Programa de Pós Graduação em Geografia: Tratamento da Informação
Espacial
Alecir Antonio Maciel Moreira
identificando valores
Belo Horizonte
identificando valores
Geografia - Tratamento da Informação Espacial da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para obtenção do título de
Doutor em Geografia.
Belo Horizonte
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais
Moreira, Alecir Antonio Maciel
M838d Desafios à conservação na Bacia do Paraopeba-MG:
identificando valores /
Alecir Antonio Maciel Moreira. Belo Horizonte, 2015.
287 f. : il.
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Geografia - Tratamento da Informação
Espacial.
1. Bacias hidrográficas – Conservação. 2. Paraopeba, Rio (MG) -
Conservação.
3. Organismos aquáticos. 3. Recursos hídricos. 4. Proteção
ambiental. I. Diniz,
Alexandre Magno Alves. II. Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Geografia - Tratamento da Informação
Espacial.
III. Título.
CDU: 556.51
identificando valores
Geografia - Tratamento da Informação Espacial da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para obtenção do título de
Doutor em Geografia.
________________________________________________________
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Belo Horizonte, 21 de agosto de 2015.
À minha mãe, pelo apoio incondicional
e por me dar todas as referências do Paraopeba.
AGRADECIMENTOS
Serendipity é uma expressão inglesa que não encontra tradução
perfeita para o
português. Ela remete às descobertas afortunadas feitas,
aparentemente, ao sabor do acaso.
Talvez o tema aqui tratado seja um desses casos. Uma descoberta
afortunada que me permitiu
escrever sobre um tema e uma causa nos quais aprecio e acredito.
Afortunada também por ter
podido, de alguma forma, retornar na forma de trabalho material o
afeto que sempre tive por
esse vale – o Paraopeba. Reaprendi aqui que o Paraopeba são, de
fato, três. E o que fala mais
de perto ao meu coração é o baixo. Lá pelos lados do Mocambo, da
Lapa, do Cedro Velho, do
saco da Pedra aprendi a ter uma relação de afeto com a natureza.
Encontrei na aspereza do
cerrado, a paisagem da minha infância, beleza e inspiração sem fim.
E com certa tristeza pude
vê-la desaparecer aos poucos. Lá, peguei o gosto por escutar e
contar “causo”. E quanto
“causo” tem! Tem a luz andeja, que ainda amedronta quem costuma
passar nas estradas a
noite; história de assombração do casarão da fazenda do Mocambo
(que nem está mais de pé);
tem o pequizeiro em forma de cruz (também mau assombrado). Agora,
revisitar tudo isso com
outro olhar,foi um desses casos de serendipity. Faz-me pensar em um
compromisso espiritual
com essa terra. E esse será mais um “causo” que terei para contar.
Então, para começar, só
posso agradecer a Deus pela oportunidade que essa vida me
deu.
À minha família pelo suporte. Mãe, irmãs, sobrinhos, Soraia, pelo
amor incondicional.
Agradeço ao meu orientador Alexandre Magno Alves Diniz, pelo
estímulo e pelos
empurrões ao longo do tempo, pelos conselhos e por me fazer
acreditar que era possível. Não
posso deixar de agradecer, nessa passagem, ao Prof. Oswaldo Bueno
Amorim Filho (meu
primeiro orientador) pelos mesmos motivos.
À Fundação Biodiversitas pela cessão do banco de dados para a
realização da
pesquisa. Nesse grupo, vai o obrigado especial à Gláucia Moreira
Drummond, ao Cássio
Soares Martins, à Roberta Maini. Sem vocês não teria sido possível.
Agradeço ao Marcos
Coutinho pela cessão das fotos do sobrevôo à bacia.A Adriano
Paglia, Markus Gastauer,
Gustavo Pezzuti, Alexandre Salino e Gustavo Malacco.
Ao CEDEFES, Ministério do Meio Ambiente, IEF, IEPHA, IPHAN
pela
disponibilização dedados que subsidiaram a construção do banco de
dados da pesquisa.
Aos meus amigos, pela paciência e pela compreensão das minhas
ausências. Em
verdade meu coração nunca esteve ausente. Em especial, agradeço ao
Flávio Cândido pelo
apoio e pelo estímulo. Ao Eduardo Garcia pela viagem à Pontinha e
pelas fotos. Obrigado
Luís Cláudio!
Aos meus colegas José Flávio Morais Castro e João Henrique Rettore
Tuttore pelas
orientações e conselhos. Aos professores colegas do Colegiado do
Curso de Geografia pelo
apoio, Marcelo Eduardo Zanetti, Magda Maria Diniz Tezzi e César
Azevedo Carneiro. Ao
Rodrigo Teixeira, meu sincero agradecimento. Tem um pouco de vocês
aqui!
ABSTRACT
Paraopeba’s river basin population exceeds 2.000.000 inhabitants,
in 48 municipalities
(IBGE, 2010). Its’ middle valley concentrates 1.500.000
inhabitants, the major number of
registered users of state water resources: industries, farms,
companies (CBH-Paraopeba,
2011), and generates about 45% of the state gross product.
Paraopeba’s river basin Rio
Manso, Várzea das Flores and Serra Azul reservoirs provide 60% of
water consumption of
Belo Horizonte’s Metropolitan Area and 9,1% of the average flow of
San Francisco river in
its mouth (Pereira, 2004). Despite of this strategical value, there
is a continuous fall in its
water quality standards. Climatic fluctuation in recent years dried
out the main source of the
river by January 2015. Originally covered by the biomes Mata
Atlântica and Cerrado, the
basin carries out an historic of vegetation and habitats
suppression, given the long lasting
occupation and its functionality in the state context. Precisely in
the basin scale, little is
known about the extinction threat over species. Despite of that,
studies point to the existence
of significant biodiversity in restricted areas. The overall goal
of this research is to identify
high conservation value areas in Paraopeba river basin. The
hypothesis is that high
conservation value areas are scarce and geographically irregularly
distributed. The option for
the Paraopeba basin as territorial basis of the research is due to
its’ social, economic and
geographic values in the state context. Methodological option fells
on the adaptation of HCVs
High Conservation Values (HCV) Methodology, originally from Forest
Stewardship Council
(FSC), the British forest service; on the Environment and
Sanitation Vulnerability Index
(IVSMA), originally developed on Economy Department of Mackenzie
University in São
Paulo. High Conservation Values considered were: the existence of
native vegetation cover
fragments; wealth on target-species (extinction threatened, rare,
endemic, restricted
distribution of biotic groups: angiosperms, ferns, mammals, birds,
reptiles and amphibians;
hydrogeological potential of planning unities, traditional
communities, rare environments and
archaeological sites; material heritage and potential connectivity.
According to the historical
patterns of occupation, there is little native vegetation cover to
be protected. And alarming is
its’ extreme fragmentation. An expressive wealth of target-species
is still found, especially on
the eastern border of the basin and some areas ate strategically
important for water resources
protection. The existence of cultural, artistic and historic
heritage is important and considered
able to produce synergies in the sense of promoting sustainable
development to the basin. To
mobilize elements of geographic space is a managing task that can
contribute to
conservationon basin basis.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Mapa da bacia do rio Paraopeba-MG: ottobacias
........................................... 139
Figura 2 - Mapa de localização da bacia do rio Paraopeba no estado
de Minas Gerais 144
Figura 3 - Mapa do Índice de Desenvolvimento Humano na bacia do rio
Paraopeba nos
anos 2000
...............................................................................................................................
146
Figura 4 - Mapa do Índice de Desenvolvimento Humano na bacia do rio
Paraopeba nos
anos 2010
...............................................................................................................................
147
Figura 5- Serra de Ouro Branco
.........................................................................................
149
Figura 6 - Foto áerea da mineração de Itabirito aos pés do pico de
mesmo nome ......... 150
Figura 7 - Mapa Geológico da bacia do rio Paraopeba (MG)
.......................................... 151
Figura 8 - Mapa de Unidades Hidrogeológicas da bacia do rio
Paraopeba (MG) ......... 153
Figura 9 - Foto do aspecto da morfologia do baixo Paraopeba
........................................ 155
Figura 10 - Mapa Hipsométrico da bacia do rio Paraopeba (MG)
.................................. 156
Figura 11 - Foto do Rio Paraopeba ao cruzar o alinhamento do Curral
........................ 157
Figura 12 - Foto aérea do alinhamento da Serra do Curral
............................................. 158
Figura 13 - Foto da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, na
comunidade quilombola
de Boa Morte – Belo Vale (MG)
..........................................................................................
166
Figura 14 - Mapa da riqueza total de espécies distribuídas por
município .................... 173
Figura 15 - Mapa da distribuição deRiqueza total de espécies de
angiospermas por
Municípios
.............................................................................................................................
175
Figura 16 - Mapa de registro de espécies alvo de angiospermas na
bacia ...................... 176
Figura 17 - Mapa da distribuição de riqueza de espécies de
pteridófita por município 179
Figura 18 - Mapa da Distribuição de espécies-alvo de pteridófita na
bacia do Paraopeba
................................................................................................................................................
180
Figura 19 - Mapa da distribuição de riqueza de espécies da
mastofauna por município
................................................................................................................................................
183
Figura 20 - Mapa da Distribuição de espécies-alvo da mastofauna na
bacia do
Paraopeba
..............................................................................................................................
184
Figura 21 - Mapa da distribuição de riqueza de espécies da avifauna
por município ... 187
Figura 22 - Mapa da Distribuição de espécies-alvo da avifauna na
bacia do Paraopeba
................................................................................................................................................
188
Figura 23 - Mapa da distribuição de riqueza de espécies da
herpetofauna por município
................................................................................................................................................
192
Figura 24 - Mapa da Distribuição de espécies-alvo da herpetofauna
na bacia do
Paraopeba
..............................................................................................................................
193
Figura 25 - Mapa de espécies da fauna ameaçadas da bacia do rio
Paraopeba, segundo o
Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção
.......................................... 196
Figura 48 - Mapa dos tetos orográficos da bacia do rio Paraopeba.
Foram considerados
tetos orográficos todas as superfícies cuja altimetria fosse
superior a 1000m ................ 224
Figura 49 - Mapa de tetos orográficos por ottobacia, normalizado
para a bacia do rio
Paraopeba
..............................................................................................................................
225
Figura 50 - Foto de mineração de calcário no município de Fortuna
de Minas, no MRP.
A intensificação da mineração do calcário, nos últimos anos guarda
relação com a
aceleração do crescimento econômico. O calcário é insumo importante
para a indústria
da construção civil
................................................................................................................
226
Figura 51 - Mapa de potencial hidrogeológico por ottobacia,
normalizado, para a bacia
do rio Paraopeba
...................................................................................................................
227
Figura 52 - Mapa síntese de HCV4 para a bacia do rio Paraopeba. As
ottobacias mais
importantes para a conservação dos recursos hídricos encontram-se
relativamente
dispersas
................................................................................................................................
229
Figura 53 - Índice de Vulnerabilidade de Saneamento Básico e Meio
Ambiente dos
Municípios da Bacia do Paraopeba, ano 2000
...................................................................
232
Figura 54 - Índice de Vulnerabilidade de Saneamento Básico e Meio
Ambiente dos
Municípios da Bacia do Paraopeba, ano 2010
...................................................................
233
Figura 55 - Mapa Síntese HCV5 - Vulnerabilidade de infraestrutura
de saneamento e
meio ambiente (IVSMA) por ottobacia, normalizado, para a bacia do
rio Paraopeba . 235
Figura 56 - Mapa da distribuição de comunidades quilombolas na
bacia do rio
Paraopeba, normalizada, por ottobacias
............................................................................
238
Figura 57 - Foto da Igreja Nossa Senhora da Boa Morte – Comunidade
Quilombola da
Boa Morte – Belo Vale – MG
...............................................................................................
239
Figura 58 - Mapa de distribuição de bens materiais tombados, na
bacia do rio
Paraopeba (IEPHA, 2010)
...................................................................................................
241
Figura 59 - Mapa da distribuição de bens materiais tombados na
bacia do rio
Paraopeba, normalizada, por ottobacias
............................................................................
242
Figura 60 - Foto aérea do PESRM e minerações do entorno, tomada em
junho de2009. A
esquerda se observa o estreito interflúvio sobre o qual se assenta
a rodovia que corta a
UC. O PESRM é uma das poucas UCs de proteção integral da bacia do
rio Paraopeba
................................................................................................................................................
243
Figura 61 - Mapa de Unidades de Conservação na bacia do rio
Paraopeba e áreas
circunvizinhas- São 34 UCs onde a APEE Rio Manso é a de maior
extensão ................ 244
Figura 62 - Fotos do Faveiro-de-wilson (Dimorphandra wilsonii
Rizzini), espécie
ameaçada e rara
....................................................................................................................
246
Figura 63 - Frutos do faveiro-de-wilson
.............................................................................
247
Figura 64 - Pilhas de rejeito de ardósia, parcialmente colonizadas,
às margens do rio
Paraopeba. Papagaios-MG
..................................................................................................
249
Figura 65 - Foto de eucaliptal na região de Curvelo- MG
................................................ 249
Figura 66 - Foto de Maciços de eucalipto avançam por sobre áreas de
vegetação natural
de Cerrado no BRP
..............................................................................................................
249
Figura 67 - O cerrado está se tornando uma feição cada vez mais
rara no BRP. Sua
manutenção se deve sobretudo à exigência de formação de reservas
legais, conforme
reportado pelo Sr. Lico Rocha, proprietário da área, no município
de Curvelo ........... 250
Figura 68 - Mapa Síntese: Áreas de Alto Valor para a Conservação na
Bacia do Rio
Paraopeba
..............................................................................................................................
251
Figura 69 - Foto do Santuário do Bom Jesus do Matosinhos –
Congonhas – MG ......... 255
Figura 70 - Foto da Serra de Ouro Branco – MG
.............................................................
255
Figura 71 - Foto do Rio Paraopeba correndo em leito rochoso,
localidade de Maracujá,
próximo a sua nascente.
.......................................................................................................
256
Figura 72 – Divisão Fisiográfica da bacia do Rio Paraopeba
........................................... 287
LISTA DE QUADROS
Quadro 2 – Grau de Vulnerabilidade à Extinção
..............................................................
101
Quadro 3 – Relação entre Unidades Geológicas e Hidrogeológicas
................................. 133
Quadro 4 – Taxa de Recarga
...............................................................................................
134
Quadro 5 – Classificação de Unidades Hidrogeológicas como
possuidoras de elevados
valores de conservação
.........................................................................................................
134
Quadro 6 – Critérios para Construção do índice de Vulnerabilidade
em Infraestrutura e
Meio Ambiente
......................................................................................................................
136
Quadro 7 – Distribuição de Tipos de Solos na Bacia do rio Paraopeba
.......................... 160
Quadro 8 – Comunidades Quilombolas da Bacia do rio Paraopeba, por
município ..... 237
LISTA DE SIGLAS
ARSAE
Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de
Esgotamento
Sanitário
Apm Anticiclone Polar Móvel
APEM Área de Proteção Especial do Manancial
art. artigo
ANPEC Associação Nacional de Centros de Pós Graduação em
Economia
BRP Baixo rio Paraopeba
CEDEFES Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva
CECAV Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas
CBH Comitê de Bacia Hidrográfica
CPRM Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
CAD Computer Aided Design
CIBAPAR ConsórcioIntermunicipal da Bacia Hidrográfica do rio
Paraopeba
CDB Convenção da Biodiversidade
CR Criticamente em Perigo
FEAM Fundação Estadual do Meio Ambiente
FJP Fundação João Pinheiro
GEF Global Environmental Fund
GIS Geographic Information System
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IVSMA Índice de Vulnerabilidade em Infraestrtura de Saneamento e
Meio Ambiente
IVIMA Índice de Vulnerabilidade em Infraestrtura e Meio
Ambiente
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBDF Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IEF Instituto Estadual de Florestas
IEPHA Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico
IGAM Instituto Mineiro de Gestão das Águas
IUCN International Union for Nature Conservation
jan janeiro
jul julho
jun junho
L Leste
mai maio
mar março
NE Não Avaliada
NE nordeste
NO noroeste
N Norte
nov novembro
O Oeste
ONG Organização Não Governamental
PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar
PDRH Plano de Desenvolvimento de Recursos Hídricos
PNMA Política Nacional de Meio Ambiente
PDI Processamento Digital de Imagens
PIB Produto Interno Bruto
QF Quadrilátero Ferrífero
NT Quase Ameaçada
RL Reserva Legal
RESEX Reserva Extrativista
SEMA Secretaria Especial para o Meio Ambiente
LC Segura ou Pouco Preocupante
S/D sem data
SEUC Sistema Estadual de Unidades de Conservação
SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SIVMA Somatório do Índice de Vulnerabilidade em Infraestrutura e
Meio Ambiente
SE sudeste
SO sudoeste
S Sul
UC Unidade de Conservação
UP Unidade de Planejamento
ZEE Zoneamento Ecológico Econômico
2.1 Degradação ambiental e estratégias de conservação
..................................................... 45
2.2 Conservação na perspectiva de atores públicos e privados
.......................................... 58
2.2.1 O Brasil e a questão ambiental no sistema internacional
............................................. 59
2.2.2 Atores Internos e a proteção ao ambiente
.....................................................................
62
3 ASPECTOS LEGAIS DA CONSERVAÇÃO: A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL
BRASILEIRA
......................................................................................................................
71
3.2 A legislação e proteção ambiental de Minas Gerais
...................................................... 90
4 ASPECTOS TEÓRICOS E TÉCNICOS DA CONSERVAÇÃO
................................... 95
4.1 Breve contexto das pressões ambientais contemporâneas
............................................ 95
4.2Fundamentos da biologia da conservação
.......................................................................
96
4.3Aspectos geográficos da conservação
.............................................................................
102
4.4 O Pensamento Geográfico e a questão ambiental
....................................................... 111
4.5 Unidades de Conservação: objeto de análise geográfica
............................................. 114
4.6 A Teoria Geral de Sistema como Suporte Teórico-Metodológico
para o tratamento
das questões ambientais
..................................................................................................
115
4.7 O Geoprocessamento e o tratamento da informação espacial
.................................... 119
5 METODOLOGIA
..............................................................................................................
128
6.1 Localização da área de estudo
.......................................................................................
143
6.2 A fisiografia da bacia
......................................................................................................
148
6.3A geomorfologia da bacia do rio Paraopeba
.................................................................
154
6.4 Morfologias Especiais – feições
cársticas......................................................................
158
6.6Aspectos Bióticos da bacia do rio Paraopeba
................................................................
162
6.7O Paraopeba – Um pouco de história
............................................................................
163
7 IDENTIFICAÇÃO DE ÁREAS DE ALTO VALOR DE CONSERVAÇÃO NA
BACIA
DO RIO PARAOPEBA
.....................................................................................................
171
7.1.1 A flora da bacia
.............................................................................................................
172
7.1.1.1 Angiospermas da bacia do Paraopeba
....................................................................
172
7.1.1.2 Peridófitas da bacia do Paraopeba
.........................................................................
177
7.1.2 A fauna da bacia
...........................................................................................................
181
7.1.2.1A Mastofauna
.............................................................................................................
181
7.1.2.2A Avifauna
.................................................................................................................
185
7.1.2.3 A Herpetofauna
........................................................................................................
189
7.2 HCV2 – Áreas extensas no nível da paisagem, dotadas de
cobertura vegetal relevante
no contexto abordado, de modo a propiciar a manutenção de
populações viáveis de
espécies.
............................................................................................................................
201
7.3 HCV3 – Áreas que contenham ecossistemas únicos no contexto de
interesse, tais
como cavernas e sítios arqueológicos
............................................................................
210
7.4 HCV4 – Áreas que prestem serviços ambientais básicos em
situações de extrema
importância, tais como a captação de água e controle erosivo,
potencial
hidrogeológico, áreas de recarga e/ou nascentes.
......................................................... 222
7.5 HCV5 – O índice de Vulnerabilidade de Saneamento e Meio
Ambiente (IVSMA) . 230
7.6 HCV6 – Áreas de extrema importância para a identidade cultural
tradicional de
comunidades locais (áreas de importância cultural, ecológica,
econômica ou religiosa)
..........................................................................................................................................
236
7.7 HCV7 – Conectividade e Síntese: Áreas de Alto Valor de
Conservação na Bacia do
rio Paraopeba.
.................................................................................................................
243
Fonte: Carlos Bernardo Mascarenhas Alves, 2009.
INTRODUÇÃO
37
1 INTRODUÇÃO
O Rio Paraopeba nasce nas vizinhanças de Queluz e, após um curso de
cerca de 60
léguas lança-se no São Francisco, entre os rios Pará e Abaeté. As
margens do
Paraopeba, na parte mais próxima de suas nascentes, são tidas como
de grande
fecundidade, sendo elas que fornecem uma parte dos víveres que se
vendem em
Mariana, Sabará e na capital de Minas. O distrito de Paraopeba, diz
Eschwege,
poderá ser chamado o celeiro de Vila Rica... Mas aqui, acrescenta o
mesmo autor, o
mineiro e cultivador querem em um só ano tirar de seu terreno tudo
o que ele pode
produzir; é esse um dos traços do caráter nacional. Encorajado pelo
consumo de seus
produtos, e vivendo a hora presente, os agricultores vizinhos de
Paraopeba semeiam
mais do que pode comportar a extensão de suas propriedades; o solo
não tem tempo
para produzir novas matas e, como nunca é adubado, desseca-se,
esgota-se...e
campos fecundos se transformam logo em um carrascal de samambaias e
gramíneas
de má qualidade. Tal é o estado em que se encontra hoje a maior
parte da região de
que se trata. (SAINT-HILAIRE, 1830, p.101).
O relato da viagem de Saint-Hilaire às Minas Gerais no início do
século XIX é de
extraordinária atualidade. A presença constante das lavras de
minerais diversos e um
descontínuo de campos cultivados e pastos maltratados se alternam
no diário de viagem. Mas
a riqueza biótica, as matas e as montanhas se assemelham a uma obra
de ficção. No longo
lapso do tempo passado, a bacia do Paraopeba parece ter repetido a
vocação funcional
herdada no processo de conquista e colonização, só parcialmente
transformada com o advento
da industrialização moderna. Talvez a previsão de Eschwege da
condição de celeiro de
produção das Minas Gerais não tenha se cumprido, mas o Paraopeba
manteve sua importância
econômica, cultural e geográfica marcantes, no contexto
estadual.
Do ponto de vista cultural, a bacia do Paraopeba encarna o sertão
roseano, fornecendo
paisagens reais e compostas, caminhos reais e fantásticos,
personagens e modos de falar e de
agir e todo um universo social bem característico do interior
brasileiro. Este sertão real e
imaginário é parte fundamental da invenção do Brasil (COUTINHO,
1983). Cordisburgo,
Paraopeba, Caetanópolis, Curvelo são municípios que ajudaram a
compor o imaginário de
Guimarães Rosa. O Velhas, o Paraopeba e o Jequitinhonha dividem as
águas que vertemdesse
sertão.
Do ponto de vista econômico, o Paraopeba concentra boa parte do
cinturão produtor
de hortifrutigranjeiros que abastece Belo Horizonte, principalmente
nas sub-bacias dos
ribeirões Sarzedo e Manso. A pecuária é particularmente importante
no médio e baixo cursos,
onde se destacam os municípios de Pompéu e Curvelo. As atividades
minerárias ocorrem em
toda a bacia e são extraídos dela: minério de ferro, manganês,
areia, ardósia e argila. Entre as
mineradoras instaladas estão a CSN – Companhia Siderúrgica
Nacional, a Gerdau, Ferrous e a
Namisa.
38
A indústria é importante nos municípios de Conselheiro Lafaiete,
Ouro Branco,
Congonhas, Ibirité, Betim, Contagem, Sete Lagoas, Cachoeira da
Prata e Paraopeba.
Importantes plantas industriais foram aí instaladas, dentre as
quais se podem destacar a
presença da Fiat, a Petrobrás através da Refinaria Gabriel Passos
(REGAP) dentreoutras
(FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE, 2011).
Isoladamente, a bacia abriga mais de 2.000.000 habitantes,
distribuídos em 48
municípios (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2010).
Somente o médio curso abriga cerca de 1.500.000 pessoas onde se
destacam os municípios de
Contagem e Betim. Já a conurbação de Belo Horizonte ocupa as bacias
do Velhas e
Paraopeba e concentra cerca 5.414.701 habitantes (INSTITUTO
BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010) o equivalente a 25% da população
mineira. Ela gera
45% do PIB estadual e possui o maior número de usuários
cadastrados: indústrias, empresas e
agricultores (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAOPEBA,
2011).
A bacia do Paraopeba provê 60% da demanda de água da RMBH através
dos sistemas
Rio Manso, Várzea das Flores e Serra Azul (AGÊNCIA REGULADORA DE
SERVIÇOS
DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS, 2013). Ela também é responsável pelo aporte de
9,1% do volume
médio do São Francisco, escoado em sua foz (PEREIRA, 2004). A
despeito da sua
importância estratégica, a qualidade de suas águas tem se
deteriorado de forma continuada.
Segundo a FEAM (2011), a perda da qualidade das águas da bacia se
deve principalmente ao
lançamento de esgotos sanitários e efluentes industriais sem o
tratamento apropriado. Além
disso, a bacia sofre com a ocupação irregular do solo nas áreas
urbana e rural.
Segundo a Fundação Estadual do Meio Ambiente (2011) o oxigênio
dissolvido nas
águas do Paraopeba em 2006, estavam declinando, embora ainda
estivessem satisfatórias,
segundo padrões definidos para a classe 2, conforme a Resolução
CONAMA 357. Para os
anos de 2008 e 2009 “[...] o lançamento de carga orgânica nos
cursos d’ água [...]” estava
“entre 5.000 e 21.347 toneladas por mês” (FUNDAÇÃO ESTADUAL DO
MEIO
AMBIENTE, 2011, p. 24). Caso não sejam tomadas providências
urgentes o abastecimento de
água da RMBH vai estar seriamente ameaçado. Como complicador, a
bacia, assim como boa
parte do centro-sul do país, tem sofrido com a ocorrência de
estações chuvosas irregulares.
Uma seca persistente chegou a secar a principal nascente do rio
Paraopeba, no município de
Cristiano Otoni, em janeiro de 2015 (DINIZ, 2015). Segundo a mesma
reportagem, a mata
nativa que cobria a região começou a ser retirada há cerca de 60
anos para formação de
pastagens e, por último, um antigo proprietário “desmatou a
nascente” (principal?). O cenário
39
de seca persistente aponta para outros desdobramentos: redução do
volume e a aceleração da
perda da qualidade da água (FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE,
2011).
Finalmente, há ainda o plano de transposição de suas águas para
reforçar o volume do
reservatório de Rio Manso.
Do ponto de vista biogeográfico, a bacia é ocupada pelos biomas
Mata Atlântica em
sua porção meridional e cerrado, na porção setentrional, com
interdigitação dos dois grandes
ecossistemas no médio curso. Boa parte da vegetação original foi
suprimida. As atividades
econômicas mineiras, especialmente do setor sidero-metalúrgico,
dependem de insumos como
carvão e lenha. Historicamente isso induziu o desmatamento e a
supressão de habitats.
Estima-se que, dadas a sua posição geográfica e centralidade
econômica no cenário
estadual, a bacia do rio Paraopeba reflita, em escala regional, as
ameaças ambientais que
Minas Gerais vem sofrendo de forma ampla: desmatamento de
remanescentes de Mata
Atlântica e do cerrado, ambos já em crítica situação; forte ameaça
aos ecossistemas rupestres
pela ampliação dos projetos minerários e conseguinte ameaça de
extinção a táxons endêmicos
e de distribuição restrita (Drummond et al, 2005; Machado et al.,
1998; Lins et al, 1997).
A despeito disso,sua fauna ainda registra a ocorrência de espécies
ameaçadas de
extinção como a onça parda, a jaguatirica, o lobo-guará, o
gato-do-mato, o macuco e o veado
campeiro. É alta a importância biológica daictiofauna do rio
Paraopeba por sua riqueza de
espécies em geral e ele foi apontado como prioritário para a
conservação de peixes, por sua
importância estratégica (DRUMMOND et al. 2005).
A criação de Unidades de Conservação (UC) tem sido apontada como a
melhor
estratégia para assegurar a diversidade biológica, a proteção para
habitats ameaçados,a
prestação de serviços ambientais e tem sido largamente adotada em
diversos países. Minas
Gerais possuía em 2003, 4.306.652,16 ha de áreas protegidas,
totalizando 397 UC cadastradas
e protegendo 7,34% do seu território. A perspectiva é pouco
animadora quando se considera
que apenas 1,45% do território mineiro dispõem de uma rede de
proteção integral. A
diversidade paisagística e a falta de informações básicas são
elementos dificultadores da
eficácia e da efetividade da proteção ambiental em sua rede
territorial (DRUMMOND et al.
2005, p. 35).
A bacia do Paraopeba dispõe de uma pequena fração territorial
protegida em UCs.
Destacam-se o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, a Área de
Proteção Ambiental de
Vargem das Flores, a Gruta Rei do Mato em Sete Lagoas (Monumento
Natural) e algumas
Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) (CONSÓRCIO
INTERMUNICIPAL
40
DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAOPEBA, 2015). As nascentes do rio
principal
da bacia, por exemplo, não estão protegidas.
O cenário que se materializa é extremamente preocupante para o
Paraopeba e conduz à
conclusão da necessidade de elaboração de ações sustentáveis em uma
perspectiva
socioambiental. É certo que um plano de gestão integrada da bacia é
fundamental e deve-se
ressaltar que Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH) foi
concluído recentemente. Mas
entre as ações prioritárias certamente há que se diagnosticar o
estado real da conservação na
bacia.
Diante do exposto, as perguntas motivadoras dessa pesquisa são: o
que proteger e
onde proteger?; levando-se em conta a complexidade da
questão.
Proteger é uma forma de garantir a manutenção do ecossistema nas
imbricações que
seu quadro físico e biológico estabelece com o mundo social. É
preciso garantir a integridade
de mananciais, para que eles possam suprir a água necessária às
pessoas egarantir, em última
instância a qualidade de vida e o suprimento de serviços
primordiais à população. Mas os
sistemas hídricos não são variáveis independentes dentro dos
sistemas ambientais. Seu
funcionamento se faz na interação com os sistemas bióticos,
vegetais (primordialmente), mas
também animais. Todos, por seu turno, relacionam-se com os sistemas
climáticos. E
finalmente, se integram ao mundo social, criando sinergias,
potencialidades e fragilidades
passíveis de apreensão em abordagens integradoras que servirão de
suporte para a tomada de
decisão no plano da gestão.
Constitui objetivo geral desse estudo, identificar áreas de grande
valor para
conservação na bacia do rio Paraopeba.
São objetivos específicos:
cobertura vegetal nativa;
caracterizar o processo de ocupação da bacia;
identificar as Unidades de Conservação na bacia;
identificar a presença de alvos bióticos de alto valor para
conservação;
caracterizar o potencial hidrogeológico e identificar áreas de
recarga;
identificar a presença de comunidades tradicionais;
identificar a presença de patrimônio histórico e artístico
tombado;
identificar a presença de ambientes raros (cavernas);
41
A hipótese que norteia a pesquisa é de que:
os estoques de áreas dotadas de elevados valores para a
conservação
disponíveis para a proteção são limitados e encontram-se
irregularmente distribuídos
pela bacia.
A escolha da bacia hidrográfica do Paraopeba para esta abordagem
diz respeito ao seu
valor estratégico social, econômico e geográfico no contexto
mineiro. Dar resposta aos
imperativos da demanda por ações de sustentabilidade, melhoria da
qualidade de vida e
manutenção da biodiversidade são condição necessária à perpetuação
dessa centralidade e de
sua conservação para gerações futuras.
Mas as bacias hidrográficas compõem regiões, unidades fundamentais
de
planejamento reconhecidas no arcabouço jurídico e institucional
nacional e internacional. Do
ponto de vista da Geografia, a região (bacia), por seu turno,
conserva seu valor como
categoria de análise essencial na perspectiva da análise espacial.
Essencial posto serem
singulares na perspectiva de um atributo que se quer evidenciar e
lhes dá identidade. E é essa
identidade, que pode ser material ou abstrata que permitirá a
intervenção. Cabe lembrar que as
regiões continuam sendo unidades espaciais prioritárias de
planejamento. Esta pesquisa se
insere, portanto,no campo dos estudos regionais.
Sua relevância científica repousa no desafio do tratamento de um
tema complexo
como a definição de áreas de valor para a conservação, numa
perspectiva geográfica,que
articula o mundo natural com o mundo social. Articular estes dois
polos é uma tarefa sobre a
qual a Geografia tem se debruçado ao longo do tempo. É um desafio
proveniente do campo da
discussão epistemológica que se projeta no campo da técnica,
conforme apontam Bayliss-
Smith e Owens (1994).
Para responder às reflexões propostas, este trabalho foi
estruturado em seis capítulos.
Na introdução foram tratadas a contextualização e a exposição da
pergunta norteadora da
pesquisa, suas hipóteses, objetivos e relevância. O segundo
capítulo tratou dos aspectos
históricos da conservação. No terceiro e quarto capítulos foram
tratados os aspectos legais e
os aspectos teóricos e técnicos da conservação, respectivamente. A
metodologia e os demais
procedimentos metodológicos encontram-se descritos no quinto
capítulo. O sexto capítulo foi
dedicado à caracterização fisiográfica e histórica do Paraopeba. No
sétimo foram tratados e
discutidos os valores de conservação aplicados à bacia. O oitavo
foi dedicado à tessitura das
considerações finais e por último expõe a bibliografia
consultada.
47
Fonte: Eduardo Garcia, 2014.
ASPECTOS HISTÓRICOS DA CONSERVAÇÃO
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA CONSERVAÇÃO
Este capítulo é dedicado à discussão dos aspectos históricos da
conservação e da
preservação. Além destes são apresentados os fundamentos das duas
vertentes mais
importantes destas práticas, seus principais idealizadores,
críticas e os desdobramentos destas
concepções nos instrumentos legais, no aparato institucional e nos
acordos que se propõem a
criar um sistema de governança ambiental internacional. Seu
objetivo é subsidiar o
entendimento dos fundamentos teóricos da conservação.
2.1 Degradação ambiental e estratégias de conservação
You know that I have not lagged behind in the work of exploring our
grand
wildernesses, and in calling everybody to come and enjoy the
thousand blessings
they have to offer. John Muir, 1895
As to my attitude regarding the proposed use of Hetch Hetchy by the
city of San
Francisco . . . I am fully persuaded that . . . the injury . . . by
substituting a lake for
the present swampy floor of the valley . . . is altogether
unimportant compared with
the benefitsto be derived from its use as a reservoir. Gifford
Pinchot, 1913
These temple destroyers, devotees of ravaging commercialism.seem to
have a
perfect contempt for Nature, and instead of lifting their eyes to
the God of the
Mountains, lift them to the Almighty Dollar. John Muir, 1912
Todas as formas de vida encontram na natureza sua fonte de
subsistência e sustento.
Todas as espécies, à exceção do homem, encontram seu equilíbrio
populacional em sua
relação com o ambiente físico, transferindodeste, todas as
flutuações e mudanças pela cadeia
trófica. Assim produz-se um estado de equilíbrio dinâmico entre
populações e recursos. Ao
longo da história natural do planeta, a espécie humana evoluiu de
forma diferenciada e, de
alguma forma, adaptou-se às mudanças ambientais, desenvolvendo
técnicas e ferramentas que
permitiram sua expansão por quase toda a superfície da Terra. A
sedentarização humana e
arevolução agrícola são possibilidades decorrentes do seu
desenvolvimento técnico.
Desde o alvorecer, a humanidade tem imposto à natureza diferentes
pressões que,
ocasionalmente se transformaram em grandes impactos e desastres.
Diversos autores têm se
dedicado a compreender a ação degradadora humana sobre o planeta ao
longo do tempo
histórico, sendo alguns na forma temática (saúde, migrações,
tecnologias). Os problemas
ambientais estão longe de serem problemas contemporâneos, mas eles
reproduzem a forma
predominante da relação do homem com a natureza, permitindo uma
periodização das fases
dessa relação (LAVIEILLE, 2004 apud BURSZTYN; BURSZTYN,
2012).
De forma sumarizada esta periodização pode ser assim
expressa:
46
-200.000
(cerca de 10.000.000 hab
Kalambo – Tanzânia (GROVE, 1965)
locais de confinamento animal.
navegações; ampliação do uso
dos recursos naturais; ciência
direcionada para controlar e
dominar a natureza; primeira
conversão em energia ou criação de
pastagens; uso do carvão mineral para
gerar energia. Aceleração dos ritmos de
produção.
insalubridade do ar londrino.
ecossistemas, alteração deliberada de
Exemplos: Contaminação nuclear de
Chernobyl, devastação das florestas
Fonte: Bursztyn; Bursztyn, 2012.
Conforme expresso no quadro 1, o século XIX marca a submissão
humana da
natureza e, em decorrência da mudança escalar de alteração
ambiental, irão nascer os
primeiros movimentos modernos de preocupação com a conservação e
com a preservação da
natureza.
O conservacionismo encontra suas bases no século XIX, na doutrina
criada pelo
pensador norte-americano Gifford Pinchot (1865-1946). Era uma
resposta ao estado de
degradação dos ecossistemas americanos. Propunha-se a exploração
sustentada de recursos
naturais sem que estes ambientes fossem fechados para usos futuros.
Essa doutrina fundava-se
sobre três pilares: a) o desenvolvimento (uso de recursos no tempo
presente pelas
populações); b) a prevenção do desperdício; c) a extensão do uso
dos recursos a um grande
número de pessoas. (CARDOSO, 2006; DIEGUES, 1994). Pinchot
preocupava-se
essencialmente com o ritmo de apropriação dos recursos
naturais.
Pinchot, engenheiro florestal, desenvolveu suas ideias no contexto
da rápida expansão
populacional e econômica dos Estados Unidos. Para Diegues (1994) a
obra de Pinchot se
posiciona num contexto de transformação da natureza em mercadoria
e, possivelmente como
47
desdobramento disso, preocupava-se com a lentidão do ritmo dos
processos naturais. Nessa
perspectiva, o manejo adequado poderia torná-la mais eficiente
(racionalidade econômica).
Essa perspectiva de gestão da natureza é a precursora do conceito
de desenvolvimento
sustentável (DIEGUES, 1994). Dentre suas ideias destacam-se a
criação de reservas
ambientais e de regras bioeconômicas adequadas (MILLER, 2001 apud
BURSZTYN;
BURSZTYN 2012).
Como de regra,
[...] as idéias de Pinchotestavam profundamente imbuídas do ethos
da Idade do
Progresso à qual ele pertenceu; na verdade, em seu livro The Fight
for Conservation
identificou o desenvolvimentocomo o primeiro princípio da
conservação,
juntamente com a prevenção do desperdícioe do desenvolvimento em
benefício da
maioria da população e não simplesmente para olucro de uns poucos.
(NASH, 1989,
p.35).
Sob certa perspectiva, o conservacionismo foi uma resposta técnica
e filosófica, aos
excessos do modo de produção capitalista e da ampliação do consumo
como sua derivação.
Afinal, o século XIX não foi uma boa época para a conservação dos
recursos naturais. Os
danos ambientais multiplicaram-se tão rapidamente quanto as
fronteiras agrícolasse fecharam
nos Estados Unidos. A industrialização avançou. Isso impactouo
imaginário do povo norte-
americano que tinha na vastidão deseus espaços abertos e vazios a
percepção de infinitude de
seus recursos naturais.
Neste contexto foram criadas as primeiras áreas protegidas
americanas, sob a categoria
de parques nacionais. Yellowstone foi criado em 1872 e Yosemite em
1890.São áreas de
preservação integral da natureza. Sua criação foi definida pela
beleza de seus atributos
paisagísticos. Seus cenários grandiosos são convidativos à
contemplação e evocam o contato
com o “paraíso perdido”, ante a expulsão do Éden (DIEGUES,
1994).
[...] Esse [...] mito moderno, vem impregnado, no entanto, do
pensamento racional
representado por conceitos como ecossistema, diversidade biológica
etc. Como
afirma Morin (1986), o pensamento técnico-racional ainda hoje se vê
parasitado pelo
pensamento mítico e simbólico (DIEGUES, 1994, p. 13).
Este mito é que o autor denomina “mito da natureza intocada”. Na
perspectiva deste
“naturalismo” do século XIX,
[...] a única forma de proteger a natureza era afastá-la do homem,
por meio de ilhas
onde este pudesseadmirá-la e reverenciá-la. Esses lugares
paradisíacos serviriam
também como locaisselvagens, onde o homem pudesse refazer as
energias gastas na
vida estressante dascidades e do trabalho monótono [...] (DIEGUES,
1994, p. 13).
48
Os dois primeiros parques nacionais americanos são fragmentos de
natureza, em áreas
“esvaziadas de suas populações nativas”. O Parque de Yellowstone,
de 800.000 ha foi criado
em território dos índios Crow, Blackfeet e Shoshone-Bannock
(FERREIRA, 2008). Os
parques foram criados para suprir os desejos de uma sociedade em
rápida transformação
social e econômica, em tese, como contraponto à vida nas cidades e
ao escasseamento de
recursos. Essa “[...] responsabilidade moral relacionada à proteção
dos recursos, associada a
uma construção idealizada de natureza, ganhou importância [...] no
sentido de criar regiões
percebidas como selvagens ou primitivas[...]” (wilderness)
(BURSZTYN; BURSZTYN,
2012, p. 73). A criação de áreas protegidas, sob a forma de parques
nacionais acabou se
difundindo em direção ao restante do mundo.
Nash (2001), afirma que a criação de Yellowstone e da Floresta
Adirondack foram
marcos cronológicos do enfraquecimento da percepção da sociedade
americana sobre a terra
desabitada e que, em ambos os casos, a preservação da wilderness
foi quase acidental e não o
resultado de uma mobilização nacional. No imaginário americano, o
interior selvagem
precisava de um herói e encontrou em John Muir (1838-1914) o seu
“poetico-trampo-
geologist-bot and ornith-natural, etc” (NASH, 2001, p. 122). Muir
fez da exploração da
natureza e da exaltação de seus valores um modo de vida. A maioria
de suas idéias foi mero
eco dos pensamentos de deístas e românticos como Henry Thoreau
(1817-1892) mas,
conforme Nash (2001), ele o fez com tanto fervor que as
popularizou. Muir defendeu a vida
selvagem e seus valores espirituais (transcendentalismo) e
identitários. Parte de sua obra foi
escrita no vale de Yosemite (Califórnia). Conforme Bursztyn e
Bursztyn (2012) para ele, as
florestas eram mais que meros reservatórios de recursos, mas,
antes, patrimônios. Muir
fundou o Sierra Club em 1892, uma das mais poderosas associações
ambientalistas
americanas (WORSTER, 2008 apud BURSZTYN; BURSZTYN, 2012).
Muir e Pinchot personificaram as correntes preservacionista e
conservacionista dos
ambientalistas norte-americanos.
O conservacionismopode ser entendido como:
[...] a gestão, pelo ser humano, da utilização dos elementos da
biosfera, de modo a
produzir o maior benefício sustentado para a população atual,
mantendo as
potencialidades e o equilíbrio necessários às gerações futuras
(INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).
Ele compreende as atividades de manutenção (os recursos naturais
são modificados,
mas são mantidas as suas peculiaridades e corrigidas
asdeficiências); de preservação (quando
49
os ecossistemas não sofrem qualquer alteração); de restauração ou
recuperação (quando um
elemento natural necessita de processos que o capacitem a exercer
suas funções primitivas).
Ele se vale, portanto, de um conjunto de práticas e de políticas
que traduziram a sua
incorporação como instrumento de gestão territorial, com rebates em
toda a sociedade
contemporânea. O aperfeiçoamento do aparato legal e técnico tem
sido objeto de incessante
busca de segmentos sociais interessados em suas possibilidades. Há
aqui a ideia explícita da
busca pela sustentabilidade.
O fundamento do preservacionismo reside na proteção integral de
áreas, sem a
interferência humana. Esta corrente do movimento ambiental
americano possui forte
identidade com o protecionismo inglês, nascido em meados do século
XIX. Conforme
McCormick (1992, p.35), ele vem carregado do sentido das
descobertas científicas e do
grande interesse social que elas despertaram. De Charles Darwin
veio a teoria da Evolução
das Espécies por Meio da Seleção Natural. Haeckel criou as bases da
ecologia, uma ciência
cujo objetivo era estudar arelação de todos os seres vivoscom o seu
ambiente externo.
Frequentemente a obra de Haeckel é apontada como a precursora do
pensamento sistêmico
(TROPPMAIR, 2004). Para ele, todos os seres vivos viviam em uma
relação de
interdependência (entre si e com o ambiente) e a ruptura dessas
relações podia tornar-se
desastrosa. Esses fatos reposicionaram o homem no contexto das
demais espécies e da
natureza, bem como despertaram um tipo de consciência
biocêntrica.
Nesse interim as cidades britânicas industriais desfrutavam de
péssimas condições
ambientais e de salubridade. Essas condições de precariedade
induziram demandas sociais
pela criação de áreas abertas e de contato com a natureza. Em 1865
foi criado o primeiro
grupo ambientalista privado do mundo: “Commons, Open Spaces, and
Footpaths
Preservation Society, que promoveu campanhas pela preservação de
espaços para
amenidades, particularmente as áreas verdes urbanas” (FERREIRA,
2008, p.17). Como
resposta às pressões do grupo e de outros movimentos sociais surgiu
em 1893 o National
Trust, órgão criado para proteger a herança natural e cultural da
nação, contra a
padronização proposta pelo industrialismo (MCCORMICK, 1992). Outros
movimentos
surgiram em defesa dos animais, com preocupação extensiva às
colônias britânicas,
especialmente as africanas. Em resposta às demandas sociais, o
Estado (britânico) começou a
prover espaços de lazer e interação com a natureza.
O National Trust nasceu de uma demanda social urbana e se
encarregou de lidar tanto
com os construtos humanos (arquitetura, dentre outros) quanto dos
parques (natureza).
50
Subjaz, pela natureza do órgão criado, a prevalência de uma
concepção cultural de
natureza. Elementos arquitetônicos e naturais são, ambos, tratados
comoheranças.
Em 1909, em Paris, ocorreu I Congresso Internacional para Proteção
da Natureza.
Neleforam discutidos a preservação e os progressos da proteção
ambiental na Europa. Dentre
suas propostas encontrava-se a criação de um organismo
internacional de proteção da
natureza. Este pode ser entendido como o primeiro passo paraa
criação de um sistema de
governança ambiental global. No entanto, o debate foi interrompido
pelas guerras mundiais
(MCCORMICK, 1992).
Somente nos anos 1940 o debate foi retomado. Entre outras ações, a
recém- nascida
Organização das Nações Unidas fomentou uma Conferência
Internacional sobre Utilização e
Conservação de Recursos Naturais, a primeira em escala
internacional. No mesmo ano foi
criada a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN),
cuja missão foi
promover a preservação da vida selvagem e do ambiente natural, bem
como subsidiar
alegislação, pesquisa, formação de banco de dados, informações,
etc. (MCCORMICK, 1992).
O pós-guerra trouxe para o ambientalismo novos desafios impostos
pelo rápido
crescimento econômico e pelo transbordamento da industrialização
para a periferia dos
sistemas capitalista e do mundo do socialismo real. O padrão
tecnológico produtivo
(fordismo) baseou-se na premissa de recursos naturais inesgotáveis.
Foram os chamados 30
anos gloriosos do crescimento econômico. A ampliação da
mundialização econômica tornou
mais complexo o sistema produtivo, com severos e generalizados
danos ambientais. Bursztyn
(1994) citado por Bursztyn e Bursztyn (2012) destaca aindaque, em
termos econômicos e
sociais, o período foi marcado pelo desequilíbrio da alocação de
recursostanto quanto da
distribuição do bem-estar. Desta forma, desequilíbrios ambientais e
ampliação da
desigualdade abriram abismos profundos entre segmentos sociais e
entre áreas geográficas.
Riqueza e miséria ampliaram-se rapidamente.
Outros desdobramentos da produção e do consumo em massa se
materializaram na
forma de impactos (poluição do ar, recursos hídricos, solos, etc)
ou de desastres ambientais
(hazards). Dentre estes desastres encontram-se o smog londrino de
1952 que causou a morte
de 4000 pessoas; a contaminação da baía de Minamata no Japão
contaminando por mercúrio
cerca de 1800 pessoas; o vazamento de 119.000 ton. do petroleiro
Torrey Canyon na costa
britânica, dentre tantos outros (FONT et al. 2006; BURSZTYN;
BURSZTYN, 2012). Outros
graves desastres humanitários incluíram as inundações de Bangladesh
em 1971, gerando
10.000.000 de refugiados e a crise de Biafra (Nigéria – 1967-1970),
cujas perdas foram de
aproximados 3.000.000 de vidas (FONT et al. 2006). A mídia
reverberou estes desastres
51
humanitários largamente e a imagem de pessoas famélicas adentrou os
lares dos países
desenvolvidos, despertando forte preocupação com os eventos.
Bursztyn e Bursztyn (2012) incluem o papel dos escritores Rachel
Carson (Primavera
Silenciosa), Barry Commoner (Science and Survival), Paul Erlich
(The Population), Garret
Hardin (The Tragedy of the Commons), Nicholas Georgescu-Roegen (The
Entropy Law and
the Economic Process), Ernest Friedrich Schumacher (Small is
Beautiful) no despertar de uma
nova consciência ambiental e para a necessidade da mudança do
paradigma produtivo. Nestas
obras, poluição, superpopulação e fome, impactos tecnológicos,
crise econômica, crise
política forjaram uma nova percepção de natureza. Diversos
movimentos sociais ganharam as
ruas contestando o modelo econômico, o consumo de massa e o
comportamento.
Este é o pano de fundo para a Conferência de Paris que tratou da
conservação da
biosfera (1968) e da reunião do Clube de Roma no mesmo ano. Fundado
por Alexander King
e Aurelio Pecceienvolveu ilustres cientistasintelectuais que se
reuniram para discutir
problemas políticos, econômicos, sociais planetários. O resultado
foi publicado na forma do
Relatório “Limits to Growth”: um futuro sombrio para a humanidade.
As conclusões
remetiam à eminência da escassez de recursos que colocaria em risco
o futuro humano. Em
plena Guerra Fria, e diante do temor de uma guerra total entre as
potências (crise nuclear),
sobreveio a crise do petróleo. O pessimismo foi generalizado.
Biafra e Bangladesh
reacenderam a questão demográfica. As soluções apontadas foram a
limitação do crescimento
populacional e o crescimento exponencial da produção, além de
controles mais rígidos dos
processos produtivos para evitar a degradação ambiental.
Assim, em 1972 ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente
Humano, conhecida como Conferência de Estocolmo, marco zero da
ascensão do ambiente à
categoria de questão e do seu reposicionamento no centro da agenda
política mundial.
Diversas reuniões preparatórias foram realizadas. Diversos temas
foram discutidos na
perspectiva da relação entre o desenvolvimento econômicoe o meio
ambiente. O objetivo era
encontrar soluções para as questões postas: poluição, crescimento
demográfico e urbanização
e esboçar um sistema de governança ambiental global. Países ricos e
pobres posicionaram-se
de forma antagônica sobre as questões. Os primeiros, preocupados
com o viés mais
“ambiental” da discussão, enquanto os demais tinham na solução de
seus problemas sociais as
suas prioridades. Controlar o crescimento econômico (a proposta era
de crescimento zero)
para proteger os recursos naturais pareceu uma solução acintosa
para os países em
desenvolvimento, dentre os quais se encontrava o Brasil. A
Conferência originou diversos
52
documentos onde destacam se: Declaração sobre o Meio Ambiente; um
Plano deação; uma
Resolução sobre disposições institucionais e financeiras (BURSZTYN;
BURSZTYN, 2012).
Na Conferência materializam-se os primeiros questionamentos à
soberania dos Estados sobre
os recursos naturais. Estes são produtos e derivações da via
institucionalizada da discussão da
questão ambiental. De forma paralela e simultânea ao evento,
movimentos sociais com
interesses convergentes ao ambientalismo (pacifismo-feminismo)
contestavam o american
way of life (FONT et al. 2006).
A Declaração de Estocolmo (1972) contemplou grande parte das
demandas dos países
periféricos. Dentre estas, as que apontavam que o desenvolvimento
econômico era uma
condição necessária à melhoria da qualidade de vida e que as
políticas ambientais não
poderiam se tornar empecilhos a este, nos países em
desenvolvimento. Estava evidenciada a
divisão NORTE-SUL do planeta.
É necessário destacar, em Estocolmo, alguns elementos que deram
origem ao novo
ambientalismo e a (geo)politização da questão ambiental. O primeiro
deles diz respeito ao
questionamento da soberania dos Estados nacionais. Nos princípios
21 e 23 está expresso o
direito de Estados explorarem os seus recursos naturais, sob a
condição de não prejudicarem
os demais. Esses princípios impuseram limites e uma relativização
dodireito ao pleno uso dos
recursos naturais dentro de determinado Estado. Também conforme já
explicitado, a
Conferência foi uma iniciativa para a construção de um sistema de
governança ambiental
global. Embora tendo obtido concessões na proposta inicial de
crescimento zero além da
garantia de que o desenvolvimento econômico não seria sacrificado,
os países em
desenvolvimento, tanto quanto quaisquer outros submeter-se-iama um
conjunto de normas e
padrões ambientais, desde que estas não lhes inviabilizassem
economicamente. A
sustentaçãoteórica está na Teoria Geral de Sistemas (TGS). Na
perspectiva econômica está o
aprofundamento da globalização.
Novas estratégias econômicas deveriam ser concebidas para
contemplar a necessidade
de proteção dos recursos ao mesmo tempo que viabilizasse o
desenvolvimento econômico.
Trata-se do nascedouro do conceito de ecodesenvolvimento. Estocolmo
se legitimou pela
mídia tanto quanto pelos meios políticos. Outros desdobramentos se
encontram na criação de
políticas ambientais, na criação de órgãos de gestão e outros no
campo das instituições
financeiras e de pesquisa (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012).
A reflexão e teorização do ecodesenvolvimento couberam a Ignacy
Sachs. O conceito
se fundamenta na priorização de necessidades sociais, prudência
ecológica, aceitação de
limitações relativas à ecologia e a construção de uma economia
pautada no equilíbrio das
53
aspirações sociais e nos limites impostos pelo ambiente.Ao longo
dos anos 1970 o conceito
foi se marginalizando para ceder lugar ao conceito de
desenvolvimento sustentável
(BURSZTYN; BURSZTYN, 2012).
Na Conferência Mundial sobre a Conservação e o Desenvolvimento
ocorrida em
Otawa (1986) o conceito de desenvolvimento sustentável emerge como
um novo paradigma.
O conceito se sustenta sobre os seguintes princípios: integrar
conservação da natureza e
desenvolvimento; satisfazer as necessidades humanas fundamentais;
perseguir equidade e
justiça social;buscar a autodeterminação social e da diversidade
cultural e manter a
integridade ecológica.
sustentável pode ser definido como:
[...] O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às
necessidades do presentes
em comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a
suas próprias
necessidades. Ele contém dois conceitos-chave: O conceito de
"necessidades",
sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem
receber a
máxima prioridade; a noção das limitações que o estágio da
tecnologia e
daorganização social impõe aomeio ambiente, impedindo-o de atender
às
necessidades presentes e futura [...] (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE
MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 1987, p.46).
Sachs (1993) teoriza que este tipo de desenvolvimento se apoia em
cinco pilares:
sustentabilidade ecológica, econômica, social, geográfica e
cultural. Cada uma delas possui
um objetivo geral, quais sejam: qualidade do meio ambiente e
preservação dos recursos
energéticos e naturais para as próximas gerações; aumento da
riqueza social sem dependência
externa; redução da desigualdade social; evitar excessos de
aglomerações e evitar conflitos
culturais.
Do conceito extraem-se algumas conclusões como a ideia de
desenvolvimento em
oposição à noção simplificada de crescimento. Não se trata apenas
de ganhos quantitativos,
mas qualitativos, na medida em que se pressupõe o respeito à
diversidade cultural, a
consideração da conciliação entre o uso de recursos, aumento de
produtividade, a conexão
entre pobreza e degradação do ambiente, a ideia de uma autonomia em
oposição à
dependência e, em alusão ao espaço geográfico, aponta para a
necessidade de se evitar a
excessiva concentração populacional, produtiva, de poder e uma nova
relação cidade-campo.
O desenvolvimento sustentável funda-se em uma nova ética
relacional, seja na perspectiva
social (comprometimento com as gerações futuras; autonomia), seja
na perspectiva da relação
com os elementos naturais (preservando a qualidade das relações
ecológicas)
54
(MONTBELIER FILHO, 1993; BURSZTYN; BURSZTYN, 2012). De outra feita,
existe
também um conjunto de críticas ao conceito que incluem a manutenção
dos padrões de
consumo (incompatíveis com os ciclos naturais); o custo para se
produzir mais com menos
(exigindo novo padrão tecnológico), dentre outras (GOODLAND,
1991).
Para fins de uma reflexão mais ampliada sobre o momento histórico
da emergência da
discussão do desenvolvimento sustentável, é importante mencionar a
crise econômica e social
dos anos 1980. Tratou-se de uma crise sistêmica (do capitalismo).
Em seus desdobramentos,
esta levou ao questionamento do modelo do Estado do bem-estar
social (modelo europeu em
geral) e a adoção do chamado Consenso de Washington. Políticas
liberalizantes e redução do
papel dos Estados se encontravam dentre os seus postulados. Nos
países em desenvolvimento
esta crise se manifestou, dentre outras formas, pelo problema da
dívida externa. A crise
também exacerbou o abismo social entre países centrais e
periféricos, ao mesmo tempo
queem escalas intra-nacionais,ampliouo abismo social. É neste
ambiente que a Organização
das Nações Unidas convocou, através da Resolução 44/289, seus
países membros para a
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, no ano de 1992,
na cidade do Rio de Janeiro.
Foi um evento de dimensões sem precedentes para tratar da questão
ambiental em
escala planetária, que contou com a presença maciça de chefes de
Estado. Entre seus objetivos
estava a revisão dos resultados da Conferência de Estocolmo (1972);
a avaliação da situação
ambiental planetária; a adoção de medidas estratégicas para
balizamento de ações em diversas
escalas; e aperfeiçoar os protocolos e as estratégias para promover
o desenvolvimento
sustentável.
A Conferência elegeu alguns problemas ambientais prioritários,
dentre os quais as
mudanças climáticas; a proteção dos mares, oceanos e zonas
costeiras; os solos; a
biodiversidade e biotecnologia; a gestão de resíduos; a promoção da
saúde e da qualidade de
vida, especialmente dos países mais pobres. A agenda foi
extremamente ambiciosa diante dos
desafios e da diferença de interesses envolvidos na Conferência:
novos modelos de
desenvolvimento; aquecimento global; endividamento dos países
pobres; criação de fundos
para promover a gestão do planeta; meio ambiente urbano e ainda,
apontar uma solução
alternativa ao modelo de consumo, resolvível, conforme países
centrais, vianovas tecnologias
(excludentes) (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012).
Ao final, os países aderiram consensualmente à Declaração do Rio.
Dentre seus
princípios encontram-se a proposta de cooperação em todos os níveis
entre os Estados para a
promoção do desenvolvimento, transferência tecnológica e eliminação
da pobreza,
55
mulheres, jovens e populações autóctones) e transparentes, com
sinergia em relação às
normas internacionais e posicionadas num ambiente de crescimento
econômico pautado no
desenvolvimento sustentável; criação de um sistema de notificação
em caso de catástrofes
internacionais; adoção dos princípios de precaução – poluidor
pagador – avaliação de impacto
ambiental para atividades potencialmente poluidoras e danosas,
dentre outros. A adoção de
uma Carta da Terra só foi realizada em 1997 (idealizada para
nortear a construção de uma
sociedade mais justa e sustentável para o século XXI). A Agenda 21
foi idealizada para se
tornar um instrumento de planejamento para construção de sociedades
sustentáveis, em
diferentes escalas geográficas conciliando métodos de proteção
ambiental, justiça social e
eficiência econômica (BRASIL, 2014). Cada Estado participante
deveria elaborar a sua
própria agenda e esta, por sua vez, se replicaria nas várias
escalas administrativas. A
Conferência do Rio também resultou na Declaração de Princípios
sobre Florestas (soberania,
gestão, conservação e exploração ecologicamente correta); na
Convenção-Quadro sobre
Mudanças Climáticas (define obrigações específicas de países para
estabilização das
concentrações de gases-estufa); Convenção da Diversidade Biológica
(CDB), para
conservação e utilização sustentável de seus componentes com
repartição equitativa de seus
benefícios. Foi criado o Global Environmental Facility (GEF) para
operar os mecanismos
financeiros da Convenção (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012).
À Conferência do Rio se sucedeu a Rio +5 (em 1997) para avaliar os
progressos da
implantação do seu plano de ação. Algumas áreas obtiveram avanços
enquanto outras
falharam, principalmente no tocante à transferência de recursos e
na implantação da Agenda
21. O papel das Organizações não-governamentais ambientalistas
apresentou vigoroso
crescimento e mobilizou diversos segmentos sociais na promoção do
debate proposto pela
Conferência.
Bursztyn e Bursztyn (2012) avaliam que a década que se seguiu à Rio
92 foi marcada,
no cenário político-econômico, pela prevalência de práticas
neoliberais, dificultando o
cumprimento das metas pré-estabelecidas nas Conferências
Internacionais, posto que os
Estados tiveram seus papéis reduzidos . Um dos elementos mais
reveladores das dificuldades
foi a Criação das Metas do Milênio pelo Programa das Nações Unidas
para o
Desenvolvimento (PNUD), em 2001. Dentre as metas do milênio, o
capítulo 18 – Protegendo
Nosso Ambiente -, cuidava especificamente desse tema e reafirmava
os esforços para garantir
56
um mundo ambientalmente mais saudável para gerações futuras e a
adoção de uma nova ética
de conservação e responsabilidade.
Não obstante, novamente, em função do cenário político-econômico,
os avanços foram
demasiadamente curtos, mas o quadro conceitual, jurídico e
institucional se tornou mais
complexo. Destaca-se aqui a emergência de novas abordagens em
políticas públicas
“agregando a dimensão ambiental às esferas social e econômica e, a
afirmação dos laços entre
proteção ambiental e outras problemáticas (segurança, comércio,
direitos humanos,
comportamento das empresas)” (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012, p.
121).
Em 2002 foi realizada em Johannesburgo, conforme resolução 55/199
das Nações
Unidas, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável. Sua
denominação já
apontava a indissociabilidade entre as questões de desenvolvimento
e os problemas
ambientais. A Conferência realizou-se à sombra dosatentados de 11
de setembro nos EUA. O
cenário mundial foi de dificuldades, avanços lentos e de
agravamento das condições
ambientais globais, a despeito dos esforços de algumas partes. São
produto da chamada
Rio+10 uma Declaração Política e um Plano de Implementação que
trata apenas de reafirmar
temas e compromissos previamente assumidos.
Finalmente, em 2012, as Nações Unidas promoveram no Rio de Janeiro
a Rio+20,
divulgando, o documento O Futuro que Queremos. O documento reitera
os compromissos
assumidos em eventos anteriores, mas destaca, quanto ao
desenvolvimento sustentável, que a
participação de mulheres, crianças, jovens, ONGs, povos indígenas,
autoridades locais,
trabalhadores e sindicatos, negócios e indústrias, comunidade
científica e tecnológica, bem
comoagricultores deveria ser valorizada. A economia verde foi o
destaque do acontecimento.
Temas como segurança alimentar, água, energia, trabalhos verdes,
inclusão social, oceanos,
desastres naturais, mudanças climáticas, florestas, biodiversidade,
educação foram alguns dos
destaques. Os países assumiram o compromisso de alocar entre 0,15 a
0,2% do seu Produto
Interno Bruto (PIB), para assistência aos países menos
desenvolvidos, agregando o valor aos
compromissos previamente assumidos (e nunca cumpridos). O evento
ocorreu em clima de
forte pessimismo diante do cenário de crise econômica
internacional.
Embora seja possível questionar a eficácia das Conferências na sua
relação com os
princípios e objetivos propostos, elas foram bastante
significativas quando avaliadas em seu
conjunto, no sentido de criarem instrumentos de diálogo,
orientação, fundamentação de
políticas comuns, valores, normas e princípios para criação de um
sistema de governança
ambiental global.
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De Estocolmo ao Rio de Janeiro em 2012, houve uma mudança
significativa na
compreensão das questões ambientais. O termo ambiente sofreu
mudanças conceituais
significativas: de eminentemente natural para outra carregada de
conotação social. Outra
constatação interessante diz respeito à compreensão de que as
espacializações geográficas e
produtivas oriundas da Divisão Internacional do Trabalho,
repetem-se no que diz respeito à
extensão dos problemas ambientais.
As contradições do modo de produção capitalista e a globalização
assumiram um
papel central no agravamento dos problemas ambientais, embora não
sejam as únicas
forçantes. O crescimento econômico viabilizado pelo fordismo, nos
anos que se seguiram à
Segunda Guerra Mundial, ea transferência de parte da atividade
produtiva (a mais degradante)
para a periferia do sistema mundo (globalização) contribuíram para
tornar os problemas
ambientais dele derivados como globais. Poluição, contaminação de
recursos, perda de
diversidade biológica deixaram de ser exclusividade dos países
centrais. Nessa perspectiva, o
centro e a periferia do sistema mundo se aproximam e se confundem.
No entanto, quando a
análise recai sobre os rebatimentos dos benefícios da explotação
dos recursos naturais, surgem
duas realidades distintas. O centro do sistema solucionou problemas
socioambientais
fundamentais como a acessibilidade a água, saneamento básico,
saúde, ganhando em
qualidade de vida para seus cidadãos. Tais ganhos foram frutos de
luta social e os tornou
sensíveis a questões ambientais mais específicas, como a
preservação da natureza em seu
sentido estrito. Na periferia do sistema, a questão ambiental vem
carregada da superposição e
da imbricação de problemas sociais básicos (acesso aágua tratada,
saúde, saneamento,
educação, etc.) com outros derivados da transferência de sistemas
produtivos do centro do
sistema econômico. Essa superposição demanda deste conjunto de
países um esforço
monumental para solucionar as questões que se impõem. De toda forma
o que se observa é a
conectividade dos mundos econômico e ecol&oacut