7/28/2019 Democracia Indirecta
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Um sistema - qualquer que ele seja - tem no cerne da sua existncia apreocupao da noo de responsabilidade: saber quem responsvel perante
quem e em que termos. Algum s pode ser responsabilizado perante outro
medida das responsabilidades que esse outro lhe tiver investido - se e quando o
tiver sido. Ora, porque que um deputado ou um governo no podem ser
demitidos pelo "povo"? A explicao reside no facto deles no serem responsveis
perante ele mas sim perante o sistema institucional vigente.
De facto, no se faz apelo ao voto popular com vista a responsabilizar osdeputados e o Governo dado que o voto s exercido em duas situaes muito
concretas: para escolher um partido de acordo com o seu programa eleitoral (afim
deste assumir funes na autarquia ou nas instituies nacionais) e para eleger o
nico personagem poltico eleito ao sufrgio universal - o Presidente da
Repblica. Pelo exerccio do voto do povo portugus no directamente eleito
nem o Primeiro-Ministro, nem os membros do Governo, nem mesmo os
deputados da Assembleia da Repblica (dita casa do povo). Os deputados da AR
so escolhidos pelos partidos (na proporo de votos que cada partido colheu), o
Primeiro-Ministro escolhido pelo partido mais votado (apesar de, partida,assumirmos que s-lo- o seu secretrio geral) e os membros do Governo so
nomeados pelo Primeiro-Ministro que foi escolhido pelo partido.
Tanto o Primeiro-Ministro como os membros do Governo so igualmenteempossados pelo PR pelo que todos so responsveis tanto perante a AR (na
verdade, a casa dos partidos) como perante o PR mas no perante o povo que
nunca os elegeu.
til precisar que, mesmo o Presidente da Repblica que, como dissemos, o nico personagem poltico a ser directamente eleito pelo voto, antes demais
um candidato presidncia que o prprio Partido escolheu previamente.
Todos (AR, PR e Governo) podem teoricamente ser responsabilizadosperante a justia. Mas convenhamos que, para alm desta no ser uma
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responsabilidade poltica/democrtica, tambm uma responsabilidade
relativamente marginal e incua: a mentira poltica no objecto de qualquer
sano penal e mesmo a corrupo pode comprar a justia e manipular nmeros
inscritos em papel. Veja-se pelos escassos casos em que um poltico sofreu
sanes de caracter civil ou penal.
Cabe por fim ainda dizer que, mesmo no que se refere s estratgiaspolticas, o povo no tem voto quer nas coligaes partidrias, quer nas medidas
polticas empreendidas pelo Governo. Em suma: o povo, no exerccio peridico do
seu voto, no escolhe seja o que for (para alm do PR).
Por isto contesto a noo de que Portugal seja uma democraciarepresentativa. No o . Para o ser, os representantes do Povo teriam de ser
eleitos. Quando, na verdade, eles no o so. Portugal uma democracia indirecta,
ou seja, o povo vota em algo (o partido), um algo que depois nomeia livremente
quem quiser. Todavia uma democracia indirecta no , na verdade, democracia
alguma. Tal seria afirmar que, estando eu preso, poderia ser livre por intermdio
daquele que est do lado de fora da priso. Faz sentido? Obviamente que no.Vivemos sim numa ditadura partidria e nunca, em circunstncia alguma, numa
democracia.
Porqu que no se responsabiliza mais o povo Portugus com o exercciodo voto? Na verdade, o Estado portugus considera a colectividade popular como
um infante, que se alimenta de leite, e que no propriamente responsvel. Um
infante que precisa de um Pai que cuide dele e que sabe, como ningum, o que
melhor para si. Tanto que o Estado, perante uma ameaa sade ou ordem
pblica, no adopta iniciativas ldicas ou pedaggicas de preveno, de
desarticulao e de condenao do risco. Ele simplesmente probe e sanciona. Sai
mais barato e o infante no cresce. Se assim no fosse, alis, j no estaramos na
dependncia do Pai...
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E este "pai" no uma ideia muito distante do "padre" (pater) da igreja. Pelocontrrio: o Estado Deus e os seus trs poderes (executivo, legislativo e
judicirio) so uma santssima trindade governativa. As pessoas que exercem
esses poderes at so vistos como "estando l em cima", no "poleiro".
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