PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC –SP
Dinara de Arruda Oliveira
Plano Diretor de Cuiabá
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2013
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC –SP
Dinara de Arruda Oliveira
Plano Diretor de Cuiabá
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Direito, Área: Direito Público,
Subárea: Direito Urbanístico, sob a orientação da
Profª. Drª. Maria Celeste Cordeiro Leite Santos.
SÃO PAULO
2013
Banca Examinadora
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Dedico este trabalho, primeiramente, aos meus
pais, que sempre me auxiliaram e me
incentivaram a buscar meus sonhos. E, por terem
me propiciado a melhor educação possível.
Ao Marcelo, meu esposo, companheiro que, foi
antes de tudo um amigo e incentivador; pessoa
que me auxiliou e apoiou nos momentos mais
difíceis da concretização deste trabalho.
Agradeço por seu amor, apoio, compreensão e
paciência, durante todo o processo.
À minha filha, Sofia, que nasceu no final deste
processo e, que encheu ainda mais a minha vida
de alegria.
Às minhas irmãs, Danielli e Denise, que sempre
acompanharam meus estudos. Aos meus
sobrinhos, Gabriel, Rafaela, Júlia, Marina e
Mariana. Aos amigos e, a todas as pessoas que,
de alguma forma contribuíram para o sucesso
deste trabalho.
Agradeço, em primeiro lugar, à Deus, por ter me
permitido realizar este sonho.
À Nossa Senhora, que com seu amor de mãe, me
iluminou nesta caminhada.
Aos meus pais, Antonio Jesuíno e, Lenir e, às
minhas irmãs, Danielli e Denise, e, ao meu
esposo, Marcelo, pelo amor e, apoio,
incondicionais.
À minha filha Sofia, que, já dentro do meu
ventre e, nos primeiros meses de vida, soube, de
certa forma, aceitar minhas ausências.
À Profª. Drª. Maria Celeste Cordeiro Leite
Santos, minha orientadora, que dedicou seu
tempo a me ensinar e a sanar todas as minhas
dúvidas, sempre com zelo e, carinho.
Agradeço, ainda, a todos os funcionários da
PUC/SP, em especial ao Ruy e ao Rafael, sempre
atenciosos e muito prestativos.
Agradeço ao meu amigo Diógenes Pires da
Silva, amigo que conheci nesta caminhada e, que
muito me ajudou na viabilização deste sonho.
CUIABÁ
Lá no meio da selva verdejante
Num pedaço de terra solitária,
Banhada pelo sol fulvo e constante,
Existe uma cidade legendária...
É a bela Cuiabá, bicentenária
Que tem o pedestal de Auro ofuscante,
Onde chegou o bravo bandeirante,
Em busca da riqueza extraordinária.
Oh! Cuiabá, das lendas brasileiras
Foste o sonho de glória das bandeiras
Eldorado de luz e de bonança.
O teu futuro está profetizado:
Foste a cidade do ouro no passado
É a cidade verde na Esperança.
Dom Francisco de Aquino Corrêa (1919)
Dinara de Arruda Oliveira
Plano Diretor de Cuiabá
RESUMO
A presente tese tem como objeto de estudo o Plano Diretor do Município de Cuiabá,
sendo que se demonstrou que a maneira como o Município de Cuiabá foi formado
influenciou, negativamente, na efetivação do Plano Diretor, em face das dificuldades
estruturais e, culturais, o que acabou por impossibilitar, em alguns aspectos, a real
aplicabilidade. Para tanto, estudou-se a formação das cidades, em especial, a formação e
origem de Cuiabá.
Neste trabalho, foi levantado o conceito de cidade e, de sua função social, analisando-se
o Estatuto da Cidade, passando-se à previsão da necessidade de instituição do Plano Diretor
nos Municípios, assim como as ações desenvolvidas para a implementação do Plano Diretor,
em cada Município.
Analisou-se o Plano Diretor, com sua conceituação, objetivos, a obrigatoriedade de
sua instituição e, quais os elementos obrigatórios, apontando os mecanismos necessários para
a implementação efetiva, além de destacar as questões referentes ao Plano Diretor
participativo.
Abordou-se o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Cuiabá, discorrendo
acerca de seus objetivos e, da necessidade de adequação à realidade local, apontando quais os
elementos para esse intento. Fez-se, ainda, uma análise dos benefícios sociais trazidos com o
Plano Diretor para a população de Cuiabá, bem como no tocante à Copa do Mundo de 2014 e,
a influência para o Município.
PALAVRAS-CHAVE
Estatuto da Cidade; Plano Diretor; Plano Diretor de Cuiabá; Efetividade.
ABSTRACT
This thesis has as its object of study the Master Plan of the city of Cuiabá, and it was
demonstrated that the way the city of Cuiabá was formed influenced negatively in the
execution of the Master Plan, in the face of difficulties and structural, cultural, the which
eventually impossible, in some aspects, the real applicability. Therefore, we studied the
formation of cities, in particular, the formation and origin of Cuiabá.
This work raised the concept of the city and its social function, analyzing the City
Statute, going to the prediction of the need for institution of the Master Plan in municipalities,
as well as the actions taken to implement the Master Plan in each municipality.
We analyzed the Master Plan, with its conceptualization, goals, mandating their
institution and what elements required, pointing the mechanisms necessary for the effective
implementation, and highlight issues related to participatory Plan.
It approaches the Master Plan for Urban Development of Cuiabá, talking about their
goals and the need to adapt to local realities, pointing out which elements to this intent. There
was also an analysis of the social benefits brought to the Master Plan for the population of
Cuiabá, as well as regarding the World Cup in 2014 and the influence to the Municipality.
KEY WORDS
City Statute; Master Plan, Cuiabá’s Master Plan; Effectiveness.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................11
1. ESTATUTO DA CIDADE..........................................................................................15
1.1.Origem.......................................................................................................................16
1.1.1 Retrospecto Histórico.............................................................................................17
1.1.1.1 Formação das Cidades.........................................................................................17
1.1.1.2 Formação das Cidades no Brasil.........................................................................41
1.1.1.3 Formação e origem da cidade de Cuiabá.............................................................70
1.2 Função social.............................................................................................................80
1.2.1 Resgate histórico.....................................................................................................80
1.2.2 As Constituições brasileiras e a função social........................................................87
1.2.3 A atual conjuntura da Constituição de 1988...........................................................91
1.2.4 Função Social da Cidade........................................................................................97
1.3 A Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade)....................................102
1.3.1 Breve análise.........................................................................................................102
1.3.1.1 Conceito de Cidade............................................................................................106
1.3.2 Previsão da necessidade de instituição do Plano Diretor nos
Municípios.....................................................................................................................109
2. PLANO DIRETOR....................................................................................................112
2.1 Conceituação...........................................................................................................112
2.2 Objetivos..................................................................................................................118
2.3 Obrigatoriedade de instituição do Plano Diretor.....................................................120
2.4 Elementos obrigatórios ...........................................................................................129
2.5 Mecanismos para a implementação efetiva do Plano Diretor.................................138
2.6 Plano Diretor participativo......................................................................................143
2.7 Necessidade de revisões periódicas: benefícios ou malefícios?..............................145
3. PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO DE
CUIABÁ....................................................................................................................... 150
3.1 Breve análise............................................................................................................150
3.2 Objetivos..................................................................................................................162
3.3 Necessidade de adequação à realidade local...........................................................165
3.4 Análise dos benefícios sociais trazidos com o Plano Diretor para a população de
Cuiabá............................................................................................................................173
35. A Copa do Mundo de 2014......................................................................................188
CONCLUSÃO...............................................................................................................192
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................195
11
INTRODUÇÃO
Para que se discorra a respeito do objeto do presente trabalho, o qual se foca no Plano
Diretor do Município de Cuiabá, importante analisar a norma que levou à criação dos Planos
Diretores; o Estatuto da Cidade, lei regulamentadora dos Art. 182 e 183, da Constituição
Federal de 1988 e, que estabelece diretrizes gerais da política urbana, o que foi feito. Mas,
além disso, para que se entenda o motivo da introdução do referido Estatuto, no ordenamento
jurídico nacional, foi necessário tratar, brevemente, sobre o planejamento urbano no Brasil,
para, posteriormente, discorrer acerca do planejamento de Cuiabá. Assim, fez-se um pequeno
passeio pela formação das cidades no mundo Ocidental, passando-se pela formação das
cidades no Brasil, para finalmente alcançar a formação e origem de Cuiabá até para que
pudesse entender a origem dos problemas atualmente enfrentados, em especial, a falta de um
planejamento efetivo.
Nesse mesmo diapasão, analisou-se o conceito de cidade e, a necessidade de
funcionalização desta, fazendo-se um resgate histórico sobre a função social, inclusive nas
Constituições brasileiras, para chegar-se à analise do Estatuto da Cidade - Lei 10.257, de 10
de julho de 2001, observando-se a utilização dos instrumentos que possibilitam o
desenvolvimento e o controle urbanísticos, passando-se à previsão da necessidade de
instituição do Plano Diretor nos Municípios, assim como as ações desenvolvidas para a
implementação do Plano Diretor, em cada Município.
Destaca-se que até o século XX, a rede urbana era pouco significativa no Brasil, mas, ao
longo de todo o século, o país passou por intensa transformação no cenário urbano,
alcançando, desse modo, o Brasil, um patamar diferenciado, já que de predominantemente
rural, teve um salto no crescimento urbano, passando a ser majoritariamente urbano. Assim,
no início do novo século, segundo dados do IBGE, o Brasil já contava com mais de 80% de
sua população vivendo nas cidades, as quais incapazes de absorver satisfatoriamente essa
demanda criaram, cada vez mais, regiões periféricas, desprovidas, minimamente, de
atendimento e, estrutura. E, a cidade de Cuiabá seguiu o mesmo caminho, em especial em
face de sua formação e, em decorrência de processos acelerados de aumento populacional, o
que impediu uma organização mais benéfica da cidade, impedindo, assim, o seu
12
desenvolvimento como um todo, fazendo surgir as periferias carentes, desprovidas de
atendimento básico e, sem moradia digna, resultando em uma degradação social.
No tocante ao Estado de Mato Grosso, o processo de colonização foi mais lento, do que
o restante do país, em face de sua localização geográfica, sendo que desde a década de 1930,
o governo federal empreende esforços para sua povoação. Com, o programa “Marcha para o
Oeste”, o governo conseguiu alcançar as primeiras transformações urbanísticas para a Capital,
seguidas, posteriormente, pela “Batalha da Borracha” (na Segunda Guerra Mundial), que
levou milhares de migrantes para a região Amazônica (região que Mato Grosso também faz
parte), mas foi somente na década de 1960 que os resultados surgiram de modo mais efetivo,
após a mudança da Capital nacional, do Rio de Janeiro, para Brasília, fazendo com que o
governo federal investisse em infraestrutura e intensificasse a regionalização nacional.
Com a vontade do governo federal em abrir e expandir as fronteiras agrícolas e, com o
lema, do então governo militar, de “integrar para não entregar”, novos investimentos foram
feitos no Estado de Mato Grosso (além de outros Estados), com incentivos para a ocupação de
territórios, assentamentos rurais, investimentos em diversos setores, com o energético, com
ofertas de crédito e, implantação, nessa época, do Distrito Industrial de Cuiabá. Na década de
1970, Mato Grosso se transformou em um imenso canteiro de obras (muito próximo do que se
encontra nos dias atuais), recebendo, por esse motivo, pessoas de diversos lugares, inchando a
cidade que continuava sem qualquer projeto para isso, aumentando, ainda mais, as regiões
periféricas na Capital. Nessa mesma década, o Estado foi dividido, com a criação do Estado
do Mato Grosso do Sul, o que acarretou um desenvolvimento ainda mais acelerado do Estado
de origem, resultando em um novo surto de crescimento populacional e, a falta de estrutura
segregou as pessoas mais humildes, restando, a elas, a necessidade de instalação em espaços
clandestinos e, afastados da infraestrutura necessária.
Ainda na década de 1980 se verificou uma nova onda migratória e, Cuiabá continuava
sem a estrutura necessária (como, em certos aspectos, ainda continua). Com a introdução, no
ordenamento jurídico, do Estatuto da Cidade, foram criados canais de discussão, para
verificação da melhoria dos aspectos urbanos a serem adotados pelos Municípios, na tentativa
de solucionar problemas como esses, apresentados por Cuiabá.
13
O Estatuto determinou aos Municípios a adequação no tocante às novas premissas por
ele impostas, determinando que todos revisassem ou arquitetassem seus Planos Diretores,
consoante o que se encontra nele previsto. O Estatuto da Cidade traz inovações, no tocante
aos princípios e instrumentos que poderão ser usados pelos Municípios, a fim de promover as
reformas urbanas desejadas por todos, até porque permite a participação da sociedade, como
um todo, na formação dos Planos Diretores, por meio das audiências públicas, por exemplo,
em decorrência da necessidade de um planejamento coletivo e, participativo.
A cidade deve estar preparada para atuar no novo cenário mundial, sendo que as
antigas formas de planejamento são substituídas pelas estratégias de atuação no território e,
desse modo, espaços antigos são renovados. A cidade deixa de ser apenas o local onde as
pessoas interagem, trabalham e vivenciam seu cotidiano, para se transformar em elemento
chave para o planejamento estratégico.
Diante disso, analisou-se o Plano Diretor, com sua conceituação, objetivos, a
obrigatoriedade de sua instituição e, quais os elementos obrigatórios de cada Plano, apontando
os mecanismos necessários para a implementação efetiva, além de destacar as questões
referentes ao Plano Diretor participativo, respondendo a indagação acerca da necessidade, ou
não, de revisões periódicas e, se essas revisões trariam, para aquela dada comunidade,
benefícios ou malefícios.
E, desse modo, insta ressaltar, que o Plano Diretor, atualmente, deve, aliado com os
preceitos constitucionais, possibilitar a redução das desigualdades sociais, possibilitando a
concretização da dignidade da pessoa humana e, o bem estar de toda a comunidade, sendo
que, o Plano Diretor de Cuiabá, objeto principal desta tese, deve, também, seguir pelo mesmo
caminho.
Veja-se que a República brasileira objetiva a construção de uma sociedade livre, justa,
solidária e igualitária, pois com a igualdade conseguirá obter a erradicação da pobreza e a
redução das desigualdades sociais, além de conseguir a promoção do bem para todos. E, ao
alcançar esses pontos conseguirá obter uma dignidade plena para todos os indivíduos.
Verifica-se, portanto, que o fim precípuo, do Plano Diretor, é ser instrumento que irá
propiciar a realização plena da função social da propriedade, com a erradicação de um
14
urbanismo de exclusão até aqui praticado e, a consequente materialização da própria
dignidade da pessoa humana, focado no bem estar da sociedade como um todo, não apenas
urbana, mas também rural, fortalecendo os vínculos no Município.
É imprescindível, assim, verificar se o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de
Cuiabá cumpre esse papel. Pretende-se, portanto, por intermédio da tese ora proposta,
averiguar tal fato, sendo que assim, se analisou o Plano Diretor anterior e o atual, discorrendo
acerca de seus objetivos e, da necessidade de adequação à realidade local, apontando quais os
elementos para esse intento. Fez-se, ainda, uma análise dos benefícios sociais trazidos com o
Plano Diretor para a população de Cuiabá, bem como no tocante à Copa do Mundo de 2014 e,
no que isso influencia e, influenciará o Plano Diretor de Cuiabá e, qual será o legado dessa
Copa.
Pretende-se, ainda, demonstrar que a maneira como o Município de Cuiabá foi formado
influenciou, negativamente, na efetivação do Plano Diretor, em face das dificuldades
estruturais e, culturais, o que acabou por impossibilitar, em alguns aspectos, a aplicabilidade
de mencionado Plano.
15
1. ESTATUTO DA CIDADE
Para que se discorra a respeito do objeto do presente trabalho, o qual se foca no Plano
Diretor do Município de Cuiabá, importante que se faça apontamentos acerca daquela que é a
norma que prevê a criação e instituição do Plano Diretor, como instrumento da política
urbana, a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada de “Estatuto da Cidade”.
O Estatuto da Cidade tem por escopo regulamentar os Arts. 1821 e 183
2 da
Constituição Federal3, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana. Mas, para que se
possa entender, de que modo surgiu a necessidade de criação de uma norma que discorresse
acerca da política urbana, necessário se faz compreender o momento histórico em que referido
Estatuto adentrou na ordem jurídica brasileira e, para tanto, importante traçar um retrospecto
1 “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes
gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir
o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil
habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação
da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir,
nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que
promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo
Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais.” (BRASIL, Constituição da República Federativa do, 1988.) 2 “Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.” (BRASIL, Constituição da República Federativa
do, 1988.) 3 “Deve-se lembrar que antes da Constituição Federal de 1988 já houvera tentativa de dotar o Brasil de uma lei
geral de desenvolvimento urbano, com projetos apresentados, mas desprovidos de seguimento.
O Estatuto da Cidade vem disciplinar e reiterar várias figuras e institutos do Direito Urbanístico, alguns já
presentes na Constituição de 1988 que parece ter sido lembrada ou relembrada, nesse aspecto, com a edição do
Estatuto da Cidade. Fornece um instrumental a ser utilizado em matéria urbanística, sobretudo em nível
municipal, visando à melhor ordenação do espaço urbano, com observância da proteção ambiental, e à busca de
solução para problemas sociais graves, como a moradia, o saneamento, por exemplo, que o caos urbano faz
incidir, de modo contundente, sobre as camadas da sociedade.” (MEDAUAR, Odete. Diretrizes Gerais, in
MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (coord.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de
10.07.2001 (Comentários), 2. ed., ver., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 16-17).
16
histórico acerca do tema (destacando-se, neste trabalho, apenas a formação das cidades no
Ocidente, em face do corte metodológico eleito), como no aspecto normativo.
1.1 ORIGEM
Um dos grandes fatores que desencadearam a criação do Estatuto da Cidade foi o
êxodo rural, em que houve a vinda do “homem do campo” para a cidade, estimulado,
principalmente, pela aceleração do crescimento urbano, ocorrido, no Brasil, em especial, entre
os anos 1930/1940 e 1980 (de modo particular, a partir dos anos 1960) e, impulsionado pela
baixa expectativa de renda no campo e, com o sonho dourado de obter emprego rápido e
melhoria na qualidade de vida, fazendo com que as cidades tivessem um aglomerado ainda
maior, sem que, todavia, houvesse um planejamento para tudo isso, acarretando um inchaço,
desestruturando e, desorganizando, assim, as cidades.4
Tal fato trouxe a necessidade de uma estruturação das cidades, as quais deveriam ser
melhor urbanizadas (para Ruy de Jesus Marçal Carneiro, seria melhor utilizar o termo
“urbanificação” e não “urbanização”, na esteira de José Afonso da Silva)5 para comportar esse
novo fluxo que surgia. Assim, como dito, a melhor estruturação das cidades se fazia
imprescindível para que houvesse uma acomodação adequada desses novos moradores.
Assim, imprescindível a efetiva urbanificação (já que a urbanização encontra-se desprovida
de qualquer planejamento prévio, havendo o agrupamento ao acaso, trazendo, portanto, sérios
prejuízos ao desenvolvimento da própria cidade), posto ser esta o meio mais acertado e
aparelhado de organização das cidades, por ser,
[...] uma forma deliberada de solução das anomalias havidas nas urbes, visando
corrigi-las. Busca-se, assim, tornar urbano, na inteireza do termo, o que deve ser
urbano, com a melhoria das malhas de circulação, com os serviços públicos
4 “A taxa de urbanização [...] acelerou-se de forma impressionante entre 1960 e 1980, passando de 45/1% para
67,7%. Esta rápida urbanização aumentou, por sua vez, a demanda por serviços públicos de caráter municipal,
geralmente aqueles que dizem respeito à reprodução da força de trabalho.” (VITTE, Claudete de Castro Silva.
Inovações e Permanências na Gestão de Cidades e na Gestão do Desenvolvimento Local no Brasil: Novas
Contradições, Novos Conteúdos? In CARLOS, Ana Fani Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges (org.).
Dilemas Urbanos: Novas abordagens sobre a cidade, São Paulo: Contexto, 2003, p. 234); 5 “[...] ‘urbanização, é o mal’, como bem comenta José Afonso da Silva, ‘urbanificação é o remédio’. Diz, por
fim, que esta é o ‘processo deliberado de correção da urbanização, consistente na renovação urbana, que, é a
reurbanização, ou na criação artificial de núcleos urbanos [...].” (grifo do autor). (CARNEIRO, Ruy de Jesus
Marçal. Organização da Cidade: Planejamento Municipal, Plano Diretor, Urbanificação, São Paulo: Max
Limonad, 1998, p. 18.)
17
adequados, com zoneamentos devidamente delimitados e, enfim, com uma política
urbana efetiva, cujo objetivo patrimonial, o bem-estar do homem. Pelos argumentos
expendidos, entende-se que a expressão urbanificação, como gênero, e
reurbanização, como espécie, ao invés de urbanização [...].6 (grifo do autor).
Referido êxodo, iniciou-se há muito, estando em constante movimento, contando,
ainda na data de hoje, com periódicas circulações de pessoas vindas do campo para as
cidades, além, claro, das migrações ocorridas entre as cidades e os Estados, em face de fatores
diversos, em especial, movidas pelos sociais e econômicos.
Mas, antes mesmo de tratar de vinda do homem do campo para a cidade, importante
fazer um retrospecto histórico acerca da construção da própria cidade, enquanto objeto de
estudo, visando entender a formação das cidades7, no mundo Ocidental, bem como o seu
próprio conceito.
1.1.1 Retrospecto Histórico
1.1.1.1 Formação das Cidades no Ocidente
E, para tanto, retorna-se à história antiga, para entender o nascimento, formação e
fortalecimento das cidades no Ocidente, iniciando-se pela história da Grécia e de suas Cidades
Estado (que funcionavam como pequenos países, independentes e soberanas), que são o berço
da construção das cidades, na forma atualmente conhecida. Todavia, antes mesmo de
discorrer acerca das cidades gregas, deve-se retroceder um pouco mais, para que se analise,
ainda que de modo breve, outros momentos históricos precursores.
Para Lewis Mumford8, para que se possa projetar da melhor forma possível a vida
urbana, torna-se imperioso compreender “a natureza histórica da cidade e, distinguir, entre
6 CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Organização da Cidade: Planejamento Municipal, Plano Diretor,
Urbanificação, São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 18-19. 7 E, a necessidade de entender a formação das cidades é importante, em face de que: “A concentração das
comunidades, provocada pelos mais diversos motivos, deu origem às cidades, que evoluíram com o transcurso
dos séculos, se configurando com características que hoje permitem o destaque de elementos que lhes são
comuns e que as definem como espaços urbanos.” (COSTA, Carlos Magno Miqueri da. Direito Urbanístico
Comparado: Planejamento urbano – das Constituições aos tribunais luso-brasileiros, Curitiba: Juruá, 2009, p.
21.) 8 MUMFORD, Lewis. A Cidade na História: Suas origens, suas transformações, suas perpectivas, Trad., Neil
R. da Silva, 1º volume,Belo Horizonte: Itatiaia Limitada,1965, p. 11/16.
18
suas funções originais, aqueles que dela emergiram e aqueles que podem ser ainda
invocadas.” E, referido autor, aponta como origem das cidades os cemitérios e templos
(sendo que foram os mortos que primeiro tiveram uma morada permanente, tendo, sido,
portanto, as cidades dos mortos precursoras das cidades dos vivos).9
Não se pode, também, deixar de considerar que algumas necessidades práticas
conduziam o agrupamento10
de grupos de família e tribos em locais, ou habitats comuns, em
Barbara Freitag, em artigo resultante da Conferência apresentada no encerramento do X Encontro da Sociedade
Brasileira de Sociologia, realizado em Fortaleza-Ce, entre os dias 03 e 07 de setembro de 2001, aponta que
Lewis Munford defende, outras teses acerca do nascimento das cidades (que não aquela de origem nas cidades
Estados Gregas). Entre outras, aponta que as necrópolis (cidades dos mortos) antecederem à polis (cidade dos
vivos, estas sim de origem Grega) e que as mulheres teriam sido as verdadeiras fundadoras das cidades, posto
que cultuavam seus mortos, sempre regressando aos locais onde se encontravam os falecidos, erguendo
santuários e, portanto, sempre acampando no mesmo local, justamente para prestar as homenagens devidas.
(FREITAG, Barbara. Utopias Urbanas. Disponível em:
<http://vsites.unb.br/ics/sol/itinerancias/grupo/barbara/utopias.pdf.>. Acesso em: 12.11.2009.) 9 Lewis Mumford aponta, ainda, que: “O sepultamento cerimonioso dos mortos em covas marcadas por uma
pilha de pedras, uma árvore, uma pedra alta, talvez tenha dado origem ao primeiro ponto permanente de encontro
dos vivos: a morada dos espíritos ancestrais, o templo de um deus, o embrião de uma cidade. Como a sepultura,
a caverna é um útero ao qual o homem primitivo regressas em busca de segurança e sigilo [...] As mais antigas
ruínas identificáveis como de cidades geralmente só revelam os dominantes originais, o templo e o palácio, às
vezes o celeiro,dentro da cidadela murada ou do recinto sagrado. Foi êsse (sic) o núcleo que ativou a implosão
urbana. As únicas ‘cidades’ completas primitivas de materiais permanentes, são as ‘cidades dos mortos’[...]”
(grifo do autor). Além disso, assevera, também, que tal, ocorreu, de modo acentuado, na civilização egípcia,
como, por exemplo, se deu em Sacara, que foi edificada nos arredores da pirâmide sepulcral de Zoser, até porque
“como os egípcios se esforçavam muito por reproduzir em seus túmulos, em miniatura, todas (sic) as facilidades
necessárias para a vida diária, há boas razões, crêem muitos estudiosos do Egito, para supor que essa ‘cidade’
mortuária reproduzia com igual fidelidade o traçado e as edificações de sua correspondente secular.” E, no
antigo Egito, a cidade dos mortos ganhava relevo ainda maior, pois a residência de cada faraó era fixada de
acordo com o local escolhido para seu túmulo, local em que a maior parte do tempo este passava sua existência,
até que sua morada final ficasse pronta, funcionando o governo em uma cidade próxima. Após a morte do faraó,
a cidade era abandonada, permanecendo apenas os sacerdotes e funcionários que tinham por função a
administração da propriedade mortuária. Aliás, em face disso “até o meio do segundo milênio a. C. (quando
Tebas assumiu um caráter metropolitano), não houve capital verdadeiramente permanente no Egito”.
(MUMFORD, Lewis. A Cidade na História: Suas origens, suas transformações, suas perpectivas, Trad., Neil R.
da Silva, 1º volume,Belo Horizonte: Itatiaia Limitada,1965, p. 112-113). 10
Lewis Munford lembra, entretanto, que é plenamente crível que a colonização tenha ocorrido em momento,
inclusive, anterior a esses agrupamentos, em face de descobertas arqueológicas, nas quais se verificou que: “[...]
os restos de construções paleolíticas encontradas no sul da Rússia, com a aparência de fazerem parte de uma
aldeota, servem de advertência contra a tentação de fixar uma data por demais recente para o aparecimento da
aldeia permanente. Com o tempo, iremos encontrar o acampamento do caçador transformando-se num local
permanente de abrigo: uma faixa territorial paleolítica separada por muros das aldeias neolíticas em sua base.”
(MUMFORD, Lewis. A Cidade na História: Suas origens, suas transformações, suas perpectivas, Trad., Neil R.
da Silva, 1º volume,Belo Horizonte: Itatiaia Limitada,1965, p. 19). No mesmo sentido: “Há milhares de anos [...]
o homem paleolítico sinalizou instintivamente o primeiro elemento que, após incontáveis metamorfoses, seria
um dos conformadores da urbanização: a moradia. [...] O próximo passo foi a reunião de pequenos grupos em
acampamentos nômades, ligados estreitamente à economia da coleta e da caça. Situação que supostamente se
modificou [...] com o início do plantio/agricultura e da criação domesticada de animais, o que exigiu e viabilizou
a ocupação do solo em caráter duradouro ou mesmo permanente na forma de aldeias. [...] Aos poucos os
componentes da aldeia sofreram mutações e foram desenvolvidos, criando uma nova unidade de aglomeração
humana civilizada. O domínio da água (irrigação), o acesso às terras férteis dos vales (fertilidade e
produtividade) e o uso das vias fluviais para transporte eram estratégicos e substanciais para atrair a
concentração humana.” (COSTA, Carlos Magno Miqueri da. Direito Urbanístico Comparado: Planejamento
urbano – das Constituições aos tribunais luso-brasileiros, Curitiba: Juruá, 2009, p. 22-23).
19
formações de pequenas aldeias, em função da própria sobrevivência. Além disso, um dos
motivos que determinaram a junção das pessoas a determinados lugares foi a necessidade de
um ponto de encontro para realização de cerimônias, normalmente com caráter religioso,
graças à formação da família e de sua religiosidade, culminando, também no surgimento de
fratria (união de certo montante de famílias, com a finalidade de celebração da religião –
comum-, assim denominado pela língua grega -, tendo como denominação latina o termo
“cúria”). Com o agrupamento da fratrias ou cúrias, surgiram as tribos (ainda tendo por objeto
o culto comum, não havendo, pois, como agregar tribos cuja religião eram díspares).11
E, o nascimento da cidade se deu, justamente, da união das tribos, fato que somente
pode ocorrer quando houve a possibilidade de junção com a manutenção da crença de cada
tribo, que compunha referida ligação. E, isso é plenamente comprovado pelo fato de que o,
[...] modo de formação das cidades antigas é-nos atestado pelos costumes que
duraram por longo tempo. Se observarmos o exército da cidade dos primeiros
tempos, vemo-lo distribuído em tribos, cúrias e em família ‘de tal modo, diz um
antigo, que o guerreiro tinha por vizinho, no combate, aquele que, em tempo de paz,
faz a libação e o sacrifício no mesmo altar.’ Se observarmos as assembléias do povo
nos primeiros séculos de Roma, as encontraremos a votar por cúrias e por gentes.[...]
Assim, a cidade não é um agregado de indivíduos, mas uma confederação de vários
grupos previamente constituídos e que ela deixa subsistir.12
(grifo do autor)
De qualquer modo, como dito anteriormente, é impossível conceber o estudo da
formação das cidades, sem analisar a Grécia Antiga, “[...] berço de uma humanidade que põe
acima de tudo o apreço pelo trabalho”, exigindo do povo uma vida focada no trabalho13
. E, a
formação das cidades gregas (no formato em que ocorreu) se deve, em grande aspecto, às suas
condições geográficas, pois sua fragmentação física (o território se constitui de depressões
cercadas de montanhas, com acesso limitado, já que este só é possível pelo mar) implica em
uma fragmentação política, estabelecendo-se pequenas sociedades, distantes e independentes
uma da outra. Para Gustave Glotz isso, todavia, não pode significar que “a criação da cidade
se tenha devido unicamente a uma fatalidade inevitável, a todo-poderosa influência da terra
sobre o homem.” Aponta, ainda, que mesmo em regiões menos caóticas (no tocante as aspecto
11
"A cidade, nos seus primeiros tempos, nada mais foi do que a reunião dos chefes de família. Temos
testemunhos do tempo em que só estes podiam ser cidadãos. Podemos encontrar vestígios desta regra em velha
lei de Atenas onde se prescrevera ser preciso possuir um deus doméstico para ser cidadão.” (COULANGES,
Fustel de. A Cidade Antiga: Estudo sobre o culto, o direito e instituições da Grécia e de Roma, trad.: Fernando
de Aguiar, Vol II, 9. ed., Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1958, p.11/13). 12
Idem, p. 139-140. 13
JAEGER, Werner. Paidéia: A formação do homem grego, trad. Artur M. Parreira; Adaptação do texto para a
versão brasileira: Mônica Stahel M. da Silva; rev. do texto grego: Gilson César Cardoso de Souza; São Paulo:
Matins Fontes, 1986, p. 59.
20
geográfico), como na Ásia Menor e na Itália, os gregos ainda assim reproduziram nelas o
mesmo contorno que haviam elaborado para as regiões mais acidentadas. 14
E, para os gregos,
A cidade (polis) é antes de tudo uma comunidade de cidadãos, uma associação de
caráter moral, político e religioso. A idéia de cidade surge numa sociedade rural,
com habitações dispersas, e as associações políticas que então se formam
(synoecismes) são independentes de qualquer idéia urbana. Na prática, a cidade
logo comporta um estabelecimento urbano, mas engloba igualmente os campos,
com seus burgos onde os habitantes são também cidadãos, membros da polis, da
mesma forma que os citadinos. [...] Se fundar uma cidade é antes de tudo para os
gregos um ato político, o elemento religioso por sua vez não está ausente.15
(grifo
do autor).
Aliás, as cidades antigas, inclusive as próprias metrópoles gregas, são cidades rurais,
dependentes, quase que, exclusivamente, da lavoura, sendo que, nesse período, “ainda não
existe uma civilização nem um modelo de pensamento cotidiano que tudo iguale e tolha
impiedosamente qualquer peculiaridade e originalidade.”16
É claro que se deve fazer uma ressalva entre a história da cidade, da forma que se
desenvolveu na Grécia e, região, do modo como se concebeu no Egito, por exemplo, sendo
que tal fato “vem acentuar uma verdade ainda mais geral a respeito da cidade: sua assinalada
individualidade, tão forte, tão cheia de ‘gênio’, desde o princípio, que tem muitos dos
atributos da personalidade humana.”17
No caso da formação das cidades egípcias, estas
fugiram ao arquétipo da cidade na história, na qual se verifica a constituição de um local
murado, com delimitações exatas e sólidas, visando a proteção de seus habitantes e, com o
objetivo de permanência, pois,
Tudo, no Egito, parece ter encontrado uma forma durável, exceto a cidade. [...] Não
faltam estruturas independentes que testificam a magnificação universal do poder,
ao ter início a civilização: obeliscos, majestosas vias processionais, colunatas,
esculturas de granitos e diorito, de dimensões enormes, tudo isso testemunha a
espécie de vida que esperamos encontrar na cidade. Essa porém, é transitória. Cada
faraó constrói sua própria capital, sem o menor desejo de continuar a obra de seus
antecessores ou de engrandecer sua cidade. Seu lar urbano é tão exclusivo quanto
sua sepultura, talvez pela mesma razão egoística. Até onde o mesmo sítio geral é
respeitado, como em Tebas, o crescimento se faz por uma espécie de frouxo
14
GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega, trad. Henrique de Araújo Mesquita e Roberto Cortes de Lacerda, São
Paulo/Rio de Janeiro: Difel Difusão Editorial, 1980, p.2. 15
HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p. 11-
12. 16
JAEGER, Werner. Paidéia: A formação do homem grego, trad. Artur M. Parreira; Adaptação do texto para a
versão brasileira: Mônica Stahel M. da Silva; rev. do texto grego: Gilson César Cardoso de Souza; São Paulo:
Matins Fontes, 1986, p. 61. 17
MUMFORD, Lewis. A Cidade na História: Suas origens, suas transformações, suas perpectivas, Trad., Neil
R. da Silva, 1º volume,Belo Horizonte: Itatiaia Limitada,1965, p 110.
21
adicionamento suburbano. Todavia, [...] a cidade ‘existe’ de maneira inescapável.
[...] a cidade murada, no Egito, foi uma forma anterior, cujos traços militares
desapareceram tão logo os grandes faraós haviam estabelecido uma ordem
universal e um comando unificado, apoiado principalmente na crença religiosa e no
apoio voluntário, antes que na coerção física. Essa ideologia predominou em todo o
vale do Nilo.18
(grifo do autor).
Diferentemente, do Egito, portanto, organizou-se na Grécia. Veja-se, por exemplo, a
ilha de Creta, a qual foi povoada por volta do ano 2600 a.C., com a vinda das correntes
imigratórias, as quais eram provenientes, em especial da Anatólia, sendo que nessa região,
“Os primeiros habitantes da ilha viviam em grutas ou em abrigos rudimentares; mais tarde
passaram a construir cabanas de forma circular feitas de ramo ou taipa com pavimentos de
lajes.” 19
No período arcaico, as migrações tiveram papel preponderante na formação das
cidades gregas, resultando, as mesmas, em conseqüências políticas; sociais (muda-se o
conceito e valor do indivíduo; a propriedade não será recebida apenas por herança, deve ser
conquistada); econômicas (a mudança na perspectiva de aquisição de propriedade acarreta em
uma mobilidade social/econômica; acumularam-se novas fortunas); conseqüências culturais
(as novas cidades passam a se constituir como centros criadores e propagadores de novos
aspectos da cultura).20
Aristóteles, na obra “A Política”, já no primeiro livro, discorre acerca da definição e
estrutura da cidade, destacando, desde o início que o formato mais elevado de comunidade é a
cidade, apontando que a Cidade é composta por aldeias e, estas são formadas por famílias,
sendo que a cidade tem por finalidade precípua atender o bem comum:
Toda Cidade é um tipo de associação, e toda associação é estabelecida tendo em vista algum
bem (pois os homens sempre agem visando a algo que consideram ser um bem); por
conseguinte, a sociedade política [pólis], a mais alta dentre todas as associações, a que
abarca todas as outras, tem em vista a maior vantagem possível, o bem mais alto entre todos.
[...]
É dessas duas associações, entre o homem e a mulher, e o senhor e o escravo, que se forma
inicialmente a família [...] A família é, pois, a associação estabelecida pela natureza para
atender às necessidades do dia-a-dia do homem [...]
A sociedade que se forma em seguida, formada por várias famílias, constituídas não só para
apenas atender às necessidades cotidianas, mas tendo em vista uma utilidade comum, é a
aldeia [...]
18
MUMFORD, Lewis. A Cidade na História: Suas origens, suas transformações, suas perpectivas, Trad., Neil
R. da Silva, 1º volume,Belo Horizonte: Itatiaia Limitada,1965, p 111-112. 19
GIORDANI, Mário Curtis. História da Grécia: Antiguidade Clássica I, 3. ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 1984, p.
49. 20
Idem, p. 107.
22
E quando várias aldeias se unem em uma única e completa comunidade, a qual possui todos
os meios para bastar-se a si mesma surge a Cidade (pólis), formada originalmente para
atender às necessidades da vida e, na seqüência, para o fim de buscar viver bem. (grifo do
autor).21
Mendo Castro Henriques, na Introdução da Edição bilíngüe da “Política” (apresentado
também como Introdução na Coleção “A obra-prima de cada autor”, volume: Política, de
Aristóteles), faz uma apresentação da obra, enfatizando algumas questões, entre as quais se
destaca aquelas atinentes à formação das cidades. Pontua que, na já mencionada obra, se
verifica que cada cidade pode ser considerada uma comunidade política, constituída em
decorrência de um bem maior, já que acaba abrangendo outras comunidades menores. E, a
cidade, por fim, é decorrência da agregação de várias aldeias e:
[...] é uma comunidade superior que constitui o fim por natureza (phusis télos estin)
para o qual tendem as anteriores associações; caracteriza-se pela auto-suficiência
(autarques) e por promover uma vida boa (eu zen); possuí um poder político (e já
não paternal) cuja natureza visa a libertar o indivíduo dos modos deficientes e
incompletos de associação, abaixo ou acima do nível de plena realização da pólis.22
(grifo do autor).
Aponta, ainda, que, para Aristóteles, a formação das cidades deu-se em decorrência da
necessidade do homem, visando sua melhoria; sua necessidade de viver bem e, melhor.23
Gustave Glotz, na mesma esteira, afirma, que é pela associação das diversas aldeias
que é formado o Estado completo; a comunidade perfeita; a pólis. E, a pólis, conforme
assinala o autor, nasce da necessidade de viver, subsistindo pela necessidade de viver bem e,
desse modo, a pólis somente terá vivência duradoura, se esta for suficiente para si mesma.
Assim, tem-se que a cidade como um composto de pessoas, cuja finalidade precípua é
a melhoria das condições de vida e existência dessas mesmas pessoas que a formam. Gustave
Glotz faz uma crítica à leitura formulada por Fustel de Coulanges, destacando a necessidade
de cautela diante dos fatos apresentados por este último (na obra “A Cidade Antiga”24
), sem,
contudo, deixar de apontar a contribuição do autor à construção do conceito de cidade, bem
como de sua própria historicidade, em face da forma precisa e minuciosa com que os detalhes
21
ARISTÓTELES. Política, Texto integral, trad. Pedro Constantin Tolens, São Paulo: Martin Claret, 2006, p.
53/56. 22
HENRIQUES, Mendo Castro, Introdução, in ARISTÓTELES. Política, Texto integral, trad. Pedro Constantin
Tolens, São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 15 (Fonte: Política, Edição Bilíngüe, Lisboa: Vega, 1998, p. 17/38) 23
Idem. 24
Obra anteriormente citada neste trabalho.
23
foram tratados.25
Todavia, chega à conclusão de que “embora conservasse a instituição
familiar, a cidade grega só pôde (sic) crescer a expensas dessa instituição.”, recorrendo,
sempre, às energias individuais, de cada ser que compunha determinada família, frátia ou
aldeia. Assim, se verifica não apenas duas forças em confronto – família e cidade-, mas, sim,
três, sendo elas a família, a cidade e o indivíduo, cada qual tendo a sua culminância, assim
destacados durante a história Grega:
[...] no primeiro, a cidade compõe-se de famílias que ciosamente protegem o seu
direito primitivo e submetem todos os seus membros ao interesse da coletividade;
no segundo, a cidade põe sob sua dependência as famílias, chamando em seu
auxílio os indivíduos libertos;
no terceiro, os excessos o individualismo arruinaram a cidade, a tal ponto que se
torna necessária a constituição de Estados mais extensos.26
Não se pode conceber tracejar o caminho trilhado para desenvolvimento sem lembrar
que a história segue caminhos diversos e, nem sempre referidos trajetos são tranquilos, sendo,
normalmente, repletos de lutas, sangues e lágrimas. E, com a formação das cidades não foi
diferente, já que muitas vezes as mesmas foram formadas em decorrência da necessidade
premente de agrupamento de determinados indivíduos. E, tal se deu com os primeiros gregos,
conhecidos, inicialmente como aqueus e, mais tarde denominados de jônios e de eólios, os
quais eram pastores seminômades da península Balcânica, acostumados, portanto, a
perambular com os rebanhos pelos prados, planícies e florestas, sem necessidade de
constituírem um Estado.
À época, na organização das chamadas cidades dos aqueus, seus guerreiros ocupavam
as planícies mais ricas, bem como as melhores posições, encontrando-se os palácios e casas
dos mais altos funcionários e dignitários no interior das fortalezas (estando ao redor destas as
habitações mais acanhadas). Além disso, na encosta das colinas, ficavam os camponeses, os
servos, os artesãos e comerciantes, formando-se aldeias, em decorrência do grande número de
pessoas que ali se reuniam, as quais se transformavam em verdadeiras cidades.
25
“À medida que vai passando da família à frátia, à tribo e à cidade, o historiador, por muito que se policie, não
deixa de transportar para grupos cada vez mais numerosos as crenças e os costumes que observara no grupo
primitivo: essas crenças e costumes permanecem idênticos num domínio mais extenso.” GLOTZ, Gustave. A
Cidade Grega, trad. Henrique de Araújo Mesquita e Roberto Cortes de Lacerda, São Paulo/Rio de Janeiro: Difel
Difusão Editorial, 1980, p.3-4. 26
GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega, trad. Henrique de Araújo Mesquita e Roberto Cortes de Lacerda, São
Paulo/Rio de Janeiro: Difel Difusão Editorial, 1980, p. 4.
24
E, foi diante desse cenário que a cidade alta recebeu, primordialmente, a denominação
de polis e, a cidade baixa de ástu.27
Com o tempo, essa dicotomia finda-se, com a fusão da
cidade alta e cidade baixa, restando, apenas, o termo pólis, que passa a designar a cidade (é
claro que, à época, os conceitos de cidade e estado se confundiam, já que as comunidades
gregas eram, ao mesmo tempo, cidades e Estado, por isso a denominação utilizadas de
cidades-Estado).
A pólis28
teria, assim surgido por volta do século VIII a.C., nas comunidades gregas da
Ásia Menor, se espalhando, posteriormente por todo o mundo Grego, em decorrência dos
fatores anteriormente apresentados. Assim, os habitantes das pequenas comunidades, diante
da necessidade de localização de melhores lugares para habitar (e desenvolver) e, para evitar a
perspectiva de novos ataques (os quais eram esperados), se agruparam, por intermédio de um
processo conhecido como sinecismo29
. Desse modo, as pequenas localidades identificam-se
com um centro comum, dentro os quais se encontram as cidades de Atenas e, Esparta,
principais cidades Estado à época. Passa, portanto, a cidade, a constituir a principal ocupação,
em face da permanente ameaça à sua liberdade, sendo que “o sacrifício do indivíduo à cidade
é a regra.”.30
De modo geral, a pólis reunia um agrupamento humano que habitava um
território não muito extenso, compreendendo uma área urbana e outra rural. Na área urbana
concentrava-se o centro comercial e a manufatura.
O Período Arcaico da história grega (séculos VIII - VI a.C.) caracterizou-se pela
27
“A ástu é o lugar habitado a que conduzem as rotas e cuja superfície só pode ser objeto de aluguel. A pólis
merece antes de tudo o epíteto ‘elevada’ (é a akrópolis), e são muitos os termos que servem para dizer que ela é
escarpada, bem construída, cercada de torres, munida de altos portões;” (grifo do autor). GLOTZ, Gustave. A
Cidade Grega, trad. Henrique de Araújo Mesquita e Roberto Cortes de Lacerda, São Paulo/Rio de Janeiro: Difel
Difusão Editorial, 1980, p. 8. 28
“[...] o conceito de "pólis" é mais abrangente do que o nosso conceito de município. Na Grécia antiga, entre os
séculos 8 e 6 a.C, surgiram as "pólis", que eram, ao mesmo tempo, a cidade e o território agropastoril em seus
arredores, que formavam uma unidade administrativa autônoma e independente: uma cidade-Estado, quase como
um país nos dias de hoje.” (OLIVIERI, Antonio Carlos. A arte ou ciência de governar. Disponível em: <
http://educacao.uol.com.br/filosofia/ult1704u36.jhtm> Acesso em: 04.01.2010.)
Para Werner Jaeger, “é na estrutura social da vida da polis que a cultura grega atinge pela primeira vez a forma
clássica. A sociedade aristocrática e a vida do campo não estão, é certo, totalmente desligadas da polis. As forma
de vida feudal e a campesina aparecem na história mais primitiva da polis e persistem ainda nos seus estágios
finais. [...] a polis representa um princípio novo, uma forma mais firme e mais acabada da vida social de
significado muito maior que nenhuma outra para os Gregos.” (grifo do autor). (JAEGER, Werner. Paidéia: A
formação do homem grego, trad. Artur M. Parreira; Adaptação do texto para a versão brasileira: Mônica Stahel
M. da Silva; rev. do texto grego: Gilson César Cardoso de Souza; São Paulo: Matins Fontes, 1986, p. 73.) 29
“Sinecismo (do grego synoikismós), coabitação. Fusão, por motivos defensivos, de pequenas comunidades
numa maior que totalmente as substitui; processo que na Grécia antiga levou à formação da pólis.” (NUNES,
Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica, 12. ed., rev., ampl., atual., 3. tir., Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1994.) 30
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas, 14. ed., São Paulo: Atlas, 1995, p. 31.
25
formação e desenvolvimento das cidades Estado, que eram soberanas, já que possuíam seu
próprio governo, leis e não possuíam nenhuma estrutura política acima dela. Tratar da Grécia
Antiga neste período significa, portanto, conhecer o desenvolvimento das cidades, dentre as
quais se destaca as mais importantes, e, conhecidas, que foram, sem dúvida, Espartas e
Atenas.
A cidade de Esparta foi fundada no século IX a.C., pelo povo dório, o qual penetrou
pela península em busca de terras férteis, tendo se situado na região sudeste da Península do
Peloponeso. No final do século VI a.C., depois da conquista da Messênia, a cidade Estado de
Esparta completou sua organização e desenvolvimento, tendo se transformando no seu
aspecto mais conhecido, ou seja, apontando características militares.
No Estado Espartano, segundos os historiadores, podia se localizar três camadas
sociais bem diferenciadas, vivendo em territórrios separados e bastante segregados. A classe
dominante contituía-se pelos espartanos ou esparcíatas, sendo formadas pelas famílias dos
conquistadores dórios. Os chamados periecos formavam a segunda camada social, a qual era
composta por populações livres, porém sem direitos políticos e, a última camada social era
composta pelo denominados hilotas, que se constituiam pelas populações dominadas e
reduzidas à escravidão pública. Eram a massa da população trabalhadora, que habitava nas
terras que a cidade Estado conquistara. 31
Atenas foi a maior e mais rica cidade da Grécia Antiga durante os séculos V e IV a.C.,
tendo sido fundada na região da Ática, próxima ao litoral, no século VIII a.C. em torno de
uma colina devidamente fortificada. Da mesma forma que a sociedade espartana – como
anteriormente relatado -, a sociedade ateniense dividia-se em três classes sociais, formada,
primeiramente pelos eupátridas, que constituiam a aristocracia rural (proprietários de terra e,
detentores do poder político); pelos georgóis, os quis eram pequenos proprietários rurais, que
praticavam a agricultura de subsistência (estes podiam se transformar em escravos). E, por
fim, tem-se os demiurgos, pertencentes da terceira camada social; estes eram artesãos e
viviam do próprio trabalho.
31
AQUINO; DENISE; OSCAR. História das Sociedades: Das Sociedades Modernas às Sociedades Atuais, 2.
ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983.
26
As cidades gregas se apresentavam (até o final do século VI), no formato de bairros
habitacionais, com ruas apertadas e tortuosas, justapostas ou até mesmo dispersas,
estendendo-se ao pé ou ao lado de uma montanha escarpada, onde se localizava uma acrópole.
O conceito de cidade, na Grécia, era tão desenvolvido que se percebe até mesmo nos
ensinamentos do filósofo Sócrates, o qual, ao tratar acerca da forma de governo, descreve
aquela (democracia), que para ele, seria a melhor não apenas para o homem, mas também
para a própria cidade, demonstrando-se a necessidade de que a cidade cumpra uma espécie de
função social (obviamente não se trata da função social como atualmente é conhecida e,
entendida, mas no sentido de se buscar um objetivo para o bem de toda a comunidade) :
Reputo, pois, uma tal forma de governo boa e correta, tanto para a cidade como
para o homem, e julgo as outras más e defeituosas, se aquela for correta, quer
objetivem a administração das cidades, quer a organização do caráter no
indivíduo.32
(grifo nosso).
Para melhor entendimento da construção das cidades, importante, também, que se
perceba o aspecto econômico, posto que o mote de desenvolvimento das sociedades sempre
está ligado à busca por sobrevivência, passando, portanto, pela economia, que influenciou e,
influencia, nos dias atuais, além da formação das cidades, a própria construção do Direito.
Entre os séculos XII ao VIII a. C., a economia era apenas doméstica, nas cidades gregas.
Após esse período, a Grécia (mais especificadamente no século V a.C. – período clássico -, e
entre os séculos IV a III a.C. – era helênica), viveu uma fase de econômica propriamente dita,
sendo esta, uma fase econômica de trocas, na qual os estrangeiros e libertos tiveram papel de
suma importância. Nessa mesma época, as conquistas abrem espaço para que a Grécia
desenvolva o comércio, por intermédio da abertura para novos e ricos mercados. E, alguns
caracteres da Grécia contribuíam para o desenvolvimento do comércio e da navegação, como
a pobreza e escassez do solo, bem como o número elevado da população. E, ainda, algumas
características geográficas, como o local em que estava situado o território grego, com um
mar repleto de golfos e baías. 33
Tudo isso contribuiu para o desenvolvimento das cidades
gregas e, para o incremento do próprio urbanismo, ainda que de modo acanhado.
32
SÓCRATES, apud PLATÃO. A República de Platão. Trad.: Ana Paula Pessoa, São Paulo: Sapienza, 2005, p.
173. 33
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 30.
27
Entre os séculos VII e VI a.C., verificou-se as primeiras tentativas, sistêmicas, de efetivo
planejamento e concretização de melhoramentos na cidade, sob o comando de tiranos, como
Pisístrato e filhos (Atenas), os quais praticavam uma política ativa de urbanismo, visando
aprimorar as condições de existência da própria cidade (com a construção de fontes,
abastecimento de água, sistema de esgoto, regularização de traçado das ruas, além de templos,
entre outros), trazendo bem estar para todos, ainda que não fosse esse o objetivo principal.
Nos séculos IV e V a. C., o urbanismo grego se modifica, em face, principalmente, da queda
dos tiranos e, da descontinuidade nas obras de melhoramento urbano, por eles iniciada. Este
período, todavia, é de grande importância, em face do surgimento dos traçados urbanos
ortogonais e dos quadriculados regulares.34
Verifica-se que, neste período, a cidade já ganha
contornos de planejamento. Mas, é, entre os séculos VII (final) e, século VI, que se nota as
primeiras tentativas de planejamento, de modo sistemático e, a realização de melhoramentos
na cidade. E, tudo isso em face dos regimes tiranos, que governavam à época, os quais
“praticam uma política de urbanismo ativa com o objetivo de melhorar as condições de
existência da cidade. Eles se preocupam em particular em assegurar aos habitantes um bom
aprovisionamento de água [...]”35
No século IV, a.C., a população diminui assustadoramente, em toda a Grécia,
ocasionando um decréscimo demográfico sem precedentes, em decorrência de uma baixa
natalidade 36
. Desse modo, verificou-se uma diminuição expressiva na quantidade de
cidadãos, em toda a Grécia, e, esse despovoamento atingia, em especial, o campo, já que a
cidade atraia, por vários motivos (como o conforto, ou em decorrência de dívidas, ou ainda,
em face de colheitas ruins, abandonando, assim, a terra e a lavoura), o povo, sendo que, “desta
forma, ao mesmo tempo em que diminui a população, o êxodo rural a reparte de maneira
diferente.”37
34
GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega, trad. Henrique de Araújo Mesquita e Roberto Cortes de Lacerda, São
Paulo/Rio de Janeiro: Difel Difusão Editorial, 1980, p. 244. 35 HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed., 1998, p.
14/17. 36
GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega, trad. Henrique de Araújo Mesquita e Roberto Cortes de Lacerda, São
Paulo/Rio de Janeiro: Difel Difusão Editorial, 1980, p. 245. 37
Idem, p. 248.
28
Na mesma época, conforme salienta Gustave Glotz38
houve uma transformação na vida
social e política do povo grego, em face do pensamento individualista, em detrimento do bem
comum, resultado, em parte de constantes questionamentos acerca da disparidade de
tratamento. Em face dessa nova visão (voltada para o luxo, para o comércio, o amor ao
dinheiro e à riqueza), a coisa pública é deixada de lado e, a política torna-se um negócio e, a
“cidade em declínio, e precariedade do erário público e o desenvolvimento do capitalismo
resultam em que a pobreza contagie grande parte da população.” A miséria assolou toda a
Grécia, contribuindo com a ruína da cidade, já que deixam de observar os problemas da
cidade, suas necessidades e interesses. E, foi exatamente no século IV, que a Grécia viu brotar
“muitas teorias de comunismo e de socialismo”, modificando a própria concepção da cidade.
Diante das dificuldades, as cidades gregas passam a necessitar umas das outras, abrindo-
se para constantes trocas, resultando em uma unificação da Grécia, renunciando, assim, cada
Cidade-Estado, um porção de sua soberania, para obter a união. Todavia, essas junções não
trouxeram um resultado positivo para a Grécia, que se viu dividida em grupos, nos quais
deliberações políticas e econômicas foram tomadas, destacando-se entre elas, a decisão de
entrar em guerra com a Pérsia.
A vitória da referida guerra, não trouxe, na realidade, benefícios efetivos e, definitivos,
para a Grécia, já que propiciou o início de seu declínio, posto que foi nessa época que as
cidades gregas deixaram de ser totalmente livres. Após a conquista da Ásia, a Grécia se
expandiu ainda mais, alargando seu território. E, diante disso, houve a necessidade de que um
grande líder “tomasse a frente”, fortalecendo o império formado e, isso resultou,
consequentemennte, no surgimento do sistema político, que prevaleceu não apenas no mundo
helenístico, mas também, posteriormente, por todo o mundo romano; a monarquia, já que “só
na forma monárquica podiam criar-se os grandes Estados que absorveram a multidão
anárquica das cidades autônoma”, dirigindo, de modo efetivo, todas elas, restabelecendo a paz
e a ordem entre as cidades. Todavia, não se obteve a almejada paz, já que as disputas (em
face, principalmente, das diferenças internas) continuavam latentes, sendo que “nunca a
38
GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega, trad. Henrique de Araújo Mesquita e Roberto Cortes de Lacerda, São
Paulo/Rio de Janeiro: Difel Difusão Editorial, 1980, p. 256/264.
29
Grécia foi tão cruelmente devorada pelas lutas intestinas quanto nos séculos que transcorrem
entre a conquista macedônia e a conquista romana.”, culminando com o fim da era Grega.39
Não se pode esquecer, com certeza, também, da influência romana na construção do
conceito de cidade, sendo que se percebe até os dias atuais a herança deixada pelos romanos.
Os romanos conquistaram todo o mundo conhecido à época, tendo, portanto, levado seus
pensamentos a todos os povos. Os romanos influenciaram, e muito, a sociedade, tendo
contribuído, inclusive, com a raiz do Direito moderno. É claro que a história romana, na qual
se encontra inserida a própria história do urbanismo romano, não se desenvolveu em um
pequeno decurso de tempo, transcorrendo mais de um milênio entre a Roma primitiva e as
realizações do final da República e do Império.
Jean Louis Harquel40
, em sua obra “História do Urbanismo” destaca dois princípios,
como sendo os grandes norteadores do urbanismo romano, sendo estes o rito da fundação da
cidade e, o plano das cidades romanas. No primeiro princípio, destaca-se a fundação como
rito sagrado, intrincado pela utilização de um ritual arcaico, com quatro fases distintas,
iniciando-se pela fase denominada agouro, cujo objetivo é garantir que os deuses não são
contrários à criação da cidade; na sequência, tem-se a orientatio, na qual se determina os dois
grandes eixos da cidade (suas duas ruas principais, as quais se cruzam em ângulo reto,
chamadas de decumanus – leste- oeste e, o cardo – norte-sul). Após, tem-se à limitio,
momento em que se traça, com um arado, um sulco na terra, sulco este que somente é
interrompido nos locais designados para as portas, criando, desse modo, o pomerium, ou linha
de proteção mágica. Por fim, tem-se a consagração, visando a proteção dos deuses sobre a
cidade, em especial de Júpiter, Juno e Minerva.
Já, o segundo princípio, o plano das cidades romanas, se assinala pela utilização
ordenada do traçado ortogonal, e, as cidades tipicamente romanas possuem o formato de um
quadrado ou de um retângulo, sendo que o decumanus e o cardo constituem as medianas. E,
as ruas secundárias eram desenhadas paralelamente aos eixos centrais, cortando, assim, as
linhas quadradas ou retangulares, levando, essa operação, o nome de limitação interna,
39
GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega, trad. Henrique de Araújo Mesquita e Roberto Cortes de Lacerda, São
Paulo/Rio de Janeiro: Difel Difusão Editorial, 1980, p. 313/321. 40
HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p. 22-
23.
30
havendo, ainda, necessidade da cidade se adaptar à natureza do local. Ressalta-se que as
concepções romanas, em regra, só eram plenamente implantadas por ocasião da instalação de
novas cidades, todavia, foi possível, em alguns casos, se verificar a implantação efetiva,
quando do deslocamento ou, na reorganização de algumas aglomerações.
Verifica-se que, à época, já existia uma espécie de planejamento, que era implementado,
quando possível, visando a melhoria da cidade, ainda que não necessariamente das pessoas
que ali viviam (ainda que, indiretamente, pudessem obter algum benefício)41
, todavia,
apresentava alguns inconvenientes, no tocante ao urbanismo, o que se constata, especialmente
após a independência de Roma, quando o crescimento urbano acontece ao redor do Fórum
(que se constituía como um dos elementos primordiais para o Império Romano), não se
respeitando, contudo, os eixos primitivos. E, a “cidade republicana se desenvolve na verdade
sem um plano preestabelecido e segundo um traçado bastante irregular, o que é resultado ao
mesmo tempo de uma topografia acidentada e da falta de método [...]”42
, período em que
ocorre a reconstrução de Roma, evento que teve início após a conquista de Roma pelos
Gauleses, por volta de 390 a.C. Nesse período, as ruas eram estreitas e, espaço e luxo somente
era disponibilizado a um número limitado de pessoas, já que a grande maioria vivia em locais
desprovidos, não apenas de conforto, mas também de segurança.43
Outros problemas são notados durante o regime imperialista, em especial em face do
aumento da população (que a essa altura atingia em torno de um milhão de habitantes) e,
desse modo, algumas limitações foram impostas às pessoas44
, como no tocante a altura das
construções (nem sempre respeitadas) e, ainda, com relação à proibição de circulação de
41
HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p. 22-
23. 42
Idem, p. 28. 43
“Esse estado de coisas evidencia de forma cada vez mais nefasta que Roma está em processo de se tornar uma
grande cidade na qual a especulação acarreta efeitos negativos e onde se constrói verticalmente. [...] A roma do
final da República é uma cidade mal-concebida e mal-construída, cuja rede de vias públicas e praças é
insuficiente.” (grifo do autor). (Idem, p. 28.). 44
José M. Ressano Garcia Lamas lembra que foi em Roma que se verificou, pela primeira vez, e, com pleno
sentido, a regulamentação urbanística, sendo que: “A falta de espaços e de água, as necessidades de defesa e a
grande dimensão obrigam a minuciosos regulamentos que o aparelho jurídico romano codifica e organiza.
Regras, posturas, interdições e obrigações produzem um controle apertado sobre demolições e construções,
circulação, distribuição de água ou crescimento urbano. Após o incêndio do Campo de Marte, em 64 a.C., é
realizado um plano que propõe a intervenção do Estado e da iniciativa privada, estabelecendo taxas, isenções e
direitos de construção numa antecipação aos processos de gestão urbanística.” (LAMAS, José M. Ressano
Garcia. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade, Fundação Calouste Gulbenkian, Junta Nacional de
Investigação Científica e Tecnológica, 1993, p. 146).
31
carros durante o dia, tendo em vista a escassez das vias públicas45
(problema ainda encontrado
nos dias atuais nas maiores metrópoles do mundo, inclusive no Brasil).
Importante destacar o regime administrativo e jurídico do urbanismo romano, sendo que
na seara administrativa, Roma, assim como a Grécia, possuía serviço administrativo, com os
encargos da limpeza pública e, das construções46
. No tocante à legislação urbanística, norma
imprescindível foi a Lei das Doze Tábuas, a qual determinava, por exemplo, a manutenção de
uma distância de 1,5m (05 pés) entre uma casa e outra, objetivando coibir incêndios e,
também, a utilização desses espaços como ruas (essa distância, com o desenvolvimento da
cidade é deixada de lado, passando-se a utiliz ar o chamado sistema “paries communis”, ou
geminado. Posteriormente, em face do número elevado de incêndios, retoma-se a
obrigatoriedade de mantença da distância, aumentando-se, inclusive, referido espaço,
passando-se ao patamar de 10 pés, ou 3m, o que, contudo, não é acatado, em sua plenitude
pela população). Além disso, a já citada legislação previa a interdição, (que podia ser
renovada por diversas vezes) referente à instalação de balcões acima das ruas e, ainda, havia a
obrigatoriedade de cobrir as casas de telhas (e não de madeira), bem como a limitação da
utilização de madeira nas construções, visando, desse modo, incentivar a utilização de
materiais não-inflamáveis47
, além de outras restrições impostas aos proprietários,
demonstrando que já nessa época, os proprietários não tinham total liberdade sobre seus
imóveis, não podendo, por exemplo, demoli-los (ainda que em parte). Assim, o Estado, tanto
45
HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p. 28.
Sobre esse assunto, Carlos Magno Miqueri da Costa ressalta: “[...] Embora distanciados do aspecto físico, mas
inerentemente ligados a ele, os congestionamentos de Roma criam nítida relação existencial e substancial com as
cidades contemporâneas: Júlio César teve que impedir o trânsito de carroças durante o dia em determinadas
áreas; já os prefeitos das metrópoles nos últimos anos, se veem obrigados a instituir sistemas de rodízios de
automóveis.” (grifo do autor). Além disso, salienta que Roma deixou uma marca permanente, com relação aos
elementos configuradores do perfil urbano, destacando, a questão da solução dada aos congestionamentos, bem
como, aponta: “[...] as pontes e os aquedutos, este substituídos pelas tubulações de pequenas ou grandes
dimensões; os esgotos, que conduziam os dejetos a uma fossa principal e reduziam a insalubridade das cidades; o
calçamento de circulação que permeavam asa quadrículas, acompanhado, em algumas províncias, por calçadas
destinadas aos pedestres; os circos, equiparados somente aos estádios, construídos a partir do século XX e
voltados à prática predominante de futebol.” (grifo do autor). (COSTA, Carlos Magno Miqueri da. Direito
Urbanístico Comparado: Planejamento urbano – das Constituições aos tribunais luso-brasileiros, Curitiba:
Juruá, 2009, p. 32-33.). 46
A preocupação, com as questões urbanísticas, estiveram sempre presentes em Roma, tanto no tocante às
questões administrativas, quanto jurídicas, sendo que, no primeiro caso, “na época republicana, os supervisores
de obras e os magistrados romanos têm um papel essencial nessa questão. Os supervisores de obra realizam a
adjudicação das obras importantes relativas à via pública, aos esgotos, aos aquedutos. A responsabilidade da
limpeza e da conservação é confiada aos magistrados, que devem também impedir os avanços sobre as ruas,
obrigar à demolição das casas ameaçadas de ruínas. Sob o império são criados grandes serviços de urbanismo,
colocados sob o controle de altos funcionários nomeados pelo imperador, tais como o tutor das águas e o
procurador das ruas.” HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus,
2. ed. 1998, p. 30.). 47
Idem, p. 31.
32
por questões sociais, quanto estéticas, tinha por objetivo a proteção do capital imobiliário
urbano “contra as práticas especulativas dos que demolem as casas para vender os materiais
preciosos.”48
Ainda no tocante às questões legislativas na antiga Roma, já havia à época, um modelo
de desapropriação, sendo este, claro, interligado ao conceito de propriedade vigente naquele
período, sendo que, portanto, se um dos proprietários não tivesse interesse em vender o
espaço que o Estado pretendia utilizar, era adquirida a integralidade do terreno e, ao final,
devolvia-se a parcela não utilizada, ou seja, os proprietários eram coagidos, não havendo,
pois, como impor resistência à determinação estatal (tem-se, ainda, a expropriação, que
ocorria quando havia um “interesse superior”, muito próximo dos motivos atuais, voltados ao
“bem comum”).
Neste momento, dá-se um salto na história, para tratar de outro aspecto histórico
importante, e que deve ser aqui tratado, com relação à construção das cidades; a Idade
Média49
. Ressalta-se que, nesse período, diversamente do ocorrido durante todo o Império
Romano, (quando a estrutura e, organização das cidades tinha papel de relevo), na Idade
Média, as cidades perderam, em parte, sua importância, em especial em decorrência da
atividade econômica básica ser a agricultura. Já, com a queda do Império Romano do
Ocidente, o comércio e, também as cidades, deixaram de ter o destaque anterior, isso se
justifica em face de que a única fonte de riqueza naquela época era a posse de terra, sendo que
cada comunidade vivia dos seus animais e, das próprias plantações (denotando-se um caráter
rural50
, não mais voltado para a vida urbana). Percebe-se, então, que a sociedade volta a ser
rural, fazendo contraposição à sociedade urbana, existente em Roma e, nas possessões
romanas.
48
“Desde o fim da República encontra-se nas leis coloniais e municipais a interdição de destruir um imóvel sem
autorização prévia, a qual só é dada se o proprietário se compromete a reconstruir. Mais tarde, sob o Império,
uma abundante legislação proíbe demolições especulativas. A preocupação com a estética urbana se encontra
num decreto de Vespasiano, que algum tempo após o incêndio de Roma constata que a cidade está desornada,
com casas ainda em ruína, e obriga os proprietários a ceder seus terrenos a quem queira reconstruir. De maneira
análoga, Adriano impõe, em uma carta de 127, a um habitante de uma cidade a reformar sua casa ou vendê-la.”
(HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p. 31-
32.). 49
Ressalta-se que este trabalho não pretende esgotar todos os períodos da história da humanidade, mas apenas
apontar períodos relevantes para o desenvolvimento das cidades, destacando, inclusive, períodos em que houve
desaceleração no seu crescimento. 50
“Plantas de cidades indicam que, naqueles tempos, as mesmas se assemelhavam mais a pequenas cidades do
interior que a grandes centros urbanos.” (COSTA, Carlos Magno Miqueri da. Direito Urbanístico Comparado:
Planejamento urbano – das Constituições aos tribunais luso-brasileiros, Curitiba: Juruá, 2009, p. 34.).
33
É importante lembrar que no sistema feudal a maioria das terras agrícolas da Europa
ocidental e central estava dividida em áreas conhecidas como feudos51
, sendo que um feudo
consistia apenas em uma aldeia e as várias centenas de acres de terra arável que a
circundavam, e, nas quais o povo da aldeia exercia o seu ofício. A necessidade da formação,
da sociedade, em feudos, ocorreu em decorrência de alguns fatores, como as invasões
bárbaras, que obrigaram os habitantes a se refugiarem no campo, em especial a aristocracia,
que passou a viver em suas fortalezas rurais e, a população comum teve que se submeter à
proteção da aristocracia (vivendo, normalmente, ao redor dos castelos), transformada em
senhores feudais, ou suseranos52
. Desse modo, os vassalos53
(a população que realmente
laborava na terra) deveriam se sujeitar ao mando dos suseranos, em troca de proteção. Da
mesma forma, “as cidades passam a ser antes de tudo fortalezas onde a cada alerta refugia-se
a população dos arredores.”54
Henri Pirenne aponta, justamente, o aspecto econômico, como influenciador do
desaparecimento e, posterior desenvolvimento da vida urbana:
1. O RENASCIMENTO DA VIDA URBANA.
Desaparecimento da vida urbana no século VIII. Enquanto o comércio
mediterrâneo continuava atraindo à sua órbita a Europa Ocidental, a vida urbana não
deixara de manifestar-se, tanto na Gália como na Itália, na Espanha e na África.
Mas, quando a invasão islamítica bloqueou os portos do mar Tirreno, após ter
submetido as costas africana e espanhola, a atividade municipal extinguiu-se
ràpidamente (sic). Fora da Itália Meridional e de Veneza, onde se manteve, graças
ao comércio bizantino, a referida atividade desapareceu de todas as partes.
Materialmente, subsistiram as cidades, porém perderam sua população de artesãos e
comerciantes e, com ela, tudo quanto sobrevivera da organização municipal do
Império Romano.
As cidades episcopais. As “cidades”, em cada uma das quais residia um bispo,
foram sòmente (sic), desde então, centros da administração eclesiástica, que sem
dúvida foi grande do ponto de vista religioso, porém nula do ponto de vista
econômico [...] Os burgos. Em tempo de guerra, suas antigas muralhas
51
Feudo: “Propriedade nobre ou bens rústicos, que o senhor de certos domínios concedia mediante a condição de
vassalagem e prestação de certos serviços e rendas.” (in FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, coord. Marina Baird Ferreira; Margarida dos Anjos, 4. ed., Curitiba:
Positivo, 2009, p. 891). E, ainda: “Trato de terras, ou outros bens imóveis que o senhor de certos domínios
nobres, na Idade Média, cedia a um vassalo, com a obrigação de este lhe prestar homenagem e fidelidade, além
de determinados serviços e rendas.” (in NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica, 12. ed., rev., ampl.,
atual., 3. tir., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1994, p. 434). 52
“1.Que possui um feudo, do qual outros dependem. 2. Referendo aos soberanos que têm vassalagem de
Estados aparentemente autônomos.” (in FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa, coord. Marina Baird Ferreira; Margarida dos Anjos, 4. ed., Curitiba: Positivo, 2009, p.
1901). 53
“1. Na Idade Média, aquele que dependia dum senhor feudal, a quem estava vinculado por juramento de fé e
homenagem; feudatário, súdito 2. Que paga tributo a alguém. 3. Subordinado, submisso.” (Idem, p. 2039). 54
HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p. 35.
34
proporcionavam um refúgio à população dos arredores. Mas durante o período de
insegurança que se inicia com a dissolução do Império Carolíngio, a necessidade de
proteção [...] tornou-se imprescindível em tôdas (sic) as partes a construção de
novos lugares e de abrigo. A Europa Ocidental cobre-se, nessa época, de castelos
fortificados edificados pelos príncipes feudais para servir de refúgio aos seus
homens. 55
(grifo do autor)
Para Paulo Hugon, a Idade Média, do ponto de vista econômico, pode ser dividida em
duas fases primordias, sendo que o primeiro período se deu entre os séculos V a XI e, o
segundo, do século XI ao XIV. Na primeira fase, tem-se a invasão dos bárbaros, que resultou
no fim da economia antiga e o surgimento e fortalecimento do feudalismo, criando, assim, o
fracionamento político e a fragmentação econômica. Nesse período, a produção é
praticamente toda rural (a terra produzia praticamente todas as mercadorias de que
necessitava e, dessa maneira, a terra era a chave da fortuna de um homem; ganhando
importância exacerbada naquele período), sendo que as trocas passam a ser insignificantes e
rudimentares, não ultrapassando, em regra, a localidade, que vive às margens do castelo do
senhor feudal. A população passa a se reanimar a partir do século XI, para expandir-se do
século XII, em diante, tendo ressurgido o sistema de trocas.56
Após esse primeiro período feudal, entra em cena o comerciante, trazendo o
investimento da riqueza na Idade Média e o intercâmbio de mercadorias. Importante papel,
para que tal fato ocorresse, tiveram as Cruzadas e o próprio comércio, representado pelos
mercados e feiras. O que acabou por contribuir com a própria expansão das cidades,
posteriormente.57
O século XI teve como palco o desenvolvimento do comércio; sendo que no século
seguinte, a Europa ocidental transformou-se em virtude desse evento. As Cruzadas, como
acima mencionado, impulsionaram o comércio, já que necessitavam de provisões durante todo
o caminho, e os mercadores os seguiam, visando fornecer-lhes o que era necessário. Além
disso, verificou-se um aumento na população, depois do século X, sendo que os novos
habitantes necessitavam, da mesma forma, de mercadorias. A procura aumentou
55
PIRENNE, Henri. História econômica e social da Idade Média. Trad.: Lycurgo Gomes da Motta, 4. ed., São
Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 45/47. 56
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 14. ed., 14. tir., 1995, p. 45. 57
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro:
LTC, 1986, p. 17-18.
35
vertiginosamente, aumentando, com isso, a necessidade do fornecimento de mercadorias e,
consequentemente, das cidades.58
Nos séculos XII e XIII, os meios de transporte não estavam tão desenvolvidos. Nem
havia uma procura firme e constante de mercadorias, em todas as regiões, que pudesse
garantir às lojas uma venda diária durante todo o ano. A maioria das cidades, por esse motivo,
não podia ter comércio permanente, sendo que as feiras periódicas na Inglaterra, França,
Bélgica, Alemanha e Itália constituíam elementos importantes para o desenvolvimento do
comércio estável e permanente. Note-se que há diferença entre os mercados locais semanais,
os dos primórdios da Idade Média e, as grandes feiras do século XII ao XV. Os mercados
eram pequenos, negociando com os produtos locais; agrícolas. As feiras, no entanto, eram
enormes, negociando mercadorias por atacado, as quais vinham de todos os pontos do mundo
conhecido à época.59
Um dos efeitos que mais se verifica com os fatos acima relatados e, com o
desenvolvimento e aumento do comércio, é o crescimento das cidades. Em decorrência disso,
surgem as corporações, que eram contrárias aos pensamentos feudais. O choque foi inevitável.
Com o crescimento da influência dos mercadores estes acabaram por modificar o sistema
feudal, pois o mercado é dinâmico e não podia continuar aceitando as “amarras” impostas
pelos senhores feudais. Além disso, “nos primórdios do feudalismo, a terra, por si só,
constituía a medida da riqueza do homem. Com a expansão do comércio surgiu um novo tipo
de riqueza – a riqueza em dinheiro.”60
A explosão urbana, no período, ora retratado, da Idade Média, começa no século XI,
perdurando até o final do ciclo. E, referido crescimento, é resultado de alguns fatores
primordiais, como a melhoria das condições de segurança, bem como o aperfeiçoamento das
técnicas agrícolas, bem como em decorrência da imigração dos camponeses, oriundos tanto de
localidades vizinhas, quanto de lugares mais longínquos. Frisa-se que “o fenômeno urbano é
estimulado pela melhora do estatuto jurídico dos habitantes que obtêm de seus senhores
algumas franquias (estatuto do homem livre, privilégios judiciais, militares, fiscais) e, em
58
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro:
LTC, 1986, p. 18. 59
Idem, p. 21-22. 60
Idem, p. 33.
36
certos casos, uma completa autonomia.”61
E, é justamente nesse século que se verifica o
desenvolvimento das cidades já existentes (como é o caso das antigas cidades romanas, locais
em que se instalavam novas pessoas, trazendo consigo bairros de artesãos e de comerciantes),
bem como o surgimento de novas cidades, em especial naqueles locais não povoados – ou
pouco povoados pelo Império Romano -, tendo nascidas de várias maneiras (como, as que
foram resultado de monastérios ou de castelos – tendo, as cidades, se originado a partir da
existência e, em face da proteção dos primeiros, ou, ainda, sido oriundas das chamadas
criações urbanas, as quais representam, de alguma forma, o Poder, sendo este, o Poder
Municipal, como na Itália, ou são emanadas dos reis, dos senhores laicos ou, eclesiásticos,
quando estes, de alguma forma, auxiliavam na construção, com a doação de terras e/ou, com
outros benefícios, resultando na atração de pessoas para determinadas localidades, cujo
resultado era o surgimento ou ampliação das cidades).
Uma das principais preocupações da cidade medieval (independentemente desta ser
nova ou velha), era a garantia de segurança, estando, normalmente cercada por muros,
contando com poços, cisternas e fontes dentro das muralhas, além de rios que eventualmente
atravessassem a cidade (não se utilizando, em regra, por motivo de segurança, da água que se
encontrava fora de seus paredões, até porque estas poderiam ser envenenadas ou cortadas,
pelos inimigos), além de possuir, dentro de seus muros, campos de cultivo, granjas, vinhas,
criação de animais, enfim, tudo que fosse necessário para a sobrevivência inserido numa
mesma localidade. Claro que essa estrutura não trazia apenas benefícios para a população que
ali vivia, mas também malefícios, como, por exemplo, a ausência de rede de esgotos,
ocasionando escoamento no meio das ruas, gerando, assim, diversas doenças. No tocante ao
riscado das cidades da época, o mesmo se apresenta, inicialmente, como ruptura do modelo
romano, com traços lineares, ao longo de uma estrada ou rio e, envolvidos por um núcleo
urbano ou por um edifício imponente, ou importante (castelos, monastérios etc., como acima
retratado), com ruas estreitas e sinuosas, passando, posteriormente, por volta do século XIV, a
ter pavimentação, possuindo, ainda, bairros determinados, com agrupamentos estabelecidos
pelas autoridades locais (em especial para as profissões poluidoras ou ruidosas, como
açougueiro ou caldeireiro). E, a intervenção das autoridades, em matéria de urbanismo,
acontece, em grande número, no tocante às criações urbanas.
61
HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p. 36.
37
O fundador determina o plano ou designa aqueles que serão encarregados de traçá-
lo, ele fixa algumas vezes a largura das ruas e as modalidades de loteamento,
ordena a demarcação das parcelas com estacas, fornece geralmente material para a
construção das casas, particularmente madeira, que deverá ser cortada na floresta
vizinha. Em contrapartida, ele obriga aqueles que receberam um terreno a construir
num período de tempo muito curto. Por outro lado, nas cidades medievais, deve-se,
antes de construir ou reformar uma construção, obter a permissão da autoridade
titular do proprietário.62
No tocante à desapropriação, o período medieval é um pouco mais avançado que a
época romana, existindo, efetivamente, um sistema de desapropriação, ainda que rudimentar,
motivado pela utilidade pública, visando construções e aprimoramentos das fortalezas. O
valor das indenizações, provenientes das desapropriações, eram fixadas por intermédio de um
“júri de desapropriação”. 63
É claro que antes do efetivo declínio da Era Medieval, insta salientar o caráter
econômico das cidades da época, demonstrando a contribuição que tiveram para o
desenvolvimento daquele período.
Até o século XV, as cidades foram os únicos centros do comércio e da indústria, a
tal ponto que não deixaram que êstes (sic) se difundissem pelo país. Entre as
cidades e o campo existe uma rigorosa divisão do trabalho, pois só o campo se
ocupa da agricultura, enquanto as cidades dedicam-se aos negócios e às artes
manuais.
A importância das cidades foi, pois, proporcional à extensão do seu raio
econômico. São muito raras as exceções à regra. [...] Em parte alguma, um
estabelecimento eclesiástico bastou para o florescimento da vida municipal. As
localidades onde a burguesia só forneceu uma catedral ou um mosteiro não
passaram de simples burgos de segundo ordem.
[...]
A cidade medieval é, portanto, essencialmente uma criação da burguesia. Existe só
para os burgueses e graças a êles (sic). Em seu interêsse (sic) próprio e exclusivo
criaram as instituições e organizaram a economia.64
Entre os séculos XV a XVII, com o renascimento, a cidade ganha novos contornos,
deixando de ser apenas cômoda, havendo, também, que ser bela. É nesse momento que surge
a formação dos grandes temas do urbanismo clássico, como a planificação urbana, que nessa
época é elaborado, por intermédio da “configuração da cidade ideal, a idéia de uma concepção
intelectual total do espaço urbano a ser projetado sobre o real.”65
Contudo, a utilização da
referida planificação urbana, naquela ocasião (século XVI), se limitou à criação de novas
62
HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p. 42. 63
Idem, p. 44. 64
PIRENNE, Henri. História econômica e social da Idade Média. Trad.: Lycurgo Gomes da Motta, 4. ed., São
Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 175/177. 65
HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p. 49.
38
cidades, com tamanhos, em regra, restritos, sendo que apenas por volta do século XVIII é que
citado sistema foi empregado com a finalidade de reorganizar as cidades já existentes. É,
também nesse período que se tem a regularização do traçado urbano, com a necessidade de
implantação de ruas mais retilíneas e simétricas, focando-se para um eixo central, findando-se
em uma praça (que se transforma em um ponto de destaque para a cidade) ou edifício
importante (criando-se uma perspectiva monumental), instituindo-se, assim, uma conexão
entre todas as partes da cidade.66
Além disso, destaca-se a aquisição de função para as fachadas e a arquitetura planejada
(com o estabelecimento de um modelo arquitetônico imperativo). E, ainda, pode-se considerar
como legado do Renascimento, a criação (ainda que menos intensa que na Idade Média), de
um grande número de novas cidades, especialmente em decorrência de questões militares67
,
econômicas ou religiosas (observando, todavia, o modelo medieval, ainda muito distante do
modelo ideal), assim, houve a construção das cidades-fortalezas, dos portos de comércio e,
finalmente das cidades criadas por motivos religiosos; e, a evolução das cidades já existentes,
implantando-se políticas de urbanismo (é imprescindível, neste momento, citar o exemplo da
cidade de Roma, que teve a elaboração de uma legislação de urbanismo, por intermédio dos
Papas, com a ratificação, por exemplo, da desapropriação, desde que houvesse uma justa
indenização, da “recuperação junto aos proprietários beneficiados da valorização advinda das
obras públicas; obrigação para o proprietário de um terreno ou de um casebre alugado para
vendê-lo a quem deseje realizar uma construção de boa aparência.”68
).
Como dito anteriormente, um dos grandes fatores que desencadeou a criação do Estatuto
da Cidade foi o êxodo rural, que trouxe o “homem do campo” para a cidade, que, no Brasil,
iniciou-se, em maior escala, a partir das décadas de 1930 e 1940, com o aumento da
industrialização no País. Todavia, no resto do mundo ocidental, referida fase ocorreu em
momento muito anterior, provocando o nascimento dos aglomerados urbanos, sendo que na
Europa, já no século XVIII, vários fatores, como a Revolução Francesa, a Revolução
66
HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p.
49/50. 67
“Algumas cidades renascentistas foram cercadas não por simples muralhas, mas sim, por verdadeiras
fortificações, acompanhadas de fossos, rampas, baluartes e paredões, que, além de serem pesadas e estáticas, de
modo a impedir o crescimento das cidades, as comprimia e condicionava sua forma. Tal sistema defensivo se
torna obsoleto no século XIX, quando as batalhas se transferiram para o campo aberto.” (COSTA, Carlos Magno
Miqueri da. Direito Urbanístico Comparado: Planejamento urbano – das Constituições aos tribunais luso-
brasileiros, Curitiba: Juruá, 2009, p. 37.). 68
HAROUEL, Jean-Louis. História do Urbanismo, trad. Ivone Salgado, Campinas: Papirus, 2. ed. 1998, p. 55.
39
Industrial, já haviam provocado o êxodo dos habitantes do campo para as cidades, gerando
enormes concentrações urbanas. Em face disso, houve a criação de novas classes sociais: a
burguesia industrial e a classe operária assalariada (que era obrigada a trabalhar quase que
ininterruptamente, com horários de trabalho desumanos, percebendo, para tanto, baixos
salários e, ainda, sendo submetida a péssimas condições de higiene, o que acarretava danos
para a saúde).69
Todavia, o êxodo desencadeado trouxe um aumento demográfico desenfreado,
resultando em uma concentração urbana desordenada, na qual era visível o fortalecimento do
capitalismo, manifestado na grande formação de cortiços e favelas.
A sociedade industrial é urbana. A cidade é o seu horizonte. Ela produz as
metrópoles, conurbações70
, cidades industriais, grandes conjuntos habitacionais. No
entanto, fracassa na ordenação desses locais. A sociedade industrial tem
especialistas em planejamento urbano. No entanto, as criações de urbanismo são,
em toda parte, assim que aparecem, contestadas, questionadas.”71
No final do século XVIII já havia em torno de 25 cidades com mais de 100 mil
habitantes na Europa, dentre as quais pode se destacar Londres (Inglaterra), Paris (França),
Nápoles (Itália) e Madri (Espanha). Ao longo dos séculos XIX e XX, o processo de
urbanização se acelerou, ainda mais, e as cidades cresceram muito. Muitas se transformaram
em verdadeiros aglomerados urbanos, onde as cidades perderam seus limites, formando
imensas regiões metropolitanas (o que se verifica em grande escala nos dias atuais).
Do ponto de vista quantitativo, a revolução industrial é quase imediatamente
seguida por um impressionante crescimento demográfico das cidades, por uma
drenagem dos campos em benefício de um desenvolvimento urbano sem
precedentes. O aparecimento e a importância desse fenômeno seguem a ordem e o
nível da industrialização dos países. Do ponto de vista estrutural, nas velhas cidades
da Europa, a transformação dos meios de produção e transporte, assim como a
emergência de novas funções urbanas, contribuem para romper os velhos quadros,
freqüentemente justapostos, da cidade medieval e da cidade barroca. Uma nova
69
A industrialização e a concentração demográfica se intensificaram no século seguinte, sendo que: “No
continente europeu, o século XIX foi marcado, primordialmente em sua segunda metade, pela industrialização e
pelo aumento da concentração demográfica, bem como por mudanças de natureza social. Surgiram novas
exigências espaciais quanto às necessidades atinentes à habitação, infraestrutura e equipamentos urbanos. Os
elementos morfológicos da cidade permaneceram praticamente inalterados, porém, proliferaram em diferentes
escalas, proporções e dotados de aperfeiçoamentos. (COSTA, Carlos Magno Miqueri da. Direito Urbanístico
Comparado: Planejamento urbano – das Constituições aos tribunais luso-brasileiros, Curitiba: Juruá, 2009, p.
39.) 70
Françoise Choay lembra que esse termo foi criado por Patrick Geddes: “[...] é necessário um nome para
designar essas regiões urbanas, essas agregações à cidade. [...] Por que não usar conurbação como expressão
desse novo modo de agrupamento da população?” (GEDDES, Patrick, Cities in Evolution, 1915, p. 34). 71
CHOAY, Françoise. O Urbanismo: Utopias e Realidades – Uma antologia, Trad.: Dafne Nascimento
Rodrigues, 5. ed., 2. tir., São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 1.
40
ordem é criada, segundo o processo tradicional da adaptação da cidade à sociedade
que habita nela.72
E, a partir do instante em que a cidade do século XIX começa a tomar forma própria,
iniciando um movimento novo, o estudo da cidade assume aspectos diferenciados.
Num caso, é descritivo; observam-se os fatos isoladamente, tenta-se ordená-los de
modo quantitativo. A estatística é incorporada pela sociologia nascente: tenta-se até
formular as leis de crescimento das cidades. [...] pensadores procuram
essencialmente entender o fenômeno da urbanificação, situá-lo numa rede de causas
e efeitos. Esforçam-se também para dissipar um certo número de preconceitos que,
apesar de seus esforços, persistirão até nossos dias, e que dizem respeito
particularmente às incidências de vida urbana no desenvolvimento físico, no nível
mental e na moralidade dos habitantes. [...]
O outro grupo de polemistas é constituído por pensadores políticos.
Freqüentemente, suas informações são de uma amplitude e precisão notáveis.
Engles, em particular, pode ser considerado como um dos fundadores da sociologia
urbana. 73
(grifo do autor).
Todavia, é importante ressaltar que o urbanismo, no século XIX acabou se
transformando em fator de supressão, na medida em que “a máquina urbana tinha se revelado
um instrumento de exclusão, segregação e empobrecimento de qualquer experiência para
grande parte de sua população.”74
, ocasionando, consequentemente, uma maior separação
entre as classes, em decorrência, especialmente da própria economia, sendo que como aponta
Jaime Tadeu Oliva, no artigo “A Cidade como Ator Social: A força da urbanidade”:
Não é preciso acrescentar nada para assegurar que uma dada organização do espaço implica
numa tessitura relacional própria e que os resultados sociais dessa tessitura são diversos e, de
algum modo, função do espaço, da cidade no caso. Espaço como sujeito? Não seria a cidade
apenas como uma derivação de forças econômicas mais determinantes (‘de maior teor
ontológico’), verdadeiro ator social? É comum acusar nas posições que estamos defendendo
a armadilha de um determinismo geográfico barato que trata o espaço como sujeito em
detrimento da sociedade e de seu cinzel principal: a economia.75 (grifo nosso).
É importante destacar que o planejamento urbano do século XX teve por base uma
percepção negativa, herdada, integralmente, do século XIX, sendo que por isso, no século
XX, se verifica a influência da economia no desenvolvimento urbanístico, vivendo o mundo
entre duas situações conflitantes, sendo a primeira a perspectiva de um crescimento
72
CHOAY, Françoise. O Urbanismo: Utopias e Realidades – Uma antologia, Trad.: Dafne Nascimento
Rodrigues, 5. ed., 2. tir., São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 4. 73
Idem, p. 4-5. 74
SECCHI, Bernardo. A Cidade do Século Vinte, trad. Marisa Barda, São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 33. 75
OLIVA, Jaime Tadeu, A Cidade como Ator Social: A força da urbanidade, in CARLOS, Ana Fani Alessandri;
LEMOS, Amália Inês Geraiges (org.). Dilemas Urbanos: Novas abordagens sobre a cidade, São Paulo:
Contexto, 2003, p. 76.
41
incontrolável da cidade e o receio de sua dissolução em decorrência de implantações
dispersas, o que acarretaria dificuldade no entendimento da função e sentidos futuros e, ainda,
[...] entre o pesadelo de uma metrópole que se torna uma megalópole, lugar da
concentração das massas de população cada vez mais imponentes, que perde a
própria medida, que se torna desmesurada, estranha à experiência individual e
coletiva de seus habitantes, que não é mais possível conhecer e dominar em seus
aspectos técnicos e funcionais, e o temor, por outro lado, da dissolução do próprio
conceito de cidade, do desaparecimento desse lugar mágico, sede de todas as
inovações políticas, culturais e tecnológicas que marcaram profundamente a
história européia e ocidental, em territórios de delimitações incertas.
A angústia acompanha o século, e a cidade parece um dos lugares onde ela é
delimitada de maneira mais evidente. 76
E, é justamente por isso, que o urbanismo tenta solucionar essas questões, visando
libertar não apenas a cidade, mas também a sociedade de suas angústias, por meio do próprio
Direito urbanístico, via soluções por este apresentadas. Todavia, o grande questionamento a
ser feito é se estas soluções disponibilizadas são realmente suficientes para cumprir o papel a
que se destinam e, ainda, se estas são efetivadas da forma devida.
1.1.1.2 Formação das Cidades no Brasil77
O Brasil foi “descoberto”, pela então civilização, em 1500, ou seja, quando o país entrou
para a história mundial, a civilização cristã já contava com quinze séculos.
76
SECCHI, Bernardo. A Cidade do Século Vinte, trad. Marisa Barda, São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 32. 77
Importante destacar no presente trabalho, ainda que brevemente, como ocorreu o desenvolvimento das cidades
no Brasil, para posteriormente, traçar pequenos apontamentos sobre o desenvolvimento e, formação de Cuiabá,
que é o objeto do presente trabalho, até porque a história da concepção de cada cidade, de cada país é diferente, o
que aliás, é apontado por Bernardo Secchi: “É, porém, evidente que a história urbana, como, por exemplo, dos
Estados Unidos durante o século vinte, tem ritmos diferentes da europeia (sic) e que ainda mais diversa é a
história de países como o Brasil [...], isto é, de países que durante esse século registraram um crescimento
importante de suas cidades segundo modelos originais e de grandíssimo interesse.” (SECCHI, Bernardo. A
Cidade do Século Vinte, trad. Marisa Barda, São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 260). Além disso, como apontado
por Nestor Goulart Reis Filho, “[...] as formações urbanas brasileiras devem ser objeto de interêsse (sic)
científico; que não constituem um conjunto de dados aleatórios mas são parte de uma estrutura dinâmica – a rêde
(sic) urbana – que deve ser compreendida, quando se almeja o conhecimento daquelas. Que essa estrutura está
sujeira a um processo de origem social – processo de urbanização – que determina o aparecimento daquelas
formações, cuja explicação exige o conhecimento do sistema social da Colônia, no qual se desenvolve, e da
política de colonização portuguesa, no seu sentido mais amplo. Que as relações entre a política de colonização e
o processo de urbanização expressam-se por uma ordem eventualmente elaborada em teoria mas
necessàriamente (sic) elaborada na prática, que é a política urbanizadora.” (REIS FILHO, Nestor Goulart.
Evolução Urbana do Brasil: 1500/1720, São Paulo: USP, 1968, p. 15).
42
Apesar da “descoberta”, apenas em 1500, as terras já eram habitadas pelos nativos,
indevidamente denominados de índios, ou indígenas (em alusão às Índias), os quais viviam,
de forma primitiva, e, se organizavam de modo tribal. No Brasil instalou-se um sistema
colonial, contando, inicialmente com a exploração de pau-brasil. Posteriormente, Portugal
cultivou a cana-de-açúcar, o que possibilitou a ocupação definitiva do litoral.
O Rei D. João III, preocupado com as invasões e, com a exploração das riquezas, por
parte de países estrangeiros, resolveu, em 1532, criar postos de defesa, instituindo, assim, as
capitanias hereditárias, entregando-as a fidalgos e capitães portugueses.
Foi dividido o paiz (sic) em lotes de cincoenta (sic) léguas de costa e pela terra-
dentro até á linha de demarcação. Cada lote d´estes (sic) coube a capitão-mór (sic)
(e ás vezes mais de um lote), o qual deveria cuidar da povoação e prosperidade das
suas terras, exercendo sobre ellas (sic) direitos senhoriaes (sic) quasi (sic)
absolutos. Essas capitanias eram hereditárias (sic) e os seus donos gozavam de
privilégios excepcionaes; voltava-se assim ao regime odioso das sesmarias do
tempo de D. Fernando, o ultimo rei da Dynastia (sic) de Borgonha. Era um regresso
ao feudalismo.78
(grifo do autor)
Apesar dessas doações, muitas capitanias sequer foram visitadas por seus
“proprietários” e, portanto, sequer povoadas, em virtude de diversos fatores, em especial em
decorrência de que os beneficiados não possuíam patrimônio suficiente para sustentarem suas
terras, mesmo com todos os benefícios adquiridos para tal intento, como a possibilidade de
cobrança de impostos (dízimos), da escravização dos índios, da divisão das terras em
sesmarias e, ainda, de que deviam responder ao rei, somente, e, em pessoa.
Todavia, o sistema criado não se mostrou exitoso e, a divisão em quinhões, os quais
foram seccionados em quinze lotes à treze donatários, foi um fracasso, por vários motivos
(um deles acima relatado; a falta de recursos), dentre os quais se destaca a imensidão das
áreas de cada capitania, incapazes de resistir aos perigos representados pelos invasores, além
disso, as capitanias não demonstravam unidade e interesse comum (até porque elas eram
independentes entre si e os donatários eram senhores absolutos nas suas terras). Diante do
insucesso, a coroa portuguesa, em 1548, dezesseis anos após a instituição das capitanias
hereditárias, suprimiu inúmeros privilégios destas, subordinando-as a um governo central.
78
RIBEIRO, João. História do Brasil, 5. ed., rev., melh., Rio de Janeiro: Francisco Alves & Cia., 1914, p. 74-75.
43
A despeito dessa pequena intervenção portuguesa, as capitanias ainda detinham grande
poder, mas ainda não havia grande contingente de população mesmo após vinte anos de sua
instituição.
Apesar de toda dificuldade, os colonos que decidiram pela permanência na colônia, logo
se estabeleceram e acabaram se integrando. Todavia, essa integração teve percalços que
tiveram que ser enfrentados pelos colonos, dentre os quais se destaca os conflitos com os
índios (em face de diversos fatores, como a não aceitação dos indígenas com a tentativa de
imposição da escravidão, por parte do “homem branco”), dos quais nem sempre saiam
vencedores, e, ainda, se deparavam com ataques de corsários franceses, os quais atacavam as
povoações assolando-as. Diante dessa situação, o desbravador se encontrava sitiado entre o
litoral (e os perigos vindos do mar – com a frota francesa) e, a terra (em decorrência da
hostilidade dos índios), tendo optado, assim, por se estabelecer afastado (ainda que não
muito), da embocadura dos rios e a certa distância da floresta. Desse modo, se verifica que as
cidades no Brasil foram concebidas de modo diferenciado de outros locais, já que teve como
embrião a instalação em locais afastados do litoral e, dos leitos dos rios:
As primeiras cidades do Brasil começam pelos morros e só tarde descem á planície
e nunca se formam á borda do mar e, mesmo nos rios, só nos lugares onde não
chega o navio de longo curso – essa é a prudencia (sic) dos fundadores no século
(sic) XVI e no seguinte, que foram uma lucta (sic) interrompida pela posse da terra.
Assim fundaram-se S. Christovão, Olinda, S. Vicente, longe-perto do oceano,
Bahia e Rio (Morro do Castello) nas eminências, cidades á bôca (sic) do oceano
como Fortaleza, Maceió, Desterro, Aracajú, etc. são recentíssimas. Esse problema
foi logo resolvido em S. Vicente por Martin Affonso, que ao lado d’esse porto
creou (sic) logo depois Piratininga, no Planalto, serra acima, asylo (sic) contra o
corsario (sic) do mar e guarda avançada contra a floresta povoada de índios.79
Além disso, as cidades, no Brasil colonial, se desenvolveram, em regra, à luz da pátria
mãe, Portugal, não mantendo, assim, características próprias (na sua grande maioria),
distanciando-se, portanto, dos costumes locais.
Apesar de todos os problemas, não há que se considerar totalmente desastrosa o tipo de
colonização eleita para ser utilizada no Brasil, já que tendo em vista o foco da mesma, que era
a necessidade de povoamento, tendo sido salvação para a colônia, já que não havia outra
metodologia a se utilizar naquele momento. Mas, a grande maioria das capitanias não se
desenvolveu da forma esperada, sendo que somente duas delas podem ser consideradas
79
RIBEIRO, João. História do Brasil, 5. ed., rev., melh., Rio de Janeiro: Francisco Alves & Cia., 1914, p. 81.
44
prósperas (apesar de que se tentou de todas as formas o desenvolvimento, sendo que,
inclusive, foi aplicado o sistema de sesmarias, quando são concedidos à particulares tratos de
terra – sesmarias -, sendo que os particulares, desse modo, passam a dever vassalagem aos
proprietários das terras), a pertencente a Duarte Coelho (Pernambuco), contendo engenhos de
açúcar e, a de Martin Affonso (São Vicente), a qual foi rapidamente povoada.
É claro que o método empregado não trouxe apenas benefícios, trazendo, também
malefícios, os quais se encontram até hoje impregnados no seio da sociedade.
Ainda hoje o Brasil recente os germens das oligarchias locaes que, como então,
apenas toleram o protectorado do principe, vencedoras umas vezes, vencidas outras.
Toda a nossa historia é o desenvolvimento d’esse duello original. Revezam-se cada
seculo. As capitanias apparecem no seculo XVI: a união necessaria pela guerra
hollandeza domina no seculo XVII; o espirito das capitanias volta de novo a
emancipar-se no seculo XVIII, com as minas; a união com a monarchia subjuga-se
no seculo XIX. Se o seculo XX se abriu de novo com o particularismo feudal (e
pelo menos muito se fala das oligarchias) já se entrevê pela federação o predominio
do sentimento unitario.80
(sic).
Outro marco na colonização brasileira se deu por intermédio dos Bandeirantes, os quais
desbravaram o interior do país, auxiliando, assim, no povoamento. As bandeiras81
eram
expedições armadas que partiam em geral da Capitania de São Vicente, em direção ao interior
e, que tinham por finalidade a exploração das terras e índios82
, e, diante disso embrenhavam-
se seguindo o curso dos rios, sob a orientação de bússolas e, ainda, com a assistência das
noites estreladas. As bandeiras eram compostas de diversas pessoas, entre elas crianças,
80
RIBEIRO, João. História do Brasil, 5. ed., rev., melh., Rio de Janeiro: Francisco Alves & Cia., 1914, p. 81-82. 81
“13. Expedição armada que partindo, em geral, da capitania de São Vicente (depois, de São Paulo),
desbravava os sertões (fins do séc. XVI e começos do séc. XVIII) a fim de cativar os gentios ou descobri minas.”
(FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, coord. Marina
Baird Ferreira; Margarida dos Anjos, 4. ed., Curitiba: Positivo, 2009, p. 261.) 82
“Ilha do bananal, atual Estado de Tocantins, ano de 1.750. Um grupo de homens descalços sujos e famintos se
aproxima de uma aldeia carajá. Cautelosamente, convencem os índios a permitir que acampem na vizinhança.
Aos poucos ganham a amizade dos anfitriões. Um belo dia, entretanto, mostram a que vieram. De surpresa,
durante a madrugada, invadem a aldeia. Os índios são acordados pelo barulho de tiros de mosquetão e correntes
arrastando. Muitos tombam antes de perceber a traição. Mulheres e crianças gritam e são silenciados a golpes de
machete. Os sobreviventes do massacre, feridos e acorrentados, iniciam, sob chicote, uma marcha de 1.500
quilômetros até a vila de São Paulo – como escravos. Foi assim, à força, que os Bandeirantes conquistaram o
Brasil. Caçadores profissionais de gente com os quais Pedro Álvares Cabral nem sonharia. Nas andanças em
busca de ouro e índios para apressar, descobriram o Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Tocantins. Percorreram
e atacaram povoações espanholas nos atuais Peru, Argentina, Bolívia, Uruguai e Paraguai. Espalharam o terror
entre os povos do interior do continente e expandiram as fronteiras da América portuguesa. Uma história brutal.
Mas se não fossem eles, você talvez falasse espanhol hoje.” (FELIX, Pedro Carlos Nogueira; FELIX, Giseli
Dalla Nora. História de Mato Grosso, 2. ed., rev., atual., Cuiabá: KCM, 2009, p. 16).
45
idosos, índios e padres, além dos animas (domésticos ou não). Na realidade, pode-se dizer que
eram “uma cidade que viaja com os seus senhores e seus governados.”83
E, em decorrência de inúmeras dessas incursões, foram descobertos metais preciosos, o
que acarretou uma corrida pelo ouro, atraindo diversos aventureiros à região, mais tarde
conhecida como Minas Gerais, propiciando o surgimento dos primeiros arraiais, iniciando o
povoamento das áreas conquistadas, o que ocorreu, também, no Estado de Mato Grosso. Na
seqüência, surgiram os mercadores, que vendiam roupas, comidas e escravos conformando
uma sociedade essencialmente urbana.84
O desenvolvimento da economia colonial, após o ouro e, a subsequente queda da
produção do metal, prosseguiu e, em diferentes regiões, outras riquezas naturais foram
cultivadas, como o fumo, na Bahia; o algodão, no Maranhão e no Pará; e, ainda, a pecuária,
que teve um avanço significativo para o interior, deixando o litoral. No Pará e, em Minas
Gerais, nota-se, ainda que timidamente, o surgimento a indústria têxtil. Já, em São Paulo,
surge a siderurgia na segunda metade do século XVIII.
A colônia se diversificara. As formas de ocupação que haviam garantido a presença
portuguesa entre os séculos XVI e XVII, ou seja, o latifúndio e a monocultura,
passaram a conviver crescentemente com outras atividades econômicas. [...] Sua
imensidão territorial gerou, contudo, o aparecimento de comerciantes volantes [...]
Paralelamente às diversas formas de comércio volante, a urbanização havia,
sobretudo, incrementando o comércio fixo. Este se dividia em lojas e vendas. As
primeiras, grandes, encontravam-se nos centros urbanos, as segundas, menores, nas
periferias. [...] A vida urbana também trouxe para a cena outros atores. Os artesãos,
por exemplo.85
(grifo nosso).
O comércio teve papel de relevo no processo de urbanização brasileiro, auxiliando no
progresso das cidades. Assim como os centros urbanos, o campo também sofreu
modificações. No final do século XVIII, os grandes senhores de escravos e os pequenos
proprietários passavam por situações precárias, apenas colhendo cada qual para seu sustento.
Todavia, era na cidade que se notava pobreza maior, já que não tinham sequer a possibilidade
(do campo) da agricultura de subsistência, vivendo muitos da caridade alheia86
.
83
RIBEIRO, João. História do Brasil, 5. ed., rev., melh., Rio de Janeiro: Francisco Alves & Cia., 1914, p. 226. 84
RAMOS, Duílio. História da Civilização Brasileira, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1965, p. 127/132. 85
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 135/138. 86
Sobre essa época, Mary Del Priore e Renato Venancio, questionam: “Como eram as cidades do tempo de
nossos arquiavós?” E, apontam que os documentos colônias não deixam pairar dúvidas acerca de como as
cidades, sendo estas, “Para além de um ‘ajuntamento de homens no mesmo lugar com casas contíguas ou
vizinhas’ [...] Muitas cidades portuguesas, assim como suas congêneres coloniais, eram o cenário de uma
46
Apesar desse cenário, importante destacar que “no Brasil, a organização municipal foi o
ponto de apoio para o processo de colonização”87
, sendo que Nestor Goulart Reis Filho
aponta, que a organização municipal sempre teve papel de relevo na política de colonização
aplicada por Portugal, no Brasil, que acaba por receber, como herança, desde o início, uma
espécie de organização que corresponde a:
“[...] um estado mais complexo, x que superou os limites da Cidade-Estado e se
organizou em nação, com uma organização social também mais complexa, cujos
interesses mais profundos estão ligados a uma burguesia mercantil nacional e
internacional,” 88
E, essa burguesia, tenta, ao máximo, passar despercebida nos núcleos urbanos do país.
Assevera, ainda, Nestor Goulart Reis Filho, que Portugal transferiu o seu legado ao Brasil, no
que se relaciona com a organização municipal, já que a organização municipal brasileira, por
meio das Ordenações era o mesmo modelo português, com “suas raízes romanas e suas
funções político-administrativas e judiciárias.” E, continua, assinalando que o papel de
destaque exercido pelos municípios teve seu momento de declínio, ao terminar a segunda
década do século XVII.89
Nesse período as propriedades eram auto-suficientes, o que resultava em um prejuízo
para o desenvolvimento econômico e urbano, já que produziam tudo que era necessário para o
sustento e, o que excedia era praticamente todo exportado (além de que os produtos oriundos
dessas propriedades não era trocado e, sequer beneficiado nas vilas e/ou cidades), o que
impedia o incremento do mercado urbano e, auxiliava na manutenção da economia rural.
Dessa forma, é possível afirmar que “até meados do século XVII as atividades econômicas
urbanas não foram suficientemente produtivas para adquirirem uma dinâmica própria.”90
Somente após esse período que se vislumbra o surgimento de camadas sociais urbanas, com o
comércio um pouco mais fortalecido (se relacionando tanto os grandes quanto pequenos
comércios) e, os ofícios mecânicos. “Ainda que não houvesse nos núcleos brasileiros uma
economia urbana própria senão na segunda metade do século XVII, existiam atividades
tremenda desordem, espaço de permanentes disputas e conflitos sociais. Além disso, as cidades reuniam os
grupos mais empobrecidos da sociedade. [...] Prolongando a tradição medieval, nossas cidades, na sua grande
maioria, foram construídas não em áreas planas [...] mas em lugares altos e de difícil acesso. Morro abaixo,
serpenteavam ruelas e becos sobre os quais aglomeravam-se casas toscas.” (Idem, p. 85/86). 87
REIS FILHO, Nestor Goulart. Evolução Urbana do Brasil: 1500/1720, São Paulo: USP, 1968, p. 22. 88
Idem, p. 22/24 e 28. 89
Idem, p. 28. 90
Idem p. 38.
47
econômicas regulares, de caráter urbano, que correspondiam à parcela permanente de sua
população.”91
O Brasil passa a oferecer regiões de intensa e agitada vida urbana, em contrapartida à
vida rural, em decorrência de diversos fatores, como, por exemplo, a descoberta de veios
auríferos em Minas, sendo que a população das minas era predominantemente urbana,
vivendo no entorno da cidade e, próxima das minas.
A formação da rede urbana é iniciada em 1532, com o estabelecimento do regime
das capitanias e a fundação de São Vicente. Até 1650, quando se inicia a
centralização político-administrativa, foram fundadas 31 vilas e 6 cidades, no
intervalo de 120 anos. [...]
Duas etapas de mais intensa urbanização podem ser verificadas: a primeira
compreendida entre 1530 e 1570, correspondendo à instalação das capitanias da
costa leste. Seu momento de maior intensidade estava situado entre os anos de 1530
a 1540. Os dois decênios que medeiam entre 1565 (data da fundação de São
Sebastião do Rio de Janeiro, cuja instalação foi efetivada em 1567) e 1585, data da
fundação de Filipéia de N. Sra. das Neves de Paraíba, marcam um intervalo durante
o qual terá ocorrido apenas a instalação de Iguape [...]
O segundo período de urbanização pode ser considerado como correspondente aos
anos compreendidos entre 1580 e 1640. [...]
O ritmo de crescimento reflete-se na média de criação de vilas e cidades entre os
anos de 1540 e 1630, aproximadamente igual a duas por decênio. [...] Entre 1610 e
1670 em São Paulo, nos territórios das antigas capitanias de São Vicente e Santo
Amaro, levantaram-se dez novas vilas. Assim, mesmo nas áreas mais afastadas dos
programas de economia de exportação, verifica-se crescimento demonstrando que,
à margem dos programas de urbanização estimulados e previstos pela metrópole, a
nova terra já iria encontrando caminhos próprios.
Entre 1650 e 1720 foram fundadas trinta e cindo vilas, elevando-se duas delas à
categoria de cidades: Olinda e São Paulo. Ao fim do período, a rede urbana estava
constituída por um respeitável conjunto: sessenta e três vilas e oito cidades.
[...] Podem ser assinadas três etapas de mais intensa urbanização. A primeira mais
modesta em São Paulo, entre 1650 e 1660, com a fundação de vilas na área do atual
Estado e duas mais ao Sul. [...] A segunda etapa corresponde à fundação de sete
vilas, entre os anos 1690 e 1700, justamente quando ocorrem as autorizações régias
para que os governadores promovam a fundação de vilas. [...] A descoberta de ouro
no interior promoveu um afluxo da população da própria Colônia e de Portugal,
provocando na região das minas a terceira etapa de urbanização intensa entre 1670
e 1720, com a fundação de oito vilas.
O exame da distribuição geográfica da rede revela concentração em determinadas
regiões. Uma área intensamente beneficiada foi São Paulo [...] [...] Apenas o norte,
com uma economia menos desenvolvida, revelaria um crescimento mais modesto.
Em setenta anos sua rede urbana ganhou somente três vilas, sendo que uma no
Piauí, outra no Ceará e uma apenas em toda a Amazônia: Icatu no Maranhão, com
data discutível.
A população dos núcleos principais aumentou de modo significativo. [...] Os centro
menores sofreram um lento aumento demográfico e com freqüência diminuição,
perdendo habitantes para as minas. Dependendo de um meio rural com
produtividade mais ou menos limitada, o afluxo de população provocaria a
ocupação de novas terras, onde seriam criadas novas paróquias e em seguida vilas
mas não seria possível ocorrer uma concentração maior [...].92
91
REIS FILHO, Nestor Goulart. Evolução Urbana do Brasil: 1500/1720, São Paulo: USP, 1968, p. 38. 92
Idem, p. 80/84.
48
Verifica-se, pelo acima apontado, que os centros urbanos vão-se desenvolvendo no
decorrer do período colonial, sendo que a população dos centros principais aumentou
significadamente, e, alguns casos (como Salvador), duplicaram de tamanho. Ressalta-se que
um dos fatores mais importantes, para o desenvolvimento, ou não, de uma região, foi o
elemento econômico, além claro da distribuição geográfica (o que demonstra as razões para o
crescimento de São Paulo). Além disso, com o desenrolar, o país começa a deixar o campo e
se voltar para os centros urbanos.
Frisa-se que a urbanização, no Brasil, seguiu caminho diverso da Européia, pois, no
período colonial, enquanto a colônia voltava-se para o mercado rural, a Europa desenvolvia-se
(com os subsídios das colônias, especialmente, dentre as quais se encontrava o Brasil)
largamente seus núcleos urbanos.
No Brasil,
Os padrões de construções urbanas refletiam claramente as condições de evolução
das aglomerações. Os edifícios dos primeiros tempos, de modo geral, até os da
metade do século XVII, evidenciam, na sua simplicidade, a modéstia da vida
urbana e a severidade das condições das épocas de instalação da Colônia. [...]
Dois traços eram característicos da maior parte das habitações urbanas no Brasil: a
presença dos escravos e a ausência dos proprietários. [...] A isso acrescia-se o
costume das famílias mais abastadas, de residir em chácaras, na periferia,
aumentando, em consequência, o êxodo da população urbana93
e, como
decorrência, o caráter intermitente da vida urbana. Pode-se dizer que, quase sempre,
a maioria do espaço ficava reservado para o uso dos proprietários rurais. Na sua
ausência, as vilas e mesmo a cidade ficavam semi-paralisadas. [...]. As casas dêstes
(sic) acumulavam-se nas áreas mais movimentadas e ainda que reunissem as
habitações dos que nela trabalhavam, funcionavam, em princípio com um fator de
diferenciação e motivaram algumas das primeiras manifestações de zoneamento.94
(grifo nosso).
O final do século XVIII foi marcado por revoluções e mudanças no panorama mundial,
acarretando, via de consequência, alterações, também, no cenário nacional. Em 1776, os
norte-americanos fizeram a Declaração da Independência, soltando-se, portanto do julgo
mercantilista da Inglaterra.
93
Movimento que aconteceu de modo diverso, em especial no século XX, como se verá adiante, quando se terá o
êxodo do campo, para a cidade, em especial em face da industrialização. 94
REIS FILHO, Nestor Goulart. Evolução Urbana do Brasil: 1500/1720, São Paulo: USP, 1968, p. 153-154.
49
Com a revolução francesa, em 1789, a classe burguesa conseguiu, finalmente, obter o
que pretendia: poder. Como bem salienta Leo Huberman, “O ano de 1789 bem pode ser
considerado como o fim da Idade Média, pois foi nele que a Revolução Francesa deu o golpe
mortal no feudalismo.” 95
E, ainda, tem-se a Inglaterra, envolvida com a Revolução Industrial, que pode ser
considerada como um dos marcos de grande importância para a urbanização, já que provocou
uma saída significativa dos habitantes do campo para as cidades, gerando enormes
agrupamentos urbanos, já que as indústrias necessitavam de mão-de-obra. A Inglaterra foi
seguida por outros países, sendo que a industrialização acarretou, nestes, do mesmo modo,
grande deslocamento de pessoas para os centros urbanos.
O século XIX, contudo, apresenta uma situação política diferente, em face da campanha
militar de Napoleão Bonaparte, que transformou a Europa em um cenário de guerra. As tropas
Napoleônicas avançavam sobre todo o território, conquistando países. O bloqueio continental
havia sido decretado contra a Inglaterra. Portugal encontrava-se em situação de fragilidade e,
não suportaria enfrentar o déspota Francês. Diante disso, só havia uma solução: transferir a
corte para a colônia; para o Brasil. Assim, foi feito.
A vinda da Corte para o Brasil transformou inteiramente o país, que naquele momento
deixou de ser mera Colônia, passando a acomodar todo o séquito real e, consequentemente
toda a esfera política e administrativa. Isso ocasionou inúmeras mudanças, inclusive na
questão urbanística.
Além disso, trouxe novas perspectivas para o país, como a criação do Banco do Brasil e,
ainda as inúmeras reformas urbanas no Rio de Janeiro, elevando a colônia à categoria de
Reino Unido (em 1815 foi criado o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves). O Brasil
passou a vivenciar a monarquia.96
Porém, a situação interna foi, pouco a pouco, se deteriorando, notadamente em face da
queda dos preços de produtos como o algodão e, o açúcar, principais produtos de exportação.
95
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Trad.: Waltensir Dutra, 21. ed., rev., Rio de Janeiro:
LTC, 1986, p. 140. 96
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 160.
50
Em Portugal, a situação não era diferente e, a população em geral encontrava-se descontente.
A guerra napoleônica havia se findado (1815). Os impostos aumentavam, pois havia
necessidade de quitar as dívidas contraídas com as guerras, inclusive em decorrência da
intervenção militar que incorporou ao país, a Província Cisplatina.97
Diante dos problemas e, da pressão sofrida98
, o rei regressa a Portugal, no dia 25 de
abril de 1821. Contudo, permanece no Brasil D. Pedro, filho e herdeiro de D. João VI, que
passa a governar o país como regente, que posteriormente proclama a independência do país,
em 7 de setembro de 1822.
Apesar da proclamação da independência, vários estados continuaram a manifestar
apoio à Portugal, o que resultou em revoltas e, guerras internas. Como medida de
fortalecimento do novo Império, foi convocada uma Assembléia Constituinte, a qual, no
entanto, foi decorrido um ano, dissolvida, pois não atendia aos anseios do Imperador. Em
substituição, um pequeno grupo foi convocado e, em 1824 foi outorgada a primeira Carta
brasileira.
O primeiro Estatuto Constitucional brasileiro foi outorgado, assim, no período Imperial,
sendo que referida Carta política instituía um novo poder, o Poder Moderador. Esse poder
moderador era conhecido como a chave da organização política do País, já que permitia o
regular funcionamento da Carta Imperial. Além disso, o Poder Moderador representava,
também, papel relevante do ponto de vista econômico, já que possibilitava, em decorrência da
estabilidade que propiciou ao regime, o desenvolvimento adequado da vida econômica
durante o século XIX.
A insatisfação da elite com a independência acarretou disputas em determinadas
províncias, ocasionando um rombo nos cofres públicos, levando o país a uma situação de
aumento dos preços os produtos, ocasionando uma inflação vertiginosa. A popularidade de D.
Pedro está em baixa.
97
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 162-163. 98
“A tensa relação [...] culminou em 1820, quando tem início a Revolução do Porto. Tratava-se de um
movimento liberal, voltado para a convocação de uma Assembléia Constituinte, mas que exigia o retorno
imediato do rei. Um ano após a eclosão, d. João e uma parcela significativa de sua Corte retornavam.” (Idem, p.
163.)
51
Diante dessa situação, em 1831, D. Pedro I deixa o trono brasileiro, abdicando em favor
de seu filho, o qual à época contava com cinco anos. Diante da idade do novo monarca, houve
necessidade da criação de uma regência, inicialmente formada por três pessoas,
posteriormente passando a ser comandada por um único regente (Diogo Feijó, entre 1835 e
1837 e, na sequência, Araújo Lima, entre 1837 e 1840). Mas, esses fatos (e, a
descentralização) não conseguem abolir com as tendências separatistas, as quais assolaram o
país. Nesse período o país continuou eminentemente agrícola e, dependente do escravismo. 99
Em 1840 ocorreu o golpe da maioridade e, o Brasil viu a ascensão do novo Imperador,
D. Pedro II, que contava, à época, com quase 15 anos. Durante o segundo reinado, o Brasil
participou da Guerra do Paraguai (ou da Tríplice Aliança, em face da participação, também,
da Argentina e Uruguai), ocorrida entre 1864 e 1870, sendo considerado o combate mais
violento da América do Sul, vitimando milhares de brasileiros, paraguaios, argentinos e
uruguaios.100
Uma das grandes dificuldades enfrentadas, pelo Brasil, na mencionada guerra, foi a falta
de estrutura de seu exército, sendo que essa falta de estrutura refletiu no campo da batalha,
onde se verificou um desempenho medíocre dos recrutas, no front, em especial daqueles que
foram recrutados ‘às pressas’ e, de modo forçado. Muitos soldados adoeceram e pereceram,
tendo sido a fome o maior carrasco dos brasileiros.101
Após a guerra, as ideias de desmobilização e esvaziamento do Exército ressurgem102
, o
que acarretou um descontentamento entre os militares que se mobilizaram contra o regime.
Outro ponto que, de certo modo, enfraqueceu o governo de D. Pedro II, foi a assinatura, por
sua filha, Princesa Isabel, da Lei da Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888, já que
99
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 167-168. 100
Idem, p. 177. 101
Idem, p. 188/191. 102
Logo após a proclamação da independência, os oficiais eram, em sua grande maioria, portugueses, sendo
considerados, portanto, à época, como possíveis servidores da coroa, com a intenção de restabelecer a dominação
de Portugal. Já, os soldados, eram mercenários ou, ainda, originários das classes populares, os quais haviam
participado de levantes urbanos (entre os quais aqueles que levaram o primeiro imperador brasileiro a abdicar de
seu trono). Diante de tudo isso, por volta de 1930 foi criada a Guarda Nacional, que nada mais era do que uma
milícia formada pelos próprios cidadãos, os quais portavam armas, transferindo-se, assim, para o cidadão comum
o encargo de manter a ordem, o que levou ao surgimento do conhecido ‘fazendeiro coronel’ e, esses fazendeiros
eram os principais elementos da guarda, em conjunto com seus capangas, o que acarretou um esvaziamento do
exército regular. Idem, p. 193-194.
52
deixou descontente os produtores rurais, que perderam uma fortuna, em decorrência da
libertação de seus escravos.
Em decorrência dos fatores acima apontados, em 15 de novembro de 1889 foi
proclamada a República. E, o período era de mudanças; de transições, posto que o país até
então predominantemente rural, iniciou uma acelerada urbanização, com o desenvolvimento
das cidades. E, um dos fatores preponderantes, foi a extinção da escravatura, que aumentou o
trabalho livre (não necessariamente ocupado pelos escravos), possibilitando o
desenvolvimento do capitalismo e, o início do progresso tecnológico do país. A imigração
concentrou-se, em São Paulo e no sul do país, mas especialmente em São Paulo (em face da
necessidade de mão-de-obra, particularmente nas lavouras de café – as quais ficaram sem o
trabalho escravo e, agora precisavam de novos trabalhadores para dar continuidade à
produção).103
É nesse cenário que a República se instala. A aparente consolidação política e
econômica daquele período, em decorrência das lavouras de café, transformou São Paulo e, o
Rio de Janeiro em grandes metrópoles. O progresso e desenvolvimento urbano eram notados,
em ambas as cidades, e, estes eram no formato da belle époque104
, justamente para seguirem a
tendência mundial. Importante apontar que:
A política higienista da belle époque desdobrou-se ainda no espaço urbano. Após
1889, em diferentes cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo, Belém e Fortaleza,
foi dado início ao que ficou conhecido como a era do ‘bota-abaixo’. O espaço
urbano colonial, fruto de uma experiência secular de adaptação da arquitetura
portuguesa aos trópicos, cede lugar a projetos de reurbanização, orientados pela
abertura de largas avenidas e pela imitação de prédios europeus; decisão levada a
cabo pelos poderes públicos e que implicava desalojar milhares de famílias pobres
– a maior parte delas de negros e mulatos -, expulsando-as de áreas centrais, onde
estavam os cortiços, para locais de difícil edificação. Dessa maneira, a mesma
103
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 211/213. 104
“1.A época relativa aos primeiros anos do século XX, considerados como de uma vida agradável e fácil. 2.
Diz-se dos costumes, das tendências, dos objetos, etc., característicos dessa época.” (FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, coord. Marina Baird Ferreira; Margarida
dos Anjos, 4. ed., Curitiba: Positivo, 2009, p. 282.). A europeização, antes restrita ao ambiente doméstico,
transforma-se agora em objetivo – melhor seria dizer ‘obsessão’ – de políticas públicas. Tal qual na maior parte
do mundo ocidental, cidades, prisões, escolas e hospitais brasileiros passam por um processo de mudança
radical, em nome do controle e da aplicação de métodos científicos; crença que também se relaciona com a
certeza de que a humanidade teria entrado em uma nova etapa de desenvolvimento material marcada pelo
progresso ilimitado. (grifo do autor e nosso). (Idem p. 219.)
53
cidade que se embelezava era também aquela que inventava a favela, termo que
nasce na época [...] 105
(grifo do autor)
A fase da belle époque teve grande repercussão no cenário urbano, tendo, como dito
acima, sido o período responsável pelo início da criação de favelas no Brasil (segregando a
população mais pobre em ambientes periféricos), também, foi um momento de construção de
grandes obras, alargando o espaço urbano.
[...] belle époque: um período de grandes obras públicas e de ampliação dos
espaços urbanos. Obras e reformas que geravam milhares de empregos,
incentivando o crescimento das cidades – sendo o exemplo mais impressionante o
da capital paulistana, cuja população, entre 1872 e 1914, aumentou de 23 mil para
400 mil habitantes – e multiplicando o mercado consumidor de produtos industriais
[...].106
Mas, o nascedouro da República não foi totalmente tranquilo, já que nos primeiros anos
ocorreram algumas crises econômicas, acarretando uma inflação acentuada, em face
principalmente da super produção de café. Em decorrência de tudo isso, o desemprego se
acelerou, em especial por conta dos escravos, que libertados não tinham nenhuma instrução e,
não podiam, assim, obter qualquer colocação, além dos imigrantes que vieram para o Brasil e
acabaram ocupando os postos de trabalho (anteriormente pertencentes aos escravos).
Duílio Ramos107
apresenta um paralelo entre a situação urbanística existente no Império
e, no período do início da República, ressaltando que muitos problemas contemporâneos
poderiam ser explicados com o conhecimento da formação das cidades brasileiras. Explica
que, são necessários alguns elementos, para que uma junção de pessoas possa ser considerada
como cidade. E, esses elementos, ou condições se classificam em materiais e espirituais. No
primeiro caso, faz se necessária a existência de economia e população, sendo que, assim, não
bastava a existência de apenas um deles, devendo coexistir: “é preciso que haja um
determinado número de pessoas em certo lugar para que se verifique ali o fenômeno chamado
cidade. [...] É ainda preciso que êsse (sic) grupo humano tenha um meio de vida para
permanecer no local.” E, esse meio de vida é a base econômica; sendo que no período
imperial esse alicerce era representado pela lavoura, e, nos locais onde se verifica um lavoura
um pouco mais consistente, era possível detectar a existência de um núcleo urbano. Na
105
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 222-223. 106
Idem, p. 238. 107
RAMOS, Duílio. História da Civilização Brasileira, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1965, p. 187/191.
54
República, ainda se vislumbrava um número considerável de cidades fundadas na agricultura,
mas já se verificava o surgimento e, desenvolvimento da fase industrial, contando, algumas
cidades, em especial na região de São Paulo, com uma base industrial, portanto. Já, no tocante
às chamadas condições espirituais, estas se subdividem em poder público e comunicação
social. “O poder público da cidade desdobra-se no poder local, no poder provincial (no tempo
do Império) ou estadual (no tempo da República), e no poder geral (imperial no Império e
federal na República).”
O mesmo autor assevera, ainda, que:
No tempo do Império, em alguns pontos do Brasil, encontraram-se algumas dessas
condições, e, por isso, ali se criaram os centros urbanos de que muito se
orgulhavam os brasileiros de então. [...] As bases econômicas de algumas cidades
do Império também não eram fortes. [...] Foi sob o regime republicano que o
urbanismo se desenvolveu largamente no Brasil. [...] De certo tempo em diante, a
lavoura não era a única base da formação dos núcleos urbanos. A indústria cresceu
em quantidade e em especialização, dando nova base econômica aos centros já
formados e aos que foram surgindo.108
(grifo nosso).
Em 1891 é proclamada a primeira Constituição da República, na qual se verifica que o
Estado brasileiro ainda não se liberta de sua vocação liberal, mesmo porque não haveria como
fazê-lo, já que o modelo econômico vigente, à época, era o liberal. Aqui também a
propriedade individual é vista como um princípio absoluto, o qual não deve sofrer limitações
por parte do Estado (da mesma forma que a Carta de 1824), como se verifica pelo teor do Art.
72, § 17: “O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.”109
Todavia, veja-se que no citado Art. 72, já se verifica a possibilidade de desapropriação, para
atender interesse público (como também previa o Art. 179, XXII da Carta Magna de 1824110
),
demonstrando que já havia, há muito norma Constitucional de ordem urbanística.
O início do século XX (e final do século XIX), pode se caracterizar como período em
que o apoio à industrialização e à imigração se fez bastante presente, com destaque para o Rio
108
RAMOS, Duílio. História da Civilização Brasileira, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1965, p. 189/191. 109
BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891. 110
“Art. 179 - A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a
liberdade, a segurança individual, e a propriedade é garantida pela Constituição do Império, pela maneira
seguinte: [...] XXII – É garantido o Direito de Propriedade em tôda (sic) a sua plenitude. Se o bem público
legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será ele previamente indenizado do
valor dela. A Lei marcará os casos, em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para determinar a
indenização.” (BRASIL, Constituição Política do Império do Brasil, 1824).
55
de Janeiro e, São Paulo, sendo que esta última ultrapassou a primeira, que do final do século
XIX, até início dos anos vinte (1920) havia sido líder do processo de industrialização. No
Brasil, começa a surgir os simpatizantes e defensores do socialismo e, os operários começam
a se organizar em sindicatos. O país, ainda que tardiamente (em relação aos demais países)
entra na era da industrialização, na sua própria “revolução industrial” (iniciada, ainda que
timidamente, em 1880), transformando a estrutura das cidades. Com a industrialização,
surgem, em São Paulo, bairros de operários e grandes conglomerados industriais. Em 1910,
São Paulo ostentava o maior complexo industrial da América do Sul.111
O país, ao longo dos anos passou por um processo acelerado, de crescimento urbano das
cidades, especialmente daquelas, de alguma foram interligadas à industrialização, mesmo com
grandes áreas rurais, ligadas à criação de gado e à produção agrícola, como aconteceu no
Estado de Mato Grosso.
É claro que, essa evolução, atualmente evidenciada, passou por grandes percalços no
decorrer dos tempos, sendo que a República, nos seus primeiros anos encontrou inúmeras
dificuldades, principalmente, em decorrência das dificuldades econômicas; decadência das
economias do algodão e do açúcar; diminuição da produção de borracha; e, consequente
extinção dos postos de trabalho.112
O coronelismo e o cangaço eram, dessa maneira, uma lado sombrio de nossa belle
époque e indicam o caráter excepcional das transformações registradas no meio
urbano, que aliás, até a década de 1920 concentrava apenas 20% da população
brasileira. Trata-se de fato de uma ironia da história: na maioria das regiões
brasileiras, o regime nascido em 1889 inverte, em vez de acentuar, a tendência
europeizante da segunda metade do século XIX. Não é, portanto, de estranhar que a
República Velha, mesmo quando ‘nova’, tenha gerado inúmeros críticos, a começar
pela instituição que lhe deu origem: o Exército.113
(grifo do autor).
111
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 237/241. Estes autores apontam os motivos pelos quais a industrialização brasileira foi tardia, asseverando
que: “Tendo em vista essa relação, ao mesmo tempo complementar e contraditória, entre lavoura exportadora e
indústria, compreende-se por que não houve uma veloz revolução industrial paulista, mas sim um processo de
transformação econômica lento e cheio de percalços. A mesma afirmação é, com certeza, válida para o resto do
Brasil, que somente em meados da década de 1940 assistiu à indústria superar a agropecuária no conjunto das
riquezas nacionais. Outro aspecto importante para explicar nossa industrialização tardia diz respeito à oposição
intelectual feita a ela. Não foram poucos os que a encaravam como uma ‘criação artificial’ da sociedade
brasileira. Posição partilhada por conservadores, opositores a todo e qualquer tipo de indústria e à própria vida
urbana a ela associada, assim como por liberais ortodoxos, que defendiam o emprego dos capitais nacionais na
agricultura, deixando a importação oi a produção de artigos industriais a cargo de companhias estrangeiras.”
(idem, p. 240/241). 112
Idem, p. 167-168. 113
Idem, p. 245.
56
Apesar de terem deixado o cenário político (por volta de 1898), os militares retornam
em 1910, para extinguirem a insurreição dos marinheiros, que revoltados exigiam o fim do
castigo com a chibata, restabelecendo, assim a ordem. Outras rebeliões e movimentos
eclodem nos anos seguintes: 1915, revolta dos Sargentos; 1922, movimento dos 18 do Forte
de Copacabana; 1924, revoltas tenentistas ; e, a Coluna Prestes, entre 1924 e 1927. Todos
esses acontecimentos (somados à semana de Arte Moderna, de 1922) demonstravam a
instabilidade da República Velha e, sua impossibilidade de manutenção.114
Em 03 de outubro de 1930, começa a revolução, objetivando depor o presidente da
época, Washington Luís (e, impedir que seu sucessor, Júlio Prestes, fosse empossado) e, em
03 de novembro daquele mesmo ano, Getúlio Vargas toma posse como novo presidente. Com
o apoio das Forças Armadas, Getúlio decreta o Estado Novo.
Mary del Priore e, Renato Venacio115
, lembram que o novo presidente, desde o início de
seu mandato enfrenta oposição ferrenha dos paulistas (aqui tanto pelos membros do
tradicional PRP – Partido Republicano Paulista, como do PD – Partido Democrático), que
entendiam que o governo provisório tinha por escopo convocar uma Assembléia Constituinte.
Todavia, o presidente insinua que referida convocação abriria caminho para o retorno das
oligarquias ao poder. Além disso, em afronta ao Partido Democrático, nomeia, como
interventor de São Paulo, um membro das fileiras dos tenentistas. Após inúmeras tentativas,
os membros do PD que haviam apoiado a revolução de 1930, fazem aliança com os membros
do PRP e, formam a Frente Única Paulista – FUP e, se aproximam dos grupos políticos
descontentes do Rio Grande do Sul e, de Minas Gerais. Getúlio se vê coagido e, desse modo,
convoca a Assembléia Constituinte, mas o texto convocatório é impreciso, sinalizando que
Getúlio Vargas imporia um governo centralizador. Diante desses fatos, a Revolta
Constitucionalista acontece. Assim, salientam os autores que:
Em julho de 1932, os paulistas mostram do que são capazes para defender uma
Constituinte liberal: pegam em armas contra o governo. Por pouco – ou seja, em
razão do recuo de gaúchos e mineiros – Vargas não é deposto.
A denominada Revolta Constitucionalista, embora derrotada, alcança parte
importante de seus objetivos. Além da confirmação da convocação da Assembléia
Constituinte, os paulistas influenciaram a escolha do interventor local, Armando de
114
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 245/248. 115
Idem, p. 249-250.
57
Salles Oliveira. O mérito de Getúlio foi o de ter conseguido permanecer no poder.
Mas a situação o fragilizava. Na ausência de um partido político de alcance
nacional que o apoiasse, foi necessário fazer concessões às oligarquias, como
aconteceu por ocasião da escolha do interventor paulista. O presidente teve de
aceitar uma Constituição de cunho liberal, que em muito restringia a ação do Poder
Executivo. De certa maneira, Getúlio pagava o preço por fazer uma revolução
política, mas não econômica ou social.
Em 1934 é promulgada uma nova Constituição. Já, no preâmbulo, esta Constituição se
diferencia do Texto anterior, já que introduziu a expressão ‘bem-estar-social e econômico,
como uma das diretrizes primordiais, que deveriam ser respeitadas.
O preâmbulo, da Lei Maior de 1934, estabelecia que:
Nós, os Representantes do Povo Brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus,
reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime
democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar
social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.116
A Constituição de 1937 também assegurava o direito à propriedade, todavia mais uma
vez se verifica a possibilidade de desapropriação por necessidade ou, interesse público.
Art. 113 – A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o
interêsse (sic) social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação
por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos têrmos (sic) da lei, mediante
prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção
intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até
onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.117
Além disso, previa a possibilidade de aquisição da propriedade por meio de usucapião,
dispondo que esta somente seria possível se houvesse preenchimento de determinados
requisitos, dentre os quais se verifica a necessidade de função social, já que somente poderia
obter a propriedade aquele que tornasse a terra produtiva e, desde que não fosse proprietário
de outro imóvel (urbano ou rural), demonstrando-se um cuidado com o bem estar da
população, refletido na preocupação em fornecer moradia, ao estabelecer no Art. 125:
116
BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934. 117
BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934.
58
Art. 125 – Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por
dez anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um
trecho de terra até dez hectares tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nêle
(sic) a sua morada, adquirirá o domínio do solo, mediante sentença declaratória,
devidamente transcrita.118
Com esta Constituição inaugurou-se, no Brasil, o Estado do bem estar social, voltado
para o bem estar do indivíduo, pregando a justiça social. Infelizmente, esta Constituição teve
curta duração, em decorrência do golpe sofrido, no País, que resultou, posteriormente, na
Carta de 1937.
Vários foram os elementos que influenciaram a Lei Máxima, de 1934, sendo estes tanto
elementos internos (como a polarização em disputa por parte da oligarquia rural e a burguesia
industrial, ainda embrionária, influenciaram a ideologia retratada na Constituição); quanto os
externos (como é o caso, por exemplo, da crítica socialista aos Textos Constitucionais
abstratos, da crítica da Igreja Católica à não-respeitabilidade aos direitos sociais e, ainda, a
Primeira Grande Guerra).119
Outros marcos históricos importantes anteriores à promulgação da Constituição de 1934
foram, a Constituição Mexicana, de 1917 e, a Alemã (Constituição de Weimar), de 1919, que
influenciaram e, serviram de modelo, não apenas para a Constituição brasileira, da época,
mas, também, para as Constituições de outros países, trazendo uma nova concepção acerca do
direito de propriedade, tratando, ainda, de sua função social.
Quanto à Constituição de Weimar:
A República de Weimar inaugurou uma fase inédita de estruturação constitucional
do Estado alemão, com papel mais ativo no desenvolvimento social, na construção
de uma sociedade com justiça social pela efetivação dos Direitos Sociais
formalizados na Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919 – o Sozialstaat ou
Estado Social de Direito. A ordem econômica e social criada pela nascente
República alemã serviu de modelo para alguns Estados no período imediatamente
posterior à Primeira Guerra Mundial. No Brasil, por exemplo, intenso foi o debate
sobre as conquistas sociais e constitucionais de Weimar, tendo a Carta Magna de
118
BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934. Já, no artigo seguinte (Art. 126),
aquela Constituição dispunha sobre beneficio concedido a bem de família (redução de impostos), e, que fosse
pequena propriedade, demonstrando o mesmo espírito do artigo antecedente; propiciar o bem estar: “Serão
reduzidos de cinquenta por cento os impostos que recaiam sôbre (sic) imóvel rural, de área não superior a
cinquenta hectares e de valor até dez contos de réis, instituído em bem de família.” 119
BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito Constitucional: Uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras,
2003, p. 79.
59
1934 sofrido forte influência do recém-criado modelo social alemão [...] Esta
Constituição brasileira praticamente assimilou os idealizados avanços da nova
ordem social alemã, mas apenas em seu aspecto jurídico-formal. Padeceu, contudo,
por não contextualizar muitos dos seus ideais à realidade material brasileira.120
(grifo
do autor).
A Constituição de 1934 tratava da justiça social e da necessidade de se possibilitar, a
todos, uma existência digna (o que se verifica, inclusive, quanto às questões urbanísticas,
quando trata da desapropriação por necessidade ou interesse público –Art. 113; aquisição da
propriedade por meio de usucapião, em pequenas áreas, para pessoas que não possuíam outros
imóveis – Art. 125; e, previsão da redução de impostos para imóveis considerados como bens
de família - Art. 126). Todavia, referida Constituição teve uma vigência muito curta, em face
do golpe de governo, sofrido pelo País, golpe este que teve a frente Getúlio Vargas. A Carta
Constitucional de 1937 era centralizadora, sendo que o Poder Executivo reunia não apenas as
suas funções usuais, como, também, a maioria das funções desempenhadas por outros órgãos.
A Carta de 1937 guardava apenas o aspecto de um Estado Democrático de Direito, mas,
a realidade era totalmente diferente, já que na mesma não foram agasalhados, por exemplo, os
princípios da legalidade, da irretroatividade da lei, entre outros. De outro modo, tem-se o
surgimento de outros preceitos (os quais não encontravam guarida na CF de 1934), como a
pena de morte para os crimes políticos e para os homicídios cometidos por motivo fútil e com
extremos de perversidade. O direito de manifestação de pensamento foi limitado pela censura
prévia da imprensa, teatro, cinema e radiodifusão, tendo a autoridade competente a
possibilidade de proibir a circulação, a difusão ou a representação.
Esta Carta foi chamada de “Constituição polaca”, em virtude de ter sido inúmeras
vezes comparada com a Constituição polonesa de 1935. Foi repudiada por todos os segmentos
políticos, que a consideravam fascista. Era exageradamente nacionalista, tendo ampliado o
leque de possibilidades de intervenção do Estado na Economia. Aliás, pela primeira vez a
expressão “intervenção do Estado no domínio econômico” aparece em uma Lei Magna.
Além disso, a Carta de 37 continuou assegurando o direito à propriedade, ressalvando-se
a desapropriação por necessidade ou utilidade pública.
120
GUEDES, Marco Aurelio. Estado e Ordem Econômica e Social: A experiência Constitucional da República
de Weimar e a Constituição brasileira de 1934, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 2.
60
Art. 122 – A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país
o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos têrmos (sic)
seguintes:
[...]
14 – O direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade
pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os
definidos nas leis que lhe regularem o exercício.121
A era de Vargas, apesar de opressora, em muitos aspectos, foi vencedora, já que
possibilitou, ao Brasil, atingir um sucesso econômico, sendo que, pela primeira vez o país
teve uma produção industrial mais representativa que a produção agrícola. Ressalta-se que
isso tudo ocorreu apesar da depressão econômica, ocorrida principalmente em virtude da
quebra da bolsa de Nova York, o que foi acima relatado. A indústria brasileira se desenvolvia
cada vez mais e, as cidades seguiam o mesmo caminho.122
A industrialização acelerada teve efeitos não só econômicos, mas também políticos
e sociais. Como é sabido, a fábrica tem na cidade seu espaço privilegiado e, por
isso, a Era Vargas – incluindo aí seu segundo governo, entre 1950 e 1954 – é
caracterizada como uma época de intensa urbanização. Em 1920, por exemplo,
apenas dois em cada dez brasileiros residiam em cidades; vinte anos mais tarde essa
mesma relação era de três para dez; na década de 1940, tal proporção tornara-se
equilibrada: quatro em cada dez brasileiros moravam em áreas urbanas. A formação
de novas cidades e o crescimento das já existentes estimulavam, por sua vez, a
multiplicação de trabalhadores não vinculados às tradicionais atividades agrícolas e
de industriais que não eram fazendeiros [...] 123
O país passa a ter, cada vez mais, ares urbanos, deixando o campo e, seguindo para as
cidades. Em 1930 é criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e, nos anos
seguintes novas leis trabalhistas passam a vigorar no Brasil (destaca-se a Consolidação das
Leis do Trabalho), para que se possa regular o trabalho desenvolvido, cada vez mais, nas
cidades. Com esse movimento as cidades, sem estrutura, passam a receber, mais e mais
pessoas, de modo desordenado, o que contribuiu para o incremento das favelas e, aumento, da
própria periferia.
Sob forte pressão do exército (que se encontra largamente engajado e fortalecido,
sobretudo após sua estruturação necessária, em face do confronto da Segunda Guerra
Mundial), Getúlio Vargas deixou o poder, no dia 29 de outubro de 1945, época em “além de
121
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1937. 122
“[...] entre 1937 e 1945, Getúlio Vargas, com a capa institucional que lembra governos fascistas europeus, torna-se um
chefe militar de escala nacional.” E, para que se entenda seu declínio e, posterior retorno (que ocorreu em 1950), é necessário
investigar o aparecimento de ‘dois novos segmentos políticos: os trabalhadores e os empresários, duas faces do Brasil cada
vez mais urbano.’ (grifo do autor e nosso). (PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do
Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010, p. 253.) 123
Idem, p. 254-255.
61
mais numerosos do que nunca, os eleitores brasileiros também apresentam um perfil cada vez
mais urbano.”124
Todavia, as cidades não estavam organizadas para tanto.
Henrique Dumont Villares, em obra publicada em 1946 já apontava para os problemas
decorrentes da rápida urbanização, sem estrutura e preparo:
A rápida expansão da Idade da Máquina, ou Era Industrial, veio encontrar as
cidades desaparelhadas para as novas condições econômicas. Sob a premência do
desenvolvimento das indústrias, as aglomerações urbanas começaram a crescer
aceleradamente, em proporções que excederam tôda (sic) experiência do passado.
Caracterizado pelo adensamento da população e pela multiplicação das
construções, êsse (sic) crescimento fêz-se (sic), como era natural,
desordenadamente.
A disseminação de novas fábricas, e outros locais de trabalho, através da área
urbana, estendendo-se a todo espaço utilizável, atentas apenas as conveniências ou
possibilidades do momento, afetou tôda (sic) a estrutura urbana, criou a desordem e
produziu condições que podem ser qualificadas de caóticas para a vida dos
habitantes. Surgiram então problemas de congestão de tráfego e de aglomeração de
edificações. A par dêsses (sic) problemas materiais, formulam-se outras questões de
sentido social, e mesmo moral, relativas às condições de vida da população que
trabalha – tudo resultando da falta de um plano orgânico devidamente
preestabelecido, que apresentaria uma nova concepção útil ao racional crescimento
das cidades. Hoje, não é mais possível ignorar, ou desprezar, nem aquêles (sic)
problemas, nem estas questões. Uns e outros têm que ser enfrentados com a
vontade de resolvê-los.125
Veja-se que, já nos idos de 1946, havia a preocupação com o despreparo das cidades e,
com a necessidade de maior estruturação frente ao avanço e desenvolvimento das próprias
cidades. E, se fazia necessária a observação e aprimoramento do bem estar coletivo,
garantindo-se a humanização dos espaços destinados à população, posto que,
Planejamento urbano é, primordialmente, uma questão de valores humanos. Os seus
problemas não são exclusivamente técnicos ou econômicos. Nenhum projeto de
Urbanismo pode ser satisfatório se não se basear sôbre (sic) uma clara concepção
da vida na sua época e no seu meio. As cidades têm de ser remodeladas em tôrno
(sic) das necessidades de seus habitantes e de suas aspirações e conceitos de vida.126
Em 1º de fevereiro de 1946 foi inaugurada uma nova Assembléia Constituinte, para
elaboração de uma nova Lei Máxima, em face de que a era Getúlio Vargas havia se
encerrado, com a deposição do mesmo, por intermédio de um golpe militar, que o retirou do
poder, sendo substituído pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Na data de 19 de
124
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 262. 125
VILLARES, Henrique Dumont. Urbanismo e Indústria em São Paulo, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1946, p. 16. 126
Idem, p. 48.
62
setembro de 1946 foi promulgada a Constituição, a qual trazia um texto muito menos
repressor que o anterior.
A Constituição de 1946 contemplava a ordem econômica e social, no Título V,
pautando referida ordem, nos ditames da justiça social, ou seja, verifica-se a ocorrência
embrionária da tentativa de conciliação entre a livre iniciativa, com os valores sociais, como a
valorização do trabalho humana, a própria justiça social e a dignidade da pessoa humana.
Além disso, a Constituição de 1946 optou por manter os preceitos contidos na
Constituição de 1934, no tocante aos valores sociais trazidos da Constituição alemã de 1919, a
Constituição de Weimar, sendo que, todavia, o fez de forma a adaptar os preceitos
“importados” da Constituição alemã, para a realidade nacional, ajustando-os de forma a
melhor desempenhar seu papel no cenário brasileiro.
E, os valores sociais trazidos pela nova Constituição também precisavam ser
instrumentalizados no campo urbanístico, havendo a necessidade, cada vez mais premente de
um plano; de um planejamento urbanístico específico para cada cidade. Nesse sentido, a
Constituição de 1946, no Art. 147 condicionava a propriedade ao bem estar da comunidade.
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, ao
contrário das anteriores e alargando substancialmente a noção do direito de
propriedade até aquele momento defendida e proclamada, expõe, em seu artigo
147, que o uso da propriedade estaria condicionado ao bem-estar social. Embora
não tenha significado, efetivamente, uma modificação material nas relações sociais
existentes, serviu de marco a partir do qual se facultaria caminhar para um novo
condicionamento do direito de propriedade no Direito Pátrio.127
Getúlio volta è cena política em 1951, mais uma vez como presidente do Brasil e, desta
vez ainda mais populista. No dia 24 de agosto de 1954 Getúlio Vargas comete suicídio e, a
população é sensibilizada, colocando por terra os projetos dos militares.
Na sequência, Juscelino Kubitschek é eleito e, o crescimento industrial se fortalece de
com “a associação de empresas privadas brasileiras com multinacionais e estatais, estas
últimas responsáveis pela produção de energia e insumos industriais.”128
Com o sucesso desse
127
BONIZZATO, Luigi. A Constituição Urbanística e Elementos para a Elaboração de uma Teoria do Direito
Constitucional Urbanístico, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 164. 128
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 268.
63
novo modelo industrial as fronteiras são ampliadas, o que favoreceu o crescimento do Estado
de Mato Grosso e, automaticamente, de Cuiabá.
[...] o modelo industrial de Juscelino foi um sucesso. A economia atinge taxas de
crescimento de 7%, 8% e até 10% ao ano. Isso permite um ambicioso Plano de
Metas – popularmente conhecido como ‘50 anos em 5’ – alcance um estrondoso
sucesso. Rodovias são multiplicadas e o número de hidrelétricas cresce além do
previsto, o mesmo ocorrendo com a indústria pesada. Na área de produção de
alimentos, o presidente estimula uma tendência, existente desde os anos 1930, que
consiste em ampliar a fronteira agrícola em direção a Goiás e Mato Grosso – o que,
aliás, leva a novos extermínios de povos indígenas. Coroando essa política
ambiciosa, a capital é transferida: no cerrado do Brasil Central, surge Brasília.129
(grifo nosso)
A fronteira é ampliada. Há necessidade de se explorar, ainda mais o interior do país,
principalmente com a mudança da Capital, para a região Centro Oeste, o que acarreta uma
movimentação da população nacional, que passa a perceber referida região como possível
detentora de novas oportunidades, acarretando, portanto, uma maior migração para essa
localidade. Brasília marca uma mudança, tanto no tocante à formação das cidades (no que se
refere à necessidade de planejamento prévio), quanto com relação à interiorização da
população e, também das riquezas.
Em obra coletiva, publicada em 1996, que trata a respeito da cidade de Brasília,
destacando os problemas decorrentes da ausência de moradia digna para a população, em face
da elitização do projeto da referida cidade, a qual, apesar de planejada (e muito bem
planejada), não o foi para o povo em geral, o que resultou em um fator de segregação social,
merece destaque o fato de que a questão urbanística, no Brasil, passou a ser mais amplamente
estudada e analisada após a década de 1960. E, ainda:
Brasília, nesse contexto, destaca-se como um processo ímpar: a capital federal
constitui-se em ‘uma das cidades-laboratório do mundo no que se refere à
experiência com o planejamento urbano’. De um lado reproduz os esquemas
característicos da chamada urbanização periférica, quais sejam: segregação
espacial, má qualidade dos serviços coletivos na sua periferia, dificuldade de acesso
às vantagens da urbanização, problemas sociopsicológicos decorrentes das
dificuldades de adaptação dos migrantes a um novo espaço, diferente daquele de
origem, etc. De outro, um núcleo central (Plano piloto) que se caracteriza por uma
abundância de infra-estrutura, que se transforma em um dos núcleos urbanos que
oferece uma excelente qualidade de vida aos seus moradores, talvez único no
país.130
(grifo do autor e nosso).
129
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 268. 130
NUNES, Brasilmar Ferreira. Prefácio, in PAVIANI, Aldo (org.). Brasília: Moradia e exclusão, Brasília:
UNB, 1996, p. 11.
64
Verifica-se que no Distrito Federal há uma visível diferenciação no processo de
urbanização, já que “Brasília reflete em seu espaço a sensação de uma ‘ilha da fantasia’, ao
lado da face mais cruel da urbanização que segrega os menos influentes”.131
(grifo do autor).
O Plano piloto é destinado aos altos escalões, ficando a classe trabalhadora relegada à
periferia. Tal fato demonstra a necessidade de um planejamento mais voltado para a
população; papel que o Plano Diretor também precisa ter.
É claro que não se pode esquecer que, grande parte disso decorre,
[...] do crescimento populacional desenfreado, em especial nas metrópoles, talvez
em função das teses em voga nos anos 1960, que alertavam para a explosão
demográfica no mundo, com ênfase para a chamada ‘explosão urbana’. As políticas
urbanas insistiam direta ou indiretamente na necessidade premente de se criarem
pólos alternativos de atração de migrantes, com o intuito de aliviar a pressão sobre
ofertas de serviço coletivo, principalmente pelo Estado.132
(grifo do autor).
Jânio Quadros é eleito em 1960 e, segue uma política econômica severa. Seis meses
após a posse, Jânio renuncia ao cargo. Seu vice era João Goulart. Os ministros militares se
insurgem contra a posse. Em 1961 foi adotado o parlamentarismo no país, visando assim
evitar um golpe, mas o novo sistema de governo é um fracasso. Desse modo, em janeiro de
1963 o presidencialismo é retomado. Após vários fracassos e, conspirações em seu governo,
João Goulart é deposto, em 31 de março de 1964. Em 15 de abril, já há um novo presidente:
General Castello Branco. Mas o povo responde e, em 1965 os militares são derrotados nas
urnas. “Como resposta, foram impostos os Atos institucionais n°s 2 e 3, que abolem os
partidos existentes e as eleições diretas para presidente, governador e prefeito de capitais.”133
131
NUNES, Brasilmar Ferreira. Prefácio, in PAVIANI, Aldo (org.). Brasília: Moradia e exclusão, Brasília:
UNB, 1996, p. 11. 132
Idem, p. 14-15. 133
PRIORE, Mary del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010,
p. 278.
65
A Carta de 1967 foi outorgada sob a égide do governo militar, sendo que, portanto, se
verifica uma forte carga de intervenção estatal, com fins de se manter o mercado sob o jugo
do próprio Estado. Apesar disso, é possível extrair, daquele Texto, a finalidade (ainda que
meramente formal) de se realizar a justiça social, em especial por intermédio da ordem
econômica e, via de consequência, de melhor estruturação do urbanismo no Brasil.
Para Américo Luís Martins da Silva, o Texto de 1967, prevê a intervenção do Estado no
domínio econômico, de modo a se opor à iniciativa privada, o que, pode significar um
retrocesso, nos termos da nova configuração da Democracia, em especial com o parâmetro
deixado pela Constituição anterior, de 1946. 134
Já, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, apesar de considerada
como uma nova Carta manteve a idéia de unidade, apesar das modificações na forma de
governo e de Estado, pelos quais estava passando o país.
É claro que, em face da ditadura militar, que vinha ocorrendo nesse período, os
princípios esculpidos naquela Carta Magna não foram efetivamente aplicados, mas, naquele
momento os princípios, tanto do desenvolvimento nacional, quanto da justiça social deixaram
de ser meramente informadores, para ser finalidade precípua da própria ordem econômica e
social.
Tanto a Carta de 1967, quanto a de 1969 (Emenda Constitucional), trouxe o termo
função social, atrelando a propriedade ao interesse social, sem, contudo, consignar o direito à
propriedade, interligada com a função social no rol dos direitos e garantias fundamentais, o
que foi feito pela atual Constituição, de 1988, que a inseriu entre os Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos.
As Constituições republicanas [...] de 1967, 1969 e 1988, consubstanciaram a
expressão função social da propriedade, referindo-se à necessidade de
conformarem-se os interesses da sociedade e do proprietário. No entanto, cumpre
assinalar que, tanto a Constituição de 1967, quanto a Emenda Constitucional n. 01,
de 1969, incluíram a função social da propriedade como princípio de
fundamentação da ordem econômica e social, sem lhe outorgar o posto de garantia
134
SILVA, Américo Luís Martins. A Ordem Constitucional Econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.
40.
66
fundamental do cidadão. Coube à Constituição de 05 de outubro de 1988 corrigir
tal desvio [...].135
No Brasil, a década de 70 (1970 e anos seguintes) demonstrou-se com um marco para a
urbanização brasileira, já que marca uma grande concentração de pessoas que deixam a zona
rural e migram para as cidades. E, no início deste século se verifica que nos centros urbanos a
população já é maior que a população rural.
Em pouco mais de uma geração a partir dos meados deste século, o Brasil, um país
predominantemente agrário, transformou-se em um país virtualmente urbanizado.
Em 1950, tinha uma população de 33 milhões de camponeses - em crescimento -,
com 19 milhões de habitantes nas cidades, ao passo que hoje tem a mesma
população no ‘campo’ - agora diminuindo – e a população urbana sextuplicou para
mais de 120 milhões. È claro que transformações quantitativas de tal magnitude
implicam transformações qualitativas profundas. O país, se não está inteiramente
‘urbanizado’, tem seguramente caráter preponderantemente urbano. As condições
de produção nas áreas urbanas – nas ‘cidades’ – são agora as da virtual totalidade
da economia, e as condições de vida nas aglomerações urbanas são as da maioria da
população. Acima de tudo, as aglomerações urbanas constituem a base e o palco
das transformações futuras da sociedade e também de sua economia.136
(grifo do
autor).
Importante ressaltar que nesse período, de grandes migrações internas, o Brasil se
encontrava em plena ditadura militar, sendo que, portanto, vários direitos, em especial os
direitos individuais encontravam-se limitados.
A década de 80 foi palco da passagem da ditadura, para a democracia, que culminou, em
1988, com uma nova Constituição da República Federativa do Brasil. Sobre esse período,
Flávia Piovesan, assim se manifesta:
Após o longo período de vinte e um anos do regime militar ditatorial que perdurou
de 1964 a 1985 no País, deflagrou-se o processo de democratização no Brasil.
Ainda que esse processo se tenha iniciado, originariamente, pela liberação política
do próprio regime autoritário – em face de dificuldades em solucionar problemas
internos -, as forças de oposição da sociedade civil se beneficiaram no processo de
abertura, fortalecendo-se mediante formas de organização, mobilização e
articulação, que permitiram importantes conquistas sociais e políticas. A transição
democrática, lenta e gradual, permitiu a formação de um controle civil sobre as
forças militares. Exigiu ainda a elaboração de um novo código, que refizesse o
pacto político-social. Tal processo culminou, juridicamente, na promulgação de
uma nova ordem constitucional – nascia assim a Constituição de outubro de 1988.
135
BONIZZATO, Luigi. A Constituição Urbanística e Elementos para a Elaboração de uma Teoria do Direito
Constitucional Urbanístico, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 164-165. 136
DEÁK, Csaba; SCHIFFER, Sueli Ramos (orgs.). Prefácio, in O Processo de Urbanização no Brasil, São
Paulo: USP, 1999, p. 11-12.
67
A Carta de 1988 institucionaliza a instauração de um regime político democrático
no Brasil.137
Em 1988, como dito, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil,
rompendo, de forma definitiva com o período ditatorial, tornando-se um marco jurídico do
processo de transição democrática, tendo adotado inúmeros princípios e conceitos dos
Direitos Humanos, tendo elegido como um dos maiores princípios a serem seguidos, o
princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o qual norteia todo o Texto Constitucional,
inclusive no tocante às questões urbanísticas. Além disso, verifica-se a prevalência do
interesse coletivo, estando este acima do interesse privado, passando a prevalecer (quando há
conflito entre as normas).
Todos esses fatores determinaram a formação de uma nova visão acerca das questões
urbanísticas dentro do Brasil, em especial em decorrência da atual Constituição, que traz
novos rumos para a urbanização, bem como, traz um novo direcionamento para os Municípios
no que tange a esse respeito, como ocorre, por exemplo, com as regiões metropolitanas, as
aglomerações urbanas e microrregiões.
A Constituição Federal de 1988, [...] inaugura uma nova e significativa dimensão
de nosso federalismo de integração. As figuras regionais constituídas pelas regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões passam a ter um estatuto
jurídico-constitucional profundamente diferenciado do tratamento tradicional,
permitindo uma reflexão de grande alcance no que respeita à caracterização e
distribuição de competências entre o Estado federado e os Municípios integrantes
de regiões estabelecidas pelo primeiro, mediante lei complementar.
[...]
A Constituição Federal de 1988 redefine a questão metropolitana, pondo-a ao lado
de outras figuras regionais que prenunciam seu aparecimento, como é o caso das
aglomerações urbanas ou das microrregiões. Na presente Constituição, o assunto,
como foi apontado, passa a ser tratado no Título III, relativo à Organização do
Estado, à Organização Político-Administrativa dos Estados Federados, no art. 25, §
3°, pelo qual ‘os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por
agrupamento de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento
e a execução de funções públicas de interesse comum’.138
(grifo nosso).
Atualmente, verifica-se, no Brasil que,
137
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 7. ed. rev., ampl., atual.,
São Paulo: Saraiva, 2006, p. 21/24. 138
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões
Constitucionais da organização do Estado brasileiro, in FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de
Direito Ambiental e Urbanístico, Advocacia Pública & Sociedade, Ano II, n° 3, São Paulo: Max Limonad, 1998,
p. 13/15.
68
[...] as cidades de uma região são afetadas por modificações que implicam a
formação ou mesmo os rearranjos nas redes urbanas. Portanto, há pulsações
socieconômicas com implicações regionais, que, por sua vez, afetam a urbanização.
Um outro componente é o do crescimento físico. Esse crescimento pode interferir
na espacialização das grandes cidades, quando a estrutura, a forma e as funções se
alteram por pressão de demandas na sociedade. Novos assentamentos, bairros e
subúrbios fazem parte dessas modificações, impulsionadas por forças econômicas e
sociais que ora atuam para concentrar, ora para desconcentrar atividades, funções e
estruturas de uma cidade ou de um conjunto de centros urbanos de uma dada
região. Um terceiro componente do processo de urbanização é o das mudanças e
transformações socioespaciais que vão alterar o processo urbano de produção, de
consumo, de distribuição e mesmo de gestão urbano-regional.139
(grifo do autor).
O movimento migratório maciço (iniciado por volta dos anos 40 e, intensificado entre as
décadas de 1960 e 1970) colaborou para estabelecer a real necessidade de uma legislação
específica, visando a ocupação das cidades de forma mais ordenada, até para que pudesse
contribuir, permitindo uma vida mais digna para a população brasileira. Além disso, outros
fatores alavancaram a urbanização, em especial no interior do país, como a construção de
Brasília (com a mudança da Capital), e, a violência urbana (que nos anos noventa foi
considerada como tema fundamental), vivenciada essencialmente nos grandes centros
urbanos.
A atual Constituição traz, em seu bojo, um capítulo dedicado à política urbana,
encontrando-se inserido, referido capítulo, no título destinado à ordem econômica e
financeira, estando, portanto, interligada aos fatores econômicos. Sobre essa questão, Márcio
Cammarosano aponta que os artigos atinentes à política urbana possuem natureza social,
ressaltando que:
À primeira vista pode até parecer estranho que disposições concernentes à política
urbana estejam inseridas, na Constituição, logo em seguida às relativas aos
princípios gerais da atividade econômica. Não obstante, está arrolado dentre
mencionados princípios o da função social da propriedade, que, em sendo urbana,
só é cumprida quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade
expressas no plano diretor (CF, art. 182). [...] Com efeito, o art. 182, já no seu
caput, prescreve que a política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelos
Municípios, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. [...] a finalidade mais imediata
dos dispositivos constitucionais em questão é viabilizar a democratização das
funções sociais da cidade em proveito de seus habitantes, prevendo mecanismos de
promoção do adequado aproveitamento do solo urbano. Já o art. 183 institui a
usucapião especial de pequenas áreas urbanas utilizadas para moradia, enfatizando,
assim, a preocupação com o social no sentido estrito do termo.
[...]
139
PAVIANI, Aldo. Apresentação in PAVIANI, Aldo (org.). Brasília: Moradia e exclusão, Brasília: UNB,
1996, p. 17.
69
Ora, a lei que consubstancia o denominado Estatuto da Cidade não se limita a
estabelecer regras orgânicas e procedimentais para a execução dos dispositivos
constitucionais que ‘regulamenta’. Inova originariamente a ordem jurídica,
estabelece obrigações e proibições a particulares e a agentes públicos, cria institutos
jurídicos, prevê sanções para os que violarem as regras que prescreve.140
(grifo do
autor e nosso).
Ressalta-se que a humanidade, ao longo dos tempos, se organizou em grupos e, se fixou
nos espaços, por questões econômicas, culturais e políticas, formando cidades, que se
modificaram no decorrer dos séculos, resultando em um constante processo de urbanização, o
qual se intensificou na era industrial, que teve o condão de modificar a estrutura da sociedade,
já que a economia que era basicamente doméstica se transmuda para economia voltada para a
produção de produtos manufaturados, levando as pessoas do campo para a cidade.
No Brasil, a revolução industrial, como apontado anteriormente, surgiu tardiamente, o
que retardou, portanto, o processo de urbanização, tendo ocorrido, principalmente no século
XX (apesar de iniciado no século XIX, em face, primordialmente de fatores políticos, como a
Independência do Brasil, em 1822, a abolição dos escravos, em 1888 e, a Proclamação da
República, em 1889), inicialmente nos anos 30/40141
e, se intensificado nos anos 60, 70 e 80,
períodos que coincidem com os movimentos migratórios, o que demonstra que a
industrialização modificou o formato da urbanização no Brasil (assim como ocorreu no
restante do mundo ocidental, mas em momento anterior). Todavia, as cidades não estavam
preparadas para a migração ocorrida, havendo necessidade, portanto, de uma nova
estruturação do espaço, para atender novas demandas sociais (o que, na maioria das cidades
não ocorreu) e, de uma legislação específica, para regular essas questões.
Segundo dados do IBGE, a população brasileira teve um crescimento intensificado a
partir da década de 60, aumentando na década seguinte, em especial na região central do país,
inclusive no Estado de Mato Grosso (estendendo-se, ainda, nos anos 1980), muito em
decorrência da migração da Capital Federal para o interior do Brasil; Brasília.
140
CAMMAROSANO, Márcio. Fundamentos Constitucionais do Estatuto da Cidade, in DALLARI, Adilson
Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). Estatuto da Cidade: Comentário à Lei Federal 10.257/2001, 2. ed., São
Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 22-23. 141
Em 1929 tem-se a quebra da bolsa de Nova York que resultou em uma crise interna, com perdas
consideráveis nas lavouras de café, contribuindo com atração das pessoas para as cidades, buscando empregos,
principalmente na indústria.
70
Todas essas razões levaram à necessidade de construção de uma legislação específica,
que pudesse estabelecer as diretrizes gerais da política urbana, resultando no Estatuto da
Cidade (que tem por objeto regulamentar dispositivos da Constituição de 1988), o qual será
analisado nos itens subseqüentes.
1.1.1.3 Formação e origem da cidade de Cuiabá:
Necessário, também, para o desenvolvimento do presente trabalho, compreender como
se deu a formação da cidade de Cuiabá, posto ser o Plano Diretor desta o objeto fulcral deste
trabalho. Importante também, traçar alguns elementos acerca da formação do próprio Estado
de Mato Grosso, para que se verifique como ocorreu a colonização do referido Estado e, de
sua Capital, Cuiabá.
O bandeirante142
paulista Manoel de Campos Bicudo, no período de 1673 a 1680, foi o
primeiro homem, branco, a pisar em terras cuiabanas. Chegou à confluência do Rio Cuiabá
com o Coxipó, batizando-o de São Gonçalo, seguindo adiante na tentativa de localizar veias
auríferas. Em 1718, Antonio Pires de Campos, seu filho, ao acampar no mesmo local o
rebatizou, denominando de São Gonçalo Velho, que é a povoação mais antiga de Mato
Grosso.143
Ao final do mesmo ano, Paschoal Moreira Cabral chega, novamente, a São Gonçalo
para aprisionar índios, tendo, todavia, localizado ouro. Em 1719, em São Gonçalo Velho, no
dia 8 de abril, Moreira Cabral lavra a ata de fundação de Cuiabá. Dois anos mais tarde, o
142
“Os bandeirantes no território de Mato Grosso (ainda espanhol) deve ser entendido na história do Brasil como
uma saída encontrada pelos habitantes de São Paulo, em especial de São Vicente, Araritaguaba (atual Porto
Feliz), Itu e Sorocaba, para as dificuldades da lavoura, da mão-de-obra, bem como da crise geral que passava a
colônia, recém saída da União Ibérica, e da dominação dos holandeses do Nordeste. A separação da Espanha,
agravada pela indenização paga aos holandeses e pela concorrência aberta por eles nas Antilhas, e a produção de
cana-de-açúcar, provocaram grave crise econômica. Além, é claro da Guerra dos Emboabas, que após 1709
levou muitos paulistas ao sertão ainda a ser descoberto. O rei português lançou o desafio de interiorização das
fronteiras, inicialmente com as ‘Entradas’ e depois com a ação de particulares através das ‘Bandeiras’. O
‘achamento’ de ouro e diamantes nas Gerais, em fins do século XVII, deslocou milhares de pessoas da Colônia e
da Metrópole para o sertão brasileiro. Era o fim da crise e o início de um novo ciclo. Fixados em Minas Gerais,
os paulistas e forasteiros, desentenderam-se pelo controle das datas auríferas, e, e, 1709, com a Guerra dos
Emboabas, aconteceu a saída de muitos em busca de novas regiões, chegando aos territórios de Mato Grosso
(1719) e de Goiás (1722).” (grifo do autor). (FELIX, Pedro Carlos Nogueira; FELIX, Giseli Dalla Nora. História
de Mato Grosso, 2. ed., rev., atual., Cuiabá: KCM, 2009, p.11). 143
SILVA, Paulo Pitaluga Costa e. São Gonçalo Velho: Povoação cuiabana pioneira, Cuiabá: Carlini &
Caniato, 2010, p. 24.
71
arraial mudou-se, para o local denominado de Forquilha, e em outubro de 1722, com a
descoberta das Lavras do Sutil (pelo Sorocabano Miguel Sutil), no córrego da Prainha, todo o
arraial da Forquilha foi para ali transferido. 144
Em 1720 chegava, na região, a primeira monção, “seguindo o caminho dos rios, desde o
porto de Araritaguaba até o arraial de São Gonçalo Velho, iniciando o ciclo histórico das
monções cuiabanas.”145
, impulsionados com a notícia de que havia ouro na região.
O povoamento de Mato Grosso teve início com a descoberta dos primeiros veios
auríferos no rio Coxipó, pelos integrantes da bandeira de Pascoal Moreira Cabral,
em 1719. Na confluência do rio Coxipó com o ribeirão Mutuca ergue-se o primeiro
vilarejo de Mato Grosso, que recebeu denominação de Arraial da Forquilha. Em
pouco tempo, a notícia da grande descoberta chegou à Capitania de São Paulo e
demais regiões, ocasionando o deslocamento de centenas de pessoas para a
ocupação das áreas ao redor das minas. Esse movimento migratório provocou o
crescimento desordenado do povoado, que se espalhou pelas cabeceiras do rio
Coxipó, do córrego Mutuca e do rio do Peixe.
Em 1722, o bandeirantes sorocabano Miguel Sutil descobriu um dos veios auríferos
mais importantes do Brasil: as Lavras do Sutil, localizadas em Cuiabá [...].
A exploração dessas minas provocou o adensamento populacional em áreas mato-
grossenses, o que fez de Cuiabá uma das cidades mais populosas do país, no período
de 1722-1726.
Em 1748 foi criada a Capitania de Mato Grosso, sendo então desmembrada da
Capitania de São Paulo. Vila Bela da Santíssima Trindade foi elevada à categoria de
sede administrativa da nova Província, assim permanecendo até 1835, quando a
capital foi transferida para Cuiabá.146
(grifo do autor).
A região, onde hoje se localiza a cidade de Cuiabá pertencia à província de São Paulo147
,
tendo, sido, portanto, desbravada e, posteriormente fundada pelos bandeirantes daquela
província. Como dito anteriormente, as bandeiras foram cruciais para a interiorização da
colonização brasileira, já que, inicialmente a colonização ocorreu, apenas, em regiões mais
próximas ao litoral, tendo os bandeirantes auxiliado na colonização do interior (ainda que este
não fosse o objetivo primordial das bandeiras).
O bandeirantes Paschoal Moreira Cabral foi o responsável por descobrir as riquezas da
região, encontrando ouro nas margens do rio Coxipó. Em face dessa descoberta, várias
expedições foram realizadas, em busca do metal, sempre de modo desorganizado. Verifica-se
144
SILVA, Paulo Pitaluga Costa e. São Gonçalo Velho: Povoação cuiabana pioneira, Cuiabá: Carlini &
Caniato, 2010, p. 25. 145
Idem, p. 25. 146
PIAIA, Ivane Inêz. Geografia de Mato Grosso, 3. ed., rev., ampl., Cuiabá: UNIC, 2003, p. 14-15. 147
Somente em 9 de maio de 1748 foi criada a Capitania de Mato Grosso, sendo desmembrada da Capitania de
São Paulo, tendo permanecido subordinada à esta temporariamente, até a posse do primeiro governador (Antônio
Rolim de Moura). (CANAVARROS, Otávio. O Poder Metropolitano em Cuiabá (1727-1752), Cuiabá-MT:
EdUFMT, 2004, p. 298/307).
72
que já nessa época as migrações eram feitas desordenadamente, ocupando-se o solo de
qualquer forma, sem qualquer planejamento, característica que perdurou durante toda a
formação da cidade de Cuiabá.
No dia 1º de janeiro de 1727, Cuiabá recebe foro de vila por determinação do Capital
General de São Paulo, passando a ser denominada como Villa Real do Senhor Bom Jesus do
Cuyabá.148
Em decorrência de ter sido fundada por bandeirantes, acabou por seguir os mesmos
padrões arquitetônicos destes, como a construção de casas geminadas, com o uso de adobe,
taipa-de-pilão e pau-a-pique, que eram utilizados como materiais e, também, como técnicas de
construção, utilizando como mão-de-obra, índios e negros. Por ser uma cidade do século
XVIII, Cuiabá foi construída com ruas tortas e estreitas (o que pode ser verificado ainda hoje,
nos becos do centro da cidade), formada, inicialmente por mineradores, que vieram à procura
de ouro.
As casas eram ‘coladas’ umas às outras, construídas faceando a testada dos lotes,
no alinhamento das ruas; as paredes largas eram construídas em taipa-de-pilão,
adobe ou pau-a-pique, técnicas construtivas em terra crua herdadas dos
bandeirantes; os telhados apresentavam duas águas, com a cumeeira paralela à rua.
[...]
Esses mineradores estabeleceram-se [...] no arraial de Cuiabá, que surgiu na encosta
do ‘outeiro de Rosário’, distendendo-se aos poucos, estabelecendo um ele entre o
antigo Canto do Sebo, ou Largo da Mandioca (hoje Praça Conde de Azambuja), ao
Largo do Palácio Provincial e da Igreja Matriz (hoje Praça da República). Neste
trecho foram traçadas as primeiras ruas: a rua de Cima (posteriormente rua Augusta
e, atualmente rua Pedro Celestino), a rua do Meio (hoje rua Ricardo Franco) e a rua
de Baixo (atual rua Galdino Pimentel), com algumas vias transversais que ficavam
entre o largo da Matriz e o da Mandioca.149
(grifo do autor).
Em 17 de setembro de 1818, por intermédio de Carta Régia, expedida por D. João VI, a
vila do Cuiabá é elevada à categoria de cidade. No ano de 1823, Cuiabá passa a ser a Capital
da Província (tomando o lugar que pertencia, até então, a Vila Bela da Santíssima Trindade,
fundada em 1752, que foi a primeira sede da Capitania).
Em 1818, quando Cuiabá foi elevada à categoria de cidade, começaram a ser
erguidas edificações na direção sul, com o objetivo de alcançar as margens do rio
Cuiabá. Nesse momento, a base econômica continuava sendo a extração do ouro.
148
A partir desse período começou, de modo mais efetivo, a vida no primeiro Município de todo o território, que
foi posteriormente denominado Capitania de Mato Grosso. 149
FREITAS, Maria Auxiliadora de. Cuiabá: Imagens da cidade: dos primeiros registros à década de 1960,
Cuiabá-MT: Entrelinhas, 2011, p. 30.
73
Aliada ao desenvolvimento da agricultura e da pecuária, permitiu a manutenção do
espaço urbano e o seu crescimento. [...]
Com a efetivação da mudança da capital da Província, de Vila Bela da Santíssima
Trindade para Cuiabá, homologada em 1835, houve uma preocupação com o
melhoramento de edificações públicas e residenciais, exigido pelo novo status da
cidade.150
Já no século XIX, na segunda metade, foram erigidas diversas construções públicas e
igrejas, modificando, ainda mais o cenário. Todavia, apesar das novas edificações, Cuiabá
continuava isolada e esquecida, com suas pequenas ruas mal calçadas e pouco iluminadas.
Mas, objeto de grande curiosidade, em virtude de sua vasta riqueza.
Distante da capital imperial, Rio de Janeiro, Mato Grosso sempre foi considerado
um ‘eldorado’. Local de muita riqueza, onde os metais preciosos, a fauna, a flora e
os seus habitantes originais – os índios – despertavam, e muito, a curiosidade e o
interesse de estrangeiros, acadêmicos, botânicos, zoólogos, geógrafos,
historiadores, geólogos, sertanistas e outros, que desejavam conhecer o país.151
(grifo do autor).
No período compreendido entre 1864 e 1870, o Brasil entrou em conflito com o
Paraguai (o que já foi objeto de análise em tópico anterior) e, o Estado do Mato Grosso, em
decorrência de fazer, à época, fronteira com o Paraguai, teve participação significativa no
combate. O início do conflito foi, justamente, o aprisionamento, pelo Paraguai, do navio
brasileiro “Marquês de Olinda”, que fazia o trajeto Montevidéu-Corumbá (à época cidade
matogrossense e, atualmente pertencente ao Estado de Mato Grosso do Sul) e que estava
levando a bordo, entre outros passageiros, o novo Governador de Mato Grosso, Cel. Frederico
Carneiro de Campos, que acabou falecendo na prisão paraguaia.152
O Presidente do Paraguai, Solano Lopes, em face do extenso território de Mato Grosso,
bem como do pequeno contingente militar, além do diminuto número de habitantes, invadiu a
Província e, rapidamente dominou todo o sul de Mato Grosso. Assim, o primeiro a ser
dominado foi o forte de Coimbra, seguido por Corumbá e, continuaram atacando a Colônia
Militar de Dourados, além das cidades de Aquidauana, Miranda e Niosque153
(atualmente toda
a região pertence ao Estado de Mato Grosso do Sul). O Paraguai ameaçou atacar Cuiabá,
todavia, nunca chegou a Capital.
150
FREITAS, Maria Auxiliadora de. Cuiabá: Imagens da cidade: dos primeiros registros à década de 1960,
Cuiabá-MT: Entrelinhas, 2011, p. 30-31. 151
Idem, p. 32. 152
Idem. p. 68. 153
FELIX, Pedro Carlos Nogueira; FELIX, Giseli Dalla Nora. História de Mato Grosso, 2. ed., rev., atual.,
Cuiabá: KCM, 2009, p. 69.
74
Com o fim da guerra, pode se manter o acesso até Mato Grosso, sem qualquer restrição,
pelo rio Paraguai, facilitando, e, muito, a comunicação com a então Província, tendo em vista
que se o ingresso não fosse feito pela água, a travessia se transformava em uma aventura cara
e arriscada.
Com o término da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai, foi franqueada a
navegação pelo rio Paraguai, beneficiando e tornando mais fácil a comunicação de
Mato Grosso com Argentina, Uruguai, litoral brasileiro e até mesmo com a Europa.
De 1870 a 1930, essa navegação foi ininterrupta e por ela entraram em Mato
Grosso muitas mercadorias, novos moradores (estrangeiros e nacionais) reativando
um corredor comercial, interrompido durante 1864 a 1870.154
O período entre 1889 e 1906 trouxe grandes progressos para o Estado, como um todo,
trazendo desenvolvimento econômico bastante significativo, já que diversas usinas de açúcar
foram instaladas ao longo do rio Cuiabá, que foram transformadas em potências econômicas
do Estado. Além disso, é importante frisar que [...] “a produção de borracha tomou notável
impulso. Outra fonte de riqueza em crescimento foram os ervais da região fronteiriça com o
Paraguai. Em 1905 tiveram início as obras da estrada de ferro, que cortou o sul do Estado.155
Veja-se que apesar de Cuiabá, nos fins do século XIX manter, ainda, um traçado de becos e
ruas sinuosas, com um núcleo urbano onde as pessoas se conheciam, possuía, em todo o
território, cerca de “33.678 habitantes em 1892 [...] naquela época, um dos maiores
municípios do país -, cuja população era composta principalmente por pessoas nascidas na
região.”156
Também contribuiu para o desenvolvimento do Estado, no período acima citado,
Cândido Mariano da Silva Rondon, natural de Mato Grosso, que auxiliou na montagem de
uma rede de comunicação, via linhas telegráficas, integrando o Estado, ideia essa que:
[...] a partir de 1888 pela monarquia de D. Pedro II, deve ser entendida, pela ótica
de integração do Brasil, como centro produtor de matéria-prima (borracha, poaia,
charque, couro, metais preciosos, café, açúcar etc) barata aos grandes centros de
transformação industrial da Europa, EUA e Japão.
A linha telegráfica por Código Morse partiria da cidade de Franca, em São Paulo,
passando por Uberaba, em Minas Gerais, atingindo Goiás, chegando a Cuiabá. De
154
FELIX, Pedro Carlos Nogueira; FELIX, Giseli Dalla Nora. História de Mato Grosso, 2. ed., rev., atual.,
Cuiabá: KCM, 2009, p. 70. 155
FERREIRA, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus Municípios, Cuiabá: Secretaria de Estado da
Educação, 2001, p. 68. 156
FREITAS, Maria Auxiliadora de. Cuiabá: Imagens da cidade: dos primeiros registros à década de 1960,
Cuiabá-MT: Entrelinhas, 2011, p. 64.
75
Cuiabá passaria uma linha até a região do Araguaia, que se interligaria a linha de
Goiás. O primeiro nomeado para a missão foi o militar Cunha Matos. No território
mato-grossense foi designado o então tenente Cândido Mariano da Silva Rondon.
Em 13 meses, a linha Cuiabá-Registro do Araguaia estava concluída, sendo
inaugurada em 30 de abril de 1891. Os trabalhos continuaram até 1896 [...].157
A partir dos anos de 1920158
, Cuiabá passa por uma fase de maior desenvolvimento, que
se desencadeou, de modo mais efetivo a partir da mudança da Capital nacional para o interior
do país (o que, aliás, já foi objeto de análise anteriormente):
Somente a partir da década de 1920, com os melhoramentos do sistema de
transporte rodoviário, Cuiabá passou a viver uma fase desenvolvimentista, fase esta
incrementada após a década de cinqüenta (sic), com a implementação da política
federal de ocupação do centro oeste brasileiro, da qual faz parte a própria política
de colonização adotada pelo governo do Estado. Sendo que a partir de 1960, a
ocupação de Cuiabá se processou de forma mais acelerada.159
(grifo nosso).
Entre os anos 1930 e 1945, vários foram os acontecimentos, tanto políticos, quanto
econômicos, que marcaram Mato Grosso, sendo que, ainda, nesse período se verificou, entre
outros, a Batalha da Borracha160
e a divisão do Estado, criando-se o Estado de Guaporé, atual
Rondônia.
157
FELIX, Pedro Carlos Nogueira; FELIX, Giseli Dalla Nora. História de Mato Grosso, 2. ed., rev., atual.,
Cuiabá: KCM, 2009, p. 87. 158
Ressalta-se que somente nos anos vinte Cuiabá passa a ter um desenvolvimento um pouco mais significativo,
até porque “devido as grandes distâncias, Cuiabá sofreu muito pouco as conseqüências da Revolução Industrial
iniciada no século XIX. Portanto, no decorrer de longo período de sua existência a capital mato-grossense
experimentou pouquíssimas transformações econômicas e sociais, o que veio refletir também nas poucas
modificações de seu sítio urbano.” (FERREIRA, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus Municípios, Cuiabá:
Secretaria de Estado da Educação, 2001, p. 446). Além disso, à época, Cuiabá era uma cidade pouco povoada,
sendo que referida questão preocupava a elite local. [...] Os núcleos populacionais urbanos e periféricos eram
poucos e com sérias dificuldades econômicas. Assim, a preocupação era povoar o Estado, ocupar suas áreas
vazias. [...] Ações com a intenção de buscar soluções para o problema tiveram início em meados da década de
1910, com incentivos e serviços destinados a implementar a colonização, por meio de leis, decretos e
regulamentos. [...] Porém, esses mecanismos não foram suficientes para efetivar deslocamento de imigrantes
para Cuiabá, seja de imigrantes estrangeiros, os realmente desejados, ou de colonos de outras regiões do país.
Todos esses fatores construíram, em um dado momento, a tentativa de ocupação do Estado, estabelecendo um
incentivo de publicações e propagandas em revistas de circulação nacional.” (FREITAS, Maria Auxiliadora de.
Cuiabá: Imagens da cidade: dos primeiros registros à década de 1960, Cuiabá-MT: Entrelinhas, 2011. p. 64). 159
FERREIRA, João Carlos Vicente; SILVA, Pe. José de Moura e. Cidades de Mato Grosso: Origem e
Significado de seus nomes – Memória brasileira, Cuiabá: J. C. V. Ferreira, 2008, p. 76. 160
“[...] De repente, em Plena Segunda Guerra, os japoneses cortaram o fornecimento de borracha para os
Estados Unidos. Como resultado, milhares de brasileiros do Nordeste foram enviados para os seringais
amazônicos, em nome da luta contra o nazismo. Essa foi a Batalha da Borracha, um capítulo obscuro e sem
glória do nosso passado, ainda vivo na memória dos últimos e ainda abandonados sobreviventes. No final de
1941, os países aliados viam o esforço de guerra consumir rapidamente seus estoques de matérias-primas
estratégicas. E nenhum caso era mais alarmante que o da borracha. A entrada do Japão no conflito determinou o
bloqueio definitivo dos produtores asiáticos de borracha. Já no princípio de 1942, o Japão controlava mais de
97% das regiões produtoras do Pacífico, tornando crítica a disponibilidade do produto para a indústria bélica dos
aliados. A conjunção desses acontecimentos deu origem no Brasil à quase desconhecida Batalha da Borracha.
Uma história de imensos sacrifícios para milhares de trabalhadores que foram para a Amazônia e que, em função
do estado de guerra, receberam inicialmente um tratamento semelhante ao dos soldados. Mas, ao final, o saldo
76
[...] forte influência européia de governos fortes. A política centralizadora de
Getúlio Vargas se fez sentir em Mato Grosso: interventores federais ocuparam as
rédeas do governo por entre exercícios de curto governo.
[...]
De 1942 a 1945, Mato Grosso viveu o tempo do Soldado da Borracha. [...] No
período desta guerra, Mato Grosso foi palco de providências especiais do Exército,
não reveladas naqueles tempos. Sob a aparência de executar a ‘Marcha para o
Oeste’, de Getúlio Vargas, ocultava-se o plano estratégico de localização da Capital
da República num quadrilátero da região do Xingu. O afundamento de 23 navios
brasileiros na costa atlântica mostrava a fragilidade da cidade do Rio de Janeiro.
Uma alternativa era imperiosa em caso de evacuação da beira-mar. [...]
Nesse período de Interventoria surgiu o primeiro desmembramento do Estado de
Mato Grosso. O Decreto-Lei-Federal n° 5.812, de 13 de setembro de 1943, além de
criar os Territórios Federais do Iguaçu e Rio Branco, desmembrou Mato Grosso,
criando Guaporé e Ponta Porã. A Constituição Federal de 18 de setembro de 1946,
devolveu a Mato Grosso o de Ponta Porã e alterou a denominação de Guaporé para
Rondônia, homenagem prestada ao mato-grossense Cândido da Silva Rondon.161
(grifo do autor e nosso).
Com a chamada “Guerra da Borracha”, Mato Grosso recebeu diversos migrantes vindos,
na sua grande maioria, do Nordeste, com o objetivo de trabalharem nos seringais do norte do
Estado (região da Amazônia legal) e, esse contingente de pessoas e, mercadorias (borracha)
circulando no Estado, resultando em um progresso maior para a Capital, a qual recebeu, por
exemplo, em 1943, o Banco da Borracha (posteriormente designado de Banco da Amazônia),
que visava intermediar os seringalistas e as produções destes.
Além disso, entre os anos de 1937 e 1945 houve uma grande transformação
arquitetônica em Cuiabá, com a criação de novas ruas e avenidas, e, prédios mais modernos,
todos localizados na região central da cidade. Mas, uma das obras mais importantes desse
período, foi a construção da Ponte Júlio Müller, conhecida como “Ponte Velha”, que ligou,
finalmente Cuiabá a Várzea Grande (cidade que faz parte da região metropolitana da Capital),
permitindo uma melhor e maior integração entre as cidades, findando, assim, o trabalho da
barca pêndulo, que realizava a travessia de pessoas, animais e veículos, entre as duas
cidades.162
foi muito diferente: dos 20 mil combatentes na Itália, morreram apenas 454. Entre os quase 60 mil soldados da
borracha, porém, cerca da metade desapareceu na selva amazônica.” (FELIX, Pedro Carlos Nogueira; FELIX,
Giseli Dalla Nora. História de Mato Grosso, 2. ed., rev., atual., Cuiabá: KCM, 2009, p. 92). 161
FERREIRA, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus Municípios, Cuiabá: Secretaria de Estado da
Educação, 2001, p. 74/78. 162
FELIX, Pedro Carlos Nogueira; FELIX, Giseli Dalla Nora. História de Mato Grosso, 2. ed., rev., atual.,
Cuiabá: KCM, 2009, p. 90.
77
Após a Constituição de 1946, surge um período de tranquilidade e normalidade e, tem-
se, ainda, nesse momento histórico o surgimento de uma política consensual de colonização
organizada pelo Estado, mas que é, todavia, executada por particulares. Referida política
funcionava da seguinte maneira:
[...] o Estado estabeleceu normas para as colonizadoras particulares,
estatuindo módulos de terra dentro da faixa de 10.000 hectares, ao norte do
paralelo 16°. Normas rígidas regulavam os projetos colonizadores, prevendo
alocação de até 300 famílias por núcleo, devendo as colonizadoras se
responsabilizar por infra-estrutura de escola, posto de saúde, campo de
pouso, estradas de penetração e mais benfeitorias de base. Tratava-se de uma
forma pioneira de colonização e misto Estado-Particulares. Esse modelo
distanciava-se diametralmente do adotado pela União até então.
O Estado passou a amparar as atividades colonizadoras por medidas do
momento, agilizando soluções emergenciais, por meio da estrutura versátil
da Comissão de Planejamento da Produção (CPP).
Nesse mesmo período, anos depois, o governo federal adotou a sistemática
mato-grossense, injetando os meios econômicos e técnicos da mais eficácia,
estruturando a fronteira Agrícola de Mato Grosso.
Em Mato Grosso nasceram municípios verdadeiramente agropecuários. O
modelo adotado foi a monocultura no domínio dos latifúndios. Para Mato
Grosso se transladaram colonos de regiões problematizadas do Brasil e
mesmo brasiguaios. Como consequência da migração maciça, Mato
Grosso por um tempo passou a contar com mais habitantes migrados do
que nascidos no próprio Estado.163
(grifo nosso).
Na seara nacional, o ano de 1954 foi marcado pelo suicídio de Getúlio Vargas, que foi
sucedido por Juscelino Kubitschek. Como já apontado alhures, o governo de Juscelino,
fortaleceu, ainda mais o crescimento industrial do Brasil, acarretando, de outro modo, um
maior endividamento externo do país. Para o Estado de Mato Grosso, o governo de Juscelino
tem grande importância em face de dois elementos principais, primeiro, ampliava a fronteira
agrícola em direção a Goiás e Mato Grosso (que já era uma tendência existente desde os anos
20 e 30) e, ainda, transferiu a Capital do país para o interior, justamente para a região Centro
Oeste, com a construção de Brasília.
Em 1977 o Estado é mais uma vez dividido (lembrando que a primeira divisão ocorreu
em setembro de 1943, pelo Decreto-Lei 5812, que criou os Estados de Guaporé – atual
Rondônia -, e o de Ponta Porá – território posteriormente devolvido, pela Constituição de
1946), com a criação do Estado do Mato Grosso do Sul, pela Lei Complementar n° 31, de 11
de outubro (tendo sido o novo Estado instalado em 1° de janeiro de 1979). Mas nesse mesmo
período (entre as décadas de 1970 e 1980), o Estado passa por um desenvolvimento singular,
163
FERREIRA, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus Municípios, Cuiabá: Secretaria de Estado da
Educação, 2001, p. 79.
78
em decorrência, especialmente, do aumento e melhoria da malha rodoviária, com a expansão
das telecomunicações, além de abertura de novas fronteiras agrícolas (utilizando o modelo
acima apontado, com utilização da união entre Estado e particular, visando a colonização de
imensas glebas), resultando em um grande fluxo migratório, que gerou um número
considerável de núcleos urbanos pioneiros.
Uma breve observação dos dados do IBGE,é possível verificar a evolução populacional
em Cuiabá, com destaque para a década de 1970, quando a população dobrou e, também, para
as décadas de 1980 e 1990, quando novamente houve novo evento que fizeram com que a
população dobrasse seu tamanho. Assim, tem-se:
1872 – População de 35.987 habitantes; – 1890 - População de 17.815 habitantes; 1900–
População de 34.393 habitantes; 1920 – População de 33.678 habitantes; 1940 – População de
54.394 habitantes; 1950 – População de 56.204 habitantes; 1960 – População de 56.828
habitantes; 1970 – População de 100.865 habitantes; 1980 – População de 212.984 habitantes;
1991 – População de 402.813 habitantes; 2000 – População de 483.346 habitantes; 2007 –
População de 526.830 habitantes; 2010 – População de 530.308 habitantes.164
Marcos Amaral Mendes, com base nos dados do IBGE até o ano 2000 (do Estado, como
um todo), aponta um elevado crescimento demográfico ocorrido após a década de 1950 (e
intensificado entre 1980 e 2000), em face não apenas ao crescimento natural da população,
mas particularmente em decorrência do grande fluxo migratório.
A análise dos números da tabela nos permite concluir que o estado de Mato Grosso
vem apresentando um elevado crescimento demográfico após a década de 1950.
Entre 1980 e 2000, quando o estado já havia sido dividido, a população evolui de
1.138.691 para 2.504.353, um aumento de cerca de 120%.165
Esse elevado crescimento populacional deve-se não somente ao crescimento
vegetativo, mas principalmente aos fluxos migratórios oriundos de outros estados,
principalmente da região sul e sudeste.
Esse fluxo migratório intenso verificado em Mato Grosso nas últimas décadas, foi
acompanhado pela expansão da fronteira agrícola, pela incorporação de terras à
produção primária e os projetos de colonização pública e privada que foram
responsáveis pela criação de novos municípios nesse período.166
(grifo nosso).
164
Fonte: IBGE. 165
Mesmo tendo, como apontado, perdido grande extensão de território, em face de sua última divisão, ocasião
em que foi criado o Estado do Mato Grosso do Sul. 166
MENDES, Marcos Amaral. História e Geografia de Mato Grosso, 2. ed., Cuiabá: ABDR, 2006, p. 164.
79
É claro que, todos esses fatores, contribuíram para o processo de urbanização, o qual se
caracteriza, entre outros elementos, pelo ritmo de crescimento da população, que é apresenta
uma maior concentração nas áreas urbanas, em relação à população rural.
Na década de 1940, o censo demográfico do IBGE mostrou que mais de 70% dos
mato-grossenses moravam nas zonas rurais. Quarenta anos depois, não éramos mais
um estado essencialmente agrário. O censo de 1980 revelaria que as cidades tinham
mais de 57% da população mato-grossense. Atualmente quase 80% da população
mora em áreas urbanas.
Uma particularidade chama a atenção no caso da urbanização ocorrida em Mato
Grosso: o setor industrial sempre teve uma participação muito diminuta na
economia estadual, o que nos permite concluir que o fator de atração das cidades
não residiu na oferta de empregos propiciada por esse setor produtivo. A
responsabilidade de sustentar o nível de emprego urbano formal no estado sempre
esteve ligado ao setor de serviços, particularmente ao comércio e à administração
pública. [...]
A urbanização em Mato Grosso, no entanto, ganhou impulso somente após a
década de 1970 com a expansão da fronteira agrícola e a instalação de projetos de
colonização e cidades com grandes propriedades rurais em seu entorno. O
povoamento de Mato Grosso, nesse período, efetua-se, portanto, num contexto
urbano, cumprindo um papel considerado fundamental na formação de um mercado
de trabalho, necessário aos empreendimentos capitalistas. Essa política resultou na
incorporação da região ao centro dominante do país.
Os colonos que não tiveram acesso a terra fixavam-se nas cidades. Esse processo
foi agravado com a expansão das grandes propriedades rurais, assim como a
mecanização agrícola. As máquinas substituíram grande parte da mão-de-obra
empregada na atividade agrícola, expulsando o trabalhador do campo em direção à
cidade.167
Mas, a cidade não estava preparada para receber todo esse contingente de pessoas vindas
do campo. E, os problemas surgiram, com o inchaço urbano, em especial os problemas sociais
e ambientais, revelando a falta de estrutura das cidades mato-grossenses, em especial da
Capital, Cuiabá.
O crescimento desordenado dos centros urbanos matogrossenses nas últimas
décadas vem gerando graves problemas sociais e ambientais. A qualidade de vida
desabou por causa da falta de investimentos na infra-estrutura de habitação, saúde,
transportes, saneamento e educação.
Os problemas são difíceis de resolver. Há um déficit estimado de 98.616 moradias
em todo o estado. Enquanto em Cuiabá e Rondonópolis a proporção de domicílios
atendidos por esgotamento sanitário é de 30%, em Várzea Grande168
apenas 11%
das residências dispõe do serviço. Essa situação facilita a incidência de doenças,
especialmente na população infantil e idosa.
A grande Cuiabá concentra a maior parte da população urbana, mas diversos
adensamentos de pequenas cidades caracterizam os outros espaços regionais,
estando os núcleos aglutinados em torno das principais cidades médias e com forte
dependência em relação às atividades do campo.169
(grifo nosso)
167
MENDES, Marcos Amaral. História e Geografia de Mato Grosso, 2. ed., Cuiabá: ABDR, 2006, p. 165-166. 168
Várzea Grande faz parte da região metropolitana de Cuiabá, sendo a segunda cidade do Estado. Já,
Rondonópolis, é a terceira cidade, estando localizada ao sul do Estado. 169
MENDES, Marcos Amaral. História e Geografia de Mato Grosso, 2. ed., Cuiabá: ABDR, 2006, p. 167.
80
Veja-se que a ocupação, no Estado de Mato Grosso se deu, na maior parte das vezes, de
modo desordenado, não o sendo diferente no Município de Cuiabá (o que explica, de certo
modo, algumas imperfeições na estrutura urbanística da cidade, o que se demonstrará nos
capítulos subseqüentes). Além disso, como demonstram os dados, o aumento populacional
ocorreu muito rapidamente, alcançando níveis maiores e mais expressivos que o nacional.
Ressalta-se que um dos fatores preponderantes para a necessidade de legislação específica foi
o resultado do êxodo rural ocorrido não apenas no país como um todo, mas também em
Cuiabá, objeto do estudo, levando à necessidade de estruturação da urbanização, na tentativa
de resolver os problemas causados pelo aumento exacerbado da população. Assim, tem-se a
criação do Estatuto da Cidade, bem como dos instrumentos para sua efetivação, destacando-se
o Plano Diretor das cidades, dando-se destaque, para este trabalho, ao Plano Diretor do
Município de Cuiabá.
1.2 FUNÇÃO SOCIAL
Nos tempos atuais é inconcebível a análise do direito urbanístico e, seus elementos e,
instrumentos sem considerar que seja imbuída ao urbanismo a função social, daí haver a
necessidade de que se analise, ainda que brevemente, os aspectos da função social inerentes
ao direito urbanístico, nessa seara inseridas as questões atinentes à função social da própria
cidade.
1.2.1 Resgate histórico
Apesar de aparentar ser uma novidade no mundo jurídico, ou pelo menos algo que
tenha surgido no século XX (ou no final do século XIX), na realidade a idéia de função social
é mais antiga, tendo sido, inclusive, objeto de análise dos filósofos gregos. Platão, na obra “A
República”, aponta que a cidade tem, por obrigação, tornar seus habitantes felizes. Ora, Platão
ao fazer tal assertiva já fazia pequenas incursões no instituto da função social, considerando a
necessidade de que a cidade tivesse uma função, um objetivo e, este era justamente tentar
atender às necessidades dos seus habitantes:
81
Diremos que não haveria nada de extraordinário no fato de os nossos guerreiros
serem felicíssimos assim, que, aliás, ao fundarmos a cidade, não tínhamos em vista
tornar uma única classe eminentemente feliz, mas, tanto quanto possível, toda a
cidade. De fato, pensávamos que só numa cidade assim encontraríamos a justiça e
na cidade pior constituída, a injustiça: examinando uma e outra, poderíamos
pronunciar-nos sobre o que procuramos há muito tempo. Agora julgamos modelar a
cidade feliz, não pondo à parte um pequeno número dos seus habitantes para torná-
los felizes, mas considerando-a como um todo; imediatamente depois
examinaremos a cidade oposta.
[...] e, quando a cidade se tiver desenvolvido e estiver bem organizada, deixaremos
que cada classe participe, de acordo com sua natureza, da felicidade.170
Apesar de que ora se apontou, somente se verifica uma discussão maior acerca do termo
“função social” no período medieval, primeiramente por meio dos estudos de Giovanni Pico,
Conde de Mirândola e de Concórdia, o qual escreveu, no ano de 1486 “um estudo sobre a
Dignidade do Homem”. Referido autor foi o primeiro a publicar obra sobre a Dignidade
Humana, na qual tratou, ainda que de modo transverso, sobre a função social. Frisa-se que se
associa, aqui, função social com dignidade humana porque se entende que ambos são
indissociáveis, sendo complemento um do outro, posto que a idéia de função social tem por
objetivo justamente contribuir para o bem comum da sociedade, passando, indiscutivelmente,
pelo indivíduo e, portanto, por sua dignidade.171
Consoante o pensamento deste autor, “a
temática da dignidade envolve três níveis de inteligibilidade: a razão, a liberdade humana e o
ser.”
Pedro Calmon também faz um retrospecto histórico, lembrando que os atenienses (na
época da Grécia antiga), apesar de ignorarem o indivíduo, dando total poder à Assembléia do
Povo; reservavam certa distinção para os experientes, anciãos dignos e respeitados. Não foi
diferente em Roma, onde, apesar de ainda não perfilhar a humanidade, reconhecia a
“romanidade”, que seria uma espécie de situação de privilégio (onde havia uma separação
entre os indivíduos do clã – o indivíduo superior); que não deixava de ser uma forma de
humanização.
170
PLATÃO. A República, trad. Ana Paula Pessoa, São Paulo: Sapienza Editora, 2005, p. 133/135. 171
“O sentido da expressão função social deve corresponder à consideração da pessoa humana não somente uti
singulus ou uti civis, mas também uti socius. Nesse contexto, a doutrina da função social emerge como uma
matriz filosófica apta a restringir individualismo, presente nos principais institutos jurídicos, face os ditames do
interesse coletivo, a fim de conceder igualdade material aos sujeitos de direito.Trata-se de uma “transição do
individualismo para a sociabilidade.” (grifo do autor). (GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; ANDRIOTTI,
Caroline Dias. Breves Notas Históricas da Função Social no Direito Civil, in , Guilherme Calmon Nogueira da
(coord.). Função Social no Direito Civil, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 3).
82
O Cristianismo, por seu turno, substitui o termo romanidade pelo conceito de
humanidade, aperfeiçoando, teologicamente, o “sentido humanista da convivência na
sociedade em que a hierarquia e a virtude se ajustavam para organizar o Estado.”172
Portanto,
somente com o Cristianismo, que o conceito de pessoa, enquanto categoria espiritual, ou seja,
que possui valor em si mesma, como ser de fins absolutos e, conseqüentemente, possuidor de
direitos subjetivos ou fundamentais, possuindo, assim, dignidade, é ressaltado, como
primórdio do que hoje se conhece; já que os povos antigos não possuíam o conceito de
pessoa, como é concebido atualmente.173
Para São Tomás de Aquino, a dignidade humana guarda enorme relação com sua
concepção de pessoa, sendo que esta nada mais é do que uma qualidade inerente a todo e
qualquer ser humano e o elemento que difere o ser humano das demais criaturas é a
racionalidade, já que pela racionalidade o ser humano é livre e responsável pelos seus atos174
,
podendo, portanto, fazer suas escolhas. É claro que nesta fase, o homem era visto tão somente
em função do divino; de Deus, por ter sido criado à Sua imagem e semelhança.
Concomitantemente à doutrina cristã, outros movimentos auxiliaram na construção e
desenvolvimento dos direitos individuais, decorrendo em um processo evolutivo da própria
dignidade da pessoa humana. Destaca-se a Magna Carta e as Constituições de Frederico II de
Svevia. Importante, todavia, ressaltar que à época da assinatura da Magna Carta, em 1215, por
João Sem Terra, a idéia de liberdade era muito diferente da que é concebida atualmente, já
que liberdade então era sinônimo de privilégios. Os barões buscavam privilégios, quando
obrigaram o rei a assinar a Magna Carta, e não a igualdade entre todos os seres, o que
resultaria na dignidade plena de todos. Assim, o soberano concedeu direitos em troca de
reforço no poder real. Aqui se verifica, também, a necessidade de funcionalizar a propriedade
urbana, ainda que ligada à poucos, posto ser a propriedade destinada, normalmente, aos
nobres e ao clero.
Em momento posterior, já na fase do jusnaturalismo, dos séculos XVII e XVIII,
procurou-se determinar o conceito de dignidade da pessoa humana, tendo como ponto de
172
CALMON, Pedro. Curso de Teoria Geral do Estado. 5. ed., rev., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958, p. 257-
258. 173
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso
Bastos, 1999, p. 19. 174
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana: Princípio Constitucional
fundamental, 1. ed., 4. tir., Curitiba: Juruá, 2006, p. 24.
83
partida a visão liberal do Estado (calcado em uma liberdade plena), tendo o ser humano como
um fim em si mesmo, logo, como ponto de partida e de chegada, demonstrando uma visão
individualista.
Além da Magna Carta, acima apontada, outros instrumentos demonstraram-se de
grande valia para a construção das Constituições modernas, por terem contribuído, de forma
contundente, para a evolução e aprimoramento das liberdades públicas, como a Peticion of
Rights (1628), o Habeas Corpus Act (1679) e o Bill of Rights (1689), já que a primeira, a
Magna Carta, inaugurou a proteção da liberdade pessoal e a segurança da pessoa e de seus
bens (assegurando o direito de propriedade), sendo o devido processo legal a garantia de tais
direitos fundamentais. Já com o due process of law, houve o estabelecimento de regras
disciplinadoras para a privação da liberdade e da própria propriedade.175
É claro que os
Estatutos apontados não são, apesar da grande contribuição, declarações de direito no sentido
moderno, conceitos estes que só irão surgir com a Revolução Francesa e a Americana, ambas
ocorridas no século XVIII.
Para Guilherme Calmon Nogueira da Gama e, Caroline Dias Andriotti:
A função social, embora sem o substrato de doutrina ou teoria, como conhecida
atualmente, teve seus primeiros contornos delineados em tradicionais concepções
filosófico-teológicas, como o Cristianismo e o Jusnaturalismo.
Por intermédio de seus pronunciamentos, a Igreja Católica reconhecia uma índole
social da propriedade privada, cujo fundamento residia na afetação dos bens a uma
finalidade produtiva.
Observa-se, por exemplo, na doutrina cristã de São Tomás de Aquino (Suma
Teológica), a afirmação de que os bens disponíveis na terra pertencem a todos,
sendo destinados apenas provisoriamente à apreensão individual. Não se cogitava
de um viés especulativo, vez que a propriedade era tida como um bem de produção
e não como um bem inserido na riqueza de alguém. A utilização da propriedade
deveria ter ‘uma preocupação como bem estar comum, de modo a conduzir o seu
uso às melhores formas de justiça social.’176
(grifo do autor).
Importante lembrar, a Encíclica Papal Rerum Novarum, onde se prega a necessidade de
interferência do Estado nas relações sociais e econômicas, para a garantia do bem comum,
além dos direitos essenciais à pessoa humana, já que apontava que o proprietário que tenha
175
ZISMAN, Célia Rosenthal. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: Estudos de Direito
Constitucional. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.57. 176
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; ANDRIOTTI, Caroline Dias. Breves Notas Históricas da Função
Social no Direito Civil, in Guilherme Calmon Nogueira da (coord.). Função Social no Direito Civil, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2008, p. 5.
84
recebido bens em abundância não deve ser considerado como possuidor absoluto, mas como
simples administrador da Providência Divina, a qual lhe assegurou bens para o seu próprio
proveito aqui na Terra, mas também para assegurar o benefício das demais pessoas.
A Encíclica, editada pelo Papa Leão XIII, pregava o caráter natural do direito de
propriedade, sem, todavia, negar a necessidade do cumprimento de sua função social. Em
decorrência do grande poder político da Igreja, as ideias apresentadas foram melhor aceitas
pela sociedade e, pelo Estado, gerando, assim, inúmeras reformas, além de ter sido mola
propulsora nas diretrizes dos diversos ordenamentos jurídicos posteriores.
Além disso, essa concepção tomista na doutrina cristã de São Tomás de Aquino resultou
nas encíclicas papais, não apenas a Rerum Novarum, mas também, nas Quadragésimo Anno,
La Solemita e Oggi, Mater et Magistra e, Populorum Progressio:
Com base nessa concepção tomista surgiram as encíclicas papais: 1. Rerum
Novarum – do Papa Leão XIII [...] 2. Quadragésimo Anno – do Papa Pio XI, que
reconhecia a necessidade de se harmonizar a intervenção de forma que esta faça
valer a função social; 3. La Solemita e Oggi – do Papa Pio XII -, que reconheciam a
propriedade privada como fundamental para que se pudesse obter justiça social [...]
4. Mater et Magistra – do Papa João XXIII-, que reconhecia que a propriedade
privada tem, naturalmente intrínseca, uma função social, de tal forma que quem
desfruta de tais direitos deve exercitá-los em benefício próprio e para utilidade de
todos os demais, havendo uma espécie de hipoteca social que incidiria sobre toda
propriedade; 5.Populorum Progressio – do Papa Paulo VI , que se manifestou
contra o fato de aqueles que possuam a mais conservem para si os excessos, em
detrimento dos que nada possuem.
Posteriormente, a concepção jusnaturalista, com base na equidade e na justiça
supralegislativa, colocou em destaque a necessidade de utilização da propriedade
como instrumento da realização da justiça divina.177
Santo Agostinho redefiniu as ideias de Platão, adequando-as aos pensamentos de Deus,
pois, para ele, tudo deveria submeter-se a um poder mais alto, não podendo ser diferente com
o próprio Estado, que deveria, também, se curvar às leis de Deus. Esse reflexo ocasionou uma
procura, ainda que tímida, pela dignidade da pessoa humana, posto ser o homem, filho de
Deus, criado à semelhança d’Ele, motivo pelo qual, deveria se resguardar a dignidade do
homem.
177
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; ANDRIOTTI, Caroline Dias. Breves Notas Históricas da Função
Social no Direito Civil, in Guilherme Calmon Nogueira da (coord.). Função Social no Direito Civil, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2008, p. 6.
85
Ainda Santo Agostinho, em uma de suas obras, afirmou que Deus fez o homem senhor
dos animais, mas não senhor de outros homens, não lhe dando poderes sobre as almas
humanas. Assim, pode-se concluir que a autoridade política não pode jamais ser absoluta,
estando sempre subordinada às leis da Justiça. E, essas leis são sempre invioláveis e
irrevogáveis, pois exprimem a vontade do legislador supremo (Deus). No pensamento
medieval nem mesmo os reis estavam isentos de se submeter a essa lei, sendo que o princípio
divino dos reis estava sempre submetido a certas limitações fundamentais.178
E, um dos
limites que se destaca é a própria dignidade da pessoa humana, já que o pensamento da Igreja
estava voltado, de alguma forma, para o ser humano, por este ser filho de Deus, possuindo,
portanto, uma parcela do divino e, o divino deveria sempre prevalecer sobre o mundano;
sobre o mundo terreno. Assim, a Igreja impedia que atrocidades fossem cometidas pelos
soberanos contra os homens comuns, limitando, assim, a própria soberania. De certo modo, já
havia a necessidade da funcionalização, inclusive da propriedade, a qual também deveria
seguir sua função social, visando o bem comum (que, claro, ainda era visto de modo muito
incipiente).
Para Jean-Jacques Rousseau se faz necessário observar que a deliberação pública, que
pode obrigar todos os súditos em relação ao soberano, por conta de dois diferentes prismas
sob os quais cada qual é encarado (como membro do soberano em relação aos particulares e
como membro do Estado em relação ao soberano), não pode, por outra via, obrigar o soberano
em relação a si mesmo e, conseqüentemente, é contrário à natureza do corpo político que o
soberano se imponha uma lei que não pode infringir. E, continua, afirmando que, não há como
considerar, senão sob um único e mesmo aspecto a questão de um particular que contrata
consigo mesmo, de onde se depreende que não existe e, tampouco pode existir nenhuma
espécie de lei fundamental obrigatória para o corpo do povo, nem mesmo o contrato social (o
que não quer dizer que o referido corpo não possa se comprometer com outrem, como é o
caso do estrangeiro, que é apenas um indivíduo).179
Além disso, na seqüência, Jean-Jacques
Rousseau salienta:
Se o Estado ou a Cidade não é senão uma pessoa moral, cuja vida consiste na união
de seus membros, e se o mais importante de seus cuidados é o da sua própria
conservação, necessita de uma força universal e compulsiva para mover e dispor de
178
CASSIRER, Ernst. El mito del Estado. Coleción popular 90, trad.: Eduardo Nicol, 2. ed., Mexico: Fondo de
Cultura Económica, 1968, p. 125. 179
ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social: Princípios do Direito político. Trad.: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 34.
86
cada parte, de maneira mais conveniente a todos. Assim como a natureza dá a cada
homem um poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo
político um poder absoluto sobre todos os seus, e é este o mesmo poder que,
dirigido pela vontade geral, traz, como já disse, o nome de soberania.180
Em 1776 os Estados Unidos da América do Norte proclamaram a Independência e, em
1789 veio a Revolução Francesa, com a vitória da classe burguesa. Esses eventos (além, claro,
da Revolução Industrial, na Inglaterra), repeliram o modelo feudal de propriedade.
Contudo, embora justificada pela tentativa de se rechaçar de maneira incisiva o
modelo feudal da propriedade, a Revolução Francesa aniquilou todas essas
concepções filosófico-cristãs. Com foco no ideário de liberdade social e política, a
propriedade passa a ser configurada de modo absoluto, irrestrito e incondicional e,
para garantir esse modelo, a burguesia passa a limitar os poderes dos juízes através
da lei, admitida apenas interpretação literal dos comandos legais
A defesa teórica da propriedade burguesa com o viés absolutista foi concluído por
John Locke sob o fundamento de que a origem da propriedade era o trabalho
humano e que o excedente somente não pertencia ao proprietário se estivesse em
risco de se deteriorar. 181
Já, no século XX, um dos grandes pensadores e idealizadores da função social foi Leon
Duguit182
, o qual combatia a concepção da propriedade como um direito absoluto. Defendia a
questão da propriedade privada como um dever e não como direito subjetivo, sendo que todo
o indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade, certa função, em decorrência do lugar
que nela ocupa. Entendia que todo indivíduo tem na sociedade uma função a desempenhar,
uma tarefa a executar. Não pode deixar de cumprir esta função, de executar esta tarefa, porque
da sua abstenção resultaria numa desordem, e quando menos, prejuízo social. Por outro lado,
todos os atos que se realizam contrários à função que lhe incumbe serão socialmente
reprimidos.
Com o advento das duas guerras mundiais, há uma modificação no pensamento, sendo
que dois instrumentos normativos fazem a diferença, sendo elas a Constituição Mexicana de
1917 e, a de Weimar, de 1919, que serão melhor analisadas posteriormente.
Atualmente, a função social encontra-se permeada nos institutos jurídicos brasileiros,
motivo pelo qual se faz necessário uma análise, ainda que sucinta, das Leis Máximas deste
180
Idem, p. 35 181
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; ANDRIOTTI, Caroline Dias. Breves Notas Históricas da Função
Social no Direito Civil, in , Guilherme Calmon Nogueira da (coord.). Função Social no Direito Civil, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2008, p. 6. 182
DUGUIT, Leon. Las Transformaciones Del Derecho (Publico Y Privado), Buenos Aires: Editorial Heliasta
S.R.L., páginas diversas.
87
país.
1.2.2 As Constituições brasileiras e a função social
A primeira Carta Magna do Brasil, de 1824 previa o direito de propriedade em toda sua
plenitude, não se preocupando em regrar as demais instituições econômicas, a exemplo de
outras Constituições daquele século. Veja-se que a ênfase, aqui, é a garantia da propriedade
plena (resguardando-se a liberdade sem limites), em face do caráter liberal, impregnado no
referido Texto Constitucional, que refletia o modelo econômico vivido à época.
Apesar de liberal, a Carta Imperial já aportava dispositivos intervencionistas, como bem
destaca Alberto Venancio Filho:
Do ponto de vista da intervenção do Estado no domínio econômico, o panorama do
Império revela sempre a ênfase nos problemas das tarifas alfandegárias, que eram,
na verdade, os que tinham influência no incipiente sistema econômico da época, e
os quais, em tôdas (sic) as situações históricas, têm sempre a primazia como
primeira atividade onde o Estado intervém no domínio econômico.183
Ou seja, não obstante seu aspecto visivelmente liberal, a Carta Política de 1824 não
deixa de se preocupar, ainda que de forma acanhada, com a intervenção na Economia, com
fins de resguardar, naquele momento, o problema das tarifas alfandegárias.
Já, a primeira Carta da República, de 1891, garantia a inviolabilidade dos direitos civis e
políticos dos cidadãos, e estendia esses direitos ao de propriedade. Aqui também a
propriedade individual é vista como um princípio absoluto, o qual não deve sofrer limitações
por parte do Estado, o que anteriormente já fora apontado.
A Constituição de 1934, por sua vez e com um pequeno avanço, limitou o direito de
propriedade, pois deveria cumprir sua finalidade social, embora sem prejudicar o direito
subjetivo de seu titular. Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Felipe Germano Cacicedo
Cidad apontam que o termo “função social”, no modo utilizado tanto pela Constituição de
183
VENANCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico: O Direito público
econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968, p. 25.
88
1934, quanto pela Constituição de 1988, floresceu no vocabulário jurídico no país, em
decorrência da influência de movimentos políticos da Europa. Verificou, ainda, o
estabelecimento efetivo de uma intervenção estatal, sendo que para esses autores,
A intervenção estatal, desse modo seria o método ideal para controlar essas
ingerências no exercício dos direitos da esfera privada, notoriamente nos relativos à
propriedade. Em outras palavras, o bem jurídico deveria ostentar, doravante, uma
função que respeitasse os interesses da comunidade; deveria apresentar uma função
social .184
(grifo do autor).
A Constituição de 1934 foi inspirada nas Constituições Mexicana, de 1917 e, Alemã (a
Constituição de Weimar), de 1919, das quais recebeu grande influência, especialmente no
tocante aos direitos sociais e, econômicos. Mas, a questão relativa à necessidade social tem
raízes mais antigas, tendo sido discutida ainda nos idos do século XI, “[...] pelas obras de
socialistas e anarquistas na Europa industrializada.”185
A referida legislação foi considerada a precursora186
na introdução da defesa dos direitos
sociais, visando desta forma a garantia dos direitos coletivos, sendo que, assim, “a
constituição de 1934 pode ser considerada um marco a respeito de noção da função social.
Pela primeira vez na história das constituições brasileiras, [...] consignou que a propriedade
não poderia ser exercida contra o interesse social ou coletivo.” 187
Já, com a Carta de 1937, o termo função social, foi silenciado, diferentemente das
Constituições de 1934 e 1946:
184
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; CIDAD, Felipe Germano Cacicedo. Função Social no Direito
Privado e Constituição, in Guilherme Calmon Nogueira da (coord.). Função Social no Direito Civil, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2008, p. 19. 185
Idem, p. 20-21. Ainda no mesmo artigo, os autores apontam: [...] a Carta de 1934 traria consigo enorme gama
de experiências, cabais para a formação do conteúdo da função no Direito privado: o corporativismo fascista, as
prescrições sociais das Constituições mexicana, de 1917, e russa, de 1918, e o sistema econômico implantado em
Weimar. A expressão objeto de estudo aparece nas Cartas de 34, 46, 67, 69 e 88, no curso do século XX. A
constituição de 1937 concede vênia a esse tratamento, porém o mesmo é feito de maneira esparsa e de forma
notoriamente assistemática. No que tange à desapropriação estatal, naturalmente associada à função social da
propriedade, é disciplinada em todos os diplomas, sem exceção. [...] A função social da propriedade em 1934,
por exemplo, não é a mesma daquela que hoje se concebe, e certamente será alterada no futuro. (p. 22-23) 186
“[...] a Carta de 1934, pela primeira vez na história do Brasil, declarou que o direito de propriedade não
poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo, mas condicionou a eficácia destes dizeres à elaboração
de lei complementar regulamentadora, a qual jamais seria editada. Não há dúvidas, entretanto, que tal previsão
constitucional foi o embrião da necessidade de se mitigar, suavizar, enfim, flexibilizar o conceito e a aplicação e
exercício do direito de propriedade, até então bastante impregnado pelas concepções eminentemente privadas.”
(BONIZZATO, Luigi. A Constituição Urbanística e Elementos para a Elaboração de uma Teoria do Direito
Constitucional Urbanístico, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 164). 187
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; ANDRIOTTI, Caroline Dias. Breves Notas Históricas da Função
Social no Direito Civil, in, Guilherme Calmon Nogueira da (coord.). Função Social no Direito Civil, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2008, p. 13.
89
No Brasil, embora as Constituições de 1934 e 1946 tenham trazido os primeiros
contornos da doutrina da função social (a Constituição de 1937 silenciou a esse
respeito), foi com a Constituição de 1969 que a função social foi consagrada de
forma mais ampla, como condicionante de toda ordem econômica e social.188
Houve um retrocesso no âmbito social quando da promulgação da Constituição Federal
de 1937, uma vez que trazia apenas uma exceção para a possibilidade de desapropriação, e
efetivação do direito de propriedade, por motivo de utilidade púbica ou de interesse social e
ainda com prévia indenização189
. Da mesma forma, a Constituição Federal de 1946 manteve
essa possibilidade, mas acrescentou a exigência de proceder ao pagamento de indenização
prévia.
A Constituição de 1937 em tudo difere das anteriores – e também nenhuma das
posteriores vai seguir exatamente as suas pegadas. [...] Diferente da tradição
constitucional ocidental, o texto começa com um longo preâmbulo de cinco
parágrafos. É como uma declaração de direitos às avessas, um grande salto para trás
na defesa das liberdades e da democracia. [...] O autoritarismo marca os 187 artigos
[...] O culto do poder central alcança até os símbolos nacionais [...] Foram proibidos
as bandeiras e hinos estaduais. [...] E durante oito anos os símbolos estaduais foram
proibidos.190
De outro modo, a Constituição Federal de 1967, enfim, já contemplou o Princípio da
Função Social da Propriedade como fator de grande importância, trazendo no seu artigo 157,
a primeira afirmação de que a ordem econômica destina-se à realização da justiça social. “Art.
157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes
princípios: [...] III – função social da propriedade.”191
Já, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, apesar de considerada
como uma nova Carta manteve a idéia de unidade, apesar das modificações na forma de
governo e de Estado, pelos quais estava passando o país.
188
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; ANDRIOTTI, Caroline Dias. Breves Notas Históricas da Função
Social no Direito Civil, in, Guilherme Calmon Nogueira da (coord.). Função Social no Direito Civil, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2008, p. 14. 189
“A Constituição brasileira de 1937, criada para reger as relações jurídicas nacionais na vigência do Estado
Novo, apesar de consignar o caráter relativo do direito de propriedade, não mantém as disposições presentes na
Carta Magna anterior, não proibindo ou vedando, destarte e de forma expressa, que o exercício do direito sob
foco fosse contrário aos interesses sociais e coletivos. Isto era o que dispunha o artigo 122, n. 14, do Texo
Magno de 1937.” (BONIZZATO, Luigi. A Constituição Urbanística e Elementos para a Elaboração de uma
Teoria do Direito Constitucional Urbanístico, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 164). 190
VILLA, Marco Antonio. A História das Constituições Brasileiras: 200 anos de luta contra o arbítrio, São
Paulo: Leya, 2011, p. 67-68. 191
BRASIL, Constituição da República Federativa, 1967.
90
Tal como vinha ocorrendo desde 1934, o legislador da Emenda Constitucional nº 1, de
17.10.1969, fez inserir em seu texto um título sob a denominação “Da ordem econômica e
social”, relativo ao modo pelo qual o Estado deveria intervir na economia e à posição do
indivíduo em diversas dimensões sociais de relevo, inclusive no que diz respeito às relações
entre o capital e o trabalho.
É claro que, em face da ditadura militar, que vinha ocorrendo nesse período, os
princípios esculpidos naquela Carta Magna não foram efetivamente aplicados, mas, naquele
momento os princípios, tanto do desenvolvimento nacional, quanto da justiça social deixaram
de ser meramente informadores, para ser finalidade precípua da própria ordem econômica e
social. Além disso, “a Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969, adotou o princípio da
subsidiariedade em relação a autorização da intervenção estatal na economia, ou seja, admitiu
ela que a intervenção estatal deveria ser efetuado de modo subsidiário.”192
(grifo do autor).
Importante apontar ainda que:
A “função social”, como utilizada nas Cartas Constitucionais de 1934 e 1988,
floresceu no vocabulário jurídico brasileiro como uma insólita influência de
movimentos políticos europeus. [...]
A idéia fundamental da função social começava a ser tratada já em meados do
século XIX pelas obras de socialistas e anarquistas na Europa industrializada.
Todavia, nesse conceito tomaria fulcro constitucional apenas em 1917, no México.
[...]
Essa regulação aparecerá somente dois anos mais tarde, em solo europeu, por
conseqüência do desencanto da belle époque provocada pelo fim da Primeira
Guerra. Na devastada Alemanha [...]
Dessa maneira a Constituição de Weir moldou propriamente a Ordem Econômica
da nação, quando dispunha sobre regras específicas do controle da circulação de
riquezas, mormente em seus art. 151 e seguintes. Especial atenção deve ser
concedida ao disposto no art. 153, quando é enunciado a fórmula Eigentum
verpflitet (a propriedade obriga). A partir desse verbete, a noção de obrigação surge
conjugada ao exercício do direito que, tradicionalmente, era visto apenas como
detentor de privilégios ao seu titular.
[...] a Carta de 1934 traria consigo enorme gama de experiências, cabais para a
formação do conteúdo da função no Direito privado: o corporativismo fascista, as
prescrições sociais das Constituições mexicana, de 1917, e russa, de 1918, e o
sistema econômico implantado em Weimar.
A expressão objeto de estudo aparece nas Cartas de 34, 46, 67, 69 e 88, no curso do
século XX. A constituição de 1937conede vênia a esse tratamento, porém o mesmo
é feito de maneira esparsa e de forma notoriamente assistemática. No que tange à
desapropriação estatal, naturalmente associada à função social da propriedade, é
disciplinada em todos os diplomas, sem exceção. [...]
192
SILVA, Américo Luís Martins. A Ordem Constitucional Econômica. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p.42.
91
A função social da propriedade em 1934, por exemplo, não é a mesma daquela que
hoje se concebe, e certamente será alterada no futuro. (grifo do autor).193
As Constituições aqui retratadas demonstram a evolução da função social no Brasil,
sendo que todas elas contribuíram para a promulgação da Constituição de 1988, já que
auxiliaram na construção da atual ordem jurídica, nos moldes hoje retratados.
1.2.3 A atual conjuntura da Constituição de 1988
A Constituição Federal de 1988 inovou, reconhecendo pela primeira vez uma postura
efetivamente social (ressalta-se que não se ignora o que as Constituições anteriores já
previam, como anteriormente retratado) no que concerne ao uso da propriedade, quando no
seu artigo 5º, com o título “Direitos e Garantias Fundamentais”, contemplou a garantia do
direito de propriedade se atendida sua função social. 194
Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
[...]
XXIII- a propriedade atenderá a sua função social. 195
A Constituição Federal garante o direito subjetivo do proprietário sob o imóvel, no
entanto, condiciona esta garantia, apenas na hipótese dela (propriedade) cumprir uma função
social. Enfim, o proprietário tem o dever de empregar a propriedade numa destinação social.
Desse modo, o que era um direito absoluto sobre a propriedade passou a ser um dever, ao
passo que predomina a finalidade social sobre o interesse individual.
A Constituição brasileira atual enuncia, no art. 3º, os objetivos fundamentais da
República dentre o quais está a construção de uma sociedade solidária (inciso I). A
solidariedade, ou socialidade, é um dos princípios basilares do Estado, e deve ser
entendida, em primeira colocação, como um elemento essencial de interpretação, na
forma de interpretação conforme a Constituição, irradiada pelo princípio maior da
democracia social e econômica.196
(grifo do autor).
193
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; CIDAD, Felipe Germano Cacicedo. Função Social no Direito
Privado e Constituição, in, Guilherme Calmon Nogueira da (coord.). Função Social no Direito Civil, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2008, p. 20/23. 194
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda I de 1969,
2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972. 195
BRASIL. Constituição da República Federativa, 1988. 196
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; CIDAD, Felipe Germano Cacicedo. Função Social no Direito
Privado e Constituição, in Guilherme Calmon Nogueira da (coord.). Função Social no Direito Civil, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2008, p. 23-24.
92
Sobre a função social da propriedade, bem salienta José Afonso da Silva:
[...] como um princípio informador da Constituição econômica brasileira com o fim
de assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social (artigo
170, II e III), a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às
limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, princípio
também da ordem econômica, e portanto, sujeita, só por si, ao cumprimento daquele
fim. 197
O entendimento do autor sobre o tema se concretiza a partir do conceito de propriedade,
anteriormente sem limites ou regras, passando, agora, a ser interpretada de forma ampla e
abrangente que se consubstancia em direito, destinado a um dever; o de cumprir sua função
social.
É impossível que se viva em sociedade a partir de interesses individualistas que se
sobreponham às necessidades da coletividade, portanto, da mesma forma a propriedade
cumpre sua função social quando almeja o alcance de todos com o intuito de construir uma
sociedade mais justa, equilibrada, sem pobreza e desigualdade.
A mudança de concepção do direito de propriedade deve-se ao fato da inovação do
princípio da função social, impondo-lhe novo conceito e amparado pelas normas
disciplinadoras da Constituição Federal.
A Constituição da República de 1988 tem foco no social, resguardando o ser humano,
tendo como um de seus fundamentos justamente a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III),
primando, para tanto, pelo trabalho, visando garantir a subsistência (garantindo emprego), de
forma digna (garantia de um mínimo para a sua sobrevivência digna – como se encontra em
vários artigos da Constituição Federal – como a garantia de saúde, habitação, lazer, educação
etc. Além disso, prevê a garantia à justiça social, defesa do consumidor, meio ambiente
(protegendo as gerações presentes e futuras), redução das desigualdades regionais e sociais e,
limitando o direito à propriedade, exigindo que a mesma cumpra sua função social, como se
verifica em todo o Texto Constitucional.198
197
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1.994, p.98. 198
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; Art. 170. A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] III - função
social da propriedade; Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de
93
A Constituição da República, apesar de resguardar a propriedade impõe limites, estes trazidos
na própria Constituição, não permitindo que esta prejudique princípios e valores estabelecidos
na ordem jurídica brasileira, em especial, na própria Constituição, e, a função social é
justamente o limite principal, já que serve de balizador para a propriedade privada. Assim,
todos devem utilizar a propriedade de forma que esta cumpra o seu papel social. Além disso, a
função social serve, do mesmo modo, como marco demarcatório, para diversos outros
institutos jurídicos, como os contratos, as empresas, o Estatuto da Cidade e, a própria cidade,
que deve ter por objetivo; por finalidade, o bem comum de todos os seus habitantes,
interferindo, assim, na formação das cidades e de sua estruturação.
Dessa maneira, pode-se apontar que a propriedade privada, encontra-se
constitucionalizada desde a Carta de 1824, mantendo-se no Texto Constitucional até hoje. É
claro que há diferenças consideráveis entre a Carta Imperial e a Constituição atual, no tocante
ao instituto em questão, em decorrência do acentuado caráter liberal daquele primeiro Texto,
o que se verifica, também, na Constituição de 1891. Nos primeiros Textos, portanto, a
garantia da propriedade privada era praticamente absoluta, perdendo esse caráter quase
incondicional com a evolução, restando, com a Constituição Federal de 1988 limitada pelos
princípios ali estabelecidos, com a necessidade de se reconhecer a função social.
Aliás, como bem assinado por Regis Fernandes de Oliveira:
atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou
a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. I -sua função social e formas de fiscalização pelo
Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998); Art. 182. A política de
desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem
por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes. [...] § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais
de ordenação da cidade expressas no plano diretor; Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social,
para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa
indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até
vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei; Art. 185. São
insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:[...]Parágrafo único. A lei garantirá tratamento
especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função
social; Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:” (grifo nosso). (BRASIL,
Constituição da República Federativa do, 1988).
94
O constituinte de 1934 não havia previsto expressamente a desapropriação por
interesse social. Deixava implícita, no entanto, esta possibilidade, ao estipular que o
direito de propriedade não poderia ir de encontro ao interesse social ou coletivo. A
Constituição de 1946 ousou ostentar expressamente a desapropriação por motivo
social, assim como a Carta de 1967.
Assim, a ambigüidade da locução interesse social e o conservadorismo do
legislador ordinário tornavam o ponto nodal da justiça social, no que toca ao
assentamento urbano, absolutamente desprovido de utilidade prática, como um fim
remoto a ser perseguido.
Na Constituição atual, também, mesmo em face do maior detalhamento, não se
acredita possível a efetiva implantação da reforma urbanística.199
Da mesma forma, assinala Juliana Wernek de Camargo, ao apontar que desde a
Constituição de 1934, a função social é objeto de disposição Constitucional, de modo direto,
ou, indireto, mas foi somente na Constituição atual que a função social conseguiu conquistar
espaço e, corpo, no ordenamento jurídico brasileiro.
De fato, a função social do direito de propriedade aparece na Carta Magna como
indicação para garantia do direito de propriedade (art. 5º, inc. XXIII c/c XII) e
como princípio da Ordem Econômica (art. 170, inc. III), além de construir “a pedra
de toque” do direito de propriedade imobiliária urbana no contexto da ordenação da
cidade (art. 182, §2º e §4º conforme a política urbana prescrita.
Note-se que a propriedade privada permanece garantida pela Constituição da
República, constituindo, ao lado da função social, princípio da Ordem Econômica a
ser observado tanto pelo Poder Público como pelo cidadão para o cometimento da
justiça social [...]200
(grifo do autor).
Referido instituto está assegurado no Art. 5º da Constituição Federal, incisos XXII e
XXIII (além de ter sido disciplinado em vários outros artigos dentro do Texto Constitucional,
como os artigos 182 e 183, que tratam da política de desenvolvimento), no capítulo dos
direitos individuais. Encontrando, também, previsão no rol dos princípios da atividade
econômica; no Art. 170.
Apesar de sua previsão Constitucional, a propriedade privada não deve mais ser
considerada um valor absoluto, posto que subordinado a outros valores, como a necessidade
de cumprimento de sua função social, para que se cumpra a finalidade de assegurar a todos
existência digna, em conformidade com os ditames da justiça social. Como bem acentua
André Ramos Tavares, é imprescindível que haja um ajuste entre os preceitos constitucionais,
sendo que, portanto, a propriedade privada não pode mais ser ponderada em seu caráter
199
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade, 2. ed., rev., atual., ampl., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 7-8. 200
CAMARGO, Juliana Wernek de. O IPTU como Instrumento de Atuação Urbanística, Belo Horizonte:
Fórum, 2008, p. 27-28.
95
puramente individualista (como era no modelo liberal), já que a propriedade está inserida na
ordem econômica que tem como fim primordial garantir à todos uma vida digna. 201
Assim, a propriedade deve cumprir sua função social, sob pena de desapropriação, ou
até mesmo de sofrer outra restrição urbanística, sendo que a propriedade privada se encontra
limitada pelos princípios que regem a ordem econômica, em especial pelos princípios da
função e da justiça social, objetivando-se alcançar, com isso, uma vida digna para todos os
indivíduos. A Constituição garante a propriedade, contudo a erige nos moldes da função
social.
O Texto Constitucional estabelece nos artigos 182, § 2º e, 186 os requisitos a serem
preenchidos para que se atinja a finalidade da função social, porque não é tarefa fácil definir
quando se tem o cumprimento da função social, pela propriedade. Assim, a propriedade
urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade, apontadas no Plano Diretor, que deve ter por meta garantir o bem estar de seus
habitantes. Desse modo, a CF deixou para o legislador municipal a responsabilidade em
definir os critérios para cumprimento da função social, devendo fazê-lo no Plano Diretor.
Já quanto à propriedade rural, a Constituição trouxe uma gama muito maior de
elementos a serem observados (esmiuçando, portanto, de modo mais detalhado o que deveria
ser cumprido, diferente da propriedade urbana, em que a Lei Máxima deixou para o Plano
Diretor estabelecer os critérios), ressaltando-se que os requisitos devem ser cumpridos de
forma simultânea. São, portanto, requisitos para o cumprimento da função social, trazidos
pela Constituição da República: a) um aproveitamento racional e adequado da propriedade; b)
assegurar a preservação do meio ambiente, utilizando-se coerentemente os recursos naturais
disponíveis; c) observar as disposições que regulam as relações de trabalho; d) favorecer o
bem estar dos proprietários e de seus trabalhadores (cujo resultado é uma vida digna para
todos). Ou seja, observar todo o ordenamento jurídico brasileiro, em especial, os ditames
previstos na Constituição Federal, tendo como balizador os princípios que regem todo o Texto
Constitucional.
201
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., rev., ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, p.
476.
96
Importante acrescentar que:
[...] a função social é uma atividade do proprietário do bem, que se expressa no
dever de exercitar o seu direito segundo uma diretriz ou finalidade social a ser
perseguida em benefícios de outrem, isto é, da coletividade. [...]
Com efeito, as limitações urbanísticas, como as administrativas, têm origem no
poder de polícia e são da competência simultânea da União, dos Estados e dos
Municípios.
De fato, como visto, diretrizes de cunho político e valores sociais foram erigidos a
normas principiológicas que, por estarem inseridas na Carta Magna, devem ser
observadas pelo legislador infraconstitucional. Nota-se que a função social, assim,
se configura como instrumento que fornece ao Poder Público uma gama de
possibilidades para uma atuação cogente e neutralizadora dos problemas
decorrentes do fenômeno da urbanização desordenada.
Assim é que, a partir do reconhecimento da função social como princípio
conformador, ou vetor do direito de propriedade, a Constituição deu nova disciplina
jurídica a esse direito, em especial aquele da propriedade imobiliária urbana.202
(grifo do autor).
Para José Afonso da Silva, a Constituição está adotando um princípio de transformação
da própria propriedade, condicionando e limitando a mesma de forma integral, pois:
[...] a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às
limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, mas adotando
um princípio de transformação da propriedade capitalista, sem socializá-la, um
princípio que condiciona a propriedade como um todo, não apenas seu exercício,
possibilitando ao legislador entender com os modos de aquisição em geral ou com
certos tipos de propriedade, com seu uso, gozo e disposição.203
Então, apesar do Direito à propriedade estar assegurado na Constituição Federal de
1988, em seu Art. 5º, XXII, este não é absoluto, pois deve seguir outros princípios dentro da
própria Constituição, devendo, ainda, exercer sua função social. Assim, quando houver
conflito entre dispositivos constitucionais, deve-se, utilizando o princípio da
proporcionalidade204
, buscar o princípio maior dentro da Constituição da República, o qual
202
CAMARGO, Juliana Wernek de. O IPTU como Instrumento de Atuação Urbanística, Belo Horizonte:
Fórum, 2008, p. 36/39. 203
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 738. 204
Acerca do Princípio da Proporcionalidade, Willis Santiago Guerra Filho afirma que: “Para resolver o grande
dilema que vai então afligir os que operam com o Direito no âmbito do Estado Democrático contemporâneo,
representado pela atualidade de conflitos entre princípios constitucionais, aos quais se deve igual obediência, por
ser a mesma a posição que ocupam na hierarquia normativa, é que se preconiza o recurso a um ´princípio dos
princípios´, o princípio da proporcionalidade, que determina a busca de uma ´solução de compromisso´, na qual
se respeita mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo
ao(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando minimamente com o respeito, isto é, ferindo-lhe seu ´núcleo essencial´,
onde se encontra entronizado o valor da dignidade humana. Esse princípio, embora não esteja explicitado de
forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria fórmula política
adotada por nosso constituinte, a do ´Estado Democrático de Direito´, pois sem a sua utilização não se concebe
como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de respeito simultâneo dos interesses individuais,
97
neste caso é aquele que representa o interesse coletivo, já que apesar do modelo brasileiro
estar filiado ao primado da propriedade, sua aplicação necessita ser ajustado com fins sociais
mais amplos. E, tanto o Art. 5, XXIII, quanto o próprio Art. 170, III (que trata da ordem
econômica), apontam que a propriedade privada deve, obrigatoriamente, atender seus fins
sociais, além, claro, dos dispositivos relacionados à política urbana.
Cumpre salientar que a propriedade privada não foi extirpada do ordenamento
jurídico, mas, de outro modo, deve considerar que o titular terá obrigatoriedade de exercer;
cumprir a função social, visando beneficiar a sociedade como um todo; a coletividade.
1.2.4 Função Social da Cidade
Como já apontado, a atual Constituição Federal prevê a necessidade e, exigência, de que
vários institutos jurídicos possuam uma função social. Desse modo, o urbanismo também
deve procurar se adequar às necessidades da população, buscando a função social205
. Nessa
seara, as cidades representam papel de relevo, devendo, assim, tornar útil e agradável a vida
de cada indivíduo. Dessa forma, aponta Henrique Dumont Villares:
Ocupa-se o urbanismo dos vários elementos de que depende o bem-estar de uma
população, visando não só ao presente, mas principalmente à expansão futura de
um centro urbano. Urbanismo não é simples engenharia. Cuida também da ordem,
higiene,
coletivos e públicos. (grifo do autor). (GUERRA FILHO, Willis Santiago. O Princípio da Proporcionalidade em
Direito Constitucional e em Direito Privado no Brasil. Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto347.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2005.) 205
Até porque, após a Constituição da República de 1988, o Direito Urbanístico foi constitucionalizado,
encontrando amparo em vários dispositivos Constitucionais. “Em vários dispositivos, trouxe a Constituição da
República, em menor ou maior grau, normas urbanísticas. Comumente salientadas como traduzidas pelo
Capítulo II, do Título VII, da Constituição, não se limitaram a tal subtítulo, podendo ser encontradas em todo o
corpo constitucional. Assim, embora tenham sua marca registrada nos artigos 182 e 183 da Constituição, os
artigos 21, inciso I, 30 e, entre outros, de forma menos direta mas não menos importante, os artigos 1°, 3°, 5°, 6°
e 29 são exemplos claros de que à matéria urbanística foi dada considerável atenção. [...] Nesse contexto, assim,
de sedimentação do Direito Urbanístico no país, é que se deve compreender e postular uma Direito
Constitucional Urbanístico, decorrente, inegavelmente de uma Constituição Urbanística, a qual foi propiciada
pelo perfil conferido à Constituição de 1988 pelo legislador constituinte originário. Um conjunto de normas
constitucionais, algumas das quais interpretadas de maneira específica e direcionada, faz com que se possa
defender a existência de uma espécie de estatuto constitucional urbanístico, a partir do qual todas as demais
normas urbanísticas devem ser criadas, sob pena de manifesta inconstitucionalidade, a qual, aliás, deve ocupar
espaço na análise deste Direito Constitucional voltado para a questão urbanística.” (BONIZZATO, Luigi. A
Constituição Urbanística e Elementos para a Elaboração de uma Teoria do Direito Constitucional Urbanístico,
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p.1, 3-4.).
98
conforto (sic) e beleza do ambiente, harmonizando todos os elementos que tornam
útil e agradável a vida dos indivíduos.206
Da mesma forma, Jaime Tadeu Oliva, ao escrever artigo intitulado: “A cidade como ator
social”, tendo como subtítulo: “A força da urbanidade”, define que a cidade tem papel
preponderante para o desenvolvimento social dos indivíduos, sendo esta a condição espacial
para a realização dos valores:
Pode-se dizer que a cidade é condição espacial para a realização dos valores
libertários modernos e da configuração dos direitos do homem. Ela produz a
estimulação cultural, ela produz conhecimento. A inteligência não respira e não
prolifera em ambientes onde predominam os padrões (a uniformidade de
pensamento) que são sempre muito constrangedores. Quando essa produtividade
potencial da cidade decai, são as práticas anti-cidade, marcadas pela segregação e
uniformização que estão operando e rebaixando a urbanidade.207
Para que tudo isso ocorra, a política urbana deve ter como finalidade principal ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, por intermédio “da
garantia de direito à cidade sustentável – entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, serviço, trabalho e lazer para as
presentes e futuras gerações.”208
Conforme previsto no Art. 182, da Constituição Federal, a política de desenvolvimento,
executada pelo Poder Público municipal, deve ter por finalidade primordial, ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo, assim, o bem estar de seus
habitantes, em consonância com as diretrizes gerais fixadas em lei, sendo que compete aos
municípios não somente a execução de uma política de desenvolvimento, mas também a
competência para legislar, em especial por meio do Plano Diretor.
Com efeito, se ao Município a Constituição conferiu competência para legislar, em
caráter privativo, sobre a ordenação do solo urbano, e sendo a ordenação
pressuposto de desenvolvimento urbano, e ele cabe também legislar sobre
desenvolvimento urbano também. Essa competência, que é implícita, é exercida por
meio de duas categorias de diplomas legais, o plano diretor (com função de
planejamento e estabelecimento de diretrizes gerais) e as limitações administrativas
ao exercício do direito de propriedade (com função de ordenação stricto sensu,
206
VILLARES, Henrique Dumont. Urbanismo e Indústria em São Paulo, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1946, p. 5. 207
OLIVA, Jaime Tadeu, A Cidade como Ator Social: A força da urbanidade, in CARLOS, Ana Fani
Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges (org.). Dilemas Urbanos: Novas abordagens sobre a cidade, São
Paulo: Contexto, 2003, p. 74. 208
SOARES, Beatriz Ribeiro, Cidade e Metrópole: Notas de um debate, in CARLOS, Ana Fani Alessandri;
LEMOS, Amália Inês Geraiges (org.). Dilemas Urbanos: Novas abordagens sobre a cidade, São Paulo:
Contexto, 2003, p. 83.
99
como zoneamento, parcelamento, edificação, etc), todas com vistas ao cometimento
das funções sociais da cidade.209
(grifo do autor e nosso).
E, a necessidade de um planejamento urbano deve, obrigatoriamente, e, especialmente,
ser capaz de propiciar à população o bem estar coletivo, obtendo, assim, a função social da
própria cidade, que é o que se almeja:
A necessidade de orientar tècnicamente (sic) o crescimento das cidades, corrigindo
ao mesmo tempo, sempre que possível, os erros do passado, é a origem do
Urbanismo. [...] A organização de um plano urbanístico consiste essencialmente em
preparar a cidade para o crescimento futuro, tendo em vista a máxima eficiência da
vida urbana e o bem-estar dos habitantes. Não é mais admissível a expansão
desordenada da área urbana apenas ditada pelas conveniências fortuitas. Cada
cidade, mesmo pequena, precisa organizar o seu plano de desenvolvimento, para
evitar os erros que se observam no crescimento espontâneo ou improvisado, que
atende, muitas vêzes (sic), mero interêsse (sic) pessoal. [...]
A cidade do futuro é a cidade orgânica, com aparelhos diferenciados para o
exercício de funções diversas, cuja expansão será orientada pelo intuito de
proporcionar à população quatro requisitos essenciais: a) locais e condições de
trabalho que permitam, num ambiente adequado, o desenvolvimento eficiente da
atividade produtora; b) habitações salubres, com o necessário confôrto (sic) para
tornar a vida aprazível; c) facilidades de recreação para o corpo e para o espírito,
que facultem, pela diversidade de exercícios, repouso e reconstituição das energias
gastas pelo trabalho; d) transporte eficiente, como instrumento de ligação entre
êsses (sic) três primeiros elementos. Princípios são êsses (sic) que devem estar
presentes a todo estudo das questões do Urbanismo. Na solução harmônica dos
vários problemas suscitados por êsses (sic) quatro requisitos cifra-se a função
social das cidades.210
(grifo do autor e nosso).
Rosangela Lunardelli Cavallassi considera o direito à cidade com expressão do Direito
Constitucional à dignidade da pessoa humana211
, o qual é o ponto central, de um sistema
formado por uma gama de direitos, nos quais se encontram o direito à moradia (no qual se
encontra inserido a necessidade de regularização fundiária), direito ao trabalho, à saúde e aos
serviços públicos (sendo que destes resultam, para a autora, o direito ao saneamento), direito,
ainda, ao lazer, ao transporte, à segurança, à preservação do patrimônio histórico, cultural e
209
CAMARGO, Juliana Wernek de. O IPTU como Instrumento de Atuação Urbanística, Belo Horizonte:
Fórum, 2008, p. 91-92. 210
VILLARES, Henrique Dumont. Urbanismo e Indústria em São Paulo, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1946, p. 23-24. 211
A referida autora, em nota de rodapé, destaca que citado conceito, que entende o direito à cidade como
expressão do direito à dignidade da pessoa humana, sendo este fruto da construção do projeto integrado de
pesquisa de Direito, a partir do conhecido conceito do texto da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, aprovada
no III Fórum Social Mundial em 2005. (CAVALLASSI, Rosângela Lunardelli. O Estatuto Epistemológico de
Direito Urbanístico Brasileiro: Possibilidades e obstáculos na tutela dos direito à cidade, in COUTINHO,
Ronaldo; BONIZZATO, Luigi. Direito da Cidade: Novas concepções sobre as relações jurídicas no espaço
social urbano, 2. ed., rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011, p. 50).
100
paisagístico, ao meio ambiente (tanto o natural, quanto o construído, de modo equilibrado),
trazendo a necessidade implícita, da garantia de direito a cidades sustentáveis. Diante disso,
[...] os conceitos de função social da cidade, função social da posse e da
propriedade publica e privada, espaço publico, paisagem urbana como patrimônio,
gestão democrática, entre outros, todos eles estão intimamente vinculados às
diretrizes e princípios do Direito Urbanístico.
O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, de 2001, marco da normalização urbanística
no Brasil, redefinindo os limites do exercício de direito de propriedade, estabelece
novas s partir da Constituição de 1988.
A função social do direito de propriedade imposta a partir da Constituição de 1988
distingui-se da mera limitação à faculdades inerentes ao proprietário: exige muito
mais, sobretudo impõe o exercício do direito de propriedade, seja propriedade
privada ou pública, segundo os interesses da coletividade, de forma condizente com
as determinações do Plano Diretor da cidade, referência fundamental para a
realização da função social da cidade, nos termos do parágrafo 1º do artigo 182 da
Constituição, ou seja, “a propriedade urbana cumprirá sua função social quando
atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano
Diretor.’
A função social do direito de propriedade obriga o proprietário a condicionar o seu
direito às funções sociais da cidade. [...]
A cidade, uma vez considerada bem social e espaço público de significação e
mediação historicamente construído, impõe ao proprietário do solo o dever de
exercer o seu direito em beneficio da sociedade. [...]
A realização da função social da cidade está na razão direta da concreção do
conceito de espaço público como elemento mediador na desejada relação de
equilíbrio entre o meio ambiente natural e o construído. [...]
A cidade sustentável, nessa perspectiva, significa a concreção da justiça
distributiva, o equilíbrio das relações, de todos os atores sociais. Implica
desenvolvimento econômico compatível com a preservação ambiental e a qualidade
de vida dos habitantes; em uma palavra equidade. 212
(grifo do autor).
Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida213
, ao prefaciar a obra de Vicente de Abreu
Amadei, intitulada “Urbanismo Realista” destaca que se faz necessário, para atingir o objetivo
de se ter um mundo apropriado para as pessoas, primeiro se deve ter uma cidade apropriada
para as pessoas, de modo que as cidades sejam mais humanas, seguras, saudáveis e
sustentáveis, apontando, ainda, que:
Cada cidade precisa de um eficiente processo social, em todos os níveis, para
resolver seus conflitos. Esse processo precisa ser holístico, integrativo e
participativo porque a cidade é o foco dos fenômenos sociais em todos os níveis e –
sobretudo – porque a cidade não é apenas o que nela está construído. Uma cidade
são as pessoas – e o habitat das pessoas. As cidades, portanto, devem ser uma fonte
de visões positivas das pessoas – onde todos tenham segurança, saúde e
212
CAVALLASSI, Rosângela Lunardelli. O Estatuto Epistemológico de Direito Urbanístico Brasileiro:
possibilidades e obstáculos na tutela dos direito à cidade, in COUTINHO, Ronaldo; BONIZZATO, Luigi.
Direito da Cidade: Novas concepções sobre as relações jurídicas no espaço social urbano, 2. ed., rev., ampl. e
atual., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011, p. 51/53. 213
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Préfácio, in MADEI, Vicente de Abreu. Urbanismo Realista: A
lei e a cidade – Princípios de Direito Urbanísticos, Instrumentos da política urbana e questões controvertidas,
Campinas: Millennium, 2006, p. XI.
101
desenvolvimento sustentável; serviços básicos e culturais; direitos democráticos e
deveres; possibilidades de escolha livre de emprego; participação nas decisões
públicas. Nenhuma reconstrução de uma infraestrutura decadente será suficiente
para assegurar que as cidades sejam seguras, saudáveis e habitáveis até que as
idéias, alma e espírito daqueles que nela residem floresçam.
Veja-se que, portanto, para que a cidade possa exercer sua função social, é
imprescindível que estabeleça condições para o exercício da dignidade do ser humano,
devendo ser este o principal foco da cidade, a ser representado por meio de seu Plano Diretor,
que é o principal instrumento. Luigi Bonizzato salienta a importância da dignidade humana na
seara urbanística apontando que se pode dizer que da leitura do Texto Constitucional se
depreende a existência de um subprincípio, extraído do princípio da dignidade urbana, que
seria o princípio da dignidade urbana, posição esta que se entende ser absolutamente correta e,
precisa.
A função social da propriedade urbana, pública e privada, as funções sociais da
cidade, a dignidade urbana e o bem-estar seriam princípios norteadores decorrentes
do próprio texto da Constituição brasileira vigente, de acordo com os artigos 5º,
inciso XXIII; 170, inciso III; artigo 182, caput; e, entre outros, o próprio artigo 1º,
inciso III. Mais precisamente, com relação à dignidade da pessoa humana, sua
aplicação irrestrita no âmbito do Direito Urbanístico leva à possibilidade de
afirmação da existência de subprincípio específico, aqui intitulado dignidade
urbana, o qual abrange noções ligadas aos direitos sociais, de maneira geral.
Embora a relação existente entre direito à moradia e o direito de propriedade seja
patente, conferindo-se àquele, justamente com o fato de ser direito social e
fundamental constitucionalmente consagrado, a vinculação necessária para integrar
o campo conceitual do princípio da dignidade humana, sobretudo em seara urbana,
deve ser ressaltado que o afirmado subprincípio da dignidade urbana também se
aplica o atendimento de uma série de outros direitos, tais como o à segurança, à
saúde, à educação, ao transporte e à iluminação pública, dentre tantos outros.214
Manifesta-se, ainda, no sentido de que os direitos sociais referenciados e, que estão
ligados cidade, traduzem expectativas positivas, havendo possibilidade plena de pleito em
face do Poder Judiciário, proporcionando à população meios de ter a concretização dos
direitos mais básicos e,
[...] em última análise, de enxergar eficaz e efetiva a nuança urbana do princípio da
dignidade da pessoa humana.
Paralelamente e, por corolário, depreende-se da Constituição nítida preocupação
com o bem-estar dos cidadãos, o qual se poderia atingir pelo atendimento da função
social da propriedade urbana, pública e privada, e das funções sociais da cidade.
Este um anúncio axiológico decorrente do próprio Capítulo relativo à Política
Urbana [...]
214
BONIZZATO, Luigi. A Constituição Urbanística e Elementos para a Elaboração de uma Teoria do Direito
Constitucional Urbanístico, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 49.
102
O Direito Constitucional Urbanístico, assim, é a mais pura demonstração de um
dirigismo constitucional consciente, voltado para a preservação do espaço urbano
[...].215
É possível, portanto, concluir, que nesta era, não apenas da informática, mas também da
informação e, dos serviços, a prosperidade urbana está diretamente articulada à importância
da população216
, bem como, ao seu bem estar, motivo pelo qual se deve dar destaque à
necessidade imperiosa de efetivação da função social da cidade, devendo cada Plano Diretor
ser o principal instrumento concretizador da referida função social, que irá propiciar a
dignidade urbana, permitindo que se tenha a dignidade da pessoa humana, de forma efetiva.
1.3 A Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade)
1.3.1 Breve análise
Como já explanado anteriormente, os antecedentes históricos do Estatuto da Cidade
foram, em primeiro lugar, a elevada aceleração do crescimento urbano, iniciado por volta de
1930/1940 e, intensificado entre os anos 1970/1980, o que levou à efetiva necessidade de
criação de instrumentos urbanísticos, que tivessem o condão de controlar (e regulamentar) o
processo de urbanização, ou seja, controlar, ente outras coisas, o próprio crescimento
desordenado das cidades.
Nesse diapasão, os primeiros Planos Diretores surgiram, no Brasil, entre os anos de
1960 e 1970, contudo estes eram, ainda, totalmente desprovidos de efetividade (com ausência
de instrumentos de efetivação), já que tinham por embasamento apenas o planejamento
territorial, sendo carentes de participação (da população interessada e, diretamente atingida)
nos processos de criação e, desenvolvimento, o que resultava no estabelecimento de padrões
idealizados como adequados, mas com aplicação difícil ou impossível de se efetivar e, que, na
maioria das vezes não refletia a realidade e, os problemas locais.
215
BONIZZATO, Luigi. A Constituição Urbanística e Elementos para a Elaboração de uma Teoria do Direito
Constitucional Urbanístico, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 49-50. 216
NUNES, Brasilmar Ferreira. Prefácio, in PAVIANI, Aldo (org.). Brasília: Moradia e exclusão, Brasília:
UNB, 1996, p. 15.
103
Nota-se uma ausência de instrumentos urbanísticos amoldados para, por exemplo,
regularizar os assentamentos informais, dar efetividade para a função social da propriedade e,
da própria cidade, para conseguir o uso mais intenso e, eficaz do solo urbano.
Nos anos de 1980 se intensificaram os movimentos sociais, em especial os movimentos
pela reforma urbana, que ganham âmbito nacional. Isso tudo se reflete na Constituinte, sendo
que se verifica durante o processo da atual Constituição, destacando-se, nesse sentido,
Emenda Popular, com 250.000 assinaturas, pela Reforma Urbana. A movimentação da
sociedade impulsionou a inserção do Capítulo de Política Urbana, no Texto Constitucional
(Arts. 182 e 183). Antes mesmo da inserção Constitucional, verificou-se a tentativa de
inclusão da matéria urbanística na legislação:
Embora o conjunto de ordenamento constitucional já estivesse preparado para
gestar o Estatuto da Cidade, houve idas e vindas legais para que pudesse nascer.
Em 1982 procedeu-se a estudos para elaborar um anteprojeto de lei que
disciplinasse a vida nas cidades. O então Conselho Nacional de Desenvolvimento
Urbano (CNDU) deu a lume texto, amparado por pareceres de Hely Lopes
Meirelles e Miguel Reale, dando amparo jurídico sobre sua constitucionalidade.
Competiria à União dispor sobre normas de direito urbanístico, ainda que não
houvesse expressa previsão legal, que veio a lume com a Constituição de 1988. O
Projeto 775/1983, em que se converteu o trabalho, passou pelas dificuldades
naturais do texto controverso e tramitou no Congresso Nacional até 1988. O
Ministério do Desenvolvimento Urbano, que poderia pilotar discussões a respeito,
acabou sendo extinto juntamente com o Banco Nacional da Habitação. Ambos não
cumpriram suas funções. Sobreveio, já no advento da nova Constituição, o Projeto
5.788/1990, do senador Pompeu de Souza, que recebeu substituto na Comissão de
Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias e também na Comissão de
Desenvolvimento Urbano e Interior.217
Em face de disposição Constitucional, houve necessidade de regulamentação por lei
específica. Assim, como acima transcrito, o Estatuto da Cidade tem origem no projeto de Lei
n° 181/89, de autoria do senador Pompeu de Souza, o qual foi aprovado, no senado em 1990,
tendo iniciado a tramitação na Câmara em dezembro do mesmo ano (projeto 5.788/90).
Todavia, referido projeto ficou paralisado até 1997, em decorrência da oposição dos setores
ligados aos proprietários urbanos.
Em junho de 2001 houve a aprovação, no Congresso, do Estatuto da Cidade, sendo
sancionado, pelo Presidente, em julho do mesmo ano. Referida lei trouxe, como elemento
primordial, para o desenvolvimento urbanístico, o Município, para que as realidades locais
217
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade, 2 ed., rev., atual., ampl., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 16-17.
104
fossem melhor observadas. Todavia, para que haja a efetiva implementação do Estatuto da
Cidade é imprescindível a aprovação do Plano Diretor, sendo este indispensável para a
aplicação dos instrumentos urbanísticos.
A Lei 10.257/2001 regulamentou os arts. 182 e 183 da CF, estabelecendo normas
gerais para os Municípios efetivarem, segundo as suas características e
necessidades locais, o disposto em seu Plano Diretor. O caminho, sempre se soube,
não podia ser outro, faltava ao legislador ordinário, em verdade, vontade política de
correr o risco de afrontar o bolor de doutrinas ultrapassadas. O receio, até certo
ponto justificável, de que o proprietário fosse obrigado a desempenhar uma função
que deveria ser de responsabilidade exclusiva do Estado, com recursos obtidos de
impostos aplicados a esses mesmos particulares, conduzia à falsa impressão de que
a interpretação da norma federal poderia levar a distorções perigosas e extremas.
A edição da Lei teve como pressuposto o exercício do direito de propriedade
condicionada a uma finalidade e o debate público de verbas empenhadas. Ao
determinar a utilização dos móveis urbanos direcionada a um fim social, a norma
impõe ao proprietário a imposição de obrigação a fazer [...]218
Para que haja efetiva aplicação dos instrumentos urbanísticos, o Estatuto da Cidade
prevê que o Município deve (em casos estabelecidos na própria lei), obrigatoriamente,
produzir um Plano Diretor, que é o instrumento basilar da política municipal de
desenvolvimento e expansão urbana e, que deverá ser aprovado na Câmara.
Nas palavras de Ricardo Pereira Lira, “O Estatuto da Cidade é, hoje, um dos pilares
fundamentais do direito urbanístico”, até porque,
O Estatuto da Cidade [...] integra decidida e relevantemente o Direito urbanístico,
contém importantes instrumentos urbanísticos como o plano diretor, o direito da
superfície, a concessão do direito real de uso, a edificação e o parcelamento
compulsórios, o direito de preempção, a urbanização consorciada, o imposto predial
progressivo, a outorga onerosa do direito de construir (solo criado), o usucapião
especial urbano, a concessão de uso especial para fins de moradia (Medida
Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001), a transferência do direito de
construir, o estudo do impacto de vizinhança, a gestão democrática da cidade e,
finalmente, o consórcio imobiliário.
Esse diploma legal está profundamente penetrado pela função social da
propriedade, sendo fundamental a consideração desse princípio para a efetividade
da implementação dele. O Estatuto da Cidade é, hoje, um dos pilares fundamentais
do direito urbanístico. 219
Assim, é possível afirmar que o Estatuto da Cidade é a lei que, tem por função primeira,
a regulamentação do capítulo de política urbana, trazido pela da Constituição de 1988. Tendo
218
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade, 2 ed., rev., atual., ampl., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 8-9. 219
LIRA, Ricardo Pereira. Direito Urbanístico, Estatuto da Cidade e Regularização Fundiária, in COUTINHO,
Ronaldo; BONIZZATO, Luigi. Direito da Cidade: Novas concepções sobre as relações jurídicas no espaço
social urbano, 2. ed., rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011, p. 7.
105
sido encarregada de definir o que significa cumprir a função social da cidade e, da
propriedade urbana, referida lei acabou por delegar referida tarefa para os Municípios,
oferecendo, assim, para as cidades um conjunto inovador de instrumentos de intervenção
sobre seus territórios, além de nova concepção de planejamento e gestão urbanos, permitindo,
desse modo, inovar na gestão da própria cidade, democratizando-a, em face dos instrumentos
ali inseridos, em especial, o Plano Diretor.
[...] o Estatuto dá alcance quase ilimitado à matéria passível de receber efetiva
influência e participação do munícipe. Ainda uma vez, deve-se repetir que o
modelo do Estatuto rompe com a democracia representativa e aproxima a política
urbana de qualidade de vida e justiça social da democracia participativa, onde a
participação do munícipe é permanente. Ao estabelecer a gestão democrática da
cidade, o Estatuto inaugura uma nova fase na discricionariedade atribuída ao poder
público. [...]
Ao dizer que o governo não pode governar sozinho, o Estatuto não está, tão-só,
determinando a necessidade de se ouvir o verdadeiro mandante, mas está pondo
limites na discricionariedade estatal. [...]
O cidadão pode reprovar a conduta de seu mandatário durante toda a sua gestão,
caso a caso, não precisando aguardar a próxima eleição para fazê-lo.220
Além disso:
É indiscutível que a Lei do Estatuto da Cidade seja uma grande conquista e sinal de
novos tempos na construção de cidades mais justas, humanas e bonitas – dignas do
provo trabalhador. Também é inegável a dificuldade imposta pela cidade,
especialmente as grandes e médias, no que tange a s ua apreensão para fins de
análise, planejamento e gestão. Face a essa gama de problemas, a aprovação da Lei
do Estatuto da Cidade reacendeu a crença da possibilidade de uma sociedade mais
justa, portadora de direitos sociais inerentes à dignidade humana.221
Até porque, a importância do Estatuto da Cidade não reside apenas na regulamentação
do conjunto de instrumentos, já que é possível apontar que essa lei é pioneira na regulação da
política urbana, estabelecendo uma concepção de intervenção no território de modo mais
efetivo, diferentemente do que ocorria anteriormente, quando se verificava que os Planos
Diretores de Desenvolvimento Integrado, não conseguiam implementar o que era
estabelecido, em decorrência da ausência de instrumentos para tanto. De acordo com as
diretrizes expressas no Estatuto, os Planos Diretores devem contar necessariamente com a
participação da população e de associações representativas dos vários segmentos econômicos
220
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade, 2 ed., rev., atual., ampl., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 10-11. 221
SILVA, José Borzacchiello da. Estatuto da Cidade Versus Estatuto de Cidade, In CARLOS, Ana Fani
Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges (org.). Dilemas Urbanos: Novas Abordagens sobre a Cidade, São
Paulo: Contexto, 2003, p. 31.
106
e sociais, não apenas durante o processo de elaboração e votação, mas, sobretudo, na
implementação e gestão das decisões do Plano.
1.3.1.1 Conceito de Cidade
Diante do estudo que se propõe no presente trabalho, alguns conceitos devem ser
entendidos e analisados neste primeiro momento, até para que se possa, posteriormente,
aprofundar a análise do objeto a que se propõe. Diante disso, um dos institutos que merece um
aprofundamento é a cidade.
Para Pedro Nunes, Cidade significa, o “Conjunto populacional não agrícola, sede de
um governo municipal e cujos habitantes se dedicam a variadas ocupações de ordem
financeira, industrial, comercial, cultural etc. É governada por um prefeito eleito.”222
Além da conceituação ora apresentada, outras se destacam, considerando a cidade
como “uma comunidade de dimensões e densidade populacional consideráveis, abrangendo
uma variedade de especialistas não-agrícolas, nela incluída a elite culta.”223
Para esse autor, a
elite representa papel preponderante na formação das cidades. Conceito semelhante é possível
encontrar no dicionário Aurélio224
, o qual, dentre outros, apresenta que cidade é um
“complexo demográfico formado, social e economicamente, por uma importante concentração
populacional não agrícola, i.e., dedicada a atividades de caráter mercantil, industrial,
financeiro e cultural; urbe.” Além disso, é possível encontrar, na mesma obra, outras
definições, conceituando cidade como: “[...] a expressão palpável da necessidade humana de
contato, comunicação, organização e troca, – numa determinada circunstância físico-social e,
num contexto histórico. [...] Sede do município, independentemente do número de seus
habitantes.”
222
NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica, 12. ed., rev., ampl., atual., 3. tir., Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1994 p. 173. 223
SJOBERG, Gideon. Origem e Evolução das Cidades, in Cidades: A urbanização da humanidade, trad.: José
Reznik, 3. ed., Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977, p. 38. 224
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, coord. Marina
Baird Ferreira; Margarida dos Anjos, 4. ed., Curitiba: Positivo, 2009, p. 465.
107
José Afonso da Silva225
destaca que conceituar cidade não é uma tarefa fácil, apontando
que para resolver esse problema, insta indicar que nem todo cerne habitacional pode ser
considerado urbano (aliás, comunga do mesmo entendimento Gideon Sjoberg, em artigo
anteriormente mencionado). E, para que se considere urbano, faz-se necessário, para referido
autor, o preenchimento de alguns requisitos, como densidade demográfica específica,
profissões urbanas diversificadas, economia relevante (com interação com o meio rural) e,
ainda, a existência de camada urbana, com produção, consumo e, direitos próprios. Todavia,
somente tais elementos não são suficientes para resolver o conflito, tendo em vista que,
segundo o autor, “nem todo núcleo urbano constitui cidade”. Desse modo, o autor tenta buscar
a solução com o auxílio da Sociologia Urbana, que define cidade de várias maneiras,
destacando-se os: “conceitos de ‘cidade’ como uma ‘situação humana’, ‘uma organização
geral da sociedade’, ‘como centro de consumo em massa’, como ‘fábrica social’ ou ‘como
multiplicidade dialética de sistemas, ou como ‘ projeção da sociedade sobre um local’.” (grifo
do autor). Diante desses conceitos, o autor destacou três concepções que reputou como as que
melhor definem a cidade, sendo estas, a concepção demográfica, a econômica e a relativa a
subsistemas, apontando que:
O conceito demográfico e quantitativo de ‘cidade’ é muito difundido, pelo qual se
considera cidade o aglomerado urbano com determinado número de habitantes:
2.000, em alguns países; 5.000, em outros; 20.000 para a ONU; 50.000 nos Estados
Unidos da América. É a concepção que orienta a definição oferecida por
Sjoberg226
[...].
A concepção econômica de ‘cidade’ apóia-se na doutrina de Max Weber. Fala-se
em ‘cidade’ nesse sentido ‘quando a população local satisfaz a uma parte
economicamente essencial de sua demanda diária no mercado local e, em parte
essencial também, mediante produtos que os habitantes da localidade e a população
dos arredores produzem ou adquirem para colocá-las dentro do mercado’. Toda
cidade nesse sentido que aqui damos à palavra é uma ‘localidade de mercado’. [...]
A terceira concepção considera a ‘cidade’ como um conjunto de subsistemas
administrativos, comerciais, industriais e sócio-culturais no sistema nacional geral.
Como um subsistema administrativo, a cidade é a sede de organizações políticas
que governam não só a cidade, mas também regiões maiores que a rodeiam. Como
subsistema comercial, a cidade, centro da população, assume a posição nodal do
comércio no sistema nacional; e como subsistema industrial ela é o nexo da
atividade industrial do país. Como sistema sócio-cultural ela atua como um lugar
propício ao florescimento de instituições educacionais, religiosas e escolares; é o
lugar em que se desenvolvem as relações sociais, os centros sociais e comunitários,
culturais e recreativos. (grifo do autor).
Todavia, apesar de todas as concepções apresentadas, o próprio José Afonso da Silva
destaca que, as cidades brasileiras não podem ser definidas pelos conceitos demográfico e
225
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, 6. ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010, p.
24-25. 226
Definição já apresentada neste trabalho.
108
econômico, já que são conceitos jurídico-políticos, aproximando-se da concepção das cidades
como conjuntos de sistemas. No Brasil, só se adquire a categoria de cidade quando o território
se transforma em Município. Assim, no Brasil, cidade é “um núcleo urbano qualificado por
um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não agrícola, familiar e
simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população.”227
Desse
modo, no Brasil, a despeito de todas as conceituações apresentadas, o que caracteriza uma
cidade é esta ser sede do governo municipal.
Mister salientar, ainda, que, nos dias atuais, deve-se ponderar, além da questão
territorial, o trinômio moradia, trabalho e, consumo, assim considerados dentro de uma
economia capitalista, merecendo destaque o fato de que muitas vezes os projetos urbanísticos
abarcam apenas uma porção da população, relegando, a muitos, a marginalidade.228
Aliás,
Associado ao grave quadro de distribuição de renda, o crescimento desordenado da
cidade tem gerado deformidades na estrutura física e social dos municípios. Os
serviços públicos insuficientes e mal distribuídos, além de restringir o acesso da
grande maioria da população, contribuem para uma atenção diferenciada do setor
público, onde determinadas regiões concentram um maior número de serviços e
equipamentos públicos, gerando noutras áreas uma perda acentuada no padrão de
habitabilidade dos moradores. [...] A ausência de uma política habitacional
abrangente gera um número expressivo de ‘sem teto’, população de rua e áreas de
risco, acentuando os problemas ambientais urbanos. 229
(grifo do autor).
E, o Estatuto da Cidade torna-se, diante disso, elemento fundamental no processo de
resgate da unidade das cidades, permitindo-se que estas adquiram novos contornos, para que
haja um crescimento organizado, sem causar a exclusão de parte de seus habitantes. Do
mesmo modo, o Plano Diretor, que é indispensável para a concretização do Estatuto da
Cidade.
É claro que se a legislação municipal não estiver atrelada à legislação de outros
municípios, no caso de fazer parte de um aglomerado urbano ou de uma região metropolitana,
227
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, 6. ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010, p.
26. 228
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 12 ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2011, p.572. 229
SILVA, José Borzacchiello da. Estatuto da Cidade Versus Estatuto de Cidade, In CARLOS, Ana Fani
Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges (org.). Dilemas Urbanos: Novas Abordagens sobre a Cidade, São
Paulo: Contexto, 2003, p. 31.
109
poderá gerar um descompasso entre o mundo jurídico e o real, tornando a legislação inócua.
Para isso, deve o legislador municipal se preocupar não apenas com seu próprio Município,
mas também com o entorno, para que se possa alcançar, de modo mais efetivo, a finalidade do
Plano Diretor e, assim, atingir o bem estar de todos. Desse modo, o Plano Diretor do
Município de Cuiabá precisa estar ligado às normas do Município de Várzea Grande, que faz
parte da “Grande Cuiabá”, para que se possa obter, de forma completa, o que o Plano visa.
1.3.2 Previsão da necessidade de instituição do Plano Diretor nos Municípios
O Estatuto da Cidade traz previsão expressa da necessidade de instituição de Plano
Diretor em determinados municípios, estabelecendo quando este deve existir. Como dito
alhures, por meio da história urbana do Brasil é possível verificar que injustiças vem sendo
cometidas com as cidades e, especial, com as pessoas que nelas habitam, já que práticas
reiteradas de exclusão, apartação e segregação sócio-espacial são comuns.
O Estatuto chega quando se registra um extremo maltrato de nossas cidades. São
exemplos clássicos a destruição paulatina de equipamentos, infra-estrutura e
mobiliários urbanos, a migração e canibalismo desenfreados que elegem novas
“áreas nobres” ou “áreas de expansão”, em detrimento de outras até então equipadas
e adequadas à satisfação de múltiplas necessidades urbanas. Associado a essa
expansão desenfreada observa-se o crescimento acelerado da pobreza, a emergência
de novos sujeitos sociais e novas modalidades de serviços – dos mais sofisticados
aos mais precários e exóticos. [...] Os problemas ambientais urbanos avolumam-se.
Novas tribos, novos hábitos, fazem da cidade contemporânea um grande desafio.230
E, esses desafios trazidos pelas cidades são perfeitamente absorvidos pelos Planos
Diretores, já que o Plano Diretor é o instrumento principal do planejamento municipal,
devendo ter como norte as realidades locais, visando a solução das questões urbanas daquele
dado Município.
O Estatuto da Cidade prevê, em seu Art. 41, quando há necessidade imperiosa da
elaboração e aprovação do Plano Diretor.
Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:
230
SILVA, José Borzacchiello da. Estatuto da Cidade Versus Estatuto de Cidade, In CARLOS, Ana Fani
Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges (org.). Dilemas Urbanos: Novas Abordagens sobre a Cidade, São
Paulo: Contexto, 2003, p. 30-31.
110
I - com mais de vinte mil habitantes;
II - integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no
4º do art. 182 da Constituição Federal;
IV - integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V - inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
§ 1º No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no
inciso V do caput , os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano
diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas.
§ 2º No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser
elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor
ou nele inserido.231
Além disso, estabelece, no artigo subsequente, o conteúdo mínimo do Plano Diretor,
definindo, a necessidade de delimitação as áreas urbanas, até para que a cidade possa cumprir,
integralmente, sua função social.
Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:
I - a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento,
edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura
e de demanda para utilização, na forma do art. 5º desta Lei;
II - disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;
III - sistema de acompanhamento e controle.232
Importante que se diga que,
Para a tomada de providências por parte dos Municípios no ordenamento,
planejamento e disciplina da ocupação do solo e preservação do meio ambiente,
poderão ser adotados ‘planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do
território e de desenvolvimento econômico e social’ (inciso I do art. 4°). [...]
Logicamente, o planejamento é pressuposto da boa adequação das coisas.[...] O
planejamento parte da idéia de que é necessário dar sintonia e coordenação à
ocupação do espaço de uma cidade. [...] diante da migração rural ou mesmo
interestadual ou intermunicipal, as pessoas deslocam-se sem qualquer critério e á
busca de um viver melhor. No entanto, fazem-no desordenadamente, ou seja, de
repente buscam determinada localidade à cata de metais preciosos, de alimentos, de
moradia, de parentes, de emprego. Enfim, pelos mais diversos motivos, nasce a
migração em busca de uma vida melhor. Surgem conglomerados humanos em
desordem, na equivocada ocupação do solo ou, até, pela falta de estrutura do poder
público. Em consequência, pois, insta procurar adequar as coisas, adaptá-las e
ajustá-las, para que possa haver boa convivência e que os aglomerados urbanos
sejam sustentáveis. [...] Os Municípios devem ter planejamento, especialmente
através do plano diretor (letra a do inciso III do art. 4°) [...] a fim de que promova o
racional desenvolvimento da área urbana.233
(grifo do autor).
231
BRASIL, Lei nº 10.257, de 10 de julho 2001 (Estatuto da Cidade). 232
Idem. 233
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade, 2 ed., rev., atual., ampl., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 35/37.
111
Denota-se, portanto, a relevância de planejamento municipal, o qual compreende, de
modo principal, o Plano Diretor, que será melhor analisado no Capítulo seguinte, que tratará,
justamente de sua conceituação, objetivo e forma de aplicação.
112
2. PLANO DIRETOR
Objeto principal deste trabalho é o Plano Diretor do Município de Cuiabá, a análise de
sua formação (com os antecedentes históricos), bem como da sua aplicação e, verificação de
efetividade do mesmo. Contudo, para aprofundar no objeto de estudo, deve-se entender o
Plano Diretor, focando-se em sua conceituação, objetivos, além da previsão legal acerca das
hipóteses de obrigatoriedade de sua existência; elementos obrigatórios e, mecanismos para
implementação efetiva. Destacando-se, ainda, o Plano Diretor participativo e, as revisões
periódicas, o que se pretende fazer no presente capítulo.
2.1 CONCEITUAÇÃO
O Plano Diretor é, segundo o §1º do artigo 182 da Constituição Federal (1988), “o
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”, ou seja, o conceito
primário de Plano Diretor encontra espaço na própria Lei Máxima, que estabelece a definição
de Plano Diretor, traçando, desse modo, seus objetivos, dentre os quais se destaca o
cumprimento da função social, por intermédio da propriedade. De outra maneira, destaca-se
que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor” (Constituição Federal,
1988, §2º artigo 182). Destarte, o Plano Diretor pode ser considerado como a única garantia
Constitucional para a efetivação da gestão democrática nos Municípios do Brasil, uma vez
que é o instrumento básico da política urbana que deve atender como diretriz a gestão
democrática.
O Estatuto da Cidade apresenta um conjunto de instrumentos da gestão urbana que
podem compor o Plano Diretor para contemplar a função social da própria cidade, sendo que
o Plano Diretor é, dessa forma, um instrumento de atuação da função urbanística dos
Municípios, sendo elemento basilar para que haja uma efetiva política de desenvolvimento
urbano.
Para Juliana Wernek de Camargo,
113
O plano diretor tem finalidades gerais e específicas. Gerais, na medida em que a
ordenação do território ali planejada tem por fim viabilizar as funções sociais da
cidade e, assim, buscar a melhora da qualidade de vida na seara urbana. E
específicas, na medida em que, confere instrumentos hábeis e concretos à
consecução daqueles fins, como reurbanização de um bairro, instituição de direito
industrial, construção de anel viário, entre outros.
O ordenamento jurídico brasileiro impõe sejam os planos urbanísticos veiculados
sempre por lei, porque têm eles o condão de operar transformações profundas na
realidade urbana, impondo, com isso, obrigações e restrições aos particulares, os
quais, pelo princípio da legalidade (artigo 5°, II), somente estão obrigados a fazer
ou deixar de fazer algo somente em virtude de lei.234
O Plano Diretor, portanto:
É espécie do gênero lei de planejamento municipal, que se diferencia por seu
caráter básico (ou seja, de fundamento e primazia). Assim, analiticamente,
costuma-se dizer que o Plano Diretor é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana, consistente em lei municipal que concretiza a
função social da propriedade urbana e define as exigências fundamentais de
ordenação da cidade; fixando as diretrizes para as demais normas urbanísticas
municipais e expressando os instrumentos urbanísticos, em vista da racional e
eficaz disciplina da vida e dos espaços urbanos.235
(grifo do autor).
Dessa forma, é possível entender o Plano Diretor como instrumento basilar, fundante, da
política de desenvolvimento e expansão urbana, sendo que, todavia, não é obrigatório para
todas as cidades, mas tão somente para aquelas que se encontram elencadas no Art. 41 do
Estatuto da Cidade, sendo, portanto, obrigatório, por exemplo, para as cidades com mais de
20 mil habitantes, para cidades de regiões metropolitanas e aglomerações, áreas de especial
interesse turístico ou em áreas de influência de empreendimentos com impacto ambiental no
âmbito regional ou nacional. Assim questiona-se:
Nesse contexto como ficam as cidades pequenas que não se enquadram nesses
parâmetros? Seriam consideradas como cidades rurais [...]? Que políticas públicas
seriam destinadas a estas pequenas aglomerações urbanas que também apresentam
problemas de degradação ambiental, favelamento, retenção especulativa dos
terrenos e que somam 4.172 municípios brasileiros? Como os geógrafos,
preocupados com a dinâmica das cidades vão refletir sobre o isolamento e a
precariedade social das pequenas cidades? Que instrumentos teríamos para
compreender as novas fronteiras entre o urbano e o rural no Brasil? Desse modo,
uma reflexão sobre a temática é urgente e necessária, visto que existem dificuldades
em delimitar o seu tamanho demográfico, em compreender a sua inserção na rede
urbana.236
234
CAMARGO, Juliana Wernek de. O IPTU como Instrumento de Atuação Urbanística, Belo Horizonte:
Fórum, 2008. , p. 96-97. 235
AMADEI, Vicente de Abreu. Urbanismo Realista: A lei e a cidade; Princípios de Direito urbanísticos;
Instrumentos da política urbana e Questões controvertidas, Campinas: Millennium, 2006, p. 47. 236
SOARES, Beatriz Ribeiro, Cidade e Metrópole: Notas de um debate, in CARLOS, Ana Fani Alessandri;
LEMOS, Amália Inês Geraiges (org.). Dilemas Urbanos: Novas abordagens sobre a cidade, São Paulo:
Contexto, 2003, p. 83.
114
Ora, pode-se concluir que apesar da legislação não prever a necessidade de instituição
de um Plano Diretor; de um planejamento estratégico, para as cidades pequenas, a melhor
conclusão que se apresenta é que, na realidade, as cidades que se encontram “fora” do rol do
Art. 41 do Estatuto da Cidade não podem ficar alijadas dos benefícios do planejamento, até
porque, posteriormente estas se transformarão em cidades de médio e, grande porte (ou já
fazem parte de um núcleo metropolitano ou um conglomerado urbano) e, consequentemente,
portanto, apresentarão os mesmos problemas, destacando-se, nesse elenco, o crescimento
desordenado e, o aumento da periferia (sem estrutura). Desse modo, entende-se que o rol do
Art. 41 não pode ser considerado como exaustivo, podendo, perfeitamente, ser ampliado para
os municípios que ali não se encontram, como uma indicação a ser observada, visando à
melhoria das cidades brasileiras.
Até porque, como aponta Antonio de Pádua Ferraz Nogueira237
, as mudanças ocorridas
nos núcleos habitacionais de cada comunidade, ou nas alterações dos grandes centros, ou
ainda, nas transformações ocasionadas nas áreas metropolitanas, em decorrência de questões
sociais, éticas, econômicas, políticas ou ocasionais, as quais nem sempre possibilitam uma
disciplina para as alterações ecológicas. E, em face dessas questões, aponta o autor,
[...] estão a aconselhar ao administrador o emprego dos conhecimentos da ciência
urbanística, a fim de que se acautele diante do crescimento descontrolado,
distorcido e desvinculado das realidades, gerado, quase sempre, por uma ilusória
política desenvolvimentista, baseada no uso indiscriminado da tecnologia. Aliás,
verbi gratia, cabe ao desenvolvimento desordenado a proliferação de
incomensuráveis problemas ambientais no Estado de São Paulo, conforme concluiu
em 1978, o Grupo de Trabalho sobre ‘Controle de Poluição Ambiental e
Preservação de Recursos Naturais’, reunido na Universidade de São Paulo, durante
o ‘Simpósio Sobre Pesquisa Tecnológica’. Esses problemas ambientais, no entanto,
decorrentes da falta de planificação prévia, já não são exclusivamente do Estado de
São Paulo, mas de todo o País. (grifo do autor).
Veja-se, portanto, que a ausência de planejamento municipal acarreta inúmeros
problemas para o Município, ocasionando um crescimento desordenado, havendo, portanto,
necessidade imperiosa de um planejamento sério, motivo pelo qual se verifica a importância
do Plano Diretor, independentemente do tamanho do Município.
237
NOGUEIRA, Antonio de Pádua Ferraz. Desapropriação e Urbanismo, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1980, p. 23-24.
115
Além disso, Alexandre Sturion de Paula238
aponta que o Plano Diretor “é um
instrumento orientador e normativo dos processos de transformação do Município”, sendo que
esse instrumento urbanístico,
[...] realiza uma radiografia do município no seu atual estado e identifica quais são
os problemas que o município enfrenta e as suas necessidades para um futuro
estimado de dez anos, possibilitando que os Prefeitos, Vereadores, comerciantes,
industriários, investidores e munícipes de forma geral possam impedir o
agravamento dos atuais problemas e planejar o desenvolvimento e crescimento do
município. O Plano Diretor é composto por um conjunto de informações técnicas,
mapas, de localização, de diagnósticos, de planejamento e de legislações.
E, para melhor entender o Plano Diretor, imprescindível conhecer suas características,
dentre as quais se destaca:
a)integrar, como fundamento, o processo de planejamento municipal; b) englobar
todo território do município (zona rural e urbana); c) periodicidade de sua revisão
(pelo menos a cada dez anos); d) obrigatoriedade para cidades com mais de 20.000
(vinte mil) habitantes, para aquelas que integram regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas, áreas de especial interesse turístico ou de influência de
empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito
regional ou nacional, bem como onde o Poder Público municipal pretenda utilizar
os instrumentos previstos no § 4° do art. 182 da Constituição Federal; e) determinar
as exigências de ordenação da cidade, pelas quais será aferida a função social da
propriedade urbana; f) pressupõe processo legislativo especial, em que se deve
garantir, nas fases de sua elaboração, ampla participação popular (na forma do § 4°
do art. 40 do Estatuto da Cidade).239
Mas, como apontado no próprio Estatuto da Cidade, o Plano Diretor precisa seguir
etapas previamente determinadas, visando a plena efetividade e alcance da melhoria para a
população daquela localidade, observando, sempre, as realidades regionais (não podendo ser
mera cópia de outras realidades, sob pena de causar prejuízos e, não benefícios).
Assim, é necessário diagnosticar, com participação (efetiva) da sociedade, os problemas
da cidade, identificando os assuntos a serem trabalhados; estabelecendo as metas a serem
atingidas no prazo disposto no Plano Diretor; determinando os instrumentos urbanísticos e as
intervenções (projetos, obras, programas públicos) necessárias para alcançar as metas
(anteriormente estabelecidas). Além disso, faz-se necessário, enviar a proposta para a Câmara,
a fim de que os vereadores possam discutir, em audiências públicas, com a sociedade, visando
238
PAULA, Alexandre Sturion de. Estatuto da Cidade e o Plano Diretor Municipal, São Paulo: Lemos e Cruz,
2007, p. 17. 239
AMADEI, Vicente de Abreu. Urbanismo Realista: A lei e a cidade; Princípios de Direito urbanísticos;
Instrumentos da política urbana e Questões controvertidas, Campinas: Millennium, 2006, p. 47-48.
116
reunir contribuições, para o aperfeiçoamento do Plano Diretor, que, ao final, será aprovado.
Deve, ainda, estabelecer o processo de planejamento, com prazos, definidos, para a
implementação do Plano Diretor e, ainda, estabelecer o prazo de revisão do Plano Diretor
(cujo prazo máximo, estabelecido no Estatuto da Cidade, é de dez anos), tendo em vista que a
cidade crescerá e, se modificará.
A sociedade deve participar, de forma efetiva, das decisões públicas na cidade,
auxiliando na elaboração do Plano Diretor, de forma direta, apresentando propostas nas
audiências públicas, por exemplo. Ressalta-se que este tema ainda será abordado, de modo
mais profundo, nos itens subsequentes.
Para Zélia Leocádia da Trindade Jardim, foi apenas após o advento da Lei Magna de
1988 que as normas urbanísticas ganharam contorno (e até mesmo relevo), inserindo-se
alterações expressivas, inclusive com mudanças de paradigmas, em especial na forma de se
conceber o direito à propriedade, as políticas urbanas, bem como a necessidade de que os
institutos se submetam à função social.
No bojo dessas mudanças, destaque é dado ao papel do “plano diretor” como
principal instrumento jurídico e político urbanístico do município e garantidor das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, como outorgado pela Lei
Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade.
Não de abandona, contudo, a perspectiva histórica de que a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 foi a principal norma inovadora de Direito
Urbanístico e Ambiental, quando incorporou as premissas básicas do denominado
“Movimento Nacional da Reforma Urbana”, iniciando nas décadas de 1960 e
retomado em 1987, no propósito de cumprir as funções sociais da cidade, o que
sempre se constituiu na finalidade daquele movimento.240
(grifo do autor).
Além disso, a Constituição de 1988, em uma visão mais moderna, dotou o Município de
autonomia, como ente federativo, visando transformar a cidade em uma sociedade mais
solidária, entendendo que as novas realidades virão dos Municípios (que se encontram mais
próximos das pessoas, com maior facilidade, portanto, de perceber, via seus legisladores, os
anseios sociais). Para tanto, encontram-se asseguradas, na Constituição, as fontes de receitas
e competências tributárias, jurídicas e políticas (dos Municípios). Isso tudo se justifica em
face de que os Municípios evoluíram largamente no decorrer dos tempos (como
240
JARDIM, Zélia Leocádia da Trindade, Regulamentação da Política Urbana e Garantia do Direito à Cidade,
in COUTINHO, Ronaldo; BONIZZATO, Luigi. Direito da Cidade: Novas concepções sobre as relações
jurídicas no espaço social urbano, 2. ed., rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011, p. 119.
117
exaustivamente analisado no capítulo antecedente), partindo das pequenas aldeias e,
posteriormente burgos, para ocupar a posição central dos Estados Modernos, em decorrência
de que são nesses que residem a população, ali se concentrando os anseios e problemas de
toda uma sociedade.
E, o Plano Diretor, ter por escopo justamente saldar a dívida social, cujo início remonta
à forma de colonização sofrida pelo Brasil, bem como a forte concentração urbana na década
de 1960/1970, época em que, em face do crescimento industrial e, do desenvolvimento
financeiro, as pessoas (como já apontado), deixaram o campo e se mudaram para as cidades,
“da noite para o dia”, ocasionando um inchaço desordenado. Apesar dos investimentos
realizados, em larga escala, para construção e/ou melhoria, da infraestrutura, com transporte
urbano, saneamento, moradia, entre outros, não foi suficiente, em face do número de novos
habitantes, em contrapartida com os investimentos realizados, resultando no aumento da
periferia e, naturalmente, das favelas.
Jacintho Arruda Câmara destaca que o Plano Diretor é instrumento de efetividade dos
princípios constitucionais, sendo:
[...] o mais importante instrumento de planificação urbana previsto no Direito
Brasileiro, sendo obrigatório para alguns Municípios e facultativo para outros; deve
ser aprovado por lei e tem, outras prerrogativas, a condição de definir qual a função
social a ser atingida pela propriedade urbana e de viabilizar a adoção dos demais
instrumentos de implementação da política urbana (parcelamento, edificação ou
utilização compulsórios, IPTU progressivo, desapropriação com pagamento em
títulos, direito de preempção, outorga onerosa do direito de construir, operações
urbanas consorciadas e transferência do direito de construir).241
Verifica-se que, conforme dito outrora, a conceituação de Plano Diretor encontra-se
definida pela Lei Máxima do País, que elegeu o Plano Diretor como o instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana, visando atender às exigências da
comunidade, voltado para o bem estar de todos; em atenção à necessidade de função social
das cidades.
Para Hely Lopes Meirelles:
O Plano Diretor ou Plano de Desenvolvimento Integrado, como modernamente se
diz, é o complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento
241
CÂMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor, in DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.),
Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 324.
118
global e constante do Município, sob os aspetos físico, social, econômico e
administrativo, desejado pela comunidade local. Deve ser a expressão das
aspirações dos munícipes quanto ao progresso do território municipal no seu
conjunto cidade-campo. É o instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de
cada Municipalidade e, por isso mesmo, com supremacia sobre os outros, para
orientar toda atividade da Administração e dos Administrados nas realizações
públicas e particulares que interessam ou afetam a coletividade.242
(grifo do autor)
Assim, o Plano Diretor é instrumento Constitucional de promoção social e,
desenvolvimento humano, voltado, portanto, para o desenvolvimento de todos e, de cada um,
por intermédio do planejamento das cidades, voltado para o bem estar da população.
2.2 OBJETIVOS
Como instrumento emanado da Constituição Federal, o Plano Diretor foi criado,
visando atingir alguns objetivos, os quais serão destacados neste trabalho. O Plano Diretor,
considerado como principal instrumento do Estatuto da Cidade, na realidade, não possui
definição legal no ordenamento jurídico brasileiro. Na realidade, sua definição é trazida pela
doutrina. Além disso, como dito anteriormente, o instituto somente foi trazido pela atual
Constituição, “que deu os contornos constitucionais de seu regime jurídico e prescreveu a sua
principal finalidade.”243
Uma das finalidades primordiais encontra guarida na política urbana, a qual tem por
objetivo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (já objeto de análise neste
trabalho), garantindo a promoção do bem estar das pessoas que ali se encontram, oferecendo
condições dignas, assegurando, para tanto, moradia digna, trabalho, educação etc., enfim, tudo
para o pleno desenvolvimento da dignidade da pessoa humana, na sua integralidade. Para
tanto, faz-se necessário que o Município confira a possibilidade de plena efetividade ao Plano
Diretor.
Frisa-se, ainda, que a política urbana teve seus princípios, bem como suas diretrizes
gerais, inseridos na Constituição da República, observando-se algumas premissas, visando
242
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir, 6. ed., atual. por Eurico de Andrade Azevedo, São Paulo:
Malheiros Editores, 1994, p. 95-96. 243
JARDIM, Zélia Leocádia da Trindade, Regulamentação da Política Urbana e Garantia do Direito da Cidade,
in COUTINHO, Ronaldo; BONIZZATO, Luigi. Direito da Cidade: Novas concepções sobre as relações
jurídicas no espaço social urbano, 2. ed., rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011, p. 122.
119
assegurar o Direito à Cidade, de forma justa e digna. Assim, são elementos básicos da política
de reforma urbana, absorvidos pela Constituição:
1. Acesso igualitário aos bens e serviços [...];
2. Submissão do direito de propriedade à sua função social;
3. O Estado deve garantir os direitos urbanos;
4. Regulação publica da produção privada, através do controle social do uso do solo
urbano;
5. Reconhecimento da cidade enquanto totalidade; controle social e participação
popular como condição básica da gestão democrática da cidade; e
6. A sustentabilidade ambiental.244
Veja-se que a preocupação da Constituição foi, justamente, conferir direitos às pessoas,
permitindo que estas tenham acesso, total, aos direitos individuais, como meio de atingir a
dignidade humana.
Como já mencionado no Capítulo anterior, o Estatuto da Cidade traça diretrizes gerais
para a unificação das políticas urbanas no Brasil, tendo corroborado o papel do Plano Diretor,
“como um modelo institucional inovador e instrumento jurídico-político fundamental para a
ampliação da cidadania, o ordenamento do solo urbano e a sustentabilidade da qualidade de
vida das nossas cidades.”245
, entendendo cidade não apenas como sede do Município, mas,
também, como o local onde as pessoas se relacionam, promovendo não apenas as relações
sociais, se juntando à estas, as relações econômicas, políticas e culturais.
Pode-se considerar, ainda, como objetivo do Plano Diretor, a plenitude da função social,
devendo o Plano Diretor assegurar, a todos, o direito à vida com dignidade, concedendo-lhes
instrumentos para tanto. Importante, ressaltar, assim, que se deve vislumbrar que faz parte da
finalidade do Plano Diretor, a fixação, de modo expresso, das “diretrizes para as demais
normas urbanísticas municipais, em vista da racional e eficaz disciplina da vida e dos espaços
urbanos.”246
244
JARDIM, Zélia Leocádia da Trindade, Regulamentação da Política Urbana e Garantia do Direito da Cidade,
in COUTINHO, Ronaldo; BONIZZATO, Luigi. Direito da Cidade: Novas concepções sobre as relações
jurídicas no espaço social urbano, 2. ed., rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011, p. 119-120. 245
Idem, p. 121. 246
AMADEI, Vicente de Abreu. Urbanismo Realista: A lei e a cidade – Princípios de Direito Urbanísticos,
Instrumentos da política urbana e questões controvertidas, Campinas: Millennium, 2006, p. 47.
120
José Afonso da Silva247
aponta que o Plano Diretor tem “por função sistematizar o
desenvolvimento físico, econômico e social do território municipal, visando ao bem-estar da
comunidade local”, possuindo, para tanto, objetivos gerais e específicos.
São gerais: promover a ordenação dos espaços habitáveis do Município.
Poderíamos, aliás, enunciar ainda de modo mais geral esses objetivos do plano,
dizendo que seu objetivo geral é o de instrumentar uma estratégia de mudança no
sentido de obter a melhoria da qualidade de vida da comunidade local.
Os objetivos específicos dependem da realidade que se quer transformar.
Traduzem-se em objetivos concretos de cada um dos projetos que integram o plano,
tal como reurbanização de um bairro, alargamento de determinada via pública,
construção de vias expressas, intensificação da industrialização de área
determinada, construção de casas populares, construção de rede de esgoto,
saneamento de determinada área, retificação de um rio e urbanização de suas
margens, zoneamento, arruamento, loteamento etc. (grifo do autor).
Como apontado anteriormente, a aplicação e, efetivação da função social (em suas mais
variadas facetas; como, na necessidade de observância da função social da propriedade e,
função social da própria cidade), é cerne das políticas de gestão urbana, servindo o Plano
Diretor como um dos principais (senão o principal) elementos necessários para sua
concretização, sendo este o objetivo primordial do Plano Diretor, a ser aplicado em cada
Município.
2.3 OBRIGATORIEDADE DE INSTITUIÇÃO DO PLANO DIRETOR
De modo sucinto, é possível compreender o Plano Diretor como instrumento da própria
Constituição Federal, já que se a Constituição tem como um dos fundamentos primordiais
atingir a dignidade plena e, uma das formas de se obter a dignidade é, justamente quando se
alcança a função social, em especial, a função social da cidade.
Uma boa cidade não deverá apenas ser um ambiente destinado à sobrevivência das
espécies. Ela possui uma função política que promoverá, ao mesmo tempo, um
ambiente salutar à sobrevivência e ao desenvolvimento sustentável que promova
melhor interação entre as pessoas e um processo político mais justo, em que as
desigualdades gerem resultados benéficos a todos.248
247
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, 6. ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010, p.
138. 248
SILVA, Carlos Henrique Dantas da. Plano Diretor: Teoria e Prática, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 19.
121
E, é por esse motivo que o Estatuto da Cidade prevê a obrigatoriedade de instituição do
Plano Diretor em determinados casos, justamente para que haja a concretização da função
social e, consequentemente, da própria dignidade dos que ali residem.
Assim, para que a cidade desempenhe seu papel, com a implementação das políticas
públicas, com o atendimento das necessidades de todos, para que eles obtenham qualidade de
vida, justiça social e, desenvolvimento das atividades econômicas (aliás, como previsto no
Art. 39, do Estatuto da Cidade), faz-se necessário a instituição de um planejamento específico,
voltado para as necessidades locais. E, o Plano Diretor é, justamente, o instrumento
primordial da política de desenvolvimento e expansão urbana, sendo parte integrante do
processo de planejamento municipal (conforme disciplinado pelo Estatuto da Cidade). Até
porque os objetivos da política urbana encontram-se descritos no Art. 2° (trazendo, também,
suas diretrizes gerais), do Estatuto, sendo:
Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais:
I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte
e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II - gestão democrática por meio da participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
III - cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da
sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus
efeitos negativos sobre o meio ambiente;
V - oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos
adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;
VI - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em
relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como
pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não
utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
VII - integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em
vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área
de influência;
III - adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão
urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e
econômica do Município e do território sob sua área de influência;
122
IX - justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização;
X - adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos
gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os
investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes
segmentos sociais;
XI - recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resulta da
valorização de imóveis urbanos;
XII - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído,
do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
XIII - audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos
processos de implantação de empreendimentos ou atividade com efeitos
potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto
ou a segurança da população;
XIV - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de
baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e
ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da
população e as normas ambientais;
XV - simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das
normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta
dos lotes e unidades habitacionais;
XVI - isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de
empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o
interesse social.249
O que se depreende de toda a leitura do artigo supra transcrito é que o objetivo
primordial de todo a política urbana é a função social, e os instrumentos são destinados
justamente a essa concretização, sendo, como já dito, o Plano Diretor, o elemento principal.
E, para melhor entendimento dessa diretriz, que visa um desenho urbano mais
responsável, o Estatuto da Cidade dispõe, em quais situações é obrigatória a elaboração do
Plano Diretor, o fazendo no Art. 41:
Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:
I - com mais de vinte mil habitantes;
II - integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no
4º do art. 182 da Constituição Federal;
IV - integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V - inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
§ 1º No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no
inciso V do caput , os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano
diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas.
§ 2º No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser
elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor
ou nele inserido.250
249
BRASIL, Lei nº 10.257, de 10 de julho 2001 (Estatuto da Cidade). 250
BRASIL, Lei nº 10.257, de 10 de julho 2001 (Estatuto da Cidade).
123
Assim, anota-se que, a primeira hipótese, levantada pelo Art. 41, o Estatuto prevê que as
cidades com mais que 20 (vinte) mil habitantes devem possuir um planejamento municipal
adequado. Aliás, essa determinação encontra previsão na Constituição Federal, em seu Art.
182, o qual estabelece que a política urbana tem por objetivo primordial efetivar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo, assim, o bem estar de seus
habitantes. E, o § 1° determina a obrigatoriedade de instituição do Plano Diretor nas cidades
com mais de 20 (vinte) mil habitantes, ao dispor: “O plano diretor, aprovado pela Câmara
Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico
da política de desenvolvimento e de expansão urbana.”251
Da mesma forma, a Constituição do Estado de Mato Grosso, no Art. 307 prevê a
obrigatoriedade de instituição do Plano Diretor nos municípios com mais de 20 (vinte) mil
habitantes:
Art. 307. O Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para áreas
urbanas de mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da Política de
Desenvolvimento e Expansão Urbana, bem como expressará as exigências de
ordenação da cidade.
§ 1° O Plano Diretor é parte integrante de um processo contínuo de planejamento a
ser conduzido pelos Municípios, abrangendo a totalidade de seu território e
contendo diretrizes de uso e ocupação do solo, zoneamento, índices urbanísticos,
áreas de interesse especial e social, diretrizes econômico-financeiras e
administrativas, nos termos da lei.252
Além disso, estabeleceu, o supra mencionado Art. 307, da Constituição Estadual de
Mato Grosso, em seu § 2°, que seria atribuição do Município, por intermédio de seu órgão
técnico, a elaboração do Plano Diretor e, posterior condução e implementação.
Cumpre, também, apontar que o Art. 50, do Estatuto da Cidade disciplina que os
municípios com mais de 20 (vinte) mil habitantes (em face da obrigatoriedade), que não
possuíssem Plano Diretor, que o fizessem no prazo de 05 (cinco) anos.
A segunda hipótese de obrigatoriedade, prevista no Art. 41, diz respeito aos municípios
integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas. Eros Roberto Grau, ao
discorrer sobre regiões metropolitanas, aponta que, estas,
251
BRASIL, Constituição da República Federativa do, 1988. 252
MATO GROSSO, Constituição do Estado de, 1989.
124
[...] podem ser conceituadas, em sentido amplo, como o conjunto territorial
intensamente urbanizado, com marcante densidade demográfica, que constituí um
pólo de atividade econômica, apresentando uma estrutura própria definida por
funções privadas e fluxos peculiares, formando, em razão disso, uma mesma
comunidade socioeconômica em que as necessidades específicas somente podem
ser, de modo satisfatório, atendidas através de funções governamentais coordenadas
e planejadamente exercitadas.253
José Afonso da Silva254
lembra que as regiões metropolitanas já encontravam previsão
legal na Constituição de 1967, sendo que a Constituição, à época, previa a competência da
União para instituir determinadas regiões, por meio de Lei Complementar, englobando os
Municípios que fizessem parte de uma mesma comunidade. Assim, com base nessa legislação
foi instituída a Lei Complementar n° 14/1973, que criou as seguintes regiões metropolitanas
de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Salvador, Recife, Curitiba e Belém;
além da Lei Complementar n° 20/1974, que instituiu a região do Rio de Janeiro. Ressalta-se
que, “a União, na verdade, as instituiu, mas não tomou mais, praticamente, conhecimento
delas. Os Estados é que ficaram responsáveis por sua estruturação e funcionamento, criando
empresas ou autarquias para dar-lhes efetividade.”
O mesmo autor continua destacando que, atualmente, a Constituição atribui a
competência não mais a União, mas sim aos Estados, podendo estes, via Lei Complementar,
instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, que são constituídas
“por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a
execução de funções públicas de interesse comum.” José Afonso da Silva ainda aponta a
diferença entre as regiões, destacando que:
Região metropolitana constitui-se de um conjunto de Municípios cujas sedes se
unem com certa continuidade urbana em torno de um Município. Microrregiões
formam-se de grupos de Municípios limítrofes com certa homogeneidade e
problemas administrativos comuns, cujas sedes não sejam unidas por continuidade
urbana. Aglomerações urbanas carecem de conceituação, mas de logo se percebe
que se trata de áreas urbanas sem um pólo de atração urbana, quer tais áreas sejam
das cidades-sedes dos Municípios [...]. (grifo do autor).
253
GRAU, Eros Roberto. Direito Urbano, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 10. 254
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, 6. ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010, p.
152.
125
Já, na terceira hipótese, prevista no Art. 41, III, estabelece-se a obrigatoriedade de
instituição do Plano Diretor, quando o Poder Público do Município pretenda utilizar os
instrumentos dispostos no 4º do art. 182 da Constituição Federal, o qual estabelece:
Art. 182. A política de desenvolvimento, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes. [...]
§4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área
incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo
urbano não edificado, subutilização ou não utilização, que promova seu adequado
aproveitamento, sob pena, sucessivamente de:[...].255
Verifica-se que, na possibilidade prevista no inciso III, do Art. 41, tem, por intenção a
promoção do uso adequado do solo urbano, evitando, desse modo, sua subutilização ou
utilização inadequada, ou, ainda, o não uso, sendo que para coibir tais atos, o Município
poderá valer-se dos instrumentos abaixo:
[...] parcelamento ou edificação compulsórios; imposto sobre a propriedade predial
e territorial urbana progressivo no tempo; desapropriação com pagamento mediante
títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal,
com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Nesses casos, deverá ele
elaborar previamente plano diretor a melhor legitimar o uso de tais instrumentos;256
Neste caso, o Plano Diretor tem o condão de se transformar em um verdadeiro
instrumento da política urbana, já que guarda relação direta com as políticas públicas eleitas
por cada Município (diferente das modalidades anteriores, nas quais há vinculação com as
características da própria cidade), sendo o Plano Diretor “um instrumento de gestão da cidade
nas suas mais variadas funções e necessidades.”257
, servindo o Plano Diretor de instrumento
Constitucional de efetivação da função social, atendendo ao bem estar das pessoas, já que o
Estatuto da Cidade estabeleceu que o Plano Diretor é o instrumento jurídico adequado para
determinar o próprio conceito de função social da propriedade, tanto urbana, quanto rural,
como se verifica do Art. 39 da referida lei, que dispõe que “a propriedade urbana cumpre sua
255
BRASIL, Constituição da República Federativa do, 1988. 256
TOBA, Marcos Mauricio. Do Plano Diretor, in MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de
(coord.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001 (Comentários), 2. ed., ver., atual. e ampl., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004, p. 251. 257
PRESTES, Vanêsca Buzelato. Instrumentos Legais e Normativos de Competência Municipal em Matéria
Ambiental, in PRESTES, Vanêsca Buzelato (org.). Temas de Direito Urbano-Ambiental, Belo Horizonte: Fórum,
2006, p. 219.
126
função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor.”258
A hipótese, estabelecida no Art. 41, IV, de outro modo, determina a instituição de Plano
Diretor, quando se tratar de Municípios integrantes de áreas de especial interesse turístico,
posto que algumas regiões possuem a capacidade de exercer sobre as pessoas uma atração
especial, seja em decorrência das características físicas ou, de interesse histórico, atraindo as,
em face da beleza, lazer ou divertimento, ou seja, em virtude dos mais variados aspectos, o
que acarreta deslocamento de pessoas para aquelas localidades, influenciando, assim, em
vários fatores, em especial nas questões econômicas.
Priscila Ferreira Blanc lembra que:
Já em 1977 a Lei 6.513 normatizava a criação de áreas de interesse turístico,
conceituando as áreas especiais de interesse turístico como ‘trechos contínuos do
território nacional, inclusive suas águas territoriais, a serem preservados e
valorizados no sentido cultural e natural, e destinados à realização de planos e
projetos de desenvolvimento turístico.’ Essa mesma lei obriga que dos planos e
programas turísticos constem as normas de preservação, restauração, recuperação
ou valorização do patrimônio cultural ou natural existente.259
(grifo do autor).
Referidas regiões, ainda que pequenas, no tocante ao número de habitantes, recebem,
constantemente, um grande número de visitantes, o que leva à necessidade de um maior
planejamento nesses Municípios, até para que não haja problemas estruturais, o que poderia
prejudicar não apenas os turistas, mas também os moradores daquela localidade.
[...] a Lei 6.513, de 20.12.1977, criou as chamadas áreas especiais de interesse
turístico, definindo-as como ‘trechos contínuos do território nacional, inclusive suas
águas territoriais, a serem preservados e valorizados no sentido cultural e natural, e
destinados à realização de planos e projetos de desenvolvimento turístico’ (art. 3°).
Portanto, planos especiais de urbanismo devem ser elaborados para tais áreas. E
assim a exigência da lei, para que cidades que componham tais áreas também
elaborem seus planos diretores, de modo a compatibilizá-lo com tais planos
especiais. Resta ainda lembrar que em municípios especializados – como aqueles
localizados em áreas de interesse turísticos – os planos diretores também precisam
prever e desenvolver as vantagens competitivas das atividades humanas instaladas
que servem aos usuários de especialização – no caso, os turistas. O planejamento,
258
Estatuto da Cidade. 259
BLANC, Priscila Ferreira. Plano Diretor & Função Social da Propriedade, 1. ed., 8. reimp., Curitiba: Juruá,
2011, p. 127.
127
portanto, precisa se deter em alguns aspectos mais específicos, dando à atividade
planejadora uma especificidade de ainda maior relevância;260
E, no caso do inciso V, Art. 41, tem-se a exigência do Plano Diretor quando, inseridas
na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental
de âmbito regional ou nacional, justamente para resguardar um dos princípios fundantes da
Constituição Federal, que é a proteção do meio ambiente.
Por óbvio, impactos ambientais de âmbito regional ou nacional trazem
repercussões. Dessa forma, nada mais natural que as cidades atingidas procurem
compatibilizar seu planejamento urbano a tais ocorrências. Daí a exigência de plano
diretor nesta situação. Nesse último caso, o § 1º ainda obriga que os recursos
técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre
as medidas de compensação adotadas. Ora, reflexo indireto do princípio do
poluidor-pagador, do direito ambiental. Quem deve, socialmente, arcar com os
gastos do processo de poluição é o próprio agente causador. Assim, deve o
empreendedor se responsabilizar pelos recursos técnicos e financeiros para a
elaboração do plano diretor.261
(grifo do autor).
A defesa do meio ambiente é um princípio resguardado pela Constituição de 1988,
posto ser uma preocupação constante no referido Texto Maior, como se depreende da leitura
do mesmo. A Constituição visa a proteção do meio ambiente, para que se resguarde, em
última análise a própria dignidade da pessoa humana, pois propicia melhores condições de
vida a todos os seres humanos.
Celso Ribeiro Bastos lembra que foi a partir da Constituição de 1988 que o meio
ambiente passou a ser tratado como um princípio Constitucional, o que para ele pode ser
explicado em face de uma maior conscientização da humanidade para os problemas gerados
pelo descaso com o meio ambiente, sendo imperativo a utilização de forma racional do
mesmo, já que a humanidade necessita de um ambiente equilibrado e saudável para sua
própria sobrevivência. Assim:
A defesa do meio ambiente, é sem dúvida, um dos problemas mais cruciais da
época moderna. Os níveis de desenvolvimento econômico, acompanhados da
adoção de práticas que desprezam a preservação do meio ambiente, têm levado a
uma gradativa deteriorização deste, a ponto de colocar em perigo a própria
sobrevivência do homem.262
260
TOBA, Marcos Mauricio. Do Plano Diretor, in MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de
(coord.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001 (Comentários), 2. ed., ver., atual. e ampl., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004, p. 251-252. 261
Idem, p. 252. 262
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 156/159.
128
Além do estabelecido no Art. 170, a Constituição Federal resguarda o meio ambiente
em outros dispositivos, como é o caso do Art. 186, que trata dos requisitos que devem ser
cumpridos para que se considere que a propriedade conseguiu atingir sua função social.
Assim, a função social da propriedade rural é cumprida quando se utiliza de forma adequada
dos recursos naturais disponíveis, preservando-se o meio ambiente.
A proteção ao meio ambiente é tão importante que chega até a ultrapassar o direito
adquirido e a coisa julgada, como bem aponta Hugo Nigro Mazzilli:
Em matéria ambiental, a consciência jurídica indica a inexistência de direito
adquirido de degradar a natureza. [...] Afinal, não se pode formar direito adquirido
de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como
futuras.
[...] Ora, não se pode admitir, verdadeiramente, a formação de coisa julgada ou
direito adquirido contra direitos fundamentais da humanidade; não existe o suposto
direito de violar o meio ambiente e destruir as condições do próprio habitat do ser
humano. Como admitir a formação de direitos adquiridos e coisa julgada em grave
detrimento até mesmo de gerações que ainda nem nasceram?! .[...] Não se invocará
direito adquirido para se escusar de obrigações impostas por normas de ordem
pública com o escopo de proteger o meio ambiente”. 263
Além disso, o Art. 225 da Constituição Federal trata da responsabilidade do Poder
Público (em qualquer instância), no tocante às práticas ambientais ilícitas e danosas, já que
incumbe ao Poder Público assegurar que todos tenham a possibilidade de usufruir de um
ambiente ecologicamente equilibrado, em face de ser de uso comum do povo, além de
essencial à sadia qualidade de vida e, portanto, imprescindível para a efetividade da dignidade
da pessoa humana.
O Art. 41 traz, ainda, em seus parágrafos, primeiramente, a necessidade de que, no caso
do inciso V, acima comentado, quando da realização dos empreendidos ali retratados, os
recursos, sejam financeiros, ou técnicos, para a preparação dos Planos Diretores, devem se
inserir entre as medidas de compensação a serem adotadas (como previsto no § 1º). Além
disso, prevê, em seu § 2º, que, nas cidades, onde houver mais de 500.000 (quinhentos mil)
habitantes, haverá a necessidade de elaboração de um plano de transporte urbano integrado, e,
que tenha compatibilidade, ou que esteja inserido no Plano Diretor.
263
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 15 ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 433-
434.
129
2.4 ELEMENTOS OBRIGATÓRIOS
Para que se entenda a necessidade de certos elementos, tidos como obrigatórios, é
imprescindível entender as características do próprio Plano Diretor, as quais já foram
destacadas anteriormente.
Ruy de Jesus Marçal Carneiro, aponta que:
Destarte, embora devam ser respeitadas as peculiaridades de cada Município,
alguns elementos [...] devem estar presentes na elaboração de qualquer
planejamento municipal. Quanto aos planos diretores, o melhor caminho é, por
primeiro, o diagnóstico, depois, as proposições, os programas de investimento, as
atividades sociais, os cuidados com as atividades urbanísticas e, por fim, os
anteprojetos de lei para a corporificação do planejado. Tudo isto visando a um só
escopo: medidas para a fiscalização de uma melhor convivência urbana, do bom
uso do solo, busca da regulamentação da ‘função social da propriedade’, orientação
da oferta de serviços públicos e o desempenho, cada vez melhor, das atividades
sociais, tudo para ‘garantir o bem-estar’ dos habitantes das cidades (art. 182, caput,
da Constituição Federal).264
(grifo do autor).
O Estatuto da Cidade prevê, no Art. 42265
, o conteúdo mínimo do Plano Diretor,
estabelecendo os regramentos necessários para o cumprimento da finalidade do referido
planejamento, que é a concretização da função social da própria cidade.
Como instrumento Constitucional de política de desenvolvimento e, expansão urbana, o
conteúdo do Plano Diretor é voltado justamente para o desenvolvimento e expansão urbana,
conforme preceitua o Art. 182, da Constituição Federal. Para José dos Santos Carvalho
Filho266
, por ser o Plano Diretor um instrumento urbanístico fundamental “não pode guardar
total identidade normativa no que concerne ao processo de política urbana de cada
Município”, e isto é necessário pois,
264
CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Organização da Cidade: Planejamento Municipal, Plano Diretor,
Urbanificação, São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 112-113. 265
Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo: I - a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser
aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de
demanda para utilização, na forma do art. 5º desta Lei; II - disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35
desta Lei; III - sistema de acompanhamento e controle. BRASIL, Lei nº 10.257, de 10 de julho 2001 (Estatuto da
Cidade). 266
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade, 3. ed., rev., ampl. e atual., Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 270-271.
130
[...] cada um dos Municípios apresenta peculiaridades próprias, relacionadas a
aspectos de natureza social, cultural, econômico, territorial, ambiental, turístico etc.
A consequência é que as diretrizes e prioridades eleitas por determinado governo
municipal [...] não serão necessariamente as opções de outro. Se o conteúdo do
plano diretor deve atender às particularidades do Município – premissa que parece
ser unívoca aceitação – será forçoso admitir que tal conteúdo sofrerá variações
conforme os objetivos a serem perseguidos por cada governo municipal.
Mas, apesar de tudo isso, é possível vislumbrar que existem alguns aspectos
entendidos por gerais, que devem, obrigatoriamente, estar presentes nos Planos Diretores, que
são os aspectos físicos, sociais, econômicos, administrativos e ambientais. O primeiro aspecto
guarda relação com a ocupação e ordenação do solo do Município, planejando-se os sistemas
viários, de zoneamento e, de lazer, cuja finalidade é a melhoria da qualidade de vida dos
habitantes daquele local. No tocante, ao aspecto social, este diz respeito à própria qualidade
de vida dos habitantes e usuários tidos como permanentes, nas cidades. “Aspectos
fundamentais nessa hipótese são os concernentes aos serviços de educação, saúde, habitação,
transportes, trabalho, tudo, enfim, que possa minorar as agruras naturais daqueles que vivem
em centros urbanos movimentados.”267
Já, no aspecto econômico:
[...] deve o plano diretor projetar a destinação de áreas para desenvolvimento da
atividade de construção de edifícios comerciais ou não e casas residenciais,
principalmente para atender à demanda do mercado imobiliário, que, sem dúvida,
constitui indício de evolução econômica do Município. A destinação de áreas para
fins industriais e comerciais também se insere nesse aspecto, vez que o incremento
dessas atividades provoca o desenvolvimento da economia local. Essa preocupação
deve atingir sobretudo os Municípios que tenham predisposição para o
desenvolvimento do setor empresarial; para tanto, o plano diretor deve apresentar-
se em situação de incentivo ao setor privado, que, não raras vezes, vem também em
auxílio ao Poder Público.268
Com relação à natureza administrativa, o Plano Diretor mantém relação direta com a
execução, de forma efetiva, dos projetos urbanísticos. Assim, José dos Santos Carvalho Filho
ressalta que, nesse caso, que as “atividades como as de acompanhamento, estudos técnicos e
controle fazem parte desse segmento, a demonstrar que o processo decorrente de
planejamento é de fato dinâmico”, acabando, portanto, por exigir, freqüentes correções e
revisões, para que ocorra a adequação com o momento, em decorrência das constantes
mudanças sociais.
267
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade, 3. ed., rev., ampl. e atual., Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 271. 268
Idem, p. 271.
131
Por último, tem-se o aspecto ambiental, que, como dito anteriormente, é um dos
princípios consagrados na Lei Maior, sendo que, por esse motivo, o Município, quando da
instituição do Plano Diretor não pode deixar de lado o aspecto ambiental, posto ser esse um
dos pilares da consagração do próprio princípio da dignidade humana.
É claro que, além dos aspectos obrigatórios, ou elementos essenciais, previstos no Art.
42, o Plano Diretor também precisa contemplar as características específicas de cada
Município.
Ora, veja-se que, primeiramente, o Estatuto estabelece que todo Plano Diretor deve
delimitar em quais áreas urbanas deve ser aplicado o parcelamento, a edificação, ou utilização
compulsórios, devendo, para tanto, ser observada a estrutura do Município, no que se incluiu,
com certeza, as peculiaridades de cada localidade, tudo em conformidade com o estabelecido
no Art. 5°, do Estatuto, o qual dispõe:
Art. 5º Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá
determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo
urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e
os prazos para implementação da referida obrigação.
1° Considera-se subutilizado o imóvel:
I - cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em
legislação dele decorrente;
§ 2º O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o
cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de
registro de imóveis.
§ 3º A notificação far-se-á:
I - por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao
proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes
de gerência geral ou administração;
II - por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma
prevista pelo inciso I.
§ 4º Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:
I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão
municipal competente;
II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do
empreendimento.
§ 5º Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal
específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas,
assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um
todo.269
Além disso, deve, também, observar o previsto nos Arts. 25, 28, 29, 32 e 35, do Estatuto
da Cidade. O Art. 25 trata do Direito de Preempção (que também é conhecido como direito
269
BRASIL, Lei nº 10.257, de 10 de julho 2001 (Estatuto da Cidade).
132
de preferência ou, prelação), que indica uma restrição ao direito de propriedade (seja de bem
móvel ou imóvel), em face de que deve o proprietário, em primeiro lugar, “antes da alienação
do bem que lhe pertence, oferecê-lo, em igualdade de condições, a certa pessoa, conforme
determinado por lei ou contrato, em primeiro lugar na satisfação de seus interesses, quando
outras desejam disputar sua primazia.”270
Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência
para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.
§ 1º Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o
direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos,
renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência.
§ 2º O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigência fixado na
forma do § 1º, independentemente do número de alienações referentes ao mesmo
imóvel.
Referido instituto, da preempção, mantém relação direta com o Direito Civil, já que o
Código Civil Brasileiro, prevê: “Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador
a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento,
para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.” E, ainda: “Art. 514. O
vendedor pode também exercer o seu direito de preempção, intimando o comprador, quando
lhe constar que este vai vender a coisa.”
Importante ressaltar que o direito de preempção pode ser exercido por simples forma de
declaração unilateral do titular, endereçada ao obrigado, para que se evidencie o poder do
preferente, via notificação (Art. 513). Além disso, Nelson Nery Júnior aponta que o direito de
preempção (no caso do Art. 514), “trata-se de faculdade do vendedor, resultante da
constituição do direito de preferência, que se exerce por meio de notificação ao obrigado
alienante.”271
Assim, em face do instituto da preempção encontrar previsão tanto no Estatuto da
Cidade, quanto no Código Civil, quando o primeiro for omisso, deve-se aplicar o último. E, é
possível definir o direito de preempção, como sendo,
[...] o direito assegurado por lei ao Município, nas mesmas condições de preço e
pagamento, de ser preferido quando o proprietário de imóvel urbano situado em
área delimitada por lei municipal baseada no plano diretor e sujeita ao regime da
270
GASPARINI, Diógenes. Direito de Preempção, in DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.),
Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 193. 271
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado, 4.ed., rev. ampl., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 464.
133
preempção se dispuser por vontade própria a aliená-lo onerosamente a particular ou
se dispuser a aliená-lo, nessas condições, a terceiro em razão do recebimento
formal de proposta de compra e venda.272
E, o direito de preempção, encontra fundamento, além dos já citados artigos do Estatuto
da Cidade e, do Diploma Civil, na própria Constituição, por fazer parte da própria função
social da propriedade (princípio Constitucional), quando fizer parte de área de interesse para o
Plano Diretor, o qual tem por finalidade precípua a consecução da função social da cidade,
visando atingir o bem estar de toda a população. Assim, compreende-se que a finalidade da
preempção é social, tendo em vista que o Art. 26 do Estatuto preceitua que o direito de
preempção será utilizado em hipóteses sociais, quando o Município necessitar para
regularização fundiária; execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
constituição de reserva fundiária; ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
implantação de equipamentos urbanos e comunitários; criação de espaços públicos de lazer e
áreas verdes; criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse
ambiental e, proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico.
Art. 26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público
necessitar de áreas para:
I - regularização fundiária;
II - execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
III - constituição de reserva fundiária;
IV - ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
V - implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
VI - criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
VII - criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse
ambiental;
VIII - proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;
Parágrafo único. A lei municipal prevista no § 1º do art. 25 desta Lei deverá
enquadrar cada área em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais das
finalidades enumeradas por este artigo.
Já, os Arts. 28 e 29, do Estatuto da Cidade, disciplinam a outorga onerosa do Direito de
construir.
Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá
ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante
contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
§ 1º Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área
edificável e a área do terreno.
§ 2º O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para
toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana.
272
GASPARINI, Diógenes. Direito de Preempção, in DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.),
Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 197.
134
3º O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes
de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infraestrutura
existente e o aumento de densidade esperado em cada área.
Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração
de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
Mais uma vez, tem-se um instituto atrelado ao princípio da função social da
propriedade, sendo um dos mecanismos instituídos, por lei, para sua efetivação. Assim, tem-
se que:
[...] a onerosidade da outorga é, na verdade, uma conseqüência do estabelecimento
do instituto do solo criado. Afinal faz sentido prever a possibilidade de outorga
onerosa (de todo modo, uma faculdade que assistirá ao particular interessado para
além do coeficiente básico de aproveitamento) se preexistir a noção de que a
edificação para além destes parâmetros constitui criação de solo à qual não
corresponde um direito subjetivo do particular.273
E isso se verifica, pois no Art. 28 do Estatuto, local que se encontra a definição do
instituto do solo criado (artigo supra citado), bem como no Art. 30 (abaixo), do mesmo
diploma.
Art. 30. Lei municipal específica estabelecerá as condições a serem observadas para
a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, determinando:
I - a fórmula de cálculo para a cobrança;
II - os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;
III - a contrapartida do beneficiário.
E, para, Floriano de Azevedo Marques Neto274
, essa diferenciação é importante, já que
“temos o direito de construir para além do coeficiente de aproveitamento básico – ou seja, o
solo criado – se constituiu como um ativo patrimonial destacado da propriedade do imóvel
correspondente.”. Assim, em face disso, por ser ativo, é caracterizado como um bem
intangível e autônomo, admitindo, portanto, a transação deste (alienação), a ser feita, pelo
Poder Público, por meio da outorga onerosa, ou, ainda, pelo(s) particular(es), “que tiverem
seu direito de construir até o limite do coeficiente básico interditado por outras medidas de
sacrifício ou condicionamento urbanístico”, pela transferência do direito construir (disposto
no Art. 35 do Estatuto da Cidade). Todavia, ressalta-se que o solo criado, a despeito de ser um
bem público alienável (comercializável), não é um bem de característica ilimitada, já que se
pode dizer que “haverá em cada cidade um potencial de [...] solo criável correspondente à
273
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Outorga Onerosa do Direito de Construir (Solo Criado), in
DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.), Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal
10.257/2001, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 234. 274
Idem, p. 235.
135
diferença entre o coeficiente de aproveitamento básico estabelecido para cada área dentro da
zona urbana (art. 28, § 2º) e o limite máximo passível de ser aproveitado.” Neste último, com
previsão no Art. 28, § 3º275
. Deve-se, ainda, extrair desse resultado, as áreas públicas e
institucionais, além das áreas tombadas e, as que são objeto de proteção ambiental, dentre
outras passíveis do interesse público.
É claro que tudo isso deve ser estabelecido em lei Municipal própria, em especial, no
próprio Plano Diretor, que deve delimitar e estabelecer as definições para a implantação do
solo criado, devendo, para tanto, em primeiro lugar, estabelecer o coeficiente básico, o qual
poderá ser único ou, diferenciado para áreas específicas. E, este coeficiente traça a limitação
do direito de construir. Posteriormente, há necessidade de se estabelecer, dentre as áreas da
cidade, quais seriam passíveis de edificação, para além do coeficiente básico, como se
encontra estabelecido no Art 28, do Estatuto (anteriormente transcrito), que aponta que, “o
plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do
coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo
beneficiário”. Desse fator, emana a possibilidade de que existam áreas em que haverá a
interdição para a criação do solo, usado pelo Estatuto, como mecanismo de ordenação
urbanística.
Na sequência, tem-se um novo patamar de aproveitamento, não mais ligado ao
particular, mas ao próprio Poder Público, já que restringe a possibilidade deste de outorga
onerosa de potencial construtivo, inserido no Art. 28, § 3º, já transcrito. E,
Estes ‘limites máximos a serem atingido pelos coeficientes de aproveitamento’
constituir-se-ão como um limite máximo para criação do solo. Note-se que o
dispositivo se refere a limites máximos, no plural – o que permite concluir que
poderão (a nosso ver, deverão) ser estabelecidos limites diferenciados em cada área
da cidade, consoante a realidade de sua infra-estrutura urbana e o perfil de
densidade que sobre ela se quer estabelecer. Enquanto o coeficiente básico de
aproveitamento deveria ser único, o limite para criação do solo deve ser plural.276
(grifo do autor).
275
“Art. 28 [...] § 2º O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona
urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana. § 3º O plano diretor definirá os limites
máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a
infraestrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.” 276
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Outorga Onerosa do Direito de Construir (Solo Criado), in
DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.), Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal
10.257/2001, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 236-237.
136
Por derradeiro, o Plano Diretor deve fixar as áreas em que haverá a possibilidade de
outorga onerosa do Direito de alteração do uso, em observância ao disposto no Art. 29 do
Estatuto, que prevê que “o plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida
alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.” Ressalta-
se, todavia, que essa fixação deve observar critérios restritos, de modo moderado, para que se
evite prejuízos, como, a desorganização do uso do solo urbano.
De outro modo, o Art. 32, discorre sobre as operações urbanas consorciadas.
Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área
para aplicação de operações consorciadas.
§ 1º Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e
medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos
proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o
objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais,
melhorias sociais e a valorização ambiental.
§ 2º Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras
medidas:
I - a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do
solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto
ambiental delas decorrente;
II - a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas e desacordo
com a legislação vigente.
Como transcrito acima, o Estatuto da Cidade já cuidou de conceituar o instituto das
operações urbanas consorciadas, definindo-as como conjunto de intervenções e medidas
coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores,
usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área
transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e, a valorização ambiental. Assim:
Conseqüentemente (sic), não é qualquer intervenção urbana que pode ser
juridicamente qualificada como operação urbana consorciada, mas apenas aquelas
que se destinem à realização de transformações urbanísticas estruturais, melhorias
sociais e valorização ambiental. Uma primeira dúvida pode surgir quanto à
compreensão do alcance destes objetivos. Seria indispensável a persecução
cumulativa destes três objetivos simultaneamente, ou bastariam melhorias sociais
ou a valorização ambiental sem a pretensão de realização de transformações
estruturais? [...] Destas acepções, certamente, sem prejuízo das demais, a que
considera a operação urbana como um tipo especial de intervenção urbana voltada
para a transformação estrutural do ambiente urbano, com o caráter de plano ou
projeto urbano, parece ser a que foi contemplada no art. 32 do Estatuto da Cidade.
Sem dúvida, a resposta mais consentânea com a definição, as diretrizes gerais e os
demais requisitos exigidos para a realização da operação urbana parece ser o
entendimento de que seu núcleo, que a distingue de outras possíveis intervenções
urbanísticas, constitui a realização de transformações estruturais com melhorias
sociais e a valorização ambiental, de tal modo que os três objetivos sejam
cumulativamente concretizados por meio dela. Intervenções urbanas de menor
envergadura podem visar a melhorias sociais e à valorização ambiental sem a
137
realização de transformações estruturais, mas a operação urbana consorciada não
estará completa se faltar a realização de um destes objetivos.277
Pela leitura de todos os textos, inclusive o Constitucional, que tratam da matéria, pode-
se concluir que é imprescindível que o Plano Diretor procure alcançar os três objetivos,
obtendo, assim, em uma área, transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a
valorização ambiental, com observância do Art. 33 do Estatuto, que dispõe:
Art. 33. Da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada constará o
plano de operação urbana consorciada, contendo, no mínimo:
I - definição da área a ser atingida;
II - programa básico de ocupação da área;
III - programa de atendimento econômico e social para a população diretamente
afetada pela operação;
IV - finalidades da operação;
V - estudo prévio de impacto de vizinhança;
VI - contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e
investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I
e II do § 2° do art. 32 desta Lei;
VII - forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com
representação da sociedade civil.
E, para que tudo isso ocorra, faz-se necessário que a operação urbana implique a
“recuperação de ambientes degradados e a adequação da infra-estrutura urbana, serviços e
edificações a novas funções e novas tecnologias dentro da perspectiva de adaptação das
cidades aos atuais processos de transformação econômica, social e cultural”278
, visando,
assim, a melhoria das condições de vida da população local.
E, finalmente, o Art. 35, dispõe acerca da transferência do Direito de construir.
Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de
imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante
escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação
urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário
para fins de:
I - implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
II , preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental,
paisagístico, social ou cultural;
III - servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas
por população de baixa renda e habitação de interesse social.
§ 1º A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao Poder
Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do caput
.
277
LOMAR, Paulo José Vilhena, Operação Urbana Consorciada, in DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ,
Sérgio (coord.), Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001, 2. ed., São Paulo: Malheiros,
2006, p. 249 e 251. 278
Idem, p. 251.
138
2º A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à aplicação
da transferência do direito de construir.
Nota-se que, o Art. 35 do Estatuto da Cidade, acima transcrito,
[...] disciplina pontualmente o novo instituto jurídico, delineando suas
características e conteúdo. Como se lê da norma, suas disposições introduzem um
novo instrumento urbanístico no ordenamento jurídico, moldando seu conteúdo
básico e, assim, fixando-lhe uma feição geral. À lei municipal restou expressamente
reservado o necessário espaço para estabelecimento das normas de aplicação em
sintonia com as peculiaridades locais, na forma prevista no respectivo plano
diretor.279
E, pela análise do Art. 35 se verifica que se está diante de mais uma possibilidade de
instrumento, que a lei disponibiliza ao ente municipal, visando concretizar o princípio da
função social da propriedade.
De qualquer modo, verifica-se que todos os institutos ora retratados tem uma finalidade
comum, qual seja, a garantia de concretização do princípio da função social, tanto da
propriedade, quanto da própria cidade, garantindo-se, assim, o bem estar de toda a
comunidade, com consequente obtenção da dignidade de todos.
2.5 MECANISMOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO EFETIVA DO PLANO DIRETOR
Para que o Plano Diretor seja efetivamente implementado no Município, atendendo,
assim, sua finalidade precípua, necessário se faz a introdução de mecanismos, que possam
concretizar o planejamento municipal.
Dentre esses mecanismos, destaca-se o IPTU progressivo, que tem o condão de atingir
os preceitos do Plano Diretor, isso porque é possível estabelecer no planejamento municipal
que o Imposto Territorial Urbano pode servir de inibidor de comportamentos contrários à lei,
visando preservar a função social da propriedade e, o meio ambiente. A previsão de aplicação
do IPTU progressivo no tempo encontra-se no Art. 7° do Estatuto:
279
MONTEIRO, Yara Darcy Police; SILVEIRA, Egle Monteiro da. Transferência do Direito de Construir, in
DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.), Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal
10.257/2001, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 291.
139
Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma
do caput do art. 5º280
desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no §
5º281
do art. 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a
majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
§ 1º O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que
se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente
ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.
§ 2º Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco
anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a
referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista noart. 8º.
§ 3º É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação
progressiva de que trata este artigo.
Juliana Wernek de Camargo282
destaca a função do IPTU progressivo, apontando que:
Nesse sentido, muito mais do que abastecer os cofres públicos, a Administração
pretende que certo comportamento seja adotado, sob pena da tributação mais
rigorosa ou ‘pesada’. [...] De fato, é a idéia de ser apanhado por imposto
‘proibitivo’ ou repressor, ou por imposto favorecedor que impulsiona o
comportamento do contribuinte no sentido desejado, da finalidade ou utilidade
social eleita pelo bem comum.
E, continua, apontando:
Partamos, assim, da premissa que um determinado proprietário de imóvel urbano é
renitente em não dar cumprimento à função social a seu imóvel, conforme descrito
no plano diretor, de forma que à Administração resta aplicar-lhe a progressividade
do IPTU. [...] Consideremos que nessa situação a Administração impõe o máximo
de exação em relação ao IPTU progressivo como forma de punição e, mesmo
assim, o contribuinte nem paga, acumulando uma grande dívida de IPTU, nem dá a
utilização pretendida. Próximo passo, de acordo com a legislação vigente seria a
imposição de desapropriação conforme inciso III do artigo 182 da Constituição e do
artigo 8° do Estatuto da Cidade. (grifo do autor).
Luigi Bonizzato283
também destaca que o IPTU progressivo não é o único meio capaz de
assegurar a plenitude e efetividade do Plano Diretor, trazendo a norma outros mecanismos,
conforme se verifica pelo disposto no Art. 8° (combinado com o Art. 182, parágrafo único,
inciso III, da Constituição Federal), o qual prevê a possibilidade de desapropriação, pelo
280
“Art. 5º. Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a
edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo
fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.” 281
“§ 5º Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere
o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o
empreendimento como um todo.” 282
CAMARGO, Juliana Wernek de. O IPTU como Instrumento de Atuação Urbanística, Belo Horizonte:
Fórum, 2008, p. 116 e 123. 283
BONIZZATO, Luigi. O Avento do Estatuto da Cidade e Consequências Fáticas em Âmbito da Propriedade,
Vizinhança e Sociedade Participativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 128-129.
140
Município, após decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo, e que o proprietário
(apesar de todas as cobranças) deixa de cumprir a obrigação de parcelamento, edificação ou
utilização do imóvel. O pagamento, quando da desapropriação, será feito com títulos da
dívida pública.
Além disso, importante salientar que ainda que o Poder Público Municipal efetive a
desapropriação, as obrigações constantes no Art. 5° do Estatuto da Cidade não se esgotam,
devendo ser cumpridas, em sua integralidade.
[...] mantendo fidelidade à política de um ideal desenvolvimento urbano,
consolidou-se a idéia de que, mesmo após a desapropriação, continua o adquirente,
seja este Poder Público, seja este particular, vinculado às mesmas obrigações
previstas no art. 5° do Estatuto, de acordo com o que estatui o seu Art. 8° parágrafo
sexto.
Diante disso, tem-se a desapropriação como outro instrumento de efetividade do
Estatuto da Cidade, sendo que, “havendo necessidade, utilidade pública ou interesse social,
poderá o Estado compulsoriamente, por meio de procedimento expropriatório, transferir
determinado imóvel para quem dê a destinação conveniente.”284
, atendendo, assim, o que
preceitua o Estatuto da Cidade, visando atingir, plenamente, a função social, não apenas da
propriedade, mas, também, da cidade, sendo que, neste caso, a desapropriação por interesse
social se relaciona com a atividade urbanística, como forma de garantia do bem estar dos
habitantes.
Celso Antonio Pacheco Fiorillo destaca que o Estatuto da Cidade (nos Arts. 9° a 14)
prevê, de maneira evidente, a possibilidade de utilização da Ação de Usucapião Especial de
Imóvel Urbano (tanto a Ação de Usucapião Ambiental Individual como a Ação de Usucapião
Ambiental Metaindividual), como instrumento imprescindível de ordenação do meio
ambiente artificial. Apontando, ainda, que:
Referidas ações visam a assegurar o domínio de áreas urbanas por parte
fundamentalmente, em princípio, de pessoas que habitem denominados
estabelecimentos irregulares, no sentido de transformar os chamados ‘bairros
espontâneos’ em realidade jurídica que passa a integrar a cidade em face de sua
natureza jurídica ambiental.
Trata-se de ações ambientais que visam a beneficiar os possuidores de área urbana
de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, de forma
284
PINHEIRO, Renata Peixoto. Desapropriação para Fins Urbanísticos em Favor do Particular, Belo
Horizonte: Fórum, 2004, p. 57-58.
141
ininterrupta e sem oposição, que utilizam referido território urbano para sua
moradia ou de sua família e desde que não sejam proprietários de outro imóvel
urbano ou rural.285
(grifo do autor).
Verifica-se, portanto, que a desapropriação extraordinária prevista na Constituição
Federal, Arts. 182 (§ 4°) e 184, tem por finalidade a concretude da urbanização (visando o
bem estar de toda a população), podendo incidir, apenas nas propriedades não edificadas, em
que o proprietário não tenha realizado uma utilização adequada, com objetivo de conferir às
pessoas que não possuem moradia, um teto digno, visando concretizar a dignidade de todos,
atendendo, assim, a função social da cidade. Aliás, Celso Antonio Pacheco Fiorillo ressalta
que “uma cidade só cumpre a sua função social quando possibilita aos seus habitantes uma
moradia digna. Para tanto, cabe ao Poder Público proporcionar condições de habitação
adequada e fiscalizar sua ocupação.”286
(grifo do autor).
A legislação apresenta, ainda, outro mecanismo, que é o parcelamento, ou edificação,
compulsórios. Apesar do Direito brasileiro resguardar a propriedade, podendo, o proprietário,
dela se utilizar em sua plenitude, podendo usar, gozar e dispor, sendo este o caráter absoluto
da propriedade, conforme salienta Eduardo Gonçalves Boquimpani287
, implicando este caráter
nas faculdades de “fruição – tirar o proprietário proveito da sua propriedade pelo uso
(destinação) e ocupação (em toda a extensão, profundidade e altura)-, modificação (ou até
destruição) e alienação.”, há necessidade de se respeitar os limites legais.
É claro que o proprietário pode se utilizar de sua propriedade em sua plenitude, desde
que observe a legislação brasileira, em especial as restrições urbanísticas e de vizinhança,
como as leis de zoneamento, as proibições non aedificandi, entre outras.
Assim, verifica-se que o parcelamento tem como foco principal, regular a ocupação
das áreas urbanas, visando efetivar a função social da cidade, por meio de regulamentação
285
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 12. ed., rev., atual., ampl., São
Paulo: Saraiva, 2011, p. 563. 286
Idem, p. 529. E, para chegar à conclusão acima apresentada, o autor ainda aponta que: “Em linhas gerais, a
função social da cidade é cumprida quando proporciona a seus habitantes uma vida com qualidade, satisfazendo
os direitos fundamentais, em consonância com o que o art. 225 preceitua. Podemos identificar 5 (cinco)
principais funções sociais da cidade, vinculando-a à realização de: a) da habitação; b) da circulação; c) do lazer;
d) do trabalho e e) do consumo. [...] Verificamos que a Constituição Federal de 1988 valorizou a função social
da moradia ao estabelecer a previsão de usucapião especial urbano e rural, conforme extraímos dos arts. 183 e
191.” 287
BOQUIMPANI, Eduardo Gonçalves. Utilização Compulsória da Propriedade Urbana, in COUTINHO,
Ronado; BONIZZATO, Luigi (coord.). Direito da Cidade: Novas concepções sobre as relações jurídicas no
espaço social urbano, 2. ed., rev., atual., Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2011.
142
devida dos espaços, tanto de ocupação, quanto de lazer e áreas verdes. O parcelamento pode
ser efetivado por meio de loteamento e, ainda, de desmembramento, sendo que em ambas as
situações necessário se faz o respeito às normas municipais. Dessa forma, Luís Paulo
Sirvinkas288
, conceitua, o loteamento, como: “[...] subdivisão de gleba em lotes, destinados a
edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou
prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes (art. 2°, § 1°, da Lei 6.766/79).”
E, quanto ao desmembramento:
[...] consiste na subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com
aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de
novas vias e logradouros públicos, nem prolongamento, modificação ou ampliação
dos já existentes. (art. 2°, § 2°, da Lei 6.766/79)
Importante, ainda, transcrever o Art. 1228 do Código Civil, o qual dispõe que:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o
direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por
necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição,
em caso de perigo público iminente.
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado
consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos,
de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto
ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e
econômico relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao
proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel
em nome dos possuidores.
Pela leitura do artigo supra transcrito verifica-se que, apesar do proprietário do imóvel
possuir a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem
quer que injustamente a possua ou detenha, este tem obrigações a cumprir, devendo, sempre,
observar os mandamentos legais, podendo ser privado da coisa, nos casos de desapropriação,
por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso
de perigo público iminente, até porque o direito de propriedade deve ser exercido em
288
SIRVINKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental, 9. ed., rev., atual., ampl., São Paulo: Saraiva, 2011,
p. 551.
143
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados,
de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o
equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e
das águas, atendendo, portanto, a função social da propriedade.
Celso Antonio Pacheco Fiorillo289
ainda enfatiza mais um instrumento importante, “O
Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV”, entendendo o autor ser este o instrumento “mais
importante de atuação ao meio ambiental artificial, na perspectiva de assegurar a dignidade da
pessoa humana (art. 1°, III, da CF)”, já que o Estudo de Impacto da Vizinhança, tem por meta:
[...] compatibilizar a ordem econômica do capitalismo (arts. 1°, IV, e 170 da CF),
em face dos valores fundamentais ligados às necessidades de brasileiros e
estrangeiros residentes no país, justamente em decorrência do trinômio vida –
trabalho – consumo. O EIV segue necessariamente os critérios impostos pelo art.
225, IV, da Constituição Federal, o que se traduz em instrumento de natureza
jurídica constitucional.
Importante destacar que não se esgotou, neste trabalho, todos os instrumentos para
implementação efetiva do Plano Diretor, dando-se ênfase, apenas, naqueles que se entende
serem os mais relevantes, havendo possibilidade, sim, de cada Município criar outros
mecanismos que permitam a aplicação do Plano Diretor, levando-se em consideração diversos
fatores, como a realidade e, necessidade de cada localidade, entre outros.
2.6 PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO
Segundo o Estatuto da Cidade,
Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana.
[...]
§ 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua
implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:
I - a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e
de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;
II - a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
III - o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.
289
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 12. ed., rev., atual., ampl., São
Paulo: Saraiva, 2011, p. 564.
144
Além disso, é possível considerar que a participação popular encontra respaldo na
própria Constituição Federal, como preceito do Estado Democrático de Direito, previsto nos
Arts. 1° e, 29, XII. Isso tudo porque,
A idéia é a de que os interesses da população sejam os grandes responsáveis pela
definição das políticas públicas e principalmente da prioridade de investimentos, no
intuito de minimizar as desigualdades sociais e diminuir os obstáculos para
efetivação do princípio da função social da propriedade e da cidade.290
E, debates públicos, com a participação da sociedade, com um todo, garante a
conciliação dos interesses do Município e de seus habitantes, permitindo a consecução direta
dos objetivos da sociedade, permitindo que a cidade cumpra sua função social, já que traça
metas voltadas para o interesse daquela localidade.
O Estatuto garante a participação da população e de associações representativas dos
vários segmentos da comunidade. Significa que é possível admitir duas
possibilidades de participação: a direta e a indireta. Pela primeira, permite-se que
os munícipes, individualmente, analisem, debatam e opinem sobre os elementos do
plano, e até mesmo que os critiquem, procurando demonstrar caminhos ou idéias
diferentes. A participação indireta é processada por meio de associações que
representem os setores existentes no local. Na verdade, há setores mais influentes e
outros minoritários ou de menor capacidade de influência. A todos deve ser
garantida a participação em certas situações, é preciso salvaguardar os interesses de
minorias, já que a política urbana deve abranger o Município como um todo [...].291
(grifo do autor).
Os debates, audiências e consultas públicas, além da publicidade dos resultados, são
resultado, direto, do chamado processo administrativo, no qual, empregando-se os conceitos
constitucionais do contraditório e devido processo legal, conferindo, assim, grande desataque
à participação popular, tudo corroborando para a aplicação dos princípios, também
constitucionais, da publicidade, com previsão no Art. 37; ampla defesa, disposto no Art. 5°,
LV; prestação de informações de interesse geral, contido no Art. 5°, XXXIII; além dos
demais princípios existentes no Art. 37, em especial o da moralidade pública.
290
BLANC, Priscila Ferreira. Plano Diretor & Função Social da Propriedade, 1. ed., 8. reimp., Curitiba: Juruá,
2011, p. 136-137 . 291
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade, 3. ed., rev., ampl. e atual., Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 282.
145
2.7 NECESSIDADE DE REVISÕES PERIÓDICAS: BENEFÍCIOS OU MALEFÍCIOS?
O Estatuto da Cidade prevê, em seu Art. 40, § 3º, que os Municípios deverão efetuar a
revisão, em seus Planos Diretores, decorridos 10 (dez) anos de sua instituição, ao dispor que:
“§ 3º A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.”
Verifica-se, inicialmente, que o Estatuto dispõe que a revisão é obrigatória, e, em
segundo lugar, que o prazo de dez anos é um prazo máximo, ou seja, o Plano Diretor pode,
inclusive, ser revisto em um prazo menor, devendo, todavia, tal prazo, não ultrapassar dez
anos.
A revisão é necessária, primeiramente, porque os Planos Diretores, quando instituídos
não se encontram prontos e acabados, necessitando, muitas vezes, de leis posteriores, que irão
implementar o próprio Plano, efetivando-o. Importante lição traz Hely Lopes Meirelles, ao
apontar que o Plano Diretor é único, mas sempre adaptável a novas exigências e, ao progresso
local, em um processo constante, visando atender às necessidades da comunidade:
O plano diretor não é estático; é dinâmico e evolutivo. Na fixação dos objetivos e
na orientação do desenvolvimento do Município, é a lei suprema e geral que
estabelece as prioridades nas realizações do governo local, conduz e ordena o
crescimento das cidades, disciplina e controla as atividades urbanas em benefício
do bem-estar social. O plano diretor não é um projeto executivo de obras e serviços
públicos, mas sim um instrumento norteador dos futuros empreendimentos da
Prefeitura, para o racional e satisfatório atendimento das necessidades da
comunidade.292
Além disso,
A revisão do plano deverá ser tão mais profunda quanto maior for o nível de
crescimento da cidade, seja qual for o aspecto em que venha a ocorrer. Assim, a
estagnação das regras, diretrizes e ações representa verdadeira violação às novas
demandas relacionadas à política urbana do Município. Poder-se-á mesmo afirmar
que não proceder à revisão do plano diretor constitui forma de
inconstitucionalidade por omissão por parte do governo municipal, visto que, sendo
anacrônico e descompassado com as novas realidades, não mais poderá configurar-
se como instrumento de política e desenvolvimento urbano, como exige a
Constituição.293
292
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 7. ed., atual. por Izabel Camargo Lopes Monteiro e
Yara Darcy Police Monteiro, São Paulo: Malheiros, 1992, p . 396. 293
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade, 3. ed., rev., ampl. e atual., Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 279.
146
Veja-se que, na realidade, a necessidade de revisão do Plano Diretor, imposta pelo
Estatuto da Cidade tem o condão de fazer com que a norma permaneça viva, que possa
acompanhar o andamento e, crescimento daquele Município, permitindo que a norma (o Plano
Diretor) se ajuste, diuturnamente, às realidades locais, auxiliando, assim, de modo efetivo, o
desenvolvimento daquela localidade.
Portanto, a obrigatoriedade de periódicas revisões traz grandes benefícios, pois com
constantes exames há sempre a possibilidade de novas leituras, o que traz benfeitorias para
toda a comunidade, verificando-se, desse modo, os erros e desacertos, além, claro, da
localização dos pontos fortes e, dos acertos. Assim, com o reexame será permitida a eleição
de novos rumos, visando atingir, de modo efetivo, a função social da cidade, obtendo, dessa
forma, a plenitude da dignidade da pessoa humana.
Destaca-se com a análise feita no presente capítulo, que o Plano Diretor é o instrumento
basilar da política de desenvolvimento e de expansão urbana, podendo ser considerado como
uma garantia Constitucional, voltado para a efetivação da gestão democrática nos Municípios
brasileiros, objetivando o cumprimento da função social, tanto da propriedade, quanto da
própria cidade, aliás, não se pode, nos dias atuais, pensar o direito (e seus institutos) sem se
voltar o pensamento para a necessidade de sua funcionalização; de encontrar sua finalidade
precípua, o qual deve ter, como objetivo finalista, o bem comum.
Dessa forma, deve-se enfatizar o fato de que o Estatuto da Cidade apresenta uma série
de elementos, de gestão urbana, os quais fazendo parte, da composição do Plano Diretor,
visam contemplar a função social da própria cidade. Assim, é possível perceber o Plano
Diretor como pedra fundamental da política de desenvolvimento e expansão urbana.
Para a formação concreta do Plano Diretor, é imprescindível que haja a participação
efetiva da sociedade (durante todo o processo), de modo especial no diagnóstico e, análise,
dos problemas da cidade, auxiliando, desse modo, na identificação dos assuntos a serem
trabalhados; com a constituição de metas a serem atingidas pelo Plano; determinando os
instrumentos urbanísticos e as intervenções necessárias para alcançar as metas traçadas.
147
Sendo o Plano Diretor um instrumento Constitucional de promoção social e,
desenvolvimento humano, deve ter este, portanto, como objetivo primeiro, o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo a promoção do bem estar das
pessoas que ali se encontram, oferecendo condições dignas, assegurando, para tanto, moradia
digna, trabalho, educação etc., enfim, tudo para o pleno desenvolvimento da dignidade da
pessoa humana, na sua integralidade. E, isso se justifica em face de que a preocupação da
Constituição foi, justamente, conferir direitos às pessoas que vivem nas cidades, permitindo
que estas tenham acesso, total, aos direitos individuais, como meio de atingir a dignidade
humana.
E, a aplicação e, efetivação da função social, em especial da função social da cidade, é
núcleo primordial das políticas de gestão urbana, sendo o Plano Diretor o principal
componente necessário para sua concretização, em face de ser este o objetivo primordial do
Plano Diretor, funcionando como instrumento da própria Constituição Federal, já que se a
Constituição tem como um dos fundamentos primordiais atingir a dignidade plena e, uma das
formas de se obter a dignidade é, justamente quando se alcança a função social, em especial, a
função social da cidade.
Assim, para que a cidade desempenhe seu papel, com a implementação das políticas
públicas, com o atendimento das necessidades de todos, para que eles obtenham qualidade de
vida, justiça social e, desenvolvimento das atividades econômicas, faz-se necessário a
instituição de um planejamento específico, voltado para as necessidades locais, em face de
que a finalidade mais importante de todo a política urbana é a função social, e os instrumentos
são destinados justamente a essa concretização, sendo, o Plano Diretor, o elemento principal.
Para efetiva concretização dos objetivos a serem desenvolvidos e atingidos pelo Plano
Diretor, o Estatuto da Cidade prevê, no Art. 42 (artigo já transcrito), o conteúdo mínimo do
Plano, traçando os regramentos necessários para o cumprimento da finalidade do referido
planejamento, que é a concretização da função social da própria cidade.
Em primeiro lugar, verifica-se a necessidade, imperiosa, de que todo Plano Diretor deve
delimitar em quais áreas urbanas deve ser aplicado o parcelamento, a edificação, ou utilização
compulsórios, devendo, para tanto, ser observada a estrutura do Município, no que se incluiu,
148
com certeza, as peculiaridades de cada localidade, tudo em conformidade com o estabelecido
no Art. 5°, do Estatuto da Cidade.
Além disso, deve, também, observar o previsto nos Arts. 25, 28, 29, 32 e 35, do Estatuto
da Cidade. O Art. 25 trata do Direito de Preempção, que indica uma restrição ao direito de
propriedade (seja de bem móvel ou imóvel), em face de que deve o proprietário, em primeiro
lugar, “antes da alienação do bem que lhe pertence, oferecê-lo, em igualdade de condições, a
certa pessoa, conforme determinado por lei ou contrato, em primeiro lugar na satisfação de
seus interesses, quando outras desejam disputar sua primazia.” Já, os Arts. 28 e 29,
disciplinam a outorga onerosa do Direito de construir, que é consequência do estabelecimento
do instituto do solo criado.
É claro que tudo isso deve ser estabelecido em lei Municipal própria, em especial, no
próprio Plano Diretor, que deve delimitar e estabelecer as definições para a implantação do
solo criado, devendo, para tanto, em primeiro lugar, estabelecer o coeficiente básico, o qual
poderá ser único ou, diferenciado para áreas específicas. E, este coeficiente traça a limitação
do direito de construir. Posteriormente, há necessidade de se estabelecer, dentre as áreas da
cidade, quais seriam passíveis de edificação, para além do coeficiente básico, como se
encontra estabelecido no Art. 28, do Estatuto, que aponta que, “o plano diretor poderá fixar
áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de
aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário”.
Desse fator, emana a possibilidade de que existam áreas em que haverá a interdição para a
criação do solo, usado pelo Estatuto, como mecanismo de ordenação urbanística.
De outro modo, o Art. 32, discorre sobre a possibilidade, de lei municipal, embasada no
Plano Diretor, delimitar área para as operações urbanas consorciadas, as quais são
consideradas como um conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público
Municipal, com a meta de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais,
melhorias sociais e valorização ambiental, contando com a cooperação não apenas dos
proprietários, mas também da sociedade (por intermédio dos moradores, dos usuários
permanentes e, também, dos investidores privados).
E, finalmente, o Art. 35, dispõe acerca da transferência do Direito de construir, o qual se
caracteriza por ser mais uma possibilidade de instrumento, que a lei disponibiliza ao ente
149
municipal, visando concretizar o princípio da função social da propriedade. Por fim,
determina a necessidade de existência de um sistema de acompanhamento e controle do Plano
Diretor, garantindo, assim, sua efetividade, de modo completo.
Importante ressaltar que todos os elementos imprescindíveis para a composição do
Plano Diretor possuem uma finalidade comum, qual seja, a garantia de concretização do
princípio da função social, garantindo-se, assim, o bem estar de toda a comunidade,
resultando na obtenção da dignidade de todos.
Visando a efetiva concretização do Plano Diretor, imperiosa a introdução de
mecanismos, que possam concretizar o planejamento municipal, destacando-se, entre eles, o
IPTU progressivo, a desapropriação (chamadas de desapropriação-sanção), além do
parcelamento ou edificação compulsórios.
Insta destacar, por fim, a importância da obrigatoriedade de periódicas revisões, sendo
que esta determinação da lei traz grandes benefícios, pois com constantes exames há sempre a
possibilidade de novas leituras, o que traz benfeitorias para toda a comunidade, em face de
haver a possibilidade de se verificar os pontos positivos e negativos, e, com o reexame será
permitida a eleição de novos rumos, visando atingir, de modo efetivo, a função social da
cidade, obtendo, dessa forma, a plenitude da dignidade da pessoa humana, sendo necessária,
também nas revisões, a participação da comunidade, visando, assim, obter de modo mais
completo os anseios e preocupações sociais, o que determinará um melhor aperfeiçoamento e,
implementação do Plano, atingindo-se, assim, melhores e, maiores resultados.
150
3. PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO DE CUIABÁ
Todo o trabalho desenvolvido até aqui teve por finalidade justamente embasar a análise
do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Cuiabá, objeto primordial da
presente Tese.
Como já analisado no capítulo antecedente, o Plano Diretor é instrumento de política
urbana, visando o desenvolvimento e expansão urbana, de modo ordenado e planejado, com a
finalidade de garantir a qualidade de vida de todos, atendendo os preceitos para a consecução
da função social da cidade.
Aliás, o Plano Diretor é um dos elementos primordiais do urbanismo, que é a ciência da
organização global do espaço, para obtenção de qualidade de vida para os habitantes de
determinada localidade, sendo que, dessa forma, o urbanismo pode ser “concebido em termos
funcionais e racionais, mas com uma preocupação básica humana, isto é, com os valores
espirituais, visando o homem no contexto urbano e a melhoria de suas condições de vida.”294
3.1 BREVE ANÁLISE
Cumpre relembrar que o Município de Cuiabá nasceu em uma área de difícil acesso,
sendo, que, inicialmente, formou-se a Vila Real Bom Jesus de Cuiabá (ou Vila do Cuiabá),
estando composta sua pequena sociedade colonial, de cunho português, por um grande
número de negros (que representava a maioria da população da época), ameríndios
(originalmente o espaço era realmente habitado por indígenas), mestiços e, também pelos
bandeirantes (homens brancos).
Uma série de fatores favoreceu o crescimento do Município de Cuiabá. Como já
apontado, no primeiro capítulo, a formação da cidade de Cuiabá teve períodos de aumento
populacional mais intenso, sendo que inicialmente o que povoou o Município foi a descoberta
de ouro na região. Entre os anos de 1889 e 1906, o Estado passou por uma fase de grande
desenvolvimento econômico, em decorrência da instalação de usinas de açúcar e, o aumento
294
MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental, 3. ed., Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 25.
151
na produção de borracha, além do início da construção da estrada de ferro, que passou por
todo o sul de Mato Grosso (região que atualmente pertence ao Mato Grosso do Sul), o que
desenvolveu a Capital, aumentando, significativamente o número de habitantes.295 Além
disso, tem-se, a melhoria do transporte rodoviário, fator ocorrido na década de 1920, o que
aumentou o fluxo migratório. Por ocasião da Segunda Grande Guerra houve a Batalha da
Borracha (assunto já comentado no capítulo antecedente), com o envio de trabalhadores para
a região Amazônica, visando extração de borracha para a Guerra, trazendo muitas pessoas
para Cuiabá.
Isso tudo foi intensificado, de modo mais definitivo, por ocasião da transferência da
Capital Federal para Brasília (1960)296
e, na sequência, nos anos de 1970, em virtude das
políticas do Governo Federal voltadas para a ocupação da Amazônia (ressaltando que parte do
Estado de Mato Grosso pertence à Amazônia Legal), o que ocasionou uma grande massa de
migrantes oriundos, principalmente, dos Estados do sul e sudeste, acarretando um aumento na
população, consoante já se discorreu em capítulos antecedentes. Note-se, por exemplo, que a
população do Estado entre o período de 1970 e 2007, cresceu mais de 4,5 vezes (já que,
conforme dados do IBGE, a população do Estado em 1970 era de 599.764 e, em 2007, de
2.854.642).297
Ainda que números mais recentes (como os dados do IBGE) demonstrem uma
diminuição no fluxo de migrantes entrando no Estado de Mato Grosso e, em especial em sua
Capital, alguns elementos continuam, ainda, atraindo um contingente de pessoas para o
Estado, a exemplo do incremento, cada vez maior, do agronegócio, já que Mato Grosso é um
dos principais produtores agrícolas do país. Desse modo, percebe-se um alto percentual da
participação de migrantes na população estadual. Conforme dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio (Pnad) de 2006, do IBGE, 42,5% da população matogrossense são
295
FERREIRA, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus Municípios, Cuiabá: Secretaria de Estado da
Educação, 2001, p. 68. 296
Importante acrescentar que os programas do governo federal, que visavam o desenvolvimento regional,
estimularam a implantação de projetos agropecuários e, de colonização, os quais eram comandados
majoritariamente por particulares, ocasionaram um ritmo desenfreado, no processo de formação e crescimento
das cidades do Estado, principalmente em decorrência do grande fluxo migratório, que foi motivado pelas
oportunidades econômicas associadas à possibilidade de acesso a terras férteis, que ainda careciam de
desenvolvimento. Em face da chegada, no Estado, de técnicas modernas de produção agrícola, e, o aumento da
pecuária, acarretaram uma diminuição, considerável, de demanda por força de trabalho no campo, liberando o
contingente de pessoas, que haviam migrado para Mato Grosso, para os núcleos urbanos, especialmente, para
Cuiabá. 297
Fonte: IBGE
152
naturais de outros Estados. As correntes migratórias também são intensas dentro de regiões do
próprio Estado (conforme dados da mesma pesquisa, 60,3% dos matogrossenses estão fora do
Município de origem).298
Como em todo o território nacional, a população rural do Estado vem diminuindo
consideravelmente (ainda que o Estado tenha uma característica econômica voltada para a
agropecuária), consoante se verifica pela análise de dados do IBGE299
. Referidos dados
demonstram que, em 1970, 61% da população total do Estado de Mato Grosso era rural,
enquanto no ano 2000, esse percentual caiu para 20%300
. Percebe-se, ainda, pela análise
superficial dos números, que foi somente nos anos 80 que a população do Estado deixou de
ser basicamente agrária, passando a se concentrar, de modo mais consistente, nas cidades.
Dentre os elementos que elucidam referido comportamento, pode-se apontar o incremento nos
atrativos da vida urbana, com maiores possibilidades de emprego, lazer, serviços públicos e
educação, além do reforço da concentração fundiária que estimula o êxodo rural. Há, ainda, a
possibilidade de entender-se como fator do aumento populacional nos núcleos urbanos, o
aumento da produtividade nas atividades agrícolas, com a implementação de maquinários, o
que diminuiu a necessidade de trabalhadores braçais no campo, resultando em uma “sobra” de
pessoas sem trabalho, que buscaram novas oportunidades nos centros urbanos, em especial na
Capital do Estado, Cuiabá.
É importante ressaltar que a expansão da fronteira agrícola da década de 70 efetuou-se,
de certo modo, num contexto urbano, tendo em vista que os migrantes que não tiveram acesso
a terra fixaram-se nas cidades. E, como a maioria das cidades matogrossenses não estava
preparada para absorver todo esse contingente deslocado pelo êxodo rural, a qualidade de vida
urbana piorou e, ainda vem piorando drasticamente, em especial nos maiores centros do
Estado (primordialmente em sua capital, Cuiabá), com a falta de planejamento público e, de
investimentos na infraestrutura, na habitação, saúde, transporte, saneamento e educação.
Outro levantamento, feito por intermédio da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio, do ano de 2006, indica que 75,6% dos domicílios urbanos, em Mato Grosso,
possuem coleta de lixo, 65,5% contam com rede de abastecimento de água e, apenas 34,2%
298
Fonte: IBGE e Pnad. 299
Fonte: IBGE 300
Fonte: IBGE
153
das residências urbanas dispõem de rede coletora de esgoto301
. E, esses números são mais
perceptíveis não regiões mais periféricas da Capital, Cuiabá, tendo em vista que um enorme
contingente de pessoas pobres habita a periferia da cidade. Diversamente dos bairros centrais,
bem servidos com água, esgoto, calçamento, postos de saúde e segurança pública, a região
periférica é, na maioria das vezes, desprovida dessa estrutura. A ausência de coleta de lixo,
bem como a falta de tratamento (ou tratamento inadequado) dos dejetos sanitários, os quais
são jogados diretamente à beira dos rios e córregos, resulta com que estes se tornem
verdadeiros esgotos “a céu aberto”., acarretando prejuízos
Outro problema detectado na Capital e, no Estado, com um todo, é a falta de moradia
(digna), na região periférica, já que, segundo dados do Ministério das Cidades302
, em 2000,
Mato Grosso tinha um déficit de 98.616 moradias (ressaltando-se que o número de habitantes
nesse mesmo período, em todo o Estado, era de 2.504.353)303
. Percebe-se com esses dados
que a ausência de moradias, acarreta, via de consequência a aglomeração das pessoas em
assentamentos irregulares, como loteamentos clandestinos e favelas, além da ocupação de
espaços públicos, como em beiras de rios e córregos (aumentando a chamada população
ribeirinha, muito característica no cenário cuiabano), e, também, sob pontes de viadutos.
Apesar de todos esses problemas, não se verifica uma busca sistemática, voltada para a
discussão acerca da defasagem do atual Plano Diretor, em face das mudanças ocorridas na
cidade, como o adensamento descontrolado dos bairros e, o aumento dos condomínios de luxo
em áreas não permitidas pelo Plano.
Apesar de todos os problemas acima apontados, atualmente, Cuiabá tem, como
característica, ser uma cidade prestadora de serviços, reunindo-se, em conurbação, com o
Município de Várzea Grande, constituindo um aglomerado urbano institucionalizado e
devidamente regulamentado; o Aglomerado Urbano Cuiabá/Várzea Grande, criado pela Lei
Complementar 083 de 18 de maio de 2001. Este aglomerado urbano influencia e determina as
relações econômicas, culturais, sociais e políticas, no formato em que o Plano foi concebido,
inicialmente, a partir da definição de sete eixos estratégicos debatidos e acordados com
Várzea Grande, em reuniões conjuntas realizadas no início de 2005, envolvendo o IPDU
(Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano)-Cuiabá e, a Secretaria Municipal de
301
Fonte: Pnad 302
Fonte: Ministério das Cidades. 303
Fonte: IBGE
154
Planejamento de Várzea Grande, com o apoio da Secretaria Executiva do Aglomerado
Urbano, vinculada à SEPLAN-MT (Secretaria de Planejamento do Estado de Mato
Grosso).304
Mesmo com a existência do Aglomerado Urbano Cuiabá/Várzea Grande, devidamente
instituído por Lei, do ano de 2001, a partir de 2006 as iniciativas entre os dois Municípios se
findaram, partindo, cada qual para a elaboração de seu próprio Plano. Em maio de 2009, pela
Lei 359/2009, foi criada a primeira região metropolitana do Estado, envolvendo Cuiabá,
Várzea Grande, Santo Antônio de Leverger e Nossa Senhora do Livramento, sendo que a
estrutura de gestão, da mencionada região metropolitana foi destinada à Agência de
Desenvolvimento, Fundo e Conselho Metropolitano.305
Importante destacar que dos idos de 1938, até os dias atuais, o Município de Cuiabá
dispôs de 09 (nove) regulamentos, visando a definição de seu perímetro urbano, coincidindo a
alteração dos perímetros com o aumento populacional, estando, portanto, os regulamentos,
aliados à realidade local e, aos dados históricos de determinado momento.306
Adriana Bussiki Santos307
destaca que, desse modo, a primeira regulamentação ocorreu
justamente no ano de 1938, com o Ato n° 176, de 25 de julho daquele ano. Já, em 4 de julho
de 1960 foi sancionada a Lei n° 534, com a delimitação das áreas urbanas e suburbanas,
estabelecendo-se a área urbana em 4,50 km². Dessa forma, como apontado anteriormente, o
crescimento populacional de Cuiabá ficou estagnado até a década de 1960, quando houve um
maciço investimento do governo federal para a ocupação da Amazônia, visando a integração
nacional. E, a autora aponta ainda que:
Os incentivos fiscais e creditícios concedidos pela Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) fizeram com que grandes empresas
agropecuárias se estabelecessem no norte do Estado, intensificando a ocupação da
Amazônia mato-grossense e fortalecendo Cuiabá como centro de apoio à ocupação
e de fluxos migratórios cada vez mais intensos, que demandavam novos espaços e a
ampliação de equipamentos urbanos.
304
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008. 305
Idem. 306
Idem, p. 99-100. 307
Idem, p. 99.
155
Em razão da ampliação da fronteira agrícola, incentivada pelo governo federal, a
população de Cuiabá que girava em torno de 56.000 habitantes (56.204), até o início de 1960,
duplicou no decorrer de 10 (dez) anos, atingindo mais de 100.000 habitantes em 1970
(100,865)308
, continuando a crescer geometricamente nas décadas seguintes, em face,
principalmente, do grande número de migrantes que recebeu. E, a maioria desses migrantes,
como dito alhures, se concentrou nas cidades, particularmente na Capital, que, sem condições
estruturais, recebeu novos moradores, os quais passaram a viver em condições desumanas e,
precárias. Diante disso, houve necessidade de ampliação da área urbana, a fim de
compatibilizar com a nova população existente. Assim, foram sancionadas leis ampliando o
perímetro urbano entre a década de 1970 e a década de 1980. Em 1974, foi sancionada a Lei
n° 1.346, passando a área de 4,50 km², para 48,45 km². Quatro anos após, em 1978, veio a Lei
n° 1.537, trazendo redefinições para as áreas urbanas e de expansão urbana, obtendo a área
urbana o espaço de 104,98 km² (ou seja, ampliando-se, em curto espaço de tempo, a área, a
qual passa a ser mais do que o dobro da anterior, em decorrência do aumento populacional
desordenado). No ano seguinte, 1979, a Lei n° 1.601 alterou a lei anterior, mas, apenas, no
tocante a ampliação da área de expansão urbana.309
Já, no ano de 1982, a Lei n° 2.023, que dispõe sobre o uso e ocupação do solo urbano,
no Município de Cuiabá, trouxe definições para a nova zona urbana da Capital, passando a
área urbana para 153,06 km². Nesse período (a década de 1980), Cuiabá contava com 212.984
habitantes (conforme censo do IBGE, do ano de 1980), sendo que no final da década a Capital
já havia dobrado o número de pessoas, contando, em 1991, com mais de 400.000 habitantes
(402.813).310
Em face desse contingente habitacional, houve necessidade de alteração na estrutura
organizacional da cidade, ocasionando a criação e, construção (pelos Poderes, Municipal e,
Estadual), de vários núcleos habitacionais (todos construídos com pouco ou nenhum
planejamento), sendo que a maioria se situava fora dos limites do perímetro urbano (traçado
em 1982, pela Lei de uso e ocupação do solo urbano), estando, portanto, em regiões
periféricas, como foi o caso dos bairros Três Barras (na região norte), Jardim Fortaleza,
Pascoal Ramos, São Sebastião, Pedra 90 (com mais de 8.000 lotes) e, parte do Tijucal (todos
308
Fonte: IBGE 309
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 99-100. 310
Fonte: IBGE
156
na região Sul).311
Praticamente todos esses bairros, ainda hoje, abrigam a população carente,
estando, assim, nas áreas mais periféricas da cidade, o que demonstra que a falta de
planejamento acarreta problemas que se perduram, ocasionando falta de estrutura e, moradia
digna à população, impedindo, desse modo, a efetivação do Plano Diretor Municipal.
Em decorrência dos citados bairros estarem localizados fora do perímetro urbano
estabelecido à época, a regularização dos imóveis era inviabilizada, em face da legislação
urbana vigente. Essa situação somente foi solucionada (ainda que em parte) com o advento do
Plano Diretor da cidade, a Lei Complementar n° 003, de 1992, a qual determinava a
incorporação, ao perímetro urbano, das parcelas urbanas localizadas fora dos limites do
referido perímetro, incorporando, inclusive, áreas hoje destinadas ao comércio e à indústria.
Na elaboração da nova lei, que incorporava essas localidades, observou-se a
necessidade de ampliação da área destinada a receber empreendimentos que, por
seu porte ou atividade, causassem impactos à cidade, os quais deveriam-se (sic)
localizar em área onde não prejudicassem as demais funções urbanas. O Distrito
Industrial e Comercial de Cuiabá não teria área suficiente para comportar o grande
número de novos empreendimentos previstos com a chegada da Ferrovia, a
instalação do Porto Seco, da Termoelétrica e do Gasoduto, que estavam prestes a se
instalar em Cuiabá.
Aliada a esses fatores, a construção da Rodovia dos Imigrantes, pelo fato de receber
o fluxo de veículos em demanda do norte do Estado, tornou-se pólo de atração de
estabelecimentos industriais e comerciais de grande porte, o que fatalmente levaria
à ocupação mais intensiva daquela região.312
Em face desses fatores, foi sancionada, em 1994, a Lei n° 3.412, definindo novo limite
do perímetro urbano da capital, denominado de Macrozona Urbana, que incorporava as
parcelas urbanas localizadas nas adjacências do perímetro urbano, além da faixa marginal à
Rodovia dos Imigrantes, ampliando, assim, o perímetro urbano para 251,94 km². Em face
disso, diversas glebas não urbanizadas foram abarcadas na zona urbana e estabelecidas como
áreas de expansão urbana. Desse modo, diversamente do que se encontrava estabelecido até
então, as áreas de expansão urbana já estavam localizadas em zona urbana.313
Em 2003, em decorrência da construção de um núcleo habitacional, em área contígua à
zona urbana, foi aprovada a recomendação de ampliação do perímetro urbano (mais uma vez),
pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano – CMDU, na região conhecida como
311
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 100. 312
Idem, p. 99-100. 313
Idem, p. 102.
157
“Sucuri”, visando a construção, com a devida estruturação, de um conjunto habitacional
Municipal, com fins de realizar o assentamento de pessoas moradoras em áreas em risco de
inundação (em especial as áreas localizadas à beira dos rios, permitindo à população
ribeirinha uma moradia mais digna). Assim, em dezembro de 2003, a Câmara Municipal
aprovou a Lei n° 4.485 (que foi sancionada pelo então prefeito Municipal)314
, contudo, por
equívoco, mencionada norma ampliou outra área, diversa da pretendida, em região totalmente
diferente, ficando a população, da região, sem a devida assistência.
Mas, em julho de 2004, com o advento Lei n° 4.598 foi revogada a Lei anterior (a Lei n°
4.485) e, desfeito o erro, incorporando-se a região do “Sucuri” ao perímetro urbano (que foi
ampliado para 252,58 km²), para a construção do núcleo habitacional do mesmo nome. Ainda
no mesmo ano, a Lei n° 4.719, em dezembro de 2004, ampliou novamente o perímetro
urbano, em mais 1,99 km², incorporando a área que havia sido delimitada pela Lei n° 4.485,
passando, assim, a macrozona a contar com 254,57 km². Todavia, essa nova ampliação não
foi objeto de análises técnicas, e, tampouco foi verificada pelo Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano – CMDU315
, ou seja, sem a devida verificação acerca dos impactos
na nova legislação, na cidade e, nos habitantes, de modo geral.
Importante ressaltar que:
Anteriormente a estas ampliações do perímetro urbano, Cuiabá já dispunha de
grande número de lotes vagos em loteamentos já dotados de infra-estrutura, em
grande parte aguardando valorização imobiliária. E ainda, com os sucessivos
acréscimos à área urbana, foram incorporadas grandes áreas vazias e ociosas a ela,
acarretando uma densidade demográfica urbana baixíssima, de 20,88 hab/ha (sic)
no ano de 2004, ao passo que o ideal para a otimização da infra-estrutura urbana é
de 250 hab/ha (sic).
Estes fatos ocasionam maior custo-cidade, visto que cabe ao poder público
municipal prover e manter rede de infra-estrutura urbana, como serviços de
saneamento, pavimentação viária, equipamentos urbanos e, ainda, serviços
públicos, como o transporte coletivo e a coleta de lixo, além de outros.316
Verifica-se pelo histórico da legislação relativa à organização urbana do Município de
Cuiabá, em especial, a respeito daquela que trataram do perímetro urbano da capital, que as
314
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 99-100. 315
Idem, p. 99-102. 316
Idem, p. 102.
158
Leis foram sendo editadas “as pressas”, sem estudo prévio, sempre no intuito de atender
problemas preexistentes e, nunca para que fosse efetivado um planejamento voltado para o
futuro, pensando-se a cidade nos anos vindouros, o que acarretou inúmeros problemas para o
desenvolvimento da capital, criando-se zonas periféricas totalmente destituídas de estrutura,
relegando à população moradias muitas vezes sem dignidade, posto não serem servidas da
infraestrutura adequada, em face da ausência de serviços de água, esgoto etc.
Somente se verifica essa preocupação quando foi sancionado o primeiro Plano Diretor
de Cuiabá (Lei Complementar nº 003, de 24 de dezembro de 1992), quando, a partir desse
momento passou a se planejar as ações do Poder Público Municipal, voltando-se para uma
efetiva política de desenvolvimento urbano de Cuiabá, objetivando-se ordenar as funções
sociais da cidade, isto é, assegurar as condições favoráveis ao desenvolvimento da produção
econômica e, a plena realização dos direitos dos habitantes da capital e, seu entorno. Desse
modo, a propriedade urbana, o uso e a ocupação do solo deveriam sujeitar-se às exigências da
sociedade, ao Plano Diretor e à instrumentação legal decorrente.
Isso tudo é facilmente percebido da leitura dos artigos do referido Plano Diretor (Lei
Complementar nº 003, de 24 de dezembro de 1992), a exemplo do que se encontra disposto
nos artigos 1° e 4°, da mencionada lei, em que se verifica a preocupação com a população da
cidade.
Art.1º. O PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO DE CUIABÁ
– PDDU, é o instrumento básico do processo de planejamento municipal para
implantação da Política de Desenvolvimento Urbano, executada pelo Poder Público
Municipal, tendo por finalidade orientar a atuação da Administração Pública e da
iniciativa privada.
Art. 4º. Constituem diretrizes gerais do desenvolvimento urbano de Cuiabá,
cabendo à Prefeitura Municipal de Cuiabá:
I – implantar a Política Municipal de Desenvolvimento Urbano, visando recuperar a
capacidade municipal de ordenação do seu crescimento;
II – promover o tratamento das sedes de distrito, vilas e povoados rurais do
Município na Política Municipal do Desenvolvimento Urbano compatibilizando as
relações campo/cidade;
III – implementar o SISTEMA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO
URBANO e seus principais componentes: o Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano (CMDU) e o Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento
Urbano (IPDU);
IV – promover a reorganização administrativa distrital do Município e
abairramento a nível urbano;
V – implementar o Sistema de Gerenciamento Urbano através da criação de
Secretaria Municipal de Gerenciamento Urbano;
159
VI – articular junto aos Governos Federal e Estadual no sentido de captar recursos
para suprir os déficits decorrentes dos processos migratórios e da demanda
regional;
VII – promover ações de forma a garantir o suprimento energético necessário ao
incremento dos parques industriais e de prestação de serviços no Município;
VIII – promover ações de forma a garantir alternativas de transporte, como a
implementação da ferrovia e hidrovia, visando maior competitividade para a
produção local e regional;
IX – desenvolver programas de fomento à atividade agropecuária, notadamente a
hortifruticultura, objetivando o abastecimento alimentar da população, bem como
gerar novas oportunidades de emprego no campo;
X – desenvolver programa próprio do Município para favorecer a produção
industrial através da criação de incentivos à fixação de investimentos, inclusive
com a ampliação de ofertas de áreas para fins industriais, com expansão imediata
do Distrito Industrial;
XI – estabelecer uma Política Municipal de estímulo a geração de empregos; XII –
articular junto aos governos federal e estadual visando ampliação da estrutura
assistencial municipal;
XIII – definir políticas e programas voltados ao fortalecimento das vocações
naturais da cidade como pólo regional mais capacitado à prestação de serviços de
qualquer ordem, turismo, entreposto comercial e centro processador de matérias-
primas regionais;
XIV – desenvolver e implementar, através do Sistema Municipal de
Desenvolvimento Urbano, planos e programas setoriais visando a adequação da
infra-estrutura e serviços urbanos a demanda real instalada e futura;
XV – promover estudos técnicos e programas necessários a definição da Política de
Fortalecimento das Funções Regionais, com destaque para as iniciativas privadas e
públicas que concorram no incremento do papel regional da cidade;
XVI – promover ações visando o implemento dos processos referentes a efetivação
da Ferrovia, aproveitamento energético e hidroviário da bacia do rio Cuiabá e
ampliação do Distrito Industrial, tendo em vista as possibilidades econômicas que
se abrem com a integração sul-americana; XVII – articular junto às áreas
competentes a criação da Região Metropolitana de Cuiabá;
XVIII – elaborar uma nova legislação para Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo
Urbano pautada nas seguintes diretrizes específicas:
a) definição de “áreas preferenciais” e “áreas restritas à ocupação urbana”
compatibilização com a acessibilidade a Infra-estrutura, serviços e equipamentos
urbanos, condições geotécnicas e elementos indutores do crescimento urbano,
notadamente os geradores de emprego;
b) definição de “áreas de consolidação de ocupação”, visando a otimização da
infra-estrutura, serviços e equipamentos disponíveis;
c) incorporação ao perímetro urbano das parcelas urbanas, atualmente localizadas
em suas adjacências;
d) incorporação dos rios e córregos do Município, suas margens e áreas inundáveis
como elementos estruturais de composição urbana, através de formas de uso e
ocupação adequados a sua preservação;
e) proporcionar uma melhor distribuição das atividades urbanas visando o
descongestionamento da área central da cidade e redução de deslocamentos
pessoais pelo estimulo ao surgimento e/ou consolidação de subcentros;
f) definição de sistema de retenção de águas pluviais em lotes a serem edificados,
visando recarga de aquíferos e redução da sobrecarga em galerias pluviais.
Merece destaque algumas diretrizes gerais do primeiro Plano Diretor de Cuiabá, a
demonstrar o interesse pelo bem estar da população, bem como a servir de instrumento para
garantir a plenitude da função social da cidade, sendo que para haja um completo
desenvolvimento urbano de Cuiabá, se estabeleceu que é incumbência da Prefeitura
160
Municipal, implantar a Política Municipal de Desenvolvimento Urbano, visando a
recuperação da capacidade municipal de ordenação do seu crescimento, bem como a
promoção do tratamento das sedes de distrito, vilas e povoados rurais do Município na
Política Municipal do Desenvolvimento Urbano, compatibilizando as relações campo/cidade,
em face do grande aumento populacional que a capital teve, em especial pós década de
1960/1970, como acima relatado, quando se transformou no grande “Portal da Amazônia”,
sem, contudo, ter mecanismos para recepcionar tantas pessoas.
Passa o Plano Diretor, portanto, a ter funções de reordenar e, reorganizar o espaço,
compatibilizando as relações campo/cidade e, para tanto, promovendo o tratamento das sedes
de distrito, vilas e povoados rurais do Município. Além disso, incumbe, o Poder Público
Municipal, de articular, junto aos Governos Federal e Estadual, no sentido de captar recursos
para suprir os déficits decorrentes dos processos migratórios e da demanda regional.
Além disso, salienta-se, como diretrizes do Plano Diretor de 1992, Lei Complementar nº
003, a promoção de ações, de modo a garantir alternativas de transporte, como a
implementação da ferrovia e hidrovia, visando maior competitividade para a produção local e
regional, bem como desenvolver programas de fomento à atividade agropecuária,
notadamente a hortifruticultura, objetivando o abastecimento alimentar da população, bem
como gerar novas oportunidades de emprego no campo, evitando-se, assim, novas migrações
do campo para a cidade, o impede, ou, pelo menos, evita, criação de novas regiões periféricas
dentro da Capital, a partir do momento que melhor fixa as pessoas no campo, permitindo
novas formas de emprego. No mesmo sentido, deveria estabelecer uma Política Municipal de
estímulo à geração de empregos, tanto na região urbana, quanto rural.
Possuía, ainda, como direcionamento, a necessidade de articulação, junto aos governos
federal e estadual objetivando a ampliação da estrutura assistencial Municipal, para melhor
atender aos problemas da população local.
Outro ponto importantíssimo é no tocante à necessidade de definição de políticas e
programas voltados ao fortalecimento das vocações naturais da cidade como polo regional
mais capacitado à prestação de serviços de qualquer ordem, turismo, entreposto comercial e
centro processador de matérias-primas regionais, voltado, justamente para atendimento da
realidade local, assim como a promoção de estudos técnicos e programas necessários a
161
definição da Política de Fortalecimento das Funções Regionais, com destaque para as
iniciativas privadas e públicas que concorram no incremento do papel regional da cidade.
Visava, também, desenvolver e implementar, por meio do Sistema Municipal de
Desenvolvimento Urbano, planos e programas setoriais visando a adequação da infraestrutura
e, serviços urbanos, a demanda real instalada e futura, determinando a promoção de ações,
visando o implemento dos processos referentes a efetivação da Ferrovia, aproveitamento
energético e hidroviário da bacia do rio Cuiabá e ampliação do Distrito Industrial, tendo em
vista as possibilidades econômicas que se abriram com a integração sul-americana. Além
disso, propunha a articulação, junto às áreas competentes, para a criação da Região
Metropolitana de Cuiabá.
Por fim, constituíam diretrizes gerais do desenvolvimento urbano de Cuiabá, e, função e,
obrigação da Prefeitura Municipal, a elaboração de uma nova legislação para Uso, Ocupação
e Parcelamento do Solo Urbano pautada nas seguintes diretrizes específicas: a definição de
“áreas preferenciais” e “áreas restritas à ocupação urbana” compatibilização com a
acessibilidade à Infraestrutura, serviços e equipamentos urbanos, condições geotécnicas e
elementos indutores do crescimento urbano, notadamente os geradores de emprego; definição
de “áreas de consolidação de ocupação”, visando a otimização da infraestrutura, serviços e
equipamentos disponíveis; incorporação ao perímetro urbano das parcelas urbanas,
atualmente localizadas em suas adjacências; bem como dos rios e córregos do Município, suas
margens e áreas inundáveis como elementos estruturais de composição urbana, por meio de
formas de uso e ocupação adequados a sua preservação; além de proporcionar uma melhor
distribuição das atividades urbanas, com fins evitar o congestionamento da área central da
cidade e redução de deslocamentos pessoais pelo estimulo ao surgimento e/ou consolidação
de subcentros; e, também, a necessidade de definição de sistema de retenção de águas pluviais
em lotes a serem edificados, visando recarga de aquíferos e redução da sobrecarga em galerias
pluviais.
E, essa preocupação com o planejamento prévio, para assegurar o bem estar da
população, tem continuidade, no ano de 2007, com o novo e, atual (ainda que não
efetivamente atualizado, posto que já defasado, em relação à realidade local), Plano Diretor de
Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá (Lei Complementar n° 150, de janeiro de 2007),
como se verifica, por exemplo, no Art. 89, que prevê a proibição de ampliação do perímetro
162
urbano por 10 anos, salvo situação de calamidade pública, evitando-se, assim, crescimento
desordenado e, novas criações de áreas periféricas, sem qualquer infraestrutura.
Aponta-se, então, que apesar da previsão de garantia de bem estar, além de outras, e, dos
mecanismos trazidos, pelo Plano Diretor, para implementação, não se nota, na Capital, essa
implantação, de modo efetivo, em decorrência, principalmente, da formação e,
desenvolvimento do Município, que se desenvolveu, durante toda a sua história, de modo
desordenado, sem qualquer estrutura que pudesse abarcar toda a população, de forma digna.
3.2 OBJETIVOS
Um dos objetivos primordiais do Plano Diretor de Cuiabá é, justamente a promoção do
bem estar da população cuiabana317
(aliás, é o que os Planos Diretores devem pretender, como
analisado no capítulo antecedente), sendo que, é uma preocupação constante dos
instrumentos urbanísticos da capital, a exemplo do Manual que vias públicas, que estabelece:
“O Código de Posturas (Título IV a LC 004/92) define as normas de posturas municipais,
visando à organização do meio urbano e preservação de sua identidade como fator essencial
para o bem-estar da população.”318
(grifo nosso). Além disso, destaca-se que:
A política de desenvolvimento urbano de Cuiabá deve ordenar as funções sociais da
cidade, isto é, assegurar as condições favoráveis ao desenvolvimento da produção
econômica e a plena realização dos direitos dos cidadãos. A propriedade urbana, o
uso e a ocupação do solo devem sujeitar-se às exigências da sociedade, ao Plano
Diretor e à instrumentação legal decorrente.319
Veja-se que, o então prefeito do Município de Cuiabá, Wilson Pereira dos Santos,
destacou, justamente na “Mensagem do Prefeito”, que serviu de Introdução à obra “Plano
Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá”, que o Plano Diretor tem por objetivo
primordial traçar planos voltados para a promoção de uma cidade mais solidária e uma
sociedade mais justa, voltada para o bem de todos:
317
Contudo, apesar da previsão, não se verifica de modo efetivo, a aplicabilidade desse objetivo, como já
apontado. 318
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Manual de Vias Públicas: Calçadas – O que estabelece o Código de
Posturas do Município de Cuiabá, Prefeitura Municipal de Cuiabá, Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento
Urbano – IPDU, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2006, p. 19. 319
SPINELLI, Raul Bulhões. Apresentação, in CUIABÁ. Prefeitura Municipal de Cuiabá: Legislação Urbana
de Cuiabá./IPDU – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Urbano, Cuiabá: Entrelinhas, 2004.
163
O Plano Diretor é uma lei fundamental para o futuro de nossa cidade, dos futuros
cuiabanos e próximas gerações. Trata-se de uma lei que define prioridades, ações
estratégicas, estabelece políticas públicas urbanas e rurais para uma cidade mais
solidária e socialmente justa. [...] Iniciamos a gestão do planejamento em nossa
cidade, sendo esta somente uma parte de um processo social contínuo e permanente
no tempo e espaço, em busca de uma cidade melhor para todos.320
(grifo nosso).
O próprio Plano Diretor de Cuiabá estabelece, em seu Art. 3°, as suas finalidades, sendo
estas, o desenvolvimento pleno, integrado, com harmonia e bem estar social, visando a
sustentabilidade de Cuiabá (tanto no tocante à zona urbana, quanto rural), além de toda a
região.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá visa proporcionar o
desenvolvimento integrado, harmonioso, o bem-estar social e a sustentabilidade de
Cuiabá e da Região do seu entorno, considerado instrumento básico, global e
estratégico da política de desenvolvimento urbano e rural, determinante para todos
os agentes, públicos e privados, atuantes no Município.
Além disso, prevê no Art. 5°, os princípios que regem o Plano Diretor de
Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá, depreendendo-se da leitura dos referidos princípios,
a necessidade de respeito à dignidade da pessoa humana e, a promoção da função social da
cidade, estabelecendo metas para que haja concretude desses princípios.
Art. 5º O Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá é regido pelos
seguintes princípios:
I - a promoção da qualidade de vida da população;
II - justiça social e redução das desigualdades sociais e regionais;
III - inclusão social, compreendida como garantia de acesso a bens, serviços e
políticas sociais a todos os municípios;
IV - direito à Cidade para todos, compreendendo o direito à terra urbana, à moradia,
ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer;
V - respeito às funções sociais da Cidade;
VI - transferência para a coletividade de parte da valorização imobiliária inerente à
urbanização;
VII - direito universal à moradia digna;
VIII - universalização da mobilidade e acessibilidade;
IX - prioridade ao transporte coletivo público;
X - a valorização cultural da cidade e de seus costumes e tradições;
XI - preservação e recuperação do ambiente natural;
XII - fortalecimento do setor público, recuperação e valorização das funções de
planejamento, articulação e controle;
XIII - descentralização da administração pública;
XIV - participação popular nos processos de decisão, planejamento e gestão;
XV - o fortalecimento do Poder Executivo na condução de planos, programas e
projetos de interesse para o desenvolvimento de Cuiabá, mediante a articulação
320
SANTOS, Wilson Pereira dos. Mensagem do Prefeito, in SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de
Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato
Grosso: Entrelinhas, 2008.
164
com os demais entes de governo e a parceria com os agentes econômicos e
comunitários;
XVI - a integração entre os órgãos, entidades e conselhos municipais, visando à
atuação coordenada no cumprimento das estratégicas fixadas neste Plano e na
execução de programas e projetos suplementados.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano anterior, Lei Complementar Nº 003, de 24
de dezembro de 1992, já dispunha que a política de desenvolvimento urbano de Cuiabá tinha
(como ainda tem, consoante se verifica pela legislação em vigor) por escopo o ordenamento
do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem estar da população, assim
como, o cumprimento da função social da propriedade urbana. E, para tanto, estabelecia, em
seu Art. 3°, que são direitos de todos, a legítima realização de suas aspirações e a justa
satisfação de suas necessidades básicas, tais como, o direito à saúde, ao saneamento básico, à
educação, ao trabalho, à moradia, ao transporte coletivo, à segurança, à informação, ao lazer,
a qualidade ambiental e a participação, sendo que, diante disso, a função social da propriedade
era algo a ser almejado, sendo sempre voltada para o uso e a ocupação do solo de modo
adequado, visando cumprir com as exigências fundamentais da sociedade.
Art. 3º. A Política de Desenvolvimento Urbano de Cuiabá, explicitada pelo
conjunto de objetivos e diretrizes harmônicos entre si, tem por escopo o
ordenamento do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem estar
da população, assim como, o cumprimento da função social da propriedade urbana.
§ 1º. Para efeito desta lei, entende-se por Função Social da Cidade, aquela que se
deve cumprir para assegurar as condições favoráveis ao desenvolvimento da
produção econômica e, particularmente, para a plena realização dos direitos dos
cidadãos.
§ 2º. Por direitos dos cidadãos compreendem-se todas as condições, facultando-lhes
o pleno desabrochar de suas potencialidades, a legítima realização de suas
aspirações e a justa satisfação de suas necessidades básicas, tais como, o direito à
saúde, ao saneamento básico, à educação, ao trabalho, à moradia, ao transporte
coletivo, à segurança, à informação, ao lazer, a qualidade ambiental e a
participação.
§ 3º. Função Social da Propriedade Urbana é aquela atendida quando o uso e a
ocupação do solo respondem as exigências fundamentais da sociedade,
consolidadas nas Diretrizes do Plano Diretor, em conformidade com os dispositivos
da instrumentação legal decorrente.
E, como apontado acima, o atual Plano Diretor, de Cuiabá, seguiu os mesmos passos,
tendo estabelecido, como meta, a ampliação da oferta e, a melhoria na qualidade dos serviços
públicos prestados pela Municipalidade, buscando atender às aspirações das populações
urbana e rural do Município (Art. 3 º, § 1º). E, para tanto, estabelece diretrizes para a política
de desenvolvimento urbano e rural do Município; a função social da propriedade; as políticas
165
públicas do município; o plano urbanístico-ambiental; e, ainda, para a gestão democrática e
compartilhada (Art. 4 º).
3.3 NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO À REALIDADE LOCAL
Apesar de vários tropeços anteriores, no tocante à legislação urbana municipal, cujas
normas eram, normalmente, sancionadas após a ocorrência dos problemas, ou seja, servindo
como verdadeiras formas de “apagar incêndio”, sem planejamentos prévios, muitas vezes
utilizando cópias das legislações de outros Estados e/ou Municípios (cujas realidades eram
totalmente diversas da local), o primeiro Plano Diretor (Lei Complementar nº 003, de 24 de
dezembro de 1992), passa a se preocupar, de modo mais efetivo, com os problemas e questões
da cidade de Cuiabá (e seu entorno), como se verifica da leitura de seu Art. 4°, artigo já
transcrito anteriormente, mas que merece nova transcrição, para que se possa averiguar a
preocupação com a realidade local.
Art. 4º. Constituem diretrizes gerais do desenvolvimento urbano de Cuiabá,
cabendo à Prefeitura Municipal de Cuiabá:
I – implantar a Política Municipal de Desenvolvimento Urbano, visando recuperar a
capacidade municipal de ordenação do seu crescimento;
II – promover o tratamento das sedes de distrito, vilas e povoados rurais do
Município na Política Municipal do Desenvolvimento Urbano compatibilizando as
relações campo/cidade;
III – implementar o SISTEMA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO
URBANO e seus principais componentes: o Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano (CMDU) e o Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento
Urbano (IPDU);
IV – promover a reorganização administrativa distrital do Município e
abairramento a nível urbano;
V – implementar o Sistema de Gerenciamento Urbano através da criação de
Secretaria Municipal de Gerenciamento Urbano;
VI – articular junto aos Governos Federal e Estadual no sentido de captar recursos
para suprir os déficits decorrentes dos processos migratórios e da demanda
regional;
VII – promover ações de forma a garantir o suprimento energético necessário ao
incremento dos parques industriais e de prestação de serviços no Município;
VIII – promover ações de forma a garantir alternativas de transporte, como a
implementação da ferrovia e hidrovia, visando maior competitividade para a
produção local e regional;
IX – desenvolver programas de fomento à atividade agropecuária, notadamente a
hortifruticultura, objetivando o abastecimento alimentar da população, bem como
gerar novas oportunidades de emprego no campo;
X – desenvolver programa próprio do Município para favorecer a produção
industrial através da criação de incentivos à fixação de investimentos, inclusive
com a ampliação de ofertas de áreas para fins industriais, com expansão imediata
do Distrito Industrial;
166
XI – estabelecer uma Política Municipal de estímulo a geração de empregos; XII –
articular junto aos governos federal e estadual visando ampliação da estrutura
assistencial municipal;
XIII – definir políticas e programas voltados ao fortalecimento das vocações
naturais da cidade como pólo regional mais capacitado à prestação de serviços de
qualquer ordem, turismo, entreposto comercial e centro processador de matérias-
primas regionais;
XIV – desenvolver e implementar, através do Sistema Municipal de
Desenvolvimento Urbano, planos e programas setoriais visando a adequação da
infra-estrutura e serviços urbanos a demanda real instalada e futura;
XV – promover estudos técnicos e programas necessários a definição da Política de
Fortalecimento das Funções Regionais, com destaque para as iniciativas privadas e
públicas que concorram no incremento do papel regional da cidade;
XVI – promover ações visando o implemento dos processos referentes a efetivação
da Ferrovia, aproveitamento energético e hidroviário da bacia do rio Cuiabá e
ampliação do Distrito Industrial, tendo em vista as possibilidades econômicas que
se abrem com a integração sul-americana; XVII – articular junto às áreas
competentes a criação da Região Metropolitana de Cuiabá;
XVIII – elaborar uma nova legislação para Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo
Urbano pautada nas seguintes diretrizes específicas:
a) definição de “ áreas preferenciais” e “ áreas restritas à ocupação urbana”
compatibilização com a acessibilidade a Infra-estrutura, serviços e equipamentos
urbanos, condições geotécnicas e elementos indutores do crescimento urbano,
notadamente os geradores de emprego;
b) definição de “áreas de consolidação de ocupação”, visando a otimização da
infra-estrutura, serviços e equipamentos disponíveis;
c) incorporação ao perímetro urbano das parcelas urbanas, atualmente localizadas
em suas adjacências;
d) incorporação dos rios e córregos do Município, suas margens e áreas inundáveis
como elementos estruturais de composição urbana, através de formas de uso e
ocupação adequados a sua preservação;
e) proporcionar uma melhor distribuição das atividades urbanas visando o
descongestionamento da área central da cidade e redução de deslocamentos
pessoais pelo estimulo ao surgimento e/ou consolidação de subcentros;
f) definição de sistema de retenção de águas pluviais em lotes a serem edificados,
visando recarga de aquíferos e redução da sobrecarga em galerias pluviais.
Dentre todas as diretrizes gerais, destaca-se a necessidade de definição de políticas e
programas voltados ao fortalecimento das vocações naturais da cidade, como pólo regional
mais capacitado à prestação de serviços de qualquer ordem, turismo, entreposto comercial e
centro processador de matérias regionais, objetivando enfatizar e fortalecer a realidade local,
bem como a promoção de estudos técnicos e programas necessários a definição da Política de
fortalecimento das funções regionais, com destaque para as iniciativas privadas e públicas que
concorram no incremento do papel regional da cidade, verificando-se a intenção de
desenvolver as vocações locais, para melhor atender os anseios da própria população.
Como já mencionado em capítulos antecedentes, a Constituição da República Federativa
do Brasil, em seus Arts. 182 e 183, estabelece encargos aos Municípios, determinando-lhes a
elaboração do Plano Diretor, sendo este obrigatório para alguns Municípios, que preencherem
determinados requisitos (o que já foi objeto de análise em momento anterior, neste trabalho),
167
como é o caso da obrigatoriedade quando houver mais de 20.000 (vinte mil) habitantes. Do
mesmo modo, estabeleceu diretrizes que devem ser observadas tanto pelos Estados, quanto
pelos Municípios, como o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, a garantia do
bem estar de seus habitantes, a participação popular e a proteção do meio ambiente, do
patrimônio histórico e cultural, das pessoas com deficiência, dos idosos, das mulheres, bem
como outras diretrizes essenciais, como o sistema viário, o transporte, a limpeza urbana, o
saneamento e a drenagem, a habitação, a agricultura e o abastecimento, o turismo, a energia e
a iluminação pública, a saúde, a educação, a recreação e o lazer, a assistência social e o
desenvolvimento humano, a segurança, a defesa e a cidadania.
Diante das diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal, o Poder Público Municipal
de Cuiabá debateu com a comunidade e inseriu no Projeto de Lei do Plano Diretor como áreas
estratégicas que deveriam ter prioridade no planejamento do Município. Isso tudo se justifica
em face do Estatuto da Cidade, Lei que regulamentou os dispositivos Constitucionais, e, que
instituiu várias diretrizes e uma série de instrumentos de planejamento urbano que já vinham
sendo aplicados, embora sem a regulamentação específica e, devida (que só veio mesmo com
o Estatuto da Cidade). E, o Estatuto da Cidade também disciplinou a gestão democrática da
cidade, que deve ser justa, igualitária e participativa. Aliás, o núcleo do Estatuto da Cidade
está na Gestão Democrática e na exigência de transparência, repetidamente afirmada; está
também na reafirmação das responsabilidades municipais na implementação participativa do
Plano Diretor que explicitará onde e como os instrumentos de regulação da propriedade e do
uso do solo serão implementados, dependendo da situação concreta de cada cidade.321
Diante disso tudo, o atual Plano Diretor, em seu Art. 6º criou estratégias, para a
valorização da Capital, como polo regional de desenvolvimento, tendo por finalidade geral,
orientar as ações do governo e dos diferentes agentes da sociedade para a promoção do
desenvolvimento sustentável e integrado na região. Assim, são objetivos específicos, a
integração das funções do Município nos contextos estadual, regional e nacional; a promoção
da macroestruturação do território municipal, objetivando garantir a ocupação equilibrada de
seus espaços, a promoção social e o desenvolvimento não predatório das atividades produtivas
neles desenvolvidas.
321
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 104.
168
E, pode-se dizer que as experiências brasileiras, em elaboração e revisão de Planos
Diretores Municipais, apontam que tão importante quanto a lei em si é, a forma de sua
elaboração, com a efetiva participação da população e das entidades organizadas, conforme
expresso no Art. 43 do Estatuto da Cidade. Pactua-se, desta forma, um compromisso de todos
na execução das diretrizes e ações estratégicas incluídas (afinal todos estavam envolvidos no
momento da confecção da norma, o que permite sua melhor e, mais efetiva concretização).322
Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre
outros, os seguintes instrumentos:
I - órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;
II -debates, audiências e consultas públicas;
III - conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional estadual e
municipal;
IV - iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano;
Desse modo, é possível afirmar que a população deve participar das decisões públicas na
cidade. As comunidades, em geral, podem e devem participar da elaboração do Plano Diretor,
por exemplo, realizando estudos de impactos de vizinhança, audiências públicas, propondo
planos e alterações nas leis. O orçamento participativo também é instrumento obrigatório e
incentiva a população a decidir como será gasta a verba pública no exercício seguinte. Além
disso, existem as Conferências, em que se decidem as políticas de habitação. E, no caso do
Plano Diretor de Cuiabá, tal fator ocorreu em sua plenitude (pelo menos formalmente), já que
foram realizadas várias reuniões e audiências públicas, que resultaram no Plano hoje
existente.
Outro ponto que mereceu estudos, quando da revisão do Plano Diretor de 1992 (que
acabou gerando o atual Plano de 2007), foi a proximidade entre as cidades de Cuiabá e Várzea
Grande, que integram o Aglomerado Urbano e têm em comum diversos problemas e desafios,
sendo que, desde o início das discussões da revisão, do Plano Diretor, procurou-se um
trabalho em parceria. Dessa forma, em setembro de 2005, foi realizada, na cidade de Várzea
Grande, a primeira oficina da revisão do Plano Diretor, envolvendo a participação de técnicos
das duas Prefeituras, tendo em vista o enfrentamento de problemas e desafios comuns.
Resultado dessa oficina foi a leitura do diagnóstico da realidade para a apresentação das
322
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 105.
169
propostas que norteariam as políticas, planos e programas municipais no processo de revisão
do Plano Diretor, tudo feito em conjunto com a população das duas cidades.323
Em outubro do mesmo ano (2005), a segunda oficina realizou-se na cidade de Cuiabá,
também com a participação de técnicos das duas cidades, com o mesmo objetivo.
Posteriormente, outros seminários, oficinas, reuniões e audiências públicas ocorreram durante
os anos de 2005 e 2006. Todavia, apesar dos esforços, ainda não houve concretização do
proposto.
Pensando-se o Plano Diretor como uma lei fundamental para o futuro da cidade, bem
como de todos os habitantes que ali residem, bem como em face de ser uma legislação que
tem como uma das funções primordiais a definição de políticas públicas urbanas e rurais, para
uma cidade mais solidária e socialmente justa, foram desenvolvidos projetos para melhoria do
sistema viário e, ocupação do solo, em face das propostas suscitadas nos eixos estratégicos,
eixos esses que foram escolhidos e, selecionados, durante todo o processo democrático,
ocorrido, principalmente, nos seminários de revisão do Plano Diretor Participativo de Cuiabá.
Aponta-se, todavia, que essa melhoria no sistema viário somente teve início (mais efetivo) no
ano de 2012, em decorrência da Copa do Mundo de 2014, por ser o Município de Cuiabá uma
das cidades sede. Aliás, a Copa do Mundo foi a mola propulsora para a concretização dos
projetos previstos no Plano Diretor, sendo que o evento futebolístico, que será realizado no
Brasil, permitiu uma mudança positiva no desenvolvimento urbano de Cuiabá.
O processo de construção do Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico (atual)
iniciou-se com as ações voltadas à revisão do antigo Plano Diretor de Cuiabá, tendo a
Fundação Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU) realizado, com a
colaboração e, participação das Secretarias e Agências Municipais, além de outros organismos
públicos, bem como representantes de conselhos e entidades da sociedade civil organizada,
diversos seminários, reuniões, oficinas de capacitação e audiências públicas, visando permitir
uma discussão ampla, transparente e democrática, acerca dos problemas e, dificuldades, que
afetam diretamente o Município de Cuiabá. Além disso, a população também foi convidada a
participar das discussões, tomando parte, também, nos debates, críticas, propostas de que se
323
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 102.
170
fazia a revisão aberta do Plano. A discussão pública analisou e avaliou a cidade naquele
momento (como ela se encontrava), para que se pudesse formular a cidade desejada (a cidade
ideal), a qual poderia cumprir com sua função social, voltada para a realidade de sua própria
população.324
A revisão do Plano Diretor de Cuiabá utilizou, como instrumento metodológico, a
articulação das diretrizes em eixos estratégicos, com o fim de objetivar, da melhor forma
possível, a realidade do Município, suas potencialidades e, fragilidades. Dessa forma, foram
eleitos sete eixos estratégicos, sendo eles sistema viário, questão ambiental, questão fundiária
e habitacional, desenvolvimento econômico, desenvolvimento social, grandes projetos e
modernização institucional.
Pela leitura do primeiro Plano Diretor, de 1992, percebe-se que o sistema viário do
Município de Cuiabá passou a ser efetivamente planejado a partir desse momento. E, a
importância do planejamento prévio do sistema viário evita que se construam ruas e calçadas
estreitas, ligações viárias sem critérios técnicos, vias não pavimentadas, ruas sem iluminação
e placas de sinalização, e que surjam inúmeros outros problemas, para a população como um
todo.
No tocante ao eixo estratégico questão fundiária e habitacional, verificou-se que o
crescimento populacional, gerou uma demanda habitacional acelerada no Município (como
anteriormente apontado, já que a cidade recebeu, em pouco tempo, um número elevado de
pessoas de outros lugares, gerando um crescimento populacional desmedido, resultando,
assim, em uma maior concentração nas periferias), acarretando ocupações irregulares, que
geraram conflitos sociais, econômicos e ambientais, que aumentaram o problema fundiário no
Município, sendo que a cidade de Cuiabá possui uma série de problemas nesse particular,
como por exemplo, a ausência de títulos de propriedade em vários bairros da Capital, em
especial, nos bairros periféricos.
A questão ambiental foi a temática mais debatida, dentre todos os eixos estratégicos,
porque perpassa todos os demais eixos (envolvendo, portanto, todos eles) criados para a
324
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 132.
171
revisão do Plano Diretor, em que se verificou a necessidade de criação de espaços
especialmente protegidos, a proteção de áreas verdes e áreas de preservação permanente, com
a finalidade de se evitar também a ocupação dessas áreas, que contribuirão para uma sadia
qualidade de vida de todos os habitantes do Município. Isso tudo também se justifica, em face
da própria região em que se encontra inserido o Município, Capital de um Estado, com
vocação agropecuária e, que possui vários ecossistemas, como a Chapada dos Guimarães, o
Pantanal, a Amazônia, o Cerrado e o Araguaia, transformando a questão ambiental em
assunto obrigatório para a Capital.325
Na discussão do desenvolvimento econômico, demonstrou-se que o Município cresce
num ritmo intenso e ganha impulso econômico em sua infraestrutura e, urbanismo (até porque
continua recebendo pessoas de todo o país e, até do exterior, o que amplia cada vez mais o
crescimento da cidade, aumentando, assim, seu desenvolvimento econômico), atraindo novos
investimentos e financiamentos, o que faz da cidade o mais novo polo comercial, industrial e
de serviços, dinamizando o Município de Cuiabá, como centro atrativo da região Centro-
Oeste.
No tocante ao desenvolvimento social, houve uma discussão bastante aprofundada, em
face de ser que envolve, direta e diariamente, os problemas relacionados às questões mais
importantes do ser humano (e, portanto, da população, como um todo), já que levanta pontos
concernentes às áreas de saúde, educação e assistência social, interferindo, diretamente, na
vida dos seres humanos, os quais se encontram inseridos no Município e, que dependem dele.
Nesse sentido, localizam-se os princípios basilares a serem seguidos, como a universalidade, a
equidade, a integralidade, a democratização, a igualdade, a qualidade de vida, o bem estar e a
ética, demonstrando que o Plano Diretor de Cuiabá se preocupa com o bem estar de cada
pessoa, bem como da população como um todo, para obter a almejada dignidade da pessoa
humana.326
No tocante ao eixo temático grandes projetos, analisou-se a necessidade de um maior
desenvolvimento da infraestrutura urbana, com a construção de Avenidas, Parques ou Vias
325
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 132. 326
Idem, p. 132.
172
Verdes, recuperando e mantendo, dessa maneira, o equilíbrio ecológico, por meio do
reflorestamento das matas ciliares dos córregos e, rios da cidade, até porque a reestruturação
viária faz-se necessária e, para tanto, é imprescindível a existência de estudos e projetos para
que se possa contemplar a adequação urbanística das principais vias da cidade às atuais
funções urbanas que desempenha (ressaltando-se a necessidade de cumprimento da função
social). E, por intermédio da Copa do Mundo de 2014, todas essas grandes obras vem sendo
realizadas.
É possível, desse modo, asseverar que o Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico
de Cuiabá foi um trabalho conjunto de aprendizado e co-responsabilidade entre governo e
sociedade, que garantiu a participação ampla e qualificada da população cuiabana em busca
de definição de novos rumos, buscando a construção de um futuro melhor, com mais
qualidade de vida (pelo menos foi o que se verificou no desenvolvimento do projeto, ainda
que referenciada participação não tenha se verificado na sociedade como um todo, mas apenas
com a participação de uma pequena parcela desta, não se vislumbrando, por exemplo, a
participação da população periférica e de baixa renda, que muito contribuiria para um projeto
e, um Plano Diretor mais específico e, mais factível). O foco de todo o projeto foi alcançar
uma cidade mais harmônica, sustentável e com melhor qualidade de vida para a sua
população, usando, para tanto, os territórios urbano e rural, encontrando problemas e soluções
a médio e, longo prazo. As condições futuras idealizadas pautaram-se nas características,
particularidades, tendências e potencialidades de cada região, ainda que tais condições e,
objetivos desenvolvidos ao longo do projeto tenham se mostrado utópicos, não permitindo
que se tenha um Plano palpável (efetivamente), dificultando, portanto, sua concretização.327
Importante ressaltar, ainda, que o Plano Diretor foi elaborado pensando-se no futuro,
tendo sido definido para perdurar por longo prazo, apontando, desse modo, os novos rumos,
visando a construção de um futuro mais promissor, tanto para o Município de Cuiabá, quanto
para a região sob sua influência imediata, ou seja, a área compreendida pelos Municípios da
chamada baixada cuiabana, para que se pudesse obter uma melhor integração entre os
municípios que integram a região do entorno.
327
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 132.
173
Insta relembrar, como dito anteriormente, que o Plano Diretor foi resultado de diversas
discussões, seminários, oficinas e reuniões envolvendo várias pessoas e órgãos, representando
um esforço coletivo, objetivando concretizar o bem estar de toda a população, transformando
o Plano Diretor na possibilidade de abertura de diálogo para todos, tentando representar uma
média das aspirações, interesses e objetivos comuns. E, tudo isso sempre buscando o bem
comum, entendido este como uma sociedade em que todos, independentemente de suas
posições filosóficas, ideológicas, de classe ou de interesses econômicos, possam sentir-se
realizados como um efetivo membro da sociedade do Município.328
Verifica-se, portanto, que, pelo menos no plano teórico, o Plano Diretor de Cuiabá foi
pensado, idealizado e construído, visando atender a realidade local, objetivando se adequar às
necessidades regionais, para atingir o bem maior; o bem comum de toda a sociedade do
Município.
3.4 ANÁLISE DOS BENEFÍCIOS SOCIAIS TRAZIDOS COM O PLANO DIRETOR
PARA A POPULAÇÃO DE CUIABÁ
Importante, também, para a construção do presente trabalho, analisar os benefícios
trazidos com o Plano Diretor para a população de Cuiabá, em especial no tocante ao
saneamento básico, saúde, educação, moradia etc., para a constituição da dignidade de cada
ser humano, especialmente dos habitantes do Município.
Já, com o advento do primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Cuiabá,
Lei Complementar n° 003, de 24 de dezembro de 1992, se verifica a previsão e, a
preocupação com o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e, o bem estar da
população, além do cumprimento da função social da propriedade, sendo que é considerada
como função social da cidade, tudo que se deve cumprir para assegurar as condições
favoráveis ao desenvolvimento da produção econômica e, particularmente, para a plena
realização dos direitos dos habitantes do Município, sendo estes direitos entendidos como o
preenchimento de todas as condições, permitindo-lhes o pleno desenvolvimento de suas
potencialidades, a legítima realização de suas aspirações e a justa satisfação de suas
328
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 132.
174
necessidades básicas, tais como, o direito à saúde, ao saneamento básico, à educação, ao
trabalho, à moradia, ao transporte coletivo, à segurança, à informação, ao lazer, a qualidade
ambiental e a participação.
E, com a revisão do Plano Diretor (de 1992), houve um considerável avanço, rumo à
possibilidade de um futuro melhor, em especial pelo fato de que o atual Plano Diretor de
Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá representa um marco definidor em termos de
planejamento e gestão pública municipal.
A implementação dos objetivos, diretrizes gerais e específicas contidas no plano de
desenvolvimento estratégico de Cuiabá, incluindo as propostas de modernização institucional,
poderão resultar em um salto qualitativo importante para propiciar as transformações de que a
capital necessita para melhor atender às necessidades da população que nela vive, trabalha e
sonha com um futuro promissor.
Verifica-se que um dos objetivos primordiais do Plano Diretor é propiciar o
desenvolvimento integrado, harmonioso, o bem estar social, além da sustentabilidade de
Cuiabá e, de toda a região do seu entorno, devendo este ser considerado como o instrumento
básico, global e estratégico da política de desenvolvimento urbano e rural, decisivo para todos
os agentes públicos e privados atuantes no Município, sendo que, para tanto, focará a
ampliação da oferta e melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados pela
Municipalidade, buscando atender às aspirações das populações urbana e rural do Município,
o que se encontra disposto no Art. 3° da Lei que trata do Plano Diretor.329
Além disso, o Plano Diretor, ora analisado, tem como abrangência a integralidade do
território do Município, incluindo as áreas urbana e rural, estabelecendo diretrizes para a
política de desenvolvimento urbano e rural do município; a função social da propriedade; as
políticas públicas do município; o plano urbanístico-ambiental; e, a gestão democrática e
compartilhada, como se verifica da leitura do seu Art. 4º, sendo regido pelos princípios da
promoção da qualidade de vida da população; da justiça social e redução das desigualdades
sociais e regionais; da inclusão social, compreendida como garantia de acesso a bens, serviços
e políticas sociais a todos os municípios; do direito à cidade para todos, compreendendo o
329
SANTOS, Adriana Bussiki (org.). Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá: Lei
Complementar n° 150 de 29 de janeiro de 2007, Cuiabá, Mato Grosso: Entrelinhas, 2008, p. 136.
175
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao
transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer; do respeito às funções sociais da
cidade; da transferência para a coletividade de parte da valorização imobiliária inerente à
urbanização; do direito universal à moradia digna; da universalização da mobilidade e
acessibilidade; da prioridade ao transporte coletivo público; da valorização cultural da cidade
e de seus costumes e tradições; da preservação e recuperação do ambiente natural; da
participação popular nos processos de decisão, planejamento e gestão; do fortalecimento do
Poder Executivo na condução de planos, programas e projetos de interesse para o
desenvolvimento de Cuiabá, mediante a articulação com os demais entes de governo e a
parceria com os agentes econômicos e comunitários (Art. 5º), demonstrando a preocupação do
Plano Diretor com a dignidade dos habitantes da capital, por meio da valorização de sua
população, por meio da garantia de acesso a bens e serviços a todos.
Para obtenção da dignidade plena de seus habitantes, constituem diretrizes gerais330
do
desenvolvimento Estratégico do Município, cabendo à própria Prefeitura Municipal de
Cuiabá, a promoção da reorganização administrativa distrital do Município e a revisão do
abairramento das áreas urbanas, bem como a revisão da legislação de Uso, Ocupação e
Parcelamento do Solo Urbano, pautada em algumas diretrizes específicas, como a definição
das “áreas preferenciais” e “áreas restritas à ocupação urbana”, além da compatibilização com
a acessibilidade de infraestrutura, serviços e equipamentos urbanos, condições geotécnicas e
elementos indutores do crescimento urbano, notadamente os geradores de emprego, devendo,
ainda, proporcionar uma melhor distribuição das atividades urbanas e, redução de
deslocamentos pessoais pelo estímulo ao surgimento e/ou consolidação de subcentros
(facilitando, portanto, o transporte da população), bem como, faz-se necessária a promoção e,
desenvolvimento de estudos para redefinição de funções de uso, ocupação e parcelamento do
centro da cidade, readequando a ocupação, fornecendo, desse modo, estrutura compatível a
todos.
Da mesma forma, o Plano Diretor prevê a necessidade de se promover o ordenamento
territorial mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano, visando combater e evitar, entre outras coisas, o parcelamento do solo, a edificação
ou o uso excessivo ou inadequado em relação à infraestrutura urbana; a instalação de
330
Plano Diretor de Cuiabá, Art. 9°.
176
empreendimentos ou atividades que possam funcionar como polos geradores de tráfego, sem a
previsão da infraestrutura correspondente; o uso especulativo da terra como reserva de valor,
de modo a assegurar o cumprimento da função social da propriedade, evitando-se, portanto, o
aumento desenfreado dos valores dos imóveis, o que impediria que a população (como um
todo) tivesse acesso à casa própria nas regiões mais urbanizadas e com melhor estrutura (com
água, esgoto, asfalto, escolas, postos de saúde, transporte etc.), e, evitaria, portanto, que a
população mais carente fosse sempre relegada às regiões periféricas, sem qualquer tipo de
estrutura.
Além disso, pretende, ainda, com o ordenamento territorial mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, estimular e garantir a
participação da população nos processos de decisão, planejamento e gestão, melhorando a
qualidade de vida e promovendo o desenvolvimento sustentável, a justa distribuição das
riquezas e a equidade social no Município de Cuiabá. E, dessa forma, estaria garantindo, a
todos os habitantes do Município, acesso a condições seguras de qualidade do ar, do solo, da
água e de alimentos, de circulação e habitação em áreas livres de resíduos, de poluição visual
e sonora, de uso dos espaços abertos e verdes; obtendo, também, a democratização do acesso
à terra e à habitação, estimulando os mercados acessíveis à população de baixa renda e,
racionalizando o uso da estrutura instalada, particularmente do sistema viário e de transportes,
evitando sua sobrecarga ou ociosidade; bem como desenvolvendo e implementando planos e
programas setoriais visando à adequação da infraestrutura e dos serviços urbanos e rurais à
demanda instalada e futura.331
Também, merece destaque, para efetivar a promoção do ordenamento territorial
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, faz-
se imprescindível, a promoção do desenvolvimento da zona rural, ampliando a oferta de
educação, saúde, trabalho e melhorando o acesso ao saneamento básico, à energia, à
sustentabilidade, com o intuito de melhorar a qualidade de vida da população, alojando a
população rural no próprio campo, evitando-se nova vinda dessas pessoas para a cidade, a
qual já tem que suportar o peso de seus próprios habitantes, evitando-se novos inchaços
urbanos, desordenados e, sem qualquer estrutura. E, para que isso realmente se concretize
331
Plano Diretor de Cuiabá, Art. 10 e ss.
177
importante integrar as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento
socioeconômico do Município de Cuiabá e do território sob sua influência.
Na área do transporte, importante destacar que uma das melhorias trazidas pelo Plano
Diretor332
foi a definição de diretrizes específicas do desenvolvimento estratégico na referida
área, levantando-se a necessidade de elaboração do Plano de Transporte Integrado, em
conformidade com o Estatuto da Cidade (seguindo-se as diretrizes ali estabelecidas), bem
como se verificou a necessidade imperiosa de adequar a rede viária principal a melhoria do
desempenho da rede de transporte coletivo, em termos de rapidez, conforto, segurança e
custos operacionais. E, para tanto, será imprescindível priorizar a proteção individual de cada
habitante e, do meio ambiente no aperfeiçoamento da mobilidade urbana, circulação viária e
dos transportes, além de promover a acessibilidade, facilitando o deslocamento no Município,
por meio de uma rede integrada de vias, ciclovias e ruas exclusivas para pedestres, com
segurança, autonomia e conforto.
Para que isso ocorra, é indispensável que se estabeleçam políticas tarifárias que
preservem o equilíbrio econômico e social do sistema de transporte coletivo e as condições
socioeconômicas dos usuários, buscando padrões de qualidade que proporcionem aos usuários
do transporte coletivo crescente grau de satisfação do serviço, adotando-se um modelo de
gestão mais eficiente, em conjunto com a comunidade, para os programas de pavimentação e
de manutenção, buscando superar as carências de infraestrutura das vias públicas urbanas e
rurais e, implantando e ou regularizando a infraestrutura dos pontos de ônibus, táxi e afins, de
modo a garantir o conforto e segurança dos usuários do transporte público, inclusive
utilizando ações voltadas para a inclusão, servindo-se, para tanto, de um melhor
aperfeiçoamento do transporte, possibilitando, assim, às pessoas deficientes, com dificuldades
de locomoção e, idosos, condições adequadas e seguras de acessibilidade autônoma aos meios
de transporte urbanos, propiciando conforto, segurança e facilidade nos deslocamentos.
Já, no tocante às questões relacionadas à área de meio ambiente e recursos naturais333
, o
Plano Diretor prevê diretrizes específicas do desenvolvimento estratégico, visando garantir
uma política de recuperação dos rios Cuiabá e Coxipó, com aproveitamento de todos os seus
potenciais paisagístico, turística, recreativo, de lazer e ambiental (todas devidamente
332
Plano Diretor de Cuiabá, Art. 11. 333
Plano Diretor de Cuiabá, Art. 12.
178
regulamentadas), incentivando as comunidades de baixa renda, especificamente aquelas
residentes na periferia da cidade, visando evitar o desperdício de água potável. E, para auxiliar
as comunidades ribeirinhas de baixa renda, o Plano Diretor proíbe os processos urbanísticos
em áreas sujeitas às inundações, no intuito de proteger as populações e o meio natural de
eventuais catástrofes. Além disso, estabelece programas de conservação e manejo de áreas
verdes, arborização urbana, recuperação e conservação de praças públicas e, ainda, define a
execução de programa de controle de emissão de poluentes veiculares – Programa de
Inspeção e Medição, considerando o estímulo à substituição da frota de transporte coletivo
por veículos que utilizem tecnologia menos poluente.
Objetivando garantir o bem estar da população cuiabana (e de seu entorno), o Plano
Diretor estabelece, como diretrizes específicas do desenvolvimento estratégico na área de
Limpeza Urbana, entre outros, a implementação do sistema de tratamento para os resíduos de
serviço de saúde e, a garantia da implantação de um Plano de Gerenciamento de Resíduos da
Construção Civil e Resíduos Volumosos, promovendo um ambiente limpo, por meio do
gerenciamento eficaz e recuperação do passivo paisagístico e ambiental, preservando a
qualidade dos recursos hídricos proibindo o descarte de resíduos em áreas de mananciais,
promovendo, para tanto, as oportunidades de trabalho e renda para a população de baixa
renda, pelo aproveitamento de resíduos da construção civil, desde que aproveitáveis e em
condições seguras e saudáveis.
Com relação às questões relacionadas à área de saneamento e drenagem, constituem
diretrizes específicas do desenvolvimento estratégico, elaborar planejamento, visando garantir
o abastecimento de água, e, a coleta e tratamento de esgoto no Município de Cuiabá, em curto
prazo. Além disso, estabelece como intento, atingir 100% (cem por cento) da população, com
sistema de tratamento das águas residuais, pelos sistemas mais adequados a cada caso, de
modo que sejam protegidos os ecossistemas, até o ano de 2022, tendo estabelecido metas de
curto prazo (atingir 45% - quarenta e cinco por cento -, da população), de médio prazo (60% -
sessenta por cento - da população) e, de longo prazo, que se estende por todo o período (cuja
meta prevê alcançar 100% - cem por cento -, da população). Todavia, até a presente data não
se verificou a concretização de nenhuma das etapas propostas, mantendo-se a população com
sérios problemas de saneamento básico.334
334
Plano Diretor de Cuiabá, Art. 14.
179
Apenas com os recursos levantados para a preparação de Cuiabá, como cidade sede da
Copa do Mundo de 2014, em especial do governo federal, foi possível se verificar o início do
programa proposto pelo Plano Diretor, vislumbrando-se, atualmente, na Capital
matogrossense, um canteiro de obras, com os entes Públicos (Municipal, Estadual e, até
mesmo Federal), correndo contra o tempo, para finalizar as “benfeitorias” na cidade e, de
certo modo conseguir concretizar o que propõe o Plano Diretor, demonstrando-se que a
efetivação do Plano (em vários aspectos, como a reestruturação do sistema viário, permitindo
a melhoria na mobilidade dos habitantes do Município, além de melhorar as condições de
habitabilidade de algumas pessoas que serão beneficiadas com a implantação das vias às
margens de regiões mais periféricas e, portanto, com pouco ou nenhuma estrutura) vai ser
alcançada por fatores externos ao próprio Município e, sua população.
Ainda, como propósito para melhoria do atendimento aos habitantes da Capital e,
entorno, no tocante à área de saneamento e drenagem, o Plano Diretor prevê a promoção do
adensamento populacional em áreas já atendidas por sistemas de saneamento básico, como
forma de atingir de modo mais rápido e mais barato um número maior de pessoas,
alcançando, assim, um percentual muito maior da população (todavia, isso não soluciona o
problema da população já instalada nas periferias, vivendo e, convivendo em situações
precárias).
Da mesma forma, o Plano Diretor propõe, para melhoria na situação do saneamento
dentro do Município de Cuiabá, a promoção do tratamento adequado do lodo gerado nas
estações de tratamento de água do Município de Cuiabá e, a realização de obras de
saneamento do Município, de acordo com o planejamento estratégico da companhia de
saneamento, priorizando a finalização de projetos já iniciados, além da promoção de ações, no
sentido de revitalizar as estações de tratamento de esgoto sanitário, outrora construídos no
Município. Prevê, ainda, assegurar recursos necessários para o abastecimento de água, coleta
e tratamento de esgoto sanitário; estudar a viabilidade do abastecimento de água e irrigação de
Cuiabá, utilizando o reservatório da Usina Hidrelétrica de Manso, além de estimular o uso
racional da água, combatendo o desperdício e estimulando a substituição dos equipamentos
180
hidráulicos por outros mais econômicos e, ainda, implementar política do reuso da água no
âmbito da esfera municipal.335
Como meta, tem-se, ainda, a elaboração do plano de drenagem urbana em curto prazo,
devendo implementá-lo em médio prazo, priorizando a implantação do sistema de
monitoramento, controle e prevenção contra enchentes e inundações; a ampliação, em médio
prazo, da capacidade de escoamento da rede existente nos pontos subdimensionados; o
desenvolvimento de projetos de drenagem que considerem a mobilidade de pedestres e
deficientes, a paisagem urbana e o uso para atividades de lazer; e, a prevenção de inundações,
controlando a erosão, especialmente em movimentos de terra, o transporte e a deposição de
resíduos.
Para se obter a concretização das propostas apresentadas pelo Plano Diretor, necessário
se faz a alocação de dotação orçamentária anual para serviços de limpeza e desobstrução da
rede urbana de drenagem, a definição de mecanismos de fomento para usos do solo
compatíveis com áreas de interesse para drenagem, tais como parques lineares, área de
recreação e lazer, hortas comunitárias e manutenção da vegetação nativa; a articulação com os
diversos níveis de governos a realização e implementação de cadastro das redes de água e
esgoto, galerias de águas pluviais e eletrodutos para as instalações telefônicas, que deve ser
gerenciado pelo sistema municipal de informação, o que já se encontra devidamente previsto
na própria norma do Plano Diretor de Cuiabá.336
Prevê, ainda, a necessidade de promoção de campanhas de esclarecimento público e a
participação das comunidades no planejamento, implementação e, operação das ações contra
inundações, evitando-se desastres, com prejuízos não apenas material, mas também pessoal
(com a perda de muitas vidas), em especial nas regiões ribeirinhas; manter os usuários e,
demais órgãos de fiscalização informados sobre a qualidade de água consumida pela
população, evitando-se, desse modo, proliferação de doenças que, são facilmente erradicadas
quando se tem água e esgotos tratados. Da mesma forma, aponta que irá garantir
ininterruptamente o abastecimento público de água no Município, assegurando, dessa
maneira, o atendimento a 100% (cem por cento) da população instalada nas ocupações
regulares do Município (nada apontando, todavia sobre as ocupações irregulares, nas quais se
encontram a população em situação de miséria, em assentamentos periféricos sem qualquer
335
Plano Diretor de Cuiabá. 336
Plano Diretor de Cuiabá.
181
estrutura e, sem qualquer condição de higiene) em curto prazo com água tratada, dentro dos
padrões de qualidade (o que, infelizmente ainda está longe de acontecer, já que os projetos e
instalações, nesse sentido, ainda abrangem de modo mais efetivo, apenas as regiões mais
centrais), priorizando a extensão de rede de abastecimento de água e coleta de tratamento de
esgoto em áreas de maior densidade populacional.337
Visando garantir um melhor aproveitamento da água, estabelece, também, atuar junto ao
Órgão municipal, visando a aprovação de projeto unifamiliar e multifamiliar, acima da cota
do sistema de coleta dos efluentes sanitários, facilitando a operação e manutenção e, ainda,
elaborar projeto de recuperação do rio Cuiabá e afluentes, preservando suas características
naturais como forma de garantir proteção sanitária e a qualidade da água, em médio prazo. No
mesmo sentido, implementar, a curto prazo, medidas de proteção nos mananciais do rio
Cuiabá, Coxipó e Aguaçu, no sentido de assegurar a qualidade dos recursos hídricos
destinados ao abastecimento de água no município, além de prover a construção de estações
de tratamento de esgoto completas em condomínios e comunidades carentes, nas áreas
desprovidas de sistema público de coleta e tratamento e, ainda, condicionar a pavimentação de
vias à execução de obras de drenagem, sob a fiscalização de órgãos públicos e segundo
estudos técnicos preliminares.
Na seara habitacional
338, o Plano prevê que a Agência Municipal de Habitação Popular
deverá estabelecer a Política Municipal de Habitação, em curto prazo, em conjunto com os
órgãos estaduais, federais e, instituições da sociedade civil, com a participação da sociedade
civil organizada, por meio da realização de fóruns e ou conferências no município,
priorizando o atendimento de faixa elaborar e, implementar o Plano Setorial de Habitação, no
qual se consubstanciem articuladamente todas as ações que em seu conjunto expressem a
Política Municipal de Habitação, constituindo o seu instrumento básico, garantindo que o
Sistema de Informação Municipal, pelo subsistema de informação da Agência Municipal de
Habitação Popular, produza e disponibilize as informações atualizadas sobre a situação
habitacional do Município, especialmente em relação ao déficit e às necessidades
habitacionais, qualitativas e quantitativas, bem como, criar programa habitacional rural,
ambos em curto prazo.
337
Plano Diretor de Cuiabá. 338
Plano Diretor de Cuiabá, Art. 15.
182
Visando a melhoria das condições de moradia da população de baixa renda, dispõe, o
Plano Diretor, que se deve promover maior articulação com as concessionárias de serviços
públicos, visando à integração dos programas de expansão das redes de distribuição com os
programas municipais de expansão de infraestrutura urbana, além de promover a melhoria das
habitações já existentes das famílias de baixa renda e viabilizar a produção de Habitação de
Interesse Social, denominadas de HIS, garantindo, ainda, a captação de recursos financeiros,
institucionais, técnicos e administrativos destinados a investimentos habitacionais de interesse
social. Aponta, concomitantemente, a necessidade de desenvolver programas de melhoria da
qualidade de vida dos moradores de habitações de interesse social e promover a regularização
de assentamentos já consolidados e das unidades construídas, garantindo moradia digna às
famílias de baixa renda que não estejam em desacordo com as Legislações municipal estadual
e federal, (mas, ao mesmo tempo, estabelecer normas especiais para promover a regularização
fundiária e de edificações existentes para população de baixa renda que estejam em desacordo
com as normas legais), visando dar efetividade à dignidade dos moradores da Capital,
estabelecendo parâmetros físicos de moradia social, índices urbanísticos e de procedimentos
de aprovação de projetos, de modo a facilitar a produção habitacional, pela iniciativa
privada.339
Além disso, pretende estimular as alternativas de associação ou cooperação entre
moradores para a efetivação de programas habitacionais, incentivando a participação social e
a autogestão, o que viabilizaria, de modo mais eficaz, uma melhor distribuição das moradias
em Cuiabá, obtendo-se moradias mais dignas para a população de baixa renda. E, ainda, o
Plano Diretor irá facilitar o acesso da população de baixa renda à moradia, por meio de
mecanismos de financiamento de longo prazo, via recursos orçamentários a fundo perdido,
permissão de uso e subsídio direto, pessoal, intransferível e temporário na aquisição ou
locação social, promover, ainda, serviços de assessorias técnica, jurídica, ambiental, social e
urbanística gratuitas a indivíduos, entidades, grupos comunitários e movimentos na área de
habitação de interesse social. Outro fator importante, é a realização de levantamento, visando
priorizar e promover a regularização de áreas urbanas sem título de posse, devendo fazê-lo em
curto prazo (apesar disso, as regularizações, dentro do Município, ainda demandarão um
prazo bem extenso, tendo em vista que poucas foram realizadas até a presente data). E, ainda,
promover programa de geração de emprego e renda associados aos programas habitacionais e,
339
Plano Diretor de Cuiabá.
183
estudar mecanismos de isenção ou redução para os beneficiários que estejam na faixa salarial
de até três salários mínimos para obtenção de registro e ou escritura do imóvel.
Uma dos grandes objetivos do Plano Diretor, além de se obter moradia digna para a
população de baixa renda é, tentar promover o uso habitacional nas áreas consolidadas e
dotadas de infraestrutura, conseguindo, desse modo, um uso mais racional dos espaços
urbanos, com planejamento específico para esse fim, obtendo-se, assim, um melhor
atendimento à população (que poderá usufruir de uma melhor estrutura), com menor gasto do
dinheiro público, já que poderá aumentar a densidade demográfica em espaços que já
possuem infraestrutura pronta (água tratada, esgoto, pavimentação, transporte, escola, saúde
etc.), ao invés de ter de construir novas estruturas em espaços mais distantes. Para tanto,
deverá, produzir, nas regiões centrais da Cidade dotadas de infraestrutura, unidades
habitacionais em áreas ou edificações vazias ou subutilizadas, para a população de baixa e
média renda, utilizando os recursos provenientes da valorização imobiliária em programas
habitacionais de interesse social nas áreas bem dotadas de infraestrutura e serviços urbanos.340
E, para garantia de uma ocupação mais ordenada, o Plano Diretor, prevê que irá
disponibilizar instrumentos visando coibir novas ocupações por assentamentos habitacionais
inadequados nas áreas de preservação ambiental e de mananciais, nas remanescentes de
desapropriação, nas de uso comum do povo e nas áreas de risco, impedindo, assim, a
ocupação irregular de novas áreas, mediante a aplicação de normas e de instrumentos
urbanísticos e de fiscalização (garantindo, nos programas habitacionais, atividades conjuntas
de proteção ao meio ambiente e de educação ambiental, de modo a assegurar a preservação
das áreas de mananciais e a não-ocupação das áreas de risco e dos espaços destinados a bens
de uso comum da população), promovendo o atendimento habitacional às famílias a serem
removidas de áreas de risco ou, de adensamentos por necessidade de obra de urbanização,
transferindo-as preferencialmente para áreas da mesma região ou, na impossibilidade, em
outro local, com a participação das famílias no processo decisório, desenvolvendo, para tanto,
projetos habitacionais que considerem as características da população local, suas formas de
organização, condições físicas e econômicas.341
340
Plano Diretor de Cuiabá. 341
Plano Diretor de Cuiabá.
184
Ainda na seara habitacional, o Plano Diretor estabelece a necessidade, do Município, de
estimular a realização de parcerias com universidades e institutos de pesquisa para
desenvolvimento de alternativas de menor custo e maior qualidade e produtividade das
edificações residenciais; promovendo o atendimento à demanda reprimida por habitação, de
acordo com o cálculo de incremento anual por região e, controlando a rotatividade das listas
de pretendentes e beneficiados em programas de habitação e a transparência do processo, tudo
visando o bem estar da população do Município.
No setor da indústria, comércio e serviços, o Plano Diretor elegeu metas prioritárias,
para o pleno desenvolvimento das respectivas áreas, visando o crescimento do próprio
Município, transformando-o em um Município mais fortalecido nos mencionados setores,
tornando-se, assim, mais competitivo dentro da seara nacional. Desse modo, constituem
diretrizes específicas do desenvolvimento estratégico na área de Indústria, Comércio e
Serviços, apoiar a expansão de pequenas e micros empresas, além de instalar, em cada
Administração, Regional um Centro Municipal de Economia Solidária e de Qualificação de
pequenos e de micros empresários, bem como priorizar e implementar investimentos e
parcerias em benefício do segmento artesanal no sentido de potencializar e aproveitar as
vocações locais, visando à geração de emprego, ocupação e renda, com o fortalecimento de
suas cadeias produtivas e propiciando estímulos à exportação.342
Já, no tocante à área de agricultura e abastecimento (uma área importante para o
Município, em face de ser a Capital de um dos Estados de grande importância na esfera
nacional, nesse campo, situando-se como o maior produtor de grãos do País), a legislação, em
comento, em seu Art. 17, estabelece como foco primordial, o desenvolvimento de projetos de
apoio aos pequenos e médios produtores, com programas de desenvolvimento tecnológico
para melhor aproveitamento da terra, financiamento da terra e orientação para tipos de cultura,
com a criação de mecanismos que possibilitem a implementação de programa de agricultura
urbana, utilizando, para tanto, do estimulo à cessão de uso dos terrenos particulares para o
desenvolvimento, em parceria, de programas de combate à fome e à exclusão social, por meio
da agricultura urbana (hortas comunitárias) e, do aproveitamento de terrenos públicos não
utilizados ou subutilizados, em programas de agricultura urbana promovendo a inclusão social
(e, desse modo, obtendo o bem estar de todos os habitantes do Município).
342
Plano Diretor de Cuiabá.
185
Já, na área de saúde, o Plano, determina, como diretrizes específicas do
desenvolvimento estratégico de Cuiabá nessa área (entre outros), a implementação e
efetivação (de modo definitivo), do sistema de referência e contra-referência do Sistema
Único de Saúde no Município de Cuiabá, com a ampliação da cobertura para toda população
do Município de serviços especializados de apoio diagnóstico e terapêutico de média e alta
complexidade e, para obter referida ampliação, determina o alargamento da rede de serviços
de pronto atendimento hospitalar, laboratorial e especialidades de acordo com as demandas
apresentadas. Além disso, prevê a necessidade de se efetivar a inversão do modelo de saúde,
realizando ações de promoção, prevenção, assistência em saúde e reabilitação, que atenda às
necessidades da população do Município de Cuiabá, considerando as questões de gênero,
etnia e ciclo de vida, realizando a ampliando a cobertura dos serviços de atenção básica a toda
população do Município; a descentralizando as ações de vigilância à saúde para todos os
níveis de atenção, com intersetorialidade (meio ambiente, educação, assistência social,
infraestrutura, saneamento, transporte, segurança e outros) e, efetivando a política de saúde do
trabalhador de forma regionalizada no Município.
Ainda, no campo da saúde, o Município tem o dever de consolidar o controle social
junto ao Sistema Único de Saúde em Cuiabá, elaborando e, desenvolvendo políticas públicas
para o setor de saúde, objetivando à integralidade e intersetorialidade de ações e serviços, com
a municipalização da execução dos serviços de saúde mental e, a implantação e ou
implementação da política municipal de atenção à saúde da criança, do adolescente, da mulher
e do idoso.
Na mesma esteira, para se obter um dos focos primordiais do Plano Diretor, que é o bem
estar da população do Município, no Art. 22 se encontram as diretrizes específicas do
desenvolvimento estratégico na área de Educação, dentre as quais se destacam, a redefinição
da política educacional em sintonia com as diretrizes e bases fixadas pela legislação federal,
estadual e municipal, tendo por finalidade, assegurar a estrutura de atendimento à educação
infantil em creches e pré escolas, priorizando o ensino fundamental por um período de nove
anos, com suas modalidades de ensino, permitida a atuação em outros níveis de ensino
somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência
186
e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal e,
ampliar e melhorar a qualidade física das unidades de ensino urbana e rural do Município.343
Além disso, possui como metas principais, no setor da Educação e, que visam a
promoção da dignidade da pessoa humana, obtendo-se o bem estar da população cuiabana,
como um todo, a erradicação do analfabetismo, o aumento no nível de escolaridade da
população do Município de Cuiabá, a regulamentação do Sistema Municipal de Educação e
implantar o Plano Municipal de Educação, e, ainda, universalizar o acesso à escola de todas
as crianças com idade de quatro a cinco anos e onze meses de idade, bem como atender todas
as crianças de 0 a 3 anos e 11 meses de idade, com a construção de creches, em número
suficiente, até o ano de 2020.344
E, ainda, prevê a implementação de ações, para a integração da escola com a
comunidade e, a promoção de política municipal de Educação Especial na perspectiva
inclusiva e integradora, visando garantir o princípio da Educação para todos. Além disso,
deverá o Município, dotar as escolas existentes (as que apresentarem condições adequadas), e,
as novas, a serem construídas, de espaços físicos destinados à prática de atividades esportivas
e de lazer. Aliás, nesse último ponto, o Plano Diretor em seu Art. 23, traz metas específicas
nessa área, apontando a necessidade de fomentar o esporte, a recreação e o lazer para o
desenvolvimento das potencialidades do ser humano, e o bem-estar social, a integração com a
natureza e com a sociedade, e, ampliar as estruturas para a prática do esporte e lazer, nas
comunidades, conforme a necessidade de demanda (além de promover a recuperação,
urbanização e manutenção das áreas esportivas já existentes, com o apoio da própria
comunidade) e, também, promover a participação da comunidade na gestão das atividades de
recreação e lazer, apoiar suas manifestações típicas como meio de difusão e disciplina da
conservação das áreas verdes e equipamentos públicos, por elas utilizadas.345
Além das áreas já aqui apresentadas, o Plano Diretor de Cuiabá, dispõe acerca de outros
segmentos importantes para o pleno desenvolvimento do bem estar de sua população,
estabelecendo diretrizes e metas específicas do desenvolvimento estratégico na área de
Assistência Social e Desenvolvimento Humano (com criação do Sistema Municipal de
343
Plano Diretor de Cuiabá. 344
Plano Diretor de Cuiabá. 345
Plano Diretor de Cuiabá.
187
Assistência Social que deverá implementar, coordenar, monitorar e avaliar a política de
Assistência, estabelecendo os indicadores e metas de todas as ações por nível de proteção
básica e especial, mantendo interface com outras esferas de governo para a consolidação da
Rede, entre outros), na área da pessoa Idosa (com a manutenção, fortalecimento e, ampliação
dos serviços de saúde e Assistência Social ao idoso), na área da pessoa com deficiência
(apoiando, estimulando e estabelecendo mecanismos e programas que favoreçam o pleno
desenvolvimento das potencialidades das pessoas com deficiência, em todas as iniciativas
governamentais e privadas, garantindo, a inclusão social e produtiva, a acessibilidade e
mobilidade urbana, a educação especial e, o fortalecimento das relações intrafamiliares e
comunitárias.), além de outras áreas, como a de Modernização Institucional (com a promoção
e, implantação do Programa de Valorização Profissional e a política de qualidade de vida do
servidor, baseando-se, prioritariamente, na remuneração digna).
Além de todos os pontos anteriormente destacados, importante, ainda, salienta, que o
Plano de Desenvolvimento Urbano de Cuiabá, estabelece, em seu Art. 31, acerca do
zoneamento, dispondo que a designação de áreas diferenciadas de adensamento, uso e
ocupação do solo, com o objetivo de fornecer a cada região a melhor utilização, tendo por
finalidade principal o desenvolvimento sustentável e o bem estar da comunidade.
Art. 31 O zoneamento é o estabelecimento de áreas diferenciadas de adensamento,
uso e ocupação do solo, visando dar a cada região melhor utilização em função das
diretrizes de crescimento, da mobilidade urbana das características ambientais e
locacionais, objetivando o desenvolvimento sustentável e o bem estar social da
comunidade, mediante a observação das condições físicas, ambientais e
paisagísticas, de infra-estrutura disponível e usos compatíveis com a vizinhança
local.
Percebe-se, portanto, que o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do município de
Cuiabá é todo voltado para atendimento do bem estar de sua população, tendo como meta
fucral a consecução da dignidade plena de seus habitantes, mas apesar das inovações trazidas
pelo Plano Diretor, as metas estão longe de serem aplicadas, ocasionando um vácuo entre a
teoria e a prática, já que ainda está muito distante da aplicação efetiva dos propósitos trazidos
pelo Plano Diretor, tornando-o, por enquanto, inócuo.
Do mesmo modo, todo o aglomerado (Cuiabá-Várzea Grande) possui inúmeros
problemas estruturais, com graves problemas urbanos ainda não solucionados,
primordialmente as questões fundiárias, já que conta com escassez de habitações e, com
188
habitações precárias, sem documentação e, ainda, sem condições mínimas de dignidade, além
da violência, falta de esgoto, pavimentação e água potável, somado aos problemas de saúde,
emprego, transporte e infraestrutura, que são problemas que ainda devem ser superados.
Novas políticas, no Brasil, como um todo, devem ser pensadas, para as questões de
aglomeração urbanas e, para as regiões metropolitanas, integrando-as de forma mais acertada,
para que se pensem as cidades não de modo isolado, mas integrado, a fim de que os
problemas estruturais sejam melhor resolvidos e, de maneira mais definitiva.
Todavia, verifica-se que uma boa parte do que propõe o Plano Diretor começa a ser
implantado, não por força política, ou por força da sociedade, mas, sim, em decorrência da
realização da Copa do Mundo, de 2014, no Brasil e, por ser Cuiabá uma das cidades sede.
Desse modo, a concretização de muitas metas, apresentadas pelo Plano Diretor, são realizadas
por fatores externos ao Município, como o é a necessidade de preparação de Cuiabá para
receber a Copam além da geração, direta e, indireta, de emprego e renda, aumentando o poder
aquisitivo de boa parte da população, mas também trazendo novos migrantes para a cidade.
Contudo, não há como negar que os benefícios para o Município serão muitos, ainda que não
seja esse o objetivo primordial da Copa.
3.5 A COPA DO MUNDO DE 2014
O Brasil foi eleito pela FIFA (Fédération Internacionale de Football Association), como
país sede da Copa do Mundo de 2014. Em face dessa escolha, vários Estados se propuseram a
sediar jogos desse evento. Mato Grosso foi um dos escolhidos para sediar alguns desses jogos.
Ressalta-se que, é possível afirmar que a escolha de Mato Grosso, e, de forma mais específica,
de Cuiabá, para ser uma das sedes da Copa, se deu, em grane parte, por ser Capital de um
Estado de grande biodiversidade e, por viver um desenvolvimento econômico, em larga
escala, graças ao setor agropecuário, que vem ampliando, ano a ano.
Para que pudesse sediar os jogos, o Estado de Mato Grosso se propôs a fazer uma
reestruturação na mobilidade urbana, expansão da rede hoteleira (tanto utilizando capital
privado, como com incentivos governamentais), objetivando se adequar às exigências feitas
pela FIFA, além de investir na melhoria da estrutura turística, para que os turistas que serão
recebidos, por ocasião da Copa, pudessem melhor aproveitar todas as belezas naturais do
189
Estado, além, claro, da reconstrução do estádio de futebol, que passará a ser denominado de
“Arena Pantanal”.
A escolha das cidades sede ocorreu em maio de 2009 e, a partir dessa data, notou-se
uma série de mudanças no comportamento e dinâmica de diversos bairros de Cuiabá.
Destaca-se que o processo de urbanização e metropolização, ocorrido, no Brasil, pode
ser considerado um processo espoliativo, que se revela pelo modelo de organização
socioespacial centro/periferia, contrariando o que estabelece o Plano Diretor de
Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá, como se verifica pela leitura do Art. 50, do
referenciado Plano, já que não permite o acesso à todos, à infraestrutura, transporte,
saneamento básico, moradia digna etc.:
Art 50- O Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá rege-se pelos
seguintes princípios:
[...]
IV- direito à Cidade para todos compreendendo o direito à terra urbana, à moradia,
ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer;
[...]
VII - direito universal à moradia digna;346
Com a escolha de Cuiabá, como uma das sedes da Copa do Mundo, verifica-se a
possibilidade de uma nova mobilidade urbana e, com isso se destaca o início do processo,
com o qual a Capital de Mato Grosso acelera seu crescimento e cujo ritmo se intensificará nas
décadas subsequentes. Como resposta a cidade começa a mostrar expressivos sinais de
transformação, principalmente no tocante às novas formas de ocupação do espaço, com
melhoria dos problemas urbanos.
Em Cuiabá, como em grande parte das cidades brasileiras, não houve um planejamento
urbano, sendo necessária uma renovação das características físicas da cidade, para que se
possa adaptar, não às necessidades da população, mas, sim, em decorrência das necessidades
de satisfação das exigências para ser uma das sedes do mundial de futebol.
O valor a ser investido, na “Arena Pantanal”, será de R$ 518,9 milhões, sendo que,
desse valor, R$ 285 milhões ficará a cargo federal e, o prazo para entrega da obra será outubro
346
Plano Diretor de Cuiabá.
190
de 2013. Com capacidade para 43 mil espectadores durante o Mundial, o projeto conta com
arquibancadas móveis para 17 mil pessoas. O projeto prevê um espaço multiuso que será
administrado por empresas. O complexo contará com restaurantes, hotéis, estacionamentos,
lagos, bosque e pista para caminhada. O espaço, depois do Mundial, ainda poderá ser
utilizado como centro de convenções, palco para shows e feiras. Destaca-se que uma das
marcas do projeto é a atenção em relação ao meio ambiente. Caminhões e outros
equipamentos que saem da obra, por exemplo, são lavados para não sujar as ruas. No local da
lavagem, a água passa por um processo de decantação e é reaproveitada. Até tinta e vernizes
utilizados deverão seguir uma série de exigências, como não emitir partículas tóxicas que
podem prejudicar a saúde.347
No tocante à infraestrutura, trazida pelas obras da copa, aponta-se que Cuiabá conta com
seis obras para melhorias em infraestrutura monitoradas pelo governo federal para a Copa do
Mundo de 2014, sendo duas intervenções no aeroporto Marechal Rondon, três em mobilidade
urbana, além da Arena Pantanal. Elas somam R$ 2,05 bilhões, dos quais R$ 847,2 milhões de
financiamento federal, R$ 91,3 milhões do governo federal e contrapartida local de R$ 1,111
bilhão. Já, as obras de mobilidade terão investimentos de R$ 1,44 bilhão, sendo R$ 562
milhões financiamento federal e R$ 877,9 milhões de recursos locais. Das intervenções
previstas para a cidade, serão entregues ainda em 2013, um corredor exclusivo de ônibus e
vias de acesso à arena. O Veículo Leve sobre Trilho (VLT348
) deve ser concluído em janeiro
de 2014 e está orçado em R$ 1,26 bilhão, de acordo com a Matriz de responsabilidade, com
R$ 423 milhões de financiamento federal.349
Com a Copa e, suas obras, grandes intervenções necessárias na infraestrutura urbana
deixaram de constar apenas no plano teórico e, passaram para o plano prático, executando,
assim, muito do que se encontra previsto no Plano Diretor de Cuiabá. Desse modo, foi
possível realizar a construção do corredor Mário Andreazza, que será feito em duas etapas,
primeiro, a duplicação da ponte Mário Andreazza e, após, a duplicação da rodovia Mário
Andreazza. O objetivo, desse corredor, é facilitar o acesso do aeroporto à Arena Pantanal e
347
Cuiabá: Arena Pantanal - Estádio José Fragelli. Disponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-
br/arena/cuiaba>. Acesso em: 01 de fevereiro de 2013. 348
Espécie de metrô de superfície, o VLT de Cuiabá terá 22,2 km de extensão e ligará o CPA (Centro Político
Administrativo) ao aeroporto internacional Marechal Rondon, e o bairro de Coxipó ao centro. A obra chegou a
ser paralisada duas vezes pela Justiça Federal. Nas duas oportunidades, o Tribunal Regional Federal (TRF)
barrou a liminar e autorizou a continuidade das obras.. 349
Secopa-MT. Disponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/governo-de-mato-grosso-sanciona-
lei-para-copa-do-mundo-de-2014>. Acesso em: 01 de fevereiro de 2013.
191
também ao Centro Oficial de Treinamento da Barra do Pari, o COT de Várzea Grande. Da
mesma forma, a realização das intervenções na Av. Jurumirim e Juliano Costa Marques, em
Cuiabá, são chamadas de obras de desbloqueio, pois criarão alternativas de trânsito durante a
execução das grandes obras, como as trincheiras, viadutos e o corredor ferroviário do VLT.
O Aeroporto Marechal Rondon receberá duas obras (terminal de passageiros e, módulo
operacional provisório), que resultarão num crescimento da capacidade anual de 138%,
chegando a 5,7 milhões de passageiros. O investimento previsto é R$ 91 milhões.350
Todos esses investimentos podem trazer uma mudança significativa para Cuiabá, que
começa a se despontar como região metropolitana, voltada para negócios e, portal turístico, já
que serve de acesso para todos os ecossistemas e, belezas naturais do Estado de Mato Grosso.
As inúmeras obras de mobilidade urbana e, a melhoria na infraestrutura, voltadas para atender
as exigências da FIFA, para realização da Copa do Mundo de 2014, trazem, via de
consequência, uma melhoria para a população da cidade, que passa a contar com melhoras
recursos e uma estrutura mais benéfica para a população. Além disso, muitos bairros
periféricos que não contavam com transporte público satisfatório e, acesso às regiões mais
centrais, passam a se beneficiar com as obras, que, de certo modo, colocam, em prática, os
preceitos e, fundamentos, do Plano Diretor de Cuiabá.
Mas, somente será possível verificar todas as hipótese ora levantadas, com a finalização
das obras e, com a efetivação dos projetos que se encontram sendo desenvolvidos para a
Copa, até porque o Município de Cuiabá se encontra no rol das sedes que se encontram com a
estrutura em atraso para o Mundial, não havendo, neste momento, como se afirmar, com
certeza, quais serão os reais benefícios trazidos pela Copa do Mundo de 2014.
Contudo, é possível afirmar que, com certeza, a Copa conseguirá efetivar grandes
demandas do Plano Diretor, mas não concretizará todos, até porque não se obterá, em tão
pouco tempo, a solução para problemas ocasionados ao longo de todo o desenvolvimento de
Cuiabá, que, como dito outrora, se deu de modo desorganizado, refletindo na ausência de
efetividade do mencionado Plano.
350
Secopa-MT. Disponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/governo-de-mato-grosso-sanciona-
lei-para-copa-do-mundo-de-2014>. Acesso em: 01 de fevereiro de 2013.
192
CONCLUSÃO
Os vários problemas urbanos que se verifica não só em Cuiabá, mas, também, na grande
maioria das cidades brasileiras, não foram ocasionados pela ausência de Planos, mas sim, em
decorrência da falta de planejamento, todavia a realidade das cidades exige ações concretas,
com planejamento efetivo, já que planejamentos englobam, não apenas os planos, mas
também, diagnósticos, projetos, políticas, ações, avaliações e revisões, de modo constante,
não havendo um fim, já que a cidade é um organismo vivo, em constante movimentação.
O planejamento urbano, durante toda a história brasileira, foi tratado de modo
secundário, mas, o Estatuto da Cidade, trouxe uma nova visão, de modo que é um instrumento
capaz de propiciar a realização dos objetivos propostos. O Estatuto contém instrumentos que
permitem transformar a realidade urbana, sendo um meio para o desenvolvimento e definição
da ocupação dos Municípios, além de prever a participação popular na gestão, não apenas
territorial, mas também, geral. Todavia, para que seus objetivos sejam plenamente atingidos,
necessário se faz que a maneira de se realizar o planejamento urbano no Brasil, já que não há,
no país, a tradição do planejamento participativo (o que é trazido pelo Estatuto da Cidade, na
formação dos Planos Diretores dos Municípios), sendo que a obrigatoriedade da participação
da população em todo o processo (desde o início), é um grande avanço. O Estatuto determina
que se verifique, dentro de cada Município, as realidades locais, mas não aponta a necessidade
de averiguação das questões intermunicipais, em especial quando se trata de Municípios em
conturbação (Cuiabá e Várzea Grande), nem quanto as regiões Metropolitanas (Cuiabá
também faz parte de uma região metropolitana), impedindo que haja um planejamento
adequado, nesse particular, não permitindo, assim, que haja um crescimento mais acertado, já
que deixa de se analisar problemas comuns às cidades nas regiões metropolitanas, o que, na
maioria das vezes, acarreta prejuízo aos habitantes daquelas localidades.
A produção do espaço urbano em Cuiabá está em consonância com o processo de
urbanização espoliativo, próprio das cidades brasileiras. A periferização das classes populares
reflete a segregação socioespacial e, a consequente exclusão dos benefícios urbanos das
camadas menos favorecidas da população. Políticas urbanas e regionais podem afetar o
padrão territorial de desenvolvimento econômico e social do Município de variadas formas.
193
Deve-se, portanto, ter clareza se o conjunto dos seus efeitos eleva ou restringe o bem estar de
sua população.
Em Cuiabá, a produção do espaço urbano, corresponde ao processo de mercantilização
do solo, da moradia, dos meios de transporte coletivo e, demais serviços urbanos. Esse
processo constitui um negócio lucrativo para os empreendedores
imobiliários, destacando-se, atualmente, a entrada de grandes empresas nacionais que, muitas
vezes se associam a empresas locais.
Apesar de todos os entraves, são inúmeros os progressos alcançados como a
possibilidade de um controle espacial adequado à dinâmica das atividades, as novas
possibilidades de ocupação e zoneamento, a preocupação com o meio ambiente, a
possibilidade de diálogo de vários grupos, o controle mais rigoroso das ações do Poder
Público municipal, pela população e, a participação do povo no processo de planejamento e,
na gestão do Município.
Em Mato Grosso, foi instituído o aglomerado Cuiabá/Várzea Grande, contudo, a falta
de regramento federal tem contribuído para fragilizar o planejamento urbano na localidade,
em face da falta de interesse dos Municípios em estabelecer compromissos comuns e, o
planejamento urbano continua sendo indispensável para o controle urbano do Município,
evitando, assim, que apenas parte da população se beneficie da estrutura estatal. O Plano
Diretor é o ponto de partida para todas as ações municipais, que devem ter por objetivo
primordial o bem estar da população, como um todo, necessitando, para tanto, atender todas
as regiões do Município, inclusive e, principalmente, as periféricas. Assim, o planejamento
urbano deve ser contínuo, pois a cidade muda a cada dia e, as necessidades mudam com ela.
O Plano Diretor, de cada Município precisa atingir a finalidade social da cidade, precisa
obter a função social de cada uma deles, alcançando o objetivo do bem estar da população,
como um todo, sendo que, para tanto, cada Plano Diretor deve corresponder a realidade local,
pois somente desse modo consegue a plenitude de seu intento, pois apenas dessa forma atinge
cada membro daquela sociedade.
O Plano Diretor de Cuiabá traz, em seu bojo, a realidade local, com preocupação com o
bem estar dos habitantes do Município, todavia, a implementação efetiva é seu maior
194
problema. No entanto, após a eleição de Cuiabá, como uma das cidades sede da Copa do
Mundo de 2014, esse problema vem, de certa forma, sendo solucionado, já que os
investimentos trazidos para a cidade, grande parcela do Plano Diretor vem sendo colocado em
prática, demonstrando a influência econômica nas questões publicas e, que a concretização do
Planejamento urbano passa, muitas vezes, por questões estranhas ao próprio Município, o que
pode, por vezes, não ser o mais benéfico para a população. No caso de Cuiabá, todavia, as
obras da Copa estão fazendo com que muita coisa saia do papel, beneficiando toda a
população cuiabana, em especial, a mais periférica.
Todavia, a maneira como o Município de Cuiabá foi formado influenciou,
negativamente, na efetivação do Plano Diretor, em face das dificuldades estruturais e,
culturais, o que acabou por impossibilitar, em alguns aspectos, a aplicabilidade do Plano,
deixando, portanto, de ser pleno instrumento de promoção social, não dando, assim, a devida
instrumentalidade aos preceitos Constitucionais.
De outro modo, aponta-se que, como o Plano Diretor deve ser instrumento de
efetividade dos princípios Constitucionais, já que tem por escopo atender às exigências da
comunidade e, permitir a efetivação da função social da cidade e, o objetivo primordial de
toda a política urbana é a função social, sendo o Plano Diretor o elemento principal para a sua
efetividade, a ausência de efetividade do Plano Diretor (como vem ocorrendo com o
Município de Cuiabá) acarreta, via de consequência, a ausência de efetividade dos princípios
trazidos pela Constituição Federal. Assim, conclui-se que o Plano Diretor do Município de
Cuiabá, em decorrência de sua não efetivação não permite a efetividade, completa, dos
preceitos Constitucionais.
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