7/30/2019 Desejo de Conhecer - Olavo de Carvalho
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Desejo de conhecer
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 10 de janeiro de 2011
“É natural no ser humano o desejo de conhecer.” Quando li pela primeira
vez esta sentença inicial da Metafísica de Aristóteles, mais de quarenta
anos atrás, ela me pareceu um grosso exagero. Afinal, por toda parte onde
olhasse – na escola, em família, nas ruas, em clubes ou igrejas – eu me viacercado de pessoas que não queriam conhecer coisíssima nenhuma, que
estavam perfeitamente satisfeitas com suas idéias toscas sobre todos os
assuntos, e que julgavam um acinte a mera sugestão de que se soubessem
um pouco mais a respeito suas opiniões seriam melhores.
Precisei viajar um bocado pelo mundo para me dar conta de que
Aristóteles se referia à natureza humana em geral e não à cabeça dos
brasileiros. De fato, o traço mais conspícuo da mente dos nossos
compatriotas era o desprezo soberano pelo conhecimento, acompanhado
de um neurótico temor reverencial aos seus símbolos exteriores:
diplomas, cargos, espaço na mídia. Observava-se essa característica em
todas as classes sociais, e até mais pronunciada nas ricas e prósperas.
Qualquer ignorante que houvesse recebido em herança do pai uma
fábrica, uma empresa de mídia, um bloco de ações da Bolsa de Valores,
julgava-se por isso um Albert Einstein misto de Moisés e Lao-Tsé, nascido
pronto e habilitado instantaneamente a pontificar sobre todas as questões
humanas e divinas sem a menor necessidade de estudo. Se houvesse lido
alguma coisa no último número da Time ou do Economist , então,
ninguém segurava o bicho: suas certezas erguiam-se até às nuvens,
imóveis e sólidas como estátuas de bronze – sempre acompanhadas, é
claro, das advertências cépticas de praxe quanto às certezas em geral, sem
que a criatura notasse nisso a menor contradição. Caso faltassem os
semanários estrangeiros, um editorial da Folha supria a lacuna,
fundamentando verdades inabaláveis que só um pedante viciado em
estudos ousaria contestar.
Dessas mentes brilhantes aprendi lições inesquecíveis: o comunismo
acabou, esquerda e direita não existem, Lula é um neoliberal, a Amazônia
é o pulmão do mundo, o Brasil é um modelo de democracia, a Revolução
Francesa instaurou o reino da liberdade, a Inquisição queimou cem
milhões de hereges, as armas são a causa eficiente dos crimes, o
aquecimento global é um fato indiscutível, os cigarros matam pessoas à
distância, o narcotráfico é produzido pela falta de dinheiro, as baleias são
hienas evoluídas e o Foro de São Paulo é um clube de velhinhos sempoder nenhum.
Se continuasse a dar-lhes ouvidos, hoje eu seria reitor da Escola Superior
de Guerra ou talvez senador da República.
Longe do Brasil, encontrei enfermeirinhas, caixeiros de loja e operários da
construção civil que, ao saber-me autor de livros de filosofia, arregalavam
dois olhos de curiosidade, me crivavam de perguntas e me ouviam com a
atenção devota que se daria a um profeta vindo dos céus. Por incrível que
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pareça, interesse e humildade similares observei entre potentados da
indústria e das finanças, figurões da mídia e da política. Até mesmoprofessores universitários, uma raça que no Brasil é imune a tentações
cognitivas, mostravam querer aprender alguma coisa.
Aristóteles tinha razão: o desejo de conhecer é inato. O Brasil é que havia
falhado em desenvolver nos seus filhos a consciência da natureza
humana, preferindo substituí-la por um arremedo grotesco de sabedoria
infusa.
Publicado com o título "O desejo de conhecer"
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