DIREITO, LEGISLAO E LIBERDADE
Volume 1
Friedrich A. Hayek
3
Sumrio
Apresentao .............................................................................................................................................. 6
Prefcio Edio Brasileira .................................................................................................................... 43
Prefcio ..................................................................................................................................................... 45
Introduo ................................................................................................................................................ 47
Nota dos tradutores ................................................................................................................................. 58
............................................................................................................................... 60
Captulo 1 - Razo e evoluo ................................................................................................................ 61
Construo e evoluo ........................................................................................................................ 61
As teses do racionalismo cartesiano ................................................................................................. 64
As limitaes permanentes de nosso conhecimento factual. ........................................................ 68
Conhecimento factual e cincia......................................................................................................... 74
A evoluo concomitante da mente e da sociedade: o papel das normas .................................... 79
A falsa dicotomia entre 'natural' e 'artificial' .................................................................................... 84
A ascenso da perspectiva evolucionista .......................................................................................... 88
A persistncia do construtivismo no pensamento atual ................................................................ 95
Nossa linguagem antropomrfica ..................................................................................................... 97
Razo e abstrao ..............................................................................................................................102
Por que as formas extremas do racionalismo construtivista levam habitualmente a uma
revolta contra a razo. .......................................................................................................................106
Captulo 2 - Kosmos e taxis ..................................................................................................................111
O conceito de ordem.........................................................................................................................112
As duas fontes de ordem ..................................................................................................................115
As propriedades distintivas das ordens espontneas....................................................................118
Ordens espontneas na natureza.....................................................................................................120
Na sociedade, confiar na ordem espontnea amplia e limita ao mesmo tempo nossos poderes
de controle. .........................................................................................................................................122
As ordens espontneas decorrem da obedincia de seus elementos a certas normas de conduta
.............................................................................................................................................................125
A ordem espontnea da sociedade constituda de indivduos e organizaes ....................131
As normas das ordens espontneas e as normas organizacionais ..............................................134
4
Os termos 'organismo' e 'organizao' ............................................................................................141
Captulo 3 - Princpios e oportunismo ...............................................................................................147
Objetivos individuais e benefcios coletivos ..................................................................................147
A liberdade s pode ser preservada pela observncia de princpios, sendo destruda pela
prtica do oportunismo ....................................................................................................................150
As 'necessidades' da politica de governo so geralmente consequncia de medidas anteriores
.............................................................................................................................................................155
O risco de se atribuir maior importncia s consequncias previsveis de nossas aes que s
meramente possveis .........................................................................................................................158
O realismo esprio e a coragem necessria para ousar a utopia .................................................160
O papel do profissional do direito na evoluo politica...............................................................164
Captulo 4 - O mutvel conceito de direito ........................................................................................177
O direito mais antigo que a legislao .........................................................................................177
As lies da etologia e da antropologia cultural ............................................................................181
Normas factuais e normas prescritivas ...........................................................................................190
O direito antigo .................................................................................................................................194
A tradio clssica e a medieval.......................................................................................................196
Os atributos distintivos do direito emanado do costume e do precedente ...............................202
Por que o direito oriundo de um processo evolutivo requer correo por legislao .............207
A origem dos corpos legislativos .....................................................................................................211
Obedincia e soberania .....................................................................................................................214
Captulo 5 - Nomos: o direito como salvaguarda da liberdade .......................................................218
As funes do juiz .............................................................................................................................218
Como a funo do juiz difere da do chefe de uma organizao ..................................................224
O objetivo da jurisdio manter uma ordem vigente de aes ................................................226
'As aes relativas a outrem' e a proteo de expectativas ...........................................................230
Numa ordem dinmica de aes apenas algumas expectativas podem ser protegidas ............233
A coincidncia mxima das expectativas obtida pela delimitao de domnios protegidos 240
O problema geral da influncia dos valores sobre os fatos ..........................................................247
O 'propsito' do direito ....................................................................................................................250
A formulao do direito e a previsibilidade das decises judiciais .............................................255
A funo do juiz restringe-se ao mbito de uma ordem espontnea .........................................260
5
Concluses .........................................................................................................................................266
Captulo 6 - Thesis: a lei proveniente da legislao ...........................................................................269
A legislao origina-se da necessidade de estabelecer normas organizacionais .......................269
Lei e ato legislativo: a aplicao da lei e a execuo de determinaes ......................................273
A legislao e a teoria da separao dos poderes...........................................................................277
As funes governamentais das assembleias representativas ......................................................280
Direito privado e direito pblico .....................................................................................................284
Direito constitucional .......................................................................................................................289
Legislao financeira .........................................................................................................................292
O direito administrativo e o poder de polcia................................................................................294
As 'medidas' de poltica governamental .........................................................................................298
A transformao do direito privado em direito pblico pela legislao 'social' ........................300
A parcialidade de um legislativo dedicado direo do aparelho governamental ...................305
6
Apresentao
HENRY MAKSOUD
H cerca de dois anos lanamos o livro 'Os Fundamentos da Liberdade' que
a verso brasileira do 'The Constitution of Liberty', trabalho notvel deste
grande filsofo poltico Friedrich A. Hayek. Na 'Introduo' que preparei
para aquele lanamento falo sobre a vida e o trabalho do autor, a que o
leitor interessado pode reportar-se. O presente livro uma obra
suplementar, no um substituto daquele. Ao leitor incipiente o prprio
Hayek recomenda que leia 'Os Fundamentos da Liberdade' antes, de passar
anlise especifica dos problemas para os quais ele prope solues nos
trs volumes deste 'Direito, Legislao e Liberdade' que a verso brasileira
de seu 'Law, Legislation and Liberty'.
Pretendendo "preencher as lacunas" que descobriu depois de ter feito
'Os Fundamentos da Liberdade', Hayek explica nestes volumes por que
ideias que h muito tempo vm sendo consideradas antiquadas se mostram
em verdade ainda "imensamente superiores a quaisquer doutrinas
alternativas que tenham encontrado, nos ltimos tempos, maior
receptividade do pblico". E conclui mostrando que o perigoso rumo cm
direo ao Estado totalitrio que vm tomando os chamados 'governos
democrticos' dos pases considerados mais avanados em decorrncia
de certos defeitos de construo profundamente arraigados de seus sistemas
polticos o levou a "uma nova formulao dos princpios liberais de
7
justia e economia poltica", ou seja, exposio de uma 'Constituio da
Liberdade' que o tema central do presente trabalho.
A liberdade o valor que predomina em todo o pensamento de
Hayek. Ele sempre se refere liberdade na vida do homem em sociedade.
Quanto mais se mergulha em seu trabalho das ltimas quatro dcadas, mais
evidente se torna o fato de que toda sua obra gira em torno da busca da
liberdade liberdade que ele define com muita clareza e de forma
insofismvel como sendo um valor uno e indivisvel, pois que s existe uma
liberdade, a liberdade individual. E no h dvida de que o objetivo
primordial deste 'Direito, Legislao e Liberdade' exclusivamente esta
liberdade, pois para Hayek a liberdade a fonte e o pr-requisito de todos
os demais valores do homem; e que ela somente poder ser preservada se
for tratada como um princpio supremo, que no deve ser sacrificado a
vantagens especficas.
Direito e legislao correspondem a meios que precedem o fim maior
que a liberdade do indivduo: o direito, cm geral preservando-a, e a
legislao, muitas vezes desafiando-a e colocando-a ilegitimamente sob
restrio. Como mostram magistralmente os dois primeiros volumes, o
primeiro dos quais ganhou o subttulo de 'Normas e Ordem' ('Rules and
Order') e o segundo, de 'A Miragem da Justia Social' (The Mirage of Social
Justice'). O terceiro volume, com o subttulo 'A Ordem Poltica de um Povo
Livre' (The Political Order of a Free People'), examina
pormenorizadamente o porqu do persistente malogro dos sistemas de
governo representativos atuais e apresenta uma formulao constitucional
bsica, original, que tem por finalidade o cultivo e a salvaguarda da
8
liberdade do indivduo. Aqui, Hayek fala da 'Demarquia', embora confesse
seu "pesar por no ter tido a coragem de empregar sistematicamente" este
neologismo em toda a extenso do livro.
A indiscutvel predominncia da liberdade na escala de valores de
Hayek no pode, porm, obnubilar o fato de que para ele a liberdade
subordinada ao direito e existe na conformidade com as leis da sociedade.
Isto ele enfoca com mestria mpar em todo o livro, mas trata com
pormenores no primeiro volume, 'Normas e Ordem'. Hayek reconhece que
este tipo de liberdade na vida em sociedade algo relativo e que, numa
sociedade livre, to amplo quanto possvel. Isso quer dizer que existe uma
liberdade que mais absoluta e mais abrangente que a que se tem na vida
em sociedade. Pois, j que a liberdade na sociedade a liberdade conforme
o direito daquela sociedade, existe realmente uma liberdade metajurdica,
intangvel; que uma liberdade menos restringida que a sujeita s normas
jurdicas porque a lei , por definio, algo que restringe.
A despeito de visualizar essa liberdade no sentido mais amplo, Hayek
ainda assim enfatiza que a liberdade que ele tem em mente a liberdade
subordinada ao direito. Isso fica evidente quando assegura numa de suas
obras anteriores que "o homem jamais existiu sem leis". Ou quando ele cita
e concorda com Kant quando este diz que o "homem livre se no precisar
obedecer a ningum mas apenas s leis", ou com a frase de Montesquieu
"nous sommes donc libres, parce que nous vivons sous les lois civiles". Em
'Os Fundamentos da Liberdade' ele afirma que se deve ao estadista e
filsofo romano Marco Tlio Ccero (106 43 A.C.) muitas das
formulaes mais precisas do conceito de liberdade dentro da lei,
9
destacando dele a frase concepo segundo a qual obedecemos lei para
sermos livres: "omnes legum servi sumus ut liberi esse possimus"1.
Tambm proclama a liberdade no estado de direito quando sada o
filsofo poltico ingls John Locke (1632 1704), por tornar claro que no
pode haver liberdade fora da ordem jurdica, adotando como epgrafe do
Captulo Onze, 'As Origens do Estado de Direito', de seu 'Os Fundamentos
da Liberdade', a seguinte frase de Locke: "A finalidade da lei no abolir ou
restringir, mas preservar e ampliar a liberdade. Porque onde no h lei no
h liberdade, como se v nas sociedades em que existem seres humanos
capazes de fazer leis. Pois liberdade significa estar livre de coero e da
violncia dos outros, o que no pode ocorrer onde no h lei; e no
significa, como dizem alguns, liberdade de cada um fazer o que lhe apraz
(pois quem poderia ser livre se estivesse sujeito aos humores de algum
outro?), mas liberdade de dispor a seu bel-prazer de sua pessoa, suas aes,
bens e todas as suas propriedades, com a limitao apenas das leis s quais
est sujeito. Significa, portanto, no ser o escravo da vontade arbitrria de
outro, mas seguir livremente sua prpria"22. E ao longo de todo o presente
livro ele escreve das mais diversas maneiras que a liberdade 'sempre
liberdade dentro da lei'.
As pessoas mal avisadas poderiam concluir em face dessas
consideraes que a liberdade um elemento inferior ao direito, j que ela
1 "Os Fundamentos da Liberdade". F. A. Hayek, Ed. Viso. 1983, p. 190. n. 36.
2 Ibid., p. 18.
10
subordinada formalmente s leis no estado de direito. No e essa, porm, a
ideia de Hayek. Embora a liberdade seja subordinada ao direito, este no
superior liberdade. A subordinao formal da liberdade (liberdade dentro
da lei, por cx.) no afeta a subordinao material do direito (e das leis)
liberdade. Para Hayek, o direito um meio no apenas para se fazer
cumprir normas legais mas tambm, e principalmente, para a promoo da
liberdade individual. Ele no deixa dvidas em sua obra sobre o sistema de
vida social que o estado de direito deveria manter e salvaguardar: um
sistema que proporcione o mximo de liberdade possvel de se ter numa
sociedade. Ele acredita numa ordem liberal que seria o Kosmos a que se
refere no Vol. I (vide Capitulo Dois: Kosmos e Taxis) e que costuma
denominar 'Grande Sociedade', que equivale 'Sociedade Aberta' de seu
amigo o filsofo Karl R. Popper (1902 ).
importante neste ponto ressaltar que, ao contrrio do que muita
gente pensa, o estado de direito no significa apenas o imprio da lei. O
estado de direito ('the rule of law') " um ideal poltico que transcende a
simples legalidade, pois concerne quilo que a lei deva ser e implica que o
governo nunca deva coagir um indivduo, salvo no caso da aplicao de
uma lei geral conhecida. Ele ento tambm uma doutrina que limita os
poderes de todo o governo. Limita os poderes do legislativo, pois os
legisladores somente podem elaborar leis que possuam o atributo de serem
normas gerais e prospectivas de conduta justa. Alm de, dessa forma,
limitar os poderes do legislativo, o estado de direito estabelece que somente
11
o legislativo pode legislar. Uma lei produzida por um rgo no autorizado
a legislar no ser, portanto, uma lei de verdade"3.
Quando destaca que o direito a base da liberdade, Hayek segue (conforme
ele mesmo escreve p.54 do Vol. I) "uma longa tradio, que se estende
desde os gregos antigos e Ccero, atravessa a Idade Mdia, passa pelos
liberais clssicos como John Locke, David Hume, Immanuel Kant e os
filsofos escoceses da moral e chega at diversos estadistas americanos dos
sculos XIX e XX, para quem direito e liberdade no podiam existir
separadamente". Mas, ao passo que segue essa tradio, Hayek se revolta
contra o pensamento de Thomas Hobbes, Jeremy Bentham, muitos
pensadores franceses e os positivistas jurdicos modernos, para quem o
direito significa necessariamente uma usurpao da liberdade. E explica:
"Esse aparente conflito entre longas estirpes de grandes pensadores no
significa que tenham chegado a concluses opostas, mas simplesmente que
usaram a palavra 'direito' em sentidos diferentes". Dessa confuso, ento,
surgiram conceitos errneos e esprios dos significados de 'estado de
direito', 'direito' e 'lei' que o faz queixar-se quando diz, por exemplo, que a
"expresso 'liberdade sob a gide do direito' ou 'liberdade dentro da lei'
('liberty under the law'), que em determinada poca talvez transmitisse a
ideia essencial melhor que qualquer outra, se tornou quase sem sentido,
porque tanto 'liberdade' quanto 'direito' deixaram de ter significado claro".
Em decorrncia dessa confuso, os conceitos de lei e de legislao
degeneraram completamente. A grande maioria dos atos que hoje
3"Sabe o que o estado de direito?" in "Os Poderes do Governo", Henrv Maksoud. Ed. Viso, So Paulo,
1984, p. 67
12
chamamos de leis no propriamente lei em termos estritamente jurdicos.
O ideal poltico do estado de direito e a doutrina da separao de poderes
pressupem, na Grande Sociedade de Hayek, uma concepo muito bem
definida do que significa a palavra 'lei'. Neste conceito de ordem poltica,
que visa liberdade, somente so normas de direito, ou seja, leis de
verdade, as normas de conduta justa individual que possuam os atributos
de serem gerais, iguais para todos e prospectivas, alm de serem conhecidas
e certas. So normas abstratas, essencialmente permanentes, que se referem
a casos ainda desconhecidos e no contm referncias a pessoas, lugares ou
objetos determinados mas que regulam as relaes de conduta entre
pessoas privadas ou entre essas pessoas e o Estado. Na prtica corrente,
entretanto, tudo que for estabelecido por um rgo legislativo ou mesmo
por qualquer outra autoridade, por meio de algum processo de legislao,
tambm chamado 'lei'. Na maior parte, estas assim chamadas 'leis', porm,
nada mais so que normas organizacionais, instrues administrativas,
baixadas pelo Estado para seus funcionrios, relativas ao modo pelo qual
estes devem conduzir a mquina governamental e manejar os meios de que
dispem. So regras ou normas de organizao governamental e no
normas de conduta justa individual. So chamadas 'leis' porque os governos
passaram a reivindicar para elas a mesma respeitabilidade conferida s
normas gerais de conduta, que so as verdadeiras leis, prprias do direito.
Seria mais adequado que tivessem outro nome j foram sugeridas
expresses genricas tais como 'regras ou estatutos de governo', 'paraleis' ou
'infraleis'4.
4 Leis, paraleis e pseudoleis" in "Os Poderes do Governo", Henry Maksoud, Ed. Viso, So Paulo, 1984, p.
13
Os governos coletivistas tm por objetivo a realizao de metas e
planos especficos nos campos econmico e social. Para conseguir tais
intentos, eles possuem sistemas polticos que possibilitam determinar a
maneira de agir dos cidados e conduzir o esforo de todos no sentido
exclusivo dos objetivos governamentais por meio de 'determinaes
especficas' ou 'ordens de comando' que tambm chamam de 'leis'. Tais
sociedades no so sociedades livres, abertas, baseadas no direito
verdadeiro, ou seja, naquilo que Hayek chama de 'Nomos: o direito como
salvaguarda da liberdade' ('Nomos: the law of liberty'). So povos obrigados
a obedecer a 'pseudoleis', que no passam de normas de organizao
mascaradas de normas de conduta justa e que podem ser arbitrrias,
mutveis, inconsistentes, discricionrias, incertas e at retroativas5.
Dando a denominao de 'leis' s normas de organizao, os
governos em geral, e no apenas os Estados totalitrios, conseguiram impor
ao cidado obedincia a determinaes especficas destinadas realizao
de tarefas especficas ou ao atingimento de objetivos especficos almejados
pelos governos. E muita gente julga que as regras de organizao
governamental so do mesmo gnero que as normas de conduta justa (do
direito fundado na liberdade) pelo fato de ambas emanarem, nas atuais
instituies governamentais, da mesma entidade (o legislativo) que detm o
poder de elaborar as normas de conduta justa. Esta confuso tem levado os
chamados governos democrticos e as muitas autocracias que por a
73.
5 lbid., pginas 73 e 74.
14
existem a usar frequentemente o processo de legislao para criar normas
de organizao fantasiadas de leis que so usadas cegamente como
instrumentos de perverso do verdadeiro estado de direito. Hayek acentua
isso de vrias formas ao longo de todo o livro.
Convm neste ponto fazer um parntese para destacar algo muito
importante que se encontra principalmente no Vol. I: que as normas gerais
de conduta justa (as leis de verdade) que hoje se conhecem no so todas
elas resultado de criao intencional (no surgiram do processo de
legislao), embora o homem tenha aprendido aos poucos a aperfeio-las
de acordo com suas necessidades. Essas normas do direito foram, de fato,
descobertas por meio de um processo evolutivo de seleo entre diferentes
sistemas de normas e passaram a compor um sistema jurdico aceito por
todos medida que foi ficando patente que elas ajudavam certas
comunidades a prosperar mais e a sobreviver melhor que outras
comunidades que viviam to-somente sombra de regras de organizao
decretadas por algum tipo de autoridade. Elas foram sendo transpostas para
o papel proporo que a experincia, principalmente judicial, ia
acumulando-se e as comunidades iam aceitando-as como fatores de paz e
entendimento. Embora Hayek nos mostre que o direito no sentido estrito
de 'ordem jurdica que visa salvaguarda da liberdade' seja oriundo de um
processo evolutivo, ele destaca que no se pode prescindir da legislao por
vrias razes que pormenorizadamente descreve neste seu livro. Ele
tambm ressalta que o "direito mais antigo que a legislao". E que a
legislao, dentre todas as invenes do homem, aquela mais prenhe de
graves consequncias, tendo seus efeitos alcance maior que os do fogo e da
15
plvora. E conclui afirmando que a legislao "continuar sendo um poder
extremamente perigoso enquanto acreditarmos que s ser nocivo se
exercido por homens maus".
Hayek mostra, outrossim, que o processo de legislao "a criao
intencional de leis" se originou da necessidade de estabelecer normas
organizacionais. por isso que a palavra 'legislativo' no passa "de uma
espcie de titulo de cortesia conferido a assembleias surgidas originalmente
como instrumentos de governo representativo. Os legislativos modernos
provm claramente de rgos que existiam antes que a elaborao
deliberada de normas de conduta justa tivesse sequer sido considerada
possvel, e s mais tarde essa tarefa foi atribuda a instituies
habitualmente encarregadas de funes muito diversas". Eram funes
governamentais propriamente ditas. Dai a parcialidade dos chamados
'legislativos' que at hoje se encontram imbudos do esprito de que, em
sendo assembleias representativas do povo, devem ser dedicados tambm
direo do aparelho governamental. A doutrina da separao de poderes
no foi, assim, jamais observada.
A despeito de serem comumente usadas pelos governantes como
meios de perverso do direito ou como instrumentos de dominao, as
normas de organizao so necessrias numa sociedade livre. Elas devem,
no entanto, sempre subordinar-se s normas gerais de conduta justa do
verdadeiro direito. Nas sociedades no tribais, a mquina governamental
no pode operar exclusivamente na base de comandos diretos de um
mandante. Portanto, a organizao necessria a qualquer governo moderno
para preservar a paz interna, guardar o pas contra os inimigos externos e
16
prestar outros servios exigir normas distintas e prprias que lhe
determinem a estrutura, as funes e os objetivos. No entanto, estas normas
que comandam a mquina governamental tero de possuir,
necessariamente, um carter diverso daquele das normas gerais de conduta
individual. Sero, como escreve Hayek, "normas organizacionais, criadas
para alcanar fins especficos, para suplementar determinaes positivas no
sentido de que se faam coisas especficas ou se obtenham certos resultados,
e para estabelecer os diversos rgos por meio dos quais o governo 'opera' ".
Mesmo uma organizao dedicada exclusivamente a fazer cumprir as
normas Inalterveis de conduta justa exigiria, para seu funcionamento, "um
outro conjunto de normas".
Esse "outro conjunto de normas" que engloba as normas de
organizao , praticamente, o que conhecemos como direito pblico, em
contraposio ao direito privado, que envolve as normas gerais de conduta
justa individual. Este cobre as relaes das pessoas entre si e entre as
pessoas e o Estado, e tambm o chamado direito 'penal' (criminal). O
direito pblico abrange principalmente o direito administrativo, o direito
constitucional e o direito processual. Para os que acreditam no positivismo
jurdico, cujo padroeiro Hans Kelsen (1881 1973) haveria nenhuma
diferena qualitativa entre esses dois tipos de norma. Assim critica Hayek
este ponto de vista: "Visto que a construo intencional de normas tem por
principal objeto as normas organizacionais, a reflexo sobre os princpios
gerais da atividade legislativa ficou tambm quase inteiramente a cargo dos
publicistas, ou seja, dos especialistas em organizao que, frequentemente,
tem pouca simpatia pelo lawyer's law. Hesitamos, por isso, em consider-
17
los profissionais do direito. So eles que, nos tempos modernos, tm
dominado quase totalmente a filosofia do direito e afetaram
profundamente o direito privado. O fato de que a Jurisprudncia (em
especial na Europa continental) vem sendo realizada quase exclusivamente
por publicistas para quem o direito antes de mais nada o direito
pblico, e a ordem se reduz organizao uma das principais causas da
preponderncia no apenas do positivismo jurdico (que, no direito
privado, simplesmente no tem sentido) mas tambm das ideologias
socialistas e totalitrias nele implcitas".
E, j que tocamos na questo do positivismo jurdico, bom referir-
nos logo 'justia social', tema principal de todo o segundo volume. No
sem forte motivo que Hayek lhe deu o subttulo de 'A miragem da justia
social'. 'Justia social' uma das expresses mais enganosas (e talvez por
isso mesmo mais frequentemente usada) do discurso poltico
contemporneo. de verdade uma miragem. Trata-se de uma frmula
ilusria que, por conter atrativos quimricos, constantemente utilizada
pelos polticos para conseguir que uma determinada pretenso seja
considerada plenamente justificada sem ter de dar razes morais para a sua
adoo. Hayek espera com sua vigorosa afirmao de que o culto da
'justia social' desonesto, fonte de constante confuso poltica e destruidor
de todo o sentimento moral que os oradores, polticos, escritores,
jornalistas e todos os pensadores responsveis venham a sentir, "para
sempre, total vergonha de empregar a expresso 'justia social' ".
A 'justia social' invocada comumente como sinnimo de 'justia
distributiva' na abordagem dos problemas decorrentes da chamada
18
'desigual distribuio da riqueza' entre os homens e, especificamente na
sonhada perseguio do bem-estar gera) para todos os indivduos. Hayek
nos ensina, porm, que numa sociedade aberta no pode haver justia
distributiva simplesmente porque nela ningum distribui; nela, funciona o
jogo do mercado, que ele chama de 'catalaxia' (termo usado originalmente
tambm por Von Mises), no qual os resultados obtidos por cada um dos
participes no so nem pretendidos nem prognosticveis pelos demais e,
portanto, o resultado no pode ser classificado nem como justo nem como
injusto. A despeito da conquista da imaginao popular pela ideia de
'justia social', ele expe brilhantemente sobre a inaplicabilidade do
conceito de justia aos resultados de um processo espontneo baseado no
mercado e disserta com firmeza sobre o fundamento lgico do jogo
econmico em que s a conduta dos jogadores, mas no o resultado, pode
ser justa.
A 'justia social' nada tem a ver com o direito, nem com a liberdade
dentro da lei e nem com a justia verdadeira e nica, sem adjetivaes. A
justia um atributo da conduta humana e no se correlaciona com a busca
de propsitos particulares como quer a ideologia do bem-estar geral do
positivismo jurdico e do socialismo. Em lugar das falsas leis, ou normas de
organizao, que advenham da 'justia social', Hayek destaca a "importncia
das normas abstratas como guias num mundo cujos detalhes so em sua
maior parte desconhecidos... As normas abstratas atuam como valores
ltimos porque servem a fins particulares desconhecidos". Para ele,
portanto, numa sociedade livre, "o bem geral consiste principalmente na
facilitao da busca de propsitos individuais desconhecidos". E o que
19
"possibilita o consenso e a paz em tal sociedade que no se exige dos
indivduos consenso quanto a fins, mas somente quanto aos meios capazes
de servir a uma grande variedade de propsitos, meios que cada um espera
o auxiliem na busca de seus objetivos". Esse pensamento significa muito,
pois se refere descoberta de um mtodo de cooperao na vida em
sociedade que exige acordo somente quanto a meios e no quanto a fins.
Essa descoberta de uma ordem definvel apenas por certas caractersticas
abstratas que auxiliaria na consecuo de grande multiplicidade de
diferentes fins levou as pessoas empenhadas na busca de objetivos os mais
diversos a concordar quanto ao uso de certos instrumentos polivalentes que
teriam probabilidade de auxiliar a todos.
Embora o conceito de 'justia social' seja em geral usado apenas para
fins falsos, provvel que para muitos, no perodo posterior 2 Grande
Guerra, ele decorra da 'Declarao Universal dos Direitos Humanos'
aprovada pela Assembleia Geral das Naes Unidas em 1948. Esse
documento , sabidamente, uma tentativa de fundir os direitos da tradio
liberal ocidental com a concepo completamente diversa oriunda da
revoluo marxista russa. Num Apndice ao Capitulo Nove do segundo
volume, Hayek mostra que relao dos direitos civis clssicos,
enumerados em seus primeiros vinte e um artigos, a 'Declarao' acrescenta
sete garantias adicionais destinadas a expressar os novos 'direitos sociais e
econmicos'. Como jamais foi feito com tamanha fora, ele demonstra o
quo absurdas so essas garantias adicionais prometidas a 'todo homem,
como membro da sociedade', principalmente em termos da justia e do
direito, quando se considera que elas no atribuem, ao mesmo tempo, a
20
algum a obrigao ou o encargo de conced-las e o documento omite
tambm, por completo, uma definio desses direitos que permitisse a um
tribuna! determinar seu significado numa situao especifica. Hayek
afirma, por exemplo: " evidente que todos esses 'direitos' se baseiam na
interpretao da sociedade como uma organizao deliberadamente criada,
da qual todos os homens seriam empregados. Eles no poderiam ser
tornados universais num sistema de normas de conduta justa baseado na
ideia da responsabilidade individual, e requerem, portanto, que toda a
sociedade seja convertida numa nica organizao, isto , tornada
totalitria no mais amplo sentido da palavra. ... Pelo visto, jamais ocorreu
aos autores da 'Declarao' que nem todos so membros empregados de
uma organizao, cujo direito a repouso e lazer, inclusive a limitao
razovel das horas de trabalho e frias remuneradas peridicas (Art. 24),
possa ser garantido. A ideia de um 'direito universal' que assegure ao
campons, ao esquim e, quem sabe, ao Abominvel Homem das Neves
'frias remuneradas peridicas' mostra o absurdo da proposio. Bastaria
um mnimo de senso comum para que os autores do documento
percebessem que o que decretaram como direitos universais era uma utopia
no presente e cm qualquer futuro previsvel, e que proclam-los
solenemente como direitos foi um irresponsvel jogo de palavras com a
ideia de 'direito', o que s poderia resultar na destruio do respeito pelo
termo". Bastam estas citaes para que o leitor sinta a fora e a importncia
desse Apndice denominado "Justia e Direitos Individuais".
No se pode perceber claramente a razo do sucesso dessa terrvel
onda chamada 'justia social' sem que se compreenda que na origem de
21
tudo se encontrem, no seio da humanidade, foras atvicas propensas ao
ressurgimento do pensamento organizacional tribal. Como mostra Hayek
principalmente no segundo volume e no capitulo de eplogo do terceiro
volume , o que se destaca no discurso poltico e na ao administrativa
baseados na chamada 'justia social' a preponderncia do apelo aos
instintos inatos em contraposio aos valores culturais acumulados pela
civilizao. As persistentes exigncias por uma 'justia social', que reclamam
o uso arbitrrio e discricionrio do poder coercitivo organizado (do
governo ou dos sindicatos) para alocar rendas e outros mltiplos benefcios
sociais, conforme critrios de mrito, ou simples imposio majoritria, so
exemplos de atos de revolta contra a natureza da ordem abstrata de
mercado por razes de puro atavismo de sentimentos tribais. Nos tempos
atuais, nmero crescente de pessoas tem sua vida girando em funo de
grandes organizaes e encontra seu horizonte de compreenso limitado ao
que lhe requerido pela estrutura interna dessas organizaes. O modo de
pensar dos homens mais influentes e poderosos da sociedade moderna gira
tambm cm torno da ideia da 'organizao', ou seja, da unidade hierrquica
de objetivos, do arranjo deliberado dos fins a atingir, do racionalismo
construtivstico cartesiano. A evoluo da tcnica da organizao, com a
consequente ampliao da gama de tarefas que podem ser levadas a cabo
por meio da organizao em larga escala, desenvolveu a crena de que no
h nada que a organizao no possa conseguir. Com isso, as pessoas
perderam a perspectiva do fato de que o sucesso dessas mesmas
organizaes, de todas elas, depende de uma ordem social muito mais
abrangente, que movida por foras espontneas de ordenao que
22
possuem natureza completamente distinta das que constituem as grandes
empresas e as grandes organizaes burocrtico-administrativas. Como
consequncia dessa falta de viso, estimulada pelo violento ataque socialista
e por terrveis equvocos intelectuais, todas as regras do jogo do mercado,
que tornaram possvel ao homem viver na forma de uma grande sociedade
aberta, so ignoradas, voltando tona demandas fundadas cm instintos
selvagens que haviam sido h tanto tempo restringidos pela evoluo
cultural.
No Captulo Dez do Vol. II, ao discorrer sobre a 'ordem de mercado' ou
'catalaxia', Hayek destaca que "uma sociedade livre uma sociedade
pluralista sem uma hierarquia comum de fins especficos" que "deve sua
coeso sobretudo ao que vulgarmente se chama de relaes econmicas" e
em que o objetivo da poltica governamental "no pode ser um mximo de
resultados previsveis, mas somente uma ordem abstrata". Essa "ordem
abstrata" a 'catalaxia' ou jogo do mercado, onde o resultado funo da
aptido, do esforo e da sorte dos participantes e serve para obter de cada
participe a mxima contribuio a um fundo comum de onde cada qual
obter uma parte incerta. Como no caso de qualquer jogo, se as regras
forem por todos conhecidas e respeitadas, o resultado poder ser sempre
classificado de bom ou mau, porm nunca de justo ou injusto. E, por isso,
Hayek estabelece a importncia e a natureza das normas abstratas de
conduta justa no jogo do mercado, concluindo que "O direito deve ter por
objetivo aumentar igualmente o nmero de ocasies propicias ao sucesso
de todos" e que a "Boa Sociedade aquela em que o nmero de
23
oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha
probabilidade de ser o maior possvel".
Na ltima tera parte do livro, o autor explica que decidiu realizar
algumas mudanas terminolgicas mas acentua que sente "certo pesar de
no ter tido a coragem" de continuar empregando sistematicamente ao
longo do restante da obra diversos neologismos por ele sugeridos, como
'kosmos', 'taxis', 'nomos', 'thesis', 'catalaxia' e 'demarquia'. Ele sente que com
as modificaes a exposio talvez tenha ganhado em inteligibilidade para o
leitor comum o que perdeu cm preciso. Em nosso modo de ver, mesmo
tendo deixado de usar sistematicamente parte dessas expresses, elas
continuam sempre presentes na mente do leitor atento e interessado e
deixam patente que o autor nos traz um enfoque efetivamente novo a
respeito de matrias como legislao, economia, mercado, leis, direito,
ordem, democracia, partidarismo, etc. de que tanto ouvimos hoje falar em
nossa vida em sociedade.
Neste terceiro volume, Hayek formula os princpios de justia e
economia poltica de uma sociedade livre 'a ordem poltica de um povo
livre'. Ao expor suas ideias a respeito do que seria uma nova ordem poltica
fundada na liberdade ele no pretende tentar 'organizar' a sociedade de uma
dada forma, porque sabe melhor que ningum que a sociedade um
fenmeno extremamente complexo, sendo impossvel manipul-la
deliberadamente. Qualquer tentativa de forar uma ordem social que vise a
finalidades concretas h de falhar e leva a sociedade ao totalitarismo. De
acordo com Hayek, o que se deve fazer, se o objetivo for a liberdade, 'criar
as condies para uma ordem social baseada na liberdade'. O papel correto
24
do governo no o de criar uma dada ordem social. Em sua obra "O
Caminho da Servido" (veja-se, por exemplo, na recente edio brasileira
do Instituto Liberal, RJ, 1984, p. 43) o autor explica que a "atitude do liberal
para com a sociedade e semelhante do jardineiro que cuida de uma planta
e que, a fim de criar as condies mais favorveis ao seu crescimento, deve
conhecer tudo o que for possvel a respeito da estrutura e das funes dessa
planta". Por isso, antes de expor os princpios que favorecero o
florescimento de uma ordem social fundada na liberdade, Hayek adentra os
meandros das atuais instituies das chamadas 'democracias ocidentais' e
analisa e critica todos os seus aspectos estruturais e funcionais.
Ele fala do crescente desencanto com a democracia, j que "as
atividades do governo moderno produzem resultados globais que poucos
desejaram ou previram" mas que so, erroneamente, sempre considerados
"uma caracterstica inevitvel da democracia". De fato, estamos to viciados
a considerar democrtico unicamente o conjunto particular de instituies
hoje existente cm todas as democracias ocidentais (e cm que a maioria de
um organismo de representao estabelece as leis e administra o governo)
que essa forma de democracia nos parece a nica possvel. Em
consequncia, diz ele, "no estamos dispostos a encarar o fato de que esse
sistema no s produziu muitos resultados que ningum aprecia, mas
mostrou-se tambm impraticvel cm quase todos os pases cm que essas
instituies democrticas no foram limitadas por slidas tradies acerca
das funes prprias das assembleias representativas". portanto por
acreditarmos, por bons motivos, no ideal bsico da democracia, "que nos
sentimos quase sempre obrigados a defender as instituies especficas que
25
vm sendo h muito tempo aceitas como sua corporificao e hesitamos em
critic-las porque isso poderia enfraquecer o respeito por um ideal que
desejamos preservar".
Embora um amante da democracia, mas considerando no ser mais
possvel fazer vista grossa aos graves defeitos de aplicao e ao
esquecimento dos ideais originais de liberdade da antiga democracia,
Hayek ataca fundo o que se chama hoje de democracia. Mostra que, antes
de tudo, o defeito fatal da forma vigente de democracia o poder ilimitado
das entidades governamentais representativas. Esse poder ilimitado conduz
a uma democracia de 'barganha' incapaz de agir de acordo com as
concepes comuns maioria do eleitorado, que se ver "obrigada a formar
e manter unida uma maioria por meio da satisfao das exigncias de uma
pluralidade de grupos de presso, cada um dos quais s concordar com a
concesso de benefcios especiais a outros grupos em troca de igual
considerao para com seus prprios interesses especiais".
Mas, ao mesmo tempo em que demonstra a perversidade desse poder
ilimitado, ele mostra "a debilidade de uma assembleia eletiva com poderes
ilimitados" de legislao. Ela "corrupta e fraca ao mesmo tempo: incapaz
de resistir presso dos grupos que a integram, a maioria governante
obrigada a fazer o que pode para satisfazer os desejos dos grupos de cujo
apoio precisa, por nocivas que possam ser essas aes para os demais
pelo menos na medida em que isso no seja demasiado evidente ou em que
grupos sobre os quais essas medidas nocivas incidiro no sejam demasiado
populares. Embora imensa e opressivamente poderosa, capaz de esmagar
26
qualquer resistncia de uma minoria, absolutamente incapaz de manter
uma linha coerente de ao...".
Essa ambgua situao das atuais assembleias representativas que
so hoje ao mesmo tempo dbeis e todo-poderosas se deve ao processo
poltico degenerativo "pelo qual a concepo original da natureza das
constituies democrticas foi gradualmente perdida e substituda pela
concepo do poder ilimitado da assembleia democraticamente eleita". Os
sbios e os heris que lutaram pela liberdade contra o absolutismo
monrquico a partir do sculo XVII na Inglaterra e que criaram as
primeiras instituies do constitucionalismo representativo logo
aprenderam que 'um parlamento podia ser to tirnico quanto um rei',
dando ento lugar compreenso de que, 'para que a liberdade individual
no fosse violada, tambm os legislativos deviam sofrer restries', de modo
que s tivessem autoridade 'para agir de uma maneira especifica' e que,
ademais, seus membros somente poderiam fazer leis que possussem os
atributos de ser gerais, iguais para todos, abstratas e prospectivas. Quando,
entretanto, ao longo dos tempos que se seguiram, os representantes do
povo comearam a agir nas assembleias eletivas como se tivessem herdado
as prerrogativas reais, os homens, que antes s consideravam perigoso o
poder real, passaram a sentir os mesmos males de que se queixavam no
regime autocrtico monrquico: arbitrariedade, discricionariedade,
corrupo, ineficincia, parasitismo, irresponsabilidade e crescente
limitao da liberdade individual. A concepo original do
constitucionalismo representativo, fundado no ideal do estado de direito e
da separao de poderes, foi gradualmente perdida e substituda pela
27
concepo do poder ilimitado da assembleia democraticamente eleita que
at hoje se observa nas chamadas democracias ocidentais. "Os esforos que
por sculos vinham sendo realizados para tornar realidade os ideais da
separao de poderes e do estado de direito, para limitar os poderes
coercitivos dos governos e salvaguardar a liberdade individual, foram
anulados pelo conceito de que no havia mais necessidade de limitao
desses poderes, j que o controle do governo se faria automaticamente na
democracia, uma vez que o governo agora era o prprio povo"6.
O grave defeito degenerativo dos atuais 'governos democrticos' foi
determinado pelo fato de termos confiado s assembleias representativas
duas funes inteiramente diversas para serem executadas
simultaneamente. Hayek explica que, embora os chamemos de 'legislativos',
a maior parte de seu trabalho consiste no na explicitao e aprovao de
normas gerais de conduta, mas no controle de medidas governamentais
concernentes a questes especficas. Na verdade, diz ele, "o que h de mais
flagrante nessas assembleias que a atividade considerada primordial de
um legislativo constantemente relegada, e um nmero crescente de
funes que o homem do povo supe constiturem a principal ocupao
dos legisladores de fato desempenhado por funcionrios pblicos. em
grande parte por se ocuparem os legislativos do que e de fato administrao
discricionria que o verdadeiro trabalho de elaborao das leis fica cada vez
mais a cargo da burocracia...". E acentua que o crescente ativismo
governamental em todas as fases da vida em sociedade se deve a "uma
6 "Por que demarquia e no apenas democracia", in VISO, 10-7-78, e in "A Revoluo que precisa ser
feita", H. Maksoud, Ed. Viso, So Paulo, 1980, p. 115.
28
ordenao pela qual o interesse da autoridade suprema volta-se sobretudo
para o governo, no para o direito" e que isso s pode "dar lugar
preponderncia cada vez maior do governo sobre o direito".
Grande parcela de culpa por essa verdadeira decadncia da sociedade
democrtica se deve ao partidarismo. Hayek mostra com clareza o mau uso
que se faz atualmente dos chamados 'partidos polticos' e indica qual o seu
papel correto num sistema de governo duma sociedade livre. Mas deixa
claro que os prejuzos que os partidos produzem atualmente no se devem
" democracia enquanto tal, mas forma particular de democracia que hoje
praticamos". E confessa algo importante para ilustrar seu pensamento:
"Acredito mesmo que, se selecionssemos por sorteio cerca de quinhentas
pessoas amadurecidas e deixssemos que se dedicassem durante vinte anos
tarefa de aperfeioar as leis, guiadas exclusivamente por sua conscincia e
desejo de serem respeitadas, obteramos uma amostra muito mais
representativa da verdadeira opinio do povo do que aquela resultante do
atual sistema de leilo, pelo qual, a cada eleio, confiamos o poder de
legislar aos que prometem a seus partidrios os maiores benefcios
especiais".
Hayek ataca a superstio construtivstica da soberania popular. Essa
superstio se baseia na noo de que "a maioria do povo (ou seus
representantes eleitos) deve ter a liberdade de decretar tudo que possa
decidir por comum acordo". Ele, no entanto, est de acordo com a crena
de que todo poder existente deve pertencer ao povo, e de que os desejos
deste devem ser expressos por decises majoritrias. Mas encontra erro
fatal na convico de que essa fonte mxima do poder deve ser ilimitada. "A
29
pretensa necessidade lgica de tal fonte ilimitada de poder simplesmente
no existe." A ideia de que a onipotncia de uma autoridade est
relacionada origem de seu poder uma degenerao influenciada pelo
positivismo jurdico e baseada na crena ilusria de que, "uma vez adotados
os procedimentos democrticos, tudo que apurado pelo mecanismo de
verificao da vontade da maioria corresponde de falo opinio de uma
maioria, no havendo limites para o nmero de questes em que a
concordncia da maioria pode ser avaliada por esse processo". Chegar o
dia, diz o autor, em que as pessoas sentiro, ante a ideia de uma assembleia
de homens dotada do poder de determinar tudo o que queira, "mesmo que
autorizada pela maioria dos cidados, o mesmo horror que hoje nos
infundem praticamente todas as demais formas de governo autoritrio".
O autor acentua em lodo o terceiro volume que as constituies
foram idealizadas com o objetivo de impedir toda ao arbitrria de todos
os rgos do governo. Nenhuma constituio ainda conseguiu alcanar essa
meta, embora exista muito difundida a crena de que a preveno da
arbitrariedade seja um efeito necessrio da obedincia a uma constituio
desde que ela seja considerada 'democrtica'. Hayek explica que "a confuso
sobre essa matria e fruto da concepo equivocada do positivismo
jurdico"; e demonstra larga a importncia fundamental de se diferenciar
cm termos absolutos o mister de elaborar uma constituio do mister da
verdadeira legislao e do de governar. bvio que o judicirio tambm se
enquadra nessa separao. Impe-se, portanto, um sistema de corpos
representativos em trs nveis alm do judicirio: "um se ocuparia da
estrutura semipermanente da constituio e s precisaria atuar a longos
30
intervalos, quando se julgasse necessrio alterar essa estrutura; outro teria o
encargo permanente de promover o aperfeioamento gradual das normas
gerais de conduta justa, enquanto o terceiro seria incumbido da conduo
rotineira do governo, isto , da administrao dos recursos a ele confiados".
Mas do que trata a constituio? "Uma constituio", responde
Hayek, "trata sobretudo da organizao do governo e da alocao dos
diferentes poderes s vrias instncias dessa organizao. Ainda que muitas
vezes seja desejvel, para lhes conferir uma proteo especial, incluir nos
documentos formais que 'constituem' a organizao do Estado alguns
princpios de justia substantiva, uma constituio continua sendo
essencialmente uma superestrutura erigida para servir aplicao das
concepes existentes de justia, no para express-las: pressupe a
existncia de um sistema de normas de conduta justa e estabelece apenas
um mecanismo para sua aplicao regular". A constituio idealizada pelos
filsofos polticos do constitucionalismo representativo sempre foi
teorizada para ser um estatuto bem ordenado relativo distribuio e
limitao dos poderes governamentais, visando preservao da liberdade
individual. Ela foi imaginada como sendo um conjunto permanente de
normas de organizao de um determinado sistema de governo, que no s
alocasse os diferentes poderes mas que tambm obrigatoriamente limitasse
esses mesmos poderes do Governo esfera que lhe prpria. Se a
constituio da sociedade aberta por definio um conjunto de normas de
organizao, ela no pode ser confundida com uma lei, no sentido estrito
do estado de direito, pois no uma norma de conduta individual mas sim
uma norma de organizao de um sistema de governo.
31
A despeito do que muitas pessoas mal avisadas podem julgar, o
sistema poltico hayekiano no significa a ausncia total de atuao do
governo na rea econmica. Numa sociedade desenvolvida " dever do
governo usar seu poder para arrecadar fundos por meio da tributao, de
modo a fornecer uma srie de servios que, por vrias razes, ou o mercado
no pode prestar ou no pode prestar adequadamente". Embora sem entrar
em pormenorizao desnecessria num livro desta natureza, no Capitulo
Catorze Hayek discute as bases poltico filosficas de atuao do governo
na vida econmica da sociedade e compara "o setor pblico e o setor
privado", onde indica "o vasto campo dessas atividades perfeitamente
legtimas que o governo, enquanto administrador de recursos comuns,
pode exercer". Mas o que realmente se deve destacar neste captulo o
preceito de que, embora a prestao de certos servios pelo governo possa
vir a ser a forma mais eficaz de propici-los, isso no significa que,
enquanto responsvel por eles, o governo precise ou deva arrogar-se
quaisquer atributos de autoridade e respeito a quem faz jus no exerccio de
suas funes precpuas na aplicao das leis e na defesa contra o inimigo.
"No h razo alguma", diz ele, "para que essa autoridade ou direito
exclusivo sejam transferidos aos rgos prestadores de servios de carter
puramente utilitrios, confiados ao governo porque somente ele capaz de
financi-los. Nada h de repreensvel em tratar esses rgos como aparelhos
puramente utilitrios, to teis quanto o aougue ou a padaria, no mais
que isso e, de certo modo, mais suspeitos em razo dos poderes
coercitivos de que podem valer-se para cobrir seus custos. A democracia
moderna, se tantas vezes incapaz de mostrar, pela lei, o respeito que lhe
32
devido, tende tambm a exaltar indevidamente o papel do Estado em suas
funes de provedor de servios e reivindicar para ele, nessa qualidade,
privilgios que s deveria possuir enquanto defensor da lei e da ordem."
A frase de Ludwig von Mises: "A verdadeira economia de mercado
pressupe que o governo, o aparelho social de compulso e coero,
empenha-se em preservar o funcionamento do sistema de mercado,
abstm-se de obstru-lo e o protege contra a intromisso de outrem",
colocada no inicio do Captulo Quinze (intitulado "A poltica
governamental e o mercado"), representa bem o contedo do mesmo, que
discorre magistralmente sobre a concorrncia, ou seja, sobre o mercado
livre. Basta notar algumas das frases que constam do sumrio do captulo
para se sentir atrado pela sua leitura detida: "As vantagens da concorrncia
no dependem de sua 'perfeio' "; "A concorrncia () como um processo
de descoberta"; "Se as condies factuais da concorrncia 'perfeita' esto
ausentes, no possvel obrigar as empresas a agirem 'como se' ela
existisse". Aqui ele trata tambm dos aspectos polticos do poder
econmico e entra no mago da questo dos monoplios, mostrando
quando o monoplio se torna pernicioso e as contradies existentes na
questo da legislao contra os monoplios. E, quando se encontra nesse
captulo tambm a demonstrao de que a maior ameaa liberdade "no
o egosmo individual mas sim o grupai", logo se concluir sobre o quo
perniciosas, fteis, desnecessrias e contraproducentes so no s todas as
atividades governamentais de controle de preos, de redistribuio de
rendas e, enfim, de planificao da economia, mas tambm a ao
monopolstica sindical: "O que bloqueia cada vez mais a atuao das foras
33
espontneas do mercado no o que o pblico tem em mente quando se
queixa dos monoplios, mas as ubquas associaes de classe e os sindicatos
das diversas categorias de trabalhadores. Eles atuam fundamentalmente por
meio da presso que podem exercer sobre o governo com o objetivo de
for-lo a 'regular' o mercado em seu beneficio".
Um dos mais graves mitos das ltimas dcadas a ideia de que o
desenvolvimento de grupos organizados com o propsito de exercer
presso sobre o governo democrtico inevitvel; e de que, to logo todos
os grupos importantes estiverem igualmente organizados em condies de
se contrabalanarem uns aos outros, todos os efeitos perniciosos hoje
observados no movimento coletivista sero sanados. Hayek diz que
possvel demonstrar a falsidade dessas concepes e o faz: mostra que s
vale a pena pressionar o governo quando este possui poderes arbitrrios e
discricionrios, o que acontece apenas quando ele "est autorizado a
estabelecer e aplicar normas direcionadas e discriminatrias", autorizao
que, no final das contas, lhe fornecida pelos prprios grupos de presso
organizados. E cita um importante estudo de M. Olson o qual demonstra
que a existncia de interesses comuns no leva, em geral, formao
espontnea de uma abrangente organizao, j que s grupos relativamente
pequenos formam uma organizao espontnea. Esse estudo tambm
destaca que a organizao sempre propiciada pelos governos de
determinados grandes grupos d lugar a uma persistente explorao de
grupos no organizados ou no organizveis aos quais "parecem pertencer
importantes grupos, como os consumidores em geral, os contribuintes, as
mulheres, os idosos e muitos outros que, em conjunto, formam um
34
contingente significativo da populao. Todos eles esto fadados a sofrer as
consequncias do poder de grupos de presso organizados".
No Capitulo Dezesseis Hayek enfatiza, recapitulando, as razes do
malogro do ideal democrtico. Por ter sido posto em prtica de maneira
errada o principio da democracia, e agravado pela constante ampliao do
campo de sua aplicao, "nmero cada vez maior de homens sensatos e
bem intencionados est pouco a pouco perdendo a f no que outrora foi,
para eles, o estimulante ideal da democracia". Originalmente, a democracia
significava apenas um certo procedimento, um mtodo especfico, para se
chegar a decises polticas, nada dizendo, entretanto, essas decises, sobre
quais deviam ser os objetivos do governo. Era, e continua sendo, o nico
mtodo de mudana pacfica dos governantes j descoberto pelos homens.
Mas na sua forma atual, que nada mais que "uma democracia de
barganha", um mero "joguete dos interesses de grupos", ela decepciona
amargamente a todos aqueles que acreditavam no principio de que o
governo deveria ser norteado pela verdadeira opinio da maioria.
Como se criou essa situao? o que pergunta e responde o prprio
Hayek ao longo deste capitulo. E em resumo ele diz: "Por dois sculos,
desde o fim da monarquia absoluta at o surgimento da democracia
irrestrita, a grande meta do governo constitucional foi limitar todos os
poderes governamentais. Os princpios bsicos gradualmente estabelecidos
para impedir lodo exerccio arbitrrio do poder foram a separao dos
poderes, o estado de direito, o governo submetido ao direito, a distino
entre o direito pblico e o privado e as normas de procedimento jurdico.
35
Todos esses princpios ajudaram a definir e limitar as condies em que
qualquer coero sobre os indivduos era admissvel.
Considerava-se que s o interesse geral justificava a coero. E
apenas a coero de acordo com normas uniformes aplicveis igualmente a
todos era reputada do interesse geral. Todos esses importantes princpios
liberais foram relegados a segundo plano e parcialmente esquecidos quando
se passou a acreditar que o controle democrtico do governo tornara
dispensveis quaisquer outras salvaguardas contra o uso arbitrrio do
poder. O que se verificou foi no tanto o esquecimento dos velhos
princpios, mas o esvaziamento do significado de seus termos tradicionais
por meio da gradual modificao do sentido das palavras-chave neles
empregadas. O mais importante desses termos, de que dependia o
significado das frmulas clssicas da constituio liberal, era 'Lei' (e
'Direito'), e todos os velhos princpios perderam o sentido medida que o
contedo dessa palavra foi modificado".
O que aconteceu com o surgimento do democratismo a partir
finalmente de meados do sculo XIX foi que o poder de estabelecer leis e o
poder governamental propriamente dito se tornaram completamente
entrelaados, desaparecendo o no muito que existia da doutrina da
separao de poderes. O efeito dessa apenas aparente vitria do ideal
democrtico foi o de dar autoridade governamental que conseguisse
qualquer tipo de composio majoritria no seio das foras poltico
eleitorais e das organizaes sindicais todas as condies para estabelecer
para si mesma as 'leis' que melhor favorecessem a consecuo de seus
objetivos imediatos. Essa democracia profundamente enftica quanto
36
representatividade popular majoritria no governo era produto do conceito
de Rousseau que, em seu Contrato Social de 1762, associou ao povo a ideia
da soberania suprema e ilimitada, sem deixar, no entanto, a no ser a
ambgua concepo da 'vontade geral', quaisquer princpios que definissem
o que era a lei de verdade e como o povo deveria legislar. Caracterstica do
democratismo rousseauniano que imperava em fins do sculo XIX e que
ainda tpico dos dias atuais nos chamados pases democrticos a
seguinte parte de um discurso demaggico do poltico ingls Joseph
Chamberlain, proferido em Londres em 1885: "Quando o governo era
representado apenas pela autoridade da Coroa e pelas opinies de uma
determinada classe, posso compreender que era o dever primeiro dos
homens que davam valor a sua liberdade restringir sua autoridade e limitar
seus gastos. Mas tudo isso est mudado. Agora, o governo a expresso
organizada das vontades e das carncias do povo e, portanto, devemos
deixar de olh-lo com suspeita. A suspeita o produto dos velhos tempos,
de circunstncias que desapareceram h bastante tempo. Agora nossa
obrigao estender suas funes e verificar de que maneira suas operaes
podem ser vantajosamente ampliadas".
A consequncia dessa evoluo degenerativa foi o fim do princpio
do governo submetido lei e o retrocesso ao governo com poderes
ilimitados como era nas monarquias absolutas. Mas muito mais profundo
foi "o efeito de privar de seu significado o prprio conceito de lei. O
pretenso legislativo j no se restringia (como John Locke o prescrevera)
formulao de leis no sentido de normas gerais. Tudo que o 'legislativo'
decidisse passou a ser chamado de 'lei', e o rgo j no era chamado de
37
legislativo porque estabelecia leis, e sim 'lei' passou a ser a designao de
tudo que emanasse do legislativo. A consagrada palavra 'lei' perdeu, assim,
seu antigo significado, convertendo-se na designao das determinaes de
um governo que os pais do constitucionalismo teriam qualificado de
arbitrrio. A tarefa de governar transformou-se na principal ocupao do
'legislativo' e a funo de legislar foi subordinada a essa tarefa de governar".
As consequncias do democratismo associado corrupo
(acalentada pelo positivismo jurdico e pelo socialismo) do conceito
originai de lei no se revelaram de imediato, como diz Hayek: "Por algum
tempo, as tradies desenvolvidas no perodo do constitucionalismo liberal
(principalmente no sculo XVI11 e at meados do sculo XIX) atuaram
como um freio expanso do poder governamental". No entanto, "sempre
que foram imitadas em partes do mundo onde essas tradies do
liberalismo clssico no existiam, semelhantes formas de democracia
sucumbiram rpida e invariavelmente". Mas, nos pases com mais longa
experincia constitucional representativa, as barreiras liberais clssicas ao
uso arbitrrio do poder "foram minadas, de incio, em funo de motivos
inteiramente benvolos". Passou-se a adotar nas 'democracias' que a
discriminao para auxiliar os menos afortunados no deveria ser
considerada discriminao. E, para colocar em condies materiais mais
equitativas pessoas (que passaram a ser absurdamente chamadas de 'menos
privilegiadas') com inevitveis diferenas em muitas das circunstncias da
vida das quais depende seu sucesso material, os governos comearam a
tratadas de forma desigual, rompendo o princpio fundamental de
igualdade de tratamento perante a lei. Sob "o embuste da frmula de 'justia
38
social'", os governos dessas democracias converteram-se "em instituies de
caridade expostas a incontrolvel extorso".
Hayek esclarece que "uma assembleia representativa nominalmente
ilimitada (soberana) ser cada vez mais impelida a promover uma
constante e irrestrita expanso dos poderes do governo". E que esse
agigantamento "s pode ser evitado pela diviso do poder supremo entre
duas diferentes assembleias democraticamente eleitas, i. e., pela aplicao
do princpio da separao dos poderes no mais alto nvel".
A separao de poderes foi o princpio doutrinrio de governo que os
fundadores do constitucionalismo liberal e do governo representativo
desenvolveram a partir do sculo XVII para limitar, os poderes
monrquicos, visando salvaguarda da liberdade individual. Os trs
fundamentos dessa doutrina eram: 1) que a atividade legislativa no deveria
ser levada a cabo pelas mesmas pessoas que executassem as leis; 2) que
somente seriam reconhecidas como leis aquelas que fossem "normas gerais
de conduta justa individual, idnticas para todos e aplicveis a um nmero
desconhecido de casos futuros"; e 3) que a coero (pelo governo ou por
qualquer outra pessoa ou grupo) somente seria admitida para fazer valer ou
executar a lei. Essa verso mais pura da separao de poderes contm,
portanto, o sentido do estado de direito, pois se os homens devem ser
governados por leis imparciais (as normas gerais de conduta justa), aqueles
que fazem as leis no podem tambm julgar nem punir as violaes das leis;
e se aqueles que executam as leis tambm possuem poder legislativo para
mudar as limitaes legais sob as quais eles agem, ento eles estaro, para
39
todos os efeitos, desvinculados das normas gerais do direito, sendo,
portanto, nada menos que soberanos arbitrrios.
Aps demonstrar com argumentos persuasivos por que se deu o
malogro das instituies representativas, Hayek prope no Captulo
Dezessete as linhas mestras de um modelo constitucional que corrigiria os
sistemas existentes naqueles aspectos que provocaram o desvirtuamento
das ideias originais tanto da democracia quanto do constitucionalismo
representativo. A constituio que se desenvolvesse com base nesse modelo
levaria a uma reformulao realmente revolucionria das atuais formas de
governo, permitindo o surgimento de um novo sistema poltico (que seria
chamado 'demarquia' como pretendeu Hayek), sensivelmente diferente dos
que temos hoje nas chamadas democracias ocidentais. As duas atribuies
distintas, a da legislao (no seu autntico sentido clssico e no na forma
degenerada que hoje se observa) e a do governo, no sentido estrito de
administrar a coisa pblica, teriam de ser executadas, nesta nova estrutura
organizacional, por duas entidades democrticas diferentes e totalmente
independentes entre si, com funes inteiramente distintas e nitidamente
separadas. Estas duas entidades no seriam s duas assembleias
representativas separadas apenas formalmente, como ocorre hoje: seriam
escolhidas e organizadas com base em dois princpios completamente
diferentes, e, pela primeira vez, existiria uma verdadeira separao de
poderes.
A entidade executiva governamental seria algo mais ou menos no
gnero do que existe hoje nos pases democrticos mais evoludos do
ocidente, cuja organizao e maneira de proceder se conformaria,
40
entretanto, necessidade de governar (administrar) e no necessidade de
legislar. Compreenderia um rgo governamental executivo e uma
assembleia governamental de representantes (ou deputados), ambos
compostos de membros eleitos pelo mtodo democrtico convencional, nos
moldes dos atualmente adotados, inclusive obedecendo a esquemas
partidrios. Algo muito diferente seria necessrio para a constituio de
uma verdadeira assembleia legislativa. O que se quer uma assembleia que
no leve em conta as necessidades ou os interesses de determinados grupos
ou faces mas os princpios gerais permanentes sobre os quais estariam
ordenadas as atividades da comunidade. Seus membros e resolues
representariam no grupos especficos e seus anseios particulares, mas a
opinio predominante a respeito do tipo de conduta considerada justa. Para
estabelecer as normas de conduta justa que deveriam vigorar por muito
tempo, e que seriam iguais para todos e sempre prospectivas, esta
assembleia teria de ser representativa, ou seja, reproduziria uma espcie de
corte transversal das opinies predominantes sobre o certo e o errado; seus
membros no poderiam ser os porta-vozes de interesses particulares ou
expressar a 'vontade' de um setor especfico da populao. Seriam homens e
mulheres de elevada confiana e respeitados pelos traos de carter
demonstrados nos seus afazeres normais e no precisariam da aprovao de
grupos especficos de eleitores ou de partidos polticos. A disciplina
partidria, necessria para a unidade de uma equipe de governo, na
entidade executiva governamental, , entretanto, evidentemente indesejvel
num organismo legislativo que estabelece normas gerais de conduta e que,
portanto, limitam os poderes do governo. Por isso, a eleio democrtica
41
dos legisladores neste novo sistema de governo baseado na liberdade no
teria qualquer relao partidarista7.
Alm de discutir os princpios gerais que norteariam essa
constituio ideal, Hayek entra em pormenores sobre cada um dos poderes
principais que comporiam o novo sistema bem como sobre os mtodos
democrticos que seriam utilizados para a eleio de seus membros. Trata
tambm da importante questo dos 'poderes de emergncia' que a
constituio deveria prever, e das profundas e benficas modificaes no
campo das finanas pblicas e da tributao que essas novas disposies
constitucionais produziriam.
Antes de apresentar o notvel Eplogo, "As Trs Fontes de Valores
Humanos" (que parece ser uma espcie de pr-apresentao da linha
que pode ser considerado um captulo de sinopse e concluses. Ele de incio
destaca que a "limitao efetiva do poder o problema mais importante da
ordem social". E acentua que o governo s indispensvel formao de
uma ordem social na medida em que possa dar a todos "proteo contra a
coero e a violncia praticadas pelos demais". E conclui ao fim deste
Captulo Dezoito: "O que tentei esboar nestes volumes (e no ensaio que fiz
cm separado sobre o papel da moeda numa sociedade livre8) foi traar um
roteiro que nos permita escapar ao processo de degenerao da forma
7 Veja discusso sobre "Um Legislativo sem Partidarismo", Henry Maksoud (org.), Editora Viso Ltda.,
1984, So Paulo.
8 Ele se refere ao seu trabalho sobre desestatizao da moeda que pode ser examinado em
"Denationalisation of Money", F. A. Hayek, Hobart Paper 70, The Institute of Economics Affairs, London.
1978.
42
existente de governo, bem como elaborar uma instrumentao intelectual
de emergncia que esteja ao nosso alcance quando no tivermos outra
escolha seno substituir a estrutura insegura por uma edificao mais
slida, em vez de recorrer, em desespero, a alguma forma de regime
ditatorial. Um governo necessariamente produto de criao intelectual. Se
pudermos dar-lhe uma conformao que o induza a fornecer uma estrutura
benfica ao livre desenvolvimento da sociedade, sem dar a ningum o
poder de controlar as particularidades desse desenvolvimento, poderemos
ter esperanas de assistir evoluo contnua da civilizao".
Hayek mostra, mais uma vez, nesta sua obra que "para evitar destruir
nossa civilizao pela asfixia do processo espontneo de interao dos
indivduos" precisamos abandonar a iluso (e deixar de aceitar a pregao
correspondente dos intelectuais socialistas de nossos dias) de que podemos
'criar o futuro da humanidade', encarregando o governo de dirigir a vida
dos indivduos na sociedade.
So Paulo, abril de 1985
HENRY MAKSOUD
43
Prefcio Edio Brasileira
O avano das ideias de um indivduo um processo lento. , portanto, uma
recompensa muito gratificante, pelo esforo despendido, quando, ainda que
no acaso da vida, a pessoa v que suas ideias vo sendo divulgadas com uma
rapidez que se aproxima da prpria progresso das mesmas. H apenas dois
anos tive a oportunidade de escrever o prefcio edio brasileira de um
livro meu publicado pela primeira vez h mais de vinte anos; agora,
prefacio uma obra cuja ltima parte conclu h apenas seis anos, enquanto
me preparo para enviar aos editores, dentro de poucos meses, a primeira
parte de meu ltimo livro. Tudo isso evidentemente o resultado de um
trabalho contnuo que venho realizando h muito mais tempo. Faz agora
quarenta anos que comecei a desviar-me da teoria pura da economia para
empreender uma anlise das razes que tanto perverteram as polticas neste
campo na maior parte do mundo. Isso fez com que cada vez mais eu me
afastasse dos aspectos tcnicos da economia para estudar os problemas da
filosofia e particularmente os motivos pelos quais o prprio aumento da
capacidade de compreenso do homem levou-o a exagerar os poderes da
razo humana e a acreditar que ele poderia organizar deliberadamente a seu
bel-prazer o padro da interao humana, embora a vasta ordem das
interaes humanas, da qual dependemos, exceda claramente o poder de
nossa percepo e conhecimento. No tenho a pretenso de j haver
conseguido algo como o conhecimento definitivo a respeito desses
problemas isso para sempre negado ao homem. Mas acredito ter
descoberto as origens de alguns dos mais perigosos erros correntes que
44
constituem uma grave ameaa ao futuro da humanidade, e no cessarei de
combat-los enquanto tiver foras para tanto.
Freiburg im Breisgau, maio 1984
F.A. HAYEK
45
Prefcio
Este o primeiro dos trs volumes em que me pareceu conveniente dividir
a discusso do amplo tema indicado pelo titulo geral. De acordo com o
plano do conjunto esboado na Introduo, ser seguido por um segundo
volume, que abordar 'A miragem da justia social', e por um terceiro, cujo
assunto ser 'A ordem poltica de uma sociedade livre'. Visto que uma
primeira verso destes dois ltimos volumes j foi escrita, espero poder
public-los num futuro prximo. O leitor interessado em saber aonde
conduzir a argumentao encontrar nesse meio tempo algum indcio
numa srie de estudos preliminares publicados ao longo dos anos em que
este trabalho esteve em preparo, reunidos em parte nos meus Studies in
Philosophy, Politics, and Economics (Londres e Chicago, 1967) e, de modo
mais completo (mas em alemo), nos meus Freiburger Studien (Tbingen,
1969).
Seria impossvel agradecer aqui, citando-os, a todos os que me
auxiliaram de diversas maneiras durante os dez anos em que este trabalho
me ocupou. Mas h uma dvida de gratido que cumpre reconhecer
especificamente. O professor Edwin McClellan, da Universidade de
Chicago, novamente, como o fez em outra ocasio, deu-se ao grande
trabalho de tornar minha exposio mais legvel do que eu prprio o
poderia ter feito. Sou profundamente grato a esse esforo solidrio, mas
devo acrescentar que, como o manuscrito com que trabalhou sofreu
posteriormente outras alteraes, ele no deve ser considerado responsvel
por quaisquer falhas que a verso final possa apresentar.
46
Introduo
Parece haver uma nica soluo para o problema: tornar-se a elite da
humanidade consciente das limitaes da mente humana ao
mesmo tempo simples e profunda, humilde e sublime para que a
civilizao ocidental passe a aceitar essas deficincias inevitveis.
G. FERRERO*
Quando Montesquieu e os autores da Constituio dos Estados Unidos da
Amrica formularam o conceito de constituio limitativa1, que se
desenvolvera na Inglaterra, fixaram o modelo seguido desde ento pelo
constitucionalismo liberal. Seu objetivo maior era estabelecer salvaguardas
institucionais para a liberdade individual; e o dispositivo que lhes pareceu
mais confivel foi a separao de poderes. Essa diviso de poderes entre
legislativo, judicirio e executivo, na forma em que a conhecemos, no
alcanou o que dela se pretendia: governos de todo o mundo obtiveram,
por meios constitucionais, poderes que aqueles homens lhes tinham
pretendido negar. A primeira tentativa de assegurar a liberdade individual
por meio de constituies evidentemente fracassou.
* Guglielmo Ferrero, The Principies of Power (Nova Iorque, 1942), pgina 318. O pargrafo do qual a
citao foi extrada comea da seguinte maneira: 'A ordem o exaustivo trabalho de Ssifo da
humanidade, em relao ao qual esta se encontra em constante estado de conflito potencial (...)'.
1 A expresso consagrada, de uso corrente nos sculos XVIII e XIX, 'constituio limitada', mas
'constituio limitativa' tambm aparece ocasionalmente na literatura mais antiga.
48
Constitucionalismo significa governo com poderes limitados2. Mas a
interpretao dada s frmulas tradicionais de constitucionalismo tornou
possvel concili-las com um conceito de democracia segundo o qual essa
uma forma de governo cm que a vontade da maioria, no tocante a qualquer
questo, ilimitada3. Em consequncia, j se chegou mesmo a afirmar que
as constituies so remanescentes obsoletos, incompatveis com o conceito
moderno de governo*4. De fato, que papel desempenha uma constituio
que torna possvel um governo onipotente? Ser sua funo simplesmente
permitir a atuao desimpedida e eficaz do governo, sejam quais forem os
objetivos deste?
Diante disso, seria importante indagar o que fariam hoje os
fundadores do constitucionalismo liberal se, visando aos mesmos objetivos
de outrora, pudessem usufruir de toda a experincia que adquirimos desde
ento. Deveramos ter extrado, da histria dos ltimos duzentos anos, um
conhecimento de que aqueles homens, com toda a sua sabedoria, no
podiam dispor. A meu ver, seus objetivos permanecem vlidos como
2 Ver K. C. Wheare, Modern Constitutions, edio revista (Oxford, 1960), pgina 202: 'a ideia original
subjacente [s constituies] a de limitar os poderes do governo e exigir dos governantes submisso a
leis e normas'; ver tambm C. H. Mcllwain, Constitutionalism: Ancient and Modern, edio revista (Ithaca,
N.Y. 1958), pgina 21: 'Todo governo constitucional por definio governo com poderes limitados (...) o
constitucionalismo tem uma qualidade essencial: uma limitao legal imposta ao governo; a anttese
do governo arbitrrio; seu oposto e o governo desptico, o governo da vontade'; C. J. Friedrich,
Constitutional Government and Democracy (Boston, 1941), especialmente a pgina 131, onde se define
constituio como 'o processo pelo qual a ao governamental efetivamente restringida'.
3 Ver Richard Wollheim, 'A paradox in the theory of democracy', em Peter Laslett e W. G. Runciman
(eds.), Philosophy, Polities and Society, segunda srie (Oxford, 1962), pgina 72: 'a concepo moderna de
Democracia t a de uma forma de governo em que no se impe restrio alguma ao corpo governante'.
4 Ver George Burdeau, 'Une Survivance: Ia notion de constitution', em L'Evolution du cIroir public, iudes
offertes Achille Mestre (Paris, 1956).
49
sempre o foram, mas, j que os meios de que lanaram mo se mostraram
inadequados, faz-se necessrio inovar no campo institucional.
Em outro livro tentei reformular a doutrina tradicional do
constitucionalismo liberal, e espero ter conseguido elucid-la em alguma
medida5. No entanto, s depois de estar o livro concludo percebi
nitidamente por que aqueles ideais no tinham conseguido preservar a
adeso dos idealistas, responsveis por todos os grandes movimentos
polticos, e compreendi quais das convices dominantes de nossa poca se
revelaram incompatveis com tais ideais. Vejo agora que isso se deveu
principalmente perda da f numa justia desvinculada do interesse
pessoal; consequentemente, ao emprego da legislao como forma de
autorizar a coero, no s para impedir a ao injusta, mas para garantir
determinados resultados a pessoas e grupos especficos; e fuso, nas
mesmas assembleias representativas, de duas tarefas, a de formular normas
de conduta justa e a de dirigir o governo.
O que me levou a escrever mais um livro sobre o mesmo tema geral
abordado pela obra anterior foi o reconhecimento de que a preservao de
uma sociedade de homens livres depende da compreenso de trs ideias
fundamentais que nunca foram adequadamente elucidadas, e s quais so
dedicadas as trs partes principais desta obra. A primeira que ordem
autogeradora, ou espontnea, e organizao so duas coisas distintas, e que
essa distino est relacionada aos dois tipos de normas ou leis que
predominam em cada uma delas. A segunda que o que hoje geralmente
5 Ver F. A. Hayek, The Constitution of Liberty (Londres e Chicago, 1960); Os fundamentos da liberdade
(So Paulo e Braslia, 1983).
50
considerado justia 'social' ou distributiva s tem sentido no interior da
segunda dessas duas formas de ordem, a organizao, mas no tem sentido
algum na ordem espontnea chamada por Adam Smith de 'Grande
Sociedade' e por Sir Karl Popper de 'Sociedade Aberta', sendo com ela
totalmente incompatvel. A terceira que o modelo dominante de
instituio democrtica liberal, em que mesmo organismo representativo
estabelece as normas de conduta justa e dirige o governo, leva uma
transformao gradual da ordem espontnea de uma sociedade livre em um
sistema totalitrio posto a servio de alguma coalizo de interesses
organizados.
Espero demonstrar que essa transformao no decorre
forosamente da democracia sendo apenas resultado daquela forma
especfica de governo com poderes ilimitados com a qual a democracia
passou a ser identificada. Se meu ponto de vista estiver correto, concluir-se-
, de fato, que a forma de governo representativo hoje predominante no
mundo ocidental que muitos se sentem no dever de defender por
consider-la, erroneamente, a nica forma possvel de democracia tem a
tendncia inerente de se afastar dos ideais a que deveria servir. No se pode
negar que, a partir do momento em que esse gnero de democracia foi
aceito, afastamo-nos progressivamente do ideal de liberdade individual que
ela era considerada a melhor salvaguarda, e vemo-nos agora impelidos para
um sistema que ningum desejava.
Contudo, no faltam indcios de que a democracia ilimitada caminha
para um abismo, no qual cair no com uma exploso, mas com um
51
suspiro*. J se torna evidente que muitas das expectativas por ela
des
Top Related