O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
UNIDADE DIDÁTICA
Produção didático-pedagógica apresentada à Secretaria de Estado da Educação (SEED), como parte dos requisitos do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), em convênio com a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Orientador: Altair Pivovar Professora PDE: Lucimara de Souza Monteiro
CURITIBA 2010
SUMÁRIO
1 Identificação................................................................................1
2 Tema............................................................................................ 1
3 Introdução.................................................................................. 1
4 Conto: “A tapera perto da sanga”............................................ 2
5 Atividades................................................................................... 10
5.1 Atividade 1..................................................................... 10
5.2 Atividade 2..................................................................... 15
5.3 Atividade 3..................................................................... 17
5.4 Atividade 4..................................................................... 18
6 Conto original “A tapera perto da sanga”.................................. 23
7 Apêndice................................................................................... 32
1
1 IDENTIFICAÇÃO
DISCIPLINA: Língua Portuguesa
NRE: Curitiba
TEMA: A formação de leitores nas séries finais do Ensino Fundamental
TÍTULO: Literatura e escola: a necessidade de construir significados
PROFESSORA PDE: Lucimara de Souza Monteiro
INSTITUIÇÃO: Universidade Federal do Paraná (UFPR)
ORIENTADOR: Altair Pivovar
2 TEMA
A finalidade das aulas de Língua Portuguesa deve ser a leitura e o trabalho
com a linguagem. Assim, nesta unidade didática, serão apresentadas atividades para
se trabalhar com o gênero literário conto. O conto escolhido foi “A tapera perto da
sanga”, de Mauren Guedes Muller.
3 INTRODUÇÃO
Este material foi pensado com o intuito de ser mais um meio de aproximar o
aluno da leitura, e para isso optou-se pelo texto literário.
Com esse propósito, pensou-se num material que auxiliasse o professor nessa
tarefa e levasse o aluno a ler, pensar, imaginar, criar e produzir. Assim,
primeiramente, o conto será apresentado com algumas adaptações e omissões em
determinados trechos do texto, com o intuito de despertar no aluno a curiosidade,
disposição e interesse, necessários para que ele seja mobilizado para a leitura.
As atividades foram pensadas de modo que o aluno seja um participante ativo
de todo esse processo de produção, enquanto que o Professor fará as intervenções
necessárias após as produções deles. Por isso, antes ou depois de cada atividade,
há sugestões de encaminhamentos para auxiliar o docente na sua aplicação.
2
4 CONTO: A tapera perto da sanga (original de Mauren Guedes Muller) (conto adaptado especialmente para este Material Didático)
Durante muito tempo, escondi o que me aconteceu naquela noite, por causa
de meu pai e de seu patrão. Mas, agora que ambos já são falecidos, finalmente eu
posso contar.
Eu tinha doze anos de idade. Naquela época, as crianças chegavam mais
devagar à adolescência, e eu ainda tinha muito da ingenuidade de guri. Tinha
crescido na periferia de Porto Alegre, com minha mãe, mais uma entre tantas mães
solteiras. Oriunda do campo, ela tinha ido atrás das ilusões da cidade grande, onde
correra imenso risco de se perder pelos caminhos da vida. Mas, por muita sorte,
havia conseguido um emprego de doméstica em uma casa onde os patrões a
tratavam razoavelmente.
Porém, de uma hora para outra, ela havia adoecido e, em poucos meses,
deixara-me só neste mundo. Aí, alguém havia se lembrado de me entregar para meu
pai, um peão de estância que eu nunca tinha visto na vida, e tinham-me mandado
para a fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. Foi então que eu me vi largado
num mundo que eu não conhecia – um mundo de imensas pradarias, de invernos
gélidos e de homens rudes, onde, embora se tivesse muitos conhecidos, os únicos
amigos de um gaúcho, muitas vezes, eram mesmo o cusco e o pingo, ou seja, o
cachorro e o cavalo.
Estranhei imensamente o tranco do petiço – ah, deixem-me utilizar de novo
esta linguagem que tanto me arrepiava logo que cheguei no Pampa! Linguagem que
eu não conhecia e que tanto me esforcei para aprender. Isso porque, naqueles dias,
o que eu mais desejava neste mundo era conquistar o orgulho do meu pai.
Meu pai era um homem de estatura média, muito moreno, de barba espessa,
cujo coração me parecia tão curtido quanto sua pele áspera, que o sol, no verão, e o
minuano, no inverno, haviam-se encarregado de enrugar. Acostumado aos carinhos
de minha mãe, eu esperava muito dele. Mas o gaudério me tratou como se eu fosse
nada mais do que um soldado no meio de uma guerra – e ele era o general, o meu
general particular. Obedecia ao patrão como se fosse um deus e descontava em
mim suas frustrações. Meu coração quase criança parecia a ponto de se partir todas
as vezes em que ele me dirigia palavras duras, e eu o sentia sangrar quando aquele
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homem, com quem tanto eu sonhara, que tanto idealizara quando pequenino,
invejando os meninos que tinham pai, levantava o relho e me batia como se eu fosse
um animal. Foi uma época terrível. Embora eu me esforçasse, tentasse ser bom
peão e até bom cavaleiro – quase morri de medo na primeira vez em que tive de
montar –, parecia-me que aquele homem de pedra não tinha mesmo qualquer tipo
de afeição por mim...
Aliás, nenhum daqueles homens demonstrou qualquer espécie de piedade
pelo guri órfão e assustado que, recém-chegado da cidade, tinha vontade de se
esconder num canto cada vez que os cachorros acoavam. Ninguém me perguntou
se eu estava bem, se eu estava gostando de conhecer a Campanha, se eu tinha
saudade de minha mãe ou se eu sentia falta de Porto Alegre. Mandavam-me subir
no cavalo e enfrentar o gado bravo como se eu fosse um homem nascido e criado no
meio de tudo aquilo. E eu obedecia.
À noite a peonada se reunia, em volta de um fogo de chão, e ficava tomando
mate amargo até altas horas. Nunca me ofereciam a cuia – eu a via passar diante
dos meus olhos, a bomba de prata brilhando à luz das chamas, com uma curiosidade
vívida. Mas não me atrevia a pedir um. Já tinha ouvido dizer que chimarrão não era
coisa para criança.
O que me espantava era o fato de que eu era criança na hora do mate, mas
não era criança para o trabalho braçal, para a dura lida do campo, para subir num
cavalo cujas patas quebravam a geada, muito cedo da manhã, e para ir até ser noite
escura no meio da solidão dos pampas...
Bem, enquanto eu ficava ali, morrendo de saudade da televisão de catorze
polegadas que havia na casinha da minha mãe, eu ouvia as histórias dos gaudérios.
E foi naquelas noites, à beira do fogo aceso dentro do galpão, que ouvi falarem da
tapera. Era uma casa em ruínas, abandonada há muito tempo, que havia no fundo
do campo, perto de uma sanga (riacho), onde, segundo diziam, penava uma
assombração.
A tapera tinha sido a casa de um homem muito rico, que, no entanto, tivera de
ir para a guerra. Então, ele vendera tudo o que tinha – quase todo seu campo e todo
o seu gado. Ficara só com a casa e um pedacinho de campo em volta dela. Pegara o
resultado da venda, que, na época (devia fazer mais de cem anos), fora um saco de
moedas de ouro, e o escondera, ninguém sabia onde. Nem mesmo sua esposa e
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seus filhos. Dissera que tinha medo de que seus inimigos se apoderassem de seu
patrimônio enquanto ele estivesse na peleia.
Só que o homem morrera na guerra, e seu tesouro se perdera. A família
passara muitas necessidades e acabara indo embora, perdendo-se pelo mundo.
Mas, conforme diziam os peões – e me olhavam como se quisessem me assustar –,
a alma do avarento continuava por ali, perto da casa, onde provavelmente estaria
enterrado o seu tesouro.
Os peões contavam que muita gente já tentara encontrar as tais moedas de
ouro. E contavam histórias escabrosas. Um dos aventureiros tinha se perdido no
meio do mato em volta da tapera, procurando o ouro, e só fora encontrado dias
depois, vagando sem razão – ficara louco e não soubera contar o que lhe
acontecera. Outro tinha sido encontrado morto, aparentemente afogado na sanga –
mas, como era difícil alguém se afogar num curso d’água que não devia ter mais de
um metro de profundidade, provavelmente havia sido o fantasma do avarento quem
o matara. Outro, ainda, tinha sido encontrado com as tripas para fora, sem que se
soubesse se havia sido morto pelo ataque de algum animal selvagem, ou pelas
mãos do próprio fantasma. E assim se sucediam as histórias – todos os que haviam
tentado encontrar a tal fortuna haviam acabado loucos ou mortos. Diziam que o
fantasma aplicava alguma espécie de teste, que ninguém havia vencido, mas
acrescentavam que isso era apenas especulação – ninguém voltara com vida ou
com razão suficiente para esclarecer o que ocorria na tapera perto da sanga.
Numa certa tarde, meu pai me mandou subir no cavalo e segui-lo. E lá fui eu,
junto com ele e com outros dois peões. Os três homens conversavam um pouco
entre si – não muito –, mas não me dirigiam a palavra, senão para me mandarem
apear e abrir uma porteira, cada vez que uma surgia em nosso caminho. Eu ia
quieto. Mas, à medida que nos aproximávamos do fundo do campo, eu sentia meu
coração acelerar. Até que avistei a tapera. Não restava mais do que um pedaço de
telhado e duas paredes em pé, onde se divisava o que já fora a soleira de uma porta
e o vão de duas janelas, recortadas contra o verde do mato da volta da sanga, ao
fundo. Fiquei sem ar. Uma atmosfera pesada parecia dominar aquele recanto. Senti
meu cavalo nervoso, tentando dar volta, mas insisti com ele, batendo-lhe as esporas
na barriga, e, finalmente, descendo-lhe o relho – antes no lombo dele do que no
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meu, que era o que me esperava se eu obedecesse aos instintos do animal e aos
meus, e fugisse para casa...
Bem, os empregados começaram a reunir o gado. Eu os ajudava como podia.
Ainda não sabia muito bem como fazer aquele tipo de serviço. O gado estava
inquieto. Alguma coisa pairava no ar. Tive a impressão de que até mesmo os outros
peões sentiam que havia algo de anormal naquele lugar, naquela tarde. De repente,
uma espessa cerração cobriu as coxilhas, e eu não via nada diante dos meus olhos.
– Bah, não dá para trabalhar assim – disse um dos peões.
– Tens razão – ouvi a voz de meu pai. – Vamos dar volta. Guri, vê se não te
perde de nós.
Tentei obedecer. Mas eu não conseguia enxergá-los. Tive vergonha de pedir
que me esperassem. Em alguns instantes, já não conseguia ouvi-los. O pânico se
apoderou de mim. Se eu gritasse, meu pai teria vergonha, e essa vergonha se
transformaria em raiva, e provavelmente essa raiva seria descarregada nas minhas
costas com toda a fúria de seu braço. Mas, se eu não gritasse, ficaria para trás,
perdido – perdido perto da tapera, perdido perto do fantasma assassino...
De repente, começou a chover forte. Não era muito comum cerração dar em
tempestade – normalmente, aquele tipo de neblina se convertia, no máximo, numa
garoa fina que molhava muito de leve a relva dos pampas. Mas aquela não era
mesmo uma tarde como as outras, e chovia muito. Raios cortavam o céu. Meu
cavalo empinou e eu, que nunca na vida tinha tentado ficar em cima do lombo de um
cavalo que empinasse, fui jogado longe. Felizmente, caí numa touceira e não me
machuquei. Mas senti um pavor tão grande, uma angústia tão terrível, uma sensação
tão profunda de solidão, que chegou a me dar uma dor no peito. Eu não via mais
nada, só a água caindo à minha volta. Comecei a rezar um Pai-Nosso e a implorar
que nenhum raio me atingisse. Caminhei a esmo, sem enxergar um palmo à frente,
até que esbarrei numa parede. Era a tapera.
Inexplicavelmente, apesar de tudo o que eu já ouvira falar da tapera, alguma
coisa parecia me dizer que eu estaria seguro debaixo do que restava do telhado.
Pelo menos estaria protegido da chuva e dos raios. Entrei no que restava da casa e
me encolhi num canto. O frio chegava a doer em minha pele, mas um estranho
torpor se apoderou de meus membros, e acho que acabei adormecendo.
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Quando dei por mim, já era noite. Foi então que ouvi os cascos de um cavalo.
Corri para fora. Eu não saberia ir para casa, mas, se o meu cavalo tivesse voltado,
com certeza ele encontraria o caminho, bastaria deixar as rédeas frouxas.
Tinha parado de chover, e uma enorme lua cheia iluminava os campos, num
cenário bonito, mas assustador. À luz desse luar, deparei-me com o vulto de um
cavalo encilhado e me aproximei dele. Não era o meu. O meu era um tordilho
(branco salpicado), esse era zaino (castanho-escuro). O bicho resfolegou e me
encarou por um momento. Tive um pouco de medo.
De repente, ouvi uma voz por trás de mim:
– Estás perdido, guri?
Voltei-me, e tive a sensação de que meu coração tinha parado de bater por
um instante. Diante de mim, havia um homem alto, robusto, com uma longa barba
negra, de uma palidez assustadora, que parecia ainda mais cadavérica à luz
prateada do luar. Usava um chapéu de abas largas e um enorme poncho cobria-lhe
o corpo. Mas havia um quê de tristeza em seus olhos, uma certa agonia difusa na
expressão de seu rosto.
– Estou, sim senhor – respondi.
– Bueno. Eu também estou perdido.
Respirei fundo.
– O zaino é seu, senhor? - perguntei, tentando parecer simpático.
– É, sim, guri. – Ele fez uma pausa. – Tu sabes o que falam destas terras?
– Sei, sim, senhor.
O homem puxou uma adaga. Uma enorme adaga. Tive vontade de sair
disparando. Mas, como não lhe havia feito nada, achei que ele também não iria me
atacar.
– E tu não tens medo?
Baixei os olhos.
– Um pouco – respondi. – Mas, já que eu estou perdido, e o senhor está
perdido, porque não fazemos companhia um ao outro até amanhecer? Daí, vai ser
mais fácil encontrarmos os nossos caminhos.
Ele me encarou com interesse, em silêncio, por longos instantes. Enfim, atirou
a adaga no chão, cravando-a na terra, com um gesto ríspido.
– Não sabes há quanto tempo estou procurando o meu caminho – murmurou.
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Engoli em seco. Minha intuição me dizia...
Ele puxou dois pelegos de cima do cavalo e os atirou no chão da tapera.
– Senta – disse.
Obedeci. O homem puxou assunto. Falou da lua, do tempo, essas coisas. Eu
respondia. Tentava ser gentil. Comecei a sentir minhas tripas darem voltas, um suor
gelado me escorria pelo corpo. Mas podia ser que aquele homem não fosse o
fantasma... que fosse só um viajante que estava perdido, e assim não me causaria
mal algum.
– E o que tu farias se encontrasses o tesouro que o homem que morava por
aqui escondeu? perguntou-me ele, de repente.
– Hem? Ora... Eu acho que... Bem, o certo era... Estava com tanto medo que
a minha voz não saía.
O homem cravou-me os olhos de um jeito que parecia penetrar-me a alma, e
meneou a cabeça, em sinal de concordância. Ficamos conversando a noite toda. Ele
me deu corda e eu comecei a falar da minha vida. Contei da minha infância na
cidade, da perda recente que eu tinha sofrido, de como estava achando dura a lida
do campo, mas também de como estava me esforçando para aprendê-la. O homem
me ouvia com atenção. Foi assim até que a lua desapareceu no horizonte, e os
primeiros raios de sol começaram a deixar o céu avermelhado.
– Bueno – disse o homem –, vou-me embora.
– Vá com Deus, senhor – respondi.
O homem montou no cavalo e saiu, a trote. Senti um certo alívio enquanto o
via afastar-se. Voltei para dentro da tapera. Eu estava cansado. Fechei os olhos e
me recostei na parede fria.
De repente, senti que esbarrava num volume, e abri os olhos. Então, percebi
que ele havia deixado cair a guaiaca, aquele cinto de couro com bolsos onde o
gaúcho costuma guardar seus trocos.
– Senhor! gritei, correndo para fora. – O senhor perdeu isto!
Mas, quando cheguei na rua, não havia sinal do cavalo ou do cavaleiro.
– Senhor! gritei com mais força, sentindo o ar gelado da manhã de inverno
arder em minha garganta.
Mas não tinha nem rastro do homem, e eu não saberia para que lado procurá-
lo.
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Bem, sacudi a guaiaca. Pelo peso, e pelo tilintar de metal dentro dela, percebi
que ali dentro havia moedas – e não eram poucas. Mas resisti à curiosidade de abri-
la. Afinal, podia ser que o dono desse pela falta e voltasse para procurá-la.
Mas... E se fosse mesmo o fantasma? E se dentro daquela guaiaca estivesse
um mapa, o mapa para encontrar o tesouro escondido?...
De repente, ouvi de novo os cascos do cavalo. Meu sangue gelou. Prendi a
respiração e fui até a frente da tapera. Era ele. Chegou-se até onde eu estava e
desceu do cavalo, encarando-me.
Antes mesmo que ele abrisse a boca, estendi-lhe o cinto de couro.
– Acho que isso é seu – disse. – Estava aí dentro. Acho que o senhor deve ter
deixado cair...
O homem arregalou os olhos. Estendeu a mão e tomou-me o objeto que eu
lhe alcançava. Olhava da guaiaca para mim, de mim para a guaiaca, em silêncio.
Sua fisionomia demonstrava uma emoção tão estranha que não fui capaz de decifrá-
la.
– Um piá... – murmurou, enfim. – Um piá de cidade, ainda por cima...
Colocou a mão no meu ombro. Aquela mão era tão gelada que me fez
estremecer.
– Escuta, guri – disse ele –, vamos conversar mais um pouco
Depois da conversa, caminhamos em silêncio até a tapera. Encostei-me de
volta na parede.
– Teu pai é um bom homem – disse ele. – É rude, mas é um bom homem.
Com certeza te ajudará a manter a tua palavra.
Fiz que sim com a cabeça. Um enorme cansaço me abatia. Fechei os olhos.
Quando os abri de novo, foi ouvindo os cascos de cavalos. Não havia mais
sinal algum dele. Levantei-me e vi que, desta vez, o tropel era o dos cavalos do meu
pai e de um outro peão, que vinha com ele.
– Onde te meteste, guri desgraçado? berrou meu pai. – Nós te procuramos a
noite toda!
– Estou aqui – respondi. – Passei a noite na tapera.
O outro peão arregalou os olhos.
– Passaste a noite na tapera, guri? E estás vivo?
– Sim, senhor.
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Eles traziam o meu tordilho, e fui com eles de volta para a sede da fazenda.
Mais tarde, contei a meu pai tudo o que tinha acontecido. Terminei pedindo, com
lágrimas nos olhos, que ele me ajudasse a cumprir a promessa feita ao homem.
E, para meu espanto, meu pai me agarrou pelos ombros. Os olhos dele me
pareceram úmidos, embora nunca antes ou depois daquilo eu o tivesse visto chorar.
Cheguei a pensar que ele me abraçaria, mas seu coração ainda não havia amolecido
a esse ponto.
– Tu és um bom guri – disse ele, apenas.
Uma coisa é certa: foi naquela noite, perdido na tapera perto da sanga, que eu
conquistei o respeito do meu pai. E foi naquela noite que eu deixei de ser uma
criança órfã e assustada e me transformei em um homem de verdade...
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5 ATIVIDADES
Para o trabalho com o conto A tapera perto da sanga, sugere-se que o
professor faça a leitura para os alunos. Caso não seja possível, o conto deve ser
distribuído para que eles façam a leitura.
ATIVIDADE 1
O conto nos deixa a pensar quem é o homem que conversa com o
protagonista na tapera. Quem poderia ser esse homem?
Ele é um viajante que, também, está perdido?
Ele é o fantasma dono do tesouro?
Ele é uma outra pessoa qualquer?
Pense e imagine com quem o protagonista conversou na tapera e sobre o que
eles falaram. Agora faça a sequência da história. Cada equipe fará uma história em
quadrinhos daquilo que imagina para o trecho omitido da sequência abaixo:
... Colocou a mão no meu ombro. Aquela mão era tão gelada que me fez estremecer.
– Escuta, guri – disse ele –, vamos conversar mais um pouco.
ANTES DE MONTAR A HISTÓRIA, VAMOS ÀS DICAS PARA A ELABORAÇÃO DA HISTÓRIA EM QUADRINHO:
Primeiramente, vamos imaginar qual seria a sequência da história, ou seja, vamos
elaborar o ROTEIRO:
1º quadrinho
Desenho:
Balão:
2º quadrinho
Desenho:
Balão:
11
3º quadrinho
Desenho:
Balão:
Depois de escrever sua história, conte quantos quadrinhos darão, mas, lembre-
se, nos quadrinhos devemos escrever somente o necessário.
Dentro dos quadrinhos, escreve-se com letras CAIXA ALTA.
Faça as contas de quantos quadrinhos você terá que desenhar, bem como os
tamanhos, pois se houver algum que gostaria de destacar, faça-o maior.
Quando for necessário, pode-se fazer uma caixa de texto para o narrador.
Não se esqueça do título, que poderá ser o primeiro quadrinho.
Faça primeiro a lápis.
Não complique seus desenhos; caso seja necessário, simplifique a cena.
Os personagens permanecem com as mesmas características. Não trocam de
roupa, de cabelo e nem envelhecem.
Caso não saiba desenhar, não se preocupe, faça desenhos “palitos”.
(Fonte: adaptado de CANTELE, Bruna R. Arte, etc. e tal... Volume III. Ibep. São Paulo)
É muito bom surpreender no final da história, afinal, todos gostam de surpresas.
No último quadrinho, não esqueça de pôr “FIM”.
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ONOMATOPEIAS
Onomatopeias são palavras que imitam sons.
ONOMATOPEIAS FORA DOS BALÕES
DORMINDO
ONOMATOPEIAS DENTRO DOS BALÕES
CANTANDO
(Fonte: http://www.divertudo.com.br/quadrinhos/quadrinhos-txt.html)
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Professor, depois dessas dicas, seu aluno já tem condições de fazer a história em
quadrinhos solicitada.
Professor, após a produção dos alunos, será um bom momento para chamar
atenção deles para alguns pontos que apareceram durante a produção de texto.
Sempre que for chamar alguém em seu texto, utilize a vírgula. Exemplo:
- Pessoal, vamos jogar futebol?
- Mãe, onde está meu casaco?
A palavrinha mãe, nesse caso, é um Vocativo. Vocativo é um chamamento, por isso
deve vir entre vírgulas.
Nomes próprios escrevem-se, sempre, com letras maiúsculas.
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Preste atenção na pontuação!
(.) Ponto final: Utilizar no final das frases declarativas.
Ex.: Eu gosto de acordar cedo.
(!) Ponto de exclamação: Utilizar no final das frases que indicam surpresa, alegria,
espanto, etc.
Ex.: Que bela manhã!
Quando se quer dar mais ênfase no texto, podemos utilizar mais que um ponto de
exclamação.
(?) Ponto de interrogação: Utilizar no final das frases interrogativas diretas.
Ex.: Que horas são?
ATIVIDADE 2
Há alguns termos do texto que nem sempre utilizamos no nosso dia a dia. Por
isso, utilizando um dicionário, verifique o significado de algumas palavras e complete
a palavra cruzada. Alguns termos são próprios do estado do Rio Grande do Sul, e se
você retornar ao texto, com atenção, encontrará o significado no próprio texto.
1) Guaiaca
2) Pelego
3) Gaudério
4) Campanha
5) Peleia, peleja
6) A esmo
7) Torpor ( ________ a estímulos)
8) Pingo
9) Adaga
10) Coxilhas
11) Acoar
12) Sanga
13) Intuição
14) Tropel
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Professor, o termo em destaque na palavra cruzada “tranco do petiço” significa:
tranco (andar), petiço (cavalo pequeno).
1 T * *
2 * * R
3 A
4 N
5 C
6 O *
*
7 * D *
8 O
*
9 P
10 E *
11 T
12 I
13 Ç
14 O
17
ATIVIDADE 3
Professor, após essas atividades, será apresentado o final do conto “A tapera perto
da sanga”. O trecho faltante deverá ser apresentado com os períodos fora de
ordem. A sugestão é que elas sejam recortadas e colocadas dentro de um envelope.
Cada equipe deverá montar o final do conto. Após, o professor lerá o final ordenado
pelas equipes e em seguida apresentará o trecho original.
TRECHO ORIGINAL DO CONTO QUE DEVERÁ SER ORDENADO
Meu pai encontrou facilmente um bisneto do fantasma. O que restava de sua
família ainda era muito pobre. Dali a algumas noites, fui com eles até a sanga, muito
furtivamente: se o patrão de meu pai descobrisse tudo, iria querer ficar com o
tesouro. Mostrei-lhes as pedras e os ajudei a levantá-las – ou tentei ajudar, porque
minhas forças eram muito menores do que as deles. Embaixo delas, encontramos o
saco, cheio de moedas de ouro muito antigas.
O herdeiro do morto ficou profundamente agradecido e ofereceu algumas
moedas a meu pai. E foi o que nos permitiu deixar o campo e ir para uma
cidadezinha pequena, da fronteira, onde ele se estabeleceu com um pequeno
armazém. Assim, eu pude continuar os meus estudos.
Bem, o que espero é que, no fim das contas, o fantasma tenha encontrado o
seu descanso. Sei que, hoje, seus descendentes estão bem de vida. E, quanto a
mim, uma coisa é certa: foi naquela noite, perdido na tapera perto da sanga, que eu
conquistei o respeito do meu pai. E foi naquela noite que eu deixei de ser uma
criança órfã e assustada e me transformei em um homem de verdade...
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ATIVIDADE 4
Você sabe o que é virtude? No conto apresentado o protagonista demonstra que
possui algumas virtudes. No caça-palavras, abaixo, há algumas virtudes para você
encontrar. Após, relacione aquelas que o protagonista demonstrou que possui.
Há 9 (nove) palavras no caça-palavras abaixo.
S R T G O Y P O P Ç X X Z W E R I T U I P O J H D G A A S E O
E S D F T G U A S T F U D A L Ç U A O I U E S C V B N M O D J
G Ç G J R O R C A F D I G A E U R D G H L Ç Y U I O P K L C H
S V H L E P M U S V V P H A D F E D I A S E R T G J J O I T G
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V B N M O I O A S D C B N D B B G U I S A D J K H L I V D O E
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Y I R G Ç E I O G K L Ç D Ç O D U I O V R U T A M S N M D L F
Y S G Ç P S S Ç O R E A K Ç E C S X C D E R T D I S I O E O D
U H Ç O U C X Ç E O D F C E R E S P O N S A B I L I D A D E S
I U M S E V S R O I A I Ç O E R N J I K Ç O V S D S D H P G A
P Y K C R B S E T Z E U Ç O B Y G E U I Ç O I G A C Ç J O B G
O O J C Y I Ç S E A Y G U Ç O U A A D G H N E H D M K E U T H
I R Ç F O Ç E Ç Ç C T E Y A Ç L O S C V N H D O E X F A E H J
O S F H K N A S Y R R Y U E D T G H J O L I E C J C P D F N K
U E D I O V G Y U I O P F V B N M U J O J O V E I E U A V Y L
S R C H D H Ç L E U I S C H C G Y I O F D U Z S O I K O K U Ç
E R I A S D H J K U E R R T O E R Y U T I H S M J J U I O J G
R T I O G H Ç G G I A D R U O A S Ç O V D C D T G T E R A J T
M I O P Ç J H B G T E I O A P Ç V B B S E R F V I R F D H M R
K I U J M N Y T R D E C A E E F G G J U I O L A C Ç R R J K R
I K M J U Y H N N H Y S X D R T Z X X V B N M L I K A M H I A
B O N D A D E A S S G B N H A G S E R T Y U I O P A S D F G Q
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O protagonista demonstrou que possui as seguintes virtudes:
____________________________________________________________________
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Professor, após essa atividade, a sugestão é que se façam indagações aos alunos
para que eles concluam o que é virtude.
Segundo o dicionário Aurélio (2004), virtude é a disposição firme e constante para a
prática do bem.
Professor, agora que seu aluno já sabe o que é virtude, a proposta é que ele pense
numa figura pública importante que tenha trazido benefícios/contribuições para o
Brasil e/ou o mundo e descreva sua(s) virtude(s) com riqueza de detalhes que faça
com que a turma descubra quem é a pessoa descrita.
Virtude: _________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
Quem sou? __________________________________________________________
Professor, a sugestão é que você leia os bilhetes, pois através deles você poderá
fazer as intervenções necessárias para melhorar a produção escrita de seus alunos.
Após a leitura, seria interessante que fossem apresentadas algumas figuras públicas,
caso elas não sejam citadas na produção de seus alunos.
20
ALGUMAS PESSOAS PÚBLICAS QUE CONTRIBUÍRAM PARA FAZER UM MUNDO MELHOR
NELSON MANDELA
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Nelson_Mandela)
Fontes para pesquisa : http://www.suapesquisa.com/biografias/nelson_mandela.htm
http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u722.jhtm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nelson_Mandela
ZILDA ARNS
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Zilda_Arns.jpeg)
Fontes para pesquisa: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Zilda_Arns#cite_note-4>
<http://www.pastoraldacrianca.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=364:biografia-da-dra-zilda-arns-neumann&catid=58:falecimento-dra-zilda->
<http://www.infoescola.com/biografias/zilda-arns/>
21
DALAI LAMA
(http://www.dalailama.org.br/biografia/)
Fontes para pesquisa: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dalai_Lama>
<http://www.rainhadapaz.g12.br/projetos/religiao/projeto_da_paz/dalai.htm>
<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:gng5pbEX7z0J:www.dalailama.org.br/biografia/+Quem+foi+Dalai+Lhama&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>
MADRE TERESA DE CALCUTÁ
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mother_Teresa.jpg)
Fontes para pesquisa: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Madre_Teresa_de_Calcut%C3%A1>
<http://www.madreteresa.hpgvip.ig.com.br/biografia.html>
<http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u360.jhtm>
22
DOROTY STANG
(http://foradapauta.files.wordpress.com/2009/04/dorothy.jpg)
Fontes para pesquisa: <http://www.brasiloeste.com.br/noticia/1702/dorothy-stan>
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Dorothy_Stang>
CHICO MENDES
(http://ecourbana.files.wordpress.com/2008/12/chico-mendes.jpg)
Fontes para pesquisa: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Chico_Mendes>
<http://www.chicomendes.org.br/Biografia/bio.html>
23
6 CONTO ORIGINAL
CONTO: A TAPERA PERTO DA SANGA (Mauren Guedes Muller)
Durante muito tempo, escondi o que me aconteceu naquela noite, por causa
de meu pai e de seu patrão. Mas, agora que ambos já são falecidos, finalmente eu
posso contar.
Eu tinha doze anos de idade. Naquela época, as crianças chegavam mais
devagar à adolescência, e eu ainda tinha muito da ingenuidade de guri. Tinha
crescido na periferia de Porto Alegre, com minha mãe, mais uma entre tantas mães
solteiras. Oriunda do campo, ela tinha ido atrás das ilusões da cidade grande, onde
correra imenso risco de se perder pelos caminhos da vida. Mas, por muita sorte,
havia conseguido um emprego de doméstica em uma casa onde os patrões a
tratavam razoavelmente.
Porém, de uma hora para outra, ela havia adoecido e, em poucos meses,
deixara-me só neste mundo. Aí, alguém havia se lembrado de me entregar para meu
pai, um peão de estância que eu nunca tinha visto na vida, e tinham-me mandado
para a fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. Foi então que eu me vi largado
num mundo que eu não conhecia – um mundo de imensas pradarias, de invernos
gélidos e de homens rudes, onde, embora se tivesse muitos conhecidos, os únicos
amigos de um gaúcho, muitas vezes, eram mesmo o cusco e o pingo, ou seja, o
cachorro e o cavalo.
Estranhei imensamente o tranco do petiço – ah, deixem-me utilizar de novo
esta linguagem que tanto me arrepiava logo que cheguei no Pampa! Linguagem que
eu não conhecia e que tanto me esforcei para aprender. Isso porque, naqueles dias,
o que eu mais desejava neste mundo era conquistar o orgulho do meu pai.
Meu pai era um homem de estatura média, muito moreno, de barba espessa,
cujo coração me parecia tão curtido quanto sua pele áspera, que o sol, no verão, e o
minuano, no inverno, haviam-se encarregado de enrugar. Acostumado aos carinhos
de minha mãe, eu esperava muito dele. Mas o gaudério me tratou como se eu fosse
nada mais do que um soldado no meio de uma guerra – e ele era o general, o meu
general particular. Obedecia ao patrão como se fosse um deus e descontava em mim
suas frustrações. Meu coração quase criança parecia a ponto de se partir todas as
24
vezes em que ele me dirigia palavras duras, e eu o sentia sangrar quando aquele
homem, com quem tanto eu sonhara, que tanto idealizara quando pequenino,
invejando os meninos que tinham pai, levantava o relho e me batia como se eu fosse
um animal. Foi uma época terrível. Embora eu me esforçasse, tentasse ser bom
peão e até bom cavaleiro – quase morri de medo na primeira vez em que tive de
montar –, parecia-me que aquele homem de pedra não tinha mesmo qualquer tipo de
afeição por mim...
Aliás, nenhum daqueles homens demonstrou qualquer espécie de piedade
pelo guri órfão e assustado que, recém-chegado da cidade, tinha vontade de se
esconder num canto cada vez que os cachorros acoavam. Ninguém me perguntou se
eu estava bem, se eu estava gostando de conhecer a Campanha, se eu tinha
saudade de minha mãe ou se eu sentia falta de Porto Alegre. Mandavam-me subir no
cavalo e enfrentar o gado bravo como se eu fosse um homem nascido e criado no
meio de tudo aquilo. E eu obedecia.
À noite a peonada se reunia, em volta de um fogo de chão, e ficava tomando
mate amargo até altas horas. Nunca me ofereciam a cuia – eu a via passar diante
dos meus olhos, a bomba de prata brilhando à luz das chamas, com uma curiosidade
vívida. Mas não me atrevia a pedir um. Já tinha ouvido dizer que chimarrão não era
coisa para criança.
O que me espantava era o fato de que eu era criança na hora do mate, mas
não era criança para o trabalho braçal, para a dura lida do campo, para subir num
cavalo cujas patas quebravam a geada, muito cedo da manhã, e para ir até ser noite
escura no meio da solidão dos pampas...
Bem, enquanto eu ficava ali, morrendo de saudade da televisão de catorze
polegadas que havia na casinha da minha mãe, eu ouvia as histórias dos gaudérios.
E foi naquelas noites, à beira do fogo aceso dentro do galpão, que ouvi falarem da
tapera. Era uma casa em ruínas, abandonada há muito tempo, que havia no fundo
do campo, perto de uma sanga (riacho), onde, segundo diziam, penava uma
assombração.
A tapera tinha sido a casa de um homem muito rico, que, no entanto, tivera de
ir para a guerra. Então, ele vendera tudo o que tinha – quase todo seu campo e todo
o seu gado. Ficara só com a casa e um pedacinho de campo em volta dela. Pegara o
resultado da venda, que, na época (devia fazer mais de cem anos), fora um saco de
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moedas de ouro, e o escondera, ninguém sabia onde. Nem mesmo sua esposa e
seus filhos. Dissera que tinha medo de que seus inimigos se apoderassem de seu
patrimônio enquanto ele estivesse na peleia.
Só que o homem morrera na guerra, e seu tesouro se perdera. A família
passara muitas necessidades e acabara indo embora, perdendo-se pelo mundo.
Mas, conforme diziam os peões – e me olhavam como se quisessem me assustar –,
a alma do avarento continuava por ali, perto da casa, onde provavelmente estaria
enterrado o seu tesouro.
Os peões contavam que muita gente já tentara encontrar as tais moedas de
ouro. E contavam histórias escabrosas. Um dos aventureiros tinha se perdido no
meio do mato em volta da tapera, procurando o ouro, e só fora encontrado dias
depois, vagando sem razão – ficara louco e não soubera contar o que lhe
acontecera. Outro tinha sido encontrado morto, aparentemente afogado na sanga –
mas, como era difícil alguém se afogar num curso d’água que não devia ter mais de
um metro de profundidade, provavelmente havia sido o fantasma do avarento quem
o matara. Outro, ainda, tinha sido encontrado com as tripas para fora, sem que se
soubesse se havia sido morto pelo ataque de algum animal selvagem, ou pelas mãos
do próprio fantasma. E assim se sucediam as histórias – todos os que haviam
tentado encontrar a tal fortuna haviam acabado loucos ou mortos. Diziam que o
fantasma aplicava alguma espécie de teste, que ninguém havia vencido, mas
acrescentavam que isso era apenas especulação – ninguém voltara com vida ou
com razão suficiente para esclarecer o que ocorria na tapera perto da sanga.
Numa certa tarde, meu pai me mandou subir no cavalo e segui-lo. E lá fui eu,
junto com ele e com outros dois peões. Os três homens conversavam um pouco
entre si – não muito –, mas não me dirigiam a palavra, senão para me mandarem
apear e abrir uma porteira, cada vez que uma surgia em nosso caminho. Eu ia
quieto. Mas, à medida que nos aproximávamos do fundo do campo, eu sentia meu
coração acelerar. Até que avistei a tapera. Não restava mais do que um pedaço de
telhado e duas paredes em pé, onde se divisava o que já fora a soleira de uma porta
e o vão de duas janelas, recortadas contra o verde do mato da volta da sanga, ao
fundo. Fiquei sem ar. Uma atmosfera pesada parecia dominar aquele recanto. Senti
meu cavalo nervoso, tentando dar volta, mas insisti com ele, batendo-lhe as esporas
na barriga, e, finalmente, descendo-lhe o relho – antes no lombo dele do que no
26
meu, que era o que me esperava se eu obedecesse aos instintos do animal e aos
meus, e fugisse para casa...
Bem, os empregados começaram a reunir o gado. Eu os ajudava como podia.
Ainda não sabia muito bem como fazer aquele tipo de serviço. O gado estava
inquieto. Alguma coisa pairava no ar. Tive a impressão de que até mesmo os outros
peões sentiam que havia algo de anormal naquele lugar, naquela tarde. De repente,
uma espessa cerração cobriu as coxilhas, e eu não via nada diante dos meus olhos.
– Bah, não dá para trabalhar assim – disse um dos peões.
– Tens razão – ouvi a voz de meu pai. – Vamos dar volta. Guri, vê se não te
perde de nós.
Tentei obedecer. Mas eu não conseguia enxergá-los. Tive vergonha de pedir
que me esperassem. Em alguns instantes, já não conseguia ouvi-los. O pânico se
apoderou de mim. Se eu gritasse, meu pai teria vergonha, e essa vergonha se
transformaria em raiva, e provavelmente essa raiva seria descarregada nas minhas
costas com toda a fúria de seu braço. Mas, se eu não gritasse, ficaria para trás,
perdido – perdido perto da tapera, perdido perto do fantasma assassino...
De repente, começou a chover forte. Não era muito comum cerração dar em
tempestade – normalmente, aquele tipo de neblina se convertia, no máximo, numa
garoa fina que molhava muito de leve a relva dos pampas. Mas aquela não era
mesmo uma tarde como as outras, e chovia muito. Raios cortavam o céu. Meu
cavalo empinou e eu, que nunca na vida tinha tentado ficar em cima do lombo de um
cavalo que empinasse, fui jogado longe. Felizmente, caí numa touceira e não me
machuquei. Mas senti um pavor tão grande, uma angústia tão terrível, uma sensação
tão profunda de solidão, que chegou a me dar uma dor no peito. Eu não via mais
nada, só a água caindo à minha volta. Comecei a rezar um Pai-Nosso e a implorar
que nenhum raio me atingisse. Caminhei a esmo, sem enxergar um palmo à frente,
até que esbarrei numa parede. Era a tapera.
Inexplicavelmente, apesar de tudo o que eu já ouvira falar da tapera, alguma
coisa parecia me dizer que eu estaria seguro debaixo do que restava do telhado.
Pelo menos estaria protegido da chuva e dos raios. Entrei no que restava da casa e
me encolhi num canto. O frio chegava a doer em minha pele, mas um estranho torpor
se apoderou de meus membros, e acho que acabei adormecendo.
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Quando dei por mim, já era noite. Foi então que ouvi os cascos de um cavalo.
Corri para fora. Eu não saberia ir para casa, mas, se o meu cavalo tivesse voltado,
com certeza ele encontraria o caminho, bastaria deixar as rédeas frouxas.
Tinha parado de chover, e uma enorme lua cheia iluminava os campos, num
cenário bonito, mas assustador. À luz desse luar, deparei-me com o vulto de um
cavalo encilhado e me aproximei dele. Não era o meu. O meu era um tordilho
(branco salpicado), esse era zaino (castanho-escuro). O bicho resfolegou e me
encarou por um momento. Tive um pouco de medo.
De repente, ouvi uma voz por trás de mim:
– Estás perdido, guri?
Voltei-me, e tive a sensação de que meu coração tinha parado de bater por
um instante. Diante de mim, havia um homem alto, robusto, com uma longa barba
negra, de uma palidez assustadora, que parecia ainda mais cadavérica à luz
prateada do luar. Usava um chapéu de abas largas e um enorme poncho cobria-lhe o
corpo. Mas havia um quê de tristeza em seus olhos, uma certa agonia difusa na
expressão de seu rosto.
– Estou, sim senhor – respondi.
– Bueno. Eu também estou perdido.
Respirei fundo.
– O zaino é seu, senhor? perguntei, tentando parecer simpático.
– É, sim, guri. – Ele fez uma pausa. – Tu sabes o que falam destas terras?
– Sei, sim, senhor.
O homem puxou uma adaga. Uma enorme adaga. Tive vontade de sair
disparando. Mas, como não lhe havia feito nada, achei que ele também não iria me
atacar.
– E tu não tens medo?
Baixei os olhos.
– Um pouco – respondi. – Mas, já que eu estou perdido, e o senhor está
perdido, porque não fazemos companhia um ao outro até amanhecer? Daí, vai ser
mais fácil encontrarmos os nossos caminhos.
Ele me encarou com interesse, em silêncio, por longos instantes. Enfim, atirou
a adaga no chão, cravando-a na terra, com um gesto ríspido.
– Não sabes há quanto tempo estou procurando o meu caminho – murmurou.
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Engoli em seco. Minha intuição me dizia que eu estava diante do próprio
fantasma...
Ele puxou dois pelegos de cima do cavalo e os atirou no chão da tapera.
– Senta – disse.
Obedeci. O homem puxou assunto. Falou da lua, do tempo, essas coisas. Eu
respondia. Tentava ser gentil. Comecei a sentir minhas tripas darem voltas, um suor
gelado me escorria pelo corpo. Mas podia ser que aquele não fosse o fantasma –
que fosse só um gaúcho perdido, mesmo, que não me causaria mal algum.
– E o que tu farias se encontrasses o tesouro que o homem que morava por
aqui escondeu? perguntou-me ele, de repente.
– Hem? Ora... Eu acho que... Bem, o certo era procurar alguém da família dele
e entregar. Afinal de contas, é deles por direito, não é?
O homem cravou-me os olhos de um jeito que parecia penetrar-me a alma, e
meneou a cabeça, em sinal de concordância. Ficamos conversando a noite toda. Ele
me deu corda e eu comecei a falar da minha vida. Contei da minha infância na
cidade, da perda recente que eu tinha sofrido, de como estava achando dura a lida
do campo, mas também de como estava me esforçando para aprendê-la. O homem
me ouvia com atenção. Foi assim até que a lua desapareceu no horizonte, e os
primeiros raios de sol começaram a deixar o céu avermelhado.
– Bueno – disse o homem –, vou-me embora.
– Vá com Deus, senhor – respondi.
O homem montou no cavalo e saiu, a trote. Senti um certo alívio enquanto o
via afastar-se. Voltei para dentro da tapera. Eu estava cansado. Fechei os olhos e
me recostei na parede fria.
De repente, senti que esbarrava num volume, e abri os olhos. Então, percebi
que ele havia deixado cair a guaiaca, aquele cinto de couro com bolsos onde o
gaúcho costuma guardar seus trocos.
– Senhor! gritei, correndo para fora. – O senhor perdeu isto!
Mas, quando cheguei na rua, não havia sinal do cavalo ou do cavaleiro.
– Senhor! gritei com mais força, sentindo o ar gelado da manhã de inverno
arder em minha garganta.
Mas não tinha nem rastro do homem, e eu não saberia para que lado procurá-
lo.
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Bem, sacudi a guaiaca. Pelo peso, e pelo tilintar de metal dentro dela, percebi
que ali dentro havia moedas – e não eram poucas. Mas resisti à curiosidade de abri-
la. Afinal, podia ser que o dono desse pela falta e voltasse para procurá-la.
Mas... E se fosse mesmo o fantasma? E se dentro daquela guaiaca estivesse
um mapa, o mapa para encontrar o seu tesouro escondido?...
De repente, ouvi de novo os cascos do cavalo. Meu sangue gelou. Prendi a
respiração e fui até a frente da tapera. Era ele. Chegou-se até onde eu estava e
desceu do cavalo, encarando-me.
Antes mesmo que ele abrisse a boca, estendi-lhe o cinto de couro.
– Acho que isso é seu – disse. – Estava aí dentro. Acho que o senhor deve ter
deixado cair...
O homem arregalou os olhos. Estendeu a mão e tomou-me o objeto que eu
lhe alcançava. Olhava da guaiaca para mim, de mim para a guaiaca, em silêncio.
Sua fisionomia demonstrava uma emoção tão estranha que não fui capaz de decifrá-
la.
– Um piá... – murmurou, enfim. – Um piá de cidade, ainda por cima...
Colocou a mão no meu ombro. Aquela mão era tão gelada que me fez
estremecer.
– Escuta, guri – disse ele –, um quarto dos que vieram aqui atrás do meu
tesouro saiu correndo assim que me viu. Um quarto disparou quando eu puxei a
adaga. Um quarto me respondeu que iria ficar com o tesouro para si. E os restantes,
que resistiram a todas essas provas, não quiseram me devolver a guaiaca. Mas
finalmente encontrei alguém em quem posso confiar. Há muito tempo estou preso
neste mundo ao qual já não mais pertenço. Isso porque minha avareza me fez
morrer deixando minha família em necessidades. Mas finalmente encontrei alguém a
quem posso dizer onde está o meu tesouro. Leva-o para a minha família, guri. Assim,
pode ser que eu finalmente descanse em paz.
Antes mesmo de me dar vontade de sair correndo, fiquei com pena dele. Mas
também me lembrei das histórias que ouvira e fiquei, como se diz, “com um pé
atrás”.
– O senhor matou todos os que vieram atrás do tesouro? perguntei.
– Não matei ninguém. Uns, enlouqueceram porque viram em mim o retrato de
seu futuro, o destino de todos os avarentos. Teve um que desmaiou e foi comido
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pelos bichos do campo. Teve outro que saiu correndo na direção da sanga, tropeçou
e acabou se afogando no raso. E teve dois ou três que morreram de susto.
Respirei profundamente.
– Então, eu lhe dou a minha palavra – respondi. – Mas vou ter que contar para
o meu pai. Não vou conseguir achar a sua família sozinho.
– Podes contar para o teu pai. – Ele me olhou com tristeza. – Não imaginas o
quanto eu tenho sofrido. Tenho vivido aqui, solito, tenho visto as décadas
passarem... Não posso comer, não posso beber, não posso dormir, não tenho
nenhum dos prazeres da vida. E, ao mesmo tempo, também não tenho a paz dos
mortos...
O espectro me levou até a sanga e me mostrou onde havia escondido,
debaixo de umas pedras, o saco de couro que continha toda a sua fortuna.
– Se minha família quiser te dar algumas moedas, podes aceitar – disse o
fantasma.
Depois, caminhamos em silêncio até a tapera. Encostei-me de volta na
parede.
– Teu pai é um bom homem – disse ele. – É rude, mas é um bom homem.
Com certeza te ajudará a manter a tua palavra.
Fiz que sim com a cabeça. Um enorme cansaço me abatia. Fechei os olhos.
Quando os abri de novo, foi ouvindo os cascos de cavalos. Não havia mais
sinal algum da assombração. Levantei-me e vi que, desta vez, o tropel era o dos
cavalos do meu pai e de um outro peão, que vinha com ele.
– Onde te meteste, guri desgraçado? berrou meu pai. – Nós te procuramos a
noite toda!
– Estou aqui – respondi. – Passei a noite na tapera.
O outro peão arregalou os olhos.
– Passaste a noite na tapera, guri? E estás vivo?
– Sim, senhor.
Eles traziam o meu tordilho, e fui com eles de volta para a sede da fazenda.
Mais tarde, contei a meu pai tudo o que tinha acontecido. Terminei pedindo, com
lágrimas nos olhos, que ele me ajudasse a cumprir a promessa feita ao morto.
E, para meu espanto, meu pai me agarrou pelos ombros. Os olhos dele me
pareceram úmidos, embora nunca antes ou depois daquilo eu o tivesse visto chorar.
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Cheguei a pensar que ele me abraçaria, mas seu coração ainda não havia amolecido
a esse ponto.
– Tu és um bom guri – disse ele, apenas.
Meu pai encontrou facilmente um bisneto do fantasma. O que restava de sua
família ainda era muito pobre. Dali a algumas noites, fui com eles até a sanga, muito
furtivamente: se o patrão de meu pai descobrisse tudo, iria querer ficar com o
tesouro. Mostrei-lhes as pedras e os ajudei a levantá-las – ou tentei ajudar, porque
minhas forças eram muito menores do que as deles. Embaixo delas, encontramos o
saco, cheio de moedas de ouro muito antigas.
O herdeiro do morto ficou profundamente agradecido, e ofereceu algumas
moedas a meu pai. E foi o que nos permitiu deixar o campo e ir para uma
cidadezinha pequena, da fronteira, onde ele se estabeleceu com um pequeno
armazém. Assim, eu pude continuar os meus estudos.
Bem, o que espero é que, no fim das contas, o fantasma tenha encontrado o
seu descanso. Sei que, hoje, seus descendentes estão bem de vida. E, quanto a
mim, uma coisa é certa: foi naquela noite, perdido na tapera perto da sanga, que eu
conquistei o respeito do meu pai. E foi naquela noite que eu deixei de ser uma
criança órfã e assustada e me transformei em um homem de verdade...
32
7 APÊNDICE
ATIVIDADE 2
1 C I N T O * D E * C O U R O
2 P E L E * D E * C A R N E I R O
3 V A G A B U N D O
4 P L A N I C I E
5 C O M B A T E
6 A O * A C A S O
*
7 A U S E N C I A * D E * R E S P O S T A
8 C A V A L O
*
9 P U N H A L
10 P L A N I C I E * G A U C H A
11 L A T I R
12 R I A C H O
13 P E R C E P Ç A O
14 T U M U L T O
33
ATIVIDADE 4
S R T G O Y P O P Ç X X Z W E R I T U I P O J H D G A A S E O
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