DIDÁTICA DOS PROCESSOS EDUCATIVOS: PROXIMIDADES COM A
ALFABETIZAÇÃO
Este painel visa apontar a proximidade e os distanciamentos dos debates acerca da
educação no contexto acadêmico e da práxis no contexto do trabalho docente em
relação as concepções sobre os processos educativos envolvidos na alfabetização. Será
constituído de três pesquisas. A primeira, trata de uma síntese do que foi produzido nas
bases de dados da CAPES, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPED) e da Scientific Electronic Library Online (SCIELO) no período de
2009-2013 nas categorias Linguagem, Letramento, Alfabetização e Cognição. A
segunda, fornece subsidios teóricos a partir dos estudos de Alexander Romanovich
Luria e de outros estudiosos do tema sobre o ensino da linguagem escrita na perspectiva
de letramento num convite a refletir sobre o ensino da linguagem escrita e a repensar as
concepções que tem fundamentado este processo. E o terceiro, foca no processo de
conversão da atenção natural em atenção voluntária a partir da internalização de
dispositivos simbólicos presentes no processo de ensino escolar com base nos
pressupostos teóricos dos pensadores Lev Semenovitch Vigotski e também de
Alexander Romanovich Luria sobre a transformação de funções mentais elementares em
funções mentais superiores no percurso histórico genético do desenvolvimento humano
e do papel da internalização simbólica no funcionamento cerebral e constituição da
atividade mental complexa na criança, os indícios captados na pesquisa revelaram que o
uso de signos reorganiza e complexifica o pensamento e comportamento da criança,
tornando-os regulados e volitivos. Neste aspecto o painel congrega e converge as
categorias de cognição, linguagem e letramento com a discussão a alfabetização, e o
ensino da linguagem escrita.
Palavras-Chave: Alfabetização, Linguagem, Letramento
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1117ISSN 2177-336X
PANORAMA DAS PRODUÇÕES EM EDUCAÇÃO DE 2009-2013 E SÍNTESE
DE SUAS BASES TEÓRICAS
Rodrigo Garcez
Mestre em Educação
Universidade Federal Fronteira Sul – UFFS
Professor efetivo na Secretaria Municipal de
Educação do Município de Erechim – RS E-mail: [email protected]
Eixo Temático 1 -Didática e prática de ensino: desdobramentos em cenas na educação pública.
Subeixo 1 – Didática: relação teoria/prática na formação escolar.
Agência Financiadora: não contou com financiamento. Resumo
Este artigo visa estabelecer as bases argumentativas e teóricas das pesquisas em
educação que se utilizam das categorias: Linguagem, Letramento, Alfabetização e
Cognição no período de 2009-2013. Este trabalho está constituído de duas secções. A
primeira secção está dividida em duas partes: a primeira trata de uma abordagem
quantitativa onde é possível observar as produções por base da dados, por ano e
categoria, o recorte por eixo de conceitos agrupados em alfabetização e letramento e
linguagem e cognição, e a segunda, de cunho qualitativo, tratará da forma com que os
eixos agrupados foram construídos levando em consideração métodos de alfabetização,
o papel do professor no processo, a produção de sentidos, o pensamento e a linguagem,
a linguagem e a subjetividade, as mudanças cognitivas relacionadas ao uso de suportes a
escrita, o processo de construção de significados e o uso de mapas conceituais como
estratégias de avaliação. A segunda secção, é uma síntese através de um mapa
conceitual das bases teóricas utilizadas pelas pesquisas consultadas na delimitação de
seus objetos. Nesta síntese e análise das diferentes produções consultadas encontra-se
um caminho que põem em perspectiva a prática docente fundamentada nos processos de
construção de significados, servindo de base para as considerações sobre o conceito
abordado na academia sobre as categorias pesquisadas e as encontradas na prática com
educadores. Foram utilizadas as bases de dados da CAPES, da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e da Scientific Electronic Library
Online (SCIELO) no período citado nas categorias Linguagem, Letramento,
Alfabetização e Cognição.
Palavras-chave: Linguagem, Letramento, Alfabetização e Cognição
Introdução
Para todo trabalho científico se faz necessária uma incursão as produções da área
que se deseja a pesquisa, esta revisão de literatura busca a construção de uma síntese
teórica argumentativa do debate acadêmico sobre alfabetização sob a perspectiva da
linguagem, cognição e letramento. Com essa delimitação de categorias, tem-se por
objetivo sistematizar o campo de conhecimento abordado nas produções relacionadas.
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No decorrer dela, foram elencados alguns eixos, que objetivam especificamente
delimitar as propriedades do objeto deste trabalho. Assim, a contextualização está
dividida em duas partes, que versam sobre o procedimento e as estatísticas da revisão
bibliográfica e as relações das categorias citadas. Nesta etapa, efetuou-se uma busca nas
bases da CAPES e da SCIELO no período de 2009-2013 nas seguintes categorias pré-
selecionadas: Linguagem, Letramento, Alfabetização e Cognição. Essas categorias
também foram tomadas duas a duas: Linguagem e Letramento, Linguagem e
Alfabetização, Linguagem e Cognição, Letramento e Alfabetização, Letramento e
Cognição, Alfabetização e Cognição.
Na base de dados da ANPED, foi efetuada a leitura de todos os trabalhos do
Grupo de Trabalho (GT) 10 – Alfabetização, Leitura e Escrita no período dos anos 2009
a 2013, conforme podemos ver no quadro abaixo, nas estatísticas por ano.
Quadro 01 – Trabalhos do GT 10 – Alfabetização, Leitura e Escrita no período de 2009 a 2013
Fonte: Base de dados da ANPED Na base da SCIELO, no primeiro movimento, foram utilizados os seguintes
parâmetros para buscas: pesquisa em artigos, método integrado, âmbito regional,
coleções do Brasil, idioma português, campo de ciências humanas e apresentação de
algum resultado. Na base da CAPES, foram feitas pesquisas na área de Educação em
teses e dissertações. Devido à base estar em processo de reformulação e as publicações
estarem sendo validadas, o período disponível para buscas consistentes foi de 2011 a
2013. Após a leitura dos artigos obtidos, foram identificados os escritos relevantes que
tratavam da educação infantil e anos iniciais e da faixa etária de até 10 anos. Foram
excluídos os que tratavam de inclusão e relatos de caso. Esta exclusão se justifica do
ponto de vista a buscar uma base global de conhecimentos e não correr o risco de perder
o foco em virtude de especificidades locais. A partir de então, os trabalhos foram
listados por agrupamento de categorias, junto com as demais bases de pesquisas, na
tabela final de eixos. No próximo quadro, apresentamos as estatísticas das buscas e das
produções selecionadas. Pode-se começar a perceber, então, o cenário das pesquisas
neste campo do conhecimento.
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Quadro 02 – Síntese da produção publicada nas bases de dados da CAPES e da SCIELO
CATEGORIAS
SCIELO
2009-2013
CAPES
2011-2013
1º Mov. 2º Mov. 1º Mov. 2º Mov.
01 Linguagem 324 18 734 34
02 Letramento 40 6 164 17
03 Alfabetização 87 14 318 32
04 Cognição 67 7 183 9
05 Linguagem e Letramento 6 0 76 7
06 Linguagem e Alfabetização 9 5 113 39
07 Linguagem e Cognição 13 5 123 3
08 Letramento e Alfabetização 1 0 116 15
09 Letramento e Cognição 2 0 9 2
10 Alfabetização e Cognição 2 0 9 1
Fonte: Base de dados da CAPES de 2011 a 2013 e da SCIELO de 2009 a 2013
Dessa forma, percebe-se que a produção vai rareando à medida que as categorias
são concatenadas. Esse comportamento se estende à base de teses e dissertações no
banco de dados da CAPES no período de 2011 a 2013 (período disponível às buscas
com dados revisados). É digno de nota também que muitas das publicações listadas nas
categorias individuais acabam se repetindo nas buscas de categorias concatenadas,
reduzindo, assim, ainda mais o número de produções na área. O passo seguinte foi a
leitura das produções escolhidas e seu agrupamento por eixo de conceitos nas categorias
selecionadas. Neste ponto, foram agrupadas as três bases – ANPED, SCIELO e CAPES
– por ano, categorias e eixos encontrados. As categorias foram agrupadas em eixos de
conceitos. Esses eixos se evidenciaram pela concentração comum de conteúdos
abordados nas categorias pesquisadas, conforme podemos ver na Figura 02.
Figura 02 – Fluxo da análise de conteúdo da revisão bibliográfica
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Fonte: arquivo pessoal do pesquisador
Passaremos agora à descrição detalhada de cada um dos eixos e das suas
respectivas dimensões. É de interesse levar em consideração que todas as publicações
analisadas se reservaram o direito, umas de forma explícita e outras nem tanto, de
mostrar que suas considerações não esgotam e nem têm por objetivo esgotar os assuntos
abordados. A partir de agora, os termos em itálico servem para sinalizar as dimensões
abordadas na Figura 02, oriundas dos eixos de conceitos. O texto seguirá, em fluxo
contínuo, abrangendo todos os tópicos sequencialmente.
Sobre os métodos de alfabetização, no eixo Alfabetização e Letramento,
Marreiros (2011, p. 27) faz uma diferenciação e menciona que eles podem ser
agrupados em métodos sintéticos e métodos analíticos. No primeiro, os processos se
desdobram em alfabéticos, silábicos e fonéticos; no segundo, desdobram-se em
palavração, sentenciação e contos. Nessas definições, percebemos dois caminhos
possíveis: um que privilegia a trajetória da compreensão da parte em direção à
totalidade (letra à palavra) e outro, no sentido inverso, do todo à parte (palavra à letra).
Na história brasileira, segundo a autora, até meados dos anos 1890, prevalecia o
método sintético. Por volta de 1896, o então revolucionário método analítico para o
ensino da leitura foi a base da reforma nos métodos de ensino. Com o avanço das ideias
construtivistas e sua institucionalização pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), o discurso construtivista tornou-se hegemônico. O momento seguinte foi ao
encontro dos métodos, possibilitando o surgimento do pensamento interacionista.
Aqui percebe-se que Frade (2007 apud MARREIROS, 2011) deu atenção a um
elemento-chave, que pode trazer significância ao que será ensinado. Quando a leitura se
debruça apenas ao conhecimento e ao encadeamento de letras (método
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alfabético/fônico/silabação) e a escrita somente à ortografia e à caligrafia, o aluno
apenas decora e reproduz. Essa abordagem de conteúdo da alfabetização acaba por
articular o papel do professor com a relação da criação de sentidos durante o processo
alfabetizador. Isso porque, quando a criança é levada a perceber “[...] a importância do
aprendizado, começa a valorizar atividades que antes pareceriam sem sentido”
(BAGATINI, 2012, p. 99).
Dentro desse mesmo eixo, o papel do professor no processo de alfabetização e
letramento é trazido ao foco, uma vez que evidencia divergências entre o que é falado e
o que se constata empiricamente na sala de aula. Na pesquisa de Marreiros (2011), o
método sintético, que pode ser considerado tradicional, predomina nas práticas
alfabetizadoras. Embora todas as professoras participantes da pesquisa afirmem em seu
discurso que se baseiam em teorias construtivistas, socioconstrutivistas e
sociointeracionistas, em muitas situações conduzem seus processos de aprendizagem de
forma controladora. O mesmo fenômeno se evidenciou nas concepções de alfabetização
e letramento: foi unânime a compreensão de que a leitura e a escrita, a alfabetização e o
letramento caminham juntos e que estes dois processos fazem parte da entrada da criança no
mundo da escrita. Porém, na prática, evidenciou-se outra dinâmica, voltada para a
conclusão de tarefas em tempos determinados e sem apoio individual ao aluno que
apresenta dificuldades.
Logo, a produção de sentidos para a prática educativa no processo de
alfabetização e letramento posiciona-se entre as duas forças antagônicas: a teoria e a
prática, no contexto social em que tal produção vem a ocorrer sob a ação do professor.
A aprendizagem, segundo Maturana (1998 apud BRANDT, 2011), não ocorre
apenas pelo agir intelectual guiado pela razão, mas, sobretudo, pela emoção que
inaugura a ação do aprender. Partindo da premissa de que só conseguimos pensar com
as coisas que fazem sentido, percebemos que a produção de sentidos está intimamente
ligada às experiências vividas. O produzir sentido exige do professor um conhecimento
do outro, mesmo que esse conhecimento seja uma concepção hipotética do aluno à sua
frente, do entorno real ou imaginado que compõe a sua sala de aula, dos condicionantes
curriculares e das estratégias avaliativas impostas hierarquicamente, segundo Azevedo
(2011). Baseando sua tese nas categorias do Círculo de Bakhtin, Azevedo (2011) traz os
conceitos de “significados agregados” e de “significados de partida”, que se estruturam
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na tradição do ensinado e na inovação. Percebe-se que as práticas de letramento
constituem e estruturam a produção de sentidos, ao mesmo tempo em que desafiam os
professores, em uma arena assimétrica e desarmoniosa, a moldar sua prática em um
espaço-tempo de disputa e permeado pelas relações de poder historicamente criadas.
Assim, torna-se pertinente que busquemos um detalhamento que nos auxilie a
diferenciar as práticas de letramento do processo de alfabetização.
Na visão de Castro (2010), a alfabetização é uma etapa em que se aprende o
sistema de codificação e decodificação de fonemas e do sistema ortográfico da língua
escrita e, assim, é uma fase do letramento. O letramento, por sua vez, segundo Carvalho
(2009), refere-se à extensão e à qualidade do domínio da língua escrita, a ponto de usá-
la com desenvoltura ao desincumbir-se de suas atribuições sociais e profissionais. Logo,
o letramento traz consequências políticas, econômicas e culturais para os indivíduos e
grupos que se apropriam da escrita, e não pode ser tratado como um processo neutro.
Outra dimensão abordada nas pesquisas é que não existe um nível zero de
letramento. Toda criança e/ou adulto analfabeto traz consigo um grau de letramento
variável, influenciado pelo seu nível social e cultural.
Com essa perspectiva em mente, encadeamos a dificuldade de pôr em prática a
teoria na formulação de sentidos relacionados na perspectiva de alfabetização e
letramento nos níveis díspares que encontramos na sala de aula. Nos próximos
parágrafos, abordaremos a seguinte tríade: concepções de leitura, os gêneros na
produção textual e sua relação com a avaliação.
Dentro da dimensão da leitura e produção textual, Sercundes (1997 apud
SOUZA, 2010) discute basicamente dois tipos de práticas, que respondem a diferentes
concepções do ato de escrever e a diferentes concepções metodológicas. São elas:
produções textuais sem atividade prévia e produções textuais com atividade prévia. Na
primeira concepção, a escrita é tomada como um dom. O aluno é solicitado a escrever
sobre um assunto, sobre o qual geralmente não tem domínio. A segunda concepção,
aquela que subentende uma atividade prévia, onde a escrita pode ser vista como
resultante de um processo mecânico de aquisição de informação através da leitura ou
demandar esforço intelectual do aluno, onde o planejamento da parte do professor é
fundamental e pode se organizar didaticamente na “… leitura e discussão a respeito do
assunto a ser estudado; levantamento e leitura de textos extras a respeito do assunto;
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organização das ideias levantadas; execução do texto. Assim, todas as atividades prévias
darão suporte ao processo de produção.” (SOUZA, 2010, p. 24)
Em decorrência desta atividade, a redação tradicional começa a ser questionada,
abrindo um caminho favorável ao ensino dos gêneros do discurso, que deixam de ser
vistos como uma estrutura tipológica. Assim, priorizam-se as interações discursivas
entre sujeitos e aproximam-se as práticas de escrita do aluno à realidade. Nesta
perspectiva percebe-se que o vetor que deve guiar a prática docente é a criação de um
espaço pautado em subsídios para que o aluno conquiste e saiba se expressar no seu
próprio estilo. Esse estilo é entendido como marca de sua individualidade, promovendo
sua autonomia e criticidade através da escrita.
Nas considerações do segundo eixo, Linguagem e Cognição, entra-se no campo
da Psicologia e de suas contribuições à Educação. A primeira dimensão a ser abordada é
a do pensamento e linguagem. A compreensão de como a criança constrói o
desenvolvimento e como ela se articula nesse processo tem se modificado no âmbito
educacional, psicológico e social. Nas produções pesquisadas, podemos perceber três
formas predominantes de compreendê-la, sob perspectivas diferentes, as quais podem
contribuir para melhorar nosso entendimento. Tais formas correspondem a três
principais estudiosos: Piaget (1975), Wallon (1989) e Vygotsky (2001). Para Piaget
(1975), segundo Pereira (2012), o pensamento representativo tem início com a
capacidade de evocar objetos. Essa capacidade promove transformações, as quais
ampliam os conhecimentos oriundos da inteligência prática, e permite a elaboração de
operações complexas que os atos, por sua limitação temporal, não alcançam. Ele toma a
linguagem como uma condição necessária na construção de operações lógicas, mas não
atribui a ela importância máxima.
Já Vygotsky (2001) coloca a linguagem no lugar central da própria estruturação e
organização do pensamento. “A linguagem não serve como expressão de um
pensamento pronto. Ao transformar-se em linguagem, o pensamento se reestrutura e se
modifica. O pensamento não se expressa, mas se realiza na palavra” (VYGOTSKY,
2001, p. 142). O trabalho de Vygotsky (2001) também aponta a precedência da
gramática sobre a lógica e, neste ponto, aproxima-se de Wallon (1995) e Piaget (1975).
Isso porque, segundo Pereira (2012), Piaget (1975) demostra em suas pesquisas que a
criança usa orações subordinadas muito antes de aprender os significados
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correspondentes e, em Wallon (1995), há precedência da linguagem em relação ao
conhecimento advindo da experimentação. Essas visões aparentemente assíncronas
acabam por ampliar a compreensão desse campo do conhecimento, uma vez que cada
pesquisador se posiciona em uma perspectiva sobre o fenômeno do pensamento e da
linguagem. De acordo com Vygotsky (2008), é o significado da palavra que altera a
relação entre pensamento e palavra. Essa afirmação nos remete aos processos de
construção de significados e suas relações com o desenvolvimento do humano.
Segundo Correia (2009), muitos autores concordam que o processo de
significação representa um aspecto principal da cognição humana e que o Processo de
Construção de Significados (PCS) envolve diferentes ciências. Em sua produção, a
autora salienta que é preciso inserir-se em diferentes áreas – Psicologia, Linguística,
Filosofia e Biologia –, no sentido de tentar mapear o processo. Além da linguagem, na
obra da autora, é possível perceber, outros três componentes: a interação, um objeto e a
atenção dirigida. A interação se justifica pela existência necessária de outro indivíduo,
presencial ou não, que instiga e direciona as tentativas de construção de significados. O
objeto, a possibilidade de construir significados, envolve um artefato material, e este
está sempre impregnado de significados culturais. Por último está a atenção dirigida,
pois, para significar, é necessário estar voltado para algo. Com o objetivo de esclarecer a
importância dos estudos nessa área, a autora dá relevância ao tema, articulando a
Psicologia e a Linguística, com vistas ao desenvolvimento da consciência humana.
Correia (2009) não esgota o tema, mas fornece subsídios para outras construções
teóricas ou empíricas através da articulação com a Psicologia. Uma vez que o signo é
um produto social cuja função é gerar e organizar processos psicológicos, a mediação
entre o indivíduo, os outros e ele mesmo se tornando a forma mais adequada para a
investigação da consciência humana. Logo, a constituição do sujeito pela linguagem
passa a ser outra dimensão a ser considerada: a constituição da subjetividade na criança
passa pela linguagem.
Segundo Ré (2012), nos escritos do Círculo de Bakhtin, o termo subjetividade é
bastante recorrente e às vezes chega a se confundir com individualidade. Sendo assim, a
subjetividade se manifesta em um evento singular integrado a uma situação real e é
fruto de um diálogo de vozes sociais que ecoam na palavra do sujeito. Vista sob outro
ângulo, cada manifestação de linguagem é marcada pela subjetividade do locutor, é a
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sua materialização, uma produção de signos e de ideologia que vai se construindo
socialmente nas relações com o outro. Levando essas considerações ao universo da
criança, é possível refletir que elas utilizam o discurso do interlocutor para elaborar seu
próprio discurso. As produções linguísticas das crianças estão relacionadas a um espaço
intersubjetivo no diálogo, pois sua linguagem difere da linguagem do adulto, uma vez
que nem todos os elementos da linguagem do adulto serão observados pela criança.
Esse entendimento permite compreendermos o conceito de Bakhtin (1997) de que a
criança não adquire a linguagem, mas penetra no fluxo da comunicação verbal e nele há
o despertar da sua consciência. Com essa retomada de conceitos, pode-se afirmar que o
processo (ininterrupto) de constituição subjetiva tem início com o despertar da
consciência e se desenvolve com ela e por meio dela.
Nas considerações a seguir, focaremos a atenção nas pesquisas que abordam a
representação por signos, internos ou externos, quanto ao processo de aquisição da
escrita e sua relação com os meios de suporte à escrita. A escrita é vista como parte
integrante da linguagem, porém subsequente ao domínio da linguagem verbal.
Intimamente ligada aos conceitos de alfabetização e letramento, o uso de suporte da
escrita pode abranger muitas facetas na interface do aluno com seu meio social. Assim,
o termo alfabetização é aplicado a muitos outros campos do conhecimento. Neste ponto,
nos remetemos a Frade (2005, p. 4 apud GLÓRIA, 2011, p. 28):
[...] a transposição do termo alfabetização para outros campos é bem
frequente quando se trata de ensinar outros códigos. Assim, na falta de outro
termo, perde-se um pouco seu sentido etimológico ligado a letra para associá-
la ao aprendizado inicial de outros signos. O uso de suporte da leitura e da escrita inaugura, em nossa época, a tecnologia
computacional, que torna também o sentido de letramento algo mais abrangente: o
letramento digital. Fazendo uma retomada histórica e citando Levy (1990, p. 118),
Glória (2011, p. 26) diferencia culturas letradas e culturas orais no sentido das diferentes
percepções que ambas podem apresentar na forma como racionalizam seus objetos. A
autora justifica o uso do suporte digital no período da aquisição da escrita como não
sendo nem melhor nem pior, apenas que o pressuposto de letrar digitalmente deixará
indivíduos diferentes.
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Seguindo o diálogo com as diversas publicações consultadas em relação a
suportes, agora na dimensão da prática educativa, a utilização de mapas conceituais
como ferramenta estratégica de organização do professor e como oportunidade de
avaliação por parte do professor em relação ao aluno vem como uma possibilidade de
contribuir para uma aprendizagem significativa. A aprendizagem significativa e a
avaliação formativa podem ser vistas como complementares, uma vez que estão
posicionadas em etapas diferentes do processo de ensino-aprendizagem. De acordo com
Ausubel, Novake e Hanesian (1980 apud BORUCHOVITCH, 2010), a aprendizagem
significativa subordina-se a quatro princípios: diferenciação progressiva, reconciliação
integrativa, organização sequencial e consolidação.
A diferenciação progressiva implica a hierarquização dos conceitos, dos mais
abrangentes aos mais específicos e particulares. A reconciliação integrativa envolve o
estabelecimento de relações e correlações entre os conceitos e, ainda segundo
Boruchovitch (2010), admite o pressuposto de cuidado com a elaboração do material
instrucional utilizado, que deve contemplar as semelhanças, diferenças e eventuais
inconsistências entre as ideias trabalhadas. A organização sequencial envolve a
disposição sucessiva dos tópicos e unidades a serem abordados, levando em
consideração a logicidade, a gradualidade e a continuidade. A consolidação acontece
quando os conteúdos são efetivamente aprendidos e apreendidos pelo aluno, quando
este não somente o reproduz, mas consegue se valer deles para resolver diferentes
situações complexas. Nesse ponto, o compromisso docente confere ao processo um
caráter de promoção de autonomia, e não somente subordinação. Segundo Boruchovitch
(2010), a utilização dos mapas conceituais como instrumento de avaliação confere
dinamicidade e progressividade ao ensino e à aprendizagem, favorece a identificação
dos conhecimentos apropriados pelo aluno e orienta as ações e intervenções docentes no
aperfeiçoamento do ensino e na ampliação da aprendizagem. Durante este processo de
pesquisa, todos os trabalhos pesquisados estabelecem sua fundamentação em um ou
dois dos quadrantes da figura a seguir.
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Figura 03 – Mapa conceitual parcial dos eixos de categorias abordados na revisão bibliográfica
Fonte: Arquivo pessoal do pesquisador
Há duas colunas, as quais, neste caso, estabelecem a dimensão prática e a dimensão
teórica. Essa tensão se evidenciou na preocupação com que todos os autores buscaram
abordar a multidimensionalidade dos objetos quando se tratava da educação. As duas
linhas que se observam na figura sinalizam a base filosófica/epistemológica e a base
psicológica com que se estabelecem as pesquisadas abordadas. Além disso, permite
entender também a dimensão teórica e prática do processo de ensino-aprendizagem, sob
a perspectiva da psicologia cognitiva e/ou histórico-cultural. No centro da figura,
unindo as dimensões teoria e prática e os eixos epistemológico e psicológico, o eixo do
conhecimento que se destaca é o da produção de sentidos, de um lado como produto do
trabalho docente e de outro como via de acesso do aluno ao conhecimento e à cultura. A
função do professor aparece no topo dessas relações, posicionado como um elemento
mediador na tensão entre teoria e prática. Essa tensão é entendida como um processo
dialético que acaba movendo toda a estrutura à medida que, ligada à produção de
sentidos, exerce influência sobre a construção de uma nova percepção da realidade ao
aluno. Com sua percepção de realidade alterada, o aluno responde, solicitando uma
nova configuração na produção de sentidos e exigindo um novo posicionamento do
professor. A essa base teórica sintetizada, acrescentam-se agora os objetos delineados
nas pesquisas desta revisão bibliográfica, nas suas respectivas bases teóricas e
tendências à teoria e/ou à prática educativa.
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Figura 04 – Mapa conceitual completo dos eixos de categorias abordados na revisão bibliográfica
Fonte: Arquivo pessoal do pesquisador Os métodos de alfabetização posicionam-se no quadrante
teórico/epistemológico, e os desdobramentos sintético e analítico, no quadrante
prático/epistemológico, por estarem intimamente ligados à prática da linguagem. O
processo de letramento pode ser entendido como subsequente a certo nível de
alfabetização e, em seguida, atua paralelamente a esse processo. Como tal processo está
ligado à prática, pode apresentar certas defasagens, as quais, pela perspectiva da
recuperação lúdica do letramento emergente, podem ser amenizadas no período de
transição da educação infantil ao ensino fundamental. Ainda na dimensão
epistemológica, aparecem a leitura e a produção textual, as quais ocorrem quase
simultaneamente ao processo de alfabetização, porém são subsequentes em relação ao
processo de letramento. O eixo da produção de sentidos é mais bem definido ou
graduado sob a ótica dos significados de partida e dos significados agregados pela
educação. Os conceitos de pensamento, linguagem, estruturação por mapas mentais e a
relação com a linguagem são abordados na perspectiva histórico-cultural. Porém, como
se trata de um movimento de duas vias (externo à sociedade e interno ao indivíduo), é
pertinente não reduzir a percepção ou privilegiar somente uma dessas vias.
Considerações finais
Na realidade percebida pela leitura de diferentes produções, encontramos um
caminho que põem em perspectiva esta servindo de base para as considerações sobre o
conceito abordado na academia sobre as categorias pesquisadas e as encontradas no
pesquisa com educadores. Os trabalhos consultados estão fundamentados de forma
polarizada ou sobre a perspectiva da psicologia cognitivista ou na psicologia histórico-
cultural. Porém independente da base teórica escolhida a estrutura do processo didático
de ensino aprendizagem se estabelece no modelo do professor como elemento
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posicionado na tensão existente da teoria em relação a prática com ao processo de
produção de sentidos na relação com o aluno.
Referências Bibliográficas
MARREIROS, Regina Sodré Almeida. Dos métodos de alfabetização às práticas das
professores: um percurso a ser desvelado. (Dissertação em Educação) Universidade
Federal do Maranhão – UFMA. São Luís, 2011.
BAGATIN, Thiago Souza. Alfabetização em foco: uma análise do método fônico e
sua ascensão no cenário nacional. (Dissertação em Educação) Universidade Federal
do Paraná – UFPR. Curitiba, 2012.
BRANDT, Ana Luisa. Sentidos da escrita nas linguagens das crianças. (Dissertação
em Tecnologias e Linguagens na Educação) Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC – Santa Cruz do Sul, 2011.
AZEVEDO, Patricia Bastos de. História ensinada: produção de ensino em práticas
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1131ISSN 2177-336X
15
CONCEPÇÃO DE ENSINO DA LINGUAGEM ESCRITA: ABORDAGEM A
PARTIR DOS ESTUDOS DE ALEXANDER ROMANOVICH LURIA
Lorita Helena Campanholo Bordignon
Mestranda em Educação
Universidade Federal Fronteira Sul – UFFS
Professora efetiva na Secretaria Municipal de
Educação do Município de Santiago do Sul- SC
E-mail: [email protected]
Marilane Maria Wolff Paim
Doutora em educação
Professora titular da Universidade Federal da Fronteira Sul- UFFS.
Atua no programa de mestrado em educação e no curso de pedagogia.
Pesquisadora e líder do Grupo de Pesquisa em Educação,
Formação Docente e Processos Educativos.
É bolsista CAPES do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação a Docência - PIBID,
coordenando o Subprojeto PIBID Pedagogia.
E-mail: [email protected]
Eixo Temático 1 -Didática e prática de ensino: desdobramentos em cenas na educação
pública.
Subeixo 1 – Didática: relação teoria/prática na formação escolar.
Agência Financiadora: não contou com financiamento.
Resumo
O ensino da linguagem escrita numa perspectiva de letramento é um desafio aos
professores e à escola, e por isso, a discussão em torno das concepções do ensino da
linguagem escrita tem permeado diferentes estudos na área da educação e possibilitado
aos professores repensarem o processo de alfabetização e letramento e o modo pelo qual
tem sido conduzido. A importância da escrita para o dia a dia dos sujeitos ressalta a
necessidade de um ensino da linguagem escrita que seja efetivo, permitindo que estes
desenvolvam esta habilidade nas suas atividades cotidianas, para a relação com o outro
e exercício da cidadania. Frente ao exposto, este artigo, utilizando-se de uma abordagem
bibliográfica, a partir dos estudos de Alexander RomanovichLuria e de outros
estudiosos do tema, dedica-se, à abordagem da concepção de ensino da linguagem
escrita que fundamenta o ensino da linguagem escrita em uma perspectiva de alfabetizar
e letrar. Por isso, este artigo convida a refletir sobre o ensino da linguagem escrita e a
repensar as concepções que tem fundamentado este processo, trazendo contribuições à
atuação do professor alfabetizador.
Palavras-chave: Criança. Ensino da Escrita. Prática Pedagógica.
Introdução
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O ensino da língua escrita tem sido objeto de estudos de muitos pesquisadores e
teóricos da educação, entre elas as de: Soares (2000; 2001; 2004), Smolka (1991), Rojo
(2000), Arroyo (2000), Tfouni (1997), Mortatti (2011), Paim (2001) e Frago (1993);
bem como nos encontros científicos no campo da educação, a exemplo da ANPEd
(Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) e no GT (Grupo de
Trabalho) de Alfabetização, Leitura e Escrita, que, ao longo dos anos vem contribuindo
para melhor compreender como esta linguagem tão importante e presente na vida dos
sujeitos inseridos em sociedades letradas, foi sendo concebida nos diferentes momentos
históricos, sociais e culturais e de como esta foi sendo ensinada na e pela escola.
Embora sendo um tema recorrente em pesquisas em educação, principalmente
no que se refere à alfabetização e ao letramento, a sistematização do ensino da
linguagem escrita provoca inquietações, atualmente, entre os educadores, tendo em vista
a relevância para os sujeitos da apropriação do sistema gráfico de escrita, bem como a
apropriação destas habilidades e competências nas diversas práticas sociais e culturais
em que se demanda o uso da escrita.
A relevância da escrita, e consequentemente seu ensino, justifica-se,
principalmente, porque de alguma maneira o sujeito interage e necessita fazer uso, da
escrita. Nucci (2001, p. 47) escreve que: “Numa sociedade como a nossa, a escrita é
mais do que uma tecnologia; ela se tornou um bem social indispensável para enfrentar o
dia-a-dia, seja nos centros urbanos, seja na zona rural”.
No entanto, embora seja uma criação humana, a escrita não é inata
(BORDIGNON; PAIM, 2015). As habilidades e as competências para escrever não
nascem prontas no sujeito. Logo, a escrita precisa ser aprendida e, portanto, necessita
ser ensinada. Neste sentido, Koerner (2010, p. 47) salienta que “adquirir as habilidades
da leitura e da escrita significa adquirir os instrumentos necessários para nela interagir e
isto implica no redimensionamento da prática pedagógica”.
Partindo-se desta abordagem inicial do ensino da linguagem escrita, este estudo,
tendo como base os escritos de Alexander Romanovich Luria (1979, 1986, 1988) e de
outros teóricos que abordam sobre as concepções e os processos de ensino da linguagem
escrita na alfabetização e no letramento, norteia-se por uma questão central que tem
permeado o cotidiano de muitos alfabetizadores no processo de desenvolvimento de
práticas pedagógicas alfabetizadoras, especificamente no ensino da linguagem escrita,
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sendo: qual a concepção de ensino da linguagem escrita que fundamenta a
alfabetização em uma perspectiva de letramento?
Portanto, o presente trabalho traz, questões em torno da aquisição da escrita pela
criança sob a perspectiva de Luria e de outros autores, mas se dedica mais
especificamente, em um segundo momento, à abordagem da concepção de ensino da
linguagem escrita que fundamenta o ensino da linguagem escrita em uma perspectiva de
alfabetizar e letrar, trazendo a atuação do professor nesta perspectiva.
Para, tanto, utilizou-se da pesquisa bibliográfica como forma de conhecer e
agregar ao estudo a perspectiva de alguns dos autores acerca do tema discutido.
Breve abordagem acerca do desenvolvimento da escrita pela criança
O processo de desenvolvimento da escrita pela criança foi objeto de estudo de
Alexander Romanovich Luria (1979, 1986, 1988), um neuropsicólogo russo
considerado “um dos expoentes do século XX no estudo e na compreensão dos
processos psíquicos” (OLIVEIRA; REGO, 2010, p. 107).
Os estudos de Luria (1988) estiveram fundamentados na perspectiva
vygotskyana, mais especificamente, na concepção histórico-cultural. Para Vygotsky:
“todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o
meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo mediador é incorporado à sua
estrutura como parte indispensável, do processo como um todo” (VIGOTSKY, 1998, p.
70).
Gontijo (2002, p. 19) citando Vygotsky (1987) corrobora com o apresentado ao
destacar que,
[...] Os signos nasceram da necessidade de os homens comunicarem-se com
os seus parceiros e de intervirem sobre eles, e os instrumentos resultaram da
ação do homem sobre a natureza. Desse modo, signos e instrumentos são
mediadores das relações construídas pelos próprios homens para garantir a
continuidade da história e a reprodução da espécie [...] o instrumento é um
diretor da atividade externa do homem e, por isso, está dirigindo para o
domínio da natureza, enquanto o signo é um meio de intervenção sobre si
mesmo e sobre as outras coisas pessoas e, dessa forma, está dirigindo para a
atividade interna.
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Para Luria (1988) assim como o trabalho, a linguagem é um meio pela qual o
sujeito desenvolve sua consciência. A linguagem participa do processo de “constituição
do sujeito que fala/escreve, mas também dos modos como esse sujeito fala/escreve”.
Sendo assim, a linguagem afeta o desenvolvimento do sujeito enquanto um ser social,
um ser que pensa e “se constitui como um sujeito discursivo” (KOERNER, 2010, p.
34).A linguagem escrita, por exemplo, envolve muito mais que o “ato de grafar sons da
fala oral”, ela “expressa e materializa significados” (GONTIJO, 2002, p. 19).
É na escola que a criança acentua a sua relação com a escrita, no entanto,
conforme Matencio (2012, p. 16),
[...] o contato da criança com a escrita acontece antes mesmo do início de sua
aprendizagem sistematizada, pois ela já adquiriu „um patrimônio de
habilidades e destrezas‟, bem como de técnicas primitivas com funções
semelhantes às da escrita que, na verdade, irão se perder na escola, onde a
criança terá acesso a um „sistema de signos padronizados e econômicos‟,
culturalmente elaborados.
Neste sentido, Luria (1988) defendeu a ideia de que a compreensão do modo
pelo qual se desenvolve o processo de aquisição da escrita deveria ser anterior ao
processo sistematizado de alfabetização, por entender que os primeiros registros
realizados no caderno escolar pela criança não representavam o primeiro estágio do
processo de escrita.
Luria (1988) também chamou atenção para a importância de o professor
conhecer um pouco das experiências que a criança já possui acerca da ou com a escrita
Assim, as pessoas que interagem com a criança, neste contexto, com especial atenção
para o papel do professor, devem conhecer e compreender os processos, as habilidades e
as condições que favorecem para que a criança se aproprie da escrita (GONTIJO, 2002).
Rojo (1998, p. 69) complementa que “[...] nenhum processo de ensino pode se
realizar, se o professor desconhece o que acontece com seu aluno no seu processo de
aprendizagem”.
Frente ao abordado, que destaca acerca dos contextos culturais e sociais letrados
nos quais os sujeitos interagem, da necessidade social do domínio das habilidades da
leitura e da escrita pelos sujeitos, e do efetivo uso destas habilidades nos mais diversos
contextos sociais letrados, surgea necessidade de propor algumas reflexões acerca da
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concepção de ensino da linguagem escrita que fundamenta a alfabetização em uma
perspectiva de letramento, trazendo aspectos relacionados à atuação do professor nesta
perspectiva.
Qual concepção de ensino da linguagem escrita fundamenta a alfabetização em
uma perspectiva de letramento?
Inicialmente, cumpre destacar a importância do professor em conhecer sobre o
processo de desenvolvimento da linguagem escrita pela criança, para que possa atuar e
fazer as mediações necessárias tendo em vista a efetiva e significativa aprendizagem da
escrita (BORDIGNON; PAIM, 2015). Assim, rompe-se com a concepção de ensino da
escrita enquanto um processo mecânico, “alienado, unilateral e solitário já que as
experiências vinculadas pressupõem a relação entre um ‟eu‟ e um „tu‟” (MORTATTI;
FRADE, 2014, p. 172). Tanto a linguagem oral quanto a linguagem escrita se
estabelecem pelo diálogo, pela comunicação entre os sujeitos, portanto “determinada
tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém”
(BAKTHIN, 1977, p. 113).
Nesta perspectiva de compreensão da linguagem oral ou escrita enquanto
elemento de criação da cultura, entendida enquanto meio de interação e comunicação
entre os sujeitos, requer pensar a superação de concepções que defendem o ensino da
linguagem escrita como um “objeto estritamente escolar, como forma de uma sucessão
de etapas em progressão linear, fragmentada e cumulativa de ensinar letras, sílabas,
palavras e textos” (MORTATTI; FRADE, 2014, p. 175).
As inquietações sobre o ensino da escrita se acentuaram a partir dos estudos da
psicologia, da linguística e da área da educação, além das críticas tecidas por Paulo
Freire nos anos 1960 a 1970 as quais denunciavam “as práticas alienantes de ensino,
defendendo a alfabetização como leitura de mundo e da dimensão política do ensino”
(MORTATTI; FRADE, 2014, p. 175).
No entanto, a dúvida, a dificuldade em superar os modelos de alfabetização que
foram sendo cristalizados durante muito tempo na história da educação brasileira,
marcadas pelo ensino descontextualizado da escrita, caracterizado pelos exercícios
repetitivos, do ensino das famílias silábicas, textos com meras palavras repetidas, sem
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uma proposta de ensino que fez ou faz pouca ou nenhuma relação com a escrita
enquanto linguagem dialógica. A angústia, a insegurança por parte de muitos
educadores em trabalhar o ensino da escrita neste momento de tantos questionamentos
de como ensinar? Que método utilizar? Que concepção deensino da linguagem escrita
sustenta uma proposta pedagógica concebendo a escrita enquanto linguagem viva,
portanto, carregada de sentido e de significados atribuídos nos mais diversos contextos
sociais e culturais. Como superar os modelos de ensino que não considera o processo
sócio-histórico da escrita, já ultrapassados, porém, cristalizados nos contextos das
escolas? As indagações levantadas ao tecer esta reflexão nos remetem a pensar sobre as
experiências vivenciadas no processo de alfabetização, os fazeres, as propostas de
ensino da linguagem escrita “[...] Não recebi orientação para agir assim; fazia-o, talvez,
porque assim fizeram comigo” (KOERNER, 2010, p 63).
Koerner (2010, p. 55) escreve que “o apego a certas práticas arraigadas poderá
dificultar a introdução de propostas que desestabilizem as bases já sedimentadas”. Neste
contexto, muitos professores sentem-se desafiados a buscar outras concepções que lhes
permitam desenvolver uma proposta de ensino da escrita numa perspectiva de
alfabetizar e letrar. Assim, aponta-se para a necessidade de desenvolver propostas de
ensino em que a linguagem escrita seja concebida e configurada “como efetivo objeto
de ensino. Um objeto cultural que só pode ser apreendido pelos processos reflexivos e
cognitivos do sujeito mediados pelos professores (ou interlocutores experientes), no
contexto de situações significativas e práticas sociais” (MORTATTI; FRADE, 2014, p.
177).
Nesta perspectiva, o ensino da escrita deverá pautar-se na concepção da escrita
enquanto linguagem. Gontijo (2008, p. 38) observa que
[...] o desenvolvimento da escrita integra o desenvolvimento da linguagem na
infância e possibilita que a criança amplie e diversifique duas possibilidades
de expressão por meio da linguagem e de integração com outras pessoas.
Esse é um princípio fundamental, pois se alicerça na ideia de que a escrita é
linguagem e não apenas um sistema de símbolos gráficos que representa os
sons da fala.
Uma proposta pedagógica de ensino da linguagem escrita em uma perspectiva de
alfabetizar e letrar implicam propor atividades em que a leitura e a escrita sejam
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contextualizadas “a partir de práticas cotidianas reais de escrita da criança. É preciso
que ela perceba as funções da escrita e sinta-se inserida num contexto equivalente ao
seu cotidiano” (NUCCI, 2001, p. 69).
Conforme registra Luria (2006), a escrita tem função social “se realiza,
culturalmente, por mediação” (LURIA, 2006, p. 144). Tendo a escrita função social,
requer da escola, mais especificamente do professor, compreender que o sujeito, a
criança, ao chegar à escola “traz consigo toda uma trajetória de contatos com a
linguagem escrita que essa mesma escola, dada a sua necessidade (e preocupação de
controle do ensino,acaba por não levar em conta” (KOERNER, 2010, p. 43).
A escola ignorando a diversidade de experiências de cada criança sobre a escrita
e os usos da escrita socialmente, homogeneíza, além do que propõem, na maioria das
vezes, propostas pedagógicas ancoradas em concepções já ultrapassadas, ditas
“tradicionais” que já não dão conta, ou talvez nunca dessem, de o sujeito se apropriar
das habilidades e competências da escrita enquanto exercício de cidadania e a escrita
passa a ser vista e aprendida pelo sujeito como algo, relacionado à escola, tornando-se
alheia, sem relação com suas vivências sociais e culturais, que envolvem a escrita.
(KOERNER, 2010). Assim, “[...] o tão necessário envolvimento do sujeito em práticas
sociais com a escrita – o „letrar-se‟ – dá lugar a uma série de exercícios que visam tão
somente a sua alfabetização, ou seja, o domínio do aspecto mecânico da escrita, das
relações entre letra som” (KOERNER, 2010, p. 43).
Neste sentido, embora com publicações de documentos oficiais chamando a
atenção para um ensino pautado mais na linguagem escrita enquanto elemento
discursivo de interação entre os sujeitos dos mais diversos contextos, a efetividade desta
proposta de ensino fundamentada na concepção dialógica da linguagem escrita, tem
encontrado dificuldades de efetivar-se enquanto prática, no contexto da escola.
O professor vivencia um tempo de construção de propostas de ensino em que ele
precisa “reconhecer o movimento da linguagem que se realiza em diferentes situações
de interação pela palavra escrita” (MATENCIO, 2012, p. 46). Movimento este, que é
resultado de mudanças históricas que se vinculam ao saber social.
Neste sentido, a alfabetização, mais especificamente o ensino do sistema de
escrita alfabético sistematizado, ensinado na escola e pela escola precisa estar vinculado
com a escrita enquanto elemento de comunicação, interação entre os sujeitos. Não basta
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mais ensinar meramente codificar e decodificar, a desenhar letras, faz-se necessário
ensinar o sujeito de tal maneira que este se aproprie de habilidades da escrita para que
possa utilizá-la em suas práticas sociais. Desenvolver propostas de ensino a partir do
entendimento da dimensão social, cultural, histórica da linguagem, conforme escreve
Frade (2007) requer
[...] um conjunto amplo de decisões relacionadas ao como fazer e implica
decisões relativas a métodos, à organização da sala de aula e de um ambiente
de letramento, à definição de capacidades a serem atingidas, à escolha de
materiais, de procedimentos de ensino, de formas de avaliar, sempre num
contexto da política mais ampla de organização do ensino [...] (FRADE,
2007, p. 29).
Neste sentido, é fundamental conhecer as práticas de letramentoque caracterizam
o entorno social em que vivem os alunos a fim de que se torne possível compreender
sua maior ou menor familiaridade com os diferentes usos da escrita que é propostana
escola, bem como a organização de formas de ressignificar as práticas de origem de
modo a facultar a participação desses alunos em novos eventos de letramento,
ampliando sua mobilidade social. Freire corrobora quando observa que, “nas condições
de verdadeira aprendizagem, os educandos vão se transformando em reais sujeitos da
construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador igualmente sujeito
do processo” (FREIRE, 1996, p. 26).
Sendo assim, tendo conhecido as práticas de letramento que caracterizam o
entorno sociocultural em que vivem os alunos, de modo a entender quais eventos de
letramento são familiares a eles e quais eventos lhe são desconhecidos, tem-se uma
segunda e importante tarefa: entender como estes alunos usam a escrita, quais os
domínios que construíram e sobre quais habilidades implica adotar uma concepção
social da escrita, em contraste com uma concepção de cunho tradicional que considera a
aprendizagem de leitura e da escrita trabalhada artificialmente, sem significado. A
função social da escrita deve estar clara para todos os envolvidos no processo: qual é a
sua importância e onde é utilizada na nossa sociedade. Assim, o processo de
alfabetização e letramento pode ser entendido como um processo interdiscursivo de
apropriação das múltiplas linguagens disponíveis na cultura, e a sala de aula também
deve ser vista como um espaço permeado por sujeitos com histórias diferentes que
aprendem de formas diversas e em momentos diversos.(PAIM, 2009)
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Nessa perspectiva o professor alfabetizador deixa de ser o transmissor de
conhecimento e passa para a condição de “mediador”, cabe a ele criar condições para o
aluno apropriar-se do conhecimento.
Considerações finais
Ao abordar, brevemente, acerca do desenvolvimento da escrita pela criança e,
com maior ênfase, a concepção de ensino da linguagem escrita que fundamenta a
alfabetização em uma perspectiva de letramento, o estudo trouxe para a discussão
desafios à prática pedagógica no processo de alfabetização e letramento, com vistas a
superar concepções ultrapassadas do ensino da linguagem escrita e estreitar laços entre
o ensino e as experiências de vida dos sujeitos.
A escrita, desde muito tempo, faz parte da vida das pessoas, sendo a forma de
realizá-la – isto é, de materializar, por meio de símbolos padronizados, sentimentos,
ideias e perspectivas – aperfeiçoadas nos distintos contextos sociais e geográficos ao
longo do tempo. Hoje, sem dúvida, a escrita, e também a leitura assume um papel
essencial, uma vez que subsidia, a independência do sujeito, comunicação entre
pessoas,a convivência em sociedade e a relação da pessoa com o mundo.
É cada vez mais visível a necessidade dos sujeitos em saberem escrever e
conseguirem efetivamente utilizar a escrita no seu cotidiano. Por isso, a importância do
processo de ensino da linguagem escrita ser fundamentado por uma concepção
pedagógica que possibilite relacionar este processo com as experiências vivenciadaspelo
aluno (um sujeito não neutro), tornando-o com sentido para quem aprende.
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APRENDIZAGEM ESCOLAR, DISPOSITIVOS SIMBÓLICOS E ATENÇÃO
AUTORREGULADA E VOLUNTÁRIA NA CRIANÇA: RELATOS DE UMA
PESQUISA
Angela Zamoner Mestre em Educação
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
Professora efetiva na Secretaria Municipal de
Educação do município de Caxambu do Sul-SC
E-mail: [email protected]
Eixo Temático 1 - Didática e prática de ensino: desdobramentos em cenas na educação pública.
Subeixo 1 – Didática: relação teoria/prática na formação escolar. Agência Financiadora: não contou com financiamento.
Resumo: Tendo como parâmetro os pressupostos teóricos dos pensadores Lev
Semenovitch Vigotski e Alexander Romanovich Luria sobre a transformação de funções
mentais elementares em funções mentais superiores, no percurso histórico-genético do
desenvolvimento humano e do papel da internalização simbólica no funcionamento
cerebral e constituição da atividade mental complexa na criança, este trabalho procura
evidenciar, com base nos dados de uma pesquisa concluída, como a escola, ao criar
novos dispositivos simbólicos orientadores do comportamento e pensamento da criança,
potencializa a conversão da atenção natural em atenção voluntária/arbitrária. Procurou-
se captar, no movimento dialético e semiótico do ensino e aprendizagem escolar, a
existência de indícios que possibilitem inferir que os mecanismos mentais de atenção
natural (não intencional e não volitiva) estão se transformando/convertendo-se em
atenção voluntária/arbitrária devido à ação de sistemas simbólicos, de mecanismos
artificiais (signos) no funcionamento cerebral da criança. Para isso, delimitou-se como
hipótese investigativa que esses estímulos culturais reorganizam os processos cognitivos
da criança, dando origem a comportamentos organizados, intencionais, conscientes,
autorregulados e volitivos. A partir de uma pesquisa empírica, orientada pelo método
Materialista Histórico-Dialético e pela abordagem microgenética, realizada numa turma
de 1º ano do ensino fundamental de uma escola pública estadual, localizada no
município de Chapecó-SC, constatou-se empiricamente que, de fato, tal hipótese se
confirma, pois os indícios captados revelaram que o uso de signos reorganiza e
complexifica o pensamento e comportamento da criança, tornando-os regulados e
volitivos.
Palavras-chaves: Desenvolvimento humano. Educação escolar. Atenção voluntária.
Introdução
O presente trabalho deriva de um recorte epistemológico (teórico e empírico)
oriundo de um processo de investigação científica realizado no contexto real de uma
sala de aula do ensino fundamental público estadual, no município de Chapecó-SC, que
resultou na dissertação intitulada: Educação escolar e o desenvolvimento de funções
mentais superiores na criança: atenção voluntária.
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O escopo precípuo desse recorte consiste em abordar elementos do percurso de
abstração do problema de pesquisa formulado para o processo investigativo realizado
(Como a escola cria novos dispositivos simbólicos orientadores do comportamento
e pensamento da criança potencializando a conversão da atenção natural em
atenção voluntária/arbitrária?), captados e sistematizados a partir da análise de um
conjunto de dados empíricos coletados no cenário real de uma sala de aula.
As premissas teóricas orientadoras do movimento de pesquisa sobre o
desenvolvimento da atenção voluntária na criança perpassam por:
a) As funções mentais superiores (aquelas que são caracteristicamente humanas) são
culturalmente constituídas;
b) “Os sistemas de signos (a linguagem, a escrita, o sistema de números), assim como o
sistema de instrumentos, são criados pelas sociedades ao longo do curso da história
humana e mudam a forma social e o nível de seu desenvolvimento cultural”
(VIGOTSKI, 2007, p. XXVI);
c) A internalização dos sistemas de signos produzidos culturalmente provoca
transformações psicológicas e comportamentais na criança. O contato da criança com
dispositivos culturais/simbólicos modifica totalmente o curso do seu desenvolvimento,
pois o converte de biológico para cultural (VIGOTSKI, 2007, p. XXVI).
d) A cultura fornece mecanismos artificiais (simbólicos) que reorganizam os processos
neurofisiológicos do sistema nervoso central da criança, fazendo com que ela
desenvolva comportamentos arbitrários, intencionais e planejados (VYGOTSKY;
LURIA, 1996);
e) A educação escolar (prática sociocultural) possui um papel central na conversão de
comportamentos reflexos e involuntários em comportamentos conscientes e voluntários,
pois modifica substancialmente a relação entre cérebro e regulação da atividade devido
à utilização de dispositivos simbólicos de pensamento (MARTINS, 2013).
As premissas teóricas supracitadas sustentam a hipótese de que a prática escolar
produz uma reorganização radical na atividade mental, que origina comportamentos
volitivos e conscientes na criança. Esse conjunto de premissas orientou o processo de
abstração do fenômeno investigado (conversão da atenção natural em atenção cultural
devido à interferência dos dispositivos simbólicos na atividade mental das crianças) e a
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verificação dos indícios de desenvolvimento da atenção voluntária apresentados pelas
crianças nos processos de pensamento e comportamento na sala de aula.
Para Luria (1991) a atenção voluntária é uma função superior que regula e
organiza todas as atividades práticas e intelectuais do humano. Ela não é inata e
determinada apenas por mecanismos biológicos, mas sim, um ato social, portanto,
educável.
As premências instintivas e involuntárias dos comportamentos e pensamentos da
criança modificam-se devido a novas motivações, socialmente constituídas. Essa
dinâmica cerebral derivada da interferência dos estímulos artificiais sobre o
funcionamento mental da criança, reorganiza todo seu sistema voluntário, produzindo
formas superiores de atividade volitiva, seletiva, arbitrária, organizada e consciente.
A perspectiva metodológica utilizada para captar os indícios de conversão da
atenção natural em atenção voluntária nas crianças consistiu no Materialismo Histórico-
Dialético. Esse método possibilitou o estudo do fenômeno em movimento e para além
das suas aparências causais/pseudoconcretas. Utilizou-se também a abordagem
microgenética que está alinhada com os postulados da teoria histórico-cultural e com o
método Materialista Histórico-Dialético, pois torna possível a abstração epistêmica,
análise, reflexão e compreensão do fenômeno em movimento, no contexto das suas
interações constitutivas e do emaranhado das suas contradições.
“O processo de aquisição das particularidades humanas, isto é, dos
comportamentos complexos culturalmente formados, demanda a apropriação do legado
objetivado pela prática histórico social da humanidade” (MARTINS, 2013, p. 271). Essa
é exatamente a função da escola, possibilitar às crianças, o acesso e apreensão do
conhecimento sistematicamente produzido no decurso histórico-cultural dos homens. A
educação escolar deve promover processos sistemáticos de internalização cultural, de
apropriação de sistemas simbólicos de pensamento. A internalização de
dispositivos/sistemas simbólicos complexos promoverá uma reorganização dos
processos mentais da criança, convertendo mecanismos naturais e elementares de
caráter instintivo e involuntário, em mecanismos culturais e complexos de pensamento
organizado e consciente.
Essa é exatamente a dinâmica empírico-investigativa proposta neste estudo. Na
sequência, será apresentada a análise do papel do trabalho pedagógico na reorganização
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da atividade mental e na constituição de comportamentos volitivos e conscientes de um
grupo de crianças que frequentam uma turma de alfabetização (1º ano do Ensino
Fundamental) de uma escola pública estadual localizada no município de Chapecó-SC.
Com base nas matrizes metodológicas supracitadas, elegeu-se o espaço
escolar/pedagógico como lugar de interesse pedagógico, focalizando processos de
construção do conhecimento e de mediação pedagógica em fases iniciais de
escolarização.
A utilização da abordagem microgenética possibilitou a análise do transcorrer de
uma atividade intelectual e a captura das mudanças de qualidade das ações e
pensamentos das crianças, em função do jogo de mediações simbólicas presentes na
aprendizagem escolar e das condições de produção de mecanismos cognitivos. Essa
dinâmica investigativa empírica tornou possível a captura de indícios da atividade
mental das crianças ao interagirem com sistemas simbólicos de pensamento no espaço
escolar.
Na sequência, apresenta-se uma sucinta análise da investigação realizada que
procurou captar, no movimento dialético, dialógico e semiótico do ensino e
aprendizagem escolar, a existência de indícios que evidenciassem a conversão de
mecanismos mentais de atenção natural (não intencional e não volitiva) em atenção
voluntária/arbitrária, devido à ação de sistemas simbólicos, de mecanismos artificiais
(culturais) no funcionamento cerebral, na organização do pensamento e comportamento
das crianças. Para isso, recortou-se um episódio gravado no contexto de realização de
tarefas escolares no âmbito da sala de aula de um 1º ano dos anos iniciais (turma de
alfabetização).
A imersão empírica realizada no processo de investigação partiu do princípio de
que é mediante a ação mediada na sala de aula que a pesquisa vai se delineando, ou seja,
o objeto de investigação foi captado no seu movimento dialético, na sua dimensão
dialógica e contraditória. A ação investigativa orientada pelos pressupostos teórico-
metodológicos do Materialismo Histórico-Dialético foi se constituindo a partir das
dinâmicas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem e no conjunto de interações
simbólicas por ele produzidas.
A inserção da pesquisadora no espaço investigativo seguiu a rotina já instituída
na sala de aula, sem definições a priori. A professora estava trabalhando com o tema: o
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ser humano e a saúde (alimentação, a higiene e a relação dos seres humanos com o
ambiente onde vivem)1.
Destarte, a inserção da pesquisadora seguiu a sequência didático-pedagógica
delineada pela docente e que já estava em andamento. Dessa forma, antes do início do
acompanhamento das aulas, a professora já havia trabalhado com o conceito da cadeia
alimentar, problematizado questões sobre o ser humano e sua saúde, sobre a importância
da higiene, dos cuidados com o corpo e sobre alimentação. O trabalho foi realizado
através de produções textuais, de práticas de leitura e interpretação textual, de diálogos
problematizadores e de elaboração de atividades individuais e coletivas que envolviam
o uso do Sistema de Escrita Alfabética, do Sistema de Numeração Decimal e um
conjunto de conceitos oriundos dos temas estudados.
Foi a partir desse momento que a inserção empírica na sala de aula iniciou.
Logo, a dinâmica de aprendizagem estava direcionada ao estudo o tema: alimentação.
No âmbito desse conceito, a docente propôs um movimento pedagógico que
possibilitasse a compreensão sistemática e semiótica da origem dos alimentos focando
nas seguintes categorias: origem vegetal, animal, mineral e alimento industrializado.
A recolha dos dados empíricos foi realizada durante todo o mês de novembro do
ano de 2014. O acompanhamento foi diário e os registros foram feitos através de vídeos
e observações. É pertinente destacar que do conjunto total dos registros efetuados,
optou-se pela seleção de momentos de aprendizagem específicos, que forneciam os
indícios procurados. Esse recorte de episódios não foi feito de forma aleatória, e sim
com base nos pressupostos teóricos orientadores dessa investigação.
Com isso exposto, passa-se à análise dos dados de um de quatro episódios
registrados no contexto real da sala de aula2. Os personagens que aparecem nessa
investigação são identificados da seguinte forma: Professora da turma (PR),
Pesquisadora (PE), as crianças terão o nome substituído por uma letra (A até V) e nas
situações onde várias crianças se manifestaram oralmente, ao mesmo tempo, utiliza-se o
termo crianças. Também substituiu-se, nos momentos de diálogos, os nomes de crianças
que foram proferidos pela pesquisadora e professora.
1.1 Educação escolar e a conversão da atenção instintivo-reflexiva de caráter não
intencional e não volitiva para atenção artificial, voluntária e cultural na criança:
dinâmica semiótica da sala de aula
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A dinâmica da sala de aula era composta por momentos dialógicos, por
problematizações, exposição de ideias e situações empíricas do universo cotidiano das
crianças, por troca entre pares (criança com criança, professora com crianças, etc),
exposição de dúvidas, situações de aprendizagem individual e coletiva, momentos de
produção textual e de leitura, pela resolução de problemas e demais situações
matemáticas (envolvendo operações aditivas e multiplicativas e elaboração de gráficos e
tabelas), processos de negociação e momentos de reflexão no ato de escrever, enfim, por
uma dinâmica extremamente complexa de interlocuções semióticas.
O episódio a seguir, foi se delineando a partir de um momento de produção
textual sobre o conceito de alimento de origem vegetal elaborado e problematizado pela
docente.
Na sequência, a professora propôs a construção individual de uma lista de
alimentos vegetais que as crianças conheciam e construção de um gráfico. Para a
construção do gráfico, apresentou um conjunto de imagens de frutas às crianças. Cada
criança deslocou-se até a mesa da docente, onde as figuras estavam expostas, para
escolher sua predileta. Com base nas orientações da docente, cada criança retirou duas
imagens da fruta escolhida para pintá-las. Uma foi colada no caderno e a outra utilizada
na construção coletiva de um gráfico que foi exposto na sala de aula.
O intuito da docente com esse movimento consistiu na organização de dados
para a construção coletiva do gráfico abaixo sobre as frutas preferidas do 1º ano 1.
Gráfico produzido coletivamente em sala de aula.
Fonte: atividade desenvolvida em sala de aula.
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Com base no processo de construção coletiva da representação gráfica das frutas
preferidas das crianças, a professora propôs a construção do gráfico de forma individual.
Para isso, entregou uma folha quadriculada às crianças e orientou o processo de inserção
dos dados numéricos.
É pertinente destacar que o trabalho de mediação pedagógica da professora e o
conteúdo da atividade, ofereceram algo completamente novo ao curso do
desenvolvimento mental da criança, pois o movimento de aprendizagem escolar passou
a orientar e estimular processos internos de pensamento que não se originariam de
forma cotidiana e espontânea (estritamente empírica).
Outro aspecto importante, que deriva da mediação pedagógica da docente,
consiste no papel da sua instrução verbal na organização das ações, da atividade e do
pensamento das crianças. A fala manifestava-se como um elemento semiótico que
direcionava a atividade mental das crianças, tornando-a organizada e consciente. A fala
da docente produzia nas crianças formas internas de pensamento, que tornavam as ações
requeridas à solução das tarefas propostas, organizadas, seletivas, voluntárias e
conscientes conforme os indícios abaixo.
Episódio 1:
PE: Por que você colocou os números nessa coluna? Eles indicam o quê?
Criança E: O número de frutas.
PE: A quantidade de frutas.
PE: Por que é necessário colocar os números no gráfico (criança B)?
Criança B: Pra conta a quantidade de frutas.
PE: Isso mesmo.
PE: Por que é necessário colocar os números nessa coluna?
Criança S: Pra contar o número do morango, das uvas.
PE: Então, os números indicam o quê?
Criança S: O número de frutas que têm.
PR: Agora olhem para mim aqui. Nesse quadradinho aqui (indica a primeira coluna do
gráfico), qual é a primeira fruta que aparece lá (indica para o gráfico exposto na parede).
Crianças: Morango.
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PR: Olhem para mim, tem que olhar para a profe, senão vocês fazem de qualquer jeito e
tem que apagar. Embaixo, vocês vão escrever com letra pequena morango. Quantos
morangos têm lá no gráfico?
Crianças: 4.
PR: Então, quantos morangos têm que desenhar?
Crianças: 4.
PR: Vamos lá! Agora tem que desenhar dentro dos quadradinhos. Aqui, um, dois, três,
quatro.
Criança I: Tem que desenhar desde o 0?
PR: Tem que desenhar desde o 0? Claro, porque o 1 está logo aqui (indica o número 1
logo acima).
Criança F: Professora, faz favor. Assim?
PR: Isso, bem assim. Quantos morangos têm que fazer.
Criança F: 4
PR: 4.
PE: Quantos morangos têm que fazer criança H?
Criança H: 4.
PE: Por que 4?
Criança H: Porque tem 4 lá.
PE: Mas por que tem 4 lá?
Criança H: Porque 4 crianças escolheram morango.
PE: Qual é a quantidade de morangos que você precisa desenhar (Criança B)?
Criança B: 4
PE: E por que 4?
Criança B: Hummmmm, porque é a quantidade de morango que tem.
PE: Mas essa quantidade de morango quem definiu? Como que tem 4 ali?
Criança B: 4 crianças gostaram de morango.
PE: Criança R, por que você desenhou 4 morangos?
Criança R: Porque 4 crianças gostam de morango.
PE: Criança E, essa quantidade aqui (indico para a seta numérica e primeira coluna do
gráfico) representa o quê?
Criança E: O número de crianças que gostam de morango.
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Criança L:
PE: E agora, o que você tem que fazer (Criança L)?
Criança L: A uva.
PE: E por que a uva?
Criança L: Porque é a segunda.
PE: E qual é a quantidade que você tem que desenhar?
Criança L: 7.
PE: E por que 7?
Criança L: Porque 7 crianças gostam da uva.
PE: E 7 crianças de qual sala?
Criança L: Do 1º ano.
Produção gráfica individual proposta pela docente.
Fonte: construção gráfica da criança B.
PE: (Criança L) o que vocês acabaram de fazer?
Criança L: Um gráfico.
PE: E o que tem nesse gráfico?
Criança L: As frutas. É o gráfico das frutas preferidas do 1º ano.
PE: Agora me explique, como que vocês organizaram o gráfico?
Criança L: Nós fomos botando os números até o 10, fazendo as frutas.
PE: E os números indicam o quê?
Criança L: Até onde que vai as frutas preferidas.
PE: A quantidade de frutas preferidas. Me explique teu gráfico. Olhando para teu
gráfico que informação a gente obtém?
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Criança L: 4 morangos, quatro crianças que gostam de morango, 7 crianças que gostam
da uva e 1 criança que gosta de maça e 2 criança que gosta da laranja, e, nenhuma
criança que gosta do abacaxi e melancia crianças gostam de 7.
PE: Qual é a fruta que as crianças menos gostam?
Criança L: A maçã.
PE: E a que mais elas gostam?
Criança L: O abacaxi.
PE: A que mais eles gostam?
Criança L: Não.
PE: Ali no abacaxi tem o quê?
Criança L: Nada.
PE: Então, isso indica o quê?
Criança L: Que nenhuma criança gosta do abacaxi.
PE: E qual é a fruta que eles mais gostam?
Criança L: A uva e a melancia.
PE: E o que aconteceu com a quantidade de uva e a quantidade de melancia?
Criança L: Tão empatada.
No episódio acima, a tarefa é complexa e requer das crianças atenção continuada
e intensa. Algumas crianças não conseguiram manter a seletividade e o comportamento
focado, isso gerou a incapacidade de resolver a tarefa de forma individual. Elas
invariavelmente se distraiam, perdendo um ou outro aspecto das instruções que lhe eram
dadas, não sendo suficientemente capazes de organizar o próprio comportamento e os
dados numéricos de acordo com a lógica matemática de estruturação do gráfico
demonstrada pela docente. A realização da atividade teve que ser mediada
individualmente pela docente. Apenas com o auxílio dela essas crianças conseguiram
construir o gráfico.
Outro grupo de crianças conseguiu rapidamente organizar seus processos
mentais com as primeiras instruções semióticas da docente, manifestando capacidade de
atenção voluntária/focada e comportamento organizado. Ao operar com a lógica
simbólica de estruturação do gráfico, inibiram fatores de distração, mantendo a atenção
de forma continuada e intensa até a conclusão da atividade. Essas crianças aprenderam,
através das orientações da docente, a agir de acordo com a tarefa proposta e a propor a
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si mesmas tais tarefas. Essa dinâmica da atividade mental das crianças introduziu uma
série de mudanças na estrutura do comportamento delas, tornando possível a realização
da atividade de forma lógica, organizada e consciente. Elas operavam internamente com
os códigos simbólicos do gráfico, demonstrando compreensão e consciência acerca da
função desses dispositivos artificiais. O episódio acima evidencia indícios de atividade
mental volitiva, consciente, autorregulada e organizada mediante o uso de dispositivos
artificiais culturalmente produzidos e utilizados para mediar internamente o
funcionamento mental do humano (VYGOTSKY; LURIA, 1996).
Esses dados comprovam empiricamente a tese vigotskiana de que a escola, ao
utilizar mecanismos artificiais (dispositivos culturais), promove processos internos de
desenvolvimento. As tarefas escolares geram motivos e finalidades culturais ao
comportamento, possibilitam o desenvolvimento da capacidade de seletividade,
organização e autorregulação de informações e ações e a transformação de funções
mentais naturais em funções mentais superiores. A atividade intelectual requerida pelo
processo de escolarização modifica substancialmente o funcionamento mental da
criança. No caso do nosso objeto de estudo, a função da atenção na criança passa a
funcionar como uma operação cultural e não apenas como um mecanismo natural
reflexo, instintivo, involuntário e imediato, oriundo de uma reação a estímulos
ambientais. São os estímulos artificiais produzidos pela cultura (sistemas simbólicos)
que passam a regular a atividade mental e os comportamentos da criança no espaço
escolar. Não é a experiência imediata e involuntária que está orientando o pensamento
das crianças, elas estão operando mentalmente a partir do uso de signos.
No episódio disposto acima, o uso do sistema de numeração e as instruções
verbais (linguagem) da docente se configuram como mecanismos artificiais orientadores
da atividade mental das crianças. Esses mecanismos simbólicos atuam como
organizadores e mediadores da atividade seletiva e volitiva das crianças. A fala da
professora, como orientadora do comportamento e pensamento das crianças, corrobora a
tese de Luria (1985) de que a palavra do adulto converte-se num regulador da conduta
da criança em um nível mais alto e qualitativamente novo. Essa subordinação das
reações e modos de pensar da criança à palavra de um adulto é o começo de uma longa
cadeia de formação de aspectos complexos da sua atividade consciente e voluntária. A
fala (dispositivo simbólico) da docente é um elemento semiótico que está mediando os
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processos internos das crianças, pois ela se converte num meio de análise e síntese das
tarefas propostas e, o que é fundamentalmente mais importante, no regulador mais
elevado de suas condutas no espaço escolar.
A dinâmica de interlocuções dialógicas entre a pesquisadora, professora e
crianças coloca em destaque a capacidade de representação mental oriunda da atividade
com signos (números e pictogramas/figuras). As crianças E, B, H, S, I, F, R, L
apresentaram indícios de uma emergente e complexa organização de um sistema
psicológico/mental, que engloba duas funções constituídas culturalmente: as intenções
ou arbitrariedade de suas ações no decorrer da realização da tarefa escolar e a
manifestação de representações simbólicas. As interpretações, correlações e associações
efetuadas através da observação dos dados do gráfico são elucidativas da reorganização
da atividade mental promovida pela mediação pedagógica da docente ao trabalhar com a
representação gráfica de informações numéricas.
A compreensão do uso, função e sentido dos números no contexto gráfico é um
indício importantíssimo de interferência desse sistema simbólico na organização do
pensamento das crianças e na constituição da atenção voluntária, como forma de
atividade seletiva e regulada criada nas e pelas relações socioculturais. Esse dado
empírico corrobora a tese de Martins (2013) ao defender a natureza social da atenção e
os pressupostos materialistas de Luria e Vygotsky (1996), ao demonstrarem que a
atenção responde e deriva de um complexo processo de desenvolvimento, constituindo-
se como um traço imanente do desenvolvimento cultural da humanidade e um marco
histórico-genético na superação dos estágios primitivos e estruturação de estágios de
comportamento e pensamento altamente organizados e complexos.
Esse exercício de representação de dados graficamente e de interpretação visual
das informações envolve um grau significativo de complexidade. A capacidade que as
crianças E, B, H, S explicitaram de analisar a proporcionalidade e correspondência entre
os valores e a função da escala (nas primeiras falas apresentadas no episódio) é outro
indício empírico importante de atenção voluntária, de representação mental, de
raciocínio lógico-matemático e compreensão da função do gráfico.
Já na parte final do episódio, a criança L demonstra compreender aspectos da
variabilidade entre os dados apresentados no gráfico a partir da interpretação visual.
Esse movimento cognitivo envolve a capacidade de atenção volitiva, focada e seletiva.
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Considerações finais
Com a pesquisa realizada, identificou-se que através do processo de
internalização de sistemas simbólicos de pensamento no espaço escolar a atenção da
criança torna-se voluntária, arbitrária, seletiva, direcional, organizada e autorregulada,
devido ao desenvolvimento da atividade mental mediada (por dispositivos
artificiais/culturais). Esses dispositivos simbólicos são elementos mediadores que
quando incorporados à atividade mental da criança ampliam a sua capacidade de
atenção cultural. Isso evidencia o desenvolvimento da capacidade de controle
volitivo/arbitrário e consciente da atividade mental.
Referências bibliográficas
LURIA, Alexander Romanovich. Curso de Psicologia Geral 3 (Atenção e Memória).
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. 1 v.
LURIA, Alexander Romanovich; YUDOVICH, F. I. Linguagem e o desenvolvimento
intelectual na criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
MARTINS, Lígia. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar:
contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica.
Campinas: Autores Associados, 2013.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
VYGOTSKY, Lev Semenovich; LURIA, Alexander Romanovich. Estudos sobre a
história do comportamento: o macaco, o primitivo e a criança. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1996.
ZAMONER, Angela. Educação escolar e o desenvolvimento de funções mentais
superiores na criança: atenção voluntária. 2015. 143f. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, Chapecó-SC, 2015.
1 Informação repassada pela docente nos primeiros diálogos sobre a proposta de investigação empírica.
2 O referido recorte apresentou-se como necessário em decorrência da dimensão sintética requerida na
estruturação dos trabalhos na modalidade de painéis. Para verificação do trabalho e episódios completos,
indica-se a leitura (na íntegra) da dissertação intitulada: Educação escolar e o desenvolvimento de
funções mentais superiores na criança: atenção voluntária.
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