1. DE COLONOS A IMIGRANTESl(E)migrao portuguesa para o
BrasilJos Jobson de Andrade ArrudaVera Lucia Amaral FerliniMaria
lzilda Santos de MatosFernando de Sousa[orgs.]0)~ li1
111rdl'HA-..;TJ: o 1.0-..;c,o perodocm que se processou
atramfcri:ncia de rnntingcntessignificativos da populaoportuguesa
para o territriobrasileiro, a personalidadejurdka do Estado
portugusfoi sempre a mesma, a de umanao autnoma e soberana,a no ser
por um breve interregnocm que a soberania seperdeu durante os 60
anos cmque a nao lusa esteve submetida Coroa espanhola. J oBrasil,
pelo rnntrriu, mudousubstancialmente seu estatuto,transitando da
rnndio dernlnia, parte do Imprio portugus,para a de Estado
independentee soberano.Com a proclamao daindependncia e, mais
precisamente,com o reconhecimentodo no'o estatuto da cx -ullniapor
Portugal entre 1825-1826,"de um dia para o outro, osportugueses
radkados naquele[neste] pas tornaram -se brasileiros': e o sistema
de"rnlonizao/cmigrao, oude migraes nacionais dentrodo mesmo Imprio,
passou -sea uma emigrao/rnloni'.a o,de carter internacional':como
escreve Fernando deSousa, um dos organizadorese autores desta obra.
A migraoportuguesa passa a ser distinta,mas no
estruturalmentediferente, pois at mesmo osprocedimentos exigidos
para anaturalizao eram extremamentebenevolentes para comos
portugueses. 3. DE COLONOS A IMIGRANTES 4. Jos Jobson de Andrade
ArrudaVera Lucia Amaral FerliniMaria lzilda Santos de MatosFernando
de Sousa[orgs.]DE COLONOS A IMIGRANTESI(E)migrao portuguesa para o
Brasil 5. Copyright 2013 Jos Jobson de Andrade Arruda/ Vera Lucia
Amaral Ferlini/Maria Izilda Santos de Matos/Fernando de SousaGrafia
atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1990,
que entrou em vigor no Brasil em 2009.PUBLISHERS: Joana
Monteleone/Haroldo Ceravolo Sereza/Roberto CossoEDIO: Joana
MonteleoneEDITOR ASSISTENTE: Vitor Rodrigo Donofrio ArrudaPROJETO
GRFICO, CAPA E DIAGRAMAO: Joo Paulo PutiniASSISTENTE ACADMICA:
Danuza ValimILUSTRAO DE CAPA: Bruno Ricardo Souza VilagraCIP-
BRASIL. CATALOGAO NA PUBLICAOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE
LIVROS, R)D266cDE COLONOS A IMIGRANTES: I(E)MIGRAO P ORTUG UESAPARA
O BRASILJos Jobson de Andrade Arruda/ Vera Lucia Amaral
Fcrlini/Maria Izilda Santos de Matos/ Fernando de Sousa (orgs.)So
Paulo: Alameda, 20136 02 p .Inclui bibliografiaISBN
978-85-7939-206-11. Histria - Brasil e Portugal. 2 . Movimentos
migratrios -Brasil e Portugal. 3 Estudos populacionais. 1. Jos
Jobson deAndrade Arruda et al.lJ-01274 CDD: 981.05C D U:
94(81)ALAMEDA CASA EDITORIALRua Conselheiro Ramalho, 694- Bela
VistaCEP 01325-000- So Paulo, SPTe!. (11)
3012-2400v.rww.alamedaeditorial.com.br 6. ,SUMARIOAPRESENTAO
9QUESTES CONCEITUAIS liOs portugueses no Brasil, de colonos a
imigrantes: reflexes tericas 13Jos fobson de Andrade ArrudaOs
portugueses. De colonos a imigrantes 21Fernando de SousaA emergncia
do conceito de emigrante e a poltica de emigrao 37Miriam Halpern
PereiraIDENTIDADES 47Escritos e deslocamentos: cartas,
correspondncias e mensagens trocadas entre portugueses 49(So Paulo-
Portugal, 1890-1950)Maria Izilda Santos de MatosPortugueses de
ideias, estrangeiros perigosos 67Alfredo Moreno LeitoPortugueses em
So Paulo no sculo xx1: a questo da identidade 81Alice Beatriz da
Silva Gordo Lang Maria Christina Siqueira de Souza CamposO discurso
poltico da emigrao atravs dos diplomatas portugueses no Brasil (
1855-1873) 97Paula BarrosSo Paulo destino de imigrantes galegos, no
ps-Guerra Civil Espanhola: 105a cozinha dos imigrantes
galegosDolores Martin Rodriguez CornerConvvio e conflito nos
trpicos: portugueses e galegos no Rio de Janeiro 119rica
SarmientoCartografias do exlio. O imigrante espanhol no movimento
massivo, 131e o Brasil como destino, 1880/1930Marlia Klaumann
Cnovas 7. FONTES E ABORDAGENS 147Imigrao: "zonas de sombra"
documentais 149Len Medeiros de MenezesA emigrao do distrito do
Porto para o Brasil durante a I Repblica Portuguesa (1910-1926)
163Diogo Ferreira Ricardo RochaUm boletim da emigrao portuguesa- O
Correio (1972-1974) 189Maria Celeste Alves de CastroUm ttulo para
leitores de dois continentes. A imprensa peridica 205portuguesa na
segunda metade do sculo XIXIsilda Braga da Costa Monteiro Fernanda
Paula Sousa MaiaOs efetivos migratrios registados pelo governo
civil do Porto para o Brasil (1852-1854) 221Bruno RodriguesA
emigrao do Norte de Portugal para o Brasil (1876-1879) 239Joana
MartinsCasamentos de portugueses no arquivo da Parquia Corao de
Maria em Santos, 253no bairro de Vila Mathias (1915-1920)Maria
Apparecida Franco PereiraTRAJETRIAS 269O historiador
luso-brasileiro Joo Lcio de Azevedo (1855-1933) 271Ana Luiza
Marques BastosRamon de Bafios, o incio do cinema na Amaznia 277Jos
Luis Ruiz-PeinadoDirio de um colono portugus no Gro-Par: a
trajetria do porta-bandeira 289Francisco Jos Rodrigues Barata
(1799-1824)Magda Maria de Oliveira RicciO Comendador Pereira Incio.
Um caso de benemerncia n as duas margens do Atlntico 311Alda NetoUm
francs, um brasileiro, um portugus: tenses luso-brasileiras na obra
de Emile Carrey 323Lus Balkar S Peixoto PinheiroAPORTES CULTURAIS
337Associativismo luso nas terras das mangueiras: o Grmio Literrio
Portugus e a Tuna Luso Caixeiral 339Marcos Antnio de Carvalho 8.
Pastel de bacalhau e imigrao portuguesa: memrias do Mercado
Municipal Paulistano 351!dlia Maria Teixeira Souto Snia Regina
BastosA Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores: histria e
memria 367Lus Reznik Rui Aniceto Nascimento Fernandes Henrique
Mendona da SilvaGRANDE IMIGRAO 383Italianos, espanhis e portugueses
no quadro da grande imigrao no Brasil 385lsmnia de Lima
MartinsInquisio e imigrao: a trajetria de Familiares do Santo Ofcio
no Gro-Par 397e Maranho e na Capitania do Cear (sculo xvm)Antonio
Otaviano Vieira Junior Marlia Cunha Imbiriba dos SantosEm torno da
emigrao aoriana para o Brasil: diferentes leituras e problemticas
409Susana Serpa SilvaA emigrao do Distrito de Bragana para o Brasil
e o discurso da imprensa regional (1891-1904) 429Maria da Conceio
Cordeiro SalgadoAores: condies, possibilidades e divergncias que
levaram ao processo de emigrao 447Elis Regina Barbosa AngeloO
sistema de cotas nas Constituies de 1934 e 1937 e o 457ideal de
integrao tnica dos estrangeiros no BrasilJos Sacchetta Ramos
MendesFLUXOS DE RIQUEZA 465Os "Rios de Ouro" que cruzaram o
Atlntico: aproximaes para um estudo comparado 467das remessas dos
emigrantes italianos, portugueses e espanhisPaulo Cesar GonalvesOs
portugueses em Belm: patrimnio, origem e trajetria (1850-1920)
485Cristina Donza Cancela Anndrea Caroliny da Costa Tavares Oton
Tssio Silva LunaNegociantes portugueses e comrcio em Santos no
perodo de 1862 a 1892 501Maria Suzel Gil FrutuosdCONTEXTOS
REGIONAIS 521Ao fim de uma bela poca: migrao ibrica, trabalho e
redes sociais 523em Belm no limiar do sculo xxMaria de Nazar Sarges
Daniel Souza Barroso 9. Imigrao italiana no Rio Grande do Sul:
colonizao, urbanizao e historiografia 537Nuncia Santoro de
ConstantinoPortugueses, italianos e franceses nos crculos artsticos
de Belm do Par (1880-1920) 549Aldrin Moura de FigueiredoPortugueses
no universo do trabalho manauara (1880-1920) 563Maria Luiza Ugarte
PinheiroImigrao portuguesa e sade: a fundao da Beneficncia
Portuguesa em So Paulo 579Yvone Dias AvelinoSOBRE OS AUTORES 589
10. APRESENTAOo F O C O PRIN C I PA L D ESTA O B RA COLETIVA vazada
na produo cientfica individual, oferecida por especialistasna
temtica imigracional por ocasio do vn Seminrio Internacional,
realizado sob os auspciosda Pr-Reitoria de Cultura e Extenso
Universitria da usP (9 a n de novembro de 2012) no espao daCtedra
Jaime Corteso e do Engenho So Jorge dos Erasmos, com apoio da
Fapesp e do C E P E S E daUniversidade do Porto, tinha por
finalidade precpua refletir sobre a natureza das expressivas
transfernciaspopulacionais lusas para o Brasil, sobre sua
continuidade singular no m arco europeu e, especialmente,sobre pela
sua mtica naturalizao no contexto nacional, esforo de compreenso
que exige umdilogo cerrado entre generalizao e prxis, entre
teorizao e experincia concreta.Nesse sentido, os textos ora
publicados foram desenvolvidos a p artir de diversos proj etos
deinvestigao que, individual ou coletivamente, debruam-se sobre as
mltipl as vertentes entranhadasneste processo. Desde a quantificao
dos fluxos migratrios, da contabilidade dos passaportes,da
configurao scio-demogrfica dos emigrantes e de suas regies de
origem, da comparao osritmos migratrios e o movimento ondulante da
econmica, do impacto scio-demogrfico e reflexomigratrio, passando
pelo associativismo como forma de integrao nos pases de destino,
sem excluiras dimenses da privacidade e intimidade visvel nas
experincias da cotidianidade individual.Um procedimento metodolgico
desej vel por estabelecer as devidas conexes entre a
problemticageral delineada e suas p artes, sem p erder de vista o
sentido de relao que estas mantm com o todo.As transferncias p
opulacionais de massas tm sido, ao longo da histria da hum anidade,
umade suas principais drivingforces. Por isso mesmo, o fenmeno m i
gratri o preenche integralmente osrequisitos de um fato soci al
total, na conceituao dos socilogos, um "evento monstro", na
concepode muitos historiadores, especialmente de Franois Hartog.
Acontecimento de grande significado,cuj a compreenso exige um
referencial muito mai s complexo do que aqueles providos por uma
con frariade especialistas, pois os motivos que embasam esses
movimentos populacionais so historicamentereferenciados e as
possibilidades dessas transmigraes so tributrias do
desenvolvimentodas tecnologias de comunicaes e de transportes, que
encurtam as distncias e aceleram o tempo. 11. 1 0 JOS JOBSON D E A
. ARRUDA V E RA LUCIA A . F E R U N I MARIA IZI L DA S . D E MATOS
I'E R N A N D O DE SOUSA (ORGS.)Assume-se a (e)imigrao como
categoria de alga significao, mola propulsora dos
processoshistricos desde tempos imemoriais, fenmeno no qual o espao
se transforma em alvio do tempo,sob o acicate das circ unstncias de
momento. Realidade transversal a todo continente europeu, e
emespecial da Europa do Sul, o fenmeno migratrio marca uma herana
comum com reflexos na sociedadecontempornea, quer ao nvel social,
quer econmico e cultural. Se for inegvel a influncia queos
emigrantes europeus exerceram no desenvolvimento e na transformao
dos pases latino- americanosem cujas sociedades se integraram, com
maior ou menor facilidade, no menos verdadeira aassero de que, para
a modernizao da Europa peninsular, foi fundamental o contributo das
remessase dos investimentos realizados por aqueles que haviam
partido na esperana de retornar. Nessaperspectiva, a problemtica da
emigrao/imigrao impe-se, tambm, como uma profcua reade i nvestigao
que, apesar dos proj etos realizados e dos trabalhos produzidos,
continua ainda emaberto, sentindo-se a necessidade de, a par das
especificidades locais, traar as linhas de uma evoluocomum ao nvel
da Europa Mediterrnica, especialmente em poca de crise econmica
profunda quereverte o sentido do fluxo migracional, e obriga ao
historiador um trabalho de ssifo. 12. -e QUESTOES CONCEITUAIS e 13.
os po rtu g u eses n o B ra s i l, d e co lonos a i m i g ra n tes:
re flexes te ricasAchegas analticasJos Jobson de Andrade ArrudaC
ted ra J a i m e Corteso - U S PE S T E TEXTO TEM U M A VO CAO
analtica e teorizante. O que para muitos pode parecer um
contrassensoem tempos de recusa quase absoluta dos recursos da
teorizao. De prevalncia das narrativas,das ilhas discursivas, das
cotidianidades, dos suj eitos histricos reduzidos a pura
individualidade, dosdesafios multifrios sem problematizao, das
crnicas vestidas de histria. Escrita histrica vincadapela excessiva
mentalizao: travestida nos imaginrios, simbolizaes e representaes;
vertida nasfabulaes; expressa nos procedimento e experimentos.
Fazer histrico que provoca em mim umadesconfortante sensao de
vazio, e que Georges Duby definiu como uma indizvel "sensao de
sufocamento",ao sentir-se emparedado face aos muros erguidos pela
nova histria, h muitos anos atrs.'Mas no se trata de um pensar
diletante, com vocao estritamente especulativa,
descompromissada,pura abstrao voltada nscia contemplao da realidade
sem qualquer compromisso com osaber prtico ou aplicado. Se bem que
a teorizao sej a suscetvel a certa dosagem de ensimesmamento,um
fechar-se sobre si mesma, sem o que no possvel sobrevoar a m
aterialidade imediata e alar-se aum patamar de compreensividade
intelectiva, busca de um sistema coerente de proposies sobre
umadada esfera da existncia, no caso o conhecimento histrico, que
implica num grau mnimo de generalidade,de postulaes, de princpios,
nos quais se reconhece uma determinada orientao.Assumir um dado
pressuposto terico no significa explicar a prxis pela teoria. Pelo
contrrio,significa convalidar uma teoria alicerada na experincia
prtica, o que implica numa total permeabilidades correes de rumo
por estar permanentemente acessvel s renovadas experincias
prticas.Nesse sentido, toda construo assume a condio de hipteses a
serem testadas no embate prtico,pois a h iptese contem
incoercivelmente um determinado grau de suspeio, o que a coloca a
reflexoterica em estado de permanente expectativa, da qual deve ser
resgatada por erigir-se sobre evidnciashistricas reconhecidas, mas
sem cuj a generalizao o conhecimento no progride, pois a lgicaDUBY,
Georges. Magazine Litteraire, 1987. 14. 1 4 JOS JOBSON D E A . A RR
U DA V E RA LUCIA A . F E R LI NI MARIA IZILDA S . D E MATOS F E R
N A NDO D E S O U SA (O R G S . )da teoria a lgica da prxis.
preciso cuidar para que os princpios tericos no sej am tomadoscomo
verdades absolutas, imutveis, infensos comprovao emprica, pois, do
contrrio, a teoriaresvala para a ideologia. O segredo est, pois, no
enlace entre preciso emprica e generalizao, najusta dosagem . Por
via deste equilbrio, a teoria pode formular um conj unto de
proposies de cartergeral, entrelaadas de forma lgica e sistemtica,
voltadas explicao de uma dada esfera da realidadeao perscrutar as
diretrizes mais gerais que a regem.A teoria , em suma, um conjunto
de enunciados sistemticos e gerais, abstraes fundamentadasem
observaes empricas ou postulados racionais, voltados formulao de
princpios universalizveisque permitam a ordenao e a classificao da
reali dade em questo, buscando responder aproblemas essenciais que
propiciem o acesso ao conhecimento de uma esfera especfica da
materialidadehistrico-social.A materialidade em apreo o fenmeno
migracional. Fenmeno histrico da mais alta relevncia,por sintetizar
o decisivo embate homem/natureza, que embala o prprio movimento da
histria.Face dramtica do fenmeno populacional, cingido pelo
espartilho dos assentamentos e deslocamentos.Nesse sentido, a
emigrao portuguesa destinada ao Brasil e frica, um dos eixos
histricos decisivosna trajetria secular de trs continentes,
completa-se com o fluxo compulsrio das migraes fricaBrasil.Um fluxo
singular de lusitanos que, ao sarem de Portugal eram emigrantes,
mas que to logochegados ao Brasil, transformaram-se imediatamente
em colonos, e no em imigrantes, s o fazendo aocabo de trs sculos,
quando a colnia portuguesa converte-se em nao independente. Qual a
sustentaoterica de tal enquadramento vis a vis a prxis histrica
efetivamente concretizada?Pensemos. Durante o longssimo perodo em
que se processou a transferncia de contingentessignificativos da
populao portuguesa para o territrio brasileiro, a personalidade j
urdica do Estadoportugus foi sempre a mesma, a de uma nao autnoma e
soberana, a no ser por um breve interregnoem que a soberania se
perdeu durante os 6o anos em que a nao lusa esteve submetida
Coroaespanhola. J o Brasil, pelo contrrio, mudou substancialmente
seu estatuto, transitando da condiode colnia, p arte do Imprio
portugus, para a de Estado independente e soberano. Esta
contingnciahistrica fez com que os mesmos portugueses que por
sculos haviam se deslocado atravs do oceanopara a poro mais
atlntica da Amrica meridional se transmutassem, como num passe de
mgica,da condio de colonos para a de imigrantes, sem que seus
deslocamentos tivessem sofrido qualquertipo de constrio, ou que sua
identidade fosse substancialmente contestada. Tal prxis
fundamentalpara que possamos refletir sobre a diferena especfica
que define a condio de colono e de imigrantep ortugus no Brasil
tornado Nao, o que os aproxima, o que os diferencia.As g e n te s
lusas e m aoA tarefa herclea a que se props a gente portuguesa,
dotada de exguo territrio e escassa populaops, desde os prembulos
da modernidade, a poltica populacional no corao das polticasde
Estado. Fosse para a composio dos corpos militares necessrios
conquista e preservao do 15. DE COLONOS A I M I G R ANTES 1 5vasto
Imprio que se estendia por trs continentes, fo sse para constituir
o exrcito de trabalhadoresindispensveis produo da riqueza necessria
para alimentar a prpria mquina de dominao; ede seus beneficirios na
mquina do Estado.Uma das opes poderia ter sido o trabalho sob
contrato, a exemplo dos indentured servantsdas 13 colnias inglesas
da Amrica do Norte. Porm, "o sistema portugus de colonizao fo rada
epatrocinada pelo Estado colocava o governo, e no os contratadores
privados, no centro; a baixa basepopulacional e as exigncias gl
obais de efetivos para a defesa excluam a possibilidade de um
sistemade trabalho contratado nas colnias, um sistema que estava
ausente da tradio legal portuguesa".2 Aa usncia de tradio pode ter
contado, mas a razo fu ndamental da opo pelas fo rmas compulsriasde
trabalho , certamente, de ordem econmica. Custava menos e garantia
a alta rentabilidade daempresa colonizadora, nica forma de
financiar os elevados custos operacionais e garantir os lucrose spe
rados pelos agentes privados e pblicos do empreendimento.Esta foi a
razo principal que moveu o Estado a alterar o antiqussimo
instrumento do exlio penaldentro do prprio territrio de modo a
criar um modelo de colonizao forada, que arrebanhava
transgressoresda ordem e deserdados da fortuna.3 Mobilizou as
instituies judicirias e associaes de caridadeportuguesas para que
dessem suporte s finalidades maiores do Estado, em suas esferas de
atuao disciplinare assistencial, pois os recursos humanos eram
preciosos demais para serem desperdiados em prises,hospedarias ou
conventos. Os agentes do Estado passaram a atuar como
higienizadores sociais avant lalettre. Identificavam criminosos,
ciganos, cristos novos, pecadores, prostitutas, rfs. Todos aqueles
quepoderiam ser considerados desviantes aos olhos do poder
constitudo, Estado ou Igreja, e at mesmo aquelesque por sua
orfandade poderiam representar um peso a mais para a sociedade.
Reunia-os, deslocava-ospara as mais diferentes partes do Reino e do
Imprio, de Castro Marim no territrio continental s Ilhasatlnticas,
da costa africana s possesses asiticas e, principalmente, para
todas as partes do Brasil.Os degredados foram importantes agentes
da colonizao. Seu nmero, a princpio consideradoirrisrio, ganhou
nova dimenso e significado a p artir das reinterpretaes de Timothy
Coates.Elevar-se-ia a so mil indivduos em todo o Imprio portugus
nos trs sculos da colonizao, nmeroexpressivo, p ois deve ser
avaliado em relao ao contingente total de portugueses livres; e no
totalidade da p op ulao. Representariam nesse sentido, segundo as
estimativas mais abalizadas, emtorno de 20% da populao brasileira,
em 1612. Portanto, cerca de 10 mil indivduos, considerando-sea
populao livre naquele momento era estimada em so mil pessoas, fora
os 120 mil escravos africanose nativos:1 D egredados estes que se
mostravam particularmente ativos, "especialmente em reas2 COATES,
Timothy. Degredados e rfs: colonizao dirigida pela coroa no imprio
portugus- 15YH755 Lisboa: CNPCDP,1998, p. 286.Sobre o ins tituto do
degredo Cf. PIERONI, Geraldo; COATES, Timothy. De Couto do Pecado
Vila do Sal: Castro Marim(1550-1850 ). Lisboa: S da Costa Editora,
2002.4 GODINHO, Vitorino Magalhes. "Portuguese emigration from thc
ftftccn th to thc twentieth century: constantes andchanges". ln:
EMMER, Pietcr; MORNER, W (ed.) . European expansion and migration:
essays on the intercontinental migrationfrom Africa, Asia and
Europe. Nova York: St. Marti's Press, 1992, p. 24. 16. 1 6 JOS
JOBSON D E A . ARRU DA V E RA LUCIA A. F E R LiNI MARIA IZ!LDA S .
D E MATOS Ft.RNNWO D E SO U SA (ORGS.)do Imprio portugus incapazes
de atrair emigrao livre':s Nmeros significativos porque
representam20% da populao branca l ivre, equivalendo dizer que os
Soo/o restantes eram emigrantes, por noserem coagidos a se
deslocarem. ndice ainda mais expressivo se for comparado a outros
pases colonizadoresno mesmo contexto. Entre 1607 e 1775, a
Gr-Bretanha exportou para o Novo Mundo osmesmos so mil emigrantes;
cifra semelhante francesa, com a diferena de que as p opulaes
destesdois Imprios coloniais eram muito superiores de Portugal,
comparao que nos permite aquilataro significado dos degredados no
conjunto da diminuta populao portuguesa.Tipologias e reco n ce i t
u a lizaesO breve delineamento desta prtica, cenrio que ser
adensado nos desdobramentos posterioresdo proj eto de pesquisa em
curso, permite distinguir nitidamente trs formas de
transfernciaspopulacionais encetadas pelo Estado portugus
direcionadas aos mltiplos destinos do Imprio.Particularmente, os
contingentes destinados ao espao braslico durante cinco sculos, e
no apenasaqueles verificados durante os 322 anos de sua dominao
poltica: a emigrao espontnea; a emigraocompulsr ia; e, a colonizao
sistemtica. Formas diferen ciadas de i nstalao no territrio que
notem, todas elas, o mesmo peso no processo geral de povoamento e
defesa do territrio no qual se inserem,pois prevalece a emigrao l
ivre, espontnea, decidida individualmente, movida pela atraoque o
decantado paraso terreal poderia oferecer, contanto com estimulo e
reduzido apoio por partedo Estado que, no fundo, transferia os
custos da defesa do patrimnio da Coroa aos particulares,numa espcie
de privatizao controlada e reversvel do p atrimnio colonial.Formas
estas que a tradio historiogrfica tendeu a englobar numa s
denominao, a de colonose colonizadores,6 homologizando a tipologia
a partir da condio assumida pelos emigrantesou degredados na terra
de acolhimento: a condio de colonos. Equivale dizer, os aqui
chegados sonomeados colonos por se deslocarem rumo a um territrio
sob domnio, regido p or um estatuto colonial,no amplo cenrio do
sistema colonial moderno. Tanto que, ao l ivrar-se a colnia da
condiode entidade subordinada aos ditames do Estado portugus, todos
aqueles que anteriormente foramdenominados colonizadores
transformam- se, de imediato, em imigrantes. Por esta via de
raciocnio,poder-se-ia afirmar que, do ponto de vista da terra, eram
imigrantes antes e continuaram a s-lo depois;o que mudou foi o
estatuto da terra que os recepcionava, que deixa de ser colnia p
ara tramutar-se em Estado independente e soberano.Os argumentos
elencados por Fernando de Sousa no seu texto Os Portugueses. De
colonos aimigran tes, acaba apontando na mesma direo. Com a
proclamao da independncia e, mais precisamente,com o reconhecimento
do novo estatuto da ex-colnia por Portugal entre 1825- 1826, "de
umCOATES, Timothy. Op. cit., p. 284.6 O i nverso considerar como
"imigrao para o Brasil os col onos que ali chegaram devido a um
incentivo ou a umaactuao directa da Coroa". S I LVA, Maria Beatriz
Nizza d a, "Imigrao". l n : SILVA, Maria Beatriz Nizza da Silva
(coord . ) .Dicionrio d a Histria d a Colonizao Portuguesa no
Brasil. Lisboa: Verbo, 1994, p. 416. 17. DE COLONOS A I M I G R A N
T E S 1 7dia para 0 outro, o s portugueses radicados naquele
[neste] pas tornaram-se brasileiros", e o sistemade
"colonizao/emigrao, ou de migraes nacionais dentro do mesmo Imprio,
passou-se a umaemigrao/colonizao, de carter internacional':7
Expresses que contm, em si, a indiferenciaoentre os vocbulos
colonizao e emigrao, reconhecendo a equivalncia entre ambos e,
complementarmente,a legitimidade do uso da expresso emigrao quando
se tratava da transferncia decontingentes populacionais lusitanos p
ara a colnia brasileira. Reconhece, igualmente, a continuidadedo
movimento migracional, mesmo no contexto de manifestaes anti
-lusitanas intensificadas,como soe acontecer nos anos 1827-1831,
que culminariam da abdicao de D. Pedro I, visto que osi ngredientes
que alimentavam o processo eram poderosos, "pois o territrio e a
lngua so os mesmos,os 'laos de sangue' permanecem': ressalvando
que, "a natureza j urdica e o estatuto social dosque em igravam
passou a ser distinta,8 mais na forma do que no contedo,
diramos.Distinta sim, mas no estruturalmente diferente, pois at
mesmo os procedimentos exigidospara a naturalizao eram extremamente
benevolentes para com os portugueses. Naturalizao a todosconcedida,
sem exceo, com a nica condio de no se oporem ao regime poltico
instalado, comoexplicitado est na Constituio de 1824, com leves
restries adotadas posteriormente, tais como aobrigatoriedade de
residncia no pas por dois anos. Regime que, de to especial, foi
entendido na pocacomo uma verdadeira adoo, talvez, o primeiro
exerccio de grande naturalizao experimentadopela histria jurdica
brasileira; o que no deixou de provocar protestos em Portugal.
Tratamento queexplicita a j aludida continuidade do fluxo
migracional, um movimento quase natural, pois, na ticado emigrante,
no havia diferena na partida, nem na chegada. Continuava a sair do
seu Reino parauma das partes do Imprio, nas mesmas condies de
acolhimento, onde tinha a mesma sensao depertencimento, um Estado
que, apesar de soberano, continua a ser regido por prncipes de
extraoportuguesa, pertencentes mesma casa reinante em Portugal: os
braganas. Prncipes que continuama praticar, agora no trono do
Brasil, a colonizao sistemtica, organizada e dirigida pelo Estado,
comosoe acontecer com a experincia de colonizao germnica no Esprito
Santo, modeladas nas prticasanteriores com aorianos e madeirenses
em Santa Catarina, Rio Grande de So Pedro, Rio de Janeiro,So Paulo,
Porto Seguro e Esprito, das quais representava uma simples
emulao.De fato, "a migrao de cidados lusos para terras brasileiras
caracteriza-se antes de tudo pelacontinuidade':9 pois os fortes
laos de parentesco, amizade, comerciais, lngua, hbitos, educao,
"nocabia em convenes e tratados destru-los ou quebranta-los':lO No
movimento da emigrao portuguesa7 SOUSA, Fernando, "Os p ortugueses.
De colonos a imigrantes' Texto apresentado no 8 Simpsio
Internacional sobreImigrao Portuguesa p ara o Brasil, Ctedra Jaime
Corteso, So Paulo, nov. 2011, p. 1.8 Tbidem.9 SANTOS, Paula Marques
dos. "A emigrao do Distrito de Viseu p ara o Brasil. As principais
fontes documentais". ln: M A RTINS,Ismnia de Lima; sousA, Fernando
(org. ) . Portugueses no Brasil: migrantes em dois atas. Rio de
janeiro: EdiesMuiraquit, 2006, p. 239.10 Apud A LV ES, Jorge
Pernandes. "Emigrao portuguesa - o exemplo do Porto nos meados do
sculo XIX". Revista deHistria, Porto, 1989, p. 283- 289. 18. 1 8
JOS JOBSON D E A . ARR U DA V E RA L U C I A A . F E R LI N I MAR I
A IZIL.DA S . D E MATOS F E R N A N D O D E SOUSA (O RGS. )para o
Brasil, o emblema que permanece, o dstico cunhado por Joel Serro:
"emigrante gnerodo qual colonizador espcie'; rememora com
propriedade Jorge Fernandes Alves, pontuando que apalavra emigrante
deva ser "reservada para os que partem por livre iniciativa,
independentemente daorientao do Estado ou at contra as disposies
deste': enquanto expresso colono deve "referir-sequele cuja partida
se integra em iniciativas do Estado ou por ele apoiados': Nestes
termos, a conceitualizaoda emigrao portuguesa pode ser classificada
tendo por referncia a fronteira representadapela independncia do
Brasil. "Antes, envivamos colonos para o Brasil, depois da
independncia essemovimento demogrfico assume estatuto de emigrao':
Sob a proteo do Estado, colono conota aescoordenadas e coletivas,
sob o imprio das circunstncias; enquanto emigrao evoca
individualismo eincerteza, precedente que j se verifica nas
partidas direcionadas ao Brasil entre os sculos XVII e
XVIII,realizadas por conta e risco dos interessados.n Equivalendo
dizer, no havia apenas colonos ou colonizaono perodo anterior
independncia, pois havia sim uma (e) imigrao espontnea. Distino
responsvelpelos desencontros havidos na segunda metade do sculo XIX
entre as autoridades brasileirase portuguesas, pois, neste momento,
cabia aos brasileiros regular as formas de ingresso consoante
seusprprios interesses, o que levou converso de imigrantes em
colonos, por fora dos contratos leoninosestipulados no Brasil,
prtica que se inicia j em 1825, quando da instalao do consulado
portugus noRio de Janeiro, sobej amente intensificada nos anos
1830.12Por esta via de raciocnio, o corte distintivo entre colonos
e emigrantes no ntido. Prevalece asensao de continuidade, o que pe
questes relevantes reflexo. No teria havido, no deslocamentodas
populaes portuguesas para o Brasil, um movimento unvoco de emigrao
que recobre o vastoperodo que vai do sculo XVI ao XX?. Qual o papel
desempenhado pela natureza da transio polticapacfica havida entre o
Imprio portugus e as elites luso-braslicas? Que achegas compreenso
do processopoderia haver na comparao com a experincia do Imprio
espanhol na Amrica Latina? De quemodo a emigrao portuguesa, vis a
vis as demais errigraes, interagiu com a essencialidade
escravistada sociedade brasileira?. E, talvez, considerando-se a
natureza do objeto, qual foi a percepo culta dofenmeno e,
reciprocamente, de que modo esta percepo atuou sobre sua
reificao?Repulso e atrao so as duas molas propulsoras da emigrao.
As condies polticas subsistentesna ex- colnia tornada nao
independente foram, sem dvida, aportes significativos p ara queo
sentimento de continuidade se cristalizasse. Pensamos na
receptividade poltica. Na existncia decondies propcias aos
portugueses desejosos de emigrar para o Brasil.'3 A certeza de
encontrar umambiente acolhedor, apaziguado, confivel, por ser
politicamente gerido pela prpria tradio histricacom as quais
estavam familiarizados. D. Pedro II era um prncipe portugus nascido
no Brasil,11 Idem. "De colonos a em igrantes. Algumas repercusses d
a independncia d o Brasil n a actividade econmica do Porto".ln:
RAMOS, Lus Antnio de Oliveira (org.). D. Pedro Imperador do Brasil,
Rei de Portugal: do Absolutismo ao Liberalismo.Porto: CNCDP, 2001,
p. 424-425.12 Ibidem, p. 425.13 Concepo desenvolvida no texto
"Migraes sociais, transmigraes polticas e receptividade
imigracional". In: S O U Z A ,Fernando et al. Nas duas margens: os
portugueses no Brasil. Porto: Afrontamento, 2009, p. 54 e segs. 19.
D E. COLONOS A I M I G R A N T E S 1 9com o pas identificado, mas
que nunca fez oposio a Portugal, a no ser discretamente, por
suacondio de presidente do Instituto Histrico e Geogrfico
Brasileiro, cujos membros esforavam-seno sentido de criar uma
identidade nacional, que aconselhava distanciar-se da cultura
portuguesa eespelhar-se na francesa, o que no significava uma
grande diferenciao, pois a cultura portuguesa eraem larga medida
uma cultura afrancesada.Tradio dinstica e imperial que teve um
papel relevante na estabilizao poltica da j ovem nao.Por arrefecer
as tenses sociais internas, por amortecer as quizlas polticas
locais, por equilibrar asdisputas pelo poder no seio da elite, por
amenizar os conflitos potenciais decorrentes da presena massivade
imigrantes portugueses, por funcionar como uma espcie de
amortecedor para os espasmos sociaise polticos do Estado em
construo. Em suma, por ser capaz de criar um ambiente poltico
estvelpara os residentes e para os portugueses que desej assem aqui
se estabelecer. Ambiente diverso daquelecriado na Amrica espanhola,
onde as batalhas pela independncia das colnias criaram um
profundosentimento de animosidade, de ruptura da solidariedade em
relao monarquia espanhola, de rej eioaos espanhis, tomados desse
momento em diante como referncia negativa na construo do
arqutipoidentitrio daquilo que as jovens naes pretendiam vir a ser.
Ruptura poltica radical, responsvel emlarga medida pelo
estilhaamento poltico do espao outrora regido por um poder central
monocrticoe que, subitamente, fora lanado ao mar das experincias
caudilhescas, tpicas de regimes polticos malassentados,
precariamente institucionalizados, urdidos no caos do
enfrentamento.Indubitavelmente, a continuidade poltica representada
pela permanncia dos Braganas nopoder foi fator de estmulo
continuidade da emigrao portuguesa para o Brasil, contrariando
osprprios desgnios do governo portugus que preferia v-los rumando
para as colnias africanas, poisdeix-los livres para virem ao Brasil
seria conformar-se com a perda de valiosssimo capital
humano.Continuidade visvel em sua face monrquica, dinstica e
imperial. Mstica imperial nunca formalizadaem Portugal, pois o
Reino sempre precedera ao Imprio, mas que adquirira materialidade
noBrasil, pois ao nascer j se faz Imprio por direito, fato dotado
de enorme carga simblica por cativaro imaginrio dos emigrantes p
ela aura de poder que dele emanava, por transpirar segurana, mito
doImprio que na Amrica hispnica, britnica e francesa fora derreado,
que na Europa se esvaa, masque no Brasil despontava forte e
promissor.Entre muitas, esta uma condio que n o pode ser
negligenciada quando se pensa a intensificaoda corrente emigraconal
p ortuguesa para o Brasil no sculo XIX. Representa um porcentualde
8 o a 90% de toda emigrao portuguesa no perodo. Ou seja, o Brasil
continuou a ser o destinopreferencial. Fluxo que atinge seu pice no
final do sculo como culminncia de um movimento deacelerao que se
iniciara dcadas atrs, mas que se interrompe na sequncia do momento
em quechega ao fim de forma abrupta a presena da dinastia dos
Braganas entre ns. Com a proclamao daRepblica e o exlio da famlia
imperial chega-se ao fim de uma era de quase quatro sculos, em
queos soberanos portugueses ou seus descendentes dinsticos
governaram o territrio, simbolizado namudana brusca de
comportamento dos ditos brasileiros, na verdade luso-braslicos, em
relao aos 20. 2 0 JOS JOBSON D E A. ARRUDA VERA LUCIA A . F E R U N
I MARIA I Z I LDA S. DE MATOS F E R i-< A N D O D E SOUSA (O
RGS. )portugueses, sobretudo aqueles mais recentemente chegados. O
fim do Imprio interrompe a continuidade,rompe a magia, tende a
igualar os portugueses aos demais imigrantes chegados ao Brasil.Mas
ser que o espelho de fato havia se quebrado? Pensar os portugueses
como colonos ou emigrantes,pensar todos os demais emigrantes,
pressupe incoercivelmente pensar o substrato representadopela
escravido, lastro social sobre o qual se assentou por longos quatro
sculos. Presena massiva de sereshumanos arrastados compulsoriamente
do continente africano ao americano, forma de transmigraoforada que
os portugueses haviam praticado nos prdromos de sua experincia no
arrasto de escravos nacosta africana, experincia que replicaram no
trato com os degredados. Estes eram os verdadeiros estrangeirosna
terra, pela etnia e pela cor, pois os indgenas eram nativos, e os
portugueses brancos legitimadospelo direito de conquista. A
escravido assombra as clivagens escravido livre/escravido
compulsria,colonos/emigrantes, escravido nativa/escravido africana,
regime de trabalho forado que marca desde osprimrdios da colonizao
o ritmo da continuidade irrefrevel, qual se sobrepe a continuidade
da presenalusitana, to entrelaadas que se esgotam ao mesmo tempo,
condio, em nosso entender, decisivapara a projeo do mito da
naturalidade da presena portuguesa entre ns.Mas o s mitos se
enrazam . Projetam -se na cultura, sobretudo na alta cultura, como
se podeperceber, em termos meramente indicativos nesse momento, as
vises sobre a imigrao portuguesade dois dos grandes retratistas da
formao social brasileira, Gilberto Freyre e Florestan
Fernandes.Freyre, sustentado por um arsenal terico absolutamente
diverso de Florestan, parte da valorizaodo acentuado trao de
miscibilidade inerente aos portugueses, sua imensa capacidade de
aglutinaestnicas, trao responsvel por sermos uma "sociedade de
acomodao", da qual se desdobra aconsequente capacidade para
"harmonizar antagonismos",'4 pelo que so considerados por Freyre
osimigrantes ideais p ara alimentar as necessidades de
trabalhadores no Brasil, ao lado dos espanhis.Noutra chave, vincada
pela problemtica da escravido e, sobretudo, voltada a pensar o
dficitde cidadania dos escravos africanos libertos, por conta da
dificuldade por eles encontrada p ara integrar-se no mercado de
trabalho, Florestan'5 responsabiliza s levas de imigrantes
italianos, espanhis,rabes, j udeus p ela usurpao deste espao, mas
exclua os portugueses por consider-los integradosna sociedade
brasileira. Emblemtico. So duas vises igualmente tributrias do mito
da naturalidadeda presena p ortuguesa entre ns, que, no por acaso,
transparece nos escritos de um crtico literriodo p orte de Antonio
Cndido, p ara que, no Brasil, "os portugueses so estrangeiros de
tipo especial,que se ajustam de maneira tambm especial':'614 FREY
RE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Madri: Coleo Archivos,
2002, p. 214 e segs; Interpretao do Brasil. Rio d ejaneiro:
Livraria J os Olympio Editora, 1947-15 FERNAN DES, Florestan. A
integrao do negro na sociedade de classes. So Paul o: Dominus Edi
tora, 1965.1 6 SOUSA, Antonio Candido de Mello. "Prefcio". ln:
LEMOS, Fernando; LEITE, R u i Morei ra (org.). Misso portuguesa:
rotasen/recruzadas. So Paulo: Editora Unesp/Edusc, 2002, p. 15. 21.
Os portu g u eses. De colo nos a i m i g ra n tesFernando de SousaC
E P E S EDURANTE TRS scuLos, entre 1500 e 1822, Portugal colonizou
o Brasil, povo ou e ocupou o territrio,cu ltivou a terra e explorou
o subsolo.Aos nativos juntaram-se os portugueses livres e os
africanos escravos, constituindo os elementosfundadores do Brasil e
que esto no cerne da herana cultural do seu p ovo.Em 1822, por fora
dos ventos da Histria e da vontade do seu povo, o Brasil proclamou
a suaindependncia e, de um dia para o outro, os portugueses
radicados naquele p as tornaram -se brasileiros.E assim, de uma
colonizao/emigrao, ou de migraes nacionais dentro do mesmo
Imprio,passou-se a uma emigrao/colonizao, de carter
internacional.No subestimemos a mudana. A partir de 1822, ou
melhor, a p artir de 182 5 - 1826, estabelecidaa paz entre os dois
pases atlnticos, os portugueses que saem para o Brasil passam a
deslocar-se paraum pas estrangeiro. A corrente emigratria a mesma,
o territrio e a lngua so os mesmos, os "laosde sangue" permanecem,
mas a n atureza jurdica e o estatuto social dos que emigravam p
assou aser distinta.O vassalo portugus do Imprio, colonizador,
tornou-se brasileiro por adoo e finalmenteemigrante estrangeiro. Os
p ortugueses que chegavam p assaram, em breve, a submeter-se ao
ordenamentojurdico que enquadrava os imigrantes de qualquer
procedncia.Matizemos os conceitos de colonizador e de emigrante,
tanto mais que ambos chegaram tarde lngua portuguesa. Se "colono"
entrou no nosso vocabulrio no sculo X V I I , "colonizador", como
"colonizao"e "colonizar" s p assaram a ser utilizados a partir de
183 6 . E "emigrante" chega apenas nadcada de 1830 (mais cedo, p
orm, da data referida pelo Dicionrio Houaiss) , ainda que
"emigrao"date de 1813. Nestes dois casos, as palavras chegaram
muito depois das "coisas':Se definimos por colono aquele que emigra
para p ovoar uma terra estranha, ou trabalhar aterra por um salrio,
devido iniciativa do Estado, empresa ou mesmo de um proprietrio,
entotemos colonos portugueses no Brasil desde 1 5 0 0 . Mas no
podemos chamar colonos a todos aquelesque, antes de 1822, saram
para o Brasil, uma vez que boa parte deles no estava ligada
agricultura, 22. 2 2 JOS J O BSON D E A. AR R U DA V E RA LUCIA A.
F E RU N I M A R I A I / I L DA S . DE MATOS F E R N A N D O D E
SOUSA (O RGS. )e no foram patrocinados pelo Estado ou por
particulares. Mas se por emigrante entendermos o quesai da sua p
tria para viver noutro pas, ento s podemos falar de emigrao para o
Brasil a partirde 1822. Mesmo se estes, muitas vezes, preenchiam os
requisitos apontados para se enquadrarem nacategoria de colonos.No
a partir de ento que o portugus perde o seu estatuto de "senhor"
para p assar a ser um"emigrante", ou sej a, algum que tem de
submeter-se s leis de um outro poder poltico e aceitar umnovo
estatuto scio-j urdico?O p ortugus, que antes de 1822 era
responsvel pelo enquadramento administrativo e o
desenvolvimentoeconmico do Brasil, vai passar a ser, da em diante,
basicamente, mo-de-obra assalariada,a integrar-se numa outra
sociedade em que no mais tem qualquer poder de deciso, e noraras
vezes lhe francamente hostil. Essa hostilidade latente, nalgumas
regies veemente e por vezessangrenta, no impediu que a emigrao
portuguesa para o Brasil prosseguisse ininterruptamente,num
continuum que, com maior ou menor intensidade, veio at aos nossos
dias.A emigrao portuguesa para o Brasil, isto , aps a sua i
ndependncia em 1822, ultrapassadosos primeiros anos de conflito
entre os dois pases, vaiconhecer a partir de 1834, com a instaurao
definitivado liberalismo em Portugale a legislao repressiva do
comrcio da escravatura de 1835 - 1836,um novociclo caracterizado
pela intensidade do fenmeno, alimentada sobretudo pelosAores porum
lado, e pelo Noroeste do Portugal Continental por outro.A emigrao,
nesta fase conturbada de afirmao do regime liberal em Portugal, foi
objeto de particularateno pelo Governo e pelo Parlamento. No
iludamos, contudo, a questo. A preocupao destesrgos de soberania
era sobretudoformal, manifestando-se apenas na sequncia de casos
escandalososque, por vezes, eram publicitados, ou de iniciativas
parlamentares a que convinha daralguma justificao.Na verdade, nem o
Governo, nem o Parlamento, nem as autoridades distritais, nem a
sociedade portuguesaestavam empenhados em travar a emigrao ou a
reorient-la do Brasil para as colnias africanas.O Estado liberal,
aps 1834, at meados do sculo xrx, revelou uma incapacidadetotal
para resolvera agitao sociopoltica que recorrentemente degenerouem
guerras civis, os graves problemaseconmicos com que Portugal se
debatia, e a crise financeira para a qual os sucessivos Governos
noencontravamsoluo, de tal modo que as receitas estavam longe de
cobrir as despesas, dficeque otempo no mais deixou de agravar.No
tinha, pois, quaisquer condies econmicas para traduzir, na prtica,
autopi a parlamentarde canalizar os fluxos migratrios das Ilhas
atlnticas ou do Norte litoral de Portugal para colonizar oAlentej o
- como uns pediam - ou para frica - como outros entendiam - ,
hipteses, alis, quenuncapassaram a teses. Vem a talhe de foice
referir que, tambm no plano regional/distrital, comexceodos Aores e
da Madeira, ningum estava preocupado com a emigrao.Se analisarmos
as consultas das Juntas Gerais dos distritos entre 1839 - 1848,
verificamos que asmesmas abordam os mais diversos temas - diviso
administrativae judicial do territrio, instruo pblica,expostos,
casas pias, confrarias, misericrdias, asilos e outros
estabelecimentos de beneficncia 23. DE C OIO I'-1 05 A I M I G RA N
T E S 2 3e caridade, obraspblicas e comunicaes, correios, cadeias,
cemitrios, feiras, agricultura eindstria,bancos rurais, contribuies
e impostos, contrabando -, mas, comexceo das consultas das
JuntasGerais da Madeira e dos distritos dos Aores, enem sempre,
nenhuma tratou da emigrao.Por outro lado, a sociedade p ortuguesa
tambm no estava interessada emdificultar a emigrao.Nos Aores e na
Madeira no havia trabalho para a suapopulao ativa, funcionando
destemodo, como vlvula de escape da pressosocial, a intensa emigrao
que se fazia sentir, atenuando aconflitualidade numespao
caracterizado por uma economia bloqueada e uma sociedade
profundamentefechada,hierarquizada, desigual, feudalizante, tpica
do Antigo Regime.No Norte de Portugal tambm ningum pretendia
bloquear a emigrao parao Brasil, comodemonstram as posies da
Associao Comercial do Porto, e a consulta da Junta Geral de
Distritodo Porto em resposta ao inqurito emigrao de 1843. No Norte
litoral, com profundas ligaes aoBrasil, noexistia uma s famlia sem
p arentes naquele Imprio, uma freguesia que nobeneficiassedas
remessas em dinheiro dos portugueses a radicados, um municpiosem
uma casa de um "brasileiro"que angariara fortuna naquele pas e
regressaraa Portugal.Acresce a isto que a navegao do Porto -
segundo a referida Associao -, eraalimentadabasicamente pela
partida e regresso de emigrantes, no chegando umnavio vindo do
Brasil que notrouxesse brasileiros e instrues dos portuguesesque a
se encontravam, para amigos ou familiaresseus embarcarem com
destinoao Rio de Janeiro, B aa, a Santos/So Paulo etc.Pinalmente, a
Praa do Porto, na qual se encontravam numerosos
negociantesbrasileiros - queem 1838, atingiam o nmero de 163 -,
alimentava-se, sobretudo, do dinheiro vindo do Brasil.Impedir a
emigrao p ara o Brasil - concluam as fontes que referimos -
eraaumentar a indignciae a mendicidade do Norte de Portugal.Sendo
assim, no de estranhar que o Governo portugus nunca tivesse
proibido a emigraop ara o Brasil, direito, alis, imprescritvel que
o s s b ditos p o rtugueses tinham, de acordocom a Carta C
onstitucional. Procurou regul-la mas no impedi-la, uma vez que, por
diversosfatores da mais variada n atureza, que so bem conhecidos,
no conseguiu evitar a p auperizaode boa p arte da sua populao."Quem
est bem no se muda" - refere a Consulta Geral do Distrito de Viseu
em resposta aoInqurito Parlamentar de 1843 . "Quem haver que
permanea de vontade em uma terra em que nodivisa raio algum de
esperana", denuncia a Junta Geral do D istrito da Horta, Aores, no
mesmo ano?O "mau negcio" da emigrao - escreve Oliveira Martins em
finais de Oitocentos - era uma fatali dadee como tal, era melhor
dirigir-se p ara o Brasil d o que tentar desvi-la p ara a s colnias
africanas.E assim se manteve. Apesar de o Governo brasileiro ter
promovido a emigrao alem em meadosdo sculo XIX, em detrimento da
portuguesa, iniciativa que no resultou, uma vez que os alemes,como
os suos, ao tomarem conhecimento das condies de trabalho dos
europeus nas fazendasbrasileiras, proibiram a emigrao para o Brasil
em 1858-1859. Tambm tentou a emigrao chinesa, semelhana dos EUA na
Califrnia, mas sem resultado. S nas ltimas dcadas do sculo xrx que
aemigrao italiana se vai juntar p ortuguesa. 24. 24 JOSF JOBSON D
E. A. ARRUDA V E RA LUCIA A. F E RLI NI MARIA I/I LDA S. DE MAT OS
F E R N A N D O DE SOUSA (O RGS.)A corrente imigratria portuguesa
foi, assim, at 1885 largamente predominante, a mais numerosae a
mais prolongada no tempo: dois milhes de p ortugueses, como
escreveu Jos Sacchetta, entre1822 e 1945.Desiluda-se quem defende
que a emigrao italiana para o Brasil, como continuamos a verescrito
por alguns investigadores, foi a mais importante sob o ponto de
vista quantitativo. At 187 0 -1875, desde a independncia do Brasil,
a nica corrente emigratria para o Brasil, com significado,foi a
portuguesa, com mais de 150 ooo pessoas, segundo uma estimativa
nossa baseada em fontesportuguesas e brasileiras. Entre 1876 -
1974, a corrente emigratria portuguesa legal somou 1 6 o o o o
oemigrantes segundo as fontes portuguesas, 1 6 5 0 o o o imigrantes
segundo as fontes brasileiras, enquantoque os italianos somaram 1
450 ooo, de acordo com as estatsticas italianas apresentadas
pelaequipa do Istituto di Ricerche sulla Popolazione e le Politiche
Sociali. Com estes nmeros, no nos movequalquer intuito ridculo de
valorizar a emigrao portuguesa, move-nos apenas a preocupao dorigor
histrico, que neste caso, s faz sentido quando acompanhado dos
nmeros.Sublinhe- se, ainda, que os portugueses foram os europeus
que detiveram a menor proporo depassagens subvencion adas pelo
poder pblico ou por particulares, constituindo o caso mais s
ignificativoda emigrao "espontnea" para o Brasil nos sculos XIX e x
x - apesar dos obstculos de l e dec, das zangas e amuos entre as
duas partes, o casamento manteve-se, porque nem o Brasil, quanto
amo-de-obra barata, nem Portugal, quanto colocao dos seus
emigrantes, encontraram alternativavlida a qualquer outra
unio.Abordada a problemtica da emigrao portuguesa para o Brasil, de
um modo breve, iremosprocurar responder neste artigo a duas questes
relativas ao sculo XIX: quais as principais regies deorigem dos
emigrantes e que tipos ou categorias de emigrantes vamos encontrar
no Brasil.As reg ies de e m i g ra o em Port u g a lRelativamente
emigrao portuguesa oitocentista para o Brasil importa definir a s
reas geogrficasque a alimentam, relacionando- as com as categorias
socioprofissionais que possvel detetarsob a designao geral de
e/imigrantes. sabido que a emigrao portuguesa para o Brasil, no
sculo X I X , foi alimentada sobretudopelos Aores e Norte do
Portugal Continental. A primeira, sada das Ilhas, em condies mais
durasque a segunda, escoada pelos cais do rio D ouro?A legislao
emanada do Governo, a discusso parlamentar e os testemunhos d o
corpo diplomticoportugus no Brasil apontam nesse sentido. As
portarias do Governo denunciam a sada deum "prodigioso nmero de
habitantes" dos Aores, porventura, em alguns anos, em maior n
meroque do Norte de Portugal - regio esta que no referida - ,
devido emigrao clandestina e arregimentadaque das Ilhas atlnticas,
de forma descarada, se efetuava. 25. DE COLONOS A I M I G R A N T E
S 2 5Os relatrios dos governadores civis, as consultas das Juntas
Gerais dos distritos dos Aores, e0 prprio relatrio do Ministrio do
Reino, de 1843, no deixam quaisquer dvidas quanto intensidadeque a
emigrao clandestina regista nestas ilhas portuguesas do Atlntico.So
os Aores ( e a Madeira) que do corpo ao "trfico da escravatura
branca" denunciado comveemncia de 1835 em diante e que ir
permanecer, enquanto esteretipo, at meados do sculo X I X .Os
testemunhos individuais vindos da outra margem do Atlntico - carta
do Rio de Janeiro, de 2 desetembro de 1837, citada por Jos Capela,1
falando dos ilhus vendidos em praa p blica "como se fazaos negros
novos"; carta de Pernambuco, de 15 de dezembro de 1842, referindo
homens e mulheresdos Aores vendidos "como se vende o gado"; ofcio
de um capito de navio, no Rio de Janeiro, de 4de abril de 1843,
testemunhando a "emigrao escrav', a "escravido para portugueses",
"inteira e tocompleta como a dos negros" - no deixam quaisquer
dvidas quanto existncia deste fenmeno -j mencionado, alis, por
Miriam Halpern Pereira, ao escrever que os emigrantes aorianos,
antes demeados do sculo X I X , eram "regularmente vendidos nas
praas pblicas do Brasil como escravos"ou leiloados chegada, "de
forma bastante semelhante utilizada precedentemente com os
negros':2 claro que se torna necessrio matizar esta realidade,
indesmentvel, sem dvida, mas revestindoformas e modalidades que
tanto se aproximavam dos escravos como das pessoas l ivres, de
acordocom as condi es em que chegavam ao Brasil, fundamentais
porque determinavam, em grande p arte,o sucesso ou insucesso dos
emigrantes.Vej amos o exemplo de Francisco Gomes de Amorim, natural
de Vila do Conde, que com dezanos, pela barra do rio D ouro, em
1837, emigra clandestinamente p ara o Brasil. No cais da alfndegade
Belm do Par, chegada, encontra-se quase s, sem perceber ainda que
estava num mercado deescravos brancos, e que era considerado refugo
pelos entendedores. "Por fim, diante dos compradoresque me rodeavam
- escreveu ele - , saiu um vestido de pardo, e acariciou-me,
pondo-me a mo norosto, e convidando-me a segui-lo".Gomes de Amorim
vai trabalhar para um taberneiro portugus, passando, deste modo, a
i ntegrara "classe caixeiral" de Belm.3O ra bem, este "mercado de
escravos brancos" tanto existe no Brasil para os j ovens em
igrantesportugueses que a chegam, como existe em Portugal para as
crianas da idade de Gomes de Amorim,rfos, expostos, filhos de gente
p obre, que nas "feiras dos moos'; semanal ou mensalmente,
durantetodo o sculo X I X , nas principais cidades do Reino, so
leiloados ou entregues a quem os solicita.Maus tratos, pancadari a,
expulso de casa do patro so comuns, quer para os j ovens
caixeirosem Portugal, quer para os j ovens caixeiros no
Brasil.CAPELA, Jos. A burguesia mercantil do Porto e as colnias
(1834-1900). Porlo: Afrontamenlo, 1975, p. 71.2 PEREIRA, Mi riam
Halpcrn. A poltica portuguesa de emigrao (1850 a 1930). Lisboa: A
Regra do Jogo, 1981, p. 31.CAHVALHO, Jos Costa. Aprendiz de
selvagem: o Brasil na vida e na obra de Francisco Gomes de Amorim.
Porto: Campodas Lelras, 2000, p. 34. 26. 2 6 JOS8 JOBSON DE A. ARRU
DA VERA LUCIA A. F E R U N I MARIA IZILDA S. DE MATOS FERNANDO DE
SOUSA (ORGS.)Os procedimentos so idnticos. Importa, assim, no
enfatizar l aquilo que era prtica correntec, nem estranhar
anacronisticamente o que era ento habitual.E tambm, no de estranhar
que numerosos portugueses, nas cidades e fazendas,
realizassemtrabalho "escravo" e fossem tratados como tais,
excetuando-se apenas, de acordo com a carta de lei doImprio do
Brasil, de n de outubro de 1837, a agresso fsica, a qual, porm, a
acontecer, tinha de serprovada judicialmente pelo colono.O prprio
Dirio do Governo de 1846, em artigo sobre a emigrao portuguesa p
ara o Brasil,chama a ateno para o facto de, com o fim do trfico da
escravatura, os aorianos serem engaj adospara o trabalho agrcola
(atravs de contratos de locao de servios aviltantes), e as mulheres
p araos servios domsticos. E refere ainda, quanto ao Rio de
Janeiro, que os aorianos monopolizavampraticamente o abastecimento
de gua porta a porta e de transporte de materiais para construes
ehabitaes, servios que at 1843 - 1844 eram feitos pelos
"pretos':Vai no mesmo sentido, a Associao Comercial do Porto, em
1842, numa representao enviadaao Governo, ao distinguir claramente
a emigrao livre do Norte de Portugal, da emigrao clandestinae engaj
ada, de "escravatura branca", dos Aores e da Madeira, referindo
que, casos semelhantes aosque aconteciam naquelas Ilhas "nunca
ocorreram na navegao feita da praa do Porto".Os emigrantes que saam
pelo Porto - refere o artigo sobre emigrao inserido nas pginasdo
Dirio do Governo de 1846 - , "com rarssimas excees", levavam
passaportes, dedicando-se, noBrasil, preferencialmente ao comrcio,
e s recentemente ( de 1842- 1843 em diante) a outros ofcios.Sabemos
que no era bem assim. A Junta Geral do Distrito do Porto, em 1843,
refere que dos 3ooo emigrantes sados do Porto em 1842 e primeiro
semestre de 1843, 6 0 9 (20%) no tinham profisso.E acrescenta que
era " imenso o nmero dos que embarcam sem passaporte':Mas p arece
no haver quaisquer dvidas quanto ao facto de a emigrao do Norte de
Portugal,quando comparada com a dos Aores e Madeira, devido a um
conj unto diverso de fatores de naturezasocioeconmica, ser mais
qualificada, mais "livre" e registar um menor nmero de sadas
clandestinas.O cnsul portugus no Rio de Janeiro esclarece, em 1857,
que os aorianos suj e itavam-se maisaos trabalhos do campo que os
minhotos, no se detetando com estes os contratos leoninos que
eramfeitos com aqueles, uma vez que, no caso dos continentais, os
con tratos eram celebrados, quase sempreno consulado geral do Rio,
em "condies vantajosas, j ustas e equitativas", regulando o tempo
deservio para pagar as passagens em 10 a 12 meses, com um
vencimento mensal de 2 ooo a 3 ooo ris,com a roupa de servio, mesa
e assistncia na. doena.Em 186o, o cnsul geral do Rio de Janeiro
informava que do Porto, h mais de dois anos, no saapessoa algwna
como "colono': isto , "com obrigao de pagamento da passagem por
meio de contrato delocao de servio'; os fazendeiros que os
contratavam pagavam l as suas passagens e faziam os contratosde
acordo com a lei de 1853, fiscalizados pelos governadores civis que
lhes concediam os passaportes.O s colonos propriamente ditos, com
passagem a p agar no Brasil eram, regra geral, os dosAores, que
assinavam nas Ilhas apenas uma obrigao de pagamento. Dos Aores eram
muito poucosos que chegavam com passagens pagas. 27. DE COLONOS A I
M I G R A N T E S 27Contudo - adverte o cnsul geral - mais de
metade dos que chegavam no faziam contratos noconsulado geral.Os
especuladores das Ilhas (Aores) ganhavam bom dinheiro porque a
gente que transportavams uje itava -se aos trabalhos do campo. O
nmero dos navios brasileiros que chegavam s Ilhas para transportar
colonos era superior ao nmero daqueles que, da mesma nacionalidade,
demandavam o Porto ouViana do Castelo. E estes escapavam aos
diplomatas portugueses, uma vez que a ingerncia a bordo dosnavios
brasileiros por parte dos cnsules portugueses no Brasil era
"absolutamente nenhuma':Que fatores explicam que o recrutamento de
emigrantes para trabalharem na agricultura comcontratos leon inos,
em condies francamente deplorveis, fosse m ais intenso e mais fcil
nos Aoresque no Norte de Portugal?Pelo menos, trs, sem esquecermos
que, os Aores, pelo simples facto de serem ilhas, tornavam-se
praticamente impossveis de controlar quanto aos locais de
embarque.Em primeiro lugar, as sociedades de colonizao brasileiras
tm um p apel dinamizador da emigraonas Ilhas atlnticas, bem mais
importante que no Norte de Portugal. O nvel socioeconmico ecultural
dos emigrantes dos Aores e Madeira, tudo leva a crer, mais baixo do
que o dos emigrantesdo Norte de Portugal, fazendo com que as
condies de transporte e trabalho no Brasil fossem maisduras e
humilhantes p ara os emigrantes daquelas Ilhas.Em segundo lugar,
importa ter em considerao a tradio da designada "colonizao por
casais':a p artir da segunda metade do sculo xvm, dos aorianos p
ara Santa C atarina e Rio Grande doSul, a qual vai conti nuar e m
anter-se aps a independncia do Brasil, desta vez, para trabalharem
nasfazendas brasileiras. A gente dos Aores - refere o Dirio do
Governo em 1846 - " muito laboriosa,muito sbria e fiel, e por isso
so preferidos".Em terceiro lugar, os aorianos emigravam mais
facilmente devido ao "feudalismo das Ilhas",como lembrou um
deputado no Parlamento p ortugus .Mas, conveniente que se saiba -
lembra o cnsul d o R i o em 1857 - que, apesar de tudo, o saorianos
melhoravam d e vida no Brasil e embora experimentando
"contrariedades e padecimentosao princpio", ficavam livres da
"opresso" que sofriam nos Aores, onde no tinham trabalho nemde
comer. Defende at o diplomata no Rio que se no devia deixar
embarcar em Portugal seno aspessoas que pagavam as p assagens,
exceto "a gente das Ilhas" devido misria em que viviam. Estavaainda
na memria dos aorianos o fracasso da colonizao do Alentej o em
finais de Setecentos, pelosseus avs, onde tudo lhes faltou, pior do
que a realidade que encontraram no Brasil.Os e m i g ra n tes p o
rt u g u eses no B ra s i lQue tipos o u categorias d e emigrantes
encontramos n o Brasil ?E m primeiro lugar, embora no sendo os mais
numerosos, mas crescendo significativamenteem volume a p artir de
1845 - 1850, temos os colonos, os que se destinam a trabalh ar a
terra, alimentando,assim, a "emigrao agrcola" no dizer de Oliveira
Martins. So eles que constituem o sector mais 28. 2 8 JOS JOBSON DE
A. ARR U DA V E RA LUCIA A. F E R U N I M A R I A IZILDA S. DE
MATOS FERNANDO DE SOUSA (ORGS.)problemtico da emigrao portuguesa,
aqueles que mais preocupam os diplomatas portugueses noBrasil, os
que alimentam o discurso dos que consideram inaceitvel a
continuidade de tais migraespara Terras de Santa Cruz, os que do
corpo ao esteretipo da "escravatura branc', porque, na reali
dade,vo trabalhar nas fazendas, como acontecia c o m os escravos.
Estes saam sobretudo d o s Aores.Certamente que tambm temos colonos
recrutados no Norte de Portugal, regra geral, para as fazendasdo
Rio de Janeiro, 14 neste Estado, para onde foram, entre 186 0 -
1863 todos os 1 300 contratadosregistados no Porto. O seu nmero ,
contudo, bem mais reduzido e o seu recrutamento mais tardiodo que
acontece nos Aores.Importa matizar, apesar de tudo, a s ituao dos
colonos. Existiam responsvei s pelas colniasestabelecidas que, uma
vez chegados os colonos ao Brasil, apesar de contratados, s
aceitavam os quelivremente pretendiam trabalhar nas mesmas. Havia
entregas de fazendas aos colonos, sem que nasmesmas ficasse "um s
escravo" (contratos, regra geral, feitos nos consulados
portugueses), a fim deevitar a humilhao e as discrdias suscitadas
por tal s ituao. E em numerosas fazendas - garantemos diplomatas
portugueses - eram bem tratados.Mas, a regra geral parece ser a da
prepotncia e dos abusos sobre os que chegavam com contratosde locao
muito duros, completamente dependentes dos seus locatrios,
sobretudo quando lheseram adiantados os custos da viagem, locatrios
esses habituados a lidar com escravos.A lei brasileira de u de
outubro de 1837, que regulava os contratos de colonos, era
considerada"inqua': porque fazia do colono um servo, um escravo,
constituindo a principal causa da decadnciada colonizao e da
proibio de alemes, suos e franceses emigrantes para o Brasil, por p
arte dosseus governos.O vice-cnsul portugus do Rio, em 1863, que
vivia no Brasil h 24 anos, considerava que numpas em que a
totalidade do trabalho era feito por escravos, no existiam colonos
no verdadeiro sentidoda palavra a no ser nalgumas colnias alems.
Quanto ao mais - continua - e muito especialmentequanto aos nossos
comp atriotas, no h seno "venda e compra de servos".Mas, poucos
anos antes, em 1858, outro diplomata acreditado no Rio de Janeiro,
asseverava queno era exato que os colonos, em geral, fossem
maltratados por quem os tomava ao seu servio. claro que a situao
dos colonos era muito diversa, em funo da natureza das fazendas,
dosseus proprietrios e das regies em que trabalhavam, e do tipo de
contrato a que estavam obrigados,umas vezes por dois anos, outras
por trs anos, trabalhando diariamente 9 a 10 horas. Eram raros
oscontratos para a cultura da cana do acar, a mais penosa do
territrio, sendo mais comum a procurade colonos para as fazendas do
caf. A este ltimo trabalho no escapavam os prprios menores,
quetambm eram engajados como colonos, tendo, por exemplo, a
Associao Central de Colonizaorecrutado, entre 1858-1863 , m ai s de
6oo j ovens portugueses.So os colonos que alimentam basicamente o
rosri o de queixas e denncias de maus tratos, asp almatoadas, as
surras at ao sequestro e, eventualmente, ao chicote. 29. DE COLONOS
A I M I G R ANTES 29No Rio de Janeiro, as associaes de colonizao
recolhiam os colonos, chegada, na Ilha doBom Je sus, e da saam
diretamente para o seu destino, sem que os cnsules tivessem oportun
idadede os contactar.o m esmo acontecia em Pernambuco, na dcada de
1850, os quais eram conduzidos diretamentede bordo para os engenhos
do interior, no os autorizando a desembarcar em terra. Nesta
situao, nohavia qualquer garantia para os colonos, uma vez que aos
engenhos, localizados a grande distncia, emlocalidades pouco
povoadas, no chegava a interveno do Governo. As autoridades locais,
concentradasnuma famlia ou num s indivduo, tudo mandavam, sem que o
Governo tivesse meios para impedira sua prepotncia, dispondo assim
da fazenda e da vida das suas "vtimas': Nos contratos
estipulava-seque trabalhariam, por dia, 9 horas em descampado e
10:30 horas em lugar abrigado, quando o mximo,devido ao clima,
devia ser de 8 a 9 horas. "Sem exagerao" - rematava o cnsul de
Pernambuco em 1863- , eram tratados piores que escravos, e
submetidos a "brbaros tratos'' quando fugiam.No Maranho, regra
geral, os indivduos que vinham para as colnias, movimento iniciado
em1 3 53 , no sabiam ler nem escrever, no havendo pois alternativa
ao trabalho da terra. Os salrios porque eram engaj ados na Europa,
raras vezes cobriam as despesas com a alimentao, uma vez que
osprodutos alimentares eram "excessivamente'' caros. O clima
revelava-se imprprio para o trabalho nocampo, e os colonos andavam
mal vestidos e mal alimentados, morrendo com frequncia.Na Baa, o
trabalho de lavoura era feito pelos escravos, mas tal no i mpedia o
engaj amento deportugueses para a lavoura da cana do acar, com 9 a
10 horas de trabalho dirio, de que procuravameximir-se chegada,
quando se apercebiam da dura realidade.Sempre que tinham acesso aos
consulados, muitos emigrantes recusavam o primitivo destino -no
raras vezes, fazendas que no existiam -, obtendo novos contratos,
ou preferindo ficar l ivres , porsua conta e risco. Outros, optavam
por fugir.Como sabemos, na dcada de 186 o , este tipo de colonizao
vai praticamente desaparecer.As colnias extinguiram- se, como
aconteceu no Maranho, no Cear, em Pernambuco, no Par,Amaznia e na
Baa, no havendo, por 187 0 - 1872, nestes territrios, segundo os
cnsules portugueses,colonos contratados.Registe- se, finalmente,
que nem todos os imigrantes que trabalhavam a terra eram
colonos.Emigrantes portugueses havia que trabalhavam nas fazendas -
refere Jorge Alves -, como em SoPaulo, livremente, contratados p
ara certas funes como a cultura ou colheita do caf, preparao
dosterrenos, queimadas, dispondo, no raras vezes, de hortas para s
i prprios. E, p or outro lado, que oscolonos que eram oficiais
mecnicos - canteiros, pedreiros, rebocadores, carpinteiros,
ferreiros etc. -tinham sempre horrio de trabalho mais reduzido e
salrio mais elevado.Em segundo lugar, os caixeiros, ou seja, os que
trabalhavam nos centros urbanos, nas ativi dadesligadas ao sector
tercirio, os que garantiam o essencial da designada "em igrao
clssic'.Os emigrantes legais do Norte de Portugal, at 1840 - refere
o Dirio do Governo - , dedicavam-se maioritariamente ao comrcio,
sendo poucas as casas de negcio do Rio de Janeiro que no tinham 30.
30 JOS JOBSON D E. A. ARRUDA VERA LUCIA A. F E R U N I MARIA IZI
LDA S. DE MATOS FERNANDO DE SOUSA (ORGS.)um ou mais caixeiros
portugueses, registando-se at responsveis de casas comerciais.
Contudo, nadcada de ISso - refere o cnsul do Rio de Janeiro - os
lugares de caixeiros, reservados aos portugueses,passaram a ser
reclamados pelos mineiros e a proporo dos indiferenciadas no
conjunto dos queemigravam do Norte de Portugal no parou de
crescer.Esta tradio dos emigrantes portugueses sados do Norte de
Portugal, que sabiam ler e escreverse dedicarem no Brasil,
preferencialmente, ao comrcio, vai manter-se ao longo do sculo
XIX.Por IS7o- IS72, na Amaznia, no Par, na Baa, no Maranho, no
Cear, predominavam os caixeirose negociantes. O mesmo acontecia em
Pernambuco, onde 6o% dos que chegaram, entre IS62-IS72,eram
menores, trabalhando como caixeiros e feitores.Em terceiro lugar
encontramos os "artistas mecnicos': os pedreiros, carpinteiros,
ferreiros etc.,sados do Norte de Portugal, que ganham expresso
significativa a partir da dcada de IS4o, seguindo-se,
posteriormente, os alfaiates e sapateiros. Todos se dedicam a
trabalhar nos centros urbanos, livrementeou a contrato, com horrios
aceitveis e remuneraes considerveis. Todos eles encontramemprego
imediato, com soldadas e j ornais muito vantaj osos, ficando com S
o o a I o o o ris dirioslivres - referem os nossos diplomatas no
Brasil, nos finais da dcada de ISso.Em quarto lugar temos os
emigrantes indiferenciadas que trabalham nas cidades, os
serviais,aguadeiros, carreteiros, criados/criadas, empenhados nos
servios domsticos, que no sabem lernem escrever e que vivem com
dificuldade. Com efeito, nos centros urbanos, os portugueses
ocupavam-se dos mais diversos servi os, substituindo ou competindo
no raras vezes com os escravos. Porexemplo, refi ra-se o servio de
fornecimento de gua s habitaes, atravs de pipas transportadas
emcarroas, no Rio de Janeiro, no qual trabalhavam 10 o o o
africanos, que passou a ser garantido poraorianos, a partir da
dcada de IS4o, o mesmo acontecendo com outros meios de transporte
destinadosa obras.Os rapazes eram contratados por dois anos p ara
servios domsticos , lavoura ou ofcios mecnicos,p agando o custo das
suas p assagens com IS meses de servio - anota-se em meados dosculo
x r x .Em ltimo lugar, detetam-se os emigrantes desempregados, que
erravam pelo Rio de Janeiro epor outros centros urbanos, entre os
quais os vadios e as crianas. Os aliciadores no se preocupavamcom o
perfil das pessoas que recrutavam, uma vez que no mercado
brasileiro o preo era o mesmo.O cnsul em Pernambuco refere, a certo
momento, que se tinha feito um grande recrutamento na cidadedo
Porto na "escria da sociedade ou escuma de vadios': E o conde de
Tomar aponta um grandenmero de crianas no Rio de Janeiro,
principalmente das ilhas aorianas, sem proteo, convivendocom os
escravos, em elevado grau de desmoralizao e barbarizao.Torna-se
evidente que a s ituao do em igrante portugus no Brasil se degrada
medida queavanamos no sculo XIX, a substituir a mo-de-obra escrava,
que vai diminuindo medida que otrfico negreiro, aps ISso, se reduz
fortemente. 31. DE COLO N O S A I M I G R A N T E S 3 1Em 1872, o
cnsul-geral portugus no Rio de Janeiro e outros cnsules em vrias
cidades doBrasil fazem um balano da emigrao portuguesa para aquele
pas.Os imigrantes, na maior p arte, no sabem ler nem escrever.
Aqueles que sabem ler e escrever,no contratados em Portugal, vo
para o comrcio. Os que tinham profisso iam p ara oficiais
mecnicos.Os menos qualificados, nomeadamente os menores,
destinavam-se a ocupaes domsticas.Era rarssimo o caso dos
imigrantes contratados regularmente. A maior p arte era engaj ada
verbalmenteou por escrito, mas sem as formalidades legais. Nesta
situao, eram obrigados a trabalhardois ou trs anos por 300 ris
fracos, quando o salrio regular era, no mnimo, o dobro. No final
docontrato, registavam ainda dvidas elevadas aos engaj adores ou
locatrios, sendo obrigados a renovaremos contratos ou a fugirem,
suj eitando-se, neste caso, a serem presos e condenados a
trabalhospblicos. Fazendeiros portugueses existiam no interior do
Brasil, mas constituam a exceo. Nasfazendas, a situao dos colonos
portugueses estava dependente dos seus proprietrios, havendo
nasfazendas de caf exemplos de bom tratamento.Em suma, o emigrante
educado e apto para trabalhar no comrcio e na indstria tinha
empregoe sucesso, mas era "a menor parte dos imigrantes".No Rio de
Janeiro existiam muitos portugueses vivendo na misria, em
"cortios", cubculosimundos, sem luz, mal arej ados - semelhana das
"ilhas" do Porto e dos ptios de Lisboa, acrescentamosns. Numerosas
mulheres portuguesas pagavam tributo prostituio.No Maranho, muitos
dos menores que chegavam no sabiam ler. Porm, a maior parte dos
quechegavam, dedicavam-se ao comrcio, no havendo emigrao
clandestina.No Cear, os emigrantes contratados, na dcada de 186o,
caram significativamente, menos desoo/o dos que tinham entrado.Em
Pernambuco, onde a emigrao clandestina era insignificante, 6 o o/o
dos que entravam,vindos sobretudo do Minho, eram menores,
destinando -se a c aixeiros e feitores. Comentava o cnsula
instalado que estes rapidamente tomavam "amor ao B rasil" e quem
tinha algum dinheirocasava com brasileiras.Em Salvador da Baa -
refere Tania Gandon - , na segunda metade do sculo X I X , os
lusosdedicavam-se fundamentalmente atividade martima e comercial,
ou seja, "a esmagadora maioria"eram caixeiros, oriundos, sobretudo,
do Porto e do Norte de Portugal.Co nclusoN o sculo X I X , aps a
independncia do Brasil, detetam -se facilmente, como escreveu
CostaCabral em 1859, "grandes preconceitos contra tudo o que
portugus': sendo obrigados a condescendercom eles, "os homens
pblicos e o imperador, para no p erderem o apoio das massas
indgenas':Apesar desse evidente anti-lusitanismo, a emigrao
portuguesa para o Brasil no parou de aumentar,de tal forma que, na
dcada de 1860, um cnsul portugus no Brasil afirmava que a
emigraoportuguesa para aquele pas nunca cessaria. 32. 3 2 JOSf
JOBSON D F A. ARRUDA VERA LUCIA A. FERUNI MARIA IZI LDA S. DE MATOS
FERNANDO D E SOUSA (ORGS.)Como refere o Governo brasileiro, o
Governo portugus conhecia srias dificuldades "em contrariara
tendncia natural que tem a populao do Reino para abandonar a terra
natal e vir ao Brasilem busca de melhoramento da sorte':Como
caracterizar globalmente este fenmeno? No simplifiquemos a
resposta, mas esbocemosalgumas concluses.Quem emigra sabendo ler e
escrever tem condies de sucesso. O mesmo acontece com os
emigrantesque tm profisso bem definida, quer contratados, quer no.
E com aqueles que dispem demeios para p agar a passagem, garantindo
assim, chegada, a capacidade de escolha quanto ao setorde atividade
em que pretendem inscrever-se.Os trabalhadores rurais, os
indiferenciadas, os que para sarem do Reino tm de assinar
contratosde locao violentos e se destin am ao campo, s fazendas,
substituindo ou rivalizando com otrabalho escravo, vivem em condies
duras, de que no se libertam com facilidade. No esqueamos,porm ,
que a m isria era a causa suprema desta emigrao rural - escreve
Alexandre Herculano.No Brasil oitocentista, o litoral e a cidade
libertam, o interior e as fazenda escravizam. Apesardisso, os
colonos afluem ao Brasil com "espontanei dade", como refere uma
fonte oficial p ortuguesa,no havendo assim necessidade, por parte
do governo brasileiro, de desenvolver quaisquer esforosp ara os
recrutar. Como escreveu o conde de Tomar, os interesses individuais
de p ortugueses ebrasileiros, os interesses de vrias reparties e de
funcionrios pblicos, assim como o i nteressedo Governo do Imprio,
conjugavam -se p ara proteger o trfico clandestino ou semi-ilegal
dos colonos. . . os quais valiam menos do que o s escravos. Em
meados do sculo xrx, um escravo custava1,5 a 2 contos de ris. Um
colono portugus - continua Costa Cabral - custava o preo da
passagem,o u seja, 100 ooo a 120 ooo ris. S e morria um colono o
Brasil nada perdia. S e morria um escravop erdia "um bom
capital':No menosprezemos as condies de trabalho penosas e os
abusos e violncias de que muitosemigrantes, nomeadamente os
colonos, os menores e as mulheres, se queixavam. Nem a misria emque
muitos deles caram, mendigando ou vegetando nos "cortios" do Rio de
Janeiro.H certamente, como aconteceu com a histria trgico-martima
dos Descobrimentos p ortugueses,uma histria trgico-terrestre da
emigrao portuguesa para o Brasil.Mas relativizemos tais situaes. As
condies de trabalho e os abusos tambm existiam emPortugal,
nomeadamente no Norte de Portugal, mas, sobretudo, nos Aores, onde
a servido permanecia.E a vida nos "co r tios" no seria muito
diferente dos "bidonvilles" s p ortas de Paris, queos portugueses
habitaram na dcada de 19 60, ou dos bairros de lata em que
portugueses e africanosviviam at h 20 anos em Lisboa e
arredores.Apesar de todos os artigos publicados na imprensa da
poca, das listas de portugueses mortosno Brasil publicados no Dirio
do Governo e nos j ornais, apesar das homlias dos sacerdotes
contraa emigrao, apesar das invectivas, denncias e retrica dos
polticos, e apesar da inegvel h ostilidadeda opinio pblica
brasileira quanto aos p ortugueses, a emigrao portuguesa p ara o
Brasil no 33. DE COL O N OS A I M I G R AN T E S 3 3deixou de
crescer ao longo de todo o sculo XIX e primeira parte do sculo xx,
a denunciar que oi n fe rn o d o Brasil, apesar de tudo, era mais
atraente que o cu de Portugal.Por que seria?Fon tesBoletim de
Emigrao, 1919-1933, Ministrio do Interior, Comissariado Geral dos
Servios daEmigrao/Inspeo Geral dos Servios de Emigrao. Lisboa:
Imprensa Nacional.Commisso Parlam en tar para o Estudo da Emigrao
Portugueza, 1 885. Documentos apresentados Cmara dos Senhores
Deputados e por ella mandados publicar na sesso legislativa de 1
886.Lisboa: Imprensa Nacional, 1886.Documentos apresentados s
Cortes na sesso legislativa de 1 874 pelo ministro e secretrio de
Estado dosNegcios Estrangeiros. Emigrao Portugueza. Lisboa:
Imprensa Nacional, 1874.HERCULANO, Alexandre. A Emigrao
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s/d.ORTIGO, Ramalho. "Carta ao Sr. Ministro do imprio do Brasil em
Lisboa. A teoria do ridculo"( 1872) . ln: O RTIGO, Ramalho. As
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em Lisboa. Guia deste viaj ante . . . " (1872) . ln: O RT I
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35. DE COL O N O S A I M I G R A N T E S 3 5- "A presena portuguesa
no Rio de Janeiro segundo os censos de 1872, 1890, 1906 e 1920:
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3 6 JOS J O BS O N D E A. ARRUDt, V E HA l UCA A. " E R U N I MARIA
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cia d o co n ce i to d e e m i g ra n te e a po ltica d e e m i g
ra oMiriam Halpern PereiraC E H C/ISCTE- I U LN A S suAs M EMRIAS,
ESCRITAS E M 1848, Palmela refere-se permanncia d o s liberais em
Londres eParis, durante o perodo miguelista, como a "emigrao':
Escrevendo um sculo mais tarde, em 1946,Vitorino Nemsio deu o ttulo
de Exilados ao seu livro sobre as principais figuras p oliticas que
se refugiaramem diferentes pases durante o perodo miguelista.
Ferreira de Castro escrevera Os emigrantesem 1928. A separao de
guas fizera-se no plano lingustico, destacando dois fenmenos
sociolgicosdiferentes. Nos anos 6 o do sculo vinte, quando eu vivia
em Frana, expliquei ao meu filho que eleera filho de emigrantes,
tal como outras crianas da sua escola. Isto viria a darazo a viva
discussocom um rapaz francs, amigo do meu filho, a quem os pais h
aviam explicado que justamente ns noramos imigrantes, pois no
trabalhvamos na construo civil!Na primeira metade do sculo
dezanove, a p alavra emigrante referia-se a quem tivesse
sidoconstrangido a abandonar o pas, independentemente do motivo e
do estatuto social. Com as grandesmigraes transatlnticas tudo iria
mudar. A questo que abordarei aqui , neste texto, a correlaoentre a
mudana da composio s ocial da emigrao, a sua intensificao e a
evoluo doconceito de emigrante na linguagem administrativo-poltica,
aqui considerada essencialmente dolado portugus , esperando que
pesquisa futura viabilize a comparao com a categoria j urdica
deimigrante no Brasil.Para situar a questo, principiarei por
invocar as grandes linhas do movimento migratrio,cuj os marcos
determinantes se situam principalmente no pas ou pases de destino,
em que o Brasilocupou lugar dominante. Independncia, abolio do
trfico negreiro, supresso da escravatura constituramos grandes
pilares p olticos e sociais da nova sociedadena qual sucessivas
vagas de populaoeuropeia se inseriram . Na primeira metade do sculo
XIX, a incidncia do passado colonial nomovimento migratrio entre
ambos os pases peninsulares e a Amrica do Sul foi p
articularmenteacentuada O relacionamento entre os pases recm
-constitudos e os cidados das ex-metrpoles foiinicialmente
atravessado por atitudes e medidas de hostilidade e violncia, por
vezes extremas. Os espanhis foram expulsos do Mxico em 1829 e em
vrios outros pases americanos de lngua espanhola 38. 3 8 JOS J O
BSON D E A. ARR U DA VERA LUCIA A. F E RLI N I MARIA IZi LDA S . D
E MATOS F E R N A N D O DE SOUSA (O RGS.)viram-se constrangidos a
partir para outros pontos do mundo, raramente regressando ao p as
deorigem. A grande vaga emigratria espanhola, independentemente do
destino, foi muito mais tardiaque a portuguesa e a italiana,
situando-se o seu pico no incio do sculo xx, apesar da suspenso
porEspanha da anterior proibio de emigrar em 1853 e das facilidades
de integrao oferecidas pelaArgentina nesses anos do meio do sculo.
A sua distribuio geogrficaviria a ser diferente da prevalecentena
poca colonial, desap arecendo a anterior preferncia pelo Mxico.No
caso p ortugus, a preferncia pelo Brasil manter-se-ia at meados do
sculo xx, embora oanti-lusitanismo tenha assumido forma violenta
nesta antiga colnia, nomeadamente em 1827-1831,quando ocorreram
diversas chacinas de p ortugueses em vrios pontos do pas e dos
incidentes violentosno nordeste brasileiro na dcada de 8o. A figura
do antigo colonoesteve associada ao comerciante,a quem se atribua a
carestia, e a homens p olticos que rodearam D. Pedro 1 , gerando-se
a suspeitade traio nacional em torno da figura imperial e
contribuindo para sua demisso e abandono doBrasil. Entretanto a
tradio de i ncentivar a vinda de estrangeiros principiara desde l
ogo com D. JooVI, nomeadamente para valorizar artisticamente a nova
capital do Imprio. Por sua vez, a vontade eanecessidade de fixar e
atrair p opulao branca, europeia, levou desde o incio do Estado
brasileiro, afacilitar o acesso nacionalidade e cidadania. Logo na
Constituio de 1824, se abria a possibilidadede opo pela
nacionalidade brasileira a todos os portugueses residentes que no
se opusessem ao regimepoltico. Nos anos subsequentes diferentes
medidas estabeleceriam prazos curtos de residncia,de dois anos,
para o acesso nacionalidade brasileira.Como hoj e j consensual,
embora porventura os brasileiros tivessem preferido a vindade
emigrantesdo norte da Europa, foram efetivamente os portugueses a
mais consistente e quase contnuacorrente emigratria, nomeadamente
antes da grande vaga dos anos 8o, quando chegaram os
italianos,seguidos pelos espanhis duas dcadas mais tarde. Na
primeira vaga de portugueses ps-independnciaobserva-se um leque
variado de ofcios: artesos, caixeiros, comerciantes de vrios ramos
."Sem os braos p ortugueses e s e m o concurso principalmente d o s
que exercem ofcios mecnicos, ostrabalhos respectivos teriam de
parar ( . . . ) ", informaria o Conde de Tomar ao Duque da Terceira
em1859, acrescentando " ( . . . ) Os mineiros so j grandes
competidores dos lugares de caixeiros ( . . . )".2Mas comeavam j
ento a chegar os camponeses que iam trabalhar nas zonas de caf, na
regio doRio, de S. Paulo ou de Minas.D uas leis foram decisivas no
moldar do espao social no qual a populao branca e
estrangeira,recm-chegada, se deveria integrar. A lei de contratao
de servios de colonos de1837, reservada a estrangeiros,refere-se a
colonos em regime de parceria. Note-se aqui do lado brasileiro, o
uso da palavracolono e no de emigrante, a prpria agncia estatal de
promoo da emigrao, designar-se-ia de colonizao.Ao lado dos
fazendeiros portugueses instalados de longa data, como Vergueiro,
surgiram entoPara este pargrafo e seguintes foram essenciais:
IUBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construo: identidade
!lacionale conflitos anti-lusitanos no Primeiro Reinado . Rio de
janeiro, 2002, principalmente captulos 1 e 2; MENDES, Jos
SachettaRamos. Laos de sangue: privilgios e intolerncia imigrao
portuguesa no Brasil. Porto: C E PESE, 2010.2 PEREIRA, Miriam
Halpern. A poltica da emigrao. So Paulo: Edusc, 2002, p. 161. 39.
DE COLONOS A I M I G R A N T E S 3 9iniciativas de emigrantes mais
recentes. Foi o caso da interessante corrente de migrao
lousanense,desencadeada por Montenegro, um emigrante vindo da regio
da Lous nos anos 40 como caixeiroviajante. Enriquecera, comprara
uma fazenda que chamou Nova Lous e, beneficiando dos
incentivosfinanceiros para avinda de colonos, estabeleceu uma
corrente migratria durante vrias dcadas, graasao seu renome como
benemrito na regio de origem e tambm ao original mtodo de renovao
damo de obra, mediante o pagamento do retorno queles que lhe fossem
fiis durante 6 anos, o que tinha0 efeito de estimular a vinda de
novos emigrantes em substituio dos retornados.3Com a lei das terras
em 1850, quelimitou o acesso terra sua aquisio onerosa, em
contrastecom a legislao de outras zonas americanas, da Argentina
aos E UA , experincias como estatornaram -se raras. O emigrante ou
ficava em meio urbano ou era encaminhado para a grande
lavoura,tornando-se um trabalhador assalariado. A abolio do trfico
negreiro tornara o trabalhadoreurope