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CURSO – Carreiras Jurídicas 2016.2
DATA – 22/08/2016
DISCIPLINA – Direito Empresarial
PROFESSOR – Vinícius Gontijo
MONITOR – Priscila Agnes Maffia Lopes
AULA – 01
Ementa: 1) Teoria dos títulos de crédito ................................................................................................. 2
1.1) Crédito ............................................................................................................................ 2 1.2) Título de crédito ............................................................................................................. 3 1.3) Elementos (atributos ou princípios) ............................................................................... 5
A) Elementos essenciais do título de crédito .................................................................... 5 1º) Documentação (Cartularidade ou INCORPORAÇÃO) .............................................. 5 2º) Literalidade .............................................................................................................. 6
I – Literalidade positiva ............................................................................................. 6 II – Literalidade negativa ......................................................................................... 15
3º) Autonomia ............................................................................................................. 15 I – Autonomia em relação ao negócio jurídico subjacente (causa debendi) .......... 15 II – Autonomia em relação aos coobrigados ........................................................... 16
B) Elementos não-essenciais do título de crédito ........................................................... 16 1º) Abstração vs. causalidade ..................................................................................... 16 2º) Dependentes vs. independentes ........................................................................... 18
1.4) Natureza jurídica .......................................................................................................... 18 1.5) Oponibilidade e inoponibilidade de exceções pessoais ............................................... 19 1.6) Código Civil: art. 903 .................................................................................................... 22
Referência bibliográfica:
Para provas discursivas e orais apenas o Manual não adianta, é preciso, ao
menos uma vez por semana, ler (estudar) dois ou três acórdãos (do STJ ou de
Tribunal Estadual) na íntegra sobre a matéria.
1) Curso de Direito Empresarial – Marcelo Bertoldi – Editora RT
2) Manual de Direito Empresarial – Fábio Ulhôa Coelho – Editora Saraiva
4) Curso de Direito Empresarial Esquematizado – André Luiz Santa Cruz
4) Manual de Direito Empresarial – Waldo Fazzio Jr. – Editora Atlas
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Livro específico sobre títulos de créditos: Wille Duarte Costa – Títulos de
Crédito – Editora Del Rey.
1) Teoria dos títulos de crédito
1.1) Crédito
Para começar o estudo da teoria dos títulos de crédito precisamos primeiro
saber o conceito de crédito.
Crédito é a troca de bens no tempo. A partir desse conceito inferimos os dois
elementos que caracterizam o crédito. Antes de analisá-los, é preciso compreender
que o crédito não cria nada, apenas permite a utilização de algo que é ocioso no
patrimônio de alguém, enquanto este alguém dele não necessita. Apesar de o crédito
criar nada, ele permitiu que a humanidade alavancasse da teoria monetarista da troca
para a teoria creditória que hoje orienta o mundo. O crédito hoje é o grande fator de
movimentação da economia em nível universal.
Os dois elementos característicos do crédito são:
1º) Lapso de tempo entre a prestação e a contraprestação
Para que exista crédito é preciso um interregno temporal entre a prestação e
a contraprestação. Na medida em que prestação e contraprestação forem
simultâneas, não há crédito. Então, “dinheiro em cima da escritura” não caracteriza
crédito.
2º) Confiança
A palavra crédito vem do latim creditum, credere: aquele que crê.
A confiança é tudo, tanto que basta haver um abalo na confiança, que o
crédito retrai e a crise entra. Se a pessoa empresta algo ciente de que não receberá a
contraprestação, isso não é crédito, mas doação. O elemento mais importante do
crédito é a confiança. O direito cambial, que ora estamos estudando, se presta
exatamente para assegurar/proteger essa confiança. É importante proteger a
confiança, caso contrário, há crise de crédito no mercado.
É por essa razão que muitas vezes o direito empresarial vai proteger a
confiança em detrimento da boa-fé, pois é mais importante para o direito cambial a
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confiança do que a boa-fé. Por isso, tantas vezes vemos injustiças serem realizadas
em títulos de crédito. Protege-se a consciência formal apesar da má-fé explícita.
1.2) Título de crédito
“Título de crédito é o documento necessário ao exercício do direito, literal e
autônomo, nele mencionado”.
Esse é o conceito clássico do italiano Cesare Vivante, pai do direito cambial
em nível internacional, e que é copiado por todos os autores. Ocorre que nosso
legislador copiou erroneamente conceito de Vivante no art. 887 do Código Civil:
Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.
O legislador substituiu a palavra “mencionado” do conceito de Vivante por
“contido”, e isso faz toda diferença, diferença esta que já foi explorada na prova da
magistratura federal de São Paulo.
Vivante não apenas comprova que a expressão correta é “mencionado”,
como vai além, prova que a única expressão que não poderia ser usada como
sinônimo é a palavra “contido”. Vamos entender o porquê dessa diferença:
Os títulos de crédito são emitidos ordinariamente na condição pro solvendo,
ou seja, não geram novação. Em outras palavras, os títulos de crédito são autônomos
em relação ao negócio jurídico que lhe deu causa e, por essa razão, não extinguem a
obrigação que lhe é subjacente. Não há assunção de uma nova obrigação e, portanto,
não há extinção da obrigação subjacente ao título. Por isso os títulos de crédito são
como regra pro solvendo, não quitam/extinguem/novam a obrigação subjacente.
Exemplo: A compra o carro de B e paga com um cheque. Ainda que prescrito
o cheque nada impede que B cobre a compra e venda de A, pois o cheque não
extingue a compra e venda. São duas obrigações autônomas. O título de crédito se
caracteriza pela autonomia. Autônomo é o oposto de acessório. No direito civil, via de
regra, há uma relação de acessoriedade, em que o acessório segue a sorte do
principal. Na autonomia é diferente. O título de crédito (no caso o cheque) não
extingue a compra e venda do veículo, são duas obrigações autônomas,
independentes, por isso é que não há novação. Por isso que ainda que prescrito o
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cheque será possível o credor demandar a cobrança via ação monitória. Essa
matéria, inclusive, é sumulada pelo STJ:
Súmula 299 – STJ É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito.
O título de crédito não gera novação porque não contém o crédito, apenas o
menciona, faz referência de maneira independente/autônoma. Se o título de crédito
contivesse o crédito, o crédito decorrente do negócio jurídico subjacente (no exemplo,
a compra e venda do veículo) estaria contido no título. Ou seja, o crédito teria saído da
relação obrigacional de compra e venda e aderido à cártula. Assim, uma vez prescrito
o título (no exemplo, o cheque) nada poderia ser cobrado. O título porque prescrito e o
negócio jurídico subjacente porque contido no título prescrito, portanto, novado.
Fica claro, portanto, que o título de crédito não contém o crédito, apenas o
menciona, faz referência de maneira autônoma, independente. Assim, a diferença
entre as expressões “mencionado” (conceito de Vivante) e “contido” (art. 887 do CC) é
muito grande.
O título é ordinariamente pro solvendo, de forma que, como regra, apenas
menciona o crédito, não gera novação e, portanto, não extingue o negócio jurídico
subjacente. Porém, nada impede que as pessoas tornem o título de crédito pro soluto,
gerando novação e extinguindo, portanto, o negócio jurídico subjacente ao título.
Contudo, somente pela atuação humana o título de crédito se torna pro soluto, pois a
natureza do título é pro solvendo. Tudo isso em decorrência da distinção entre
“mencionado” e “contido”.
Exemplo: Pessoa compra uma mercadoria e paga com cheque. O
estabelecimento emite nota fiscal da mercadoria. A nota fiscal fatura é o documento
que substitui o contrato de compra e venda mercantil provando sua existência, sua
extensão, seu objeto, as partes envolvidas, mas não a sua quitação. A nota fiscal é a
prova do contrato, mas não a prova do pagamento. A prova do pagamento é o recibo.
Como o pagamento foi feito com cheque e não com dinheiro, o recibo deve
ser articulado mais ou menos assim:
“Recebi, mediante o cheque número tal, a quantia mencionada na nota fiscal
fatura número tal, sujeitando a quitação à efetiva compensação da cambialiforme”.
“Local, data e assinatura.”
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Vamos supor que o vendedor não teve o cuidado de explicitar no recibo que a
quitação é sujeita à efetiva compensação do cheque e que tenha simplesmente batido
um carimbo de “Recebemos” na nota fiscal, tenha assinado e datado. Um recibo
emitido nestes termos faz do cheque, que em regra é uma obrigação pro solvendo,
uma obrigação pro soluto, pois deu quitação ao negócio jurídico subjacente. Assim, se
o cheque não for pago ou prescrever nada poderá ser cobrado do comprador: o
cheque, porque prescrito, e a compra e venda, porque quitada (a prova é o recibo).
Por isso, ao dar o recibo do cheque é preciso cuidado para não dar quitação.
É preciso que o recibo sujeite a quitação à compensação do cheque (cambialiforme).
1.3) Elementos (atributos ou princípios)
O conceito de Vivante é considerado perfeito porque congrega os 3
elementos (que alguns denominam atributos e outros denominam princípios) fático-
jurídicos que somados redundam na existência de um título de crédito: documento
literal autônomo.
A) Elementos essenciais do título de crédito
De acordo com o conceito de Vivante título é documento literal e autônomo.
Então, são 3 os elementos essenciais ao título de crédito.
1º) Documentação (Cartularidade ou INCORPORAÇÃO)
O princípio da cartularidade (princípio da documentação / princípio da
incorporação) nos informa que não há título de crédito sem papel que mencione o
crédito.
Alguns autores dizem que o princípio da cartularidade teria sido mitigado pelo
art. 889, § 3º, do Código Civil:
Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente.
§ 3º O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo.
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Dentre os requisitos mínimos do título de crédito está a assinatura do
emitente, que não se confunde com a assinatura eletrônica. Assinatura eletrônica não
é assinatura, mas senha. Assinar é grafar o próprio nome à mão. Assinaturas
eletrônicas nada mais são do que uma sequência de números primos. Toda a
criptografia, de chave aberta ou fechada, se faz com a sequência de números primos e
isso não é assinatura. Portanto, a cartularidade não foi mitigada pelo art. 889, § 3º, do
CC/02.
2º) Literalidade
O princípio da literalidade nos informa que o título vale pelo que nele houver
sido escrito. O princípio da literalidade traduz uma obviedade: uma folha em branco
não é um título de crédito. João Eunápio Borges (pai do direito cambial no Brasil)
subdivide a literalidade em dois grandes grupos: literalidade positiva e literalidade
negativa.
I – Literalidade positiva
O princípio da literalidade positiva nos informa que tudo o que se escreve em
um título de crédito a ele se incorpora contra ele pode ser oposto e discutido em uma
eventual demanda judicial.
A literalidade positiva mitiga (tira a robustez) da autonomia em relação ao
negócio jurídico subjacente. Isso porque, por um ato de vontade, a pessoa escreve no
verso do título que aquele título está vinculado a determinado negócio jurídico. Isso faz
com que o negócio jurídico seja arrastado para dentro do título.
Exemplo: Quando a pessoa escreve no verso do cheque “cheque vinculado
ao veículo de placa tal”, a compra em venda que seria autônoma é arrastada para
dentro do título, permitindo-se assim, a discussão que envolva a compra e venda
daquele veículo.
Exemplo sumulado pelo STJ de aplicação da literalidade positiva:
Súmula 258 – STJ A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito* não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou.
* O contrato de abertura de crédito é o nome técnico do contrato de cheque
especial.
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De todos os contratos de direito bancário, o que traz para o banqueiro o maior
retorno financeiro é o cheque especial. O cheque especial é um ótimo negócio para o
banqueiro enquanto ele debita o dinheiro da conta do cliente. O problema ocorre
quando não há mais saldo, isto é quando o banco não consegue mais debitar o
dinheiro da conta do cliente. A cobrança judicial da dívida do cheque especial sempre
gerou muito embate no Judiciário, o que levou à edição de diversas Súmulas pelo STF
e pelo STJ, e que são muito cobradas nos concursos.
O sistema financeiro sempre teve por objetivo conseguir executar a dívida do
cheque especial (entrar com ação de execução). Isso porque para o banqueiro pouco
importa por quantos anos vai tramitar a ação de cobrança, ele vai poder cobrar juros
de cheque especial de todos esses anos (Súmula 380 do STJ). A preocupação do
banqueiro é a cobrança se arrastar por anos e na hora de executar o devedor já ter
tirado todos os seus bens de seu próprio nome, inviabilizando, pois a execução.
A jurisprudência é firme no sentido de que a mera propositura da ação judicial
não inibe a mora. Isso significa, por exemplo, que se o processo tramitar 10 anos,
serão 10 anos de juros de cheque especial. É o que dispõe a Súmula 380 do STJ:
Súmula 380 – STJ A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.
Se o devedor propõe a ação de revisão do contrato isso não inibe a mora, o
que significa que o credor continua podendo executar, protestar e cobrar todos os
encargos contratuais da multa. Por isso, o banqueiro não se preocupa se o processo
vai demorar, ele se preocupa é em não receber o que lhe é devido ao final do
processo.
Contudo, em sede de embargos de divergência (EREsp 775.765/RS e EREsp
785.720/RS), a 2ª Seção do STJ, que é a Seção de direito privado, que congrega a 3ª
e a 4ª Turma, por seus 11 Ministros, pacificou jurisprudência no sentido de que nos
contratos bancários a cobrança de encargos ilegais durante o período de normalidade
contratual descaracteriza a configuração da mora. Então, se o devedor propõe ação
revisional do contrato e ganha, ou seja, há reconhecimento de abusividades,
descaracteriza-se a mora (todos os encargos da mora serão subtraídos, como multas,
juros e correções).
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OBS: O STJ é composto por 33 ministros, divididos em 6 Turmas. Cada
Turma tem 5 ministros. Os 3 Ministros restantes são o Presidente, o vice-Presidente e
o Corregedor, que não atuam em Turmas.
A 1ª e a 2ª Turmas formam a 1ª Seção, que é a Seção de direito público.
A 3ª e a 4ª Turmas formam a 2ª Seção, que é a Seção de direito privado.
A 5ª e a 6ª Turmas formam a 3ª Seção, que é a Seção de direito penal.
Para pacificar eventuais divergências jurisprudenciais entre duas Turmas
existem os embargos de divergência, julgados pela Seção respectiva, presidida pelo
1º Vice-Presidente. Então, os 5 Ministros de cada Turma se reúnem sob a Presidência
do 1º Vice-Presidente (totalizando 11 Ministros) e discutem a matéria. O que eles
decidem pacifica a jurisprudência não apenas em nível de tribunal (STJ), mas também
em nível nacional. Então, o precedente de embargos de divergência de Seção tem
praticamente a mesma força prática de uma súmula.
O que a 2ª Seção decidiu é que, nada obstante a propositura da ação
revisional não inibir a mora (Súmula 380 do STJ), se nesta ação se comprovar que
houve abusividades, a mora estará afastada. Com o afastamento da mora, afastam-se
todos os encargos dela decorrentes, como multa, juros e correções.
Como dito, os banqueiros sempre tiveram um sonho: executar a dívida do
cheque especial. Para tanto, não tiveram escrúpulos em procurar soluções para
alcançar esse objetivo. Foram várias as alternativas pensadas:
1ª) O art. 9º da LUG (Lei Uniforme de Genebra – Tratado internacional que
regulamenta notas promissórias e letras de câmbio) prevê que é lícita a assunção de
obrigações cambiais por procurador desde que com poderes específicos.
Então, é possível uma pessoa constituir um procurador para em seu nome
emitir cheques, aceitar letras de câmbio, sacar letras de câmbio, dar aceite em
duplicata, sacar duplicata, avalizar, em suma, contrair obrigações cambiais.
A partir desse dispositivo os banqueiros passaram a incluir no contrato de
cheque especial uma cláusula-mandato pela qual o cliente constituía o banqueiro, ou
uma das sociedades empresárias que componham o grupo financeiro, procurador
para, em nome do cliente e em favor do próprio banqueiro, contrair obrigações
cambiais. Isso beira à tergiversação (patrocínio simultâneo), razão pela qual a Súmula
60 do STJ considera nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário
vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.
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Súmula 60 – STJ É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.
2ª) Após a Súmula 60 do STJ, os banqueiros pensaram numa nova solução.
Partindo da premissa de que o contrato particular subscrito por duas testemunhas é
título executivo extrajudicial, o contrato de abertura de crédito (contrato de cheque
especial) subscrito por duas testemunhas também poderia ser executado, caso não
quitada a dívida.
Ocorre que para o credor executar o devedor não basta um título que legitime
a ação executiva, é necessário, ainda, que o título seja certo, líquido e exigível.
Suponhamos que A seja credor de B numa nota promissória que se vencerá
no ano que vem. Em que pese a nota promissória ser um título de crédito extrajudicial,
A não poderá executá-la hoje, pois para o credor executar o devedor não basta um
título que legitime ação executiva, é necessário que este título seja certo, líquido e
exigível. Se a nota promissória não está vencida, não é exigível, portanto, não pode
ser executada.
Já no cheque especial o furo na execução é a ausência de liquidez, pois as
taxas de juros bancários variam enormemente de uma instituição financeira para outra.
Inclusive dentro de uma mesma instituição financeira podemos ter taxas de juros
diferenciadas entre os clientes. Exatamente porque o contrato de cheque especial
(contrato de abertura de crédito) é ilíquido, não é título executivo, não podendo, pois,
ser executado. Nesse sentido, é a Súmula 233 do STJ:
Súmula 233 – STJ O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo.
3ª) Diante da Súmula 233 do STJ os banqueiros pensaram em outra
alternativa para conseguir executar a dívida do cheque especial. Os bancos chamam o
cliente estrangulado pela dívida do cheque especial, renegociam com ele a dívida e,
em troca, fazem com que ele assine uma nota promissória em branco. Após, o banco
vincula a nota promissória assinada em branco ao contrato de cheque especial
(literalidade positiva: vincula-se a obrigação cambial ao contrato de cheque especial).
Se o devedor se torna inadimplente, o banqueiro-credor tem em seu favor uma nota
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promissória que foi assinada em branco. Nos termos da Súmula 387 do STF, é lícita a
assinatura de nota promissória em branco:
Súmula 387 – STF A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto.
Ao assinar um título em branco ou com omissões, o devedor constitui seu
credor mandatário para, de boa-fé, preencher o título (preenchimento este que tem de
ser feito antes do protesto ou da cobrança). Por isso que o banqueiro vincula a nota
promissória assinada em branco ao contrato de cheque especial, porque seria o
banqueiro de boa-fé liquidando o quantum debeatur (já que o problema é a iliquidez) e
executando.
Ocorre que, muito embora seja lícita a nota promissória em branco, o contrato
de cheque especial é ilíquido, ou seja, precisa de uma perícia, não podendo ser
liquidado unilateralmente pelo banqueiro. Dessa forma, assim como o contrato de
cheque especial não pode ser executado (Súmula 233 do STJ), a nota promissória
assinada em branco vinculada a este contrato também não tem como ser preenchida,
porque o negócio jurídico subjacente é arrastado para dentro da nota promissória
(literalidade positiva). Se o contrato de cheque especial é ilíquido a nota promissória
também será ilíquida. É o que está estampado na Súmula 258 do STJ, vista acima (“A
nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia
em razão da iliquidez do título que a originou”). A literalidade positiva é isso: ao
escrever no título arrasta-se para dentro dele o que há de bom e o que há de ruim no
negócio jurídico subjacente. Se o negócio jurídico é ilíquido e pela literalidade positiva
é arrastado para dentro do título de crédito, o título também será ilíquido.
4ª) Outra solução pensada pelos bancos: confissão de dívida pelo cliente em
troca de uma redução de juros. Se o devedor confessa a dívida ela se torna líquida,
podendo, pois, ser executada. É o que dispõe a Súmula 300 do STJ:
Súmula 300 – STJ O instrumento de confissão de dívida, ainda que originário de contrato de abertura de crédito, constitui título executivo extrajudicial.
A confissão de dívida é um título executivo extrajudicial. É um contrato
subscrito por duas testemunhas em que o devedor confessa o quantum debeatur,
permitindo, assim, a execução pelo credor.
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Contudo, a Súmula 286 do STJ, que cai muito em prova, prescreve:
Súmula 286 – STJ A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.
A Súmula 286 do STJ nos diz que quando o banqueiro executa a confissão
de dívida o devedor executado pode embargar a execução discutindo eventuais
ilegalidades contratuais. Isso é tão recorrente na prática que o novo CPC exige que a
petição inicial dos embargos seja acompanhada de um laudo pericial que aponte as
ilegalidades e as diferenças financeiras (art. 917, § 3º). Ou seja, antes de embargar o
devedor executado precisa periciar o contrato.
Tendemos a pensar que a maior abusividade dos contratos bancários é a
abusividade nos juros. Mas não é bem assim. Isso porque o STF sumulou o
entendimento de que os limites da Lei de Usura (Decreto 22.626/33) não se aplicam
às instituições financeiras:
Súmula 596 – STF As disposições do Dec. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.
A Lei de Usura proíbe no Brasil a agiotagem, tipificando como crime a
cobrança de juros que ultrapassem o dobro do juro legal. Conforme a Súmula 596 do
STF essa lei não se aplica às instituições financeiras, de forma que os bancos podem
cobrar os juros que bem lhes aprouver.
Corroborando a Súmula 596 do STF temos as Súmulas 379 e 382 do STJ, a
primeira aplicável aos juros moratórios e a segunda aos juros remuneratórios.
Juros moratórios: São os juros que decorrem da mora. São os encargos
decorrentes de atraso/inadimplência do contrato. Nos termos da Súmula 379 do STJ, a
mora, salvo estipulação legal específica, tem juro máximo de 1% ao mês.
Súmula 379 – STJ Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser fixados em até 1% ao mês.
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Juros remuneratórios: É a remuneração que o banqueiro cobra pela
entrega de sua mercadoria (dinheiro). Nos termos da Súmula 382 do STJ, a
estipulação de juros remuneratórios superiores a 12%, por si só, não indica
abusividade.
Súmula 382 – STJ A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.
O STJ vem entendendo que quando os juros remuneratórios cobrados no
caso concreto estão extraordinariamente acima da média do mercado o juiz pode
reduzi-los para a média do mercado.
Outra abusividade dos contratos bancários que é importante destacar é o
anatocismo. Nesse sentido, destaca-se a Súmula 121 do STF:
Súmula 121 – STF É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionado.
A capitalização de juros é o chamado anatocismo (juros sobre juros; juro
capitalizado).
Para compreender os juros sobre juros, podemos nos valer da seguinte
analogia: imagine que o mútuo seja uma árvore e que os frutos dessa árvore sejam os
juros. Da árvore colhem-se frutos, mas não é possível colher frutos dos frutos. Então,
do mútuo é possível extrair juros, mas não há como obter juros dos juros.
Suponha que você contraia um empréstimo de 100 reais no cheque especial
a uma taxa de 10% ao mês. No final do mês o banqueiro desconta da sua conta 10
reais, de forma que você vai ficar devendo 110 reais ao banco. No mês subsequente o
banqueiro debita na sua conta 11 reais. Só que aqui há um problema, pois esse 1 real
a mais equivale a 10% dos 10 reais que já eram juros. Ou seja, o banco está cobrando
juros sobre juros. Esse 1 real equivale ao anatocismo, vedado pela Súmula 121 do
STF.
Ocorre que após a edição da Súmula 121 do STF, entrou em vigor o Código
Civil de 2002, cujo art. 591 prescreve:
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Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
Ao teor do que prescreve o art. 591 do CC/02, destinando-se o mútuo a fins
econômicos (ex: banco) o anatocismo é facultado uma vez por ano. Portanto, o
anatocismo hoje é lícito, desde que com uma periodicidade anual, de forma que a
Súmula 121 do STF tem de ser lida em conjunto com o art. 591 do CC.
Ainda sobre a capitalização de juros, temos a Medida Provisória 2.170-36 de
2001 (perenizada pela Emenda Constitucional 32/01), anterior ao CC/02, que
estabelece que o anatocismo é vedado, salvo uma vez por ano, exceto nos contratos
bancários, cuja periodicidade é livre. Ou seja, os banqueiros podem cobrar o
anatocismo diário, semanal, quinzenal, mensal, bimestral, semestral, anual, etc. Essa
medida provisória é objeto da ADI 2.316, por inconstitucionalidade formal por
impropriedade da via legislativa. É que a CF/88 prescreve no art. 192 que apenas lei
complementar pode dispor sobre regras de direito bancário. Essa ADI tramita há 16
anos, e os três votos colhidos são pela inconstitucionalidade.
Em matéria de juros bancários não é possível a aplicação do Código de
Defesa do Consumidor. Isso porque, ao julgar a ADI 2.591, o STF firmou entendimento
de que o CDC não se aplica às instituições financeiras, pois o CDC é lei ordinária (Lei
8.078/90) e o art. 192 da Constituição exige lei complementar. Cuidado, pois, para não
interpretar erroneamente a Súmula 297 do STJ, que estabelece:
Súmula 297 – STJ O Código de Defesa do Consumidor é aplicável as instituições financeiras.
É aplicável o CDC às instituições financeiras somente em relação aos
serviços prestados pelas instituições financeiras, mas não aos contratos bancários,
pois o STF já julgou que não se aplica o CDC às instituições financeiras. Tanto isso é
verdade, que existe ainda a Súmula 381 do STJ:
Súmula 381 – STJ Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.
Pelo CDC o juiz pode conhecer de ofício a abusividade das cláusulas
contratuais. Contudo, o juiz não pode conhecer de ofício a abusividade das cláusulas
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dos contratos bancários (Súmula 381 do STJ), e isso se dá justamente porque o CDC
não se aplica às instituições financeiras. O CDC é aplicável somente quanto aos
serviços, mas não quanto aos contratos das instituições financeiras.
A Súmula 247 do STJ estabelece que a ação judicial para se cobrar a dívida
do cheque especial é a ação monitória:
Súmula 247 – STJ O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória.
Como mencionado, a Lei de Usura proíbe a agiotagem no Brasil, tipificando
como crime a cobrança de juros que ultrapassem o dobro do juro legal. Então, temos
de saber qual é o juro legal no Brasil. A resposta é dada pelo art. 406 do CC/02:
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
A partir do art. 406 muitos entenderam que os juros legais seriam de 1% ao
mês. Mas essa não é a jurisprudência no STJ na hermenêutica hoje pacificada na
Corte Especial.
OBS: Quando a divergência se dá entre duas Turmas existem os embargos
de divergência para a Seção. Quando a divergência transcende de uma Seção para
outra Seção, como é a questão dos juros legais, os embargos de divergência são
julgados pela Corte Especial, que é composta pelos 25 Ministros mais antigos do STJ.
Uma decisão da Corte Especial sepulta qualquer discussão.
Segundo a Corte Especial do STJ, ao julgar os EREsp 727.842/SP, o juro
legal no Brasil é a taxa Selic.
OBS: Mesmo após a decisão da Corte Especial ainda há muitos juízes
condenando em juros de 1% ao mês mais correção monetária, o que é bom quando se
é o credor, mas péssimo sob o ponto de vista do devedor que, neste caso, terá de
interpor recurso especial para o STJ para ver aplicada a taxa Selic. Considerando a
decisão da Corte Especial, os Ministros Relatores já aplicam a Selic
monocraticamente.
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A partir dessa decisão, que é o leading case, temos vários julgados no STJ
fixando os juros na taxa Selic: REsp 1.070.154/SP; REsp 1.112.743/BA; REsp
1.102.552/CE.
IMPORTANTE: A Selic compreende juros mais correção monetária, de forma
que a Selic é inacumulável com correção monetária, pois senão haveria bis in idem.
Assim já decidiu o STJ, reiteradas vezes: REsp 666.676/PR e REsp 825.915/MS.
II – Literalidade negativa
O princípio da literalidade negativa nos informa que nada que não tenha sido
escrito em um título de crédito contra ele pode ser oposto e discutido em uma eventual
demanda judicial.
É daí porque João Eunápio Borges asseverava que o título de crédito se
limita positiva e negativamente pelo que nele houver sido escrito, na medida em que
tudo que se escreveu poderá ser objeto de discussão judicial, tudo aquilo que deixou
de ser escrito, ao revés, não poderá ser discutido em juízo.
3º) Autonomia
O 3º elemento essencial do título de crédito é a autonomia. À semelhança da
literalidade, a autonomia também pode ser investigada sob dupla perspectiva:
I – Autonomia em relação ao negócio jurídico subjacente (causa
debendi)
Causa debendi = causa da dívida; origem da dívida
O título de crédito é autônomo em relação ao negócio jurídico que lhe deu
causa. Isso quer dizer que ainda que o negócio jurídico seja nulo não contaminará a
validade do título de crédito, nem vice-versa , ou seja, ainda que o título seja nulo, isso
não contamina a validade do negócio jurídico subjacente.
Exemplo1: Duplicata sacada no tráfico de cocaína endossada numa
transação comercial. O devedor não pode se recusar a pagar a duplicata ao
fundamento de que sua origem envolvia o tráfico, pois o título foi endossado a um
terceiro de boa-fé que não tinha nada a ver com o tráfico. O título vai ser pago porque
é autônomo em relação à causa debendi.
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Exemplo2: Comprei um carro e paguei com cheque. Nem eu nem o vendedor
percebemos que houve uma falha na impressão e a palavra “cheque” não veio
impressa no documento. O cheque é nulo, porque não tem a palavra cheque (arts. 1º,
I, c/c art. 2º, caput, da Lei 7.357/85), mas a compra e venda continua válida e,
portanto, poderá ser cobrada.
II – Autonomia em relação aos coobrigados
O título é autônomo em relação aos coobrigados, ou seja, cada signatário de
um título de crédito tem uma obrigação própria, que independe da dos demais
(independe da validade, da regularidade e até mesmo da existência da dos demais). É
o oposto do que vemos no direito civil, em que a regra é o acessório seguir a sorte do
principal. Aqui a relação não é de acessoriedade, mas de autonomia.
Exemplo1: Vamos supor que uma criança de 10 anos de idade vá até uma
agência bancária e contraia um empréstimo de 1 milhão de reais, assinando um
contrato de mútuo e que este contrato tenha um fiador. Como a criança não é capaz
de se obrigar validamente a este contrato, a fiança, sendo um contrato acessório,
segue a sorte do principal. Ou seja, se o mútuo é nulo, a fiança também é nula.
Exemplo2: Vamos supor que essa mesma criança vá até uma agência
bancária e contraia um empréstimo de 1 milhão de reais, assinando uma nota
promissória em favor do banco e que você avalize a operação assinando também a
nota promissória. A criança não é capaz de se obrigar cambialmente, mas o aval dado
por você é plenamente válido, em razão do princípio da autonomia em relação aos
coobrigados (cada um que apõe a sua assinatura no título de crédito tem uma
obrigação própria que independe da dos demais).
B) Elementos não-essenciais do título de crédito
1º) Abstração vs. causalidade
Ou o título de crédito é abstrato ou o título de crédito é causal. O título de
crédito será abstrato ou causal, nunca será as duas coisas ao mesmo tempo, assim
como nunca será nenhuma das duas coisas. Ou é abstrato ou é causal. É por isso que
se trata de atributo não-essencial, pois ou o título é causal, sendo válido, ou abstrato,
sendo igualmente válido.
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OBS: Para Fábio Ulhôa Coelho, a abstração seria um subprincípio da
autonomia. Esse é um entendimento equivocado. Primeiro porque não existem
subprincípios, o que existem são princípios dos quais inferimos conclusões. Isso é um
postulado racional cartesiano. Mas ainda que admitíssemos a existência de
subprincípios, não há como a abstração, que é um elemento não-essencial, ser
subprincípio da autonomia, que é um elemento essencial do título de crédito. Por
princípio de lógica cartesiana, do essencial só se extraem essencialidades. Daí porque
esse entendimento é criticável. Até porque autonomia e abstração não têm nada a ver.
O título de crédito se diz abstrato conforme a lei que o tenha instituído não
tenha prescrito os negócios jurídicos que autorizam sua emissão (criação, saque). A
abstração é uma decorrência da lei. A lei cria o título de crédito, mas não menciona
quando ele pode ser emitido. Como estamos no direito privado, em que tudo que não
é proibido é permitido/é facultado, se a lei cria um título de crédito, mas não menciona
quando o título pode ser emitido, é porque ele pode ser emitido em qualquer
circunstância lícita. Exemplos de títulos abstratos: Cheque, nota promissória, letra de
câmbio. Pode-se sacar o cheque para pagar um mútuo, uma prestação de serviço,
uma compra e venda mercantil, uma compra e venda civil, para fazer uma doação, etc.
Os títulos de crédito se dizem causais conforme a lei que os tenha criado
também prescreve os negócios jurídicos que autorizam sua emissão (saque/criação).
A lei tem dois objetos: cria o título de crédito e prescreve quando ele pode ser emitido.
Exemplos de títulos de créditos causais:
- CCB (cédula de crédito bancário): segundo a Lei 10.931/04, a CCB é título
que só pode ser sacado mediante um mútuo bancário.
- Warrant: título que só pode ser emitido se houver contrato de depósito de
mercadorias nos silos de armazéns gerais. A causa da emissão do warrant é o
contrato de depósito de mercadorias nos silos de armazéns gerais
Exemplo: Foi desbaratada no sul de Minas uma quadrilha (associação
criminosa) de falsificação de warrant de café que impactou o preço do café no
mercado internacional. Sabendo-se o tanto de warrant de café sacado no Brasil, sabe-
se o tanto de café que o País tem estocado. A partir do momento que se descobre que
os warrants foram falsificados, deixa-se de saber qual o estoque do produto.
- Duplicata: nos termos da Lei 5.474/68 só pode ser sacada se houver uma
compra e venda mercantil ou uma prestação de serviços.
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Título causal sacado fora da prescrição legal constitui infração penal: art. 172
do Código Penal.
Duplicata simulada Art. 172 - Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado. Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
2º) Dependentes vs. independentes
Títulos de crédito independentes são aqueles que se bastam a si mesmos
para serem executados. Ou seja, basta a cártula e mais nada. Ex: Cheque, nota
promissória, duplicata, letra de câmbio. A quase totalidade dos títulos de crédito é
independente.
Títulos de crédito dependentes são aqueles que para serem executados
necessitam de outro negócio jurídico ou, ainda, de outro documento. Exemplos de
títulos dependentes:
- CCB (Cédula de Crédito Bancário): para executá-la é necessário não
apenas a CCB, mas também o extrato da movimentação da conta bancária do
devedor. Ou seja, não basta o título, é preciso outro documento.
- Segundo Fran Martins, as ações de S/A são títulos de crédito, e títulos de
crédito dependentes, pois dependem de outro negócio jurídico para se aperfeiçoarem,
qual seja, a existência da própria S/A.
1.4) Natureza jurídica
A natureza jurídica de um instituto é aquilo que o torna único, é aquilo que
diferencia o instituto de tudo o mais. Perceber a natureza jurídica é não se deixar
enganar pelos olhos ou pela boa oratória de um professor, de um advogado, de um
juiz, de um promotor, etc. Quando você detecta a natureza de um instituto, você
detecta o que é essencial, o que é único naquele instituto, o que o diferencia de todos
os demais. Em outras palavras, quando você detecta a natureza jurídica de um
instituto você detecta o que a hermenêutica não pode corromper, sob pena de
degenerar aquele instituto em instituto diverso.
Segundo Cesare Vivante, os títulos de crédito têm dupla natureza jurídica (o
que está umbilicalmente relacionado à oponibilidade e à inoponibilidade dos títulos de
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crédito): momento contratual e momento de promessa (ou declaração) unilateral de
pagamento.
Momento contratual é aquele em que devedor e credor estão um diante do
outro no processo (em juízo), não apenas por uma relação cambial (isto é, não apenas
porque um é credor e o outro é devedor do título de crédito), mas também porque
tiveram a relação negocial subjacente ao título.
Apesar de autônomas a relação cambial e a relação meta cambial (negócio
jurídico subjacente ao título), coincidentemente devedor e credor são devedor e credor
tanto do título de crédito quanto do negócio jurídico subjacente ao título.
Exemplo: A compra um carro de B e paga com um cheque sem fundos. B
executa o cheque. B é credor de A no cheque e na compra e venda subjacente.
Momento de promessa (ou declaração) unilateral de pagamento dá-se
quando devedor e credor estão um diante do outro no processo exclusivamente por
uma relação cambial, ou seja, eles nem precisam se conhecer. Um está demandando
e o outro está sendo demandado, porque um é credor e o outro é devedor de um título
de crédito. Não há nenhuma relação subjacente ao título, a relação entre eles é
exclusivamente cambial.
Exemplos: Avalista sendo executado pelo credor; endossatário executado
pelo credor.
Quando a relação entre credor e devedor é estritamente cambial, executado o
título de crédito pelo credor, o devedor só poderá discutir a relação que existe entre
ambos, ou seja, só poderá discutir a relação cambial. Se cambialmente o título está
perfeito, o devedor não poderá opor exceções pessoais perante o credor (ou seja, não
poderá opor exceções decorrentes do negócio jurídico subjacente). É por isso que
Vivante ensina que:
O momento contratual atrai a oponibilidade das exceções pessoais.
O momento de promessa unilateral atrai a inoponibilidade das exceções
pessoais.
1.5) Oponibilidade e inoponibilidade de exceções pessoais
No direito cambial temos exceções cambiais e exceções pessoais.
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As exceções cambiais são sempre oponíveis, porque são exceções de vício
de forma do título de crédito, vício este que importa nulidade absoluta do título,
cabendo ao juiz decretá-la de ofício (inclusive, toda vez que a parte alega uma
nulidade absoluta ela está vindo em socorro do juiz, já que é dele a função de decretar
a nulidade e não da parte arguir). A nulidade cabe ao juiz decretá-la de ofício, tanto é
que a parte argui se quiser, quando quiser, do jeito que quiser. A exceção cambial é
sempre oponível, porque é vício de forma. Exemplo: “Pagarei por essa única via de
promissória a quantia X”. Esse título é nulo porque faltou a palavra “nota” (art. 75, I, c/c
art. 76, da LUG).
Só que o que estamos discutindo aqui é a oponibilidade ou não das exceções
pessoais, ou seja, exceções decorrentes do negócio jurídico subjacente (decorrentes
da causa debendi).
A oponibilidade das exceções pessoais consiste na admissibilidade da
discussão da causa debendi. A inoponibilidade das exceções pessoais, ao revés, é a
vedação da discussão da causa debendi.
Se o título de crédito é autônomo em relação à causa debendi, como é
possível a oponibilidade das exceções pessoais, isto é, como é possível admitir a
discussão da causa debendi? Isso se deve ao fato de ser da natureza do título que em
dadas circunstâncias, apesar de autônomas, é possível discuti-las.
A maioria dos autores diz que o título de crédito, uma vez endossado alcança
o grau máximo da abstração e da autonomia, atraindo a inoponibilidade das exceções
pessoais. Isso está correto. O problema é que a partir desse enunciado tendemos a
vincular a inoponibilidade das exceções pessoais ao endosso, o que é um equívoco,
pois existem títulos endossados que comportam oponibilidade e existem títulos não
endossados que comportam inoponibilidade.
O que determina a oponibilidade ou a inoponibilidade das exceções pessoais
não é o endosso, mas sim o momento na natureza jurídica do título de crédito. Vamos
ilustrar isso com um exemplo.
Exemplo: Vamos supor que Fernandinho Beira-Mar seja o fornecedor de
cocaína de Marcinho VP. Como Marcinho VP não tem dinheiro, emite uma nota
promissória em favor de Fernandinho Beira-Mar. O negócio jurídico subjacente é a
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compra e venda de cocaína (obs: o tráfico não é o negócio jurídico subjacente, o
tráfico é conduta típica com implicações penais). Vencida a nota promissória
Fernandinho Beira-Mar procura Marcinho VP para o pagamento, mas este se mantém
inadimplente. Fernandinho Beira-Mar vai a juízo a fim de executar a nota promissória.
Nessa ação de execução há entre Fernandinho Beira-Mar não apenas uma relação
cambial, mas também uma relação negocial. Portanto, estamos diante do momento
contratual na natureza jurídica do título de crédito. Se o momento é contratual, atrai a
oponibilidade das exceções pessoais. Neste caso, há uma escusa justificável para
Marcinho VP não pagar o título (ilicitude do negócio jurídico meta-cambial, ou seja,
ilicitude do negócio jurídico subjacente ao título). Assim, a ação de execução será
julgada improcedente.
Vamos prosseguir com o mesmo exemplo, apenas imaginando que
Fernandinho Beira-Mar tenha condicionado a aceitação da nota promissória de
Marcinho VP a um aval. A nota promissória foi avalizada por Elias Maluco. Marcinho
VP não efetua o pagamento, razão pela qual Fernandinho Beira-Mar decide executar o
avalista, Elias Maluco. Entre Fernandinho Beira-Mar e Elias Maluco há uma relação
estritamente cambial, entre eles não há relação negocial. Estamos, pois, diante do
momento da promessa unilateral de pagamento na natureza jurídica dos títulos de
crédito, que atrai a inoponibilidade das exceções pessoais. Assim, Elias Maluco não
poderá embargar a execução alegando que o negócio jurídico subjacente é ilícito.
Perceba que neste caso não há endosso, mas, mesmo em face de um título não
endossado temos inoponibilidade das exceções pessoais.
O STJ não permite que o avalista oponha exceções pessoais à execução pelo
credor. Como exemplo pode-se citar o REsp 190.753/SP, que iremos tratar como
acórdão regra geral, que contém o raciocínio e as conclusões que devem ser levados
para a prova. Contudo, o STJ possui um (único) precedente autorizando o avalista a
opor exceções pessoais do avalizado perante o credor. Trata-se do REsp 678.881/PR.
Continuando com o mesmo exemplo, vamos supor que ao receber a nota
promissória emitida por Marcinho VP, Fernandinho Beira-Mar tenha endossado a nota
promissória para D. Maria (endosso do pagamento de aluguel, por exemplo).
Obs: Aquele que transfere por endosso é tecnicamente denominado
endossante ou endossador. Aquele que recebe mediante endosso é o endossatário.
Então, Fernandinho é o endossante e D. Maria a endossatária.
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Vencida a nota promissória pode ser que D. Maria opte por executar
Fernandinho Beira-Mar. Entre eles há relação negocial (locação) e cambial (endosso).
Como estamos no momento contratual, isso quer dizer que Fernandinho Beira-Mar
poderá embargar a execução promovida por Maria. Esses embargos não têm ligação
alguma com o endosso, somente com o negócio jurídico subjacente (será discutida a
validade do negócio jurídico. Fernandinho alega, por exemplo, que o cheque foi para
pagar multa da locação do imóvel e que a multa era abusiva). Se D. Maria optasse por
executar Marcinho VP, como relação entre eles é puramente cambial, as exceções
pessoais seriam inoponíveis por Marcinho VP.
EXCEÇÃO: O devedor poderá opor ao endossatário os vícios da relação
jurídica havida com o endossante se provar má-fé no endosso.
No exemplo, Marcinho VP poderá opor a D. Maria os vícios da relação
jurídica que teve com Fernandinho Beira-Mar (negócio jurídico ilícito consistente na
venda de drogas), se comprovar que Fernandinho e D. Maria portaram-se de má-fé no
endosso. Ou seja, se comprovar que não houve negócio jurídico subjacente entre
endossante e endossatário, o seja, que o endosso foi apenas para constituir D. Maria
como testa-de-ferro de Fernandinho Beira-Mar.
1.6) Código Civil: art. 903
Logo após o advento do Código Civil de 2002, muitas pessoas sustentavam
que os títulos de crédito haviam sido profundamente alterados. Que o endossante não
mais garantiria mais o título de crédito (art. 914, caput) e que o aval parcial passou a
ser nulo (art. 897, parágrafo único).
Art. 914. Ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título.
Art. 897. (...) Parágrafo único. É vedado o aval parcial.
Só que essas conclusões estão completamente erradas. Existe um artigo do
Código Civil cuja memorização é obrigatória: trata-se do art. 903.
Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código.
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100% dos títulos de crédito estão tratados em lei especial. O Código Civil só é
aplicado quando não houver lei especial, só que em 100% dos casos há lei especial.
Portanto, o Código Civil em matéria de título de crédito existe basicamente para nada.
É que ao tratar de títulos de crédito no CC/02 nosso legislador, mais uma vez,
externou a teoria de Vivante. Vivante classificava os títulos de crédito em dois grandes
grupos:
- Títulos de crédito típicos (próprios)
- Títulos de crédito atípicos (impróprios)
Os títulos de crédito típicos estão tipificados em lei especial.
Os atípicos são inventados pelo cidadão. Para os títulos de crédito atípicos
seria aplicável o Código Civil. Exemplo: Negociações de cartão de crédito são títulos
de crédito atípico. Aqui o endossante não garante o pagamento e aqui o aval parcial é
nulo.
Contudo, jamais veremos art. 914, caput, e o art. 897, parágrafo único, serem
aplicados à letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque, CCB, warrant, notas
de crédito.
Em verdade, em matéria de título de crédito o Código Civil só tem duas
finalidades:
1ª) Introduzir no país títulos de crédito atípicos. É que antes do CC/02 havia
muita discussão sobre a matéria e o entendimento majoritário é que não podiam ser
emitidos títulos de crédito atípico por falta de amparo legal. O CC/02 encerrou a
discussão. Hoje o título de crédito atípico dispõe de amparo legal.
2ª) Prescrever os requisitos formais mínimos necessários para que um
documento valha como título de crédito atípico. Esses requisitos estão estabelecidos
no art. 889 do CC/02: 1) data da emissão; 2) indicação precisa dos direitos que
confere; 3) assinatura do emitente.
OBS: O requisito é a data da emissão do título e não a data do vencimento,
eis que não mencionada a data do vencimento, presume-se vencido a vista.
Na próxima aula estudaremos que o Código Civil trouxe algumas mudanças
que impactaram nos títulos de crédito típicos. Só que antes de estudarmos quais
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foram essas mudanças vamos tratar de 3 perguntas que são recorrentes em
concursos sobre títulos de crédito atípicos:
1ª) Podem os títulos de crédito atípicos serem objeto de protesto? É possível
protestar um título de crédito atípico?
O entendimento majoritário é pela possibilidade de se protestar um título de
crédito atípico e o amparo legal é o art. 1º, caput, da Lei 9.492/97, que é a Lei de
Protestos:
Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Ainda que se possa questionar o título, é inquestionável que o título de crédito
atípico é um documento de dívida. Assim, é válido o protesto do título de crédito
atípico.
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