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DESENVOLVIMENTO: Conceituação e modelos Almiro Petry1 (2008)
1 Introdução
Objetiva-se resgatar alguns aspectos do histórico da conceituação de desenvolvimento x
subdesenvolvimento e o conteúdo abarcado por esta formulação. Em sentido descritivo, o
desenvolvimento de uma nação (de um povo, de um país) é uma mudança fática que abrange
aspectos econômicos, políticos e sócio-culturais movidos por mecanismos impulsionadores;
por outro lado, o subdesenvolvimento é a condição da ausência destes dinamismos e
mecanismos preconizados. Para além da conceituação pretende-se verificar os modelos
construídos e aplicados destas concepções no processo histórico latino-americano.
2 Desenvolvimento e subdesenvolvimento
A problemática – desenvolvimento x subdesenvolvimento – formula-se a partir da II Guerra
Mundial, nos primórdios da era da “guerra fria”. É o discurso de posse do Presidente
Truman2, dos EUA, que marca o início da era do desenvolvimento. Ele se expressou assim:
É preciso que nos dediquemos a um programa ousado e moderno que torne nossos avanços científicos e nosso progresso industrial disponíveis para o crescimento e para o progresso das áreas subdesenvolvidas. O antigo imperialismo – a exploração para lucro estrangeiro – não tem lugar em nossos planos. O que imaginamos é um programa de desenvolvimento baseado nos conceitos de uma distribuição justa e democrática. (Apud: Esteva, p.59-60).
Truman usurpa um significado social de desenvolvimento e o deturpa, dividindo a
humanidade em dois grandes grupos: os desenvolvidos (nações e povos) e os
subdesenvolvidos (nações e povos), identificando-se os primeiros com a industrialização, o
capital, a ciência e a tecnologia e os segundos com a total privação destes recursos.
O termo desenvolvimento surge na Biologia significando o processo de liberação das
potencialidades de um organismo vivo até seu estado de completa maturidade. É a evolução
dos seres vivos. Cada vez que um ser vivo (planta ou animal etc.) não logra cumprir seu
programa genético, frustra-se seu desenvolvimento (e isto é visto como uma patologia).
Com a teoria darwiniana (1859) assegura-se a concepção de que, para além de um
movimento na direção da forma apropriada (adulta e madura), há um movimento na direção
1 Mestre em Sociologia Rural (UFRGS) e Doutor em Ciências Sociais (Unisinos); Professor do Curso de Ciências Sociais da Unisinos e do Departamento de Sociologia da UFRGS ([email protected]). 2 Em 20 de janeiro de 1949.
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS A AMÉRICA LATINA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
ALMIRO PETRY ([email protected])
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de uma forma sempre mais perfeita do indivíduo e da espécie. Evolução e desenvolvimento
passam a ser sinônimos. A esses termos juntam-se progresso e crescimento. No século XIX e
na primeira parte do XX, a palavra desenvolvimento aparece, com freqüência em várias
aplicações, como desenvolvimento urbano, desenvolvimento colonial, desenvolvimento
educacional e outros.
Entretanto, é na segunda metade do século XX que 2/3 da humanidade (hoje são mais
de 80%) são jogados na categoria de subdesenvolvidos, portanto, privados dos benefícios
gerados pelo desenvolvimento. São os excluídos: da economia, do social, da cultura e da
cidadania. São os povos atrasados, pobres e miseráveis. Era preciso encetar programas de
combate à pobreza. Daí surgem organismos ou instituições com esta finalidade (Aliança para
o Progresso, United States Agency for Development – USAD, FMI, BM etc.), canalizando
recursos (financeiros e tecnológicos) para a ajuda (todavia, com raras exceções, foi um
fracasso geral).
Na década de 1950, W. Rostow publica sua teoria de As etapas do desenvolvimento,
tendo como indicadores a renda per capita e o produto interno bruto (PIB), livro tido como o
manifesto capitalista. Em 1952, aparece o primeiro Relatório da situação social mundial da
ONU, com a expressão desenvolvimento social como complemento ao desenvolvimento
econômico. Lança-se a idéia do equilíbrio entre o econômico e o social. Em 1962, o Conselho
Econômico e Social da ONU recomendou a integração dos dois aspectos na acepção de
desenvolvimento, ao lançar a Primeira década do desenvolvimento (1960-1970),
determinando:
O problema dos países subdesenvolvidos não é simplesmente o crescimento, mas sim o
desenvolvimento (...). Desenvolvimento é crescimento com mudanças (...). As mudanças, por sua vez,
são sociais e culturais, econômicas e qualitativas como quantitativas (...). O conceito-chave é melhorar a
qualidade de vida das pessoas. (Apud: Esteva, p.68).
Emerge o conceito de qualidade de vida como a satisfação do mínimo vital no campo
da alimentação, da habitação, da educação, da saúde etc. Diferencia-se, ao menos no plano
teórico, desenvolvimento de progresso e de crescimento.
Assim, até fins dos anos de 1960, tinha-se como protótipo um desenvolvimento
recuperacionista, mediante o crescimento econômico, industrialização e modernização,
segundo o modelo dos países industrializados e com a ajuda de seu capital. Entretanto, já se
inicia o reconhecimento da interdependência dos fatores econômicos e sociais e a necessidade
de equilibrar o planejamento econômico com o social. Isso será a temática da segunda década.
A segunda década do desenvolvimento (1970-1980) funde os dois aspectos e se pede
uma estratégia global. Começava a busca por uma abordagem unificadora que procurava a
integração setorial, espacial e regional, com um tipo de desenvolvimento participativo. Sob
3
essa égide, realizam-se as grandes conferências mundiais sobre o meio-ambiente, o
crescimento demográfico, a fome, a opressão das mulheres, a habitação, o desemprego, como
questões importantes e problemas específicos. Sustenta-se uma nova ordem econômica
mundial direcionando os objetivos para o atendimento das necessidades fundamentais da
pessoa humana, ou seja, a concretização da qualidade de vida.
No entanto, a integração e a abordagem unificadora, como propostas da segunda
década, não se viabilizaram nas políticas o Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e a propalada ajuda internacional, transformou-se em dívida externa e
dependência econômico-financeira.
Em outros ambientes, como na UNESCO, por exemplo, promove-se o conceito de
desenvolvimento endógeno, que rejeita a necessidade de uma imitação mecânica das
sociedades industriais (como Rostow prevê em suas etapas). Os estudos direcionam-se cada
vez mais para o social, o ecológico, o cultural. Contudo, os esforços teóricos perderam-se em
decisões políticas e se inicia um enfraquecimento e esvaziamento dos Estados (é o início do
declínio do Welfare State).
A terceira década (1980-1990), que deveria ter sido a da retomada da integração,
acabou sendo a década perdida em função do processo de ajuste financeiro nos países
industrializados. Vários países chegaram à beira do colapso, em função da segunda crise do
combustível de origem fóssil (a primeira foi em 1973). Questiona-se o modelo de
industrialização e o modelo de desenvolvimento; acelera-se a corrida armamentista (guerra
nas estrelas); transfere-se o ônus da dívida para os países devedores. É a recessão mundial.
A década de 1990 gera, contudo, um novo ethos desenvolvimentista, com duas
vertentes. Uma, no Norte, que clama por um re-desenvolvimento (desenvolver outra vez o que
foi mal desenvolvido) na busca do aperfeiçoamento e de aplicação de tecnologias limpas;
outra no Sul, que quer um re-desenvolvimento não mais nos moldes até aí praticados. Ambas
se voltam para um conceito: o desenvolvimento sustentável para o nosso futuro comum. Nessa
década, retomam-se as temáticas das grandes conferências mundiais (Rio 92 etc.) e se
aprofunda o diálogo Norte-Sul.
Em 1990, publica-se o primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano, onde o
desenvolvimento humano é apresentado como processo de “ampliação das escolhas humanas
relevantes” e como nível de realização que seria “o grau em que, em dadas sociedades, essas
escolhas relevantes são realmente alcançadas, por comparação com as demais sociedades, em
nível internacional” (Apud: Esteva, p.73). Pretende-se um Índice do Desenvolvimento
Humano (IDH) “que sintetiza, em uma escala numérica, o nível global de desenvolvimento
humano”, através da combinação de carências em termos dos índices de expectativa de vida,
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de alfabetização de adultos com 15 anos e mais, de matrícula bruta nos três níveis de ensino
e do PNB real per capita. De lá para cá, o IDH vem sendo publicado regularmente. Em 2007,
o Brasil ocupava a 70ª posição (0,800) entre 177 países do ranking3. No ranking latino-
americano, 12 países têm desempenho superior ao brasileiro, com destaque para a Argentina
(36º), o Chile (38º), o Uruguai (43º), Cuba (50º) e o México (53º); e os demais países têm
desempenho inferior ao Brasil: Venezuela (72º), Peru (82º), Paraguai (91º), Jamaica (104º) e
Haiti (154º).
Além do IDH, hoje em dia valoriza-se bastante o Índice de Pobreza Humana (IPH),
introduzido, a partir de 1997, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) como um medidor das carências humanas. O IPH evidencia a pobreza de país a país,
na perspectiva do desenvolvimento humano (IDH). O IPH, que varia de 0 (melhor) a 100
(pior situação), considera se as pessoas dispõem de escolhas e oportunidades básicas que lhes
permitam atingir uma vida longa e saudável e gozarem de um padrão de vida aceitável4.
Mede, portanto, o grau de privação de três dimensões do desenvolvimento humano.
Na medida em que se avança no tempo e nas discussões e debates, consolida-se cada
vez mais o conceito de desenvolvimento sustentável no qual, o crescimento econômico com
eqüidade social e equilíbrio ecológico, são variáveis fundantes e estruturantes.
3 Desenvolvimento sustentável
Para Boff5 a categoria sustentabilidade6 é fundante da nova cosmovisão emergente e é
estruturante do novo paradigma civilizatório em construção, que busca “harmonizar ser
humano, desenvolvimento e Terra”, ou seja, uma nova consciência. Em razão desta
consciência fala-se do “princípio Terra”. Ele fundamenta uma nova radicalidade de
pensamento e condutas. Cabe a pergunta: como salvar o Planeta Terra e a Humanidade? Ou,
que faço eu para preservar a pátria comum e garantir que tenha um futuro para todos?
Com o relatório Brundlandt – Nosso Futuro Comum – que define "sustentável é o
desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das
3 Ver mais detalhes em: www.pnud.org.br 4 O IPH-1 mede-se em três variáveis: curta duração de vida (percentual da população cuja expectativa de vida não atinge aos 40 anos); falta de educação elementar (percentual de população analfabeta); falta de acesso aos recursos públicos e privados (falta de acesso aos serviços de saúde, de água potável e de nutrição razoável). O IPH-2 mede a pobreza humana nos países industrializados onde: a) expectativa de vida (percentual da população que não atinge os 60 anos); b) educação (percentual da população cuja capacidade de ler e escrever não é suficiente para ser funcional); c) nível de renda (percentual da população com renda inferior a 50% da média nacional); emprego (percentual da população desempregada de longo prazo – para além de doze meses). Em 2002, a classificação da América Latina, em ordem crescente, era: Uruguai (3,9), Costa Rica (4,0), Chile (4,1), Cuba (4,1) .... Bolívia (16,3), El Salvador (18,1), Honduras (20,5), Guatemala (23,5), Nicarágua (24,4) e Haiti (42,3). O Brasil estava com 12,2; o México com 9,4 etc. 5 BOFF, Leonardo. História da Sustentabilidade. Sítio: http://www.cultiva.org.br/mostraleonardo.php?id=12 6 Suster vem do latim sustinere, segurar, por cima; suportar, por baixo; fortalecer o espírito, de confirmar.
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gerações futuras de suprir suas próprias necessidades", a ONU assume disseminar este
conceito em todos os seus organismos. Este relatório foi elaborado pela Comissão Mundial de
Meio Ambiente e Desenvolvimento como uma Agenda Global para a Mudança. Segundo
Boff, este “conceito possui uma pré-história de quase três séculos”, formulado por Carl von
Carlowitz (1713), que apresentou quatro estratégias para enfrentar a escassez da
sustentabilidade7:
A primeira era política: cabe ao poder público e não às empresas e aos consumidores regular a produção e o consumo e assim garantir a sustentabilidade em função do bem comum. A segunda era a colonial: para resolver a carência de sustentabilidade nacional impunha-se buscar os recursos faltantes fora, conquistando e colonizando outros paises e povos. A terceira era a liberal: o mercado aberto e o livre comércio vão regular a demanda e o consumo, resultando então a sustentabilidade que será melhor assegurada se for apoiada por unidades de produção nos paises onde há abundância de recursos necessários para a produção. A quarta era técnica: para superar a escassez e garantir a sustentabilidade buscar-se-á a inovação tecnológica ou a substituição dos recurso escassos: em vez de madeira usar carvão e mais tarde, em vez de carvão, o petróleo (Apud: Boff). Para Boff, caso tivesse triunfado a estratégia política “em razão do bem comum, a
história econômica e social do Ocidente e do mundo teria seguido o caminho da
sustentabilidade. Haveria seguramente mais eqüidade (os custos e os benefícios seriam mais
igualmente distribuídos), viver-se-ia melhor com menos e haveria mais preservação dos
ecossistemas”. Lamentavelmente, prevaleceram as outras sob os ditames do individualismo,
da ganância e do consumismo.
Para Gary Gardner8
O consumo está crescendo até nos países mais ricos. Parece que não estamos satisfeitos com o que temos. Cada ano queremos consumir mais, e isso tem um custo muito alto para o meio ambiente. Até a vida pessoal vai sendo sacrificada pelo consumo. O produto bruto mundial aumentou em mais de 150% desde 1970, enquanto o índice do Planeta Vida9, que registra a saúde ecológica do planeta, decresceu 35% no mesmo período. Assim, a economia cresce, e a saúde do planeta decresce. Muitos problemas da ecologia estão vinculados ao consumo. Também temos, aqui nos EUA, um grande problema social com o consumo. Sessenta e cinco por cento dos adultos são obesos, além disso, grande parte da sociedade está endividada por levar uma vida de grande consumo, 70% das pessoas não pagam as dívidas de seu cartão de crédito. Essa dívida é, na média, de 11 mil dólares. Torna-se uma grande pressão para as famílias manter a vida de consumo. Também há um problema de tempo, para manter esse estilo de vida, já que as pessoas têm dois trabalhos para poder gastar à altura do consumo desenfreado, significando menos tempo dedicado à família e aos amigos. Não temos a qualidade de vida que queremos. Hoje em dia, tenho certeza de que há muitas pessoas nos EUA dispostas a trocar o aumento de seu salário por mais tempo livre (IHU On-line, nº 100).
O mesmo autor afirma no livro Estado do Mundo 200410 que a sociedade norte-
americana, constituída por menos de 5% da população do Planeta, gasta 25% do carvão, 26%
do petróleo, 27% do gás natural, sem que se tenha consciência das conseqüências desse
superconsumo e da urgência de mudar os padrões de vida. Ele acredita que muitas pessoas 7 O autor usa a expressão Nachhaltendes Wirtschaften que traduzido significa: administração sustentável. 8 IHU On-Line, nº 100; in: www.ihu.unisinos.br/ Como salvar o Planeta Terra e a Humanidade? 9 O PLANETA VIDA é uma organização não governamental que tem a missão de levar a todas as pessoas uma conscientização dos vários problemas que surgiram em conseqüência da organização atual de nossa civilização. (Nota do IHU On-Line) 10 Disponível: www.worldwatch.org.br/
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(também não norte-americanos) são indiferentes diante do dano que causam ao Planeta e não
se preocupam com o futuro da humanidade. É a prevalência hedonísta-dionisíaca – uma falsa
felicidade – frente a uma racionalidade construída em vista à sustentabilidade.
Frente a este cenário levanta-se, no mundo acadêmico a tese do decrescimento em vez
do desenvolvimento sustentável, a partir de uma série de estudos realizados pelo Clube de
Roma11. Destes estudos, cabe destacar o livro Limites para o Crescimento12, considerada a
obra que inaugurou a Era do Ambientalismo. A este segue, em 1992, o Beyond the limits:
global collapse or a sustainable future, tendo à frente os mesmos autores da obra anterior.
Com recursos de modelos computacionais, eles relacionaram cinco variáveis: recursos não-
renováveis, produção industrial per capita, produção de alimentos per capita, crescimento
populacional e poluição. Após a análise do comportamento das variáveis expresso pelas
tendências mais recentes, concluíram que “o crescimento populacional, o crescimento
industrial e a redução de recursos estão levando a sociedade humana para além de seus limites
ecológicos”. Os autores estão convictos de que o modelo indica que o limite do ecossitema
está delineado e que é preciso muito vigor nos campos político, econômico, tecnológico e
social para enfrentar o desafio e preservar o nosso futuro comum.
Meadows e Meadows insistem muito de que a revolução da sustentabilidade é uma
transformação do atual paradigma de vida. Para eles, um paradigma é uma matriz que define
uma forma coletiva de sentir, pensar, intuir e valorar. É preciso que os quatro pilares do
paradigma sofram uma transformação para se abrir para a mudança.
O processo de aprendizagem é uma espiral que se move através dessas quatro polaridades: sentir, pensar, intuir e valorar. Para trazer uma revolução sustentável ao nosso meio, precisamos perceber intuitivamente nosso lugar na Ecosfera mais abrangente; a partir disso, devemos, então, ser capazes de pensar sobre diferentes estratégias de mudanças; para, então, ser capazes de sentir maneiras de experimentar idéias e ações; e, finalmente, capacitarmo-nos realmente a valorar os laços que nos conectam à terra e reorientar nosso sistema de valores (Palsule, 2004, p38)13
Para Palsule (2004) a questão da evolução da sustentabilidade nos remete aos sistemas
naturais que evoluíram para um estágio de sustentabilidade por meio de dois processos
ecológicos cruciais: o processo simbiótico e o auto-organizativo (ou autopoiético). Com base
na Biologia se define simbiose14 como o processo que mantém integradas as alianças,
consórcios e outras ligações co-evolucionárias nos sistemas naturais. Segundo Lynn Margulis,
11 O Clube de Roma é uma organização não-governamental, que, no final da década de 1960 contratou uma equipe de cientistas que elaborou uma projeção assentada sobre as tendências então imperantes; o resultado foi uma inequívoca previsão de catástrofe para as primeiras décadas do Século XXI. 12 Limits to growth (1972) de Donella Meadows, Dennis Meadows e Jordan Randers 13 PALSULE, Sudhanshu. O Desenvolvimento sustentável e a Cidade. In: MENEGAT, R. e ALMEIDA, G. (org). O desenvolvimento sustentável e gestão ambiental nas cidades: Estratégias a partir de Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. 14 Vida em comum de dois animais ou vegetais de espécies diferentes em qualquer uma de várias relações mutuamente vantajosas ou necessárias, como no parasitimso, mutualismo e comensalismo. No campo industrial,
7
cooperação simbiótica é, finalmente, tão importante quanto a competição da ‘sobrevivência do mais forte’; para competir [...] você tem que cooperar. Agora acreditamos que a visão doutrinária darwiniana ‘natureza vermelha em dentes e garras’ é ingênua e incompleta. Simbiose significa sobrevivência (Apud: Palsule, 2004, p. 40).
Já o sistema autopoiético evolui a um estágio “no qual é capaz de manter um balanço
dinâmico contínuo entre a individualidade de seus componentes e sua interdependência”.
Segundo Palsule, “estruturas auto-organizadas ou autopoiéticas sustentam-se constantemente
balanceando, por um lado, a necessidade de ficar a salvo de flutuações e, por outro lado, a
necessidade de ficar abertas a elas” (p.41). Nesta perspectiva, um estado de sustentabilidade é
um estado perpetuamente dinâmico. A partir desta concepção entende-se de que os processos
simbióticos e autopoiéticos não são restritos aos sistemas naturais, mas também são aplicáveis
à sociedade humana. Assim como os sistemas naturais, a sociedade humana tem a
sustentabilidade como fenômeno intrínseco e universal.
Para Marcel Bursztyn15 este debate leva à revisão de políticas públicas que promovam
o desenvolvimento sem gerar as mazelas do passado. Por outro lado, quando surge o conceito
de desenvolvimento sustentável,
a idéia se equaciona em termos conceituais, embora a prática não esteja imediatamente resolvida. O que sai desse debate hoje é como promover melhores condições de vida a populações que vivem em condições desfavoráveis, sem repetir o mesmo modelo de crescimento econômico que foi praticado nos países que atingiram condições de vida muito elevadas, mas também a um custo muito elevado. Isso dentro dos desafios dos países mais pobres. Quando alguém propõe que, na ausência de um modelo menos degradador, não se faça nada ou que se retroaja, na verdade é o mínimo que se pode identificar como uma proposta retrógrada, reacionária. O que se propõe, e esse é um modelo com que nós concordamos, é que se estenda, se radicalize a idéia de solidariedade, em relação ao próximo no presente, ou seja, estender condições mínimas satisfatórias a toda a população do universo e iguais ou melhores ainda, às próximas gerações para satisfazer as suas necessidades básicas. O contraponto do mau desenvolvimento não é um não desenvolvimento, mas o bom desenvolvimento. É a nossa proposta (in: IHU on-line, nº 100). As políticas conhecidas de promoção ao desenvolvimento, são políticas que vêm
importadas diretamente da razão econômica, da razão utilitarista e instrumental. Para esta
razão não existe uma visão muito estruturada do longo prazo16. Bursztyn argumenta que, no
longo prazo, “se eventualmente nós estejamos mortos, os nossos filhos não estarão, ou não
deverão estar, nem nossos netos. Portanto, há que se preocupar com o prazo, com a
durabilidade”. O autor afirma que em francês, a tradução do conceito de desenvolvimento
sustentável é desenvolvimento durável. “Ele tem que ser possível de ser continuado num
longuíssimo prazo e entendendo o desenvolvimento muito mais do que tão somente um bom
andamento dos negócios econômicos”, porque são condições de vida. O atual modelo
por exemplo, se considera o agrupamento de fabricantes independentes da mesma região que utilizam produtos, uns dos outros, para baratear o custo de fabricação. 15 IHU On-Line, nº 100; in: www.ihu.unisinos.br/ Como salvar o Planeta e a Humanidade? Decrescimento ou desenvolvimento sustentável? 16 O Lord J. M. Keynes dizia que “no longo prazo todos estaremos mortos”. Então, por que se preocupar em planejamento de longo prazo?
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consome intensivamente energia e matérias primas, as quais o planeta não tem condições de
sustentar. “Então temos que modificar os padrões de produção, de consumo e tecnológicos e
até mesmo a durabilidade e desejabilidade dos produtos, a consciência com que a sociedade
vai buscar satisfazer as suas necessidades básicas e até mesmo a identificação do que vêm a
ser necessidades básicas”.
Participando desta discussão, a revista Alternatives Économiques 17 apresenta cinco
alternativas propostas por seus debatedores - Marc Chevallier, Guillaume Duval e Sandra
Moatti – que são: 1) economizar energia e descarbonizar a economia, através da limitação do
consumo de aparelhos elétricos, economizar energia em geral e aplicar tecnologias limpas; 2)
reciclar as matérias-primas e desmaterializar a economia, partindo para uma economia de
serviços, uma indústria e economia mais ecoamigáveis, o que significa enfrentar produtores e
consumidores; 3) partir para uma outra agricultura para mudar a atual alimentação, através de
alternância de culturas agrícolas, porque o atual nível de consumo de carne é insustentável e
repensar os sistemas de irrigação; 4) repensar a modalidade dos transportes e relocalizar a
economia, priorizando o transporte coletivo e a ocupação espaço-territorial das unidades de
produção (proximidade entre regiões de matérias-primas, áreas produtivas e consumidores);
5) mudar a cidade para se tornar sustentável, a partir da produção e circulação dos bens e
serviços, das fontes energéticas, e, sobretudo, substituir o automóvel movido a energia fóssil.
Muitos estudos demonstram que a proteção ambiental é economicamente vantajosa
(economia verde; ecorotulagens etc.), porque a ecologia e a economia não estão em conflito
quando a escala temporal é de longo prazo. É preciso compreender que o modelo consumista
colocou o Planeta e a Humanidade à beira de uma hecatombe (recursos naturais não-
renováveis exauridos; disseminação de poluentes; desequilíbrio ecológico e climático etc.). É
urgente resgatar a visão cósmica, a visão planetária e visão humanitária.
Nesta perspectiva, as políticas de desenvolvimento sustentável, na tentativa de
conquistarem um melhor IDH e IPH, devem abranger três dimensões:
1) o desenvolvimento da pessoa humana exige investimentos na educação, na saúde,
na alimentação, no bem-estar social e na geração de renda, para que a expectativa de vida seja
ampliada e qualificada;
2) o desenvolvimento pela pessoa humana requer sua participação abrangente no
processo de desenvolvimento, para tanto, a alfabetização, o nível de escolarização e o nível
cultural são indispensáveis;
17 Alternatives Économiques, n. 221, janeiro de 2004, p. 55-59. In: IHU On-Line, nº 100; in: www.ihu.unisinos.br/ Como salvar o Planeta e a Humanidade? Decrescimento ou desenvolvimento sustentável?
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3) o desenvolvimento para a pessoa humana demanda possibilidades de renda e de
trabalho para todos, a fim de poderem conseguir um adequado e sustentável padrão de vida.
Com o conceito de desenvolvimento sustentável:
a) a força de trabalho de “recursos humanos” passa para “capital humano” e, agora,
firma-se como “capital intelectual” ou até como “capital social”...
b) os recursos naturais de “matérias-primas e energia” passam a serem vistos como
“natureza; meio ambiente”...
c) a contabilidade econômica transpõe as “riquezas” para o equilíbrio entre o
crescimento econômico, a proteção ao meio ambiente e a igualdade distributiva, para atingir
uma melhor eqüidade social...
Portanto, o desenvolvimento sustentável:
1) estabelece uma nova relação de equilíbrio entre a dimensão econômica, a social e a
ambiental para as atuais e as futuras gerações (nova cosmogênese);
2) baseia-se numa ética que desloca o foco para a bioética (cuja centralidade é a vida e
não mais o indivíduo na sua individualidade, isto é: torna-se biocêntrica em substituição à
visão antropocêntrica), que humaniza as relações sociais e fortalece a solidariedade;
3) encoraja um desenvolvimento democrático e participativo, visto “de baixo para
cima” ou da “periferia para o centro” e que exige a participação de todos os segmentos
sociais, de todas as nações e todos os povos (visão planetária).
4 Modelos: suas explicações
O latino-americanismo é o embrião do pensamento social autóctone frente aos pensamentos
liberal e conservador, vigentes e dominantes até o início do século XX, que explicavam pelas
origens raciais e geográficas a especificidade e o atraso da América Latina em relação ao
mundo ocidental. Portanto, o latino-americanismo busca a ruptura e a superação da
subordinação internacional, afirmando uma identidade e redefinido a inserção do Continente
no sistema-mundo.
Do embrião bolivariano e martiano, passando pelas diversas lutas de independência e
proclamação das repúblicas, elabora-se nos anos de 1960 e 1970, a teoria da dependência para
avançar, mais recentemente, para o enfoque do sistema-mundo. A construção do pensamento
social latino-americano não se aparta do cerne do pensamento social universal, por ter a
humanidade como referência, com o marxismo, o weberianismo, o positivismo, o socialismo,
o nacionalismo, o liberalismo, o conservadorismo e, recentemente, o neoliberalismo, cada
qual com sua ênfase paradigmática.
10
Martins18 (2006) faz os seguintes destaques:
1) O nacional-desenvolvimentismo: no ciclo britânico do capitalismo e com sua
exaustão e da perda hegemônica dos mares, o sistema-mundo havia realizado a divisão
internacional do trabalho19 e da produção definindo para os países centrais as atividades
industriais e para os periféricos a produção de matérias-primas, sob a égide ideológica do
neocolonialismo e da livre-concorrência. Neste cenário, a América Latina, sob a liderança das
oligarquias locais e detentoras do poder, foi periferizada e passou a ser “fornecedora” de
matérias-primas e importadora de produtos industrializados. Uma série de movimentos sociais
e políticos pleiteavam a conquista do poder para apear as oligarquias agroexportadoras. Em
alguns países isto ocorreu nas décadas de 1930 e 1940 (como é o caso do Brasil, com Getúlio
e da Argentina, com Perón). No entanto, as relações comerciais se deterioraram de tal modo
que os Estados foram atingidos estruturalmente, fomentando uma linha de pensamento, sob a
liderança da burguesia industrial e camadas médias neourbanas que passam a olhar o país na
ótica do nacionalismo e de seu desenvolvimento. Aí surgem grupos intelectuais, institutos e
partidos políticos que encampam estas idéias.
a) A Comissão Econômica para a América Latina e do Caribe (CEPAL), com sede em
Santiago do Chile, começou a funcionar em 1948, com a missão de promover o crescimento
econômico regional mediante o desenvolvimento de estudos e assessoria técnica aos
governos. Passou a ser o mais importante centro de formulação teórica do nacional-
desenvolvimentismo, tendo à sua frente dois renomados intelectuais: Raúl Prebish e Celso
Furtado. Sua principal tese era industrializar a América Latina por meio de políticas de
substituição das importações, sendo o Estado o principal agente planejador e coordenador,
assumindo as tarefas de principal agente da infra-estrutura e setores estratégicos. Entendiam
que a industrialização seria o caminho da superação das raízes do subdesenvolvimento e se
desdobraria em três fases: na primeira, se substituiria a importação de bens de consumo leves
pela de maquinaria necessárias à sua produção; na segunda, de bens de consumo duráveis; e,
18 MARTINS, Carlos Eduardo. Pensamento social. In: SADER, Emir, JINKINGS, Ivana. Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: BoiTempo, 2006, p.925-934. 19 A divisão internacional do trabalho é inerente à expansão do capitalismo e expressa a especialização e a capacidade produtiva de um país no mercado mundial. O capitalismo, em sua formação histórica, emerge do capitalismo comercial (século XVI ao XVIII), parte para o capitalismo industrial (1750-1850), período considerado imperialista, entrando no capitalismo financeiro (1850-1950) – sem abandoar sua característica imperialista. Sob a égide do modelo produtivo taylorista-fordista ocorre a grande expansão capitalista (1950-1980) – ciclo virtuoso -, com as clássicas definições da divisão entre o mundo desenvolvido (industrializado) e o mundo subdesenvolvido (não-industrializado), confrontando a ideologia do liberalismo com a do socialismo, cuja expressão relacional é a chamada guerra fria. Os subdesenvolvidos são fornecedores de matérias-primas e mão-de-obra barata, pagando royalties e elevados juros pelos empréstimos; os desenvolvidos são fornecedores de recursos financeiros, produtos industrializados, ciência e tecnologia. A partir de 1980 (aproximadamente) entra a fase da globalização capitalista, consolidando-se o sistema-mundo capitalista, sob a égide da doutrina neoliberal, após a queda do muro de Berlim e do regime soviético.
11
na terceira, internalizar a produção de bens de capital mediante a importação de máquinas que
criam máquinas (Martins, 2006).
b) Os Partidos Comunistas tiveram dificuldades em interpretar a realidade latino-
americana a partir do contexto local, ficando presos aos esquemas teóricos do feudalismo, do
imperialismo capitalista e da dominação burguesa, que deveriam ser eliminados pela
revolução proletária associada à burguesia nacional revolucionária. Neste contexto, Caio
Prado Júnior formulou o conceito de capitalismo colonial, mostrando que as burguesias locais
não rompem com o passado colonial. No entanto, os partidos comunistas contribuíram para a
consolidação desta linha de pensamento social.
c) O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), fundado em 1955, com a missão
de impulsionar um pensamento social capaz de promover o desenvolvimento brasileiro20. O
ISEB assumiu seu papel nacional-desenvolvimentista, defendendo a industrialização liderada
pela burguesia industrial nacional, articulada com os trabalhadores urbanos e as camadas
médias contra o imperialismo e as oligarquias agroexportadoras e mercantís. No ISEB
desenvolve-se a distinção entre nacionalismo de fins e de meios. O nacionalismo de fins visa
ao desenvolvimento e aceita utilizar os meios necessários para alcançá-lo, sejam nacionais ou
não, já o dos meios, calca toda a atenção sobre os mesmos, excluindo toda e qualquer
participação estrangeira nos mesmos.
A partir da década de 1960 começa-se uma revisão deste pensamento, mediante o
fracasso do modelo proposto, promovida por Celso Furtado (focaliza as estruturas e as
reformas de base)21, Raúl Prebish (olha para o desemprego estrutural e a inadequação da
tecnologia importada)22 e uma nova geração de pensadores como Aníbal Pinto (aponta o
debilitamento da industrialização periférica)23 e Maria da Conceição Tavares (demonstra o
esgotamento do nacional-desenvolvimentismo)24.
As limitações em combinar, sob o comando do capital estrangeiro, o dinamismo da substituição de importações com reformas sociais abriram espaço para o pensamento liberal, que absorveu parcialmente categorias do nacional-desenvolvimentismo – como a deterioração dos termos de troca, o planejamento estatal, a necessidade de industrialização e os aspectos estruturais da inflação. Para os neoliberais dessa geração, a intervenção do Estado não se fazia apenas no plano econômico, mas também no político, o que os aproxima do autoritarismo e do fascismo. Os principais autores desse enfoque foram, no plano econômico, Roberto Campos e, no político, Golbery do Couto e Silva (Martins, 2006, p.927).
20 Seus principais membros: Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto, Roland Corbisier, Hélio Jaguaribe, Nelson Weneck Sodré, Ignácio Rangel e Cândido Mendes de Almeida. 21 Livros: Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina (1966) e Teoria e política de desenvolvimento econômico (1967). 22 Livros: Para uma dinâmica do desenvolvimento latino-americano (1963) e Para uma política comercial em prol do desenvolvimento (1964). 23 Livro: Concentración del progreso técnico y de sus frutos em el desarrollo latinoamericano (1965). 24 Livro: Da substituição de importações ao capitalismo financeiro (1964).
12
2) A teoria da dependência: a crise do modelo de substituição das importações via
industrialização abre espaços para uma nova compreensão da realidade latino-americana e
mundial. Afirma-se que a economia mundial era a dominante no desenvolvimento do
capitalismo, frente à posição do liberalismo e demais teorias do desenvolvimento que
propugnavam a tese de que a economia mundial era um agregado de economias nacionais
independentes que se relacionavam entre si. O capitalismo estabeleceu uma divisão
internacional do trabalho e da produção (técnico-científica e de bens), determinando uma
hierarquização comercial, científico-tecnológica e de capital. Isto produz uma dependência
dos países periféricos em relação aos centrais.
A economia mundial capitalista tem sua expansão determinada pelo desenvolvimento dos monopólios tecnológicos, financeiros e comerciais situados nos países centrais. Os países dependentes são objetos dessa expansão e se ajustam a ela. Enquanto as decisões das classes dominantes dos países centrais têm grande importância para determinar as direções de expansão da economia mundial, as classes dominantes dos países dependentes tendem apenas a responder afirmativamente a esses condicionamentos. O Estado nacional é utilizado pelas burguesias dependentes como instrumento de negociação para obter melhores condições de inserção internacional (Martins, 2006, p.928).
A dependência significa um complexo de relações econômicas, comerciais, políticas,
financeiras e tecnológicas, gerado e reproduzido historicamente, que ultrapassa a ordem
interna e se firma na ordem externa. Segundo os defensores desta tese25, o sistema capitalista
realiza-se em âmbito intersocietário em que as formações subdesenvolvidas são periféricas às
formações desenvolvidas e centrais. Para caracterizar bem estas relações, recorrem à analogia
da metrópole e do satélite, configurando um único sistema. No sistema, a satelitização ocorre
pela dependência e pela exploração. A dependência: a) a política (pode ser legal ou de fato)
significa que as decisões são tomadas fora do país; b) a econômica ocorre no plano comercial
– o país exporta mais matérias-primas e importa bens beneficiados e tecnologia – e no plano
financeiro – os investidores são não-residentes; c) a tecnológica consiste no monopólio
técnico-científico dos países centrais dos quais os periféricos a importam. Esta situação de
dependência gera uma constante exploração. A exploração consiste: a) no plano financeiro (a
alta remuneração pelos serviços do capital não-residente); b) no plano comercial (a constante
deterioração da relação de preços nas relações de intercâmbio); c) no plano da tecnologia (o
pagamento de royalties e a transferência de tecnologias obsoletas).
Nesta relação a metrópole se apropria do excedente econômico dos satélites,
impedindo a formação do capital próprio. Disto decorre um círculo vicioso da pobreza com
todas as mazelas possíveis. Assim, mantidas as atuais tendências, podem ser vistas três
alternativas: a) aceitar um desenvolvimento sistêmico e hierarquizado, que se dá num
contexto de economias dominantes e de dominadas, reduzindo as diferenças das periferias em
25 Fernando H. Cardoso, Enzo Faletto, André G. Frank, Luiz Pereira, entre outros.
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relação aos centros, através de mecanismos de investimentos direcionados; b) partir para um
desenvolvimento combinado em que as periferias utilizariam tecnologias avançadas –
inadequadas no momento para a sua realidade – por pressão dos países centrais, visando a
sustentação mais equilibrada do sistema; c) agravar o desenvolvimento desigual, aumentando
as distâncias no próprio país periférico e em relação aos paises centrais. Esta última parece a
que está em curso. Entretanto, para superar a situação de subdesenvolvimento dependente não
há outra alternativa a não ser uma ruptura com estes mecanismos historicamente
estabelecidos.
Em relação à América Latina, historicamente, está ocorrendo um processo de
subdesenvolvimento/desenvolvimento capitalista periférico e dependente, via industrialização
e urbanização. Há um interesse especial dos países centrais pelas condições excepcionais do
território, da população (mercado consumidor) e pelos abundantes recursos naturais. Este
modelo caracteriza-se pela exportação (com ênfase nas matérias-primas), pela concentração
da riqueza e das terras, pelos desequilíbrios regionais, pelas decisões políticas vinculadas aos
grupos oligárquicos, à burguesia nacional e pela intensa exclusão social.
O subdesenvolvimento da América Latina expressa uma trajetória subordinada à economia mundial hierarquizada. Interno e externo se articulam na reprodução do fenômeno da dependência. A modernização não significa ruptura radical com o passado, mas um ajuste ao desenvolvimento da economia mundial e da divisão internacional do trabalho, na qual países dependentes e centrais estão integrados e desempenham papéis complementares (Martins, 2006, p. 928).
Ao abandonar a tese de um modelo nacional de capitalismo os defensores deste
modelo convergem para a dependência, no entanto, divergem no modo de se posicionar
politicamente diante do capitalismo dependente, estabelecendo dois paradigmas: o weberiano
e o marxista. O modo weberiano é defendido por Fernando H. Cardoso e Enzo Faletto26, que
se voltam “contra as interpretações nacionalistas e socialistas do capitalismo latino-
americano”.
Segundo os autores, era necessário diferenciar a velha dominação imperialista, analisada por Lênin, da nova dependência, estabelecida pelo capital estrangeiro no pós-guerra. Esta se voltava para a internacionalização do mercado interno e diferenciava as formas políticas de dominação das econômicas, permitindo àquelas a soberania formal e maior capacidade de negociação internacional. No âmbito econômico, o capital estrangeiro se solidarizava com a expansão do mercado interno. Enquanto no velho imperialismo o equilíbrio do balanço de pagamentos era ameaçado pelas remessas de lucros, pagamentos de juros, serviços técnicos e royalties que superavam os ingressos, na nova dependência essa descapitalização é mais que compensada pela dependência financeira internacional que mobiliza os excedentes de capital nos países centrais para o mercado interno dos países dependentes, possibilitando o desenvolvimento dependente ( Martins, 2006, p.929).
Os laços financeiros, tecnológicos e comerciais do capitalismo dependente “ligam-no
à economia mundial”, sem, contudo, levar ao domínio da “burguesia nacional e do Estado
26 Livro: Dependência e desenvolvimento na América Latina (1969).
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sobre a acumulação”. No campo da política a tendência é desdobrar-se na democracia
burguesa (a liberal representativa), proporcionando-lhe “o exercício da dependência
negociada” para atender as pressões sociais na participação dos resultados. Em 2006,
Fernando H. Cardoso escreve: “Abracei a causa da democracia com entusiasmo: ela motivou
a revisão de minhas análises teóricas e por causa dela passei a participar ativamente da
política partidária”27. Em seu texto, reiteradas vezes, remete-se a Weber, citando o pensador
alemão de que “a política requer perspectiva e paixão”.
O paradigma marxista tem à frente Theotonio dos Santos28, Ruy Mauro Marini29,
Vânia Bambirra e Orlando Caputo30 que, inspirados no latino-americanismo de Paul Baran e
Andre Gunder Frank, reafirmam o papel da descapitalização do capital estrangeiro nas
economias dependentes acentuado pelos monopólios que competem entre si, ampliando a
mais-valia de que se apropriam pelo dinamismo tecnológico. Para eles, as especificidades do
processo estão na acumulação do capitalismo dependente.
Seu fundamento é a busca de superlucros que impulsiona as burguesias periféricas ao compromisso com os monopólios internacionais. Ao se associarem às suas bases tecnológicas, financeiras, comerciais e institucionais, elas superam os limites endógenos de sua capacidade de acumulação e assumem uma condição monopólica no âmbito de seus segmentos produtivos de atuação e dos seus Estados nacionais. Entretanto, isso implica uma importante contradição: a mais-valia extraordinária assume um aspecto central no capitalismo dependente, mas o fato de se basear na tecnologia estrangeira acarreta transferências de mais-valia para o exterior (Martins, 2006, p.930).
A evidência histórica aponta para o fato de que o capital demanda lucros e concentra
seus investimentos onde pode proporcionar liderança tecnológica e mais-valia na economia
global. No cenário mundial, a América Latina está cada vez mais fora desta rota e está
ocorrendo o que T. dos Santos chama “tendência à estagnação relativa do capitalismo
dependente”. Na ótica do paradigma marxista, a descapitalização dos países dependentes
continua o que acarreta o aumento da dívida externa; a dependência traz um novo ônus
financeiro; e os processos de redemocratização no capitalismo dependente não levam “à
redução da exclusão social e da pobreza”. Porque,
a combinação, que os acompanhou, de elevação da intensidade do trabalho, aumento da qualificação, regressão salarial e precarização dos trabalhadores, indica o aprofundamento da superexploração na América Latina. A democratização não tem demonstrado bases sólidas ( Martins, 2006, p. 931).
3) O neodesenvolvimentismo: precedido pelo endogenismo, que concentra sua análise
nas condições históricas e nas contradições internas do capitalismo latino-americano, com
27 CARDOSO, Fernando H. A arte da política: a história que vivi. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p.19. 28 Livro: Socialismo o fascismo: el nuevo caracter de la dependência y el dilema latinoamericano (1978). Dependencia y cambio social (1972); Imperialismo e dependência (1978). 29 Livro: Las razones del neodesarrollismo (1978) é uma resposta às teses de Fernando H. Cardoso e José Serra publicadas em: Lãs desventuras de la dialética de la dependência (1978). 30 Livro: Dependencia y relaciones internacionales (1973).
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vistas às articulações dos modos de produção, o neodesenvolvimentismo tenta conciliar, na
busca de um conceito unificador, as dimensões econômicas e sociais do desenvolvimento.
Tendo por referência as derrotas do movimento socialista, as especificidades históricas da
América Latina e o seu capitalismo sui generis, o neodesenvolvimentismo retoma a
problemática da industrialização articulando-a com a democratização do Estado.
A democracia é vista, inicialmente, como condição para o atendimento das demandas sociais e, depois, para o próprio êxito da industrialização, invertendo a lógica inicial do pensamento desenvolvimentista. Seus principais autores são Maria da Conceição Tavares, Aníbal Pinto, Jorge Graciena, Fernando Fajnzylber, Raúl Prebish, Celso Furtado, João Manuel Cardoso de Mello e José Luís Fiori (Martins, 2006, p. 932).
Valoriza-se o conceito de estilos de desenvolvimento, que se fundamenta em forças
sociais e políticas, pelo qual se supera o círculo de causalidade cumulativa entre os padrões
de desenvolvimento econômico e social. Um desenvolvimento assim concebido produziria
distintos impactos na distribuição da renda e na redução da pobreza. Apresenta dois eixos
fundamentais: viabilizar o desenvolvimento em condições de desigualdades sociais e
reformular o estilo de desenvolvimento. Pelo primeiro, se enfatizaria o dinamismo da
demanda interna e sua capacidade para atrair investimentos diretos externos, com o fito de
fomentar a demanda interna e superar o gargalo do balanço de pagamentos. Pelo segundo, se
demonstraria que as desigualdades e a periferização não impedem o desenvolvimento, mas o
limitam e deveria ser construído um novo pacto social a partir de alianças sociais e políticas
que sustentariam o processo. Este estaria sustentado pela eqüidade, austeridade, crescimento e
competitividade.
4) O neogramscianismo: caracteriza-se pela combinação entre a derrota da esquerda
revolucionária, a crise econômica e a redemocratrização e descreve a democracia como valor
universal e inscreve a luta política nos marcos da legalidade. O neogramscianismo entende a
América Latina em duas grandes unidades: o ocidente tardio e a parte não ocidental. O
ocidente se assemelha à Europa mediterrânea e que são os países mais avançados na
industrialização e na diferenciação de classes – Brasil, Argentina, México, Uruguai, Chile e
Venezuela; o não ocidente é constituído pelas sociedades agrárias. Nestas prevalecem as lutas
nacionais-populares, que no ocidente estão subordinadas ao confronto democrático.
A democracia torna-se o espaço condicionante das contradições entre a burguesia e o proletariado, ou entre o imperialismo e a questão nacional. Por meio da democracia, pode-se reestruturar essas contradições e superá-las, num jogo de guerra de posições a ser dirigido por um bloco histórico sob o comando do proletariado e de seus intelectuais orgânicos. O esforço principal deve ser o de desenvolver a autonomia da sociedade civil e suas articulações com o Estado, para garantir a expressão, sem interrupções da acumulação gradual das forças socialistas. A revolução se expressaria num processo cumulativo de reformas no âmbito da legalidade dos espaços nacionais (Martins, 2006, p. 932).
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Seus principais autores são José Carlos Portantiero, Carlos Nelson Coutinho, Carlos
Pereyra e Luiz Werneck Vianna, que realizam uma interpretação particular do marxista
italiano, valorizando a dimensão consensual de hegemonia e a guerra de posição (que é
contra-hegemônica e se expressa nas diversas movimentações estratégicas).
As limitações teóricas do neodesenvolvimentismo e do neogramscianismo em articular
avanços democráticos com desenvolvimento econômico, abriram a brecha para o ingresso do
neoliberalismo que restringe o desenvolvimento político, privilegiando os interesses do
capital.
5) O neoliberalismo: dissemina-se, como doutrina econômica – com fundamentos
filosóficos, políticos e ideológicos liberais - a partir do final da década de 70 e, em duas
décadas, torna-se um guia teórico e prático de partidos políticos e governos em quase todo o
Ocidente. Seus princípios doutrinários passam a ser aceitos, apesar dos veementes protestos
de expressivos segmentos da sociedade politicamente organizada, assumindo a condição de
hegemonia como “pensamento único”. Consolida seu ideário no Consenso de Washington
(1989)31.
A vertente histórica deste pensamento surge com o liberalismo dos séculos XVIII e
XIX, que ganhou espaço e influência na sociedade européia com o desenvolvimento do
capitalismo e com a consolidação da ordem burguesa. A doutrina liberal afirma que o
propósito do Estado - como associação de indivíduos independentes – é facilitar os projetos
de seus membros e de seus empreendimentos. O Estado, portanto, não deve impor seus
próprios projetos. Esta doutrina fundamenta a doutrina econômica do capitalismo. No século
XIX esta doutrina incorporou idéias como o livre mercado, a democracia e a
autodeterminação nacional dos Estados. O contrato social do liberalismo explora toda a esfera
de escolhas privadas (consciência, opinião, família, iniciativas, educação etc.) que o Estado
não deve invadir com vistas a garantir a ordem e a proteger a propriedade privada. Para
Locke, propriedade inclui “vida, liberdade e posses” e seu gerenciamento “é um dever a nós
imposto por Deus”. Os governantes têm suas prerrogativas regidas pela lei e a “autoridade
resulta da aquiescência do governado, e o povo tem o direito, como último recurso, de
31O Consenso de Washington (1989), denominação cunhada pelo economista inglês John Williamson, refere-se a um conjunto de dez medidas (reformas) que poderiam implementar o crescimento econômico dos países da América Latina. Essas reformas seriam: disciplina fiscal; uma mudança nas prioridades para as despesas públicas; reforma tributária; liberalização do sistema financeiro; uma taxa de câmbio competitiva; liberalização comercial; liberalização da entrada do investimento direto; privatização das empresas estatais; desregulamentação das relações de trabalho e da economia e direito da propriedade assegurado. Além destas dez medidas, os governos ainda optaram pela “reforma previdenciária” em que os trabalhadores perderam muitos dos direitos historicamente (e heroicamente) conquistados.
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derrubar o governante que viole essas condições”32. Esta é a essência doutrinal: reconhecer o
desejo individual como fato básico de uma associação civil moderna.
O liberalismo opõe-se a qualquer intervenção do Estado e formula a tese de que o
indivíduo se caracteriza como a célula elementar de constituição da sociedade. Nesta
condição, o indivíduo tem direito à total liberdade econômica e política, não podendo o
Estado inibir ou coibir qualquer iniciativa sua. O mercado, regido pela “mão invisível”,
harmonizaria as ações e os comportamentos individuais, alicerçados nos interesses
particulares. Assim, as sociedades modernas ocidentais, que constituíram economias de livre
mercado, se desenvolveram com base no que A. Smith chamou de “troca, permuta e
intercâmbio” de todos os membros.
No plano internacional, esse pensamento deu origem à doutrina econômica das
“vantagens comparativas”, fundamentada na total liberdade comercial entre as nações,
sustentado no princípio do individualismo liberal e da teoria das relações econômicas
racionais. No entanto, esta concepção produziu imensas disparidades e desigualdades que se
traduziram em novas formas de dominação e exploração, configurando um imperialismo. As
dimensões das desigualdades são crescentes. Segundo Sunkel33, “em 1770 os países mais
desenvolvidos apresentavam um Produto Interno Bruto por habitante apenas 1,2 vezes maior
do que o dos países ou colônias subdesenvolvidos. Duzentos anos depois, em 1970, esta
diferença já era dez vezes maior.” No final da década de 1980 atingia a ordem de 15 vezes. E,
em 2004, elevou-se a cifra de 20 vezes. Neste contexto formula-se o conceito de
interdependência, ou seja, nenhuma nação é tão autosuficiente que possa prescindir das
outras. É necessário encontrar as complementaridades de recursos, com base nas “vantagens
comparativas” e aí intercambiar. Para Z. Bauman, o fenômeno da desigualdade entre as
nações é recente, pois, “por volta de 1870, a renda per capita na Europa industrializada era 11
vezes maior do que nos países mais pobres do mundo. No curso do século seguinte, esse fator
quintuplicou, chegando a 50 em 1995”. Para o BM, essa diferença duplicou nos últimos 40
anos.
O neoliberalismo emerge como uma reação teórica e política ao Estado
intervencionista keynesiano, presente nos EUA (com o New Deal) e na Europa (sociais-
democracias), conhecido como o Estado de bem-estar social. Movido pelos princípios
clássicos dos direitos individuais, da utilidade e da escolha racional, o neoliberalismo revive a
questão do contrato social frente aos benefícios sociais concedidos pelo Estado. Como pode o
indivíduo gerar bens públicos se isto não é do seu interesse particular? A controvérsia atinge
32 DICIONÁRIO do Pensamento Social do Século XX, Outhwaite, W. e Bottomore, T. Verbete: Liberalismo. 33 Apud: PETRY, A. SCHNEIDER, J. LENZ, M. Realidade Brasileira. 10ª ed. Porto Alegre: Sulina, 1990.
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“uma estrutura de regras constitucionais” consolidada na medida em que o Estado liberal
defende a “independência e a imparcialidade” frente às preferências individuais de seus
membros que, nas sociais-democracias, recebem a proteção do Estado, mormente os pobres.
Os principais ideólogos do neoliberalismo são: L. von Mises (1881-1973), F. von
Hayek (1899-1992), M. Friedman (1912-2007), K. Popper (1902-1994) e L. Robbins (1898-
1984), partidários que se associam para combater o socialismo e o solidarismo. Afirmam a
liberdade econômica e política como absolutas, que se regeriam pelo funcionamento dos
mecanismos de mercado. A cartilha deste ideário está consignada no Consenso de Washington
(1989). O “laboratório” deste ideário é o regime totalitário de Pinochet, no Chile (golpe de
Estado em 11-09-1973). De lá, espraia-se pelo mundo. A década de 1980 foi marcada pelo
“surto da ideologia neoliberal”, iniciado na Inglaterra com M. Thatcher (1979-1990),
passando por R. Reagan dos EUA (1982-1990) e, depois, H. Kohl na Alemanha (1982-1998),
após a reunificação, etc.
Em meio à guerra fria e em busca de uma alternativa ao socialismo, o neoliberalismo
se apresentou como a solução definitiva ao comunismo e à crise do capitalismo, na medida
em que sua doutrina propunha uma democracia de mercado “em que imperava a lei da oferta
e da procura e a soberania do consumidor”. A América Latina, como periferia do sistema-
mundo, passou a ser objeto da implantação neoliberal “pela quebra das ordens constitucionais
e por uma involução política antidemocrática”, segundo Rosenmann (2006)34. O exemplo
histórico mais importante é o Chile com o golpe militar de Pinochet (1973) que, assessorado
pela Escola de Chicago, tendo M. Friedman à frente, inicia de forma ditatorial uma
liberalização radical da economia e da sociedade, para deter o “avanço incontido do
socialismo marxista”. Anos depois, M. Thatcher na Inglaterra, R. Reagan nos EUA, F.
Gonzáles na Espanha e H. Kohl na Alemanha, seguem e aprofundam essas “megatendências
liberalizadoras”. A recente história nos demonstra que o neoliberalismo se impôs pela força
(nem sempre militar, mas pela dominação sistêmica).
O projeto neoliberal traz em seu bojo três objetivos: “promover uma mudança na
estrutura social, articular um novo consenso ideológico-político e impor outra forma de
exercício do poder político” que passaria, necessariamente, pela refundação de uma economia
de mercado e da reforma do Estado, para abandonar o “ranço” keynesiano. Ao não aceitar
propostas contrárias e diferenciais, o pensamento neoliberal construiu uma doutrina totalitária
e excludente.
34 ROSENMANN, Marcos. Neoliberalismo. In: SADER, Emir (Coord). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: BoiTempo, 2006, p. 848-855.
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O foco na reforma do Estado sintetiza-se na reforma da gestão pública, na reforma do
regime político e na reforma da constituição política do Estado. A reforma da gestão pública
adota a lógica ditada pelo mercado (privatizar, descentralizar e desregulamentar). A reforma
do regime político delineia-se por uma nova divisão do poder e pelas novas funções estatais.
A reforma da constituição política do Estado abrange os limites dos direitos e deveres do
cidadão nos âmbitos público e privado, ditados pela sociedade fundada na economia de
mercado.
5 Conclusão
A Cúpula das Nações propôs, para o século XXI, Os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio das Nações Unidas, assumidos pelos 191 países membros:
1) Erradicar a extrema pobreza e a fome:
Meta 1: Reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior
a um dólar PPC por dia. Meta 2: Reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da
população que sofre de fome.
2) Atingir o ensino básico universal: Meta: Garantir que, até 2015, todas as crianças, de
ambos os sexos, terminem um ciclo completo de ensino básico.
3) Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres: Meta: Eliminar a
disparidade entre os sexos no ensino primário e secundário, se possível até 2005, e em todos
os níveis de ensino, a mais tardar até 2015.
4) Reduzir a mortalidade infantil: Meta: Reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a
mortalidade de crianças menores de 5 anos.
5) Melhorar a saúde materna: Meta: Reduzir em três quartos, entre 1990 e 2015, a taxa de
mortalidade materna.
6) Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças: Meta 1: Até 2015, ter detido a
propagação do HIV/Aids e começado a inverter a tendência atual. Meta 2: Até 2015, ter
detido a incidência da malária e de outras doenças importantes e começado a inverter a
tendência atual.
7) Garantir a sustentabilidade ambiental: Meta 1: Integrar os princípios do
desenvolvimento sustentável nas políticas e programas nacionais e reverter a perda de
recursos ambientais. Meta 2: Reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem
acesso permanente e sustentável a água potável segura. Meta 3: Até 2020, ter alcançado uma
melhora significativa nas vidas de pelo menos 100 milhões de habitantes de bairros
degradados.
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8) Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento: Meta 1: Avançar no
desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro aberto, baseado em regras, previsível e
não discriminatório. Meta 2: Atender as necessidades especiais dos países menos
desenvolvidos. Meta 3: Atender às necessidades especiais dos países sem acesso ao mar e dos
pequenos Estados insulares em desenvolvimento. Meta 4: Tratar globalmente o problema da
dívida dos países em desenvolvimento, mediante medidas nacionais e internacionais de modo
a tornar a sua dívida sustentável a longo prazo. Meta 5: Em cooperação com os países em
desenvolvimento, formular e executar estratégias que permitam que os jovens obtenham um
trabalho digno e produtivo. Meta 6: Em cooperação com as empresas farmacêuticas,
proporcionar o acesso a medicamentos essenciais a preços acessíveis, nos países em vias de
desenvolvimento; em cooperação com o setor privado, tornar acessíveis os benefícios das
novas tecnologias, em especial das tecnologias de informação e de comunicações.
Cabe destacar o pensamento de Amartya Sen, sobre o conceito do IDH:
Devo reconhecer que não via no início muito mérito no IDH em si, embora tivesse tido o privilégio de ajudar a idealizá-lo. A princípio, demonstrei bastante ceticismo ao criador do Relatório de Desenvolvimento Humano, Mahbub ul Haq, sobre a tentativa de focalizar, em um índice bruto deste tipo - apenas um número -, a realidade complexa do desenvolvimento e da privação humanos. (...) Mas, após a primeira hesitação, Mahbub convenceu-se de que a hegemonia do PIB (índice demasiadamente utilizado e valorizado que ele queria suplantar) não seria quebrada por nenhum conjunto de tabelas. As pessoas olhariam para elas com respeito, disse ele, mas quando chegasse a hora de utilizar uma medida sucinta de desenvolvimento, recorreriam ao pouco atraente PIB, pois apesar de bruto era conveniente. (...) Devo admitir que Mahbub entendeu isso muito bem. E estou muito contente por não termos conseguido desviá-lo de sua busca por uma medida crua. Mediante a utilização habilidosa do poder de atração do IDH, Mahbub conseguiu que os leitores se interessassem pela grande categoria de tabelas sistemáticas e pelas análises críticas detalhadas que fazem parte do Relatório de Desenvolvimento Humano. (Amartya Sen, Prêmio Nobel da Economia em 1998, no prefácio do RDH de 1999).
A comunidade latino-americana compartilha a inquietude das nações em relação aos
problemas ambientais mundiais, como o aquecimento global e demais efeitos perversos do
modelo industrial e consumista vigente. A América Latina é vítima da exploração irracional e
incontida de devastação do seu meio ambiente, como o desflorestamento, a extração de
minerais, a poluição e contaminação de suas águas, a perda de solos produtivos pelo avanço
da desertificação, a diminuição e perda irreversível de biodiversidade, a contaminação
genética pelos organismos geneticamente modificados, o crescimento descontrolado da
urbanização e suas seqüelas etc. Hoje, o conceito de desenvolvimento sustentável caiu na
demagogia política como ocorreu na conferência mundial de Johannesburgo (2002), quando
nenhum acordo operativo foi estabelecido, passando para os anais como simplesmente a
conferência Rio+10.
Sugere-se a discussão e o debate sobre os objetivos do milênio e sua atingibilidade na
América Latina, em especial os que visam a sustentabilidade de um futuro viável e comum.
21
Referências
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Desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Petrópolis: Vozes, 2000, p.59-83.
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BRAIDOTTI, Rosi et.al. Mulher, ambiente e desenvolvimento sustentável: para uma síntese
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Visitar:
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