar a sentirem-se
competentes na educação e desenvolvimento dos seus filhos, só serve para tornar essas famílias
dependentes em relação aos técnicos e programas de apoio.
Apoio, numa perspectiva de autonomização, é criar e dar oportunidades às famílias para desenvolverem
as competências de que necessitam para se tornarem mais competentes a encontrar e dar resposta às suas
próprias necessidades.
A deficiência provoca, na criança e na família, um sentimento de incapacidade e incompetência em
relação ao controlo do mundo físico e social, em relação à capacidade de agir sobre o envolvimento. É
pois fundamental ajudar a criança e a família a desenvolver sentimentos de competência e eficácia em
relação à sua capacidade de agir sobre o envolvimento, sentimentos interactivamente partilhados, nos
diversos ambientes sociais, e que se traduzem na experiência conjunta de autonomia e independência
crescentes.
Níveis de Apoio
É nesta perspectiva da autonomização e independência crescentes, do crescente desenvolvimento de
sentimentos de eficácia e competência, que deve ser equacionada a questão dos níveis de apoio.
Proporcionar mais apoio do que o necessário é criar dependências. Não promover as formas de apoio
necessárias é deixar as famílias ao abandono, votá-las ao esquecimento e à solidão, o que se traduz no
aumento do stress familiar, na perda de qualidade de vida e na adopção de políticas de
institucionalização.
A intensidade e periodicidade dos apoios (intermitentes, episódicos, limitados a períodos curtos ou mais
extensivos, diários, regulares, envolvendo vários ambientes e proporcionados ao longo dos vários ciclos
de vida...) deve, pois, ser equacionada em função da autonomização crescente da criança deficiente e da
sua família, sendo de evitar toda e qualquer situação que leve à construção de processos comunicativos e
interactivos e de serviços de apoio geradores de passividade e dependência.
Organização de Serviços e Apoios
Do anteriormente exposto, e numa óptica de qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual
acentuada e suas famílias, decorre que os serviços de apoio a proporcionar a estas populações podem ser
entendidos a partir de três eixos fundamentais:
1. Ciclo de vida da pessoa com deficiência intelectual acentuada e suas implicações na estrutura e
organização da família.
2. Diversidade de contextos e ambientes em que a pessoa com deficiência intelectual acentuada e sua
família se integram.
3. Níveis de apoio proporcionados à pessoa com deficiência intelectual acentuada e sua família,
considerando as suas implicações nas políticas de integração e inclusão.
Texto elaborado a partir de Terril, C. (1996). Quality: A parents perspective. In Schalock, R. L. &.
Siperstein, G. N. (eds.). Quality of life. Conceptualization and measurement. Washington: American
Association of Mental Retardation.
Pontos a considerar
1. O que pensam desta forma de ver a qualidade de vida das pessoas com deficiência
intelectual acentuada?
2. Em que medida esta abordagem pode determinar a direcção das vossas práticas
educacionais?
As unidades que se seguem pretendem chamar a atenção para a qualidade de vida como um elemento
fundamental que deve estar presente no apoio a alunos com deficiência intelectual acentuada. Essa
qualidade de vida, para além das condições objectivas que a podem promover, assenta na percepção dos
sujeitos sobre a sua situação e evolução ao longo da vida.
Índice das unidades
1.1 Percepção da qualidade de vida............................................................................. 40
1.2 Os direitos e a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual acentuada 41
1.3 Qualidade de vida ao longo dos diferentes ciclos de vida.................................... 43
Unidade 1.1
Percepção da qualidade de vida
Objectivos da unidade
Reflectir sobre o que se entende por qualidade de vida.
Verificar em que condições as pessoas com deficiência intelectual acentuada poderão ter uma maior
qualidade de vida.
Actividades
1. Individualmente, numa folha de papel, registe as condições que, em seu entender, influenciam mais
significativamente a sua qualidade de vida.
2. Em pequenos grupos, partilhem as vossas reflexões individuais, organizando uma listagem o mais
exaustiva possível das condições que mais influenciam a qualidade de vida das pessoas.
3. Tendo essa listagem como referência, analisem quais dessas condições estão ausentes ou alteradas na
vida de pessoas com deficiência intelectual acentuada que conhecem ou com quem trabalham.
4. Façam um resumo esquemático das conclusões a que chegaram.
5. Em plenário, apresentem e discutam os resumos dos grupos.
Questões para avaliação
1. Encontraram alguma relação entre a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual
acentuada e os conteúdos curriculares com que são confrontadas, bem como os ambientes que
frequentam (casa, escola, etc.)?
2. Encontraram alguma relação entre a qualidade de vida e oportunidades sociais proporcionadas às
pessoas com deficiência intelectual acentuada?
3. Das conclusões a que chegaram deriva alguma mudança nas vossas concepções e práticas?
Unidade 1.2
Os direitos e a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual
acentuada
Objectivos da unidade
Reflectir sobre os direitos das pessoas com deficiência intelectual acentuada.
Identificar os meios que estas pessoas necessitam para assegurar a qualidade de vida que desejam..
Actividades
1. Leiam o texto “O caso de Maria” do material para discussão.
2. Comentem essa história com um colega e partilhem as vossas reacções.
3. Em pequenos grupos discutam a seguinte questão: - Que factores - pessoais, familiares, profissionais,
institucionais, sociais - poderão ajudar a compreender o percurso apontado nesta história?
4. Elaborem um cartaz, a apresentar aos restantes grupos, que sintetize os factores considerados mais
pertinentes.
Questões para avaliação
1. Quais as questões mais importantes que surgiram na discussão?
2. Poderão essas questões, de alguma forma, modificar as vossas práticas?
3. Qual o sentido dessas mudanças?
O CASO DA MARIA
A Maria é uma jovem com deficiência intelectual acentuada, com 16 anos de idade, alegre, meiga,
prestável e bastante trabalhadora. Sempre frequentou as estrutura sócio-educativas da sua área de
residência.
Até aos três anos esteve no seio da família, contexto onde beneficiou de um programa de intervenção
precoce. Aos três anos de idade passou a frequentar o Jardim de Infância da sua área de residência, onde
esteve integrada até à altura em que ingressou na escola regular do primeiro ciclo do ensino básico da
zona onde a família, por razões profissionais, passava a maior parte do seu tempo. Bem aceite pelos
adultos e colegas gostava muito da escola, comunidade à qual sempre teve o sentimento de pertencer.
Grande parte do seu tempo escolar era passado no contexto da sua própria turma, embora
complementarmente frequentasse uma sala de apoio. Transitou, com um currículo adaptado, para uma
escola do segundo e terceiro ciclo, escola que frequenta há dois anos.
Almoça normalmente com os pais, num restaurante do centro comercial onde a família tem uma loja,
local onde passa parte do seu tempo , colaborando com os pais em algumas tarefas.
No centro comercial, onde todos a conhecem, convive com as pessoas que normalmente o frequentam, é
bem aceite, sente-se integrada e faz, a solicitação dos pais, alguns recados, além de colaborar em
actividades específicas, no interior da própria loja. A loja dos pais e o centro comercial são espaços onde
decorre uma parte significativa do seu programa escolar.
Na escola, o que mais gosta de fazer é ouvir música e “conversar com as amigas”. Participa nas
actividades da turma, desenvolve tarefas específicas noutros contextos escolares (cantina, bar,
biblioteca...), acompanha os seus colegas nas actividades extra-escolares, visitas de estudo, etc.
Uma vez por semana faz natação na piscina que serve a sua comunidade.
Unidade 1.3
Qualidade de vida ao longo dos diferentes ciclos de vida
Objectivos da unidade
Analisar a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual acentuada em função dos diferentes
contextos comunitários e ao longo dos diferentes ciclos de vida dos indivíduos.
Identificar, a partir dessa análise, alguns princípios orientadores em relação à organização dos ambientes
de aprendizagem para essas pessoas.
Actividades
1. Leiam, individualmente, “Qualidade de vida - dimensões, indicadores e sua operacionalização
(jovens ou adultos)" do material para discussão. O quadro refere alguns indicadores de qualidade de
vida adequados a pessoas, jovens ou adultos, com deficiência intelectual acentuada.
2. Em pequenos grupos, acrescentem, nos espaços em branco, outras dimensões, indicadores ou
operacionalização dos indicadores, que considerem pertinentes.
3. Preencham o quadro “Qualidade de vida - dimensões, indicadores e sua operacionalização (crianças
até dez anos)", procurando encontrar indicadores que sejam adequados a crianças com deficiência
intelectual acentuada deste escalão etário.
4. Organizem novos grupos, constituídos por um elemento de cada grupo inicial e partilhem o trabalho
e conclusões a que chegou cada um desses grupos.
Questão para avaliação
1. Em que medida a avaliação da qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual acentuada se
prende com os ambientes em que se inserem e com o ciclo de vida em que se encontram?
Qualidade de Vida - Dimensões, Indicadores e sua Operacionalização (Jovens ou Adultos)
Dimensões Alguns Indicadores Exemplos de
Operacionalização
Bem Estar Físico e
Conforto Material
. Segurança Pessoal
. Saúde Física
. Padrões Nutricionais
. Sente-se bem ao desempenhar as
funções que lhe são atribuídas.
. Sente-se estimado e é aceite
pelos outros.
Desenvolvimento
e Realização
Pessoal
. Competências no ambiente casa
. Competências no ambiente trabalho
. Competências na comunidade
. Competências de recreação e lazer
. Prepara refeições
Interacção e
Relações Sociais
. Diversificação das relações interpessoais
. Relações de amizade
. Relações de intimidade e afecto
. Número de amigos, com ou sem
deficiência, com que se relaciona
mais significativamente
. Tem amigos preferenciais
. Tem namorado ou namorada
Autonomia e
Poder de Decisão
. Autonomia, independência e capacidade
de escolha no ambiente casa
. Autonomia, independência e capacidade
de escolha no ambiente comunidade
. Oportunidade para expressar preferências
no que respeita à recreação e ao lazer
. Levanta-se e deita-se
autonomamente; pode recusar a
entrada de outras pessoas no seu
quarto; pode decidir o que
pretende comer; pode escolher o
vestuário.
Bem Estar Psico-
Afectivo
. Satisfação pessoal no ambiente trabalho
. Sentimentos
.Valores Pessoais
. Considera importante o facto de
ser estimado no local de trabalho
. Sente-se apoiado e feliz
Inclusão Social . Mobilidade nos vários ambientes
. Oportunidade para participar nas
actividades da comunidade
. Serviços de suporte social de que
beneficia
. Utiliza frequentemente os
transportes públicos
. Visita parentes e amigos.
Qualidade de Vida - Dimensões, Indicadores e sua Operacionalização (Crianças até Dez Anos)
Dimensões Alguns Indicadores Exemplos de Operacionalização
Bem Estar Físico
e Conforto
Material
. Segurança Pessoal
. Saúde Física
. Padrões Nutricionais
Desenvolvimento
e Realização
Pessoal
. Competências no ambiente casa
. Competências na comunidade
. Competências de recreação e
lazer
Interacção e
Relações Sociais
. Diversificação das relações
interpessoais
. Relações de amizade
. Relações de intimidade e afecto
Autonomia e
Poder de Decisão
. Autonomia, independência e
capacidade de escolha no
ambiente casa
. Autonomia, independência e
capacidade de escolha no
ambiente comunidade
. Oportunidade para expressar
preferências no que respeita à
recreação e ao lazer
Bem Estar Psico-
Afectivo
. Satisfação pessoal
. Relações interpessoais
.Valores e percepção de si próprio
Inclusão Social . Mobilidade nos vários ambientes
. Oportunidade para participar nas
actividades da comunidade
. Serviços de suporte social de que
beneficia
Módulo 2
Características fundamentais dos currículos funcionais
Índice do Módulo
Material para estudo................................................................................................... 48
Material para discussão
Unidade 2.1 População alvo dos Currículos Funcionais............................................ 61
Unidade 2.2 Estratégia de desenvolvimento curricular numa perspectiva funcional. 62
Unidade 2.3 Perspectiva curricular funcional vs. desenvolvimentalista..................... 64
Unidade 2.4 Funcionalidade (alternativa A).............................................................. 67
Unidade 2.4 Funcionalidade (alternativa B).............................................................. 68
Unidade 2.5 Relação com a idade cronológica.......................................................... 74
Unidade 2.6 Possibilidades de transferência das aprendizagens............................... 79
Unidade 2.7 Aprendizagem em tempo útil e com significado ao longo da vida....... 82
Unidade 2.8 O Manual “Currículo Funcional” como recurso na elaboração de programas
educativos ................................................................................................. 87
GUIA
Este módulo aborda as seguintes questões:
Clarificação da população a quem se destinam, fundamentalmente, os currículos funcionais, a partir
dum conceito global de competências em que se enquadram diferentes tipos de deficiência.
Estratégia a utilizar na elaboração do currículo funcional apropriado a cada aluno, partindo das
características específicas dos ambientes e sub-ambientes em que a sua vida se desenvolve ou virá a
desenvolver-se.
Clarificação das principais características dos currículos funcionais e suas implicações na qualidade
de vida dos indivíduos a quem se destinam.
Definição de critérios que devem ser considerados na selecção dos conteúdos a incluir nos programas
educativos.
Espera-se, assim, que através deste Módulo os formandos fiquem com uma percepção dos alunos a
quem vão aplicar este currículos, compreendam as razões que estão na base desta orientação funcional e
saibam utilizar critérios adequados na selecção das actividades a ensinar.
DEFINIÇÃO DE DEFICIÊNCIA MENTAL E NÍVEIS DE
NECESSIDADES DE APOIO
A Associação Americana para a Deficiência Mental considera que a deficiência, ou mais correctamente
o atraso mental, se manifesta por uma grande limitação na aprendizagem e desempenho das actividades
diárias, caracterizada por:
Um desempenho intelectual em provas de inteligência abaixo dos 70 a 75 pontos.
Limitações em duas ou mais das seguintes áreas (comunicação, autonomia pessoal, actividade
doméstica, competências sociais, utilização de serviços comunitários, tomada de decisões próprias,
saúde e segurança, aprendizagens académicas funcionais, tempos livres e trabalho.
Ocorrência antes dos 18 anos.
A definição pressupõe que a avaliação do atraso mental se faça tendo em conta a diversidade cultural e
linguística, o tipo de comunicação e características comportamentais, as características do contexto em
que o indivíduo vive, a possibilidade de coexistência de áreas fortes com áreas fracas e a grande
possibilidade de melhorias se forem usados meios e métodos adequados de apoio.
Assim, os elementos valorizados nesta definição são basicamente três, esquematizados na Figura 2.1.
As capacidades ou competências, mais especificamente a inteligência e as competências adaptativas.
Os ambientes, mais especificamente a casa, o trabalho, a escola e a comunidade.
O desempenho do indivíduo e os apoios de que necessita e de que dispõe.
Todos sabemos que há graus ou níveis diversos de atrasos ou limitações dos indivíduos com atraso
mental e que isso se relaciona de algum modo com as necessidades de intervenção da educação,
reabilitação ou apoio.
No entanto, mais do que procurar um nível de atraso, será vantajoso colocar o ênfase nas necessidades
ou intensidade do apoio. Estas requerem não só a avaliação do indivíduo, mas igualmente das exigências
do ambiente ou ambientes específicos em que vive.
Neste sentido, a intensidade do apoio pode ter os seguintes níveis:
Intermitente: - Quando há necessidade de apoios ocasionais em determinados períodos de crise,
podendo ser esse apoio mais ou menos intenso. (Ex. durante um episódio de doença aguda ocasional).
Limitado: - Quando há necessidade de apoios em períodos de tempo pré-programados com
mobilização de alguns recursos durante alguns desses períodos de tempo. (Ex. treino específico para
transição da escola para uma situação de trabalho).
Extensivo: - Quando há necessidade de apoios regulares (diários) em alguns ambientes e sem tempo
pré-definido, podendo ter um caracter de longo prazo. (Ex. apoio diário em algumas tarefas domésticas).
Permanente: - Quando há necessidade de apoio constante em todos os ambientes e envolvendo vários
meios, por vezes, para manter a vida. (Ex. acompanhamento sistemático da pessoa no local ou locais em
que se encontre).
Extracto traduzido e adaptado de Luckasson, R. et al. (1992). Mental Retardation. (9th edition).
Washington: American Association of Mental Retardation.
ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL ACENTUADA
Os alunos com deficiência intelectual acentuada são aqueles cujo desempenho intelectual se situa na
franja inferior do grupo etário a que pertencem, considerando uma população normalmente distribuída,
abrangendo 1 a 2% do total. Tradicionalmente, eram alunos que apresentavam Q. I. com valores abaixo
de 50 e muitos eram rotulados como “atrasados mentais severos ou profundos”. Além de apresentarem
um funcionamento intelectual dentro do 1%-2% mais baixo da população em geral, estes alunos podem
apresentar, ainda, um vasta gama de dificuldades associadas, como seja a surdez, cegueira, cegueira-
surdez, dificuldades nos movimentos finos, comportamentos inadequados graves, incapacidade de
comunicação verbal, incapacidade de andar sem ajuda, ritmos de resposta extremamente baixos e graves
problemas de saúde.
Características de aprendizagem e comportamento
A indicação de deficiência intelectual acentuada deverá significar diferenças, tanto em grau como em
qualidade, em relação aos que não são assim designados.
Ao compararmos estes alunos com os seus colegas sem problemas da mesma idade cronológica, eles
evidenciam dificuldades no comportamento e em quase todas as áreas da aprendizagem. Estas
dificuldades deverão ser contempladas individualmente e construtivamente nos programas educativos.
Isto não implica minimizar uma realidade irrefutável e extremamente importante que consiste no facto
de apesar de apresentarem um considerável défice intelectual, serem cidadãos de pleno direito, a quem
deve ser reconhecida a plena dignidade que é devida a todo o ser humano.
A seguir iremos fazer referência a seis de entre muitas das características importantes da aprendizagem e
comportamento desta população e que são objecto de tratamento especial neste documento.
O número de competências que podem ser adquiridas
Desde o nascimento até aos 21 anos, os alunos com deficiência intelectual acentuada adquirirão muito
poucas competências comparativamente com os restantes 99%-98% que constituem, aproximadamente,
os seus colegas da mesma faixa etária.
Deste modo, é extremamente importante seleccionar as aprendizagens mais importantes para um
desempenho efectivo, tanto nos ambientes integrados e actividades imediatas, como futuras.
Por outro lado, não deveremos desperdiçar tempo lectivo a ensinar competências que não sejam
minimamente propiciadoras de uma qualidade de vida aceitável em ambientes e actividades integradas
Número de repetições e tempo necessário para adquirir competências com um mínimo
de qualidade aceitável
Geralmente, quanto maior for o atraso intelectual de um dado aluno, maior será o número necessário de
repetições de uma dada aprendizagem, para que seja conseguido um desempenho com uma qualidade
aceitável.
Assim, deverão criar-se condições para que, individualmente e de um modo empírico, se favoreça, no
tempo lectivo do aluno, o maior número de repetições de uma dada aprendizagem.
Por outro lado, deveremos evitar estipular aprendizagens com tempo determinado ao longo do currículo
como, por exemplo, "Nas sextas-feiras de Novembro vamos jogar à bola", "Em Fevereiro vamos
aprender como fazer compras".
Esquecimento - evocação
O esquecimento define-se pelo decréscimo no desempenho de uma determinada competência adquirida,
depois de passar algum tempo durante o qual ela não é exercitada ou é exercitada com pouca frequência.
A evocação refere-se ao tempo e esforço necessário para reaprender uma dada competência e atingir um
nível de desempenho semelhante ao inicial. Geralmente, os alunos com deficiência intelectual acentuada
tendem a esquecer mais e a necessitar de muito mais tempo e repetição para recuperar as aprendizagens
ao nível inicial do que os restantes alunos.
Estes problemas de esquecimento-evocação sugerem-nos 4 princípios educativos:
1. Deverão ser objecto do programa do aluno competências exigidas frequentemente em ambientes não
escolares, com os quais o aluno tenha geralmente de se confrontar.
2. Antes de incluir essas competências no programa de aprendizagem do aluno, deve confirmar-se se,
realmente, cada uma dessas competências será utilizada frequentemente.
3. Deverá existir um conjunto de serviços educativos ao longo de todo o ano.
4. Deverá existir uma coordenação e uma comunicação perfeita entre as pessoas relevantes para o aluno,
que fazem parte do ambiente escolar e não escolar.
Transferência - Generalização
O desempenho de uma dada competência sob condições diferentes daquelas em que ela foi adquirida é
designado por transferência de aprendizagem ou generalização (Stokes & Baer, 1977; Williams, Brown
& Certo, 1975).
Geralmente, quanto mais grave for o problema intelectual de um dado aluno, menos certeza temos em
que as aprendizagens feitas em dadas circunstâncias se possam utilizar noutras circunstâncias.
Por exemplo, é muito pouco provável que um aluno, com atraso intelectual profundo associado a
paralisia cerebral, seja capaz de transferir as competências necessárias para tirar 12 ovos de plástico de
uma embalagem e colocá-los na secção de ovos do frigorífico, também de plástico, de uma cozinha
simulada da escola, para a de sua casa, onde será necessário pegar em ovos reais, retirá-los da sua frágil
embalagem e colocá-los delicadamente no frigorífico.
Complexidade das tarefas
Existe uma infinidade de tarefas complexas que podem ser adquiridas por alunos sem problemas e que,
ou não poderão ser adquiridas por alunos com deficiência intelectual acentuada, ou o investimento na
sua aprendizagem é extremamente desvantajoso e ineficaz. Memorizar a tabuada, fazer grandes
operações de dividir, aprender os nomes dos Presidentes da República, ou cantar o Hino Nacional, são
alguns poucos exemplos disso. Igualmente, pretender ensinar competências complexas que exigem
tempo e esforço altamente desproporcionado conduz a desequilíbrios curriculares graves. Um claro
exemplo do que acabamos de dizer é dar preferência à utilização de 2 horas diárias no ensino da
categorização dos alimentos em 4 grupos, em vez de ensinar o mínimo necessário para preparar uma
refeição simples, comprar o que seja necessário num talho ou saber fazer o pedido de uma refeição num
restaurante.
A escola deve proporcionar o ensino eficiente e rentável das várias competências complexas necessárias
a cada indivíduo e que sejam adequadamente equilibradas face às exigências da larga gama de
ambientes integrados, escolares e não escolares.
Síntese de competências
Um aluno sem problemas intelectuais poderá aprender uma competência no domínio da matemática,
outra no domínio da leitura e uma terceira no domínio da linguagem. A partir destas diferentes
aprendizagens, ele será capaz de as sintetizar e aplicar ao fazer compras na loja do seu bairro.
É muito pouco provável que um aluno com deficiência intelectual acentuada seja capaz de sintetizar
aprendizagens realizadas em 3 contextos diferentes e aplicá-las de um modo funcional numa outra
situação. Estas dificuldades exigem que o ensino seja ministrado nos ambientes que exijam essa mesma
síntese.
Por outras palavras, muitas competências necessárias para fazer compras, como seja, sociabilização,
operações com dinheiro, leitura, linguagem, motricidade, segurança rodoviária e outras deverão ser
ensinadas na situação real que consiste em fazer compras.
Em resumo, é necessário ter em mente alguém que pode aprender, mas menos que os restantes 99%-
98% dos seus colegas da mesma idade; que necessita de muito mais tempo e repetição para aprender e
reaprender do que os outros; que esquece mais do que quase todos os outros se não praticar
frequentemente; que tem dificuldade em transferir aquilo que aprendeu num dado ambiente para outro; e
que raramente consegue sintetizar as aprendizagens adquiridas em diferentes situações de modo a
aplicá-las efectivamente numa nova situação. Por fim, é necessário fazer a pergunta: “Quais são as
características determinantes dum Programa Educativo que possibilitarão a este aluno ser tão produtivo,
independente e eficiente quanto possível, numa vasta gama de ambientes integrados, no final do seu
percurso escolar?”
Extracto traduzido e adaptado do artigo de Kathy Zanella Albright, Lou Brown, Pat VanDeventer e Jack
Jorgensen (1987). What Regular Educators Should Know About Students With Severe Intellectual
Disabilities, In L. Brown et al. Educational programs for students with severe intellectual disabilities,
(vol. XVI). Madison, WI: Madison Metropolitan School District.
ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO CURRICULAR NUMA
PERSPECTIVA FUNCIONAL
A estratégia de desenvolvimento curricular a seguir delineada baseia-se em três pressupostos
fundamentais. Primeiro, os alunos adolescentes ou jovens adultos com deficiência intelectual acentuada
devem ser preparados para funcionar duma forma tão independente e produtiva quanto possível numa
extensa variedade de “ambientes da comunidade o menos restritivos possível”. (Brown, Wilcox, Sontag,
Vincent Dodd & Gruenwald, 1977). Segundo, não se pode inferir que, pelo facto destes alunos terem
aprendido determinadas competências nas escolas e noutros espaços simulados, sejam capazes de
utilizar essas competências em ambientes distintos.
Consequentemente, é necessário ensinar essas competências, tanto quanto possível, nos ambientes
naturais extra-escolares. (Brown, Nietupski & Hamre-Nietupski, 1976).
Terceiro, a expressão “com deficiência intelectual acentuada” refere-se a alunos com uma vasta
variedade de características e de capacidades. Assim, as estratégias de desenvolvimento curricular e os
conteúdos delas resultantes devem ser suficientemente flexíveis, de modo a permitir que cada aluno com
deficiência acentuada possa receber uma intervenção educativa individualizada e relacionada com os
ambientes em que vive.
Em seguida, iremos examinar as fases sequenciais da estratégia de desenvolvimento curricular proposta.
Fase1: Delinear as áreas curriculares
O primeiro passo da estratégia de desenvolvimento curricular consiste em delinear os tópicos mais
genéricos relativos à intervenção educativa. A área curricular refere-se aqui ao primeiro de diversos
passos que podem ser dados tendo em vista a divisão da vida global do aluno em unidades não
exclusivas e, certamente, arbitrárias mas, eventualmente, mais manejáveis. Obviamente, existem tantas
áreas curriculares quantas as pessoas que as definem. No entanto, a nossa atenção centrar-se-á em quatro
áreas fundamentais da nossa vida. Esta orientação afasta-se significativamente das divisões curriculares
tradicionais.
Para os alunos não deficientes, o conteúdo curricular está dividido nas principais matérias académicas,
tais como, leitura, matemática, actividades artísticas, estudos sociais e educação física. Para alguns
alunos com deficiência, estas divisões podem ser adequadas, enquanto que, para alunos com deficiência
acentuada, os currículos são habitualmente organizados com base nas áreas relativas às competências
básicas, tais como o desenvolvimento da comunicação, cognitivo, social, desenvolvimento motor fino e
global e autonomia na vida diária. Esta última orientação curricular reflecte uma estratégia de
aprendizagem de competências “de-baixo-para-cima”.
Considerando que o objectivo da educação dos alunos com deficiência acentuada é que eles venham a
ser capazes de um funcionamento independente quando adultos, o conteúdo curricular aqui proposto
baseia-se antes em áreas ou divisões tais como a vida doméstica, a vida laboral, as actividades de
recreio/lazer e o funcionamento na comunidade.
Esta organização está delineada de modo a enfatizar uma orientação “de-cima-para-baixo”, em vez de
uma orientação “de-baixo-para-cima”.
Na nossa sociedade, todos os alunos com deficiências acentuadas, independentemente dos níveis de
funcionamento individual, vivem ou irão viver em algum tipo de ambiente, seja na sua família biológica,
família de adopção, lar residencial ou apartamento com supervisão. Do mesmo modo, todos os alunos
com deficiência acentuada têm o direito a um treino vocacional longitudinal, sistemático e estruturado
que tenha por objectivo maximizar as probabilidades de que eles venham a ser inseridos, em diversas
formas e graus, em trabalhos remunerados. Tendo em vista a maior produtividade da utilização do seu
tempo livre, estes alunos deveriam aprender a inserir-se numa variedade de actividades de recreio e
lazer, individuais ou de grupo. Todos eles deverão funcionar, pelo menos, em alguns ambientes não
restritivos da comunidade. Para que tal seja conseguido, devem circular pela comunidade e ter acesso
aos respectivos recursos. Esses domínios, assim como outros igualmente relevantes, reflectem os
desafios que se colocam da forma mais premente às pessoas não deficientes e, consequentemente,
constituem a base da organização dos objectivos para este grupo de alunos com deficiência.
Fase 2: Delinear a variedade de ambientes naturais nos quais os alunos com deficiência
acentuada funcionam ou deveriam funcionar
O objectivo desta fase da estratégia de desenvolvimento curricular consiste em determinar os ambientes
nos quais os alunos costumam funcionar assim como aqueles menos restritivos em que poderão
funcionar no futuro.
O termo “ambiente” refere-se a lugares nos quais os alunos vivem, trabalham, se divertem, etc..
Usando a área doméstica como exemplo, determinado adolescente poderá habitualmente viver em casa
com os seus pais biológicos. No entanto, um objectivo educativo adequado será planear com ele, com os
pais, e com outras pessoas da comunidade a altura em que este aluno passe a viver noutro local. Assim,
os ambientes que podem ser delineados são a casa dos pais, um lar residencial, um apartamento
protegido, etc.
Uma vez que as competências domésticas vocacionais ou recreativas podem ser realizadas em diferentes
ambientes, a tarefa consistirá em listar estes ambientes. É importante que a lista não se limite aos
ambientes em que os alunos já funcionam. Deveriam ser envidados todos os esforços no sentido de
identificar todos os possíveis ambientes em que as actividades domésticas, ocupacionais ou recreativas
possam vir a ter lugar no futuro. Infelizmente, muitos alunos com deficiências acentuadas estão
confinados a ambientes muito limitados, estando privados do acesso a muitos locais potencialmente
apropriados e a experiências na comunidade. Um objectivo educativo importante é, sem dúvida,
aumentar o número de ambientes naturais em que possam funcionar.
Fase 3. Delinear e inventariar os sub-ambientes nos quais os alunos com deficiências
acentuadas funcionam ou podem vir a funcionar
Cada ambiente em que os alunos com deficiências acentuadas funcionam ou podem vir a funcionar pode
ser dividido em sub-ambientes. Por exemplo, uma casa pode ser dividida em casa de banho, quarto, sala
de jantar, sala, etc. Um ambiente de emprego pode ser dividido em espaço de trabalho, espaço de
refeições, espaço de convívio, casa de banho., etc.
O objectivo desta fase da estratégia de desenvolvimento curricular consiste em delinear e inventariar
todos os componentes dos ambientes e sub-ambientes nos quais se espera que o aluno funcione.
Mais uma vez, deveriam ser envidados todos os esforços no sentido de identificar todos os sub-
ambientes em que se desenrola a vida dos adultos não deficientes.
Fase 4: Delinear e inventariar as actividades que ocorrem nos sub-ambientes
Em cada sub-ambiente em que estes alunos habitualmente funcionam ou virão a funcionar, pode ter
lugar uma variedade de actividades. Por exemplo, algumas das actividades para a casa de banho são: a
higiene pessoal, a limpeza da sanita, a dobragem das toalhas, o duche ou o lavar dos dentes. Num
supermercado da comunidade podem ter lugar actividades tais como: escolher os produtos que se
querem comprar, pagar, etc.
O objectivo desta fase da estratégia consiste em delinear e inventariar as diferentes actividades que são
apropriadas para cada sub-ambiente identificado na fase 2.
Fase 5: Delinear as competências necessárias para realizar as actividades
Uma vez delineadas as actividades apropriadas para cada sub-ambiente, surge uma questão
fundamental: “Terá um determinado aluno com deficiência acentuada capacidade para realizar parte ou
a totalidade de determinada actividade?”
O objectivo desta fase da estratégia de desenvolvimento curricular consiste em delinear as competências
necessárias tanto em relação aos alunos com deficiência acentuada, como a outras pessoas que
funcionam no sub-ambiente de modo a que os primeiros participem, pelo menos em parte, em pelo
menos algumas actividades.
Deve ser acentuado que, mesmo que o aluno seja incapaz de realizar determinada actividade de forma
independente, não lhe deve ser negada a possibilidade de uma participação parcial. Por exemplo, se um
aluno não conseguir adquirir as competências necessárias para montar um determinado item na oficina
protegida, a tarefa deverá ser dividida em componentes de modo a que possa completar com sucesso,
pelo menos uma parte da tarefa. Por outro lado, embora um aluno não consiga adquirir as competências
necessárias para cuidar da sua higiene pessoal, na casa de banho pública, a actividade deverá ser
adaptada, de modo a que possam ser adquiridas e realizadas as competências que permitam realizá-la de
forma parcial. Neste ponto, deverão ser envidados todos os esforços no sentido de descrever de forma
precisa as competências necessárias para a realização de cada actividade delineada, na linguagem, na
leitura, na matemática, na motricidade, na socialização, etc.. Podem então fazer-se planos para ensinar
as competências em causa ou para desenvolver alternativas funcionais através de actividades adaptadas
e/ou ajudas técnicas apropriadas.
Fase 6: Planear e implementar os programas educativos necessários à aquisição das
competências delineadas para os ambientes naturais
Uma vez delineadas as competências necessárias para o envolvimento em determinada actividade, o
aluno com deficiências acentuadas deve ser ensinado a pôr em prática essas competências.
O objectivo desta fase da estratégia de desenvolvimento curricular consiste em planear e implementar os
programas educativos necessários para ensinar os alunos a pôr em prática tantas competências e em
tantos ambientes naturais da comunidade, quanto for possível.
DISCUSSÃO
Se esta estratégia de desenvolvimento curricular for implementada, deve tornar-se óbvio que, quanto
mais próximo os alunos estão do fim da sua escolaridade, menos tempo deverão passar no edifício
escolar e mais tempo deverão passar numa variedade de experiências não escolares nas quais irão
funcionar quando saírem da escola.
Por exemplo, enquanto os alunos mais novos podem aprender as actividades básicas numa sala de
actividades de vida diária na escola, esta estratégia de simulação será inadequada para muitos
adolescentes e jovens adultos.
Devem ser feitas tentativas de proporcionar um ensino directo em casas reais, em lares reais, ou noutras
situações domésticas. Para além disso, embora alguma parte do programa vocacional dos alunos possa
ter lugar numa oficina simulada no edifício escolar, quanto mais idade têm os alunos, maior é a
necessidade de proporcionar instrução vocacional nos ambientes normais de trabalho nos quais tenham
possibilidade de funcionar. (Ex. locais em que se lave a loiça, em que se façam limpezas, em
verdadeiras oficinas, etc.).
Finalmente, a implementação desta estratégia de desenvolvimento curricular irá exigir mudanças
substanciais nos programas educativos dos alunos, adolescentes ou jovens adultos, com deficiência
acentuada. Obviamente, os conteúdos curriculares e os modelos tradicionais devem ser analisados
cuidadosamente e mudados à medida que for reconhecida a necessidade de um ensino de competências
funcionais em ambientes naturais e relacionado com a idade cronológica.
Extracto traduzido e adaptado de Lou Brown e outros (1979). A Strategy for developing chronological-
age-appropriate and functional curricular content for severely handicapped adolescents and young
adults. The Journal of Special Education, Vol. 13, 1.
As unidades que se seguem pretendem chamar a atenção para algumas das características principais dos
currículos funcionais, nomeadamente a população escolar que mais poderá deles beneficiar, a concepção
de funcionalidade, a importância da idade cronológica, dos contextos e do tempo em que se processa e
se utiliza a aprendizagem.
Índice das unidades
2.1 População alvo dos Currículos Funcionais............................................................. 61
2.2 Estratégia de desenvolvimento curricular numa perspectiva funcional.................. 62
2.3 Perspectiva curricular funcional vs. desenvolvimentalista...................................... 64
2.4 Funcionalidade (alternativa A)............................................................................... 67
2.4 Funcionalidade (alternativa B)............................................................................... 68
2.5 Relação com a idade cronológica........................................................................... 74
2.6 Possibilidades de transferência das aprendizagens................................................ 79
2.7 Aprendizagem em tempo útil e com significado ao longo da vida........................ 82
2.8 O Manual “Currículo Funcional” como recurso na elaboração de programas educativos 87
Unidade 2.1
População alvo dos Currículos Funcionais
Objectivos da Unidade
Caracterizar a população escolar a quem se destinam os Currículos Funcionais.
Identificar as principais características dos alunos com deficiência intelectual acentuada.
Conhecer os problemas de aprendizagem destes alunos.
Actividades
1. Em pequenos grupos, seleccionem um aluno, conhecido de alguns dos presentes, que se enquadre na
definição de deficiência intelectual acentuada e procurem inventariar as suas características.
2. Procurem sistematizar os dados resultantes da discussão num quadro como o que se segue:
Característica de comportamento Factores que dificultam a aprendizagem Factores que dificultam a inserção social e
profissional
3. Em plenário, apresentem e discutam o conteúdo dos diferentes quadros.
Questões para avaliação
1. Encontrou algumas características diferenciadoras entre os alunos com deficiência intelectual
acentuada e os outros com problemas ligeiros e que justifiquem o recurso a um currículo funcional
específico?
2. Acha que a integração de alunos com deficiência intelectual acentuada exige o recurso a diferentes
formas de organização da escola, bem como a novas estratégias pedagógicas na sala de aula?
Unidade 2.2
Estratégia de desenvolvimento curricular numa perspectiva funcional
Objectivos da Unidade
Identificar as diferentes fases de elaboração de um Programa Educativo numa perspectiva funcional.
Aplicar esta estratégia a situações concretas.
Actividades
1. Leiam, individualmente, o material para discussão "Fases do desenvolvimento curricular numa
perspectiva funcional”.
2. Em pequenos grupos, debrucem-se sobre a situação dum aluno(a) que conheçam e seleccionem uma
área (fase 1), um ambiente (fase 2), um sub-ambiente (fase 3), uma actividade (fase 4) e
competências (fase 5) para realizar essa actividade.
3. Agrupem dois grupos num único grupo e partilhem os dados que registaram em relação aos dois
casos.
4. Nesses novos grupos, seleccionem uma das situações e planifiquem uma dimensão do Programa
Educativo (fase 6), necessária à aquisição da actividade e competências seleccionadas.
5. Em plenário, cada grupo apresenta a estruturação do currículo nas diferentes 6 fases em que foi
elaborado.
Questões para avaliação
1. Que vantagens encontra nesta forma de estruturar o currículo?
2. Considera que a programação e intervenção educativa nestes moldes pode melhorar a vida presente e
futura dos seus alunos ou, pelo contrário, os pode afastar dos seus colegas e das aprendizagens
académicas que eles geralmente realizam?
FASES DO DESENVOLVIMENTO CURRICULAR NUMA PERSPECTIVA FUNCIONAL
1. Delinear as Áreas Curriculares.
2. Delinear os diversos Ambientes naturais nos quais os alunos com deficiências acentuadas funcionam
ou podem vir a funcionar.
3. Delinear e inventariar os Sub-Ambientes nos quais os alunos com deficiências acentuadas
funcionam ou podem vir a funcionar.
4. Delinear e inventariar as Actividades que ocorrem nos Sub-Ambientes.
5. Delinear as Competências necessárias para realizar as Actividades.
6. Planear e implementar os Programas Educativos necessários à realização das tarefas delineadas, em
ambientes naturais.
Quadro adaptado de Brown, L. et al. (1979). A Strategy for developing chronological-age-appropriate
and functional curricular content for severely handicapped adolescents and young adults. The Journal of
Special Education, 13 (1) 81-90.
OBS: A compreensão do presente quadro implica a leitura de “Estratégia de desenvolvimento curricular
numa perspectiva funcional”, do material de estudo.
Unidade 2.3
Perspectiva curricular funcional vs. desenvolvimentalista.
Objectivos da unidade
Distinguir um currículo de índole funcional de um outro de índole desenvolvimentalista.
Conhecer as implicações destes dois tipos de perspectivas na programação e intervenção pedagógica.
Actividades
1. Leiam, individualmente, o material para discussão “Exemplo de um item curricular – perspectiva
desenvolvimentalista” e “Exemplo de um item curricular - perspectiva funcional” e analisem as
diferenças entre os dois exemplos.
2. Em pequenos grupos, discutam os princípios, pressupostos e implicações de cada uma das
perspectivas. Indiquem, seguidamente, as vantagens e inconvenientes de cada uma e exemplifiquem,
com casos que conheçam, as vossas posições.
3. Cada grupo, prepara as suas conclusões e apresenta-as aos colegas da forma que achar mais
sugestiva.
Questões para avaliação
1. Acha importante ter uma perspectiva curricular definida e fundamentada para intervir adequadamente
com alunos dificuldades intelectuais acentuadas?
2. Na sua actuação no grupo-turma tem sido necessário e fácil conciliar estas duas perspectivas
curriculares?
EXEMPLO DE UM ITEM CURRICULAR – PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTALISTA
ÁREAS Perceptivas
ÁREA 4 Percepção Espacial Geral
OBJECTIVO GERAL Interpretar adequadamente as diversas posições dos objectos no espaço
OBJECTIVOS ESPECÍFICOS
1. Discriminar dentro-fora, por-tirar, fechar-abrir.
2. Discriminar grande-pequeno-médio (alto-baixo).
3. Discriminar acima-abaixo (em cima-debaixo).
4. Discriminar cheio-vazio.
5. Discriminar gordo-magro (fraco).
6. Discriminar perto-longe.
7. Discriminar curto-comprido
8. Discriminar igual-diferente.
9. Discriminar largo-estreito.
10. Discriminar rápido-lento.
11. Discriminar em círculo-em fila.
12. Discriminar frente-atrás.
13. Discriminar de lado-no meio-de frente.
14. Discriminar de início-no fim.
15. Discriminar avesso-direito.
16. Discriminar direita-esquerda.
17. Solucionar quebra-cabeças.
18. Discriminar direcções (ir-vir), lugares, ruas.
19. Discriminar formas geométricas de duas dimensões.
20. Discriminar volumes geométricos.
21. Discriminar pontos cardeais.
22. Compreender o funcionamento da bússola.
CONTEÚDOS Conceitos básicos espaciais: dentro-fora, grande-pequeno... direita-esquerda. Tudo isso em relação a si mesmo, aos demais, aos objectos, aos desenhos. Direcções. Percepção de formas geométricas em duas e três dimensões. Não entram os estímulos gráficos (são objecto da área 5). Conhecimento da bússola.
In Landivar, Jesus (1990). Como programar em educação especial. Ed. Manole: São Paulo, p.18)
EXEMPLO DE UM ITEM CURRICULAR - PERSPECTIVA FUNCIONAL
Ambiente A casa do aluno
Sub-Ambiente A cozinha
Actividade
Analisar quais os critérios a que
obedece a escolha desta actividade
Fazer torradas
Competências:
Analisar se cada competência pode:
a) Ser realizada sem adaptação
nem ajuda.
b) Ser realizada com adaptação (por
exemplo um manípulo mais longo
na torradeira).
c) Ser realizada com ajuda de
outros (por exemplo alguém
lembra o que há a fazer).
d) Ser realizada parcialmente (por
exemplo, alguém terá de partir o
pão, colocá-lo na torradeira e
retirá-lo).
1. Cortar as fatias de pão.
2. Localizar a torradeira.
3. Saber se está ligada e ligar se não
estiver.
4. Colocar as fatias de pão na torradeira.
5. Fazer accionar a torradeira.
6. Retirar as fatias na ocasião correcta.
7. Colocar manteiga nas torradas.
Programa de ensino Definir quem vai ensinar, como se vai
ensinar, aonde se vai ensinar.
Unidade 2.4
Funcionalidade
Objectivos da Unidade
Distinguir as competências funcionais das que não são funcionais.
Verificar como é possível aplicar ambos os tipos de competências, de forma equilibrada, nos programas
educativos individuais.
Actividades - Alternativa A
1. Leiam, individualmente, o material para discussão “Competências funcionais em programas para
alunos com deficiência intelectual acentuada”.
2. Em pequenos grupos, caracterizem sumariamente as actividades tradicionalmente desenvolvidas com
alunos com deficiência intelectual acentuada que algum dos presentes conheça.
3. Elaborem uma lista de competências que são habitualmente ensinadas, com a indicação se são ou não
funcionais.
4. Juntem-se em plenário e comparem as listas de cada grupo.
Unidade 2.4 (Continuação)
Funcionalidade
Actividades – Alternativa B
1. Façam uma visita a salas de aula para alunos com deficiência intelectual acentuada, situadas numa
escola regular ou especial. Devem dividir-se em pequenos grupos para facilitar a observação das
classes.
2. Tomem nota das actividades que observaram e registem os dados na “Ficha de actividades
observadas” do material para discussão. (Seleccionem até 3 actividades funcionais e outras tantas não
funcionais).
3. Em grupo, preencham a “Ficha de actividades propostas” do material para discussão, utilizando,
sempre que possível, as actividades observadas.
4. Em plenário, cada grupo apresenta em paralelo os 2 mapas: “Ficha de actividades observadas” e
“Ficha de actividades propostas”, seguindo-se um debate.
Questões para avaliação
1. Pense um pouco se as actividades a que tem dado prioridade no ensino de crianças com deficiência
intelectual acentuada têm, efectivamente, características funcionais.
2. Procure ver se, na sua actividade profissional, tem ensinado alunos com deficiência intelectual
acentuada, actividades que não contribuem significativamente para a sua autonomia pessoal e social.
COMPETÊNCIAS FUNCIONAIS EM PROGRAMAS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL ACENTUADA
As expectativas em relação à aprendizagem e à capacidade de realização de tarefas, por parte de alunos
com deficiência intelectual acentuada, apontam para um nível que se situa abaixo do que é atingido por,
aproximadamente, 99% da população dos alunos da mesma idade. Se as competências que estes alunos
conseguem adquirir são em número tão limitado, é aconselhável que um número considerável de entre
elas tenha um carácter funcional.
O principal objectivo deste artigo consiste em delinear o conceito de “funcionalidade” e, em seguida,
aplicar este conceito aos programas educativos destinados a estes alunos. Mais concretamente, as
finalidades são:
Delinear um conjunto de competências que possam ser seleccionadas para o programa de ensino.
Determinar se cada uma delas obedece à definição de funcionalidade que foi estabelecida.
Determinar se cada uma é ou não apropriada.
Determinar se uma competência deve ser seleccionada com o fim de ser ensinada, em determinada
ocasião, e qual a razão desta selecção.
Uma tarefa funcional, tal como aqui é referida, consiste numa acção que, se não for realizada pelo aluno
com deficiências acentuadas, terá de ser realizada por qualquer outra pessoa. Teresa tem 17 anos e foi
incumbida de dar de comer ao seu cão todas as manhãs. Uma vez que o cão tem de ser alimentado por
outra pessoa qualquer, se não o for pela Teresa, esta tarefa e as competências necessárias para a realizar,
de acordo com a definição apresentada, são consideradas funcionais.
Definimos aqui uma tarefa não funcional como uma acção que não será realizada por mais ninguém, se
não o for pelo aluno com deficiências acentuadas. O professor pede a Teresa para por 12 peças de
encaixe num tabuleiro com 12 buracos. Para sabermos se as competências exigidas são não funcionais,
deve ser colocada a seguinte questão: “Se a Teresa não puser as peças de encaixe nos buracos, alguém
terá de as colocar?” Se a resposta for “NÃO”, aquelas competências são consideradas não funcionais, de
acordo com a definição acima apresentada. Chama-se a atenção para o facto destas competências
poderem ser intituladas por outros como pré-funcionais, simuladas, conceptuais e/ou de treino.
Considerando que a expectativa em relação à aprendizagem destes alunos é inferior à que diz respeito a
99% de todos os outros das mesmas idades, deverão ser seleccionadas para aprendizagem competências
que não obedecem ao critério de funcionalidade aqui apresentado? Certamente que sim! É
extremamente importante que todos os alunos adquiram e realizem uma variedade de tarefas não
funcionais que tenham significado para cada um, desde que contribuam para melhorar a sua qualidade
de vida. Estão neste caso, por exemplo, as actividades recreativas e de lazer. Luís tem 13 anos de idade.
Se ele não for capaz de olhar para uma revista sobre animais ao mesmo tempo que ouve as suas cassetes
preferidas, será que alguém terá de fazer isso por ele? Se a resposta for “não”, estas competências não
são funcionais. No entanto, é extremamente importante que elas constem do seu reportório, pois, sem
elas, a sua qualidade de vida diminuirá consideravelmente. Mais especificamente, para o Luís estas
competências têm valor porque são apropriadas cronologicamente, podem ser utilizadas ao longo da sua
vida, podem ser realizadas em casa, na escola, na biblioteca, no trabalho, no autocarro, etc., e porque
pessoalmente lhe dão prazer. Assim, em determinadas circunstâncias, é adequado seleccionar
competências que não obedecem ao critério de funcionalidade. Do mesmo modo, em determinadas
circunstâncias pode não ser adequado seleccionar uma competência que obedece a este mesmo critério.
Ou seja, mesmo que uma competência obedeça ao critério de funcionalidade, deve ser avaliada em
relação a muitas outras dimensões antes de ser seleccionada para ser incluída no Programa Educativo.
De entre centenas de competências possíveis de ser ensinadas a determinado aluno, em determinada
altura, terá de ser feita uma escolha de um número limitado de entre elas. Por conseguinte, devem ser
avaliadas as razões que levam a essa escolha. Maria é uma estudante de 15 anos que não anda e
frequenta uma escola secundária regular. Em determinada reunião sobre a elaboração do seu PEI, os
pais, professores e terapeutas tiveram que optar entre ensiná-la a comprar as suas roupas ou a comprar
comida. Ambas as competências eram funcionais, ou seja, se ela não fizesse essas compras alguém teria
de as fazer por ela. Depois de considerar vários factores para além da funcionalidade, foi decidido
ensiná-la a comprar comida, pelas seguintes razões:
Comprar comida constitui um conjunto de competências que têm de ser realizadas todos os dias.
Comprar comida consiste numa tarefa que ela pode fazer para os outros membros da família, tal como
eles fazem coisas para ela, todos os dias.
A mercearia fica no seu bairro e ela pode aprender a ir lá sozinha, na cadeira de rodas.
O merceeiro aceita que as compras fiquem numa conta, uma vez que ela não é capaz de contar.
Um Programa Educativo dum aluno com deficiência intelectual acentuada, minimamente aceitável, deve
compreender o ensino de competências funcionais e de competências não funcionais.
Algumas das questões que devem ser levantadas quando se elabora um destes programas são:
De entre todas as competências funcionais que poderiam ser ensinadas naquela altura, quais devem
ser seleccionadas e porquê?
De entre todas as competências não funcionais ou diferentes destas que poderiam ser ensinadas
naquela altura, quais deveriam ser escolhidas e porquê?
No espaço duma semana, que proporção deve ser respeitada entre estes diferentes tipos de
competências e porquê?
Texto extraído do artigo de Brown, L. et al. (1993). The functional skill in programs for students with
severe handicaps. In Lou Brown et al. (Eds.). Educational progress for students with severe handicaps,
Vol. XIV, pp. 55-59. Madison, WI: Madison Metropolitan School District.
Ficha de Actividades Observadas
Escola: sub-ambiente (Sala de aula, ou outros espaços)
Actividades funcionais Actividades não funcionais
Actividade n.º __: Actividade n.º __:
Objectivo a alcançar:
Objectivo a alcançar:
Vantagens para o aluno:
Vantagens para o aluno:
Adaptações/ajudas necessárias:
Adaptações/ajudas necessárias:
Observações:
Ficha de Actividades Propostas
Escola; sub-ambiente (Sala de aula, ou outros espaços)
Actividades funcionais Actividades não funcionais
Actividade n.º __:
Actividade n.º __:
Objectivo a alcançar:
Objectivo a alcançar:
Vantagens para o aluno:
Vantagens para o aluno:
Adaptações/ajudas necessárias:
Adaptações/ajudas necessárias:
Observações:
Unidade 2.5
Relação com a idade cronológica
Objectivos da unidade
Analisar a importância da adequação à idade cronológica das competências a ensinar aos adolescentes e
jovens com deficiências intelectuais acentuadas.
Organizar programas educativos baseados neste princípio.
Actividades
1. Leiam, individualmente, o material para discussão ”Currículo e idade cronológica ”.
2. Em pequenos grupos, com base no vosso conhecimento das actividades escolares de alunos com
deficiência intelectual acentuada, adolescentes ou jovens adultos, elaborem uma lista de
competências que constituam conteúdos curriculares tradicionalmente utilizados, indicando se estão
ou não estão relacionados com a idade cronológica.
3. Utilizando a “Ficha de competências” do material para discussão, descrevam um aluno com
deficiência intelectual acentuada entre os 15 e os 18 anos. Elaborem uma lista de competências a
incluir no Programa Educativo, relacionadas com a idade cronológica e com o ambiente em causa.
4. Em plenário, apresentem as diferentes fichas.
Questões para avaliação
1. Pensando na sua experiência de ensino, que razões acha que justificam a adequação das actividades
dos alunos à sua idade cronológica?
2. Que dificuldades antevê na aplicação deste princípio a alunos com deficiência intelectual acentuada?
3. Como podem estas dificuldades ser ultrapassadas?
CURRÍCULO E IDADE CRONOLÓGICA
A hipótese da discrepância entre a I.M e a I.C.
Durante anos, os profissionais disseram aos pais: “ Sim, Sr. Silva, o seu filho tem vinte anos de idade e
vai sair da escola dentro de dez meses, mas tem uma IDADE MENTAL DE QUATRO ANOS. É por
isso que o estamos a ensinar a cantar, “se és feliz tu sabes bater as palmas”; é por isso que o estamos a
ensinar a apontar para um traço comprido, em oposição a um traço curto; a apontar para a imagem dum
objecto grande, em oposição à de um objecto pequeno e a apontar para um cartão que tem quatro
moedas.”
A Hipótese do Estádio Anterior
Durante anos os profissionais disseram aos pais: “Sim, Sr. Costa, a sua filha tem dezoito anos e em
breve vai terminar o nosso programa de treino. No entanto, deve concordar que ela , SOB O PONTO
DE VISTA DO SEU DESENVOLVIMENTO, está a funcionar unicamente ao nível terciário - fálico
pré-operativo inicial, próximo do canal receptor olfactivo. É por isso que a estamos a ensinar a
emparelhar colheres de plástico com as imagens de colheres de plástico, a abrir e fechar o fecho-éclair
de grandes dimensões e a passar um saco de feijões à pessoa que está ao lado dela num círculo.”
A Hipótese “Não está preparado para...”
Durante anos os profissionais disseram aos pais “ Sim, Sr. Simões, a sua filha vai completar a sua
escolaridade em breve, dentro de cerca de um ano e, em teoria, concordamos consigo, que ela deveria
aprender tarefas funcionais, relacionadas com a sua idade cronológica, em ambientes naturais. No
entanto, o resultado da nossa avaliação multidisciplinar indica claramente que a sua filha com
deficiência severa NÃO ESTÁ PREPARADA, sob o ponto de vista social, emocional, intelectual,
físico, económico, cognitivo, político, religioso, ético, linguístico e conceptual para aprender as tarefas
que nos está a sugerir. No entanto, quando ela progredir através das sequências que planeámos para ela,
de forma sucessiva, vertical, linear, com base desenvolvimentalista, orientadas ontogenicamente, talvez
ela fique preparada para aprender tarefas funcionais relacionadas com a idade cronológica, em
ambientes naturais.
A Hipótese de Aproximação Artificial
Durante anos os profissionais disseram aos pais “certamente, Sr.ª D. Teresa, poderíamos tentar ensinar o
seu filho a realizar tarefas relacionadas com a idade cronológica em ambientes normais. No entanto,
uma orientação totalmente funcional desse tipo resultaria unicamente num desenvolvimento “irregular”;
trataria o sintoma e não a causa; seria muito curto de vistas, anti-intelectual e anti-académico; ensinaria
competências fragmentadas e seria extremamente incómodo (embaraçoso) para muitos administradores,
professores e sindicatos. Deve antes confiar na nossa orientação que consiste em ensinar
“APROXIMAÇÕES” destas tarefas.
Resumindo...
Estes textos pretendem ilustrar a variedade de preocupações que se relacionam com o conteúdo
curricular que tradicionalmente é utilizado com adolescentes e jovens adultos com deficiências severas.
Há poucos materiais educativos produzidos especialmente para esta população. A maior parte dos
currículos referem-se a teorias ou modelos do desenvolvimento humano normal que acompanham o
aperfeiçoamento progressivo e a estruturação das competências básicas de ordem motora, social e
cognitiva até ao nível das realizações complexas e eficazes que caracterizam os adolescentes normais.
Estas teorias ou modelos do desenvolvimento humano constituem teorias típicas dos estadios, as quais
dividem o desenvolvimento em fases relativamente próximas, através das quais todas as crianças
transitam até se tornarem em adultos com um funcionamento independente. As sequências curriculares
que derivam desta teoria dos estadios podem ser descritas como “sequências de-baixo-para-cima”:
começam por ensinar aquelas competências que normalmente ocorrem em primeiro lugar numa
sequência de desenvolvimento “normal” e, em seguida, prosseguem para competências que ocorrem,
progressivamente, em idades mais avançadas. Uma vez que os alunos com deficiências acentuadas
manifestam significativos défices nas suas competências, os seus currículos só incluem, com frequência,
objectivos característicos e capazes de serem apreendidos por bebés ou por crianças das primeiras
idades. À medida que os alunos com deficiências acentuadas se tornam adolescentes ou jovens adultos,
o resultado destas estratégias curriculares resulta, muitas vezes, num ensino não funcional, artificial e
inapropriado para a sua idade cronológica. Embora estes alunos possam, de facto, revelar progressos
através destas sequência curriculares “de-baixo-para-cima”, as discrepâncias entre as suas realizações e
as dos jovens não deficientes das mesmas idades, aumenta ao longo dos anos. Uma questão que se
coloca com muita veemência aos educadores destes adolescentes e jovens adultos consiste em saber por
quanto tempo irão manter os seus alunos nestes currículos “de-baixo-para-cima” ou referenciados a
normas. Ou seja, dado o número limitado de anos que dura a permanência na escola, conseguirão estes
alunos progredir de forma suficientemente rápida de modo a serem capazes de adquirir as competências
necessárias a um funcionamento tão independente quanto possível nos complexos e heterogéneos
ambientes pós-escolares? (….).
Competências adequadas à idade cronológica
Inicialmente, a afirmação de que os adolescentes e os jovens adultos com deficiências acentuadas devem
adquirir competências adequadas à idade cronológica, utilizando materiais igualmente apropriados à
idade, pode parecer absurda. É evidente, mesmo para o mais optimista dos profissionais, que há um
número substancial de competências que estes adolescentes e jovens adultos nunca poderão adquirir.
Traduzir do Inglês para o Português, vender seguros de vida e guiar um autocarro são algumas delas. No
entanto, simultaneamente, existem muitas competências adequadas à idade cronológica que podem, sem
dúvida, aprender. Comer, comunicar, ligar a televisão são alguma delas. Se um dos objectivos da
educação é minimizar o estigma das discrepâncias entre os alunos com deficiências acentuadas e os seus
colegas não deficientes, é nossa obrigação ensinar aos primeiros as principais actividades características
da sua idade cronológica, utilizando materiais e tarefas que não realcem as deficiências nos seus
reportórios. Por exemplo, uma vez que as crianças pequenas jogam com puzzles de madeira, enquanto
actividade recreativa, é adequado ensinar crianças com deficiências acentuadas a jogar com estes
mesmos puzzles. No entanto, uma vez que os jovens não deficientes com dezanove anos não fazem
puzzles com histórias infantis, é estigmatizante ensinar adolescentes com deficiências acentuadas a fazê-
lo. Ao contrário, seria preferível uma actividade de lazer diferente (ex. ouvir CD, fazer um trabalho em
madeira) ou fazer um puzzle com um conteúdo mais relacionado com a idade. Uma vez que os
adolescentes e jovens adultos vão frequentemente fazer compras em centros comerciais, as
competências relacionadas com a ida às compras deveriam ser motivo de especial atenção num currículo
para adolescentes ou jovens com deficiências acentuadas. Embora o ensino possa ser demorado e
possam ser necessárias ajudas técnicas, é indispensável ensinar estas tarefas fundamentais da vida a
estes adolescentes e a estes jovens.
Texto baseado em Brown, L. et al. (1979). A strategy for developing chronological age appropriate and
functional curricular content for severely handicapped adolescents and young adults. The Journal of
Special Education 13 (I), 81-90.
FICHA DE COMPETÊNCIAS
Características do aluno(a):
Idade cronológica:
Principais limitações:
Ambiente / Sub-ambiente Competências a ensinar adequadas à IC
Unidade 2.6
Probabilidades de transferência das aprendizagens
Objectivos da Unidade
1. Reconhecer as dificuldades de transferência de aprendizagens por parte da população com deficiência
intelectual acentuada.
2. Garantir as condições para o ensino e aprendizagem em ambientes significativos não escolares.
Actividades
1. Leiam o material para discussão “Transferência da aprendizagem”.
2. Em pequenos grupos, inventariem situações que demonstrem a dificuldade ou inadequação de
transferir aprendizagens feitas em contexto escolar para a situação real. Apresentem sugestões de
processos destinados a ultrapassar essas dificuldades surgidas na transferência das aprendizagens.
3. Escolham a forma que lhes pareça mais conveniente para apresentarem em plenário as conclusões a
que chegaram (poster, cartaz, dramatização, etc.).
4. Debatam este tema em plenário a partir das apresentações de cada grupo.
Questões para avaliação
1. Que utilidade retiraram desta unidade para o vosso trabalho?
2. Que iniciativas podem tomar para facilitar a transferência das aprendizagens dos vossos alunos?
TRANSFERÊNCIA DA APRENDIZAGEM
“A transferência da aprendizagem refere-se à aquisição e prática de competências, realizadas sob
determinado conjunto de condições e à viabilidade da sua execução, num espaço de tempo relativamente
curto, em condições diversas, sem uma orientação educativa directa, na ausência de pessoal docente.
(Brown, Shiraga, York, Zanella & Rogan, 1984).
Pedro é um aluno de 14 anos com deficiência intelectual acentuada que frequenta uma escola do terceiro
ciclo. Aprendeu a fazer ovos mexidos com uma qualidade aceitável na cozinha da casa do professor,
perto da escola. Pouco tempo depois, num sábado de manhã, o pai pediu ovos mexidos e a mãe disse
que não tinha tempo de os fazer. A brincar, pediu ao Pedro que os fizesse, apesar de nunca o ter visto
realizar em casa esta actividade. Alguns minutos mais tarde, os ovos foram servidos para grande
surpresa do pai. Este é um exemplo duma capacidade de transferência excepcionalmente elevada. Ou
seja, competências que foram ensinadas no âmbito dum programa escolar foram realizadas de forma
aceitável, num espaço de tempo relativamente curto, em diferentes condições, sem um apoio educativo
directo e na ausência de pessoal docente.
O facto das pessoas com deficiência intelectual acentuada apresentarem grandes dificuldades em
memorizar, generalizar e transferir, leva a que não se possa garantir que, tarefas aprendidas em situação
escolar, sejam realizadas, no futuro, em diferentes condições. Consequentemente, é extremamente
importante que, previamente ao início de qualquer tipo de ensino, sejam criadas as condições para que
a transferência das competências tenha lugar. Ou seja: antes de se seleccionar um ambiente, uma
actividade, os materiais educativos ou as competências a ensinar, devem ser garantidas, no mínimo, as
seguintes condições:
Que as pessoas que são próximas do aluno permitam e encorajem a realização dessa actividade. José
foi ensinado a cozinhar durante várias horas por semana mas, em casa, os pais não o deixam aproximar-
se do fogão. Logo, não existem condições para a transferência das competências em causa.
Que os alunos tenham acesso a ambientes naturais em condições não escolares. António tem lições de
bowling várias vezes por semana. Infelizmente os seus pais detestam o bowling e ele nunca tem
oportunidade de exercer este desporto sem ser no ambiente escolar. Joana tem lições semanais sobre a
forma de se comportar num restaurante, mas os seus pais não têm possibilidades de a levar a este tipo de
ambiente. Em ambos os casos não existem condições para que se verifique a transferência das
competências ensinadas e recursos educativos valiosos foram mal utilizados.
Que os materiais utilizados nas situações reais sejam utilizados durante o ensino.
Que sejam cumpridos os critérios exigidos para o funcionamento do aluno no mundo real.
(...)
Tradicionalmente, os educadores tentaram ensinar aos alunos com deficiência intelectual acentuada
muitas competências, durante longo período de tempo, num número limitado de ambientes.
Concretamente, a maior parte do ensino era realizado no espaço escolar. Infelizmente, esta estratégia
não teve resultados compatíveis com o investimento educativo utilizado. Ou seja, depois de anos e anos
de ensino num número limitado de ambientes os alunos completaram a sua escolaridade e, numa imensa
maioria de casos, passaram o resto das suas vidas em dispendiosos centros de dia segregados ou em
oficinas protegidas.
É mais prudente ensinar um número relativamente reduzido de competências em numerosos ambientes
do que ensinar mais competências em poucos ambientes. Ou seja, ao longo do percurso escolar, deve
proporcionar-se um ensino individualizado, sistemático, longitudinal e coerente numa gama alargada de
ambientes, de modo a que, na idade adulta, possa ter lugar um funcionamento adequado, num conjunto
tão vasto quanto possível de ambientes integrados.
O ensino realizado fora do espaço escolar refere-se a uma intervenção educativa directa nos ambientes
em que os alunos normalmente funcionam e naqueles em que se prevê que venham a funcionar, num
futuro próximo. (Brown, Nisbet e al.,1983). É essencial que estes alunos comecem a ser ensinados
nestes ambientes não escolares, a partir dos 4 anos. Nos primeiros anos de escola devem ser ensinados
em ambientes diversos, em espaços recreativos, em casa e na comunidade. Durante o final da
escolaridade obrigatória e na escola secundária devem ser introduzidas actividades educativas em
ambientes de trabalho na comunidade. Normalmente, à medida que a idade dos alunos avança, o ensino
em ambientes não escolares deve ampliar-se, passando de 30% do tempo na escola elementar para 50%
a 60% nas escolas do 2º, 3º ciclos e secundárias. Aos 18-21 anos, o ensino deve ter lugar, na quase
totalidade, em espaços normais da comunidade.
O ensino em espaços não escolares é essencial porque estes alunos apresentam muitas dificuldades em
generalizar e transferir aquilo que aprendem no ambiente escolar. Para além disso, através do ensino na
comunidade as pessoas sem deficiência podem habituar-se ao contacto com esta população e aprender a
colaborar com ela e a estabelecer laços pessoais e afectivos.
Texto extraído de Lou Brown (1987). What regular educators should know about students with severe
intellectual disabilities, In L. Brown et al. Educational programs for students with severe intellectual
disabilities, (vol. XVI), Madison WI: Madison Metropolitan School District.
Unidade 2.7
Aprendizagem em tempo útil e com significado ao longo da vida
Objectivo da unidade
Avaliar a importância do ensino dos alunos com deficiência intelectual acentuada nos contextos reais.
Reconhecer a importância de se perspectivar o futuro de vida do aluno na selecção das actividades a
incluir nos Programas Educativos.
Actividades
1. Leiam, individualmente, o material para discussão “Aprendizagem em tempo útil e para toda a vida”.
2. Em pequenos grupos, identifiquem um aluno com deficiência intelectual acentuada, com cerca de 10
anos, a frequentar o final do 1º ciclo e que algum dos elementos do grupo conheça. Descrevam a sua
situação, nomeadamente: características pessoais, situação familiar, tipo de comunidade em que
reside, perspectiva de vida nos próximos anos.
3. Preencham o quadro "Aprendizagem em tempo útil e com significado ao longo da vida" do material
para discussão, com os conteúdos a inserir no Programa Educativo que sejam úteis ao longo da sua
vida.
4. Em plenário, apresentem os quadros e debatam o assunto.
Questões para avaliação
1. Que implicações poderão ter estas perspectivas no vosso trabalho?
2. Que dificuldade antevêem na utilização destas orientações?
APRENDIZAGEM EM TEMPO ÚTIL E PARA TODA A VIDA
A população alvo dos currículos funcionais caracteriza-se, entre outros factores, por ter mais dificuldade
do que a quase totalidade das pessoas da mesma idade em:
Adquirir competências (aprendem menos e a aprendizagem exige mais tempo).
Generalizar e transferir as competências que adquiriu.
Memorizar (manter) os conhecimentos /competências que aprendeu.
Este conjunto de limitações levam a que seja extremamente importante que se seleccionem
cuidadosamente os conteúdos que vão integrar os programas educativos individuais. No artigo do Prof.
Lou Brown (1987) - “What regular educators should know about students with severe intellectual
disabilities” - indicam-se os 11 critérios que devem ser considerados nesta tomada de decisão. Neste
texto, vamos chamar a atenção para dois destes critérios: a possibilidade de aprendizagem em tempo
útil e a aprendizagem que será importante ao longo da vida.
Aprendizagem em tempo útil
Algumas competências que a generalidade das crianças ou dos jovens dominam com facilidade podem
representar uma extrema dificuldade para alunos com a deficiência intelectual acentuada, sobretudo se
estes tiverem deficiências associadas, tais como cegueira, surdez, problemas motores ou de
comunicação. Assim, por exemplo, a aprendizagem de tarefas tais como apertar os atacadores ou os
botões dum casaco, escrever à mão, fazer um puzzle, preparar o lanche, ou ilustrar um texto, podem ser
inacessíveis ou representar meses de treino para determinados alunos. Perante este facto é importante
que o professor (em colaboração com os pais, se possível) avalie a actividade em causa segundo os
seguintes pontos de vista:
Qual a importância de que se reveste a actividade em relação à vida do aluno no que respeita a
sua autonomia, à sua integração social, ao seu bem estar?
Se esta importância não for significativa como é o caso, por exemplo, da realização dum puzzle ou da
ilustração dum caderno, a atitude do professor poderá consistir em excluir esta matéria do Programa
Educativo do aluno e assumir que aquela competência não irá ser ensinada.
Se, ao contrário, os objectivos a alcançar com a realização da tarefa são importantes para o aluno e não
devem ser dispensadas do seu Programa Educativo, devem colocar-se as seguintes hipóteses de solução:
Saber se estes objectivos podem ser alcançados através de outros meios que não impliquem
essas competências.
Por exemplo, o aluno usará sapatos sem atacadores ou casacos com fecho-éclair, em vez de botões.
Verificar se as tarefas em causa podem ser substancialmente facilitadas com a utilização de
algum material específico ou de alguma adaptação.
Se o aluno não consegue escrever manualmente poderá, eventualmente, fazê-lo com o uso do
computador integrando, se necessário, as adaptações adequados para o seu caso.
Recorrer ao apoio de alguém e ter como objectivo que o aluno execute, não a tarefa na sua
totalidade, mas parte dela.
Se o aluno não consegue cortar o pão e colocá-lo na torradeira, poderá simplesmente ligar a torradeira
ou pôr a manteiga no pão, deixando que outros (colegas, familiares) completem a tarefa.
O que os professores têm de levar em consideração quando preparam os programas educativos dos seus
alunos é esta relação entre tempo necessário à aprendizagem, importância da mesma e soluções a tomar
em cada caso: não incluir a actividade; substituí-la por outra de efeitos semelhantes; encontrar meios
técnicos facilitadores; limitar o objectivo da aprendizagem a parte da tarefa e ensinar o aluno a solicitar
o apoio de outros.
Tradicionalmente, em muitas escolas ou classes especiais, era frequente verificar-se que, ano após ano,
se tentavam ensinar aos alunos as mesmas competências (algumas das quais totalmente inúteis para a
sua qualidade de vida presente e futura), aceitando-se como positivo o facto destes conseguirem ao fim
de 3 ou 4 anos pintar uma imagem sem sair dos limites, ou levar algum tempo menos a produzir uns
centímetros de macramé. Ora, se pensarmos na importância de que se reveste para estes alunos o factor
tempo (pois demoram mais a aprender menos coisas) atitudes como estas têm consequências altamente
nefastas. Aprendizagens fundamentais como sejam saber conviver com colegas da mesma idade, saber
manusear sozinho o gravador ou o vídeo, saber andar de autocarro ou saber preencher uma ficha de
leitura na biblioteca da comunidade podem ser descuradas porque o tempo é ocupado com tarefas que
representam uma extrema dificuldade e uma ínfima utilidade.
Aprendizagem com significado ao longo da vida
A importância da aplicação deste critério – significado ao longo da vida – é, igualmente, de grande
importância na elaboração dos programas educativos destes alunos. De facto, se as aprendizagens são,
na generalidade, longas e exigem um grande empenhamento por parte dos alunos, dos professores e, por
vezes, dos pais e amigos, a utilidade dessas mesmas aprendizagens, não só no período escolar (durante
8, 9 anos) mas ao longo de toda a vida, torna-se num factor extremamente importante. Se pode ser
penoso conseguir que um aluno vá sozinho a um restaurante e seja capaz de se servir, segundo as regras
estabelecidas em cada caso (serviço à mesa, self-service ou serviço ao balcão), verifica-se, no entanto,
que este esforço será largamente compensado pelo facto desta competência lhe ser útil ao longo de toda
a sua vida e contribuir para um status de pessoa autónoma e integrada. Tal não acontecerá, por exemplo,
se a actividade consistir em ser capaz de cantar uma cantiga acompanhada por gestos, ou em ser capaz
de dobrar uma folha de papel para fazer um barco ou um chapéu. Durante os anos de escola, estas
aprendizagens podem ter uma justificação válida que consiste em permitir que o aluno acompanhe os
colegas da classe quando estes se dedicam a tais actividades. No entanto, passada a fase escolar, na sua
fase de jovem e de adulto, este investimento educativo não vai melhorar em nada a sua qualidade de
vida.
Neste ponto, é exigido a cada professor muito bom senso de modo a que saiba descortinar a importância
dos vários factores em causa. Não pode esquecer a importância da participação do aluno nas actividades
dos restantes colegas; não pode subestimar o valor das actividades lúdicas e próprias da infância ou da
adolescência a que estes alunos se devem dedicar - como todos os outros da mesma idade - mas é
igualmente importante que esteja presente na sua decisão a necessidade de aprendizagens que vão ser
úteis ao longo da vida. Estes critérios a considerar na elaboração dos programas educativos, tais como
todos os outros referidos nestes Materiais, devem ser aplicados pelo professor com extremo cuidado,
utilizando o seu conhecimento de cada caso e a sua capacidade de decidir com equilíbrio e bom senso.
Está em causa a preparação do aluno para a sua vida futura, sem se descurarem os valores que
caracterizam a criança que agora é; está em causa proporcionar-lhe aprendizagens que lhe serão úteis
durante toda a vida, sem menosprezar as que irão ao encontro da sua necessidade de jogo, de expressão
artística e de participação nas actividades da sala de aula ou do recreio da sua escola.
Aprendizagem em tempo útil e com significado ao longo da vida
Características pessoais, situação familiar, tipo de comunidade em que reside, perspectiva de vida
nos próximos anos
Conteúdos do PE úteis para a sua
transição escolar
Preparação para a vida adulta
Conteúdos a ensinar Contextos em que devem ser
ensinados
Unidade 2.8
O Manual “Currículo Funcional” como recurso na elaboração de
programas educativos
(Esta unidade deve ser utilizada com participantes que tenham prévio conhecimento da obra “Currículos
Funcionais, Vol. 2 - Instrumentos para Desenvolvimento e Aplicação, editado pelo IIE em 1996)
Objectivo da Unidade
Explicitar a forma como o Manual “Currículo Funcional” pode ser utilizado na elaboração dos
programas educativos.
Estabelecer a relação entre a terminologia utilizada no Manual e a utilizada nos instrumentos de registo
e de avaliação apresentados nas diferentes Unidades deste Módulo.
Actividades
1. Leiam “O manual dum currículo funcional como recurso na elaboração de programas educativos” e
“Exemplo de aplicação da terminologia do Manual Currículos Funcionais e de Lou Brown na
selecção de um item do Programa Educativo” do material para discussão e comentem livremente com
o colega mais próximo, para melhor esclarecimentos mútuo.
2. Dividam-se em pequenos grupos e retomem um dos casos sobre o qual se tenham debruçado, ao
longo do Seminário.
3. Tendo em vista esse caso, consultem o Manual e seleccionem: uma área, um objectivo geral, um
objectivo específico.
4. Em relação ao objectivo específico seleccionado descrevam: o contexto funcional, o inventário
ecológico de competências e indiquem factores de saúde e segurança.
5. Paralelamente e para a mesma situação, elaborem um esquema utilizando a terminologia dos textos
do Prof. Lou Brown.
6. Apresentem os dois esquemas em plenário e debatam as vantagens da utilização do Manual na
elaboração dos Programas Educativos.
O “MANUAL DUM CURRÍCULO FUNCIONAL” COMO RECURSO NA ELABORAÇÃO DE
PROGRAMAS EDUCATIVOS.
O “Manual dum currículo funcional” inserido no 2º Vol. dos Currículos Funcionais, publicado pelo IIE
em 1996, constitui uma listagem de competências que se considera que alunos com deficiência
intelectual, em idade escolar, devem adquirir. Não se parte da definição prévia de características e
necessidades de determinado aluno e, consequentemente, esta listagem não é definida de forma a
responder a uma situação concreta. Pressupõe-se, antes, que os professores utilizem o Manual como um
recurso para os auxiliar na planificação curricular, na organização do programa e na recolha de
sugestões de actividades a realizar, permitindo uma fácil adaptação a diferentes situações em que os
alunos se encontrem.
As sugestões incluídas neste Manual, aliadas aos instrumentos de avaliação individual de competências
e de necessidades de cada aluno, tal como nos propõem os documentos do Professor Lou Brown, podem
responder às necessidades sentidas pelos professores na educação de alunos com deficiência intelectual
acentuada.
A utilização do Manual no contexto global da perspectiva educativa funcional, exige, no entanto, que se
clarifique a terminologia nele utilizada e o paralelismo que se pode estabelecer com a utilizada por Lou
Brown.
Assim vejamos:
Área - Ambiente
Área é uma designação utilizada quer no Manual quer por Lou Brown, e refere-se aos contexto gerais
em que se desenvolve a vida dos alunos. A saber: a casa, a comunidade, a escola, a recreação/lazer e
o trabalho.
No entanto, Lou Brown, uma vez que orienta toda a acção educativa em relação às características e
necessidades de cada aluno, introduz o conceito de Ambiente que diz respeito à concretização
individualizada da área. Assim, por exemplo, a Área Casa tem a sua materialização no Ambiente Casa,
de cada aluno.
Sub-Ambiente / Contexto funcional
Lou Brown desdobra cada Ambiente em Sub-Ambientes que são os diferentes espaços, serviços ou
actividades em que se divide um Ambiente. Por exemplo, o ambiente casa, tem como Sub-Ambientes a
sala, o quarto, a cozinha, etc..
No Manual não se especifica este conceito, mas ele é introduzido através do que denomina “contexto
funcional”. Ao referir-se, por exemplo, a actividade “Faz a cama” e ao especificar-se que o contexto
funcional pode ser o momento em que se levanta, está, implicitamente, a referir-se o Sub-Ambiente
“quarto do aluno”.
Actividades /Objectivos Gerais e Específicos
Após a definição dos Sub-Ambientes em que o aluno vive e em que se pretende que tenha um
desempenho mais autónomo e integrado, Lou Brown apresenta, como passo seguinte, o inventário das
Actividades relacionados com cada Sub-Ambiente, a incluir no Programa Educativo do aluno.
No Manual, estas actividades estão divididas em duas categorias: os Objectivos Gerais que dizem
respeito a competências e atitudes a adquirir pelos alunos e os Objectivos Específicos, derivados destes,
mas de âmbito mais preciso e limitado.
Competências
Tanto no Manual como nos textos de Lou Brown refere-se a necessidade de se inventariar as
competências necessárias para que o aluno possa realizar cada Actividade proposta no respectivo
Programa Educativo. No Manual é referido o “Inventário Ecológico de Competências” e nos
diferentes Módulos e Unidades deste Conjunto de Materiais de Formação são apresentados diversos
textos e instrumentos de avaliação que se relacionam com este assunto.
Exemplo de aplicação da terminologia do Manual “Currículos Funcionais” e de Lou
Brown na selecção de um item do Programa Educativo
Manual Currículos Funcionais Lou Brown
Área Casa Ambiente A casa do aluno
Contexto funcional Quando a família se prepara
para comer à mesa
Sub-Ambiente Sala de jantar
Objectivo geral O aluno actuará da forma
mais independente e
eficiente possível nas
tarefas domésticas
Actividade Por a mesa
Objectivo específico Por a mesa Critérios que levam a
optar por esta actividade
É funcional
É útil ao longo da vida
Está relacionado com a
idade cronológica
Etc.
Análise de vida no espaço
e no tempo
Verifica-se que o aluno à
hora das refeições está
sozinho e não faz nada
Análise de discrepância Outros jovens da mesma
idade, não deficientes,
põem a mesa
Inventário ecológico de
competências
Listam-se as competências
que o aluno deve dominar
para ser capaz de pôr a
mesa
Inventário ecológico de
competências
Listam-se as competências
que o aluno deve dominar
para ser capaz de pôr a
mesa
Factores de saúde e
segurança
Certificar-se que pedirá
ajuda para pegar nos copos
Módulo 3
Avaliação e programação
Índice do Módulo
Material para estudo................................................................................................... 93
Material para discussão
Unidade 3.1 Avaliação do aluno e da família.......................................................... 102
Unidade 3.2 Avaliação da comunidade................................................................... 111
Unidade 3.3 Análise de vida no espaço e tempo..................................................... 114
Unidade 3.4 A análise de discrepância.................................................................... 117
Unidade 3.5 Factores de decisão na selecção das aprendizagens (alternativa A).... 122
Unidade 3.5 Factores de decisão na selecção das aprendizagens (alternativa B).... 123
GUIA
Neste módulo, apresentam-se alguns procedimentos de avaliação e programação que se têm revelado
relativamente eficazes no trabalho dos docentes com alunos com deficiência intelectual acentuada. Esses
procedimentos destinam-se a facilitar o trabalho dos docentes e a obter respostas mais rigorosas e
sistemáticas a questões como:
O que é realmente importante que um dado aluno aprenda?
Quem me pode ajudar e como a escolher o que é prioritário para o aluno?
Como posso saber, com exactidão, a forma como o aluno vive o seu dia a dia e como poderia melhorar o
seu modo de vida?
Em que locais ou ambientes e em que desempenhos o aluno se afasta mais ou menos dos desempenhos
dos seus colegas sem problemas e da mesma idade?
Como posso integrar, de uma forma equilibrada, procedimentos que visam o planeamento, a
programação e a avaliação, tendo em conta um aluno como um todo?
Estes procedimentos, embora relativamente simples quanto à sua concepção e mesmo execução, podem
constituir um instrumento poderoso na sistematização e na eficácia da acção do professor.
O "PORQUÊ" NOS PROGRAMAS EDUCATIVOS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL ACENTUADA
Ao seleccionar uma determinada aprendizagem, para ser incluída no Programa Educativo de um dado
aluno, deveremos ter em consideração alguns factores que nos garantam uma escolha adequada. A
seguir apresentamos um conjunto de 11 factores que devem ser observados na escolha e definição de
prioridades educativas.
Deve ter-se em consideração, desde já, que esses factores:
1. Não são mutuamente exclusivos, nem são uma selecção exaustiva, podendo acrescentar-se outros que
se considerem adequados.
2 Se devem apreciar de modo interrelacionado, ou seja, cada um terá algo a ver de forma particular
com os restantes.
3. Têm, no seu relacionamento, potencialidades sinergéticas, ou seja, podem potenciar-se uns aos
outros.
4. Devem ser sujeitos a uma criteriosa avaliação, cada um deles, tendo em consideração a escolha ou
decisão que se esteja a realizar.
5. Não se devem privilegiar exageradamente uns em função de outros, já que, por vezes, é necessário
sacrificar certas soluções em função de outras mais razoáveis.
Devemos considerar, na escolha dos conteúdos de aprendizagem, os seguintes factores:
1. Aumento do número de ambientes.
2. Funcionalidade.
3. Adequação à idade cronológica.
4. Possibilidade de prática.
5. Necessidade na idade adulta.
6. Preferência do aluno.
7. Preferência dos Pais/encarregados de educação.
7. Bem-estar físico e de saúde.
8. Aumento do contacto social.
9. Probabilidade de ser aprendido.
10. Proporcionar estatuto social.
Vamos analisar seguidamente cada um destes factores.
Aumento do número de ambientes
O aumento do número de ambientes refere-se ao incremento do número de locais diferentes onde a
pessoa entra e sai em cada dia, semana ou ano. Os alunos com deficiência intelectual acentuada,
geralmente, frequentam um menor número de ambientes que os colegas da mesma idade, supondo isto
que o tipo de vida que têm é mais monótono e pobre. Assim, um objectivo importante da educação
destes alunos é aumentar o número de ambientes.
Convém referir que não existe uma relação directa entre o número de competências ou aprendizagens
que um aluno faz e o número de ambientes que frequenta. Assim, alunos com muitas competências ou
aprendizagens podem ter uma vida relativamente pobre em ambientes. Por exemplo, um jovem que se
levanta de manhã, é transportado por uma carrinha para um Centro de Actividades Ocupacionais que
oferece um único ambiente de ocupação, sendo transportado à tarde de volta a casa pela mesma
carrinha. Por outro lado, alunos com capacidades bastante reduzidas, por diversas razões, têm vidas
extremamente estimulantes e frequentam uma grande variedade de ambientes. Assim, não basta estar
preocupado com o aumento do número de competências, esperando que isso conduza ao aumento do
número de ambientes, embora isso possa ajudar.
Como estratégia adequada para garantir uma qualidade de vida aceitável, é necessário garantir, desde
início, que o aluno frequente o maior e mais diversificado número de ambientes e sub-ambientes e que
neles desenvolva um reportório de competências significativas.
Assim, uma interrogação que se deve colocar na escolha de uma determinada aprendizagem ou
competência para o aluno é se ela conduz directamente ao aumento e variedade do número de
ambientes.
Funcionalidade
Diz-se que uma determinada acção é funcional, quando o aluno com deficiência intelectual acentuada
não é capaz de a realizar e ela tem de ser realizada por uma outra pessoa.
Assim, por exemplo:
Se a Susana aprender a colar selos em cartas para enviar cheques para pagamentos de despesas da
casa, esta actividade considera-se funcional, porque, se ela a não fizer, outra pessoa terá de a fazer por
ela.
Se o João aprender a por e retirar pregos num quadro de encaixe, esta actividade não se considera
funcional, porque, se ele a não fizer, não será necessário que alguém a realize por ele.
Os Programas Educativos dos alunos com deficiência intelectual acentuada devem conter um
número razoável de aprendizagens funcionais, conforme os casos. Não será aceitável um
programa que não contemple actividades funcionais; assim como, não será totalmente aceitável
que contemple exclusivamente actividades funcionais.
Há um conjunto de actividades ou competências a aprender que não são funcionais, segundo a definição
acima referida e que, no entanto, contribuem significativamente para a qualidade de vida das pessoas
como, ouvir música, pescar, dar um passeio no parque. Estas actividades devem também ser
consideradas nos Programas Educativos dos alunos.
Adequação à idade cronológica
A adequação à idade cronológica refere-se às aprendizagens ou competências, atitudes, materiais
pedagógicos, ambientes e actividades que são associados de forma inequívoca e culturalmente
sancionada e respeitada a uma determinada faixa etária. Por exemplo, se no dia de anos do Paulo, que
tem 13 anos, o pai lhe oferece um disco do Luís Represas ou dos Xutos e Pontapés, podemos dizer que
se trata de uma prenda mais adequada à idade do que a da sua tia, que lhe ofereceu um disco com a
história do Pedro e do Lobo e outro com canções infantis, mais adequados a crianças pelos 5 anos de
idade.
O que se coloca como hipótese a defender é que é possível e desejável proporcionar aos alunos com
deficiência intelectual acentuada as mesmas experiências educativas que apreciam os seus colegas da
mesma idade sem problemas.
Recusar o acesso destes alunos com problemas a estas experiências tornará o estilo da sua vida menos
normalizado e digno.
Possibilidade de prática
A possibilidade de prática refere-se à existência de condições de desempenho de uma determinada
aprendizagem, para além da situação pedagógica em que foi aprendida. Por exemplo, o Luís aprendeu a
fazer tostas com uma torradeira num bar que colabora com a sua escola. Uma vez que o aluno aprendeu
razoavelmente a tarefa, os pais combinaram que ele faria as tostas para o pequeno almoço em casa.
Como sabemos que os alunos com deficiência intelectual acentuada levam, geralmente, mais tempo a
aprender, esquecem mais facilmente e demoram mais tempo a reaprender o que esqueceram, que os
outros alunos, torna-se importante preferir as aprendizagens que têm oportunidade de ser praticadas fora
das condições pedagógicas e preterir as que não se prevê a sua prática futura.
Nem sempre é fácil ter a garantia de que determinadas aprendizagens irão ser praticadas no futuro, pelo
que será necessário o envolvimento de todos nesta decisão. Apesar de tudo, podem surgir situações
como a do David. O professor deste aluno achou que seria importante ensinar o aluno a usar um livro
com gravuras, como meio auxiliar da sua comunicação nas suas idas ao supermercado. Porém, embora o
professor pensasse que esta aquisição aumentaria a probabilidade dele frequentar ambientes e realizar
tarefas mais normalizadas, neste caso, não houve oportunidades de a praticar fora do contexto escolar e
os seus esforços foram, parcialmente, infrutíferos.
Necessidade na idade adulta
A necessidade na idade adulta refere-se à exigência e frequência com que uma determinada
aprendizagem irá ser utilizada na vida pós-escolar. Sabemos que há uma capacidade limitada para
aprender por parte dos alunos com deficiência intelectual acentuada; contudo, o objectivo primordial da
educação é preparar o indivíduo para a vida adulta.
Por exemplo, a Judite com 4 anos e deficiência intelectual acentuada está a aprender a bater palmas,
tocar no nariz, abanar a cabeça e agitar os pés quando está contente e vai tendo êxito nas suas
aprendizagens; por outro lado, a Carolina com a mesma idade e o mesmo tipo de problemas, está a
aprender a ligar a televisão e o vídeo. Considerando, unicamente o factor aqui em apreço, parece claro
que as aprendizagens da Carolina são as mais adequadas. Mesmo que estas aquisições sejam mais
demoradas, elas têm grande possibilidade de vir a ser necessárias na vida adulta. Ao contrário, as
aprendizagens da Judite, com o tempo, têm grandes possibilidades de se tornar inadequadas para a idade
quando ela as aprender correctamente.
Em geral, se a aprendizagem exigida a um aluno for algo que seja necessário desempenhar quando
adulto, essa aprendizagem é mais aceitável que outra que se preveja não vir a ser desempenhada no
futuro.
Preferência do aluno
A preferência do aluno refere-se ao permitir que este intervenha na escolha das aprendizagens que ele
irá fazer. Possivelmente o aluno não poderá determinar todas as aprendizagens a considerar num
programa, até porque, muitas vezes, não tem noção ou capacidade de expressão suficiente para o fazer.
Contudo, deve aceitar-se que seja permitido ao aluno, na medida do possível, intervir na selecção das
actividades e aprendizagens a desenvolver.
Há várias e fortes razões para que o aluno dê a sua contribuição, nomeadamente:
Porque essa possibilidade existe para os alunos sem deficiência.
Aumenta a probabilidade do aluno se esforçar e empenhar nessas aprendizagens.
Possibilita ao aluno aprender a tomar decisões responsáveis.
O tomar decisões sobre a própria vida é um direito básico do ser humano.
Preferência dos pais/encarregados de educação
A preferência dos pais ou encarregados de educação refere-se à necessidade de garantir a estes
intervenientes uma contribuição importante nos Programas Educativos. Entre as experiências de escolas
criadas por pais em que estes determinavam toda a educação e as escolas em que os docentes excluíam
por completo os pais de participar na escola, hoje em dia, grande parte dos pais e docentes compreende a
necessidade de um equilíbrio construtivo nas tomadas de decisão que envolvam a educação dos alunos.
A participação dos pais de forma consistente e informada é hoje inquestionável; resta encontrar um
equilíbrio e proporção adequados nas diferentes situações.
Bem-estar físico e de saúde
O bem-estar físico e de saúde refere-se à necessidade de considerar na escolha dos objectivos
educativos, actividades que sejam saudáveis e agradáveis para o aluno. Por exemplo, num determinado
caso, entre o escolher uma actividade de entretenimento solitário com cartas e nadar com ajuda de uma
bóia pneumática, optou-se pela actividade de natação, por ela contribuir mais claramente para o bem-
estar físico.
Os alunos com deficiência intelectual acentuada têm, geralmente, uma condição física debilitada com
efeitos negativos a médio e longo prazo nas oportunidades de emprego, na recreação e mesmo na saúde,
pelo que é importante considerar o recurso às actividades que promovam o bem-estar físico.
Aumento do contacto social
O aumento de contacto social significa a possibilidade de determinadas actividades proporcionarem
interacções positivas e normalizadas com outras pessoas sem deficiências em ambientes integrados. Por
exemplo, foi importante para o Raul, com deficiência intelectual acentuada e algumas dificuldades
físicas, ter aprendido a apresentar gravuras com os alimentos para fazer os seus pedidos aos empregados
de restaurante de comida rápida; esta actividade provocava o desenrolar de interacções com os
empregados de uma forma aceitável e agradável.
É importante que grande parte da aprendizagem proporcione aos alunos actividades que promovam a
interacção com pessoas sem deficiência em ambientes integrados.
Probabilidade de ser aprendido
A probabilidade de ser aprendido refere-se à relativa possibilidade de uma determinada aprendizagem
ser feita, se investirmos no seu ensino. Podemos escolher entre aprendizagens que têm desde 0 a 100%
de hipóteses de ser aprendidas, mas, salvo outros factores em jogo, não será sensato escolher uma
aprendizagem só porque ela é fácil de ser aprendida. Por exemplo, a Sara de 15 anos pode aprender
facilmente a resolver um puzzle de 3 peças do Pato Donald; porém, insto não é funcional, não é
adequado à idade, nem contribui para o seu estatuto social.
Também não será sensato procurar ensinar algo que seja improvável de ser aprendido.
Deve-se, quanto possível, escolher aprendizagens necessárias e que possam ser ensinadas com os
recursos razoáveis ao alcance.
Por exemplo, o José necessita de aprender, de forma intensiva e num período de tempo relativamente
longo, a manejar a cadeira de rodas de uma forma segura e eficiente. Apesar de ser uma aprendizagem
difícil e longa, ela foi escolhida porque aumentará o número de ambientes a que o aluno pode aceder,
proporciona maior interacção social com pessoas sem deficiência e dará um estatuto social mais elevado
ao aluno.
Proporcionar estatuto social
Proporcionar estatuto social refere-se aos efeitos positivos que uma dada aprendizagem pode produzir
na condição de vida de uma pessoa com deficiência.
Entre duas aprendizagens equivalentes noutros critérios deve ser preferida a que faça melhorar o estatuto
social do aluno.
Por exemplo, o Tomé com deficiência intelectual moderada, sem um braço e sem pernas, aprendeu no
seu trabalho a colar selos em cartas com ajuda de uma prótese. Pondo-se a hipótese de aprender novas
tarefas, entre outras, optou-se pela aprendizagem de escrever à máquina com ponteiro, porque esta
actividade lhe proporcionaria melhorar a sua posição no ambiente de trabalho.
Extracto adaptado do artigo de Lou Brown, Betsay Shiraga, Patty Rogan, Jennifer York, Kathy Zanella,
Eileen Maccarthy, Ruth Loomis e Pat Vandeventer (1986). The “Why Question” in instructional programs
for people who are severely intellectually disabled. In J. Bredosian & S. Calculator (Eds.), Communication
assessment and intervention for adults with mental retardation, pp. 139-153. San Diego: College Hill Press.
Pontos a considerar
Até que ponto será possível considerar de forma equilibrada todos estes factores.
Haverá factores mais importantes que outros conforme os casos.
As unidades que se seguem pretendem sugerir aos docentes e outros que trabalhem com alunos com
deficiência intelectual acentuada um conjunto diverso de procedimentos de avaliação do aluno e do seu
contexto e de critérios de escolha do que deve ser proporcionado ao aluno
Índice das unidades
3.1 Avaliação do aluno e da família........................................................................... 102
3.2 Avaliação da comunidade.................................................................................... 111
3.3 Análise de vida no espaço e tempo...................................................................... 114
3.4 A análise de discrepância..................................................................................... 117
3.5 Factores de decisão na selecção das aprendizagens (alternativa A)..................... 122
3.5 Factores de decisão na selecção das aprendizagens (alternativa B)..................... 123
Unidade 3.1
Avaliação do aluno e da família
Objectivos da unidade
Avaliar a importância das condições do aluno (condições físicas, desenvolvimento intelectual, equilíbrio
emocional, situação escolar) na programação educativa.
Avaliar a importância da situação familiar do aluno (composição do agregado familiar ou de outro
agregado social em que viva, condições sócio-económicas e culturais dos pais), para se poder elaborar
um Programa Educativo em conformidade.
Actividades
1. Em pequenos grupos, leiam o material para discussão “Ficha de caracterização do aluno e da
família”. Preencham os itens da ficha, com base num aluno com deficiência intelectual acentuada que
conheçam.
2. Com base nesses dados e em função das características do aluno e das suas condições familiares e
escolares, seleccionem 1 Sub-Ambiente e 3 Actividades, com ele relacionadas, consideradas
fundamentais para serem incluídas no Programa Educativo do aluno.
3. Elaborem um esquema em que apresentem o Sub-Ambiente, as Actividades seleccionadas e as razões
que justificaram esta selecção, com base nos dados recolhidos na ficha.
4. Em plenário, cada grupo apresenta o seu esquema.
Questões para avaliação
1. Como proceder para se conseguir um conhecimento tão completo quanto possível do aluno no seu
contexto pessoal e familiar?
2. Que intervenientes, para além do professor, podem (ou devem) intervir neste processo?
3. Que obstáculos antevê na procura deste conhecimento? Como poderão ser suplantados?
FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DO ALUNO E DA FAMÍLIA
(Adaptação do "Madison Social Relationship Inventory")
1. IDENTIFICAÇÃO DAS PESSOAS ENVOLVIDAS
Aluno Ano Lectivo
Mãe Pai
Irmãos/Irmãs
Professor de Apoio
Professor(es) de Educação Regular
Terapeutas
Auxiliar(es)
Director de Turma Director da Escola
2. ALUNO
Data de Nascimento Idade Actual Sexo
Morada
Localidade Telefone
3. AMBIENTE FAMILIAR EM QUE O ALUNO VIVE (descreva a composição e o ambiente
familiar do alunos)
3.1. FAMILIARES E OUTROS QUE NÃO COABITAM COM O ALUNO (refira a importância
para o alunos desses elementos)
3.2. SITUAÇÃO SÓCIO-ECONÓMICO DA FAMÍLIA (referir para o pai e mãe: profissão, instrução,
rendimento, habitação)
3.3. OUTRAS INFORMAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA
4. INFORMAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO
4.1. ANTECEDENTES. (Tipo de instituição, nome e idade em que as frequentou)
X TIPO E NOME IDADES(de-a)
Jardim infância. Qual:
1º Ciclo. Qual:
2º Ciclo. Qual:
3ª Ciclo. Qual:
Escola Especial:
4.2. ANTECEDENTES EDUCAÇÃO ESPECIAL (Apoio Educativo nos 3 Anos Anteriores)
Ano Lectivo Escola Regime e tipo de apoio
4.3. SITUAÇÃO NO PRESENTE ANO LECTIVO
Escola que o aluno frequenta:
Escola que frequentaria se não fosse deficiente:
APOIO EDUCATIVO
Frequenta uma escola especial
Frequenta uma classe/turma especial (a tempo inteiro) numa escola regular
Frequenta uma classe/turma regular com apoio parcial na própria classe/turma
Frequenta uma classe/turma regular com apoio parcial numa sala de apoio
Frequenta classe/turma regular com apoio parcial em outros espaços da escola
Frequenta uma classe/turma regular e apoio parcial em locais da comunidade
Frequenta local de aprendizagem da comunidade (com supervisão da escola)
Se recebe apoio parcial, a periodicidade é ___/x semana; o tempo é ____:____h:m/semana
Se recebe apoio em local da comunidade diga qual:
4.4. OUTRAS INFORMAÇÕES DE ORDEM EDUCATIVA
5. CONDIÇÃO FÍSICA
DEFICIÊNCIAS FÍSICAS PRINCIPAIS NENHUMA
PROBLEMAS DE SAÚDE CRÓNICOS NENHUM
SE TIVER ATAQUES EPILÉPTICOS, REFIRA O TIPO, A FREQUÊNCIA, QUAIS AS
INTERVENÇÕES RECOMENDADAS E POR QUEM
O ALUNO TEM DEFICIÊNCIA VISUAL? SIM NÃO
Se SIM, características, cuidados necessários e adaptações utilizadas
O ALUNO TEM DEFICIÊNCIA AUDITIVA? SIM NÃO
Se SIM, características, cuidados necessários e adaptações utilizadas
OUTRAS INFORMAÇÕES SOBRE DEFICIÊNCIAS SENSORIAIS, CUIDADOS
NECESSÁRIOS E ADAPTAÇÕES UTILIZADAS
O ALUNO APRESENTA LIMITAÇÕES NA UTILIZAÇÃO DE
ALGUMA PARTE DO CORPO (braços ou mãos, pernas ou pés, etc.)
SIM NÃO
Se SIM, quais:
HÁ PRECAUÇÕES ESPECIAIS A TOMAR QUANDO SE POSICIONA
O ALUNO
SIM NÃO
Se SIM, quais:
HÁ RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELO TIPO DE ACTIVIDADES EM
QUE O ALUNO DEVERÁ OU DEVERIA PARTICIPAR
SIM NÃO
Se SIM, quais:
OUTRAS INFORMAÇÕES SOBRE SAÚDE E CONDIÇÃO FÍSICA DO ALUNO
6. ALIMENTAÇÃO
Normal Líquida Mole Outra. Qual?
Observações sobre o tipo de alimentação:
O ALUNO TEM RESTRIÇÕES ALIMENTARES SIM NÃO
Se SIM, quais:
COMER Independente Com adaptações
Com ajuda de outrem Com adaptações e ajuda de outrem
BEBER Independente Com adaptações
Com ajuda de outrem Com adaptações e ajuda de outrem
OUTRAS INFORMAÇÕES SOBRE ALIMENTAÇÃO:
7. CUIDADOS PESSOAIS
VESTIR Independente Com adaptações
Com ajuda de outrem Com adaptações e ajuda de outrem
DESPIR Independente Com adaptações
Com ajuda de outrem Com adaptações e ajuda de outrem
HIGIENE Independente Com adaptações
PESSOAL Com ajuda de outrem Com adaptações e ajuda de outrem
8. MOBILIDADE
FORMAS FUNDAMENTAIS DE MOBILIDADE DO ALUNO
Anda
Anda com ajuda de outros
Usa andarilho
Usa cadeira de rodas manual - independente
Usa cadeira de rodas – dependendo de ajuda de outros
Usa cadeira de rodas eléctrica
HÁ PROCEDIMENTOS ESPECIAIS NA MOBILIDADE E
ACESSIBILIDADE DO ALUNO
SIM NÃO
Se SIM, quais:
O ALUNO PRECISA DE AJUDA PARA ATRAVESSAR A RUA SIM NÃO
Se SIM, qual:
USO DE Independente Com adaptações
TRANSPORTES Com ajuda de outrem Com adaptações e ajuda de outrem
9. COMUNICAÇÃO
COMUNICAÇÃO RECEPTIVA - Refira os meios principais segundo os quais o aluno recebe
Informação (palavras faladas, gestos, inspecção visual de objectos, linguagem gestual, etc.)
COMUNICAÇÃO EXPRESSIVA – Refira os meios principais através dos quais o aluno comunica
ou envia informação (palavras faladas, gestos, apontar objectos, linguagem gestual, sintetizador de
voz, etc.):
10. COMPORTAMENTO
CARACTERÍSTICAS DE COMPORTAMENTO PROBLEMÁTICO OU
DIGNAS DE NOTA
SIM NÃO
Se SIM, quais:
HÁ INTERVENÇÕES OU ESTRATÉGIAS RECOMENDADAS PARA
ESSES PROBLEMAS
SIM NÃO
Se SIM, quais:
HÁ INTERVENÇÕES OU ESTRATÉGIAS NÃO RECOMENDADAS
PARA ESSES PROBLEMAS
SIM NÃO
Se SIM, quais:
OUTRAS INFORMAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO
11. ENSINO-APRENDIZAGEM
CARACTERÍSTICAS DE APRENDIZAGEM DIGNAS DE NOTA SIM NÃO
Se SIM, quais:
HÁ INTERVENÇÕES OU ESTRATÉGIAS DE ENSINO EFICAZES SIM NÃO
Se SIM, quais:
HÁ INTERVENÇÕES OU ESTRATÉGIAS DE ENSINO NÃO
EFICAZES
SIM NÃO
Se SIM, quais:
OUTRAS INFORMAÇÕES SOBRE ENSINO-APRENDIZAGEM
12. INFORMAÇÃO RELEVANTE RECOLHIDA EM RELATÓRIOS DE AVALIAÇÃO
De relatórios psicológicos:
De relatórios de terapeutas:
De relatórios médicos:
De relatórios de técnicos de serviço social:
De relatórios de docentes:
13. OUTRAS INFORMAÇÕES
Data O professor
Tradução e adaptação de Brown, L. et al. (1994). Madison Social Relashionship Inventory. Madison,
WI: Madison Metropolitan School District.
Unidade 3.2
Avaliação da comunidade
(Nota: esta unidade deve realizar-se em articulação com a anterior, nomeadamente recorrendo ao mesmo
aluno caracterizado nessa unidade 3.1)
Objectivo da Unidade
Analisar a importância das condições da comunidade em que o aluno vive para elaborar o seu Programa
Educativo.
Actividades
1. Em pequenos grupos, leiam o material para discussão “Ficha de caracterização da comunidade”.
2. Preencham os itens da ficha que constituem o texto, com base num aluno com deficiência intelectual
acentuada que conheçam.
3. Com base nesses dados, seleccionem 1 Sub-Ambiente e 3 Actividades, com ele relacionadas,
consideradas fundamentais para serem incluídas no Programa Educativo do aluno.
4. Elaborem um quadro em que apresentem o Sub-Ambiente, as Actividades seleccionadas e as razões
que justificaram esta selecção com base nos elementos referidos na ficha.
5. Em plenário, cada grupo apresenta o seu esquema.
Questões para avaliação
1. Como proceder para se conseguir um conhecimento tão completo quanto possível da comunidade em
que o aluno vive?
2. Que intervenientes, para além do professor, podem (ou devem) intervir neste processo?
3. Que obstáculos antevê na procura deste conhecimento? Como poderão ser suplantados?
FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE
1. IDENTIFICAÇÃO DO ALUNO
Nome D. Nasc.
2. TIPO DE COMUNIDADE
TIPO Cidade Vila Aldeia Monte-Lugar
N.º HABITANTES
PREDOMINANTE Rural Urbana Mista Incaracter.
3. PRINCIPAIS RAMOS DE ACTIVIDADE DA POPULAÇÃO
Agro-pecuária Pesca Comércio e Serviços Indústrias Outra:
4. TRANSPORTES USADOS PELA POPULAÇÃO
Metro Automóvel Taxi Autocarro Eléctrico Comboio
Bicicleta/Moto Outros:
5. SERVIÇOS E RECURSOS DISPONÍVEIS NA COMUNIDADE
BÁSICOS Água canalizada Electricidade Recolha lixo Rede esgotos
COMÉRCIO Loja tradicional
polivalente
Loja
diferenciada
Supermercado Outro:
SAÚDE Hospital Centro Saúde Posto Saúde Outro:
SERVIÇOS Telefone Público Seguradoras Correios Bancos
CULTURAIS
RECREATIVOS
Associação
Recreativa
Clube
infanto/juvenil
Gimno-
desportivo
Parque infantil
Clube
desportivo
Biblioteca Piscina Museu
Cinema Teatro
Outro:
6. OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES DO MEIO EM QUE ALUNO VIVE
Data O professor
NOTAS PARA AJUDA AO PREENCHIMENTO DA FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DA
COMUNIDADE
1. IDENTIFICAÇÃO DO ALUNO
Indicar o NOME (primeiro e último) e Data de NAScimento (mês e ano)
2. TIPO DE COMUNIDADE
Indicar, colocando o Número de HABITANTES aproximado que a comunidade em que a família do
aluno se insere; no caso de ser uma cidade, deve procurar apurar o número de habitantes da freguesia
respectiva.
Indicar, marcando uma "x" qual a natureza PREDOMINANTE da comunidade;
Incaracter.=Incaracterística.
3. PRINCIPAIS RAMOS DE ACTIVIDADE DA POPULAÇÃO
Indicar qual ou quais os ramos principais de actividade da comunidade em que a família do aluno se
insere, marcando uma "x".
4. TRANSPORTES USADOS PELA POPULAÇÃO
Indicar qual ou quais os tipos de transporte a que a população da comunidade recorre com maior
frequência, marcando uma "x".
5. SERVIÇOS E RECURSOS DISPONÍVEIS NA COMUNIDADE
Indicar qual ou quais os recursos disponíveis na comunidade e a que a população da comunidade
recorre, marcando uma "x".
6. OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES
Indicar aspectos específicos da comunidade onde o aluno viva, que lhe parecem relevantes para o
planeamento e programação pedagógica.
Unidade 3.3
Análise de vida no espaço e tempo
Objectivos da unidade
Reconhecer a importância do conhecimento das actividades, experiências e envolvimento social do
aluno, durante todo o dia e ao longo de toda a semana.
Aplicar um formulário que facilite a recolha e análise desta informação e a sua utilização.
Actividades
1. Individualmente, leiam o material para discussão “Análise de vida no espaço e no tempo”.
2. Em pequenos grupos, preencham o formulário sugerido no material para discussão “Mapa de vida do
aluno no espaço e no tempo”, com base num aluno com deficiência intelectual acentuada que
conheçam, relativamente a um dia útil e em tempo de aulas; considerem o tempo desde as 8h às 22h..
3. Troquem os formulários preenchidos entre os grupos, analisem-nos e acrescentem uma coluna na
lista, para indicar iniciativas ou propostas de trabalho capazes de promover as actividades menos
conseguidas ou menos integradoras.
4. Seleccionem um item dessa lista que considerem especialmente significativo.
5. Em plenário, cada grupo apresenta o item seleccionado, seguindo-se um debate sobre esta matéria.
Questões para avaliação
1. Consideram a análise de vida importante na educação dos vossos alunos?
2. Se consideram importante realizar estas análises, que estratégias pensam adoptar?
ANÁLISE DE VIDA NO ESPAÇO E NO TEMPO
A análise vida no espaço e no tempo pode ser considerada como uma estratégia informal de avaliação de
pessoas com deficiência, que diz respeito às respectivas experiências e actividades que ocorrem durante
24h por dia, 7 dias por semana. Esta técnica de avaliação difere substancialmente das avaliações
educativas tradicionais porque, em vez de se centrar nas competências intelectuais do aluno, visa o
conhecimento pormenorizado do ambiente e das condições sociais que influenciam a sua vida. Através
de questionários feitos à família e da observação directa do aluno, procura-se obter informações sobre
locais, pessoas e actividades que fazem parte da vida do aluno, ao longo duma semana típica. Quando se
analisa esta informação, podem identificar-se alguns padrões ou pontos de disparidade, ao longo do dia
ou da semana, mas a análise revela frequentemente que as pessoas com deficiência experimentam um
menor número de actividades normalizadas do que as pessoas sem deficiência e têm oportunidades
muito limitadas de participar com estas em diversas actividades e de com elas interagir.
Os objectivos de realizar uma análise de vida no espaço e no tempo são os seguintes:
1. Obter informação sobre a vida do aluno em casa, na escola e na comunidade.
2. Avaliar a qualidade da participação em cada local.
3. Seleccionar novos e variados ambientes e actividades que possam aumentar a participação e a
integração.
4. Utilizar a informação para identificar matérias a incluir nos Programas Educativos, de forma
prioritária.
A utilização da análise no espaço e no tempo constitui um meio eficaz do pessoal docente se aperceber
dos factores que afectam a aprendizagem do aluno, positiva e negativamente, no tempo extra-escolar e,
desse modo, proporcionar uma visão mais holística sobre o aluno e a sua família. Para se conseguir
obter uma informação completa sobre a pessoa com deficiência é necessária a colaboração de pessoas
que lhe são próximas. Assim, a utilização desta técnica desenvolve os laços entre os professores e os
pais e restante família. Uma análise de vida no espaço e no tempo constitui, essencialmente, uma
avaliação ecológica que permite aos educadores identificarem o que já existe no reportório do aluno,
antes de sugerirem mudanças ou iniciarem uma intervenção educativa.
MAPA DA VIDA DO ALUNO NO
ESPAÇO E NO TEMPO
ACTUAL PRETENDIDO
1. IDENTIFICAÇÃO
Nome D. Nasc. Escola Enc. educ.
2. DISCRIMINAÇÃO DA SEQUÊNCIA ESPACIO-TEMPORAL
Período
tempo
Ambiente
Sub-ambiente
Actividade Pessoas com quem
está /deverá estar
Níveis de
autonomia
Tradução e adaptação de Brown, L. et al. (1984). A life space analysis strategy for students with severe
handicaps. In L. Brown et al. (Eds.), Educational programs for students with severe handicaps, (Vol.
XIV, pp. 23-32). Madison, WI: Metropolitan School District.
Unidade 3.4
A análise de discrepância
Objectivos da unidade
Reconhecer a importância de se obter informação sobre a discrepância entre as actividades, experiências
e envolvimento social dos alunos com deficiência intelectual acentuada e aqueles que não têm
deficiência.
Aplicar um formulário que facilite a recolha e análise desta informação e sua utilização.
Actividades
1. Individualmente, leiam o material para discussão “O que é a análise da discrepância”.
2. Em pequenos grupos, preencham a ficha do material para discussão “Mapa de análise de
discrepâncias”, seleccionando previamente uma Actividade e as Competências necessárias para a
realizar. Baseiem-se num aluno com deficiência intelectual acentuada que conheçam. Tomem como
exemplo o material para discussão “Exemplo de utilização da análise de discrepância”.
3. Troquem as fichas entre os grupos. Depois de todos os grupos terem analisado as fichas preenchidas,
discutam a última recebida quanto às vantagens da utilização desta estratégia.
4. Elaborem uma lista das vantagens de utilização desta análise e uma lista de actividades em que
pensam poder aplicá-la.
5. Em plenário, cada grupo apresenta o seu trabalho, seguindo-se debate.
Questões para avaliação
1. De que modo este exercício de análise pode facilitar a adequação do ensino a um dado aluno?
2. Em que situações poderei utilizar esta estratégia?
O QUE É A ANÁLISE DE DISCREPÂNCIA?
A análise de discrepância é uma técnica utilizada para se comparar o desempenho dum aluno com
deficiência com o desempenho, no mesmo ambiente e nas mesmas actividades, dum aluno não
deficiente. Esta comparação tem por objectivo permitir conhecer quais os pontos fortes e quais as
limitações da actuação do aluno com deficiência para, a partir desse conhecimento, se estabelecerem os
objectivos educativos, estratégias educativas e adaptações que sejam adequadas e relevantes.
O desenvolvimento desta análise de discrepância surgiu como um produto dum movimento mais vasto
que ocorreu na educação especial em meados dos anos 70 e início dos anos 80. Muitos educadores, que
trabalhavam com pessoas com deficiência, experimentaram uma mudança radical na filosofia vigente
relativa à orientação e implementação curricular das pessoas com deficiência, consistindo na passagem
duma perspectiva desenvolvimentalista para uma estratégia funcional e ecológica. A perspectiva
curricular desenvolvimentalista baseia-se na teoria do desenvolvimento da criança normal, em que o
ensino depende da idade mental da criança. O centro da perspectiva funcional e ecológica reside na
noção de que os alunos com deficiência intelectual acentuada só podem adquirir competências
funcionais através dum ensino em situações autênticas e significativas. Adicionalmente, a idade
cronológica é utilizada, não como elemento para se determinar a idade mental, mas como guia na
selecção de actividades a ensinar. Como expressão natural desta filosofia, surgiu o ensino baseado na
comunidade, nos ambientes em que decorra a vida do aluno - casa, recreio/lazer e comunidade - e surgiu
uma técnica de avaliação adequada à complexidade destes ambientes comunitários. (....)
Desde então, a análise de discrepância tem sido referida como uma avaliação funcional e ecológica e
tem sido utilizada com alunos com deficiência moderada ou severa. Hoje utilizam-se procedimentos
semelhantes a esta técnica em campos tais como a reabilitação, a saúde mental, a terapia ocupacional, a
fisioterapia e os problemas de comunicação. À medida que estes alunos têm sido progressivamente
incluídos na escola regular, esta análise tem demonstrado ser um importante instrumento de apoio ao seu
ensino.
Exemplo de utilização da Análise de Discrepância
ALUNO: Paulo DATA: 15 de Setembro
AMBIENTE: Aula de Ciências do 5º ano ACTIVIDADE: Introdução a um novo capítulo do livro de Ciências
Inventário do aluno sem
deficiência
Inventário do aluno com deficiência Análise da causa
da discrepância *
Estratégias educativas
Competências:
1. Abre o livro na página
correcta
A: Não consegue localizar a página
correcta. Volta as páginas ao acaso.
Tem dificuldade em manipular as
páginas. (-)
P: Ajuda-o, apontando a página e
segurando o livro.
QA, QE, QM
1. O P. ensina o A. a colocar um papel
autocolante na última página que foi
estudada. Procura o autocolante e passa
à página seguinte.
2. Ouve o professor a ler a
primeira página e
acompanha no livro.
A: Fica quieto alternando a atenção
entre o professor e o livro. (+)
P:
3. Lê a página em causa,
quando interpelado.
A: Não consegue encontrar o
parágrafo correcto. (-)
P: Aponta para a primeira linha
QA, QE
3. , 4. e 5. Os alunos do 6º ano gravam o
texto numa cassete. O Paulo ouve a
cassete enquanto segue o texto.
4. Lê, de forma fluente e
alto, de modo a ser ouvido
A: Muito hesitante, erra palavras e
fala baixo demais. (-)
P: Não intervém senão para dar um
reforço, completando o parágrafo
QM, QA Os professores informam-no com
antecedência do texto que vai ler na
aula, para ele se preparar. O parágrafo
vai ser repetido por um colega na
cassete para ele reparar como se
pronunciam as palavras novas
5. Responde a perguntas de
interpretação sobre o texto
lido na aula.
A: Fica confuso e diz “não sei”. (-)
P:
QA, QE São colocadas previamente ao Paulo
uma ou duas questões de modo que ele
seja capaz de responder na aula.
A: refere-se ao aluno com deficiência. Marque (+) para um desempenho correcto ou (-) para um erro. Note ainda algumas atitudes do aluno. P: refere-se às
atitudes tomadas pelo professor depois do aluno errar.
* As causas da discrepância podem ser codificadas do seguinte modo; QA= Questões relacionadas com a aprendizagem; QE= Questões relacionadas com o
ensino; FA= Factores relacionados com o ambiente; QFMS= Questões relacionadas com o desenvolvimento físico, motor ou sensorial; QM= Questões
relacionadas com a motivação
MAPA DE ANÁLISE DE DISCREPÂNCIAS
1. IDENTIFICAÇÃO
NOME D. Nasc. Escola Enc.Educ.
Ambiente Sub-Ambiente
Actividades 1
I - Inventário de um aluno
sem deficiência II - Inventário dum alunos
com deficiência III - Análise da
discrepância IV – Estratégias educativas
Posso ensinar É necessário adaptação É necessário ajuda Outra pessoa tem de fazer a tarefa
por ele
Posso ensinar É necessário adaptação É necessário ajuda Outra pessoa tem de fazer a tarefa
por ele
Posso ensinar É necessário adaptação É necessário ajuda Outra pessoa tem de fazer a tarefa
por ele
Posso ensinar É necessário adaptação É necessário ajuda Outra pessoa tem de fazer a tarefa por ele
Actividades 2
Posso ensinar É necessário adaptação É necessário ajuda Outra pessoa tem de fazer a tarefa
por ele Posso ensinar
É necessário adaptação É necessário ajuda Outra pessoa tem de fazer a tarefa
por ele Posso ensinar
É necessário adaptação É necessário ajuda Outra pessoa tem de fazer a tarefa
por ele Posso ensinar
É necessário adaptação É necessário ajuda Outra pessoa tem de fazer a tarefa
por ele
OUTRO TEM DE FAZER POR ELE - Se considera que alguém deve fazer tarefas pelo aluno, indique quais
as razões:
ADAPTAÇÃO - Se considera que é necessário realizar adaptações, descreva-as:
AJUDA - Se considera que é necessária a ajuda de outra pessoa, descreva-a:
ENSINO - Se considera que pode ensinar o aluno a realizar a tarefa, descreva como o vai fazer:
OBSERVAÇÕES:
Data O professor
Unidade 3.5
Factores de decisão na selecção das aprendizagens
Objectivos da unidade
Conhecer quais os factores que devem ser tomados em consideração na escolha dos conteúdos do
Programa Educativo de um dado aluno.
Aplicar esses factores a uma dada situação.
Actividades
Alternativa A
1. Leiam o material para discussão “Oito situações, oito justificações...”
2. Em pequenos grupos, discutam e analisem as várias situações do texto. Para cada uma delas
indiquem num quadro:
O grau de adequabilidade das aprendizagens propostas, em 3 níveis (inadequada, parcialmente
adequada, adequada.
Breve análise ou comentário da justificação apresentada, quanto à relevância para a
aprendizagem pretendida.
3. Apresentem, em plenário, as conclusões dos grupos (uma situação de cada vez).
Unidade 3.5 (Continuação)
Factores de decisão na selecção das aprendizagens
Actividades
Alternativa B
1. Dividam-se em grupos de forma que, em cada um, haja elementos que representem:
Um aluno com deficiência intelectual acentuada.
O pai e mãe do aluno.
Os educadores (da turma e de apoio).
Elemento da gestão da escola.
Dois observadores.
2. Preparem a vossa actuação, combinando, em conjunto, o tipo de escola em que vai decorrer a
situação e a idade aproximada e sexo do aluno em questão. Já agrupados em 3 subgrupos: a)pais e
aluno; b)educadores e gestão; c)observadores, combinem os pormenores da vossa actuação. O
objectivo dos dois primeiros subgrupos (que podem receber indicações específicas dos formadores
sobre a sua actuação) é recriar uma situação de discussão e possível acordo das aprendizagens que
vão ser incluídas no Programa Educativo do próximo ano; os observadores registam o decorrer da
sessão.
3. Na base dos relatos dos observadores, discutam, em plenário, as atitudes dos intervenientes, bem
como razões e argumentos que são invocados para fazer opções sobre o que cada um entende
prioritário ensinar.
Questões para avaliação
1. Usa critérios bem definidos para definir as aprendizagens para os seus alunos com deficiência
intelectual acentuada?
2. Utiliza critérios diferentes dos propostos nesta unidade para definir as aprendizagens para os seus
alunos com deficiência intelectual acentuada?
OITO SITUAÇÕES, OITO JUSTIFICAÇÕES...
Podemos imaginar um número infindável de situações, de objectivos ou actividades de aprendizagem
para um dado aluno. É por isso necessário ter critérios válidos de selecção e de estabelecimento de
prioridades.
Para questionarmos esta necessidade de usar critérios adequados de selecção e de priorização das
actividades a aprender por um dado aluno, vamos apresentar algumas situações concretas sobre as quais
nos devemos pronunciar quanto à sua adequabilidade.
Situação 1: Um grupo de 4 alunos com deficiência intelectual acentuada, cujas idades variam entre os
15 e os 18 anos, encontra-se sentado numa mesa semicircular frente a uma terapeuta da fala. Esta emite
o som da letra "S" e vai apontando para cada um dos alunos solicitando que cada um deles reproduza o
som por ela emitido. Os alunos fazem alguns sons, babam-se ou deitam a língua de fora. A justificação
da terapeuta: seguir um manual de treino da fala.
Situação 2: Uma aluna com deficiência intelectual acentuada e alguns problemas de mobilidade e
domínio do movimento dos braços e mãos, com a idade de 17 anos, está a ser ensinada por uma
professora, na área de actividades da vida diária, a ser capaz de agarrar um ovo feito em plástico e a
colocá-lo num recipiente próprio de um pequeno frigorífico de imitação. A justificação da professora: na
sua formação, foi ensinada que se deveria fazer deste modo.
Situação 3: A uma aluna de 9 anos de idade com deficiência intelectual grave, a professora está
procurar que ela aprenda a seguir visualmente o percurso de uma bola a rolar sobre a mesa. A bola é
posta a rolar e fazem-se diversos incentivos à aluna para olhar e a seguir visualmente. A aluna de forma
inconsistente ora olha a bola, ora se fixa em outros aspectos do ambiente da sala. A justificação da
professora: este tipo de actividade corresponde à sua idade mental.
Situação 4: Um aluno com 13 anos de idade, autista e com deficiência intelectual acentuada, é levado a
passear num carrinho, pela sua professora, todas as manhãs pelas 10 horas. O passeio decorre nos
corredores e salas da sua escola especial. A justificação do director e aceite pela professora: uma
interrupção das actividades reduz a sua necessidade de auto-estimulação.
Situação 5: Um aluno de 14 anos de idade e com deficiência intelectual acentuada, com síndrome de
Down e que vive com a sua mãe viúva, a frequentar uma escola especial, é ensinado pela sua professora
a identificar os membros da equipa desportiva da sua cidade através da cor e dos números das camisolas.
Justificação da professora: o aluno deve saber quem aplaudir quando vai ao estádio ver os jogos de
futebol.
Situação 6: Uma aluna de 15 anos de idade e com uma deficiência intelectual acentuada, com alguns
problemas de comportamento, tal como, fechar-se na casa de banho após discussão com familiares ou
professores, vive com os seus pais e frequenta uma escola especial. Neste escola o professor procura que
a aluna seja capaz de comparar o seu peso e altura com as medições anteriores, o que faz todas as
semanas. A justificação do professor: é necessário que a aluna aprenda a resolver operações
matemáticas simples.
Situação 7: Uma aluna de 14 anos de idade, com deficiência mental acentuada, comportamentos
desajustados traduzidos em agressões verbais aos colegas e não cumprimento de regras, e com
necessidade de medicamentação para controlar ataques epilépticos, frequenta uma escola do 2º ciclo
regular com apoio de educação especial. Nesta escola um professor procura que a aluna identifique e
verbalize quais as regras que deve cumprir com as pessoas com quem convive e com desconhecidos. A
justificação do professor: esta actividade (verbalização das regras) fará com que a aluna melhore o seu
relacionamento com os outros.
Situação 8: Uma aluna de 13 anos de idade e com deficiência intelectual acentuada, tímida e que
raramente convive com jovens da sua idade, vive só com a mãe e frequenta uma escola do 2º ciclo
regular com apoio especial. Na escola a professora procura que a aluna aprenda a transcrever números
de telefone para a sua agenda pessoal, números que lhe são ditos pelos colegas da turma. A justificação
da professora: esta actividade facilita o relacionamento do aluno como outros colegas.
Módulo 4
Prática educativa
Índice do Módulo
Material para estudo................................................................................................. 128
Material para discussão
Unidade 4.1 Colaboração dos pais, outros familiares e elementos da comunidade 160
Unidade 4.2 Cooperação entre profissionais............................................................ 165
Unidade 4.3 Aprendizagem e ensino cooperativo entre alunos............................... 167
Unidade 4.4 Participação parcial.............................................................................. 171
Unidade 4.5 Apoio especial nas fases de transição.................................................. 174
Unidade 4.6 Currículos funcionais em escolas regulares (alternativa A)................. 178
Unidade 4.6 Currículos funcionais em escolas regulares (alternativa B).................. 179
Unidade 4.6 Currículos funcionais em escolas regulares (alternativa C).................. 180
Unidade 4.6 Currículos funcionais em escolas regulares (alternativa D)................. 181
GUIA
A educação ou o ensino de uma criança ou jovem não passa só pela escola. A família desempenha
também um papel fundamental. O enquadramento dos nossos alunos passa pela optimização da
cooperação entre todos os agentes envolvidos no processo educativo. Os técnicos têm que estudar a
melhor maneira de trabalharem em cooperação com os pais e estruturarem a cooperação entre eles
mesmos.
Temos também que acreditar que os alunos têm um papel importante no seu processo educativo. A sua
opinião deve ser escutada com atenção e levada em conta. De acordo com as suas capacidades o aluno
deve ser um participante activo nas escolhas que se fazem. Quanto mais consciência ele tiver do que se
pretende para ele, mais facilmente adere ao projecto.
Por outro lado, não podemos esquecer que o mundo desses alunos está povoado de colegas com quem
lida de perto, muitas vezes anos seguidos. O apoio deles pode e deve ser, muitas vezes, considerado.
Há fases importantes na vida de um jovem, nomeadamente épocas de transição para esquemas
educativos ou de formação a que não estava habituado. É fundamental que, nessas alturas, ele tenha o
acompanhamento técnico que necessita.
Por fim, procuraremos apreciar a aplicabilidade deste tipo de ensino com características funcionais na
Escola Regular.
PERSPECTIVA HOLÍSTICO-CONSTRUTIVA
A perspectiva Holístico-Construtiva reconhece que a aprendizagem está dependente de experiências
prévias de aprendizagem.
Um factor de grande importância para a aprendizagem holística ou experiencial consiste na integração
do processo de ensino numa informação que se relacione com os desejos, os interesses e as experiências.
(Dewey, 1963; Poplin, 1988).
Uma intervenção pedagógica que incorpore práticas holísticas usa, geralmente, unidades temáticas ou
projectos. Estas unidades de experiência integrada ou trabalhos de projecto não são novos no sector da
Educação Especial. Já em 1935, influenciado pela filosofia de Dewey, Ingram explicitara a aplicação
destes métodos com alunos com dificuldades escolares.
Kirk e Johnson (1951) apresentaram o seguinte sumário dos critérios utilizados por Ingram para a
realização de unidades de trabalho efectivas:
1. As unidades de trabalho devem evoluir a partir das situações reais da vida da criança e desenvolver-
se em relação com os interesses directos da criança.
2. A escolha da unidade deve depender do desenvolvimento mental, social e físico da criança.
3. A unidade deve desenvolver o indivíduo, enquanto tal, e deve promover as actividades de grupo em
participação e cooperação.
4. A unidade seleccionada deve ser aquela que desenvolve o interesse nos hábitos e nas atitudes básicas.
Estes devem incluir conhecimentos e capacidades necessárias à participação social.
5. A actividade seleccionada deve desenvolver o interesse por actividades realizadas fora da escola.
Uma unidade que envolve uma participação da família e da comunidade é preferível a uma actividade
que só tem lugar no âmbito da escola.
6. A unidade seleccionada deve incluir actividades que utilizem as matérias como instrumentos. O
ensino da leitura, escrita e matemática devem estar relacionados com a unidade, sempre que possível.
7. A unidade deve ser de natureza a envolver as crianças numa variedade de experiências.
Outros autores já demonstraram a importância do papel da experiência prévia no planeamento
educativo. No seu volume clássico intitulado “Teaching The Slow Leaner”, Featherstone (1915) fez a
seguinte observação acerca da natureza da experiência:
O conteúdo destas experiências, ou seja, o assunto em causa deve ter características que permitam o seu
relacionamento com a sua experiência passada; de outra forma ele vai ser incapaz de “responder com
sentido” a ideias que encontra nos livros ou a alguma situação de vida com que se depare pela primeira
vez. (p. 42)
Mais recentemente, Meyen (1981) propôs a utilização de unidades de ensino como mecanismos capazes
de organizar a intervenção educativa de alunos do ensino regular e do ensino especial, lado a lado.
Notou que, para os alunos com capacidades de aprendizagem limitadas, a experiência da unidade de
trabalho integrado se revelou extremamente aconselhável.
As características que, fundamentalmente, tornam aconselháveis as unidades (experiência integrada)
consistem na capacidade de ligação entre o ensino de capacidades, conceitos e informações e as
experiências significativas para o aluno. (p. 6)
Qualquer que seja o nome que queiramos atribuir - ensino holístico, experiencial ou cognitivo - o ênfase
situa-se na relação do que se ensina - capacidade, conhecimento, atitude - com algo de significativo na
vida do aluno. Os princípios de educação assumidos por Ingram (1935), Featherstone (1951) e Meyen
(1981) servem como referências históricas acerca da importância da pedagogia experiencial para os
alunos com deficiências moderadas.
Teoria da motivação humana
Tal como foi observado por Deci e Chandler (1986), a motivação envolve autodeterminação,
competência e relacionamento.
Os alunos têm de ter algum papel no processo de decisão e de ser chamados a pronunciarem-se sobre o
que vão estudar e como o podem fazer da melhor maneira.
A autodeterminação, enquanto qualidade de comportamento, devia ser um objectivo para toda a
educação...
Gostaríamos que a educação de todas as crianças, incluindo as que têm dificuldades de aprendizagem e
outras crianças com necessidades educativas especiais, fosse organizada segundo os princípios que
promovem um funcionamento autodeterminado. Um funcionamento como este seria capitalizado num
comportamento intrinsecamente motivado - comportamento que é organizado pelo interesse e pelo
desejo de aceitar novos desafios - e facilitaria, também, a interiorização e a eventual integração das
regras externas que são necessárias ao funcionamento efectivo do mundo social. (p.588)
Os estudantes com dificuldades escolares, após uma história de insucesso, desenvolvem,
frequentemente, atitudes de “desistência” (Smith, 1990).
A estratégia típica consiste em dar prémios extrínsecos, de modo a manter a atenção na tarefa, o que
conduz facilmente à dependência de outros para o empenhamento em actividades de aprendizagem
(Deci e Chandler, 1986).
Raramente se dão ao aluno oportunidades para optar acerca das matérias a estudar ou acerca das
estratégias de aprendizagem. Com uma tão limitada oportunidade de participar no processo de
aprendizagem ao nível das decisões, não é surpreendente que os alunos desenvolvam uma atitude de
“não te rales” em relação à escola e ao processo de aprendizagem.
Mesmo quando se trata de decisões sobre a participação em programas de educação especial, as opiniões
do aluno, os seus sentimentos e preferências não são, geralmente, explorados. Deixando de lado a
tomada de decisões, o sentido da responsabilidade e de autonomia em relação à aprendizagem fica muito
reduzido.
Aprendizagem cooperativa
A vasta maioria dos alunos ingressa num programa de ensino sem conhecer qual o seu objectivo, sem
saber qual a relação que esse ensino tem com a sua vida e sem ter a oportunidade de avaliar, por si
próprios, qual pode ser a melhor forma de executar as tarefas propostas.
A autodeterminação é omitida no processo de ensino. Não se oferece ao aluno a possibilidade de escolha
entre tópicos a estudar relacionados com os objectivos da aprendizagem. Na ausência de um conteúdo
com significado que se relacione com as experiências e os interesses do aluno, o ensino está destituído
do sentido de associação e de aplicação. Os objectivos das matérias deveriam ser inseridos num
conteúdo que fosse útil para a experiência de vida do aluno e para as suas necessidades e este deveria
envolver-se em tarefas, em conjunto com os colegas e o professor.
Para poder incrementar o processo de envolvimento, o aluno necessita de partilhar a responsabilidade de
realizar experiências de aprendizagem com os seus colegas e de desenvolver, com eles, oportunidades
de mútua inter-ajuda. Um subproduto deste ensino cooperativo consiste no processo de socialização que
ele encerra.
A aprendizagem cooperativa envolve grupos de alunos trabalhando em conjunto, num esforço comum,
ajudando-se mutuamente a realizar uma tarefa ou um projecto.
Os diferentes métodos de aprendizagem cooperativa têm uma finalidade central: facilitar a realização
pessoal, fazendo com que os membros do grupo se sintam responsabilizados pelo sucesso uns dos
outros. (Slavin, 1990).
Estudos sobre os efeitos benéficos da aprendizagem cooperativa demonstraram que os estudantes
envolvidos com outros nestes processos de aprendizagem desenvolvem sentimentos positivos acerca de
si próprios, aprendem a interagir em situações sociais e, em muitas circunstâncias, revelam uma maior
capacidade de realização (Hilke, 1990: Loyd et al. 1988). No estudo com estudantes com e sem
deficiências, a aprendizagem cooperativa revelou-se superior à aprendizagem de orientação competitiva
ou individualista (Johnson e Johnson, 1983).
Embora não pretendamos debater aqui a integração na sala de aula versus sala de apoio, acentuamos o
facto dos alunos aprenderem, através dos outros, tarefas que aqueles já conseguiram dominar. Para
aprender novas competências, a maioria dos estudantes precisa de um perito que lhes ensine o caminho.
Em todos os grupos de alunos com dificuldades de aprendizagem há sempre uns que já adquiriram as
capacidades e os conhecimentos enquanto outros ainda o não conseguiram. A aprendizagem cooperativa
também proporciona suporte moral aos membros do grupo, o que os incentiva à exploração e à
descoberta e os motiva para prosseguir nas tarefas.
O movimento da educação experiencial
A confluência das orientações da teoria Holístico-Construtiva, a teoria da motivação humana e a
aprendizagem cooperativa, representam três elementos chave do movimento da educação experiencial.
As experiências e os conhecimentos prévios do aluno constituem a base que alicerça a aprendizagem
subsequente. A aprendizagem é elaborada a partir de experiências passadas de conhecimento e esta
compreensão básica permite que brotem, como em espiral, novos conhecimentos e modificações nos já
adquiridos. (Dewey, 1963: Poplin, 1988). Orientar a aprendizagem para tópicos ou conteúdos que se
relacionam com os interesses do indivíduo no contexto grupal, permite potenciar a oportunidade de
desenvolver o seu próprio caminho para o conhecimento e promove o sentido de responsabilidade e a
capacidade de autodeterminação. (Deci e Chandler, 1986).
Os processos de aprendizagem têm mais sucesso quando os estudantes trabalham em equipa para um
fim comum, partilhando e negociando o desenrolar do processo e os objectivos finais a atingir. (Sharon
e Lazariwitz, 1980).
Os professores receiam que, ao permitir aos estudantes que trabalhem em conjunto, se fomentem
problemas de comportamento. No entanto, sempre que os estudantes têm liberdade para determinar as
próprias regras de conduta, podem determinar quais os conteúdos que permitem atingir determinados
objectivos e podem escolher os meios que vão permitir demonstrar os conhecimentos adquiridos. Os
desvios comportamentais são consideravelmente reduzidos.
Adaptado de Eugene Ensminger e Harry L. Dangel (1992). A Pedagogia Foxfire: Uma confluência das
melhores práticas de Educação Especial. Focus on Exceptional Children, 24, (7), p. 1-16. (Tradução em
português)
INTEGRAR ALUNOS DO ENSINO BÁSICO COM INCAPACIDADES MÚLTIPLAS
EM CLASSES REGULARES COM APOIO ESPECIAL
Problemas e soluções
A colocação integrada de alunos com incapacidades múltiplas em classes regulares (Strully & Strully,
1989) vem sendo defendida por profissionais de educação e pelos pais. Neste modelo, pressupõe-se o
apoio nas vertentes da modificação curricular, nível de participação do aluno e integração social através
da intervenção de docentes de educação especial, outros profissionais a trabalhar nesta área,
"facilitadores" de integração (Ruttiman & Forest, 1987), e/ou colegas sem problemas (Forest &
Lusthaus, 1990). Deste modo pode oferecer-se aos alunos com incapacidades mais e maiores
oportunidades de interacção com colegas sem problemas, assim como um currículo com um conteúdo
mais significativo para o aluno (Ford & Davern, 1989; Sailor e al., 1989; York, Vandercook, Caughey &
Heise-Neff, 1990).
A literatura especializada tem vindo a apresentar estratégias no sentido de ajudar os docentes do ensino
regular e os alunos a desenvolver experiências positivas de integração (Certo, Haring & York, 1984;
Gaylord-Ross, 1989; Stainback & Stainback, 1985) e incentivar a formação de equipas de docentes do
ensino regular e especial que promovam a integração nas classes regulares (Vandercook, York & Forest,
1989; York & Vandercook, 1991).
Uma das preocupações práticas dos professores é a de como desenvolver, ao mesmo tempo, ganhos nas
aprendizagens e na aceitação social durante as actividades regulares da classe em que todos os alunos
estão envolvidos.
Este artigo aborda quatro desafios potenciais que se colocam a quem presta apoio pedagógico, ao
mesmo tempo que refere soluções que têm sido bem sucedidas como respostas a esses desafios num
ambiente escolar de ensino básico. As nossas observações são resultantes de 4 anos de experiência de
integração de alunos com incapacidades múltiplas, onde se incluem alunos com atrasos mentais
moderados e severos ou autismo, alguns com dificuldades físico-motoras, visuais, e/ou de
comportamento, associadas. Os nossos esforços centraram-se na integração de alunos em níveis que vão
desde o Jardim de Infância até ao 2º ciclo.
Situação à partida
O caso da Sara, uma aluna do 1º ano de escolaridade, serve de exemplo aos vários problemas e soluções
que iremos abordar. A Sara era uma aluna com incapacidades múltiplas, nomeadamente atraso mental -
entre o moderado e o severo - associado a dificuldades motoras e visuais. Frequentava uma escola do 1º
ciclo com cerca de 350 alunos de uma comunidade com cerca de 35.000 pessoas. Na fase pré-escolar, a
Sara frequentou um Jardim de Infância regular, durante metade o dia. No ano seguinte, frequentou, a
tempo pleno, uma classe regular do 1º ano.
Problemas e Soluções
Problema n.º 1: Propiciar um Currículo Funcional numa Classe Regular
O ensino de aptidões funcionais necessárias para participar da vida doméstica, das actividades de recreio
e lazer e da vida na comunidade, de forma integrada e activa é uma das componentes mais
determinantes numa correcta educação de alunos com incapacidades múltiplas (Falvey, 1989).
Dado que muitas aptidões funcionais como o asseio pessoal e o vestir raramente se ensinam na educação
regular, um dos problemas do apoio educativo é a forma como se poderá ensinar estas aptidões num
ambiente essencialmente académico da classe regular.
Podem considerar-se 5 soluções para enfrentar este problema.
Em primeiro lugar, poderá conseguir-se um apoio parcial através da colaboração de um colega no
contexto das actividades da classe.
Por exemplo, quando a Sara chegava à escola no Inverno, conseguia facilmente descalçar as botas.
Contudo, tentar calçá-las era uma tarefa morosa e, muitas vezes, acabava por perder grande parte dos
trabalhos da manhã. Uma solução encontrada foi fazer com que a Sara descalçasse as botas à chegada e
as levasse consigo para a sala. Aí ensinou-se-lhe a pedir ajuda a um colega para a ajudar a calçar as
botas e atar os atacadores. Foi feita ao seu colega uma demonstração de como ajudar a Sara,
especialmente nas partes mais difíceis da tarefa, e como encorajar a sua colega a ser autónoma nas
partes mais fáceis. Esta solução conduziu a interacções positivas entre a Sara e os seus colegas,
possibilitando-lhe tomar parte na rotina da classe e permitiu-lhe fazer progressos nas aptidões dos
cuidados pessoais.
Uma segunda estratégia poderá ser a identificação de "tempos mortos" durante o dia de escola, nos quais
se poderá fazer o ensino das aptidões funcionais sem afectar a rotina da classe regular.
Por exemplo, a Sara tinha muitas vezes pingo no nariz e ainda não era capaz de se assoar sozinha. A
professora de apoio levava-a consigo em alturas da chegada, nos intervalos das actividades académicas,
um pouco antes e depois do intervalo da manhã e do almoço para pequenas sessões de trabalho.
Deste modo, ela perdeu muito pouco tempo de actividade escolar da classe e obteve um considerável
melhoria na autonomia no final do ano lectivo.
Uma terceira solução possível é propiciar ensino paralelo em aptidões funcionais na sala de aula normal
enquanto os colegas desenvolvem o seu trabalho escolar.
Por exemplo, enquanto os seus colegas trabalham sobre o valor de posição, em matemática, parte ou
todo esse tempo pode ser empregue a ensinar a Sara aptidões funcionais da área da matemática como
conhecer o dinheiro ou outras do género. A intervenção feita por um professor de ensino regular
reduzirá o risco de possível estigma associado a uma programação paralela, já que ele poderá identificar
alunos "sem problemas" que necessitem do mesmo tipo de intervenção da Sara, podendo juntá-los à vez
com a Sara nas suas actividades de cuidados pessoais. Desde que o professor se vá referindo a estas
actividades como sendo a unidade de "saúde" ou "higiene" e vá incluindo nelas alunos não "deficientes",
a Sara não será apontada como a única e a que é diferente dos colegas. As crianças "sem problemas"
poderão beneficiar do ensino destas aptidões funcionais tanto como os alunos com incapacidades ou
problemas.
Se nenhuma das estratégias acima mencionadas parecer viável, deverá considerar-se a retirada parcial do
aluno da classe regular para um ensino mais especializado.
Por exemplo, quando os alunos sem problemas estão a trabalhar em actividades de tipo académico
claramente fora do alcance do nível de capacidade do aluno, poderá ser mais adequado o ensino de
aptidões funcionais fora da classe, como a utilização da casa de banho, preparação de pequenas
refeições ou atravessar a rua.
Finalmente, de modo a garantir que o tempo dedicado ao ensino não é desperdiçado, os serviços
regionais deverão assegurar que os objectivos dos Programas Educativos sejam estabelecidos com base
num guia curricular aprovado para o efeito (ex., Falvey, 1989; Ford e al., 1989). Um guia deste tipo
poderá ser a garantia de que determinados objectivos educativos importantes não vão ser esquecidos.
Problema n.º 2: Oferecer um Ensino Centrado-na-Comunidade
Outro problema que se levanta na integração na classe regular é o de inserir no Programa Educativo um
ensino centrado na comunidade.
É necessário recorrer a um ensino centrado na comunidade devido às dificuldades de generalização que
os alunos com incapacidades múltiplas apresentam.
Contudo, recorre-se geralmente muito poucas vezes a este tipo de ensino para os alunos do ensino
primário regular.
Mesmo para conseguir cumprir uma orientação curricular aprovada que inclua um ensino centrado na
comunidade, teremos de recorrer a duas estratégias para conseguir enfrentar este problema.
A primeira é trazer a comunidade para a sala de aula.
Um exemplo desta estratégia foi empregue em conjugação com a unidade de criação de textos, na qual
se propôs aos alunos que escrevessem sobre tartarugas. De modo a tornar esta unidade mais significativa
para a Sara, que tinha tido um contacto muito limitado com tartarugas, foram feitas algumas diligências
no sentido de pedir emprestada uma tartaruga numa loja de animais de estimação. Depois de terem
recebido a visita da tartaruga por uma manhã, a Sara, mais três colegas seus sem problemas e a
professora de apoio levaram de volta a tartaruga. Os quatro alunos tiveram oportunidade de ver, tocar, e
aprender vária coisas sobre animais e aves exóticas. A Sara e outros dois colegas seus observaram os
animais e o outro tomou nota dos animais preferidos do dono da loja e do seu custo. Após voltarem à
escola os quatro escreveram e partilharam uma história acerca das suas diligências e escreveram uma
nota de agradecimento ao dono da loja. Deste modo, os quatro alunos tiveram uma experiência ligada
comunidade, integrada na unidade de elaboração de textos e permitindo que alunos sem problemas
aplicassem as suas capacidades numa situação real e significativa. Embora a utilização de recursos da
comunidade possa tornar-se difícil em todas as unidades, a ponderação cuidada destas oportunidades
pode enriquecer o currículo regular e propiciar oportunidades de um ensino centrado na comunidade.
Outra estratégia possível poderá ser a utilização, de uma forma integrada, do ensino centrado na
comunidade para alunos com incapacidades (Ford & Davern, 1989).
Pequenos grupos de alunos sem problemas, rotativamente, poderão acompanhar o seu colega com
problemas. As experiências na comunidade oferecem certamente a todos os alunos a oportunidade de
aplicar as suas aprendizagens feitas na sala de aula a contextos reais. Por exemplo, o ensino integrado
num supermercado poderá ser organizado de modo a que o aluno com incapacidades múltiplas tente
localizar vários produtos enquanto os seus colegas exercitam os custos de vários produtos e comparam
os seus preços.
Problema 3: Organização do horário dos intervenientes
Os técnicos de educação especial podem apoiar os alunos integrados de diferentes modos,
nomeadamente:
Fazendo adaptações se necessário.
Ajudando o professor da classe no trabalho com um dado aluno.
Agregando, em determinadas circunstâncias, alunos sem problemas.
Leccionando ou ensinando directamente alunos.
Promovendo interacções positivas entre os alunos.
O problema da organização do horário reside em distribuir estes tipos de apoio quando eles são
realmente necessários para que o aluno participe nas actividades da sala de aula.
Uma das soluções encontradas no caso da Sara foi pedir aos docentes de apoio e do ensino regular que,
em conjunto, definissem as alturas em que o apoio seria mais necessário.
O professor de apoio organizou um esquema mais flexível de modo a que ele pudesse ajudar a Sara
durante as actividades consideradas mais problemáticas para ela e/ou fossem de mais difícil
individualização.
Dado que se torna vantajoso dispor de apoio em determinados períodos críticos, por vezes, os
professores têm necessidade de apoiar diferentes alunos em diferentes classes ao mesmo tempo. Nestas
situações, os estudantes universitários em estágio ou pais voluntários podem proporcionar uma ajuda
extra. Com algum treino prévio, estes voluntários podem dar uma ajuda na sala de aula, especialmente
nas alturas em que o professor de apoio não o pode fazer.
Outra estratégia é dotar os docentes do ensino regular com capacidade para assumir maiores
responsabilidades educativas em relação a alunos com incapacidades múltiplas.
A nossa experiência tem sido demonstrativa de que os docentes do ensino regular podem ser tão
competentes como os do ensino especial na resposta às necessidades de alunos com problemas.
Encorajando-os a fazê-lo, implicando-os na resolução de problemas educativos, demonstrando-lhes a
utilização de técnicas específicas e reforçando as realizações conseguidas, tudo isto são estratégias para
melhorar a competência e confiança dos professores de classes regulares.
Outra estratégia para lidar com problema da organização horária dos técnicos é realizar um trabalho
estreito com o professor da classe, de modo a identificar quando e como os alunos sem problemas
poderão desempenhar o papel de apoio aos colegas.
Por exemplo, poderão preparar-se actividades conducentes a uma aprendizagem cooperativa (Johnson &
Johnson, 1989), em que os alunos assumam responsabilidades de trabalhar juntos e ajudar-se
mutuamente.
Outra solução suplementar para garantir uma cobertura técnica adequada é a redução de alunos na classe
que tenha um aluno com incapacidades múltiplas integrado.
Sailor e colegas (1989) adiantaram que esta estratégia pode potenciar o trabalho de apoio efectuado pelo
docente da classe regular.
Problema 4: Promover a Integração Social
O último problema de que vamos tratar aqui é o da promoção da integração social e da amizade entre
alunos com e sem incapacidades. Strully e Strully (1989) defenderam que o apoio educativo é
importante porque proporciona a construção da amizades e relações pessoais duradoiras e mutuamente
vantajosas. A investigação de Guralnick (1980) apontava no sentido de que estas relações não ocorrem
somente devido a uma integração física, embora este facto facilitasse bastante as coisas.
Apoio da gestão escolar
O pessoal que administra e gere a escola pode interferir positivamente na formação de amizades de
várias formas.
Em primeiro lugar, os alunos com incapacidades múltiplas podem matricular-se na classe regular da
área da sua residência, como os alunos sem problemas, mantendo os seus laços de vizinhança com as
outras crianças, facilitando a sua participação em actividades extra-escolares como festas e actividades
de complemento curricular (Brown e al., 1989; Sailor e al., 1989).
Em segundo lugar, o pessoal que gere a escola pode proporcionar o ambiente para a integração na
escola.
Na escola da Sara, o director era um adepto convicto de que todas as crianças deveriam estar nas suas
classes regulares e que deveria ser um objectivo fundamental de cada classe a promoção de interacções
sociais positivas. Assim, os docentes tinham um conhecimento mais aprofundado dos aspectos sociais
da educação e centravam os seus esforços na promoção de relações positivas entre os seus alunos.
Em terceiro lugar, os gestores podem promover oportunidades de interacção social fora da escola.
O director da escola da Sara tinha desenvolvido programas recreativos mensais e colónias de férias que
permitiam aos alunos situações de socialização.
Apoio dos professores
Os professores do ensino regular podem, também, participar na resolução do problema da promoção
das interacções e das amizades.
Uma das estratégias melhor documentadas é a aprendizagem em cooperação (Johnson & Johnson,
1989), na qual as recompensas e avaliações são centradas na qualidade do trabalho e colaboração que o
aluno demonstre.
Os professores do ensino regular podem promover igualmente uma atmosfera social positiva lidando
com os alunos com incapacidades múltiplas de um modo tão normalizado quanto possível.
A professora da Sara, por exemplo, registou o nome da Sara no livro de matrícula da classe e destinou-
lhe uma carteira, cabide e materiais da mesma forma que para os restantes alunos. Ela esperava,
encorajava e recompensava a adesão às normas da classe em relação a todos os alunos da classe,
incluindo a Sara. Estas acções faziam com que todos os alunos da classe assumissem que a Sara era um
membro da classe como outro qualquer.
Por último, o professor da classe regular pode desenvolver activamente relações sociais (Stainback &
Stainback, 1987).
A professora da Sara fazia-o juntando os alunos dois a dois para a realização de muitas actividades,
exemplificando e incentivando interacções sociais e recompensando os alunos sempre que ocorriam
interacções positivas.
Os educadores de ensino especial, os professores de apoio e as pessoas que em geral promovem a
integração podem enfrentar os problemas da promoção das interacções sociais de muitas maneiras.
Podem fazer de modelo e encorajar as interacções sociais.
No início do ano escolar, os alunos sem problemas perguntavam com insistência à professora de apoio
sobre se a Sara gostaria ou não de brincar e se gostaria de fazer certas actividades. A professora de apoio
propunha que fossem as próprias crianças a perguntar à Sara ou mostrava-lhes como o poderiam fazer.
No final do ano, os alunos sem problemas tomavam iniciativa de falar com a Sara, sem necessitarem da
ajuda da professora de apoio.
Uma segunda estratégia consiste na realização de sessões de sensibilização centradas na apreciação de
semelhanças e diferenças e do estar com pessoas que apresentam de algum modo alguma diferença
(Hamre-Nietupski & Nietupski, 1985).
Na classe da Sara, a sua professora de apoio e o conselheiro de orientação (escolar) conceberam uma
unidade de estudo de seis sessões sobre como as crianças são semelhantes e diferentes, como fazer
amizade com as pessoas que vivem à nossa volta e como comunicar de diferentes formas. As
actividades consistiam em que todas as crianças identificassem os seus pontos fortes e fracos, gostos e
aversões, procurassem formas específicas de se tornar amigos dos colegas e aprendessem a encetar e
responder a interacções sociais. Estas actividades eram desenvolvidas no grande grupo onde estava a
Sara e onde ela não era referenciada de forma especial.
Os professores de apoio podem incentivar grupos de amigos de modo a promover interacções sociais
(Forest & Lusthaus, 1990).
Na escola da Sara estava integrado uma aluna com autismo numa turma regular do 5º ano. O professor
de apoio, preocupado com a sua pobre integração social, organizou um grupo de amigos com colegas
voluntários e sem problemas. Este grupo combinava acções conjuntas dentro e fora da escola, tais como
ir à biblioteca em conjunto e frequentar um programa recreativo e assim desenvolviam a sociabilidade
com ela.
Por fim, os professores de apoio podem manter os pais informados acerca das oportunidades de
interacção e motivar a participação dos pais.
A professora de apoio da Sara mantinha regularmente informados os seus pais acerca dos alunos com
quem ela se dava e das actividades circum-escolares que frequentava. Por vezes, ela conseguia fazer
arranjos com os transportes de modo a que a Sara pudesse participar nas actividades com os colegas.
Apoio dos pais
O apoio dos pais é igualmente necessário para incrementar as relações sociais e as amizades.
Os pais podem incrementar as organizações de ligação pais-professores e as actividades extra-escolares.
Podem incentivar a participação dos seus filhos em actividades extra-escolares como Escuteiros, Clubes,
ou ajudá-los a provocar situações de jogo com colegas, ajudando-os a formular convites a amigos sem
problemas para dormir em sua casa ou ficarem um fim de semana, ou facilitando a sua participação em
festas de anos dos amigos. Estas actividades são extremamente importantes para criar e manter
amizades.
Os pais também podem facilitar o desenvolvimento de relações sociais através do cuidado que põem na
escolha do vestuário e no estilo de penteado dos filhos.
Os alunos sem problemas, mesmo nos primeiros níveis de escolaridade, são bastante sensíveis ao
vestuário que está na moda. Como se trata de uma área sensível e carregada de sentimento, deve ter-se o
maior cuidado e subtileza nas iniciativas que se tomem. Por exemplo, quando se lhes pede opinião, os
professores costumam sugerir prendas de festas ou aniversário (por exemplo, "tenho reparado que a Sara
gosta realmente das saias de marca "Tracy") como um meio de ajudar os pais na facilitação da aceitação
social.
Conclusão
Embora nos sintamos orgulhosos dos resultados das estratégias que acima referimos, deveremos chamar
a atenção para duas limitações importantes.
Em primeiro lugar, estas estratégias visam alunos dos primeiros anos de escolaridade.
Será necessário investigação e comprovação suplementar que oriente os docentes de alunos mais velhos.
Em segundo lugar, levantaram-se várias questões a partir da situação de como e em que medida os
alunos com incapacidades múltiplas deverão ser integrados em classes ou turmas regulares. No
momento presente, talvez estas questões devam permanecer em aberto - dando oportunidade aos que
trabalham directamente com os alunos e aos investigadores para as esclarecer através de acção e
demonstração empírica.
A educação regular de apoio a alunos com incapacidades múltiplas apresenta vários desafios, mas
começam a surgir soluções potenciais interessantes. Esperamos que, através de exemplos como este, um
cada vez maior número de sistemas escolares se sinta motivado a integrar alunos dos primeiros anos de
escolaridade e com incapacidades múltiplas, de uma forma plena, nas classes ou turmas regulares.
Tradução e adaptação de texto de Susan Hamre-Nietupski, Jennifer McDonald e John Nietupski (1992).
Integrating elementary students with multiple disabilities into supported regular classes. Teaching
Exceptional Children, Primavera, 6-9.
UTILIZAÇÃO DE CURRÍCULOS FUNCIONAIS COM ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL ACENTUADA INTEGRADOS NA ESCOLA REGULAR
Condições prévias ao estabelecimento dum Programa Educativo de base funcional
A aplicação de currículos funcionais, na escola regular, implica que se garanta a existência das seguintes
condições:
Preparação do pessoal auxiliar, docente, técnico e dirigente que intervém no processo.
O factor mais importante a ter em conta na adequação da escola e da classe regular às necessidades dos
alunos com deficiência intelectual acentuada consiste na atitude de aceitação do pessoal docente e
dirigente que intervém neste processo.
Para além desta atitude (que pode ser preexistente à admissão destes alunos ou ter-se desenvolvido à
medida que se estabeleceu com eles uma relação) é importante que seja proporcionada uma preparação,
mesmo que genérica, sobre as suas necessidades educativas e sobre as estratégias a desenvolver na sua
integração escolar. No caso de se pretenderem aplicar currículos funcionais é ainda essencial que
tenham oportunidade de conhecer a filosofia que os justifica, os objectivos que com eles se pretende
alcançar e as estratégias básicas da sua aplicação.
Esta preparação inicial dos dirigentes e dos professores poderá ser realizada por algum professor de
apoio, em reuniões de sensibilização ou cursos de curta duração. O aprofundamento desta perspectiva
educativa terá lugar ao longo do tempo, através do contacto directo com os alunos e será desenvolvida
através da experiência que se desenrolará no contexto escolar.
Existência, na escola, de recursos humanos e materiais considerados necessários.
Não é possível estabelecer, duma forma genérica, quais devem ser estes recursos, pois tal depende de
inúmeros factores como a sensibilização e formação dos professores, o ratio professor/aluno, a
experiência prévia de integração destes alunos e as características dos próprios alunos.
Podemos, no entanto, afirmar que, na generalidade dos casos, é importante que a escola possa contar
com:
Pessoal auxiliar disponível para atender alunos que tenham problemas motores graves.
Espaço que possa ser utilizado por pequenos grupos.
Professores com preparação especializada e, em alguns casos, terapeutas ou outro tipo de técnicos.
Capacidade de dotar as classes com o equipamento adequado e os alunos com as ajudas técnicas de
que necessitam.
Capacidade em manter os alunos durante um horário escolar pleno, que responda às necessidades das
famílias.
Solução dos problemas que se podem levantar ao transporte dos alunos.
Consideramos que é desejável que a escola seja considerada como o motor essencial do processo
integrador mas consideramos, igualmente, que é indispensável que tenha a possibilidade de reunir os
recursos específicos de que estes alunos necessitam.
Elaboração de um Programa Educativo, baseado no conhecimento dos alunos, no seu contexto
familiar e social, em que participem os pais e todos os profissionais que interferem com o aluno.
A elaboração deste programa constitui um elemento-chave no sucesso deste processo, pois nele serão
explicitados quais os conteúdos curriculares que foram seleccionados e irá ser descrita a forma como se
poderá articular a acção dos diversos intervenientes, especialmente o professor da classe que o aluno
frequenta, a acção dos outros profissionais que, eventualmente, colaborem neste processo e a
intervenção de não profissionais - pais, outros familiares, vizinhos, etc..
Para além da articulação do trabalho a desenvolver dentro e fora da sala de aula, é importante que este
programa especifique a forma como a perspectiva funcional pode imbuir os conteúdos do currículo que
estes poderão partilhar com os restantes colegas para que o processo educativo seja todo ele orientado
numa mesma perspectiva e que não se divida entre duas facetas distintas e que nada têm de comum: o
ensino académico da sala de aula e a aprendizagem de tarefas funcionais fora desta mesma sala.
Organização das condições de ordem técnica, administrativa e financeira que são indispensáveis
à aplicação destes currículos.
A maioria das escolas, em muitos países, entre os quais o nosso, não está preparada para que a acção
educativa implique o conjunto diversificado de actividades que compõem um Programa Educativo
funcional.
A colaboração estreita com as famílias no ambiente domiciliário, a utilização dos recursos da
comunidade como espaços educativos (por exemplo, a loja, o supermercado, o transporte público, a
discoteca), a utilização de espaços escolares aos quais não é normalmente reconhecido um valor
educativo (bar, cantina, reprografia, etc.), a análise de tarefas numa actividade laboral, são, entre outras,
actividades inerentes a muitos destes programas e que é necessário poder desenvolver sem que se
levantem a cada momento obstáculos de ordem técnica ou material.
É necessário que o tempo que os professores passam fora da sala de aula seja contemplado como tempo
lectivo; é necessário que se disponha de “fundos de maneio” fáceis de manejar e susceptíveis de serem
gastos em bens aparentemente não pedagógicos, tais como bilhetes de autocarro, produtos alimentares
ou entradas num espectáculo. É ainda necessário reciclar os professores em técnicas diversas como seja
a “análise de tarefas”, a organização de trabalhos de grupos ou a intervenção familiar e comunitária.
Se a sensibilização dos dirigentes e professores que referimos acima tiver tido êxito e se a escola
dispuser de um grau aceitável de autonomia, muitos destes problemas serão facilmente solucionados. No
entanto, no que respeita a aplicação de currículos funcionais com jovens que se encontram na fase de
transição da escola para a vida pós-escolar, em relação aos quais é essencial programar actividades de
carácter laboral no exterior, podem levantar-se dificuldades mais complexas se não existir uma
coordenação harmoniosa entre os serviços educativos e os que superintendem à formação profissional e
emprego.
Estratégias pedagógicas favoráveis à aplicação de currículos funcionais a alunos com
deficiência intelectual acentuada, integrados em classes regulares (Ainscow, 1993)
A utilização de uma perspectiva funcional com todos os alunos.
Se no Programa Educativo dum aluno com um grave défice intelectual é necessário incluir actividades
que seriam desajustadas nos programas destinados à generalidade dos alunos, pois pressupõe a
aprendizagem de competências que estes últimos adquiriram nas idade pré-escolares ou que foram
capazes de dominar “por si sós”, sem que fosse requerido um ensino sistematizado (por exemplo, cuidar
da sua higiene pessoal, andar num transporte público, utilizar um self-service), é igualmente verdade que
a perspectiva funcional deve fazer parte integrante da orientação educativa de grande número de
matérias ditas académicas e que a capacidade de funcionar de forma autónoma e socialmente adequada
na vida familiar e na comunidade devem constituir matérias nobres incluídas em todos os Programas
Educativos.
Uma classe em que os professores procuram relacionar o conteúdo das diferentes áreas com as vivências
dos alunos e com situações reais que requerem solução, e em que se valorizam os conhecimentos
práticos que irão ser necessários ao longo da vida (por exemplo, preencher impressos diversos, elaborar
orçamentos, planificar actividades, manejar instrumentos, realizar tarefas úteis no domicílio, etc.),
constitui um espaço educativo em que será, necessariamente, mais fácil integrar um programa funcional
dum aluno deficiente do que uma classe em que o currículo académico é ministrado de forma
tradicional, sem este estreito relacionamento com a sua aplicação concreta.
De facto, em muitas escolas, as relações entre uma perspectiva curricular funcional e o currículo
tradicional são extremamente ténues e as orientações em diversos países apontam, nesta área, para
caminhos muito diversos. Por um lado, assiste-se a um reforço dos modelos académicos tradicionais e à
revalorização das avaliações numéricas das diferentes disciplinas e, por outro lado, persiste a voz de
muitos pedagogos que lutam por uma educação de tipo funcional, que vise a preparação dos alunos para
a vida (Clark, 1994).
A utilização de aprendizagem cooperativa.
Um aluno com uma deficiência intelectual acentuada não pode compreender nem acompanhar todas as
matérias que constituem os programas estabelecidos para a generalidade dos alunos mas pode
acompanhar parte de algumas matérias e colaborar de diversas formas na concretização de projectos.
As classes em que se utiliza com frequência o trabalho de grupo, na prossecução de actividades de
projecto, oferecem mais possibilidades de integrar este tipo de alunos do que aquelas em que este tipo de
intervenções são raras ou inexistentes e que se estruturam com base no trabalho isolado de cada aluno.
A abertura da classe à participação de diversos intervenientes.
Se um professor só puder contar consigo, durante todo o tempo lectivo, para ensinar a sua classe,
dificilmente poderá responder às necessidades específicas dos alunos que se afastam da média, sob o
ponto de vista da capacidade de aprendizagem ou comportamental. Por maioria de razão, terá muita
dificuldade em responder aos problemas que os alunos com deficiência intelectual acentuada colocam.
Assim, as classes em que é utilizada, com frequência, a ajuda entre alunos, em que participam em
períodos variáveis outros profissionais (professores de apoio, auxiliares, professores estagiários,
técnicos, ou não profissionais da educação, tais como pais ou voluntários), o atendimento
individualizado a cada aluno e a resposta às necessidades dos alunos deficientes tem melhores condições
para se processar de forma adequada.
A diversidade de estratégias de ensino e de comunicação.
A diversidade de estratégias ou o ensino a diferentes níveis (multi-level instruction) (Porter, 1995),
constitui uma das chaves do sucesso da inclusão de alunos com deficiência. Pressupõe que um conteúdo
curricular determinado (previsto para a generalidade dos alunos) possa ser transmitido, trabalhado,
apreendido e explicitado, por diversas formas, de modo a que fique ao alcance de cada aluno, mesmo
dos que apresentem maiores dificuldades de aprendizagem. A grande maioria dos estudos que
recentemente se têm publicado sobre a perspectiva da escola inclusiva apontam para este factor como
decisivo (Wang, 1995). Por outro lado, desenvolvem-se actualmente inúmeros programas de formação
de professores que têm como objectivo central capacitá-los para lidar com esta diversidade: quer a
diversidade de alunos, quer a diversidade de meios de manejar o currículo.
A utilização desta multiplicidade de estratégias e a capacidade de gerir diferentes actividades em
simultâneo, na mesma sala de aula, podem permitir que estes alunos participem de forma específica e
parcial nas actividades da classe ou que exerçam actividades alternativas.
Esta segunda opção deve ser utilizada com prudência e nunca de forma exclusiva pois pode facilmente
conduzir a uma real marginalização destes alunos e a uma desistência de utilização de todas as suas
potencialidades. Pode ser fácil integrar um aluno com deficiência intelectual se este ficar ocupado todo o
tempo a fazer jogos de encaixe ou a colorir livros, sem que participe de nenhuma forma nas actividades
dos colegas; no entanto, nestes casos, as vantagens desta integração, quer para ele, quer para os colegas,
ficarão profundamente comprometidas.
Intervenção do professor de apoio e de outros agentes educativos.
Mesmo que uma classe regular ofereça as condições ideais de integração de alunos com deficiência
intelectual acentuada e por mais eficaz que seja a actuação do professor, é importante, como referimos,
que estes alunos possam contar com a intervenção dum professor de apoio e/ou de outros agentes
educativos que possibilitem que se realizem actividades fora da sala de aula e que colaborem, quando
necessário, na própria sala.
No entanto, a frequência com que se processa esta saída da sala de aula e a participação noutros espaços
dentro ou fora do edifício escolar dependem de diversos factores, como sejam o interesse e a capacidade
do professor regular de integrar o aluno, o tipo de problemas que o aluno apresenta, a sua idade, o
Programa Educativo que foi delineado, a intervenção prevista em colaboração com os pais, etc.. Em
muitos casos, estes alunos começam por ter uma participação limitada na classe regular e só passado
algum tempo, após a sua entrada na escola, começam a ser aceites com maior permanência nestas
classes.
No contexto funcional, as actividades que, de um modo geral, são desenvolvidas nos momentos em que
o aluno recebe apoio, fora da classe regular, são essencialmente as seguintes:
Aprendizagem e competências relativas a uma participação tão autónoma quanto possível nos
ambientes e sub-ambientes em que agora vive e em que se espera venha a viver numa futuro próximo.
Ou seja, a sua casa, o espaço que rodeia a casa, a escola, espaços diversos da comunidade em que vive
e/ou em que a escola está situada. Note-se que a aprendizagem das tarefas de âmbito familiar devem ser
realizadas em estreita colaboração com a família e implicarão, sempre que possível, a deslocação do
agente educativo a casa dos pais.
Aprendizagem de tarefas que tenham um cariz laboral e que devem iniciar-se precocemente,
desenvolvendo-se ao longo da escolaridade até consistirem, nas idades terminais, no centro da sua
actividade formativa. Estas tarefas podem ser realizadas no edifício da escola, em espaços propícios a
tal, como a cozinha, o snack-bar, o economato, a oficina de fotocópias, etc., ou em locais fora da escola
em que seja possível organizar estágios: restaurantes, edifícios autárquicos ou públicos, jardins, etc..
Aprendizagem de utilização dos recursos da comunidade: lojas, bancos, correios, estações,
transportes, etc..
Aprendizagem de participação em actividades e serviços de cariz cultural ou recreativo: participação
em grupos de escuteiros, inscrição e utilização de bibliotecas públicas, ida a restaurantes, espectáculos,
etc..
Apoio às aprendizagens de cariz académico, quando tal não possa ser realizado na classe regular.
Aprendizagem de utilização de equipamentos específicos e de ajudas técnicas.
Aprendizagem de técnicas específicas, especialmente se se tratar de alunos que, para além da
deficiência intelectual, apresentam problemas de ordem visual, auditiva, motora ou de comunicação.
Como se pode concluir por esta diversidade de actividades, o agente educativo pode ser diferente de
caso para caso e mesmo de actividade para actividade.
Em certas ocasiões os pais podem ser os mais importantes intervenientes, noutras será necessário contar
com um terapeuta da fala ou ocupacional, noutros pode ser chamado a colaborar um vizinho e noutros
terá de ser o professor de apoio o principal responsável pela intervenção.
Se considerámos que no âmbito da sala de aula é fundamental contar com a colaboração das próprias
crianças (peer-teaching), esta colaboração pode continuar a ser essencial fora daquele espaço. Muitos
colegas podem viver perto e assim colaborar nas suas deslocações de casa para a escola e vice-versa;
podem ser factores activos na sua integração social (convivendo com ele fora dos tempos lectivos);
podem, eventualmente, vir a representar o papel mais importante no seu desenvolvimento pessoal e no
seu equilíbrio emocional, sendo seus amigos.
Na organização das actividades laborais, nas fases mais adiantadas de escolaridade, um papel muito
importante deve ser solicitado aos colegas de trabalho, de modo a que, pouco a pouco, a intervenção do
Monitor se possa apagar, sendo substituída por uma ajuda gratuita que surge de forma espontânea.
Coordenação entre as actividades realizadas dentro e fora da classe regular
O Programa Educativo de cada aluno deve determinar com clareza a coordenação de todos os elementos
que o compõem: diferentes agentes educativos, recursos (equipamentos, espaços, dotações financeiras,
etc.) e conteúdos curriculares.
As actividades desenvolvidas na classe regular podem ser exploradas e aplicadas nos restantes contextos
em que o aluno se move com a intervenção do professor de apoio ou dos pais e, por outro lado, as
tarefas que realiza em casa, na comunidade ou na oficina podem constituir pontos de partida para o seu
trabalho na classe.
Esta coordenação constitui um factor essencial para que o processo educativo se processe de forma
harmoniosa e para que todos os agentes educativos se sintam igualmente responsabilizados pela
execução do Programa Educativo no seu conjunto. É, igualmente, importante que os restantes alunos -
sobretudo a partir de certo nível da escolaridade - saibam quais as actividades a que os colegas se
dedicam nos momentos em que não estão presentes na classe e que valorizem estas aprendizagens. Se o
“apoio entre alunos” for uma realidade, esse conhecimento e essa valorização terão certamente lugar.
A coordenação que acabamos de referir é uma condição essencial à existência duma escola
verdadeiramente inclusiva em que todos os alunos têm o seu lugar de pleno direito, por maiores que
sejam as adaptações e especificidades a que os programas de alguns deles tenham de obedecer.
Esta diversidade assim encarada e inserida no Programa Educativo da escola pode proporcionar um
considerável enriquecimento de que todos beneficiem. O enquadramento adequado dos alunos com
deficiência intelectual acentuada pode contribuir para que essa mesma adequação se concretize em
relação às necessidades individuais de cada aluno, nomeadamente às dificuldades de aprendizagem ou
aos problemas ligeiros de comportamento que são comuns a grande percentagem da população escolar.
Uma escola inclusiva pode ser, de facto, uma escola melhor para todos.
Texto extraído de Costa, Ana B. et al. (1998). Currículos Funcionais, 1º vol. Lisboa: IIE
RESPONDENDO AOS REQUISITOS DE UM CURRÍCULO FUNCIONAL PARA
ALUNOS DO 2º E 3º CICLOS
Os dois principais desafios com que se confrontam os educadores especiais dizem respeito a
proporcionar aprendizagens funcionais aos alunos com deficiências e atender estes mesmos alunos nos
meios menos restritivos possíveis. Responder, de forma simultânea, a estes dois desafios, que
constituem princípios básicos e fortes da educação especial é, frequentemente, considerado como difícil
ou mesmo impossível, dada a natureza essencialmente académica do currículo regular.
No entanto, estão a verificar-se na educação duas importantes mudanças: mudanças na orientação e no
ensino do currículo educativo regular e mudanças na implementação de estratégias que facilitem
experiências de sucesso para alunos com deficiências, integrados nas classes regulares. Estas mudanças
levaram a que se olhasse com mais atenção para as possibilidades de se unirem as oportunidades do
programa e do ambiente educativo regular com os objectivos funcionais da educação especial.
Uma vez que a natureza do currículo educativo regular é vista, fundamentalmente, como académica,
considera-se, frequentemente, que um currículo funcional para alunos com deficiência tem de ser um
currículo separado, ensinado em espaços distintos. Embora um currículo separado possa promover a
realização do objectivos funcionais, verifica-se que separa os alunos dos ambientes em que têm
oportunidade para adquirir uma das competências funcionais mais importantes - interagir com colegas
não deficientes. O isolamento do ambiente educativo normal limita, igualmente, as oportunidades para
estes últimos desenvolverem uma consciência positiva da diversidade, amizade com companheiros com
deficiência e ter o conhecimento que advém do contacto com uma perspectiva curricular funcional. As
competências funcionais são tão importantes para os alunos sem deficiência como o são para os alunos
com deficiência.
Os educadores estão a reflectir sobre a viabilidade de administrar um ensino funcional no âmbito das
classes regulares.
Utilizando estratégias tais como o planeamento individualizado, a adaptação curricular e a
aprendizagem cooperativa, estamos a descobrir formas de estruturar um ensino que seja dirigido a todos
os alunos e que seja relevante em relação às suas necessidades individuais e em relação às expectativas
da comunidade.
O programa dos 2º e 3º ciclos, descrito neste artigo, foca a capacidade de se ir ao encontro das
necessidades de todos os alunos adolescentes, incluindo os que têm deficiências. A escola para o 2º e 3º
ciclos constitui um ambiente único, capaz de proporcionar o ensino de competências funcionais em
espaços educativos regulares.
O modelo desta escola é elaborado de modo a apoiar as necessidades educativas e sociais específicas de
todos os adolescentes através:
De um currículo académico elaborado a partir da experiência.
De um currículo exploratório diverso no domínio das artes.
De um forte sistema de apoio dado por professores de apoio e auxiliares de acção educativa.
Estes três elementos são consistentes com os objectivos do programa da educação especial que
enfatizam as respostas às necessidades especiais de cada aluno.
Através dos esforços conjuntos dos agentes da educação regular e especial, o programa descrito neste
capítulo foca a forma de se responder aos objectivos do currículo funcional de alunos com deficiências
ligeiras e moderadas nas classes regulares e nos espaços da comunidade.
O sucesso deste programa está centrado nas seguintes três actividades inter-relacionadas:
1. Preparação específica dos professores.
2. Planificação conjunta extensiva e minuciosa.
3. Implementação de um apoio forte e continuado.
Este artigo debate, em seguida, as chaves essenciais do sucesso e inclui descrições de estratégias
específicas utilizadas no âmbito do programa que promoveu o desenvolvimento das competências
funcionais nos espaços educativos regulares.
Preparação específica dos professores
Tal como os alunos, os professores necessitam de tempo para aprender e integrar novos conceitos no seu
reportório de competências.
Os professores de ensino regular precisam de compreender: a) as necessidades educativas e os estilos de
aprendizagem próprios dos alunos com deficiências; b) as estratégias curriculares e de ensino da
educação especial, incluindo o desenvolvimento e ensino de competências funcionais; e c) os
envolvimentos e padrões de comunicação na colaboração entre a casa e a escola.
Os professores de educação especial precisam de ter a oportunidade de desenvolver uma compreensão
minuciosa das classes regulares em que os alunos irão aprender as competências funcionais. Precisam de
estar conscientes das necessidades de aprendizagem, dos estilos e actividades dos alunos da classe
regular, das expectativas do currículo dessa classe, das estratégias educativas utilizadas e das formas de
comunicação adoptadas entre a casa e a escola. Esta consciência é necessária para determinar onde e
como as competências podem ser ensinadas, assim como para perceber quais os apoios de que os alunos
mais provavelmente irão necessitar.
O primeiro passo na preparação dos professores do 2º e 3º ciclos consistiu na organização dum
seminário introdutório. O seu conteúdo continha questões específicas que os professores levantavam
acerca do processo. Ter uma aluna concreta a quem se reportar, ao longo do seminário, ajudou a tornar o
conteúdo prático e relevante. Para além disso, a aluna beneficiou do facto do grupo se ter centrado nela
ao longo do seminário. Os professores sentiram que a orientação os ajudou a desenvolver a sua
consciência e as suas capacidades, muito para além das necessidades daquela aluna.
Planeamento extensivo e minucioso
Uma vez estabelecida uma orientação geral, o próximo passo consistiu no planeamento das acções a
realizar para ir ao encontro das necessidades da aluna. Este planeamento consiste, geralmente, nos
seguintes passos:
1. Identificação da equipa.
2. Orientação da equipa para o aluno em causa.
3. Desenvolvimento do Programa Educativo (i.e. modificação curricular, estratégias de ensino e de
avaliação).
Segue-se um descrição de cada um destes passos, incluindo a forma como cada um foi implementado ao
nível do 3º ciclo, de modo a apoiar o ensino de competências funcionais nas classes regulares.
Organização da equipa
Geralmente, a equipa é formada por todos os que têm responsabilidades pela educação do aluno. Isto
inclui a família, os professores de ensino regular, os de ensino especial e o pessoal auxiliar de apoio. Na
escola do 2º e 3º ciclos aqui referida, foi elaborado um plano para a aluna Sara. Foi estabelecida para ela
uma equipa que incluía os professores de ensino regular, representantes dum programa típico do 8º ano,
o professor de ensino especial, a assistente social, os pais e a aluna. Os professores de ensino regular
foram seleccionados com base nas recomendações da equipa do anterior Programa Educativo da Sara.
Em primeiro lugar, todos os membros da equipa reuniram para planear o seu programa. À medida que
este se foi realizando, as reuniões regulares passaram a contar só com os professores; os outros membros
da equipa encontravam-se quando era necessário.
Orientação da equipa face à aluna
A orientação feita pela equipa processou-se através de diversas fases. A primeira fase envolveu a
recolha de informações, feita pelos membros da equipa educativa. O coordenador (geralmente o
professor de ensino especial) planeia visitas recíprocas entre as classes actuais e as futuras. Durante
estas visitas, os professores recolhem e partilham informações sobre o currículo, métodos de ensino,
avaliação, organização da sala de aula e estilo de aprendizagem da aluna. Podem, em alternativa,
organizar uma reunião para discutir estes assuntos.
Depois desta recolha de informação, a equipa reúne-se para planear o Programa Educativo da aluna.
Esta reunião ajuda os elementos da equipa a conhecê-la melhor e a desenvolver uma melhor
compreensão sobre o que, para ela, é funcional. O MacGill Action Plan System (MAPS) (O’Brian &
Forest, 1989) é um instrumento útil para identificar os objectivos funcionais mais importantes para os
alunos.
O MAPS centra-se na discussão entre os alunos, a família, os professores e outras pessoas importantes
na sua vida, sobre as questões seguintes:
Qual é a história de vida do aluno?
Qual o seu sonho em relação a ele?
Qual o seu pesadelo?
Quem é o aluno?
Quais são as suas forças, os seus dons, as suas capacidades?
Quais as suas necessidade individuais?
Para Sara, o processo de utilização do MAPS incluiu a identificação das suas forças e fraquezas em
relação a cada disciplina académica. A discussão focou toda a sua vida e não só a participação na escola.
Este processo ajudou a identificar objectivos funcionais importantes que se tornaram parte do seu PEI.
Desenvolvimento do Programa Individual
Durante as primeiras semanas do novo ano lectivo, a equipa educativa planeia a implementação
pormenorizada do programa dos alunos. Os professores de ensino regular utilizam geralmente estas
primeira semanas para perceber como é que os alunos se adaptam ao currículo e ao ensino na sala de
aula. Experimentam uma variedade de actividades, de estratégias de ensino, de grupos de ensino aluno-
a-aluno. Acompanhando a orientação da classe neste período, a equipa educativa reúne novamente para
trocar informações, redefinir objectivos e planear estratégias. A equipa de Sara reunia-se frequentemente
(i.e. uma vez por semana) quando começou o seu programa, mas mais espaçadamente ao longo do ano.
Os professores comentaram que o processo foi, de início, muito intensivo, mas que este esforço inicial
se traduziu em menos tempo de trabalho em fases posteriores.
Utilizamos uma matriz do currículo (Quadro 4.1.) para identificar a interface entre os objectivos
funcionais da aluna e as oportunidades para atingir estes objectivos na classe regular. As competências e
necessidades foram sugeridas directamente pelo processo MAPS. Completa-se a matriz listando os
objectivos/competências do PEI num eixo e as actividades da classe no outro eixo. A equipa decide
então quais as competências que devem ser ensinadas de forma lógica e adequada e durante quais
actividades da classe. Verifica-se, igualmente, quais são as competências que não são naturalmente
abordadas na rotina diária da sala de aula. A equipa decide, então, que actividades alternativas podem
ser utilizadas para responder a estas necessidades.
Quadro 4.1. Matriz do currículo de Sara
Para Sara, foram identificadas, através do processo MAPS, várias necessidades relacionadas com o
currículo funcional. Estas incluíam, capacidade de lidar com o dinheiro, falar diante de outras pessoas,
iniciar uma conversa, utilizar transportes públicos e utilizar o telefone. Usando a matriz, a equipa
descobriu diversas oportunidades para ensino destas competências na classe regular. Por exemplo, em
estudos sociais o programa referia “realizar um relatório sobre um país europeu”. Para Sara esta
oportunidade foi utilizada para lhe ensinar competências relacionadas com os transportes (idas à
biblioteca), com o uso do dinheiro (para usar os transportes e a fotocopiadora na biblioteca), iniciar uma
conversa (quando tinha que pedir materiais) e uso do telefone (para obter informações sobre o horário da
biblioteca). Sara apresentou na classe o seu relatório de forma oral e desenvolveu assim a sua
capacidade de falar diante de outras pessoas. A equipa decidiu que era necessário um apoio adicional na
leitura e este apoio foi organizado na sala de ensino especial.
Apoio intensivo e continuado
Quando a equipa completou o plano de intervenção para ir ao encontro das necessidades de educação
funcional na escola regular, o passo seguinte consistiu em organizar um apoio continuado que garantisse
o sucesso. É essencial que os professores de ensino regular recebam um apoio diário na implementação
do programa. Tal como o programa do aluno é individualizado, assim se passa com o apoio do ensino
especial.
A chave para o sucesso da individualização é a adaptação das estruturas de apoio que existem na escola.
Seguem-se exemplos de estratégias que visam reforçar os apoios naturais que existem nas escolas do 2º
e 3º ciclos.
Apoio social dos colegas
Salas de estudo
Numa escola do 2º e 3º ciclos todos os alunos frequentam diariamente as salas de estudo em que se
proporciona o apoio entre colegas e em que se procura a solução para os problema dos adolescentes.
Para os alunos com necessidades especiais, um estrutura como esta representa uma boa base de apoio.
O professor da sala de estudo pode trabalhar com o professor de ensino especial e ajudar a equipa a
identificar e responder às necessidades individuais, aprendendo a enquadrar as questões, a organizar
materiais, a adoptar regras de jogos sociais e de actividades.
Círculo de amigos
Para além do apoio da estrutura das salas de estudo, alguns alunos com necessidades especiais podem
precisar de apoios sociais adicionais específicos. A estratégia do círculo de amigos (O’Brian & Forest,
1989) proporciona um nível suplementar de apoio social para alunos que precisam de uma assistência
mais intensiva com um programa de orientação, desenvolvimento de amizades e solução de problemas.
O círculo é ajudado por um elemento da equipa educativa e reúne-se regularmente para fortalecer os
laços de amizade e o empenhamento entre todos os alunos, incluindo os que têm e os que não têm
deficiências.
Aprendizagem cooperativa
O “apoio entre colegas”, na sala de aula, pode ainda ser reforçado através de actividades feitas em
trabalho cooperativo, em grupos heterogéneos.
Estes grupos ajudam os alunos a compreender e a valorizar a diversidade.
As actividades, papéis e responsabilidades são distribuídas pelo professor de ensino regular com a ajuda
do professor de ensino especial e de outros membros da equipa. Foi criado um círculo de amigos para
Sara e foram designados colegas-tutores, em cada classe para lhe dar um apoio educativo e social.
Apoio no ensino
Um aspecto central das escolas do 2º e 3º ciclos consiste em desenvolver competências através da
aprendizagem experimental em estratégias cooperativas. São comuns actividades concretas e projectos
trans-curriculares. Este ênfase na aprendizagem aplicada ajuda a criar muitas oportunidades para o
ensino e competências funcionais na classe regular. No entanto, pode ser necessário organizar condições
específicas para responder às necessidades de alunos com deficiências. Uma vez que os membros da
equipa trabalham em conjunto para planear actividades adequadas para todos os alunos, os elementos
que apoiam o ensino especial podem ajudar os professores de ensino regular a identificar adaptações a
introduzir no ensino.
Para delinear um esquema com estas adaptações sugerem-se as seguintes opções:
Um esquema diferente.
Mesmo conteúdo, mas de menor dimensão.
Dar dinamismo à sequência do conteúdo.
Participação parcial do aluno com deficiência.
Ensino visando os mesmos objectivos mas utilizando diferentes materiais.
Ensino visando objectivos de níveis diferentes de exigência, mas usando os mesmos materiais.
A mesma actividade mas visando diferentes competências.
A mesma actividade com competências acrescentadas.
Estas sugestões podem ajudar a criar melhores condições de ensino para todos os alunos, não
exclusivamente para os que têm deficiência.
Para ajudar a Sara foi proposta uma variedade de adaptações e de apoios. Alguns foram planeados no
início, e alguns foram criados por elementos da equipa, à medida que o programa foi avançando.
Exemplos de algumas destas adaptações e de apoios consistem em utilizar materiais de leitura, escritos
num nível mais acessível; solicitar relatórios escritos para treinar o uso dos teclados; utilizar os estudos
sociais sobre a Grécia para o desenvolvimento de competências no uso do calendário e do controle do
tempo; utilizar as exposições/discussões académicas para desenvolver a comunicação (i.e. contacto
visual, saber ouvir) mais do que focar o conteúdo.
Colaboração entre a casa e a escola
A comunicação entre a casa e a escola é especialmente importante quando se trata de promover o
desenvolvimento das competências funcionais.
Uma vez que a maior parte destas competências são utilizadas em casa ou na comunidade, geralmente
os pais estão perfeitamente conscientes das necessidades dos filhos ou das filhas relacionadas com o
desenvolvimento nesta área. Para além disso, a família está numa posição privilegiada para avaliar e
apoiar a prática de actividades funcionais, nos espaços próprios. A comunicação entre a escola e a casa
constitui uma componente crítica em educação especial e, de forma particular, nas escolas do 2º e 3º
ciclos.
Os professores destas escolas usam com frequência notas diárias ou semanais para partilhar informação
sobre as actividades escolares e o trabalho dos alunos. Os métodos normalmente usados nas classes
regulares são os veículos que devem ser usados para se estabelecer uma comunicação forte e efectiva
entre a casa e a escola.
Os pais de Sara eram os elementos chave da equipa de planeamento educativo. Prestavam uma
informação valiosa sobre a filha e apoio adicional à equipa. Por exemplo, para um trabalho de ciências
sociais sobre mapas o trabalho de Sara consistia em estudar o seu bairro. A sua mãe conseguiu um mapa
e deu à Sara um modelo para ela se orientar no seu estudo.
CONCLUSÕES
Responder às necessidades dum currículo funcional no contexto da classe regular exige trabalho de
equipa, criatividade e flexibilidade. Embora o planeamento de uma nova forma de implementar
Programas Educativos seja moroso de início, os benefícios para os alunos e os professores são
consideráveis.
Desenvolver programas que respondem aos objectivos funcionais nas classes regulares promove um dos
objectivos educativos mais importantes: o desenvolvimento de relações com colegas não deficientes.
Beneficia ainda os não deficientes, proporcionando-lhes uma classe que está mais orientada para um
currículo funcional, ajudando-os a desenvolver relações com colegas que têm deficiências. Finalmente,
dá aos professores a oportunidade de trabalhar com uma equipa interdisciplinar que pode observar os
alunos sob diferentes perspectivas.
Tradução de Field, S., LeRoy, B. & Rivera S. (1994). Meeting functional curriculum needs in middle
school general education classrooms. Teaching Exceptional Children, Winter, 40-43.
As unidades deste módulo focam alguns aspectos que se têm revelado mais eficazes na educação
integrada de crianças e jovens com necessidades educativas especiais.
Índice das unidades
4.1 Colaboração dos pais, outros familiares e elementos da comunidade.................. 160
4.2 Cooperação entre profissionais............................................................................. 165
4.3 Aprendizagem e ensino cooperativo entre alunos................................................ 167
4.4 Participação parcial............................................................................................... 171
4.5 Apoio especial nas fases de transição................................................................... 174
4.6 Currículos funcionais em escolas regulares (alternativa A).................................. 178
4.6 Currículos funcionais em escolas regulares (alternativa B).................................. 179
4.6 Currículos funcionais em escolas regulares (alternativa C).................................. 180
4.6 Currículos funcionais em escolas regulares (alternativa D).................................. 181
Unidade 4.1
Colaboração dos pais, outros familiares e elementos da comunidade
Objectivo da unidade
Avaliar a importância do papel que os pais, outros familiares e elementos da comunidade em geral
podem e devem ter no desenrolar do processo educativo do jovem com deficiência intelectual
acentuada.
Actividades
1. Leiam, individualmente, o material para discussão “O Daniel”.
2. Em pequenos grupos, discutam os vários papéis desempenhados por cada uma das pessoas referidas
no texto (não só das que dialogam) e a sua importância no processo educativo do Daniel.
3. Reorganizem os grupos e confrontem as conclusões a que chegaram nos grupos precedentes.
4. Escolham, de entre os vários elementos da comunidade, 3 que considerem mais relevantes para a
sucesso educativo deste aluno, justificando a razão e caracterizando o modo como deverão actuar.
5. Preparem a sua apresentação ao plenário da forma que considerem mais atractiva e expressiva:
escrita, desenho, dramatização, etc..
Questões para avaliação
1. Que estratégias tenho utilizado com sucesso para envolver os pais na educação dos seus filhos?
2. Haverá aspectos a melhorar no diálogo com os pais e outros familiares?
3. Será necessário utilizar outras estratégias para mobilizar, ainda mais, os familiares e outras pessoas
da comunidade?
O DANIEL
O Daniel chegou aos 16 anos e já não se justifica a sua permanência na Escola onde atingiu um nível de
socialização que agradou bastante quer aos técnicos que o acompanharam, quer aos pais, cujas
expectativas nunca conseguimos sintonizar muito bem.
A mãe sempre nos pareceu bastante amarga e derrotista face aos problemas que o filho apresenta. A
perspectiva de, um dia, poder morrer e o Daniel ficar desamparado deixa-a em pânico e não têm sido
raras as vezes em que tem crises de choro e de desespero. O pai não aceita de forma alguma que os
problemas do filho seja tão graves como, efectivamente, são. Acha que ele é apenas muito distraído e
muito expansivo mas que, com a idade, irá ganhar alguma responsabilidade. Recusou sempre participar
nas reuniões de discussão do Programa Educativo do Daniel e foi sempre a mãe quem, desde o Jardim
de Infância, colaborou activamente no processo.
Hoje foi preciso discutir o futuro do Daniel e aqui estamos todos reunidos em volta duma mesa. O pai,
desta vez e após alguma insistência por parte da mãe, que não queria assumir sozinha a responsabilidade
deste processo, acedeu, com alguma renitência, a estar presente.
Vamos procurar transcrever uma parte significativa do diálogo entre pais e técnicos:
Profª. Marília (Professora de Apoio de Educação Especial do Daniel): - Como já vos disse, é nossa
opinião que o Daniel já cumpriu o seu percurso escolar, tal como tínhamos previsto no Programa
Educativo. Pensamos que é altura de ele transitar para um estágio profissional que lhe possa abrir as
portas para um emprego futuro. Gostaríamos de saber a vossa opinião para, em conjunto, discutirmos as
varias possibilidades: As sugestões que nós possamos fazer-vos, atendendo a que temos dados sobre um
razoável leque de empresas que têm colaborado connosco ao longo destes anos e as propostas que os
senhores eventualmente tenham poderão servir como ponto de partida.
D. Leonor (mãe do Daniel) - Bem... eu acho que as senhoras é que sabem o que é melhor para ele. Têm
dado tanto apoio estes anos todos que sabem melhor que nós o que é melhor para ele.
Profª. Marília - Bem, nós só fazemos o nosso trabalho. O Daniel é vosso filho, vocês têm a palavra
mais importante a dizer...
Sr. Gonçalves (pai do Daniel) - Pois. Tenho dito muita vez à minha mulher que há coisas que ela
também tem que dizer. Não pode estar sempre à espera que sejam as senhoras a fazer tudo. Nós é que o
tivemos, nós é que temos que ser os pais para o bem e para o mal. E o Daniel é um bocado infantil. Eu
acho que ele, com a idade, ainda se faz um homem. Eu também nunca tive muita cabeça na escola mas
depois apanhei o jeito das escritas e as senhoras sabem que trabalho não me falta, graças a Deus.
Profª. Marília - Mas o senhor Gonçalves sabe que os problemas do Daniel são muito graves... Ele está
assim desembaraçado porque tem sido muito trabalhado desde o Jardim de Infância... O senhor acha que
ele alguma vez o vai poder ajudar lá na sua contabilidade?
Sr. Gonçalves - Aí não, porque é preciso muita organização e ele não tem aquela concentração que é
precisa. Mas já falei muita vez com ele e acho que o que ele gosta é de fardas. As senhoras não acham
que, quando ele fosse para a tropa, podia lá ficar com aqueles contratos que eles têm? Ele gosta é dessas
coisas e acho que ele teria jeito. Ou para a tropa, ou para a GNR.
Profª. Marília - Sr. Gonçalves, por amor de Deus! O Daniel, mesmo que vá às inspecções, vai ficar
livre da tropa... e têm sido alguns dos seus amigos que têm metido na cabeça do seu filho que ele vai ser
piloto de helicópteros. E o Daniel nunca nos falou na tropa... sempre falou na Força Aérea e nos helicóp-
teros, nos jactos e nessas coisas todas. E aí só estão a fazer com que o rapaz imagine uma série de coisas
que nunca poderão acontecer e a criar situações de tal forma irreais que podem estragar muito do
trabalho que temos feito com ele. E a D. Leonor sabe que já lhe temos dito isto muita vez.
D. Leonor - Lá isso é verdade...
Sr. Gonçalves - Eu, quando era miúdo, também queria ser o Batman e nem por isso me fez mal ao
juízo.... Os miúdos imaginam coisas e não é só o meu. Acho que são todos assim...
Profª. Marília - Sr. Gonçalves: O Daniel tem 16 anos, tem 1m 78 e pesa 80 Kg... Não é uma criança de
6 anos a sonhar que vai ser piloto da Força Aérea... Aqui na Escola já não temos quase mais nada para
lhe dar. Temos que pensar no futuro dele com os pés bem assentes na terra. E estamos aqui para ouvir o
que os senhores têm a dizer e para, eventualmente, os podermos ajudar com os conhecimentos que
temos do seu filho e do mercado de trabalho disponível aqui na zona. E ainda não é para ter um emprego
já... vai começar com um estágio a tempo parcial, acompanhado, para ir adquirindo hábitos de trabalho e
de higiene no trabalho...
Sr. Gonçalves - Eu, quanto a mim, acho que ainda é cedo demais para isso, mas vocês estão todas
contra mim e eu não quero que depois digam que é por minha causa que as coisas não se fazem.
Profª. Marília - Ninguém está contra si, nem vamos fazer nada contra a vossa vontade. O senhor sabe
que já há 12 anos que trabalhamos com o Daniel e é a segunda vez que falamos consigo. Tem sido
sempre a D. Leonor a colaborar connosco e ela sabe que nós nunca forçámos nada. O senhor sabe
também que toda a gente na família se tem preocupado. O Daniel, nos últimos 3 anos, tem passado 15
dias de férias com a sua cunhada para não estar sempre tão dependente de vocês e de nós. E tem-lhe
feito bem, porque há uma série de coisas em que ele melhorou substancialmente nesses períodos.
Lembra-se que foi nas férias de há dois anos que ele começou a tomar banho sozinho porque tinha
vergonha da tia? E que nas férias do ano passado veio a fazer a barba sem ajuda? E sabe também que,
mais que nós, foi o senhor Francisco do mini-mercado quem ajudou o seu filho a aprender a conferir os
trocos e a ver os preços nas coisas. Cada um tem que fazer a sua parte sempre que é preciso. Só que
também temos os nossos limites, e neste momento o que temos para dar ao seu filho e o que pensamos
que será melhor para ele é a integração no mundo do trabalho. E já falámos isso com a D. Leonor, temos
vindo a conversar com ela sobre isto nos últimos 3 anos, e era um percurso que já estava previsto que
fosse assim.
D. Leonor - Isso é verdade. O meu marido diz que me tem em casa para educar os filhos. Sabe Deus o
que tenho passado com este, só quero o melhor para ele. E nós não sabemos o dia de amanhã, nem
sequer até quando cá estamos. E agradeço muito à minha irmã a ajuda que me deu. Quando ela me
levava o Daniel nas férias eu ficava com o coração apertadinho, mas que lhe fez muito bem, isso fez. E
as senhoras sabem bem o que me custava mandá-lo sozinho à loja... eu sei lá de que é que tinha medo...
mas até dá gosto ver o meu filho a fazer compras hoje. E o Sr. Francisco fez por ele mais do que se fosse
de família... as vezes que ele o teve lá no mini-mercado a explicar-lhe os trocos e os preços... até parecia
um professor de matemática. Sem despeito nenhum para as senhoras da cantina que também foram
sempre excepcionais... Mas as senhoras sabem bem o que é melhor para ele... Eu gostava daquela
padaria de que falámos no outro dia. É lá perto de casa e era um trabalho limpinho. Se ainda pudesse
ser, esse calhava bem. Dantes era pior, que só trabalhavam de noite, mas agora têm pão fresco todo o dia
e de noite estão fechados. E tirando o Sr. José, que é o patrão, só lá trabalham senhoras... eu tinha medo
era assim dum sítio onde ensinassem o meu filho a fazer asneiras. Assim, só com senhoras, acho que ele
ficava bem.
Profª. Marília - Mas já sabe que, durante 5 meses, vai ser só de manhã. Das 7h até às 11. E é para
ajudar o Sr. José na distribuição, carregar os sacos, empilhar os cestos, etc.. Depois ainda está algum
tempo connosco e a senhora vai ter que ajudar naquela parte do percurso de casa para a padaria.
D. Leonor - Pois, eu isso sei. Mas vamos nós lá falar com o Sr. José ou as senhoras vão lá?
Profª. Marília - Vamos lá todos, e o Daniel também. Penso que quando perceber que vai andar na
carrinha na distribuição vai ficar entusiasmado...
Sr. Gonçalves - Eu não vou ter tempo... já hoje me custou ter que cá vir e deixar o gabinete. Mas a
minha mulher vai. Já que ela decidiu, eu não preciso de ir. Com que então vou ter um filho padeiro...
Profª. Marília - Temos que ser realistas, Sr. Gonçalves. E não quer dizer que seja uma opção definitiva.
É importante que o Daniel ganhe hábitos de trabalho... que se habitue a trabalhar 8 horas por dia. E já é
muito bom que haja pessoas disponíveis para aceitar colaborar connosco e convosco neste trabalho...E
isso ainda vai demorar tempo. Depois logo se vê se é para ficar, ou se haverá outro sítio mais adequado
para ele. E o senhor, que faz a escrita de tanta empresa, até poderá ver alguma oportunidade para ele.
Agora não podem é continuar a alimentar-lhe essas manias de ser piloto e outras no género...
Sr. Gonçalves - Vou ter um filho padeiro...
D. Leonor - E depois? Querias o teu filho aí nos cafés a aprender asneiras e a fazer papel de tolo com
essa porcaria dos helicópteros. Eu acho que é melhor assim um trabalho honesto, e as senhoras sabem
bem que o que eu quero é que ele aprenda a ser alguém na vida que a gente não sabe o dia de amanhã.
As pessoas ajudam, mas nós é que temos que tratar dos nossos interesses... e não sei se, amanhã, alguém
poderá ajudar .
Deus queira que ele tenha sempre uma coisa onde se possa agarrar, este ou outro trabalho honesto.
Sr. Gonçalves - Vou ter um filho padeiro...
Unidade 4.2
Cooperação entre profissionais
Objectivos da Unidade
Identificar as condições que facilitam a cooperação entre profissionais.
Analisar em que contextos sócio-educativos os diferentes profissionais podem colaborar entre si no
sentido de proporcionar melhores condições de aprendizagem a todos os alunos.
Actividades
1. Leiam o material para discussão “O caso do Pedro”.
2. Registem individualmente, numa folha de papel, três possíveis formas de cooperação entre os
profissionais envolvidos. Tenham em consideração os seguintes eixos de reflexão:
Cooperação entre profissionais no contexto da sala de aula.
Cooperação entre profissionais em espaços escolares exteriores à sala de aula.
Cooperação entre profissionais em espaços comunitários exteriores à escola.
3. Em pequenos grupos partilhem as vossas reflexões individuais e façam uma proposta de gestão dos
recursos humanos disponíveis, equacionando possíveis papéis e formas de cooperação entre os
profissionais envolvidos.
4. Façam um resumo escrito das conclusões a que chegaram e comuniquem essas conclusões aos
restantes grupos.
Questões para avaliação
1. Que formas de cooperação entre profissionais podem facilitar a articulação entre currículos
funcionais e o currículo “regular”?
2. Que condições (atitudes, competências, gestão do tempo e das actividades...) podem facilitar a
cooperação entre profissionais?
3. Como podem os profissionais procurar essas competências e condições?
CASO DO PEDRO
O Pedro é um jovem de 13 anos, com trissomia 21, que frequenta a escola básica 2.3 da sua área de
residência. Está integrado numa turma do 5º ano.
Entre os três e os seis anos frequentou um Jardim de Infância, tendo posteriormente transitado para uma
escola regular do primeiro ciclo, escola que frequentou até aos treze anos e onde beneficiou do
acompanhamento de um professor dos apoios educativos.
É autónomo na sua independência pessoal precisando, por vezes, de ajuda a nível do vestuário,
nomeadamente a fazer laços e a abotoar peças de roupa nas costas. Precisa ainda de ajuda a descascar a
fruta e não sabe lavar a cabeça. Não conhece o dinheiro e é dependente em termos de transportes.
Apresenta um vocabulário pobre, por vezes fala muito baixo e demasiado depressa, o que dificulta a
compreensão dos seus enunciados, faz leitura lenta e hesitante.
Receoso e apreensivo face a contextos novos ou desconhecidos, apresenta, por vezes, comportamentos
menos adequados na sala de aula, nomeadamente quando confrontado com tarefas mais prolongadas ou
na ausência do técnico habitual.
Na turma do 5º ano em que está integrado frequenta as disciplinas de Português, Educação Física,
Educação Musical e Educação Visual e Tecnológica, tendo sido criadas, no que respeita às três
primeiras disciplinas, parcerias pedagógicas (dois professores na sala de aula). Completa o seu horário
participando, conjuntamente com outros alunos da escola, em ateliers de cerâmica e têxteis, usufruindo
ainda, no espaço da escola e no espaço comunitário envolvente, de um currículo funcional.
Recursos humanos: professores das disciplinas, professor dos apoios educativos, auxiliar de educação.
Unidade 4.3
Aprendizagem e ensino cooperativo entre alunos
Objectivos da unidade
Avaliar as potencialidades que advêm da cooperação entre alunos.
Identificar formas de tornar essa cooperação eficaz.
Actividades
1. Leiam, individualmente, o material para discussão “Criança a criança”.
2. Comentem o que acham do texto com o colega mais próximo e discutam o conceito de “apoio criança
a criança”.
3. Em pequeno grupo, considerem a situação de um aluno com deficiência intelectual acentuada,
integrado numa escola regular, identificando as suas características mais marcantes (idade,
limitações, preferências, etc.) e façam uma lista de sugestões a utilizar nas estratégias de “apoio
criança a criança”.
4. Elaborem as vossas conclusões de forma sugestiva num poster, de modo a serem apreciadas pelos
outros grupos.
5. Apresentem o resultado do vosso trabalho aos restantes colegas.
Questões para avaliação
1. Como poderão nas vossas aulas (com os alunos que têm) utilizar estratégias “apoio criança a
criança”?
2. Que dificuldades prevêem?
3. Reflictam sobre as aprendizagens que têm feito neste e noutros cursos e sobre a contribuição da
cooperação entre os participantes nessas aprendizagens.
CRIANÇA A CRIANÇA
Uma orientação comum aos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento consiste no interesse
em utilizar as estratégias “Criança a criança”. Estas podem revestir-se de muitas formas. Por exemplo,
são usadas em muitas zonas rurais de países em desenvolvimento para apoiar crianças com deficiências.
Igualmente, em diversos países ocidentais, a utilização planificada da potencialidade do “poder dos
colegas” tem sido utilizada como uma estratégia eficaz para integrar alunos com deficiências nas turmas
regulares.
Estas estratégias têm como objectivo comum tentar que as crianças duma comunidade tenham a
oportunidade de compreender melhor as pessoas que, por quaisquer razões, são diferentes - na cor, na
maneira de vestir, nas crenças, na língua, nos movimentos, nas capacidades. Verifica-se que, quando as
crianças compreendem melhor qualquer criança que é diferente, deixam de revelar crueldade ou sentir
desagrado, para se tornarem os seus melhores amigos e o seu melhor apoio.
Alguns métodos específicos “criança a criança” incluem:
(.......)
Círculo de amigos
Este método foi desenvolvido no Canadá. Trata-se dum processo estruturado para que os alunos duma
turma recebam um novo colega com necessidades especiais e aprendam a conhecê-lo. A finalidade do
círculo consiste em reunir à volta deste aluno um grupo de amigos que o incluam nas actividades que
têm lugar dentro e fora da escola.
Numa fase prévia, pode organizar-se um “comité telefónico” de alunos para falarem diariamente com o
novo colega acerca das suas experiências no novo ambiente escolar. Um elemento que funcione como
facilitador pode ajudar a criar o círculo de amigos e pode dar apoio, orientação e conselhos, à medida
que o grupo se desenvolve. É possível que a composição do grupo se altere, mas acontece que se
mantêm, por vezes, prolongados laços de amizade.
Um círculo de amigos não é uma espécie de “projecto para amigos especiais”, para os alunos
“infelizes”, nem tem a finalidade de “praticar uma boa acção”. Pretende, antes, implicar as crianças
numa amizade e num apoio real e empenhado. As crianças com e sem deficiência têm a oportunidade de
beneficiar desta experiência.
Algumas vezes, antes ou depois do aluno chegar, o facilitador convida os elementos da turma a
participar no novo círculo. A primeira reunião começa com o relato da história do novo aluno, para que
ele se sinta encorajado a falar dos seus projectos. Os colegas respondem, dando sugestões sobre a forma
como poderão fazer coisas em conjunto e sobre os problemas que pensam encontrar. O facilitador deve
ajudá-los a realizar estes projectos e a solucionar os problemas. Para tal, deve estar em contacto com o
círculo, no seu ritmo normal, ajudando-o a reunir tantas vezes quantas forem necessárias para manter a
relação e o apoio mútuos. Por outro lado, as reuniões não devem ser muito formalizadas, sendo, por
vezes, suficiente um encontro à hora do almoço. Acima de tudo, ajudam as crianças a ter a noção de
quando e como devem ser conduzidas as suas reuniões.
À medida que círculo prossegue e os seus membros passam mais tempo juntos e fazem coisas em
conjunto, surge para todos a oportunidade de contar as suas próprias histórias. O facilitador deverá
ajudá-los para que as contem regularmente uns aos outros e a outras pessoas. É importante assegurar que
as aspirações do novo aluno façam sempre parte das histórias, de modo a que cada membro do círculo,
tal como outros membros da comunidade, se apercebam da forma como a criança se está a desenvolver e
a progredir. Isto ajudará o círculo a manter a energia e a união dos seus membros.
Por vezes, pode surgir um problema muito difícil. O facilitador terá de ajudar as crianças a falar sobre
estas dificuldades e a encontrar soluções. Além disso, deverá defender o direito das crianças a
experimentar as suas ideias o que fará com as suas relações se fortaleçam. Também demonstrará à
comunidade que são possíveis formas novas e criativas de trabalhar e conviver.
Quando chega o momento de elaborar um novo currículo para este aluno, os colegas do círculo já se
podem considerar especialistas, podendo dizer aos professores, aos pais e ao director muito do que o seu
amigo pode fazer e do que tem para dar e para receber com a sua participação na vida da turma. (...)”
UNESCO (1996). Conjunto de materiais para a formação de professores: Necessidades educativas
especiais na sala de aula. 2ª Ed. (versão portuguesa). Lisboa: IIE (Pág. 173)
Relações criança a criança
Um meio importante para ajudar todas as crianças a ter sucesso na aprendizagem consiste no recurso ao
que podemos chamar poder inter-pares. Esta estratégia pode ter especial importância quando se trata de
crianças que têm dificuldades ou deficiências. As escolas que utilizam esta potencialidade de forma
adequada podem empregar uma variedade de abordagens, incluindo a aprendizagem cooperativa em
grupos e o uso de várias formas de aprendizagem através de colegas. Os resultados de numerosas
investigações demonstram, por exemplo, que os alunos treinados como tutores podem, às vezes, ser
mais eficazes que os adultos a promover a leitura ou a ensinar determinadas matérias tais como
conceitos de matemática. Isto pode advir do facto de tenderem a ser mais directivos que os adultos, de
terem mais familiaridade com a matéria que está a ser ensinada, de terem maior compreensão das
frustrações dos colegas ou de utilizarem um vocabulário e exemplos mais compreensíveis e mais
adequados à sua idade. Por conseguinte, a aprendizagem através dos colegas é uma estratégia que os
professores podem utilizar para proporcionar um apoio complementar aos que dele necessitam. É
importante referir que estas estratégias podem ter, igualmente, um efeito positivo para as crianças que
asseguram a ajuda, no que respeita ao seu desenvolvimento, tanto académico como social.
Historicamente, alguns alunos, particularmente os que têm deficiências, têm sido excluídos de certos
aspectos da vida escolar (por exemplo, clubes escolares e acontecimentos sociais). Diferentes tipos de
grupos de apoio entre colegas têm-se revelado como meios eficazes para tornar esta participação mais
activa.
O objectivo de uma rede de apoio entre colegas é enriquecer a vida escolar de um outro aluno. Alguns
professores que experimentaram este método resumem-no do seguinte modo:
“Apoio entre colegas consiste em reunir um grupo de miúdos para que trabalhem juntos e destruam as
barreiras que a sociedade criou em relação à ideia geral do que deve ser uma norma”.
“Apoio entre amigos” é uma forma específica de aprendizagem através de colegas, na qual o
envolvimento de uns com os outros se situa, fundamentalmente, nas áreas não académicas. As
possibilidades desta estratégia são ilimitadas. Por exemplo, um “amigo” pode ajudar um aluno com uma
deficiência física a utilizar a sua carteira e a tirar objectos lá de dentro. Pode simplesmente acompanhá-
lo antes e depois das aulas. A sua função pode também consistir em ajudar os outros colegas e os
professores a compreender as dificuldades e os desafios que se colocam ao seu “amigo”.
Em algumas escolas, os alunos que se entreajudam, através de grupos de intervenção, demonstraram ter
uma acção valiosa na ajuda à integração de alunos com deficiências. De facto, numa escola, um grupo
de alunos reuniu com os professores para preparar a admissão de um aluno com deficiências múltiplas
que vinha duma escola especial residencial. Os conselhos que deram foram muito práticos, desde
sugestões para um equipamento especializado de comunicação, até tipos de cadernos de notas que
poderia usar para o ajudar a integrar-se.
É, sem dúvida, enorme a capacidade dos alunos para se ajudarem uns aos outros na escola, mas para que
esta capacidade se exerça é necessário que os professores liderem o processo, encorajando-os.
UNESCO (1996). Conjunto de materiais para a formação de professores: Necessidades educativas
especiais na sala de aula. 2ª Ed. (versão portuguesa). Lisboa: IIE (pp. 173-174)
Unidade 4.4
Participação parcial
Objectivo da unidade
Compreender a importância de se assegurar, na máxima medida em que for possível, a participação dos
alunos com deficiência intelectual acentuada nas actividades que não possa realizar globalmente.
Actividades
1. Leiam, individualmente, o material para discussão “Participação parcial”.
2. Em pequenos grupos, seleccionem o caso de um aluno com deficiência intelectual acentuada e
escolham uma das áreas seguintes (de modo a que todas as áreas sejam contempladas pelos diferentes
grupos). Para esse aluno, procurem delinear os diferentes passos duma actividade na área escolhida:
escolar, familiar, recreio/lazer, utilização de um ou mais recursos da comunidade.
3. Descrevam a participação desse aluno com deficiência intelectual acentuada nessa actividade e
indiquem:
Razões que justificam a sua participação nessa actividade.
Apoio individual a dispensar.
Adaptação de materiais.
Uso de ajudas técnicas.
Adaptação de sequência das tarefas e/ou de regras.
4. Elaborem um diagrama que represente a actividade e as estratégias utilizadas para permitir a
participação do aluno.
5. Apresentem, em plenário, os vossos diagramas e debatam as soluções apresentadas..
Questão para avaliação?
1. Posso aplicar a princípio da “participação parcial” com os meus alunos com dificuldades?
PARTICIPAÇÃO PARCIAL
Devido a deficiências severas de ordem motora ou sensorial ou a limitações nos processos da atenção e
da aprendizagem, é quase sempre impossível ensinar os alunos com este tipo de problemas todas as
competências exigidas para um funcionamento independente numa variedade de ambientes - presentes e
futuros - o menos restritivo possível. No entanto, isto não deve significar que se negue a estes alunos o
acesso a esses ambientes. Pelo contrário, enquanto educadores, a nossa responsabilidade implica que se
planeiem e implementem adaptações capazes de permitir que os nossos alunos participem o mais
plenamente que for possível, num vasto leque de actividades. Assim, quando se verifica que um aluno
tem dificuldade em adquirir uma competência que é necessária para participar em determinado
ambiente, é necessário reflectir cuidadosamente sobre as adaptações que lhe podem permitir ou
melhorar essa participação.
Parece-nos apropriado discutir, neste âmbito, pelo menos três tipos ou três conjuntos de adaptações:
Proporcionar um apoio individual.
Adaptar materiais.
Organizar tarefas de forma sequencial, utilizar ajudas técnicas e proceder a adaptações no ambiente
físico e social.
(...) Deve acentuar-se que promovendo, pelo menos, uma participação parcial, podemos contribuir para
o desenvolvimento de competências que anteriormente eram consideradas inatingíveis por pessoas com
deficiências acentuadas.
Proporcionar Apoio Individual, de modo a que a participação seja desenvolvida ou se torne
possível
Há situações em que é indispensável fazer considerações “a priori” sobre se é justificável utilizar tempo,
esforço e materiais a ensinar a um aluno com deficiência intelectual acentuada a realizar uma tarefa, de
forma independente, do princípio ao fim. Há dois factores que, fundamentalmente, devem ser
considerados nesta decisão:
Em primeiro lugar, devem ser tidos em conta a dignidade e o direito de beneficiar de apoios que
fortaleçam sentimentos de auto-estima.
Em segundo lugar, deve avaliar-se se é mais justificável sob o ponto de vista educativo e económico
ensinar o aluno a realizar partes da actividade - mesmo que não as possa executar de forma
independente - do que impedi-lo de participar numa parte da sequência desta actividade, e,
consequentemente torná-lo mais dependente de outros do que seria necessário.
Assim, por exemplo, um aluno com deficiências severas não consegue realizar todas as tarefas exigidas
para fazer torradas. No entanto, se for ajudado, pode pôr o pão na torradeira, carregar no manípulo,
retirar a torrada e colocá-la no prato. A questão fundamental que se coloca é: “ vale a pena o esforço e o
tempo?” No nosso ponto de vista, a resposta é SIM!
Adaptar actividades de modo que se possibilite ou promova a participação
Consideramos, como mais importantes, os seguintes quatro tipos de adaptações:
Adaptação de materiais.
Ajudas técnicas.
Adaptação das sequências das tarefas.
Adaptação de regras.
Adaptação dos ambientes sociais e físicos de modo a que se possibilite ou promova a adaptação.
São exemplos destas adaptações a remoção de barreiras arquitectónicas nas ruas e nos edifícios, as
adaptações no mobiliário das casas de banho, as adaptações de carteiras, de mesas ou de baloiços, etc. É
importante não só facilitar o acesso a locais públicos mas também introduzir mudanças no meio
ambiente, relacionadas com as interacções sócio-emocionais e as atitudes entre pessoas com e sem
deficiência.
Extraído de Brown, L. (1979). Using the characteristics of current and subsequent least restrictive
environments in the development of curricula content for severely handicapped students. AAESPH
Review, 4, 407-424.
Unidade 4.5
Apoio especial nas fases de transição
Objectivos da Unidade
Avaliar a importância, para os alunos com deficiência intelectual acentuada, da articulação dos
diferentes níveis de ensino e transição da vida escolar para a vida “activa”.
Compreender a necessidade de apoios específicos nas mudanças de escola e desta para possível
actividade profissional ou ocupacional
Actividades
1. Leiam, individualmente, o material para discussão “Dar sentido à educação”.
2. Em pequenos grupos, considerem três das mais usuais fases de transição: - do pré-escolar ao 1º ciclo,
deste ao 2º e 3º ciclos e da escola para a vida activa - e seleccionem uma destas fases.
3. Confrontem as vossas experiências e opiniões sobre as dificuldades que podem surgir e das formas
como os educadores poderão contribuir para a sua superação. Será vantajoso que, no conjunto dos
diferentes grupos, sejam abordadas as três fases de transição.
4. Elaborem um cartaz com as dificuldades e formas de superação na fase de transição tratada no grupo.
5. Apresentem e discutam com os restantes colegas dos outros grupos as vossas conclusões.
Questões para avaliação
1. Será que alguma vez imaginei o que representa para um aluno com deficiência intelectual acentuada
a mudança de escola?
2. Que problemas poderão surgir?
DAR SENTIDO À EDUCAÇÃO
...Como já referimos, uma das características dos Currículos Funcionais consiste no facto de eles não
focarem apenas a sua atenção na situação actual da criança mas terem igualmente em conta o seu futuro,
ou seja, a preparação ao longo da vida.
O impasse da maioria dos programas tradicionais, ditos de educação especial, consistiu na sua
incapacidade para preparar os alunos para as fases posteriores da sua vida, quer fosse a entrada para
outro tipo de escolas, quer fosse a vida pós escolar. Em Portugal, nos anos 70 e 80, este problema
adquiriu dimensões dramáticas, pois grande número das escolas especiais (especialmente internatos de
deficientes visuais ou de deficientes auditivos) não mantinham os alunos para além dos 15, 16 anos e
pouco ou nada faziam para os encaminhar à saída da escola. Os alunos adquiriam conhecimentos
académicos, durante mais de 10 anos, mas não tinham qualquer formação profissional, e voltavam para
casa e para a família (muitas vezes já sem disponibilidade para os receber) sem que tivessem
possibilidade de qualquer tipo de ocupação. O suicídio foi a resposta encontrada em alguns dos casos.
Segundo a perspectiva funcional, um dos critérios para a selecção das actividades a ensinar a
determinado aluno, consiste em saber se são úteis para a sua vida futura e se terão ocasião de ser
realizadas fora do contexto escolar. Nesta medida, pode dizer-se que a preparação para a transição
constitui um factor intrínseco da perspectiva funcional. Esta perspectiva adquire um relevo dominante
na transição da escola para a vida adulta, mas reflecte-se igualmente nos programas das classes
elementares ou intermédias. É frequente estes programas começarem, desde as primeiras classes, a
desenvolver nas crianças o sentido de responsabilidade pela execução de tarefas que proporcionem
relações com adultos estranhos à classe e que os inicie na complexa aprendizagem das relações sociais.
Dados resultantes de inúmeras investigações provaram que a competência na relação com os outros, seja
nos contactos sociais informais, seja em situações profissionais, constitui o factor que condiciona da
forma mais decisiva o sucesso do indivíduo com deficiência intelectual acentuada na sua integração
social e laboral.
Nos Programas Educativos de cariz funcional, esta aprendizagem inicia-se precocemente, dado que
ajudar o aluno a crescer e a transitar de fase para fase constitui um objectivo central que informa o
desenrolar de todo o seu programa.
Quando alunos de 10 anos têm como tarefa educativa ir cortar a relva do Sr. Silva que tem um jardim
perto da escola (recebendo por isso uma gratificação) e quando outros são “contratados” para lavar o
carro do director, uma vez por semana, não se trata de “abusivo trabalho infantil”. Trata-se, antes, de
aplicar o princípio já defendido há mais de 40 anos por Freinet, de integrar, na educação infantil e
elementar, a pedagogia e a funcionalidade de modo a que, a longo termo, se vão cimentando as
competências que um dia serão indispensáveis para desempenhar uma profissão com continuidade.
Transição da escola para a vida adulta
As razões que apontámos como justificativas da importância dos Currículos Funcionais na transição dos
alunos com deficiência ao longo do percurso escolar são válidas no que diz respeito à transição da
escola para a vida adulta. O facto destes alunos terem aprendido actividades funcionais, relacionadas
com a sua idade cronológica, o facto de terem sido apoiados por um grupo de colegas que os
acompanhou ao longo de vários anos, o facto de terem tido, eventualmente, a possibilidade de frequentar
diferentes escolas, em diferentes localidades e com diferentes tipos de funcionamento e. finalmente, o
facto dos seus programas terem contemplado actividades consideradas úteis ao longo da vida foram
factores extremamente relevantes para a sua integração na vida pós-escolar.
No entanto, no que diz respeito a esta complexa fase em que o jovem termina a sua situação de “aluno”
e em que encara a sua vida como adulto, os Programas Educativos de inspiração funcional têm-se
revestido de características próprias que importa aqui assinalar.
A intervenção educativa dos professores em relação a estes alunos consistirá fundamentalmente em:
Encontrar locais de estágio e apoiar a integração do aluno nos estágios laborais ( em colaboração com
outros profissionais que possam participar neste processo, como por exemplo Monitores dos Serviços de
Emprego).
Realizar “O Inventário Ecológico de Competências” relativas a cada estágio e garantir que aprendam
da forma mais completa possível as competências inventariadas.
Verificar quais as adaptações ou os equipamentos especiais de que o aluno precisa para se integrar no
trabalho previsto e procurar os meios necessários para os conseguir.
Os Programas Educativos dos alunos em fase de transição para a vida adulta não devem conter
exclusivamente o apoio ao treino laboral, mas manter actividades relacionadas com as restantes Áreas
do currículo funcional, continuando a desenvolver, numa perspectiva funcional, os conhecimentos de
ordem académica e, finalmente, no caso dos alunos estarem integrados em escolas regulares, incluir
actividades comuns aos restantes colegas. No entanto, dada a importância da preparação para a vida
após a escola, a componente laboral deverá ocupar um espaço privilegiado neste contexto educativo.
Texto extraído de Costa, Ana B. et al. (1998). Currículos Funcionais. 1ºVol., Lisboa: IIE
Unidade 4.6
Currículos funcionais em escolas regulares
Objectivos da unidade
Compreender a importância da educação inclusiva para alunos com deficiência intelectual acentuada.
Seleccionar estratégias pedagógicas de cariz funcional que viabilizem o funcionamento da classe que
integre alunos com deficiência intelectual acentuada.
Actividades
Alternativa A
1. Vejam o vídeo “Aplicação do currículo funcional” do material de apoio ao Manual.
2. Em pequenos grupos, tendo em consideração o que cada elemento do grupo observou, procurem
identificar as limitações e possibilidades duma escola regular no desenvolvimento de currículos ou
perspectivas de intervenção educativa funcional.
3. Escrevam num quadro em três colunas as conclusões do grupo sobre as:
Possibilidades que uma escola regular oferece.
Limitações que a escola regular poderá apresentar.
Formas de superar essas limitações, no desenvolvimento de uma perspectiva curricular funcional.
4. Em plenário, comparem os quadros apresentados.
Unidade 4.6 (Continuação)
Currículos funcionais em escolas regulares
Actividades
Alternativa B
1. Individualmente, leiam o material para discussão “A sala de aula do João”.
2. Em pequenos grupos, discutam as seguintes questões e formulem as vossas opiniões:
A forma de organização proposta pelo professor para o estudo da alimentação.
A forma como se desenrola a participação do aluno Pedro e as actividades específicas dos
professores e dos alunos no seu conjunto no apoio a este aluno.
Importância dos comentários das transeuntes.
3. Escrevam num acetato ou cartaz as conclusões do grupo.
4. Apresentem e confrontem as conclusões em plenário.
Unidade 4.6 (Continuação)
Currículos funcionais em escolas regulares
Actividades
Alternativa C – escolas de 1º ciclo
1. Em pequenos grupos, seleccionem o caso de um aluno com deficiência intelectual acentuada que
conheçam, a frequentar o 1º ciclo.
2. Procurem sistematizar a vida escolar desse aluno, nomeadamente: o tempo de permanência, as
actividades em que participa e as pessoas que intervêm, na sala de aula, na sala de apoio e em locais
da comunidade.
3. Avaliem se é possível melhorar a situação escolar do aluno, propondo medidas de alteração,
nomeadamente: alteração nos horários ou tempos pelos diferentes locais em que o aluno passa, nas
actividades que estão a ser realizadas e nos intervenientes.
4. Acrescentem outras medidas que consideram viáveis na organização e funcionamento da escola, no
trabalho com os pais e comunidade, que poderiam melhorar a escolaridade do aluno.
5. Escrevam num acetato ou cartaz as conclusões do grupo.
6. Apresentem e confrontem as conclusões em plenário.
Unidade 4.6 (Continuação)
Currículos funcionais em escolas regulares
Actividades
Alternativa D – escolas com 2º, 3º ciclos e secundário
1. Em pequenos grupos, seleccionem o caso de um aluno com deficiência intelectual acentuada que
conheçam, a frequentar o 2º, 3 ciclos ou secundário.
2. Procurem sistematizar a vida escolar desse aluno, nomeadamente: o tempo de permanência, as
actividades em que participa e as pessoas que intervêm, em cada uma das disciplinas do seu ano de
escolaridade, na sala de apoio e em locais da comunidade.
3. Avaliem se é possível melhorar a situação escolar do aluno, propondo medidas de alteração,
nomeadamente: alteração nos horários ou tempos pelos diferentes locais em que o aluno passa, nas
actividades que estão a ser realizadas e nos intervenientes.
4. Acrescentem outras medidas que consideram viáveis na organização e funcionamento da escola, no
trabalho com os pais e comunidade, que poderiam melhorar a escolaridade do aluno.
5. Escrevam num acetato ou cartaz as conclusões do grupo.
6. Apresentem e confrontem as conclusões em plenário.
Questões para avaliação
1. Considera viável a plena participação de alunos com grandes problemas na suas classes ou aulas?
Justifique.
2. Acha necessário fazer alguma mudanças significativas na forma como funcionam as suas aulas para
melhorar a participação dos alunos com mais problemas? Quais?
A SALA DE AULA DO JOÃO
A perspectiva da inclusão vem mudar de forma radical a forma como estamos habituados a encarar as
dificuldades com que se debate a escola para enfrentar a educação de todos os alunos. Estávamos
convencidos de que o problema era essencialmente do aluno, das suas características especiais, que
obrigavam a delimitar grupos com problemas semelhantes e encontrar respostas especiais para eles. A
reflexão sobre a situação e o respeito pela direitos dos cidadãos levam-nos a perceber que há uma forma
mais séria de encarar as dificuldades, anteriormente atribuídas aos alunos, como produtos ou
consequências das tarefas, actividades e condições que lhes são proporcionadas ou exigidas pela escola.
Assumir este ponto de vista é considerar as dificuldades como potenciadoras do aperfeiçoamento da
educação e essa reverter a favor de todos os alunos.
Estando em causa o que se passa nas escolas, é necessário determinar o que deve ou pode mudar na sua
organização e funcionamento para responderem adequadamente a todos os alunos. Assim, teremos que
rever a forma como definimos e implementamos os Planos e Programas Educativos para alunos
considerados com problemas, teremos que rever a forma como organizamos o tempo em que o aluno
está directamente à responsabilidade da escola (turmas e horários) e fora da escola, teremos que rever de
forma aprofundada a forma como se gere o funcionamento da sala de aula, especialmente nos aspectos
da organização do espaço, nos aspectos logísticos e nos aspectos metodológicos do ensino, como, por
exemplo, estratégias de aprendizagem cooperativa, desenvolvimento de actividades com diferentes
objectivos e níveis de participação de diferentes alunos, apoio de colegas da classe em determinados
assuntos, recurso a actividades do ambiente onde podem participar alunos com diferentes níveis, etc..
Parece lógico, contudo, que um aluno com deficiência intelectual acentuada poderá participar em
algumas actividades curriculares com os seus colegas de turma. Quando tal não for possível, pode optar-
se:
Por mudar a forma e o nível da sua participação nas actividades.
Arranjar actividades semelhantes, mas acessíveis a todos.
Temporariamente, oferecer actividades alternativas acessíveis que favoreçam os objectivos de
integração que se pretendem.
Como resolver as diversas situações problema na prática pedagógica do dia a dia, tendo em atenção as
exigências instituídas, as tradições e cultura da escola que temos é o grande desafio para todos.
Para exemplificação e como ponto de partida para o trabalho desta unidade, apresentamos em seguida o
início de uma situação pedagógica, onde podemos aplicar muitas das nossas intenções e conhecimentos
sobre a inclusão de alunos com deficiência intelectual acentuada.
A sala do João, aluno de 10 anos com deficiência intelectual acentuada (com dificuldades associadas de
visão e deslocação), conta com 20 alunos do 3º e 4º anos de escolaridade que estão a estudar a
alimentação. A professora definiu a formação de 4 grupos; um deles recolheria informação junto do
Centro de Saúde de documentos sobre os cuidados com a alimentação; outro grupo, estudaria o tipo de
alimentação que cada um dos colegas fazia em casa; outro grupo, organizaria um conjunto de receitas
culinárias típicas da região; e um outro cozinharia numa pequena cozinha da escola um prato típico da
região.
O João e outros 4 colegas, todos eles com razoáveis dificuldades de leitura e escrita, frequentadores
regulares de uma sala de apoio especial e considerados os mais atrasados da classe, constituíam o último
grupo referido. Havia um acordo implícito na escola de que a professora de apoio se responsabilizaria
regularmente por este grupo com mais dificuldades. A este grupo foi-lhe destinada a tarefa de cozinhar
uma refeição. Para isso, teve de escolher a ementa, inventariar os ingredientes, fazer as compras, por a
cozinha em funcionamento, cozinhar e convidar os colegas para a refeição.
O trabalho decorreu sem incidentes de maior; o João ora se "agarrava" à professora ora se escapava ao
seu controle. Os colegas, preocupados em ele não estragasse nada, rodeavam-no e puxavam-no quando
este tentava agarrar coisas. No final, os professores da classe consideraram os resultados do trabalho
bastante bons.
Parece, contudo, que, durante as compras no supermercado, houve reacções de transeuntes que a
professora registou. Uma colega sua conhecida terá dito, em ar de brincadeira, "que andas aqui a fazer
com estes casos perdidos...."; também uma senhora que passou e reconheceu o João, morador no seu
bairro, ao vê-lo com os colegas na frente da prateleira das toalhas e guardanapos de papel, terá dito "não
me passava pela cabeça que ele fosse capaz de acompanhar com os colegas no meio desta confusão..."
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