Direitos Reais - teóricas ÍNDICE
ÍNDICE
ÍNDICE 1
INTRODUÇÃO 2
RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA - COISA 11
DIREITO DE PROPRIEDADE 36
COMPROPRIEDADE 38
PROPRIEDADE HORIZONTAL 42
DIREITO DE USUFRUTO 46
DIREITO DE USO E HABITAÇÃO 49
DIREITO DE SUPERFÍCIE 50
SERVIDÕES PREDIAIS 53
Posse 57
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Direitos Reais - teóricas INTRODUÇÃO
Introdução
Estruturalmente o Direito Civil distingue-se em Direitos de Crédito (das obrigações)
e em Direitos Reais (das coisas), abrangendo a totalidade dos Direitos Patrimoniais
previstos no CC. A distinção assenta no art. 397º do CC, o qual define obrigação como “o
vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de
uma prestação”.
A titularidade de um Direito de Crédito não implica por si só a obtenção desse
mesmo crédito; Para isso o credor está dependente da Cooperação do devedor
afirmando-se por isso que a Relação Creditícia se consubstancia numa relação de
cooperação e, consequentemente, numa relação paritária.
No caso dos Direitos Reais, a posição do titular desse mesmo direito, não depende
da Colaboração da outra parte. Diz-se por isso que, nos Direitos Reais, a relação jurídica
é, já não paritária, mas sim de Supremacia, Vertical. Não se trata aqui de um poder de
soberania sobre outra pessoa, antes de uma relação entre o titular do direito e a coisa
objecto do direito real. Estes poderes são variáveis conforme o tipo de Direito Real em
causa. O CC não nos dá uma noção geral de Direito Real, limitando-se a enumerar os
diversos Direitos Reais existentes.
Nos Direitos Reais a relação jurídica absoluta deve ser afastada, permanecendo
apenas, neste domínio, a relação jurídica entre sujeitos determinados. Pode é acontecer
que, com fundamento num direito real, surjam Relações Intersubjectivas (relações entre o
sujeito activo e terceiros passivos). A relação jurídica surge sempre para defender e não
para sustentar o próprio direito.
O Direito Real possui três perspectivas:
1. Teoria Realista - o Direito Real supõe um Poder Directo sobre uma coisa.
a coisa está sobre o domínio factual de uma pessoa, ou seja, há uma apreensão material da
mesma.
a ligação factual que foi apresentada não é característica de todos os Direitos Reais já
que, quanto aos Direitos Reais de Garantia e Direitos Reais de Aquisição, salvo raras excepções,
não implicam a apreensão material da coisa. Mesmo dentro dos Direitos Reais de Gozo, há casos
(Ex: Servidões de Vista em que o proprietário de um prédio deve abster-se de determinado
comportamento para que outro proprietário retire uma determinada utilidade do seu prédio;
Enfiteuse que já não subsiste no nosso Direito) em que o Poder de Facto não é uma
característica intrínseca do Direito Real.
2. Teoria Personalista - parte do pressuposto de que todos os fenómenos jurídicos
podem ser reduzidos ao esquema da relação jurídica intersubjectiva e, por conseguinte, o
Direito Real deixa de ser configurado como um direito sobre uma coisa, para ser um direito
perante todas as outras pessoas (relação jurídica absoluta). Apesar de conseguir reduzir tudo
à relação jurídica, tem os inconvenientes da relação jurídica absoluta, distorcendo a realidade
no sentido de colocar o acento tónico do Direito Real nas relações com terceiros, em
detrimento dos poderes sobre a coisa.
Do ponto de vista técnico, esta teoria levanta a dificuldade inerente a termos uma
relação jurídica com um sujeito activo determinado e todos os habitantes do universo como
sujeitos passivos.
esta teoria vai evoluir subsequentemente no sentido da terceira teoria
3. Teoria Mista - o Direito Real é constituído por um lado interno (correspondendo à
Teoria Realista como os poderes do titular do direito sobre a coisa) e por um lado externo
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Direitos Reais - teóricas INTRODUÇÃO
(correspondendo à Teoria Personalista como os poderes do titular do direito perante
terceiros- uma obrigação passiva universal).
Se é assim, o lado interno está aqui colocado de uma maneira que não se ajusta já
que o que existe é uma relação entre pessoas e não uma relação entre o titular do direito e
a coisa.
O nosso estudo vamos partir da Teoria Realista e do princípio de que existe uma
relação entre o titular do direito e a coisa.
Numa relação jurídica entre uma pessoa e uma coisa define-se duas
características: por um lado um Poder de Facto, por outro, embora muito polémico, uma
Eficácia “erga omnes”. Assim temos:
1. Poder de Facto- implica o poder de actuação autónoma do titular do direito
sobre a coisa retirando dela determinadas utilidades sem dependência da colaboração de
outrem. Sabemos também que este poder de facto varia de direito real para direito real.
Assim podemos distinguir:
a) Direitos Reais de Gozo- atribuem o uso e fruição ou apenas um deles
sobre a coisa. O seu titular pode utilizar a coisa e rentabilizá-la de um modo genérico (Ex.
Propriedade ou usufruto) ou de um modo específico ou individual (Ex. Servidões).
b) Direitos Reais de Garantia- visam assegurar o cumprimento de uma
obrigação ou a satisfação do interesse do titular do Direito de Crédito. São por isso,
direitos acessórios de um Direito de Crédito. O direito de garantia manifesta-se na
possibilidade de alienação judicial da coisa.
Alguns autores dizem que o credor com garantia necessita da colaboração
do Tribunal. Porém esta intervenção não é obrigacional, já que o Tribunal não possui um
Direito de Crédito, remetendo-se portanto a não denegar justiça. Para corroborar o expendido
anteriormente cabe ainda dizer que, sendo o Tribunal “colaborador”, também quanto aos
Direitos Reais de Aquisição tal se justificaria. Ora, quanto a estes o argumento não colhe de
todo.
Existem porém dois casos especiais:
i) Consignação de Rendimentos (arts. 656º e segs.)- os frutos objecto de
consignação são atribuídos ao credor para que este satisfaça o seu interesse através do
recebimento dos frutos. Aqui, o credor não tem, normalmente, o direito de executar a coisa
quando esta se encontra em seu poder (art. 661º/b). Aqui estruturalmente temos um direito de
gozo e funcionalmente temos um direito de garantia. Ora, o poder de facto é apenas de gozo.
ii) Penhor (arts. 666º e segs.)- Se for um Penhor com Pacto de Consignação
de Rendimentos o Penhor é estruturalmente de gozo mas, funcionalmente de garantia. Se, pelo
contrário, o Penhor não possuir o Pacto, implica apenas para o credor o poder de utilização
sendo que, se a obrigação não for cumprida, possuir o poder de promover a alienação judicial da
coisa (art. 672º/1).
c) Direitos Reais de Aquisição- visam a aquisição de outro direito sobre a
mesma coisa objecto de aquisição. Aqui o poder directo consubstancia-se na possibilidade de
impor a aquisição do segundo direito de uma forma potestativa, ou seja, sem qualquer
colaboração. Estes direitos encontram-se dispersos pelo Código apesar de podermos referir
dois com natureza genérica:
i) Preferências Legais ou Convencionais com Eficácia Real- a acção de
preferência não acarreta qualquer invalidade mas vai provocar uma modificação subjectiva no
negócio objecto da preferência. Existe uma sub-rogação no comprador produzida unicamente
pela vontade do sujeito.
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Direitos Reais - teóricas INTRODUÇÃO
ii) Direito que resulte do Cp com Eficácia Real;
2. Oponibilidade “erga omnes”- o direito pode ser invocado no sentido de que a
sua existência tem que ser reconhecida perante qualquer pessoa. Esta oponibilidade não
se fundamenta em razões de natureza relativa, com terceiros. Estes apenas reconhecem o
direito e as suas consequências.
Ex. 1: Comodatário:
O direito de uso está dependente da relação com o comodante, ou seja, se
o comodante passar a ser outro, este último não tem que respeitar o comodatário podendo
exigir a restituição.
Ex 2: Usufrutuário:
O facto do proprietário mudar não cessa de forma alguma o usufruto.
Pode até acontecer que não haja sequer proprietário. Quanto aos imóveis a
questão não se coloca já que têm sempre dono. Porém quanto aos imóveis essa certeza
não existe.
Alguns autores vêm dizer que o Direito Real pode ser Hipotecado contra qualquer
pessoa que o viole. Incluem a violação do direito na sua oponibilidade. Parece que todos
os direitos são oponíveis neste sentido de violação. O que acontece é que a violação dos
Direitos Reais não é igual à dos Direitos de Crédito.
A oponibilidade é contra qualquer pessoa, pressupondo então que qualquer dessas
pessoas tivessem conhecimento do direito já que não se pode invocar um direito contra
alguém que não teve possibilidade de o conhecer. Note-se porém que os meios de
conhecimento não dão oponibilidade, mas garantem-na, assegurando o interesse de
terceiros.
Oponibilidade pressupõe Publicidade, ou seja, para se opor é necessário conhecer.
Rigorosamente, não são os direitos subjectivos que têm oponibilidade “erga omnes” mas sim
os factos que têm repercussões jurídicas sobre um determinado direito (Ex: o que se opõe
não é o direito de propriedade mas o Contrato de Compra e Venda que conduziu à aquisição.
Só o facto é que tem existência material e pode ser reconhecido).
A Publicidade pode ser de dois tipos:
1.Espontânea- quando se dá a conhecer um determinado facto, independentemente
de existir a finalidade de dar a conhecer. A publicidade é um efeito colateral que decorre do
exercício de uma certa acção ou facto (Ex.: a utilização sucessiva do nome individual ou ainda
o que decorre da Posse que consiste na apreensão material de uma coisa para retirar dela
utilidades fazendo, embora de uma forma indirecta, publicidade para terceiros).
2. Provocada- quando existe a finalidade específica de dar a conhecer através de um
meio instituído para tal.
i) Registal- a entidade que elabora o registo (Conservador) tem o dever de
promover a conexão entre todos os factos levados a registo que digam respeito a certa coisa
ou pessoa. Ex: para cada prédio existe uma folha cópia onde se inscrevem todos os factos
relativos aquele prédio.
ii) Não Registal- não implica para aquele que dá a conhecer a obrigação de
conexionar. Todos os factos que se publiquem, ainda que relativos à mesma pessoa ou coisa,
são totalmente independentes entre si. Ex: o acto de Constituição de uma SA é publicado no
DR sendo que outros actos que a SA pratique e que necessitem de publicação não vão ser
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Direitos Reais - teóricas INTRODUÇÃO
anexados conjuntamente com o acto constitutivo e assim, nestes casos, os terceiros
dificilmente saberão.
A função do Registo Predial é a de dar a conhecer a situação jurídica dos imóveis
com vista a garantir a “segurança nas transacções”, garantir perante terceiros uma certa
estabilidade nas relações jurídicas. Porém, reflexamente, também tem interesse para a
pessoa a quem diz respeito o facto registado (Ex: hoje diz-se que para existir, a Hipoteca
precisa de ser registada. Aparentemente é no interesse da pessoa tal exigência. Porém, a
finalidade primária é a de que terceiros saibam se o prédio se encontra hipotecado ou não.
Urge dizer que a Hipoteca nunca pode ser publicitada pela Posse já que os terceiros
poderiam comprar um prédio hipotecado que estava na posse do vendedor).
Existem dois tipos de efeitos do Registo Predial:
1. Perante terceiros- corresponde à “Fé Pública Registal” (art. 7º do CR Predial).
Os terceiros fazem fé (confiam) na correspondência exacta entre o que está
registado e o que na realidade aconteceu. Podem partir do princípio que o registo está
completo e é exacto, ainda que assim não seja na realidade. Esta ideia tem como
fundamento o facto de o conservador estar obrigado a apreciar a legalidade, em todos os
aspectos do pedido de registo. È, neste caso, uma Presunção Ilidível.
Esta Fé Pública possuí dois sentidos:
i) Sentido negativo- os terceiros podem partir do princípio de só aconteceu
aquilo que está registado. Se houver factos não registados, os terceiros não têm que os
conhecer e podem actuar licitamente como se não existissem.
Ex: Dupla Venda:
A vende a B que não regista;
A vende posteriormente a C que regista;
Ora, segundo o art. 408º/1 do CC, o direito transmite-se no instante em
que a escritura é efectuada, ainda que não seja registada. Sendo assim o A não transmite
nada a C efectuando uma venda de bens alheios. No entanto, C regista porque não tem que
saber que havia uma venda entre A e B (sentido negativo). Como resolver então esta
situação?
a) Opinião Tradicional- aplica-se aqui o Princípio da Prioridade do
Registo em que, quem primeiro regista é quem primeiro adquire. É um prémio para a
diligência. Esta opinião é criticável já que choca directamente com o art. 408º/1 do CC e
implica que se adquira, apesar da venda ser nula. Os defensores desta tese contrapõem
dizendo que, enquanto não se regista, não se adquire. Se assim for, o art. 408º/1 do CC tem
de ser revogado, não tendo porém ninguém o afirmado de forma peremptória. O conflito
existente estabelece-se entre alguém que adquiriu e alguém que adquiriu aparentemente,
entre um direito e um não direito. Note-se que, para esta corrente de opinião, é indiferente a
boa ou má-fé. Apesar dos tribunais, até à bem pouco tempo reafirmarem esta opinião, sempre
iam dizendo que haver ou não má-fé não era o mesmo.
Qual é então o problema actual?
A, que tem registo, vende a B que não regista;
Os eventuais credores de A intentam uma Acção Executiva
nomeando como bens à penhora o prédio vendido a B;
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Direitos Reais - teóricas INTRODUÇÃO
A penhora tem aqui o mesmo vício que a segunda venda do exemplo anterior: é
ilegítima. Tem-se conseguido provar que os credores, quando nomearam os bens a
penhorar, tinham conhecimento daquela venda a terceiro, tendo-se aproveitado do não
registo por parte de B, sem que tal pudesse ser aduzido em juízo. Esta constatação
chocou o STJ que opinou através de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
b) STJ- deve exigir-se, pelo menos, a boa-fé, a provar por B. O STJ
considerou também que só são terceiros entre si aqueles que adquiriram a partir da
mesma pessoa e com intervenção da vontade da mesma, baseando-se o Supremo na
doutrina (sem fundamento) de Manuel de Andrade. Isto significa que, na dupla venda, B e
C são terceiros entre si. No entanto, no caso da Penhora, os credores e o B não são
terceiros entre si. Neste caso não faz sentido colocar o problema da boa-fé . Em suma, no
caso da Penhora, tanto faz registar como não a registar sendo levantada porque ilegal.
c) Opinião do Curso- Em primeiro lugar, os casos de sentido
negativo devem ser resolvidos segundo o sentido positivo (art. 291º do CC), exigindo o que
o STJ exige mais dois requisitos: que o terceiro que adquire ilegitimamente tenha adquirido
com base num acto oneroso e ainda que tenha decorrido um prazo de garantia de 3 anos
sem que seja invocada a invalidade do facto inválido registado por terceiro. O prazo de 3
anos é absurdo, porém é taxativo o disposto. Em segundo lugar, tanto faz determinar se o
terceiro adquire com ou sem a intervenção do titular do direito registal já que ambas as
situações merecem protecção.
O STJ vem dizer que, no caso da Penhora, se o Tribunal pudesse
penhorar um bem que não era do devedor estava a cometer um acto ilícito. O Curso
responde dizendo que se respeitar os requisitos do art. 291º do CC o acto já não é ilícito e
que o argumento aduzido tinha que ser também estendido ao caso da dupla venda, o que
não aconteceu.
ii) Sentido positivo- os terceiros podem presumir que, o que se registou
aconteceu mesmo e é válido, ainda que o facto não exista ou seja inválido, em benefício dos
mesmos. Note-se que o fundamento para a Fé Pública no sentido positivo não se verifica de
uma forma tão perfeita como no sentido negativo. Aqui o Conservador não consegue
assegurar que o facto registado é válido e existe.
Ex: A vende simuladamente e por escritura a B que regista, no intuito de evitar
a execução dos credores.
Se é simulado, não deveria ser registada. Porém, o Conservador não sabe se
há ou não simulação, não tem provas para recusar o registo que é lavrado. Porém, a venda é
nula. Em Portugal o registo não dá Fé Pública no sentido positivo já que o Conservador nada
podia garantir. Em situações lineares o terceiro nunca pode estar seguro. Em situações
triangulares pode estar seguro da aquisição.
Porém, existe uma situação no CR Predial ainda mais grave que a da
simulação (art. 16º/a):
B falsifica uma escritura pública em que A, proprietário, aparece como
vendedor e B como comprador;
B pede o registo que é lavrado pelo Conservador;
B vende a C
Aqui, o facto registado nem existe materialmente. No entanto, a lei permite a protecção
de C desde que esteja nas condições do art. 17º/2 do CRPredial. O registo aqui tem efeito
positivo quanto a C já que, aparentemente, há um registo a favor de B. Se a lei estabelece o
efeito positivo numa situação extrema, por maioria de razão, aplicar-se-á também em casos
como o da Simulação.
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Direitos Reais - teóricas INTRODUÇÃO
Vamos ver agora o âmbito de aplicação do art. 17º/2 do CR Predial, por
contraposição com o art. 291º do CC. O art. 17º/2 funciona para proteger terceiros perante
nulidades registais do art.16º (o registo é nulo). O art. 291º tem em vista os casos em que
o próprio facto registado é inválido. A invalidade do facto registado não determina a
invalidade do registo, o próprio facto sujeito a registo é que é nulo (art. 240º do CC). Então,
o terceiro só pode ser protegido se se verificar o art. 291º do CC e não o art. 17º/2 do
CRPredial. Esta situação não faz muito sentido já que, para situações extremas (exemplo
da falsificação), o terceiro é protegido a partir do momento em que está de boa-fé e não
pode ser accionado por A, enquanto que em situações menos graves (caso da Simulação),
a protecção só existe passados 3 anos. Alguns autores avançam no sentido de que o
prazo de 3 anos deve ser estendido ao art. 17º/2 (Oliveira Ascensão), enquanto outros
consideram que o art. 291º está revogado tacitamente, por que posterior, pelo art. 17º/2. A
primeira das teses tem mais lógica apesar de não possuir qualquer base legal.
As nulidades registais são de várias espécies sendo que da nulidade da situação
de sentido negativo (triangular), não existe previsão nos arts. 291º do CC e 17º/2 do CR
Predial.
Se não há nulidade registal nem invalidade substantiva anterior à do terceiro, o
facto de B não registar não determina a invalidade de A, permite dizer que o registo de A é
o que está em vigor. Agora, se não há invalidade substantiva anterior à aquisição de C,
este é parte e o art. 291º só protege terceiros e não partes.
Talvez seja por isso que alguns autores recorrem ao P. da Prioridade do Registo. A
opinião do Curso vai no sentido de que em todos os casos, o terceiro adquire um direito de
quem não tem legitimidade para lho transmitir, sendo aplicável analogicamente não o art.
17º/2 que possui um âmbito de aplicação definido pelo art.16º, antes o art. 291º do CC.
Quanto à modalidade da aquisição do terceiro, intuitivamente, em qualquer dos casos
em que adquire originariamente, o acto jurídico que o beneficia é sempre inválido. No entanto,
a aquisição originária é mais ampla, porque surge independentemente de direitos anteriores,
que a derivada, podendo acontecer o seguinte:
A tem um prédio arrendado a B;
A vende o prédio a C que não regista;
A vende posteriormente a D que regista;
Se a relação entre A e D fosse válida, o direito de B mantinha-se. Se se tratasse de
uma aquisição originária, o arrendamento não podia subsistir.
Por maioria de razão podemos dizer que o D já tem sorte em ser protegido já que
pelas normas substantivas nada obteria. Não vamos ainda premiá-lo, dando-lhe uma
aquisição originária.
A aquisição tem natureza legal- verificando-se os requisitos, a lei atribui o direito a D de
forma automática, nunca de forma contratual.
2. Em relação à pessoa a quem diz respeito o facto registado:
i) Efeito Enunciativo:
Verifica-se quando o facto sujeito a registo já é um facto público antes
do registo, independentemente do próprio registo. Basicamente, o facto registável já beneficia
da publicidade espontânea. O efeito enunciativo, nos casos em que é admitido, justifica-se
sempre por uma razão qualquer já que, o registo, por si só, não acrescenta nada. Os casos
típicos geralmente apontados são:
a) Registo de Aquisição por Usucapião- o registo é enunciativo já que,
nos termos do art. 1297º, para que a usucapião possa ser invocada, a posse tem que ser
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Direitos Reais - teóricas INTRODUÇÃO
pública. Durante o período necessário para invocar a usucapião, um possuidor deve ter
exercido de maneira a poder ser conhecido. Quando regista já está a dar publicidade ao
que nos anos anteriores foi um facto notório, quando muito irá aumentar a sua
cognoscibilidade. A vantagem prática é a de que o registo predial, entre nós, nunca é
obrigatório (não existem sanções para a falta de registo). Mas, não se registando podem
ocorrer certas desvantagens (Ex: se não se registar, não se pode onerar validamente o
direito adquirido, na medida em que o notário tem o dever de recusar a formalização, se
aquele que está a onerar, não tem registo; então se o possuidor que invocar usucapião
não registar, não tem qualquer sanção por isso, não podendo invocar a usucapião contra
terceiros já que a posse pressupõe o conhecimento público). No entanto, se aquele quiser
onerar o direito adquirido por usucapião, tem que registar primeiro. Se não pretender
onerar o direito, tanto faz registar como não registar.
b) Registo da Mera Posse- o registo é enunciativo já que a mera
posse pode ser registada desde que se obtenha uma sentença que reconheça que o
possuidor tem posse pelo menos à cinco anos, que a posse seja pública e tenha sido
pacífica (art.1295º/2 do CC). Tal como na usucapião, o facto de estar registado, já é um
facto público sendo que o registo, no máximo, vai aumentar a publicidade. Os prazos da
usucapião aqui tornam-se mais curtos (menos cinco anos) obtendo-se aqui um benefício.
O registo da mera posse não é constitutivo, é enunciativo já que, quer registe a mera
posse, quer não registe, há sempre posse de facto. Para o registo ser constitutivo, a
existência da situação depender do registo.
c) Registo de Aquisição de Servidões Aparentes- o registo é
enunciativo na medida em que para a servidão ser feita é necessário haver sinais visíveis
e permanentes (Ex: para haver sinais é preciso um caminho , uma estrada, etc.). A
publicidade neste caso já está assegurada por esses sinais. O registo aqui nada acrescenta e
adquire-se apenas por razões históricas já que não existe qualquer inconveniência no não
registo. A existência dos sinais supre a falta de registo.
d) Renúncia Abdicativa- discute-se na doutrina se será um caso de
efeito enunciativo ou não, sendo que a maioria responde afirmativamente. Esta renúncia, é
um negócio jurídico unilateral por força do qual o titular de um direito real abdica desse direito.
Normalmente a Renúncia Abdicativa implica a extinção do direito, a perda absoluta. Sendo de
imóveis, é um facto registável já que tem uma implicação sobre o imóvel. Se o efeito for
meramente enunciativo significa que o efeito extintivo se produz em termos absolutos
independentemente do registo e da compensação (Ex: na propriedade isto verifica-se: A é
proprietário de X, imóvel que renuncia. Implica a aquisição a favor do Estado já que não
podem existir imóveis sem dono. Se o registo é enunciativo significa que o A deixa de ser
proprietário no momento em que faz a renúncia independentemente de terceiros que possam
existir. Se A se arrepender da renúncia, vendendo a B, em termos substitutivos, depois de
renúncia deixa de ser válida (art. 892º do CC). Porém B não sabia da renúncia. B, neste caso,
não adquire a propriedade. Não estando a renúncia registada, o último registo é o da
aquisição a favor de A e, consequentemente, para terceiros, A é proprietário. Ora, para o
Estado adquirir a propriedade tem que haver o registo da renúncia. Assim pode-se proteger o
comprador desde que se encontre nas condições do art. 291º do CC.
ii) Efeito Constitutivo:
É o efeito em que da realização do registo depende a aquisição do
direito ou, por outras palavras, sem o registo não se adquire a propriedade. Teoricamente, o
registo deveria ser constitutivo, na medida em que assim conseguiria sempre a coincidência
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Direitos Reais - teóricas INTRODUÇÃO
entre o registo e a realidade. Todavia, sistemas de registo constitutivo obrigatório só o
Alemão.
A única situação de registo constitutivo é a situação da Hipoteca (art.
682º do CC)- a razão básica está ligada ao facto constitutivo da hipoteca. Esta nunca
implica que o credor obtenha a apreensão da posse da coisa. A coisa permanece em
poder do autor da hipoteca. Por isso, a única publicidade que pode ter é a que deriva do
registo.
Para além da hipoteca, existem mais duas situações, embora
duvidosas: Contrato Promessa com Eficácia Real e Pacto de Preferência com Eficácia
Real. Segundo o art. 413º do CC, para a preferência e a promessa terem eficácia real, é
necessário que nestes contratos estejam contidos numa escritura pública. Exige-se ainda
que as partes tenham expressamente lhe atribuído essa mesmas eficácia. Por último,
exige-se que se faça o registo. Isto quer dizer, literalmente, que o registo é constitutivo. No
entanto, embora o assunto não esteja muito tratado, as opiniões que existem, vão no
sentido de que o registo, nestes dois casos, têm o efeito normal (consolidativo), ou seja,
qualquer conflito com terceiros deve ser resolvido nos moldes do art. 291º do CC.
Quando A faz uma promessa com eficácia real não registada a favor de B e,
posteriormente, vende a C vamos ter o seguinte raciocínio:
Se o efeito for consolidativo implica que, registe-se ou não, a promessa
tem eficácia real (o direito de aquisição que daí deriva constitui-se por mero efeito do
contrato- art. 408º/1 do CC)
A partir daí, o problema coloca-se apenas em termos de oponibilidade. Se esse
direito que resulta do Contrato Promessa é oponível a C e se B não regista, tem um direito
real de aquisição, ou seja, oponível, a não ser que o C se encontre abrangido pelo art.
291º do CC. Aqui prevaleceria a posição de C.
Com o efeito consolidativo, a aplicação do art. 291º do CC supõe que se está a
proteger alguém que adquiriu aparentemente pelo negócio jurídico. O art. 291º do CC supõe
sempre a ilegitimidade de quem está a alienar.
Porém, colocar o art. 291º do CC perante C é absurdo já que aqui estamos num
problema de prioridade do registo, o conflito entre dois direitos existentes é resolvido pela
prioridade do registo. Por outro lado, para a aplicação do art. 291º do CC ter sentido, ter-se-ia que
descobrir a que se dirige a boa-fé. A boa-fé aqui, não pode consistir apenas no desconhecimento
da promessa, é preciso que a boa-fé se dirija àquilo que o Contrato Promessa tem de específico,
ou seja, a cláusula de eficácia real. Deve assim, seguir-se o art. 413º do CC e o registo ser
constitutivo. O direito real de aquisição que deriva do Contrato Promessa só se adquire se a
promessa for registada.
iii) Efeito Consolidativo:
Significa que o registo apenas confirma que os efeitos de um
determinado facto podem ser invocados perante qualquer pessoa. À contrário, se o registo
não for efectuado, os efeitos desse facto produzem-se à mesma mas não são invocáveis
contra determinados terceiros. Trata-se do efeito regra.
A vende a B e, nos termos do art. 408º/1 do CC, B torna-se proprietário apesar de não
registar. A tem C como credor. Aqui, o direito de B é invocável perante qualquer pessoa
(mesmo que não registado). Todavia, se não registar, pode acontecer que o A venda a D , ou
o C façam uma penhora sobre o bem vendido a B. Em qualquer dos casos, estes actos são
ilegítimos. Se D ou C estiverem na situação do art. 291º do CC, são protegidos, o que
significa que adquirem.
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Direitos Reais - teóricas INTRODUÇÃO
Aqui o B não pode invocar os efeitos normais da venda- B perde a prioridade a
favor de C ou D sendo que, se tivesse procedido ao registo, tal não sucederia.
O efeito consolidativo limita-se a assegurar que os efeitos se
produzem perante qualquer pessoa. O problema que aqui se apresenta prende-se com o
modo de aquisição dos terceiros: à letras, o art. 5º/1 do CR Predial, implica a
oponibilidade. Há quem afirme que o direito não registado é apenas relativamente
oponível. Tradicionalmente o Direito Real é definido como oponível. Teríamos aqui de
considerar Direitos Reais Inoponíveis, o que não tem qualquer cabimento. A aquisição do
terceiro, neste caso, é uma aquisição derivada já que não há a extinção do direito e
consequente aquisição originária. É então uma aquisição derivada imposta “ex lege” ou
potestativa.
iv) Efeito Atributivo:
É atributivo quando a aquisição só se verifica com o registo mas o
facto registado é um facto inválido, ou seja, o efeito atributivo dá-se quando se verifica a
situação do art. 291º do CC ou do art. 17º/2 do CRPredial. Há quem chame ao efeito
atributivo, aquisição tabular. Este efeito é, pois, reflexo do efeito consolidativo, isto é, para
aquele a quem o registo é consolidativo, se não registar, permite que outrem se coloque
na situação do art. 291º do CC ou do art. 17º/2 do CR Predial e beneficie, este outrem, do
efeito atributivo. Ao contrário, aquele para quem o efeito é consolidativo e regista, a sua
posição impede que terceiros beneficiem do efeito atributivo.
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
Relação Jurídica Pessoa - Coisa
Assim vamos ter:
1. Pessoa:
Existem apenas algumas especificidades quanto ao regime geral:
especificidades relativas à capacidade natural e à legitimidade para o exercício. Assim:
i) Capacidade Natural- é a aptidão para actuar em função da
aptidão psicológica do sujeito (capacidade para entender e querer). Distingue-se da
capacidade de exercício, na medida em que, esta última, está fixada em termos
abstractos, ao passo que a capacidade natural é aquela que, em concreto, a pessoa tem
ou não tem (averiguada caso a caso). Na medida em que introduzir um certo
subjectivismo, só se pode recorrer à capacidade natural quando a lei o diga. No âmbito dos
Direitos Reais, a capacidade natural é referida quanto à posse (art. 1266º do CC).
Distingue-se aí consoante estejamos perante coisas susceptíveis de apropriação ou
restantes coisas.
As coisas susceptíveis de apropriação, nos termos do art. 1318º do CC, são
aquelas que não têm dono, seja porque nunca tiveram (Ex: a caça, a pesca) ou porque,
havendo tido, foram abandonadas. Em relação a estas, o art. 1266º do CC prescinde,
inclusivamente, da capacidade natural, o que significa que, para adquirir a posse sobre
coisas sem dono nem se exige capacidade de exercício nem capacidade natural. Em
relação às restantes coisas, o art. 1266º do CC, exige para a aquisição da posse que, pelo
menos, exista capacidade natural. O que significa que o menor pode adquirir por posse
uma vez que é indiferente a capacidade de exercício.
O art. 1266º do CC levanta ainda um problema de harmonização com o art. 1318º do
CC, uma vez que, a coisa, se não tem dono, a apreensão de uma coisa tanto pode conduzir à
aquisição da posse como à aquisição da propriedade.
Tem-se entendido que, não havendo capacidade natural, a apreensão da coisa conduz
à aquisição da posse. No entanto, se aquele que procede à apreensão da coisa tivesse pelo
menos capacidade natural, adquire a propriedade (art. 1318º do CC). Em relação às outras
coisas, à contrário do art. 1266º do CC, a capacidade natural só serve para adquirir a posse; a
aquisição para adquirir outro direito exige a capacidade de exercício. Mesmo assim, há quem
defenda que o que resulta do art. 1266º do CC pode ser estendido à aquisição de outros
direitos reais, desde que essa aquisição seja possível pela posse (Ex: a constituição do
direito de aquisição, uma vez que o direito se constitui por causa da não restituição da coisa
ao legítimo titular, em virtude daquele que não restitui, ter efectuado despesas causadas pela
coisa).
ii) Legitimidade- é a aptidão para a prática de um determinado
acto em concreto. Distingue-se da capacidade de agir, na medida em que, a legitimidade é
uma aptidão que pressupõe uma certa relação entre a pessoa e o bem, sobre o qual essa
pessoa actuou. E, por conseguinte, só no caso concreto, se pode descobrir se essa relação
existe ou não.
Nos Direitos reais é preciso distinguir: legitimidade para transmitir ou onerar e
legitimidade para extinguir. Em comum existe o princípio básico da livre disponibilidade, isto é,
os direitos patrimoniais (reais) são direitos que podem ser, livremente transmitidos, onerados
ou extintos (art. 62º da CRP):
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
a) Legitimidade para constituir ou transmitir:
x- Quanto aos Direitos Reais de Gozo- a lei só
proíbe a transmissão ou oneração do direito de uso ou habitação (art. 1468º do CC), sendo
certo que, em relação ao usufrutuário, a lei admite que, no respectivo acto de constituição
se estabeleçam restrições ao poder de disposição (art. 1444º/1 do CC). Fora deste, os
outros são livremente transmitidos e onerados. Embora, no que toca às servidões prediais,
como são direitos acessórios, nunca podem ser transmitidos autonomamente.
y- Quanto aos Direitos Reais de Garantia-
admitem-se aqui duas possibilidades já que estes são direitos acessórios de um direito de
crédito. Existem para garantir um crédito e, por isso, admitem pôr ao seu lado a
transmissão dos acessórios ou que se faça a transmissão do direito de garantia
autonomamente: na primeira hipótese (art. 582º do CC), a transmissão faz-se juntamente
com o crédito; a segunda hipótese vai no sentido de ser admitida restritivamente (para a
hipoteca, penhor ou consignação de rendimentos). Admite-se a transmissão autónoma da
garantia, desde que a transmissão seja feita a outro credor do mesmo devedor (art. 727º e
728º do CC).
50.000 c
A B
R (hipoteca)
Hipoteca
( 62.000c )
C
(credor de A)
Ora, para os restantes 12.000c, C é credor comum sendo que passa a ter a hipoteca
sobre o móvel no valor de 50.000c. Note-se que se admite a transmissão da hipoteca nos
limites da hipoteca constituída.
Se a regra é a da livre disponibilidade, daqui resulta que qualquer negócio jurídico que
tenha por finalidade excluir ou limitar o poder de transmissão ou oneração, é um negócio
jurídico nulo (pelo menos naquela parte), uma vez que viola normas de natureza imperativa.
No entanto, admite-se que o negócio com aquela finalidade possa ter eficácia (que em alguns
casos está perto da eficácia pretendida).
Nem nos privilégios creditórios, nem no direito de retenção se admite a transmissão
autónoma.
Temos aqui que distinguir duas situações: quando o negócio, que limita ou exclui a
transmissão ou oneração, é uma doação ou um testamento; quando é outro negócio qualquer.
Tratando-se de uma doação ou de um testamento, esta cláusula continua a ser nula,
mas, passa a valer como Substituição Fideicomissária irregular (através da conversão legal).
Será então o caso:
Doação
A B (proprietário)
Testamento
A, na doação ou no testamento, põe uma cláusula que limita ou exclui a transmissão
ou oneração da coisa. A cláusula, porque viola um princípio básico, é nula. Mas, a lei
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
determina outra eficácia: é uma cláusula de substituição fideicomissária (art. 2286º do CC-
“diz-se substituição fideicomissária a disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro
instituído o encargo de conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor
de outrem ...”).
B, embora seja proprietário, tem o dever de conservar os bens a favor do
fideicomissário. Por isso, em princípio, não pode dispor dos bens (não pode alienar ou
onerar), não o podendo fazer nas condições excepcionais do art. 2291º do CC: quando
haja necessidade urgente para ele ou para os bens ou em qualquer caso, quando o
tribunal o autorize.
A cláusula é nula mas, o art. 2295º/1/a do CC considera ter o valor de substituição
fideicomissária. Isto tem como consequência que o donatário ou sucessor passa a ter a
qualidade de fiduciário e os fideicomissários serão os herdeiros de B (art. 2295º/2 do CC).
Vamos ver agora as cláusulas que limitam a transmissão ou oneração do direito
impostas por outros actos jurídicos: sem ser doação ou testamento. Regra geral a cláusula
que restringe o poder de transmissão ou oneração, é nula porque viola uma norma
imperativa. Curioso é descobrir qual a norma imperativa violada, decorrendo
indirectamente do art. 1306º do CC que impede a constituição de restrições a direitos reais
que não estejam expressamente previstas os admitidas. Só tem então eficácia real
aquelas que estão previstas, sendo que esta não está prevista. O raciocínio é demasiado
formal mas é assim que está determinado. Acontece que o art. 1306º do CC determina a
conversão das restrições não previstas em restrições de natureza obrigacional. A cláusula
que limita a transmissão ou oneração é nula mas passa a ter valor obrigacional , pelo
menos entre as partes.
Se A vende a B com uma cláusula restritiva, sendo que B vende a C. Se
fosse admitido o negócio feito em violação da transmissão seria ineficaz na medida em
que a cláusula seria admitida. Não podendo entre nós valer contra terceiros, ter eficácia
real, pelo silêncio do art. 1306º do CC, determina que se o B violar a cláusula, está a violar
uma obrigação nascendo daí a respectiva responsabilidade.
Ora, se em termos teóricos isto se apresenta correcto, na prática conduz a um
resultado incorrecto. O B sujeita-se à obrigação , gerando uma indemnização e indo limitar o
poder de disposição , assumindo um carácter de castigo. Vai levar à afirmação de que o art.
1306º do CC não se pode aplicar directamente, ou seja, primeiro tem que se apreciar a
cláusula em questão. Tem-se entendido que se pode admitir a conversão da cláusula em
cláusula com valor obrigacional, desde que isso não implique uma limitação excessiva sobre o
poder de transmissão ou oneração. Só se admitem com valor obrigacional as cláusulas que
tenham um prazo de duração relativamente curto. Normalmente, uma duração superior a
cinco ou seis anos constitui uma duração intolerável porque contraria o art. 62º da CRP. Estas
são nulas sem qualquer possibilidade de aproveitamento.
A ideia foi a de dar algum valor à cláusula de intransmissibilidade quando exista um
interesse sério, atendível a ser protegido. Normalmente só nas doações e nos testamentos é
que o interesse é atendível já que se pretende prosseguir a vontade do autor. Fora deles, em
geral, a cláusula não corresponde a um interesse atendível, antes arbitrário.
b) Legitimidade para extinguir:
O Princípio da Livre disponibilidade implica que o
titular do Direito Real se possa desligar da titularidade do direito unilateralmente quando
quiser renunciar. Pelo menos limitações legais não existem. Surge a questão da possibilidade
de, em relação à propriedade de imóveis ou ao direito de superfície, renunciar, sendo que a lei
nada diz. Não proíbe, mas tal não significa que admita expressamente. Há quem entenda que
o princípio não lhes é aplicável. A consequência é que, desta maneira, o direito de
propriedade sobre imóveis e o direito de superfície, em vez de serem só direitos, são também
deveres, na medida em que o seu titular não se pode libertar do direito a menos que o
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
transmita. Parece que a propriedade, como direito real mais importante que é, deve
abarcar o Princípio da livre disponibilidade na sua totalidade podendo haver renúncia. A
livre disponibilidade para extinguir pode manifestar-se de três modos: Renúncia Abdicativa;
Abandono e Renúncia Liberatória. Ora, quer na Renúncia Abdicativa, quer no Abandono,
existe uma declaração unilateral cuja finalidade consiste na libertação da titularidade do
direito, distinguindo-se na medida em que, na primeira a declaração expressa estar sujeita
à forma legal exigida: imóveis, escritura pública, ao passo que na segunda, como é uma
não prática de actos, nos quais se pode presumir o desejo de desvinculação, tratando-se
de uma declaração tácita. Nos móveis, por exemplo, deitar uma caneta ao lixo; nos
imóveis, a não utilização da coisa. Aqui a situação é mais difícil já que a lei diz que nos
imóveis é necessária, normalmente, a escritura pública, algo que se torna quase utópico
no caso do abandono. Este abandono é concebível materialmente apesar de não se
conseguir perceber como pode operar, já que não há uma intenção declarada de
abandonar e, consequentemente, um documento representativo dessa declaração. Então
o abandono, na prática, só diz respeito aos bens móveis. É descabida a ideia de, alguém
que não quer aquele direito, ainda ter de pagar as custas de uma escritura pública.
é por esta razão que no caso da renúncia de hipoteca, houve necessidade de alterar
a legislação no sentido de se admitir o documento autenticado em vez da escritura pública
(art. 731º/1 do CC), que facilita mas não resolve.
O efeito típico da renúncia abdicativa e do abandono
é o de provocar a extinção do direito renunciado ou abandonado (Ex: arts. 730º/d;
1476º/1/e; 1569º/1/d).
No caso da renúncia à propriedade de imóveis ou do
direito de superfície, admite-se que o imóvel fique sem dono. O art. 1345º diz-nos que os
imóveis sem dono conhecido se consideram propriedade do Estado. Rigorosamente, e do
ponto de vista estritamente literal, não prevê a situação do imóvel sem dono (é adquirida
definitivamente) mas antes de imóveis com dono desconhecido (é adquirida parcialmente e
podendo ser readquirido pelo originário proprietário). Existem razões para que se considerem
as situações equivalentes. O problema não está tanto nisto, mas antes na natureza da
aquisição. Se a renúncia tiver efeito extintivo origina-se uma aquisição originária a favor do
Estado, ou seja, adquire um direito com um valor superior ao que existia na esfera jurídica do
renunciante. Então, já não basta adquirir automaticamente, para ainda ter um aquisição
originária. O melhor será que, no caso da propriedade sobre bens imóveis e no direito de
superfície, a renúncia abdicativa não implique a extinção, mas apenas a transmissão para o
Estado através de uma aquisição derivada.
No caso do abandono de móveis, pelo art. 1318º do CC,
determina a extinção do direito, na medida em que a coisa abandonada fica sem dono. Aqui o
regime é diferente já que a coisa móvel abandonada não passa a integrar necessariamente o
património de outra pessoa, a coisa fica transitoriamente sem dono sendo que se justifica a
aquisição originária.
No caso dos Direitos Reais Menores (Ex: servidões, hipotecas, etc.), o efeito extintivo
dá origem à expansão do direito que estava onerado com o direito menor objecto da renúncia. Se
o usufrutuário renuncia, o proprietário não adquire nada, fica apenas desonerado, o usufrutuário
é que deixa de possuir. Por isso a aquisição derivada restitutiva não existe em rigor.
A Renúncia Liberatória também consiste numa
declaração unilateral expressa mas com uma finalidade específica: obter a desoneração ou
liberação do cumprimento de certa obrigação que surge associada ao Direito Real; é a
chamada obrigação Real ou “Propter Rem”, cujo cumprimento está dependente da
conservação da própria coisa objecto do direito real (Ex: arts. 1411º e 1424º do CC). Nestas
obrigações o devedor é simultaneamente titular do direito real. Esta titularidade determina a
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
titularidade da obrigação não estando o sujeito obrigado pessoalmente, mas sim
realmente. Como regra o devedor não se pode desobrigar por vontade própria. No entanto
nestas obrigações libera-se desde que renuncie ao direito ao qual a prestação está
associada e desde que o beneficiário dessa renúncia seja o credor dessa obrigação. Ora,
no caso do art. 1411º do CC, acerca da compropriedade, a única forma de se desonerar é
através da renúncia. Logo, o outro proprietário beneficia já que o direito lhe é atribuído na
totalidade. No caso do art. 1472º, o usufrutuário que tem despesas de conservação e o
usufruto foi efectuado por 5 anos (art. 1444º), quando é necessário proceder às
reparações, o usufrutuário pode renunciar ao direito sendo que se a renúncia é abdicativa,
há a extinção do direito e o usufrutuário mantém-se obrigado a pagar as reparações já que
o proprietário não beneficia com a renúncia. Se a renúncia for liberatória a favor do
proprietário, o usufrutuário desonera-se advindo para o proprietário um benefício que é a
cessação do usufruto antes do tempo, embora este fosse temporário. Se o fundamento
reside na ideia de troca, o não cumprimento é lícito. Perante uma renúncia liberatória, o
credor está num estado de sujeição, sendo a renúncia potestativa.
2. Coisa:
Esta deve ser certa e determinada já que não são concebíveis direitos
sobre coisas que não existem ou que não estão definidas. O que pode existir são negócios
sobre coisas futuras e nunca direitos reais sobre coisas futuras. Isto não consubstancia
uma exigência legal, no máximo tratar-se-ão de Expectativas relativas as coisas futuras
que surgem em negócios sobre essas mesmas coisas. Estas são as expectativas reais no
sentido de que é eficaz e oponível a terceiros, prevalecendo sobre eventuais direitos de
terceiros. Ocorre independentemente da participação da vontade do adquirente. Por isso
se diz que a Expectativa adquire o direito de forma automática. Na prática direito real e
expectativa real possuem o mesmo regime.
Surge aqui o Princípio da Totalidade que nos diz que o Direito real
abrange necessariamente a totalidade da coisa. Há quem entenda (PEDRO GONÇAVES) que
abrange a coisa tal como ela aparece materialmente. Isto parece evidente quanto às coisas
móveis mas já não é tão evidente quanto às imóveis já que o acto que determina as fronteiras
da coisa imóvel é um acto de vontade, é feita por alguém efectuou.
Este princípio, levado à letra, tornaria impossível direitos reais sobre
partes de imóveis (Ex: na propriedade horizontal cada um é proprietário de uma fracção sendo
que a coisa é o edifício. Com este princípio tal não poderia suceder). Assim, o Princípio da
totalidade não pode ser entendido em termos meramente materiais, mas sim que,
independentemente da localização material do direito, a oneração recai sobre toda a coisa.
Um prédio pode, materialmente ter uma fracção sobre a qual assente uma servidão de
passagem mas, esse ónus não recaí apenas nessa parcela mas antes na coisa como um
todo, influenciando o valor da coisa. Em conclusão poder-se-á dizer que o Princípio da
totalidade só faz sentido aplicado aos direitos reais menores.
3. Facto Jurídico:
Este vai interferir com o conteúdo da relação jurídica. Esta matéria
radica numa Tipicidade Exemplificativa, isto é, a lei prevê e regula uma série de factos que
constituem, modificam ou extinguem direitos reais mas, admite que se utilizem factos atípicos
com os mesmos efeitos. Tanto se pode adquirir um direito real pela Compra/Venda como por
um Contrato de Troca (não é um contrato típico), com os mesmos efeitos. A enumeração dos
factos típicos é apenas exemplificativa. Vamos então distinguir:
i) Factos Constitutivos- podem ser de dois tipos:
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
a) Com Eficácia Genérica- servem para constituir, em
princípio, qualquer direito real. Dentro destes temos como mais importante, o Contrato. Isto
é assim porque entre nós adoptou-se, por força do art. 408º/1 do CC, o Princípio do
Consentimento segundo o qual, certos contratos têm aptidão, não apenas para produzir
efeitos obrigacionais, mas também efeitos reais. Certos contratos implicam
automaticamente a transmissão ou constituição de um direito real, apenas em virtude da
celebração do contrato. Este “apenas” é por comparação ao direito Alemão, aquele que
está mais contrário possível ao nosso. Ora, no Direito Alemão, quando A quer transmitir a
propriedade a B, que a quer adquirir primeiro é necessária uma venda com efeitos
obrigacionais (entrega da coisa, pagamento do preço e transmissão do direito). A
Compra/Venda não transmite por si o direito, apenas gera a obrigação de transmitir. De
seguida temos o negócio de transmissão (diferente da Compra/Venda). Por fim, sendo
imóveis, procede-se ao registo, sendo móveis à entrega da coisa. Porque o negócio de
transmissão é um acto abstracto, na prática é tacitamente realizado, já que, ao contrário
de nós, é o A que pede o registo permitindo implicitamente a transmissão. Trata-se de um
sistema que respeita a tradição histórica de que os contratos só produzem efeitos
obrigacionais. Ora, hoje em dia, colocar o Contrato como fonte das obrigações em Portugal
é um erro. No nosso sistema, basta a venda para transmitir ou constituir direitos, mesmo
que o contrato não tenha aptidão para o efeito. Isto implica que o momento determinante
aqui é o da celebração. O contrato considera-se celebrado, segundo o art. 232º do CC
quando as partes chegam a acordo quanto a todas as cláusulas. Isto acontece, para o
contrato que exija uma certa formalização escrita. Quando não necessita de formalidade
específica, seja contrato solene ou não, assim que está celebrado, os efeitos obrigacionais
e reais produzem-se imediatamente, independentemente das obrigações contratuais
serem cumpridas ou não.
Entre nós a obrigação de transmitir não existe já que a
transmissão é um efeito automático do contrato e, por isso é que o Contrato Promessa entre
nós faz sentido já que gera a obrigação de transmitir. Além disso, quer entregue a coisa e
quer pague ou não essa mesma coisa, o direito já se transmitiu. Pode é depois Resolver mas
enquanto não o fizer o B é proprietário. O nosso sistema tem a vantagem de facilitar a
transferência de direitos, sendo que o registo apenas assegura, confirma a transmissão de
direitos. Como desvantagens podemos apontar o facto de que o adquirente encaixa o risco de
desaparecimento ou diminuição do valor da coisa, no caso de não ter havido desde logo a
entrega da coisa. Tem ainda uma desvantagem objectiva eventual que é a facilidade de se
obter, sob a capa de uma certa clandestinidade, já que se B não regista, o imóvel, e se o A
não entrega imediatamente, juridicamente aconteceu a transferência da propriedade, mas
esse efeito não é facilmente cognoscível para o público em geral advindo daí situações de
dupla oneração e dupla venda. A prática social já é esta: é-se proprietário porque se comprou
o que não diz nada, já que comprar é apenas celebrar o contrato de Compra/Venda já que
não sabemos se quem vendeu era o proprietário. Tem que se ver a legitimidade de quem
aliena. Isto trás implicações, mesmo que a entrega não tenha sido feita, para o adquirente,
que possuí dois fundamentos para intentar acções: uma que decorre da celebração do
contrato; outra que decorre da titularidade já adquirida através da acção de reivindicação (art.
1311º do CC);
Esta regra do consentimento possuí desvios e excepções: há
casos em que a simples celebração do contrato não é suficiente para constituir ou transmitir o
direito. Significa que é necessário comprar e realizar mais alguma coisa. Então vamos ter:
Excepções- verificam-se quando, para além do
contrato, é necessário que se proceda à entrega da coisa para se adquirir o direito. Esta
entrega funciona como elemento do facto transmitido (Ex: o caso do Penhor).
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
As excepções, hoje em dia, têm pouca razão de ser face ao
Princípio do Consentimento. Basicamente temos, no que respeita às excepções, o caso do
Penhor, o caso das Doações de coisa móvel (quando não seja por documento escrito) e o
contrato de mútuo (empréstimo de coisas fungíveis).
Se no primeiro caso, a excepção tem justificação plena: é
que, o Penhor, é um direito real de garantia que incide sobre coisas móveis não registáveis
e, por isso, não existe um modo específico de o dar a conhecer. Daí que, a única forma de
assegurar alguma publicidade ao Penhor seja a entrega da coisa. Outra razão vai no
sentido de que no Penhor, em relação ao credor ou a terceiro, a constituição deste, nem
sempre implica uma excepção, dado que o essencial não é que a coisa seja entregue ao
credor, mas antes, que saia da posse da pessoa que dá em Penhor (desapossamento do
devedor).
Quanto aos outros dois casos, em rigor, não existe uma clara
justificação para serem uma excepção. No caso do Mútuo, só se pode entender que a
excepção se verifica quando, o consentimento do mútuo consista na entrega de dinheiro já
que, sendo assim, faz sentido porque, só no momento da entrega, fica concretizado o
objecto do contrato. No que respeita às Doações de coisa móvel, não se percebe a
justificação já que se diz que a entrega serve para consolidar a doação.
Desvios- verificam-se quando, para além do
contrato, se torna necessário a verificação de um outro facto que não consista na entrega
da coisa. Os desvios funcionam por exclusão em relação às excepções. Temos, desde
logo, os que constam do art. 408º do CC: negócios sobre coisas futuras; negócios sobre
coisas indeterminadas; sobre partes integrantes ou frutos naturais (estas últimas cabem no
conceito de coisa futura). O direito só se constitui quando a coisa futura se tornar presente
quando a coisa indeterminada passa a específica e quando as partes integrantes deixem de
ser integrantes.
Também há desvios quando à aquisição de um direito
seja necessário o registo (registo constitutivo). E ainda, tipicamente, um desvio na cláusula de
reserva de propriedade (art. 409º do CC). Porém, o art. 409º do CC permite que a
transferência da propriedade fique dependente de qualquer outro evento, o que dá, às partes,
a possibilidade, ao abrigo da liberdade contratual, estabelecerem outras cláusulas de eficácia.
É possível que se estabeleça que, a propriedade se transfira quando se procede à entrega da
coisa tendo assim aqui, uma excepção negocial. Assim, com este regime, a cláusula de
reserva de propriedade não tem qualquer especialidade sendo mera condição suspensiva, até
porque se entende que não é só a propriedade que pode ser reservada.
Esta distinção só se faz porque nos desvios também
não se exige a entrega da coisa para se adquirir, mas, ao mesmo tempo, não basta o
contrato. No caso da aquisição de uma fracção autónoma de um prédio que ainda não está
construído (é coisa futura). Este é um caso em que se tem de distinguir a celebração do
contrato do efeito real do contrato. A venda está feita, é válida só que, como não existe a
coisa, também não pode existir um direito de propriedade sobre essa coisa futura. Quando o
edifício estiver construído, a fracção deixa de ser coisa futura para ser coisa presente. Nesse
instante o comprador adquire a propriedade por transferência já que no mesmo instante em
que a coisa se torna presente ela é do vendedor e automaticamente do comprador. Aqui não
bastou o contrato, foi necessário que a coisa se transforma-se de futura em presente. Mesmo
que não se tivesse procedido imediatamente à entrega, a propriedade estava adquirida. Esta
entrega é meramente executiva, ou seja, é apenas para cumprir o contrato, com todas as
implicações que isto trás. Geralmente o método jurídico utilizado para adquirir uma fracção
autónoma em construção não é bem este. Faz-se apenas uma Promessa de Compra/Venda,
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
em que não existe uma transferência da propriedade quando a coisa se torna presente,
mas apenas quando há a realização da escritura pública de Compra/Venda.
No domínio da eficácia genérica, depois dos contratos,
vamos ver agora os Negócios Jurídicos Unilaterais. A opinião tradicional é de que estes só
se admitem quando estão previstos na lei. De todo o modo, mesmo com esta opinião, a lei
admite expressamente que os direitos reais de garantia sejam constituídos por negócios
jurídicos unilaterais. A verdade é que, há um princípio basilar do direito civil segundo o
qual não se pode obrigar ninguém a adquirir um direito. Aplicado a estes casos significa
que, o negócio unilateral, só por si, não constitui o direito real de garantia. É então
necessário que o beneficiário declare aceitar a constituição do direito. Isto implica que o
negócio constitutivo do direito real só pode ser registado provisoriamente, procedendo-se à
constituição em definitivo quando o credor beneficiário der a sua aceitação. Ao contrário,
em opinião mais recente, afirma-se que os negócios unilaterais só estão sujeitos a
“numerus clausus” quando seja um negócio em que resulte uma auto-vinculação, que
constitua obrigações contra o autor do negócio. Os negócios unilaterais que constituam
direitos reais a favor de terceiro, não dão origem a uma auto-vinculação. Daí que não haja
nenhum impedimento a que, por negócio unilateral, se constituam também direitos reais de
gozo e de aquisição. A justificação para isto resulta de se ter de abandonar o conceito de
relação jurídica absoluta.
No domínio da Expropriação por Utilidade Particular esta
verifica-se quando a lei atribui a um sujeito (particular) o poder potestativo de impor a
aquisição de um direito contra a vontade do seu legítimo titular, nomeadamente mediante
o pagamento de uma indemnização (art. 1310º do CC). Estas situações são muito
excepcionais, na medida em que, afastam um outro princípio básico do direito civil que é o
Princípio da Igualdade formal de todos os sujeitos, no sentido de que todos têm os
mesmos poderes e, apenas quando existam interesses superiores que admitam esta quebra
da igualdade (Ex: a constituição de Servidões Legais dos arts. 1550º do CC e segs., são
sempre situações em que o proprietário de um prédio se encontra numa situação de
necessidade que justifica a constituição das servidões, mesmo contra a vontade do
proprietário; constituição da comunhão, compropriedade, sobre muros ou paredes
pertencentes ao proprietário do prédio contíguo do art. 1370º).
Existem também os casos em que se permite a constituição das
Hipotecas legais e judiciais. A constituição das Hipotecas Legais são permitidas nos casos
previstos na lei, onde se permite ao credor impor uma hipoteca. No caso das Hipotecas
Judiciais estas são permitidas sempre que exista sentença condenatória da qual resulte a
obrigação, para o réu, de efectuar certa prestação pecuniária. O credor, com base nessa
sentença pode impor a constituição da hipoteca, ficando à sua escolha o imóvel sobre o qual
recaia a mesma.
A obrigação do pagamento da indemnização resulta do art.
1320º do CC. No caso da hipoteca, logicamente, não há lugar a indemnização .
b) Eficácia Específica- são factos relativos à propriedade ou
relativos às servidões ou ainda acerca do direito de retenção:
x- Quanto à propriedade vamos ter:
Ocupação- esta conduz à constituição do
direito de propriedade sobre coisas móveis sem dono (seja porque nunca tiveram ou foram
abandonadas- art. 1318º do CC). Implica que alguém coloque essa coisa móvel, sem dono,
sob o seu domínio de facto. Chama-se a isto apossamento (produz a aquisição da
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
propriedade). Para isto, basta a capacidade natural daí que, se conclua que, a ocupação é
um acto jurídico simples.
Apossamento - verifica-se quando alguém
se apossa (mas apossamento de uma coisa perdida ou escondida - o que significa que a
coisa tem dono). Daí decorre que o simples apossamento de coisa perdida ou escondida,
não é fundamento para adquirir a propriedade. É necessário que se siga determinado
processo (art. 1323º e 1324º do CC) que implica, depois do achamento, que aquele que
achou anuncie aquele achado ou comunique às autoridades. A partir daí, começa a contar
o prazo de um ano para que o legítimo proprietário reivindique a coisa. Se não o fizer, o
achador tem o direito de fazer sua a coisa achada. O achador tem aqui um direito real de
aquisição. Se exercer esse direito passa a proprietário. Se o achador não cumprir esse
processo, no máximo adquire posse formal. Eventualmente, essa posse pode conduzir à
aquisição da propriedade mas, por via de usucapião.
Acessão- esta pressupõe duas coisas que
não pertencem à mesma pessoa e que, essas coisas, se juntam de uma forma
indissociável (do ponto de vista económico), isto é, exige-se que a função dê origem a uma
coisa nova, que seja indivisível nos termos do art. 209º do CC. O problema que se coloca
na acessão é a atribuição da propriedade do todo e, por isso, também há acessão quando,
uma das coisas tem proprietário mas a outra não. O regime jurídico da acessão está
pensado para os casos em que as coisas pertencem a pessoas diferentes (art. 1325º do
CC). O art. 1326º do CC distingue as diferentes espécies de acessão.
Esta pode ser natural (quando resulta
apenas da intervenção da natureza) ou industrial (quando resulta da actuação do Homem).
Por sua vez, a acessão industrial distingue-se em mobiliária e imobiliária, consoante as
coisas que acedem sejam ambas móveis ou uma delas seja imóvel. No que respeita à
acessão natural, a lei prevê dois casos que, rigorosamente, não são de acessão: a aluvião,
do art. 1328º do CC, em que se verifica a transformação de um prédio em virtude da junção
da matéria que, inicialmente não estavam incorporadas, sendo certo que estas matérias não
são identificadas (Ex: terra, entulho, etc.). Precisamente por isso, chamar acessão é forçado
na medida em que a junção ocorre de uma maneira imperceptível; e a avulsão do art. 1329º
do CC que distingue-se porque a coisa móvel que se junta à coisa imóvel, permanece
identificável, mesmo depois da “junção”. Daí que, o legítimo proprietário dessa coisa móvel,
pode exigir que o proprietário da outra coisa a retire. Neste caso, existem duas coisas (uma
móvel e outra imóvel) mas falta, claramente, a incorporação.
Na acessão industrial, seja mobiliária, seja
imobiliária, o que se verifica é que, em virtude da actuação de um dos proprietários em
presença ou em virtude da actuação de um terceiro, duas coisas, inicialmente
individualizáveis, deixaram de o ser por causa desta actuação. Tratando-se de acessão
mobiliária, o conflito entre esses dois proprietários é resolvido através da assunção de duas
regras: por um lado, o princípio da boa-fé; por outro, o princípio do valor relativo das coisas
em presença. Isto vai significar que: em caso de má-fé de um dos proprietários, o outro tem o
direito de ficar com o todo, embora compensando o que está de má-fé pelo enriquecimento
sem causa. Em caso de boa-fé daquele que fez a função, o litígio resolve-se apenas pelo
valor relativo das coisas em presença, isto é, ficará com a totalidade, aquele que era
proprietário da coisa de maior valor, compensando o outro pelo valor da coisa adjunta.
Tratando-se de Acessão Imobiliária, além
destes dois princípios, surge um terceiro: “superfície solo cedit” (o que está à superfície
pertence ao proprietário do solo). Este princípio só em situações muito limitadas se aplica.
Basicamente só no caso previsto art. 1339º do CC quando o proprietário do solo faz a
construção em materiais alheios. Nos outros casos, voltámos a ter o problema da boa-fé.
Havendo boa-fé, o problema é de determinar a que vale mais ficando com o todo, aquele que
for proprietário da coisa com maior valor, compensando o outro pelo valor perdido. Havendo
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
má-fé (do que fez a recuperação), o proprietário do solo pode exigir a restituição do solo
ao estado inicial ou, se preferir adquirir, compensando-o àquele que fez a plantação, pelo
enriquecimento sem causa.
Especificação- verifica-se quando alguém
transforma, através do seu trabalho, uma coisa pertencente a outrem. Juridicamente o
trabalho não é uma coisa, pelo que não há junção de coisas (a lei trata este problema
através da acessão de coisa mobiliária). Feita a transformação, havendo boa-fé da pessoa
que produziu o trabalho, ficará com todo aquele que tiver empregado maior valor. Havendo
má-fé daquele que fez a transformação, o proprietário da coisa original pode pedir a
restituição da mesma (se possível) ou ficar com a coisa transformada, retribuindo ao outro
pelo enriquecimento sem causa.
y- Nas servidões vamos ter:
Destinação do pai de família- temos no art.
1549º do CC a ideia da transmutação automática de uma situação puramente factual em
jurídica. Pressupõe-se a existência de dois prédios ou de duas fracções do mesmo prédio
pertencentes à mesma pessoa. Como a servidão implica uma relação inter-predial, a
interligação entre dois prédios ou duas fracções já deve preexistir à constituição da
servidão; entre esses dois prédios ou duas fracções existe uma serventia ( pressupõe que
os dois prédios são do mesmo proprietário); que essa serventia se revela exteriormente
(os sinais visíveis do art. 1549º do CC); que os dois prédios ou fracções deixem de
pertencer ao mesmo dono e que, por último, o facto que origina a separação de
titularidades, não afaste expressamente a constituição da servidão. A servidão assim
constituída será legal se for por simples negócio jurídico. Se se pretende saber se a
servidão é coactiva, se poderia ser constituída unilateralmente (por sentença ou acto
administrativo) é legal. Se não, é voluntária.
Acto Administrativo- as servidões (legais)
podem ser constituídas por acto administrativo, por força do art. 1547º/2 do CC. Não se trata
aqui da de uma servidão imposta por acto administrativo, em virtude de qualquer utilidade
pública, mas antes de uma servidão de direito privado, por via de disposição especial que, na
falta de outro modo de constituição, pode ser unilateralmente imposta por acto administrativo.
Em casos como os do art. 1562º/2 ou do art. 1560º/3 do CC, a servidão pode constituir-se
mesmo “ex lege”. Ora, a servidão constituída por acto administrativo é legal, seguindo o
regime desta, nomeadamente quanto à extinção por desnecessidade do art. 1569º/3 do CC.
z- Direito de Retenção- o modo específico da sua
constituição é o Apossamento que é também único. Como se supõe que a coisa esteja em
poder daquele que se vai tornar retentor, esse apossamento opera por inversão do título da
posse (art. 1263º/d e 1265º/1ª parte do CC). Em certa medida esse apossamento é
igualmente necessário para a existência do direito de retenção, ou seja, o art. 761º do CC diz-
nos que a retenção se extingue pela “entrega da coisa”, pressupondo-se um desapossamento
voluntário. Temos ainda que, enquanto que o retentor puder recorrer à acção de restituição da
posse (arts. 759º/3, 670º/a e 1278º do CC), o seu direito não se extingue.
ii) Factos modificativos- a este nível podemos ter uma modificação
subjectiva ( quase todos podem sofrer este tipo de modificação), e uma modificação objectiva
que ocorre no conteúdo do próprio direito . Podem ser variados, pelo que vamos analisar
apenas dois:
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
a) Oneração do direito - já tinha ficado implícito que, sobre a
mesma coisa, podem incidir diversos direitos reais. Chama-se a este fenómeno a
“sobreposição de direitos” sendo que, esta sobreposição pode ocorrer de três modos:
x- Sobreposição hierárquica- quando, na colisão entre
direitos, há um que prevalece absolutamente sobre o outro, isto é, o exercício de um
excluí, necessariamente, o exercício do outro. Temos por exemplo a propriedade e o
usufruto sobre a mesma coisa, já que no âmbito do uso e fruição da coisa, prevalece
absolutamente o usufrutuário. O proprietário apenas pode exercer o poder de disposição.
y- Sobreposição prevalente ou preferente - verifica-se
quando um dos direitos prevalece sobre o outro mas, em termos de, eventualmente, ainda
ser possível o exercício do direito que seja preterido. Temos o exemplo de A ser
proprietário de X sendo que tem duas hipotecas, cada uma no valor de 50.000 contos
sendo que A não cumpre e que, procedendo-se à alienação de X, se resgatam 80.000
contos. A primeira hipoteca, porque primeiro registada, realiza-se na totalidade enquanto a
segunda apenas eventualmente. No caso anterior, se o usufrutuário obtiver rendimentos
muito superiores ao usufruto, o proprietário não possui qualquer direito.
z- Sobreposição Paralela- verifica-se quando os
direitos são iguais, qualitativamente. Todos podem ser exercidos ao mesmo tempo,
limitando-se reciprocamente pelo exercício. Temos como exemplo a contitularidade de
direitos reais, aqui usufruto simultâneo em que não é intuitivo que na compropriedade
existam vários direitos. Intuitivamente diz-se até que existe um só direito que é exercido
por várias pessoas. Do ponto de vista técnico-jurídico, existem tantos direitos como o
número de comproprietários e, como são todos iguais, podem ser exercidos todos ao mesmo
tempo.
A oneração verifica-se, nestas hipóteses de sobreposição,
quando o titular do direito deve suportar a concorrência de outro direito em termos
hierárquicos, prevalentes ou paralelos. Deve-se então aqui, saber como é que se
compatibiliza o direito onerado com o direito que se onera. A explicação clássica nesta
matéria, pelo menos em relação à propriedade, faz-se através do chamado Princípio do
Parcelamento ou Desmembramento que consta do CC francês mas que, entre nós já não é
assim. Quando se constitui um usufruto, os poderes de uso e fruição são transferidos para o
usufrutuário. Este tem uma aquisição derivada translativa.
Significa isto que, por um lado ambos são proprietários, só que
porque não têm todos os poderes de proprietário, designam-se por “proprietários imperfeitos”.
Se do ponto de vista teórico está tudo bem, do ponto de vista prático, existe aqui uma
implicação impossível que é o facto de que, quando o usufruto termina, tem que haver uma
retransmissão dos direitos do usufrutuário de novo para o proprietário. Portanto, tratando-se
de coisa imóvel será necessário efectuar uma escritura pública de retransmissão. Isto é um
absurdo já que se o usufruto pode terminar com a morte do usufrutuário, não sendo possível
retransmitir. Exactamente por esta consequência prática é que a perspectiva da própria lei se
modificou no sentido do Princípio da Elasticidade. Hoje, os direitos subjectivos, têm um
conteúdo variado que pode ser maior ou menor consoante existam ou não delimitações
externas ao exercício do direito. Daí decorre que quando existam limitações externas
decorrentes nomeadamente da concorrência de outros direitos reais, o conteúdo do direito
real pode ficar paralisado parcialmente ou, em situações extremas, totalmente paralisado até
que esse limite externo eventualmente desapareça. No caso do usufruto, quando A constitui o
usufruto, dá origem a um novo direito, e por isso, os poderes que estão contidos nesse
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
usufruto são poderes novos, que não existiam. Então o proprietário mantém o uso e
fruição mas não os podendo exercer já que esses mesmos direitos de uso e fruição estão
no usufrutuário e prevalecem. Os poderes do proprietário ficam suspensos o que implica
que a aquisição do usufruto seja derivada constitutiva e que o usufruto não é propriedade,
ou seja, é um direito menor e não maior. Por fim, e o essencial, quando o usufruto cessa,
não há retransmissão porque não houve sequer transmissão. Ele extingue-se
simplesmente (Ex: art. 1476º do CC para o usufruto e o art. 1569º do CC para as
servidões). É assim que se consegue justificar a consagração do Princípio da Elasticidade
na nossa lei. A vantagem teórica desta solução é a de que se permite enquadrar todas as
onerações e não apenas certas onerações da propriedade, como acontece com o Princípio
do Desdobramento ou Parcelamento. No CC Francês, só os direitos reais de gozo é que
são explicados pelo Princípio do Desdobramento, em relação à propriedade e nunca nas
relações entre si. Constituída a Hipoteca, o proprietário mantém o uso e a fruição, até
porque não há entrega ao credor. Exista à mesma uma oneração da propriedade nada
ficando desmembrado havendo, em concorrência o poder de disposição, sendo certo que,
a partir do momento em que os credores intentam a acção executiva, os poderes de
disposição do proprietário estão suspensos. Não se pode dizer aqui que o hipotecário é um
proprietário imperfeito já que ele nunca é proprietário: antes tem direito à entrega; depois
tem direito ao valor da coisa. É então pacífico em Portugal que é o Princípio da
Elasticidade que explica as sobreposições.
Parece que só se pode falar em desmembramento no que
respeita à constituição do Direito de Superfície, na medida em que existem dois direitos de
propriedade sobre partes da mesma coisa. O A é proprietário do solo e transfere a B o
direito de B construir e manter o que plantou. Juridicamente, o solo só por si não é uma
coisa. A coisa é o todo sendo que o prédio é o conjunto do solo com o direito de superfície.
Os direitos de propriedade não são paralelos sendo então que, nem sequer existe
sobreposição. Vai depender da qualificação que se der ao direito de superfície. Se fosse
direito de propriedade teríamos concerteza desmembramento.
iii) Factos Extintivos - vamos então ter:
a) Renúncia ao direito- esta pode ser Abdicativa ou Liberatória.
A Renúncia Abdicativa implica, regra geral, a extinção do direito e o único caso, mesmo assim
discutível em que não se verifica essa extinção, parece ser a Renúncia à propriedade de
imóveis já que, nos termos do art. 1345º do CC, essa renúncia implica a transmissão do
direito para o Estado. No que respeita à renúncia liberatória, o efeito real aqui ligado, pode ser
extintivo ou apenas transmissivo, dependendo de certas circunstâncias externas. A Renúncia
Liberatória supõe que exista uma relação de crédito em que o débito, a obrigação, está
incluída no conteúdo de um certo direito real. Exemplo disto é o usufruto, nos termos do art.
1472º do CC em que o usufrutuário tem que efectuar certas reparações e quem pode exigir a
realização dessas benfeitorias ou reparações, é o proprietário, o credor. Até aqui nada de
anormal se passa mas, e agora já de uma forma especial, em que a obrigação está incluída
no conteúdo do direito de usufruto, sendo devedor quem é usufrutuário. Determina-se assim,
indirectamente, o devedor. A renúncia liberatória consiste, justamente, na declaração do
devedor ligado ao direito real , pela força da qual ele pretende desonerar-se, desvincular-se
da obrigação, atribuindo ao credor a vantagem decorrente da sua renúncia. Para se perceber
isto temos que distinguir o efeito obrigacional do efeito real. O efeito imediato da renúncia
liberatória é a desvinculação da obrigação. Este efeito produz-se apenas, em regra, por
declaração de vontade do devedor tratando-se de um caso extraordinário em que este se
pode desvincular unilateralmente. Isto é a regra que, praticamente só tem a excepção contida
no art. 1411º/2 do CC, nos casos de compropriedade em que sobre a mesma coisa existem
direitos iguais, neste caso propriedades. O 1411º do CC impõe a cada um dos
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
comproprietários a obrigação de contribuir para a conservação da coisa comum.
Simultaneamente, cada um é credor e devedor. Neste caso, por regra, se um dos
proprietários renuncia liberatoriamente, desvincula-se daquela obrigação do art. 1411º do
CC. No entanto, se a despesa já estava aprovada por aquele que agora pretende
renunciar, a renúncia só o desvincula da obrigação se o outro ou outros comproprietários,
consentirem na desvinculação. Esta é a excepção. A par do efeito obrigacional, existe um
efeito real. Então, quando o devedor renuncia ao direito, tem em vista a desvinculação
mas, essa desvinculação obtém-se mediante uma troca: aquele que renuncia não cumpre
a obrigação mas oferece o benefício da renúncia ao credor. Esse benefício é que pode
consistir na extinção do direito ou na sua transmissão. Implica a extinção de um direito real
quando seja uma sobreposição de direitos (Ex: usufruto/propriedade, compropriedade).
Implica transmissão em todos os outros casos. O exemplo tradicional, que é o único que
vem expressamente previsto na lei, consta do art. 1567º/4 do CC. Existindo dois prédios
contíguos, com proprietários diferentes em que um deles tem uma servidão de passagem
sobre o prédio vizinho sendo que o outro proprietário está com o seu direito de
propriedade onerado. Em geral, as reparações na passagem ficam a cargo de quem
beneficia da passagem. No entanto, este artigo que se referiu, admite que o proprietário do
prédio serviente, por negócio jurídico, aceite ficar obrigado pelas tais reparações, apesar
desta situação não ser normal. Neste caso, há uma obrigação por parte do proprietário do
prédio serviente que faz parte do conteúdo do seu direito e, por isso, ele só se pode
desvincular unilateralmente dessa obrigação se renunciar ao seu direito. Trata-se aqui de
uma possibilidade que a lei abre com vista à desvinculação. Com o intuito de evitar que
esta situação seja demasiado gravosa, a lei permite que a renúncia só incida sobre a parte
do prédio que resulta onerada. A eventual separação depende até do tipo de servidão.
Neste caso, a renúncia não implica a extinção mas, apenas, a desvinculação da obrigação.
Quanto à propriedade a que se renuncia, no máximo pode-se considerar que esta renúncia
a favor do credor, configura, aproximadamente, uma proposta de transmissão ao credor. Se o
credor aceita, efectua-se a transmissão sendo que este credor fica proprietário, nem que seja
somente na parte onerada pela servidão, extinguido-se a servidão ou, se o credor não aceita,
a propriedade continua com quem era devedor mas nunca a seu favor. Em todo o caso o
devedor desvinculou-se da obrigação. Aqui distingue-se claramente o efeito real do efeito
obrigacional. Obtém-se a extinção da obrigação, independentemente do destino do direito a
que se renunciou. Aqui a aceitação do credor só tem relevância quanto ao efeito real e nunca
em relação ao efeito obrigacional. Este regime é o único que está expressamente previsto na
lei, mas entende-se que é extensível a todos os casos em que exista tal obrigação real desde
que o caso não seja de sobreposição de direitos. Nestes casos, a renúncia liberatória não é
facto extintivo mas apenas modificativo.
b) Não Uso- corresponde ao não exercício do direito real,
normalmente desde que esse não exercício se prolongue durante um determinado lapso de
tempo. A razão da exigência do prazo vai no sentido de que se tenha a certeza de que a
pessoa titular do direito, não a quer. A ideia vai no sentido de que um não uso ocasional não
leve à extinção do direito. No art. 298º/3 só os chamados direitos reais de gozo é que se
podem extinguir pelo não uso. Mas nem todos: o direito real de habitação periódica não está
aqui previsto. É fácil explicar porque não está previsto já que este direito aparece na década
de 80 e o CC é bastante anterior. De qualquer modo, entende-se que a enumeração do art.
298º/3 do CC é uma enumeração taxativa. Este artigo apenas prevê a possibilidade de os
direitos reais aí previstos se extinguirem pelo não uso, sendo apenas uma hipótese. É
necessário, para que o não uso seja um facto extintivo que, exista uma norma que, em
relação a cada um destes direitos, estabeleça concretamente requisitos para a extinção pelo
não uso. Estas normas existem em relação ao usufruto (art. 1476º/1/c), ao direito de
superfície (art. 1536º/1/a e b) e às servidões prediais (art. 1569º/1/b). Ao invés, em relação ao
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
direito de propriedade, não há qualquer norma que estabeleça a extinção pelo não uso
salvo um caso muito particular que é o previsto no art. 1397º que, além de ser um caso
particular, permite que o não uso, tenha efeito extintivo independentemente de decorrer o
tal prazo sem exercício. Se para a propriedade são 20 anos, para o usufruto são 10 anos,
para o caso em apreço tem que se encontrar um prazo, com recurso ao critério do
julgador.
Em qualquer caso, o não uso tem o efeito extintivo produzido
automaticamente, ou seja, assim que o prazo de não uso tiver precludido,
automaticamente, o direito em causa extingue-se, não dependendo de sentença nem de
declaração de vontade. Além disso, o prazo, quando haja, corre sem interrupções ou
suspensões sendo indiferente a razão pela qual não se usou. Apenas por comparação
com os direitos reais de garantia e aquisição podemos dizer que estes, como a lei não
permite o não uso, extinguem-se pelo não exercício, se ele configurar um caso de
prescrição. Temos então, pelo menos, duas diferenças: a primeira vai no sentido de que os
prazos de prescrição podem ser interrompidos ou suspensos; a segunda, em que a
prescrição só tem efeitos extintivos se for invocada, dependendo então da declaração de
vontade da pessoa que beneficia dessa prescrição.
c) Consolidação- é um fenómeno parecido ao da confusão do
Direito das Obrigações. Verifica-se quando se junta, na mesma pessoa, a titularidade de
dois direitos que anteriormente estavam sobrepostos sobre a mesma coisa. Exemplo disto
é quando o usufrutuário adquire a propriedade ou quando o proprietário do prédio
dominante adquire a propriedade do prédio serviente. Nestes casos, como se junta na
mesma pessoa dois direitos sobre a mesma coisa, um deles, por norma o menor, extingue-
se. A consolidação baseia-se na ideia de que os poderes contidos no direito menor
também existem quanto ao direito maior. Por isso, não faz sentido que permaneçam
ambos, já que são da mesma pessoa sendo iguais. Estes efeitos da consolidação, dariam que
a extinção do direito menor não afecte terceiros sob pena dessa extinção não se produzir,
mantendo-se na mesma pessoa ambos os direitos. Há diversas hipóteses sendo uma delas a
situação prevista no art. 699º do CC, a propósito da hipoteca. Nos termos do art. 688º/1/e é
possível que o usufrutuário constitua hipoteca sobre o seu usufruto, sem atingir a propriedade
de raiz. Significa isto que, extinguindo-se o usufruto, se extingue a hipoteca. Porém, se a
extinção do usufruto se verificar por força de um facto que o credor não podia esperar (Ex:
renuncia, consolidação), a hipoteca mantém-se como se não tivesse produzido o facto
extintivo do usufruto (art.699º/3 do CC). Se o caso for de Consolidação, como a hipoteca se
mantém sobre o usufruto, até à verificação do facto que, normalmente, teria produzido a
extinção (Ex: morte do usufrutuário), o proprietário fica, simultaneamente, proprietário e
usufrutuário na medida em que isto é exigido para protecção do credor hipotecário. Este
usufruto só irá extinguir-se pelo facto que normalmente se extinguiria ou então pela extinção
da hipoteca, dado que a extinção do usufruto assim o justifica. De qualquer maneira, a
consolidação não é um necessidade lógica. É uma regra que admite diversas reacções. À
primeira vista, onde parece que não se admitem mesmo excepções, é em matéria de
Servidões Prediais, na medida em que aí, o art. 1543º do CC exige, para a constituição da
servidão, que os prédios pertençam a donos diferentes e, por outro lado, o art. 1569º/1/a que
declara expressamente que as servidões se extinguem pela reunião na mesma pessoa a
propriedade dos dois prédios. Só aqui parece que a consolidação é uma consequência
necessária, automática da reunião na mesma pessoa dos dois prédios.
d) Expropriação por utilidade pública- consiste num acto
administrativo que, fundado em razões de ordem pública, permite à entidade que beneficia da
expropriação, impor a um particular a constituição de um direito real. Pode ser a propriedade
ou até mesmo um direito menor. Existe, por um lado uma aquisição, mas com o
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
estabelecimento de uma compensação. Apesar de não existir um contrato, existe aqui um
verdadeiro sinalagma já que o expropriado não tem que entregar a coisa enquanto não for
compensado. Estamos a ver isto do lado do particular. Rigorosamente, a expropriação só
por si não implica a extinção dos direitos que existissem sobre a coisa expropriada, dado
que é preciso averiguar se o beneficiário da expropriação dá à coisa a utilização que
motivou a expropriação, e por isso, o expropriado mantém o direito de readquirir a coisa
se, dentro de certos prazos, o beneficiário da expropriação não deu à coisa a referida
utilização. Existe aqui o Direito de Reversão.
Como consequências para o particular temos que, enquanto
for possível, o expropriado pode obter a Reversão já que o direito que o expropriado tinha
antes da expropriação, mantém-se, embora suspenso, enquanto a Reversão for possível.
Só quando esgotarem os prazos para exercer o direito de reversão é que se produz a
extinção do direito de propriedade ou outro que o expropriado tinha.
e) Condição e Termo- a regra é a de que todos os direitos
reais podem ser objecto de condição ou termo. Como excepção vamos ter a propriedade
do art. 1307º/2 do CC em que se restringe a admissibilidade da propriedade sob termo
resolutivo aos casos previstos na lei. Os caso previstos serão dois embora sejam
discutíveis:
x- Substituição Fideicomissária- Implica que o A, por
testamento ou doação, designando previamente que C é que irá receber o bem. Aqui B é
fiduciário, não se utilizando as regras normais da sucessão. O fideicomissário adquire o
direito que, em vez de continuar na titularidade dos seus sucessores legítimos, vai, após a
sua morte, na titularidade de outra pessoa que não sucessor do B mas sim do A. Numa
outra perspectiva, poder-se-á dizer que a propriedade das pessoas singulares é sempre a
termo, já que todos morremos. Mas, juridicamente, considera-se que os herdeiros continuam
o autor da sucessão. Exemplo disto é o disposto no art. 1255º do CC acerca da sucessão na
posse. Nesta perspectiva, a propriedade é perpétua, seguindo a linha normal da sucessão.
Tendo também em conta o disposto no art. 62º da CRP, a substituição fideicomissária é uma
excepção a isto já que quem vai continuar não é a partir de B mas antes de A. A propriedade
de B é um “facto acessório” à linha da sucessão. Ficou assim demonstrado o carácter
temporário.
Falta agora é demonstrar que o fiduciário é proprietário.
Pelo art. 2291º do CC, o fiduciário só pode usar, fruir e, excepcionalmente, dispor (alienar ou
onerar). O poder de dispor é aqui quase inexistente sendo que alguns defendem que o
fiduciário não é proprietário. Diremos então nós que só pode ser usufrutuário. Mas se é
usufrutuário tem poderes a mais. Como solução será de adoptar a menos má, ou seja, é
proprietário, embora com poderes muito limitados. Exemplo disto é o caso de um proprietário
privado de um Monumento Nacional que, sendo proprietário, não pode dispor. Tem então
propriedade temporária do ponto de vista subjectivo.
y- Direito de Superfície- consiste em manter uma
construção ou plantação em solo alheio. É indiscutível do solo é mesmo proprietário. O
problema coloca-se em relação ao superficiário. Tem-se entendido que o direito que este tem
sobre a construção é um direito pleno, podendo dele dispor jurídica e materialmente. Assim só
pode, com esta amplitude, ser proprietário. Acontece porém, que o direito de superfície pode
ser constituído com ou sem prazo. Se for sem prazo, a propriedade é perpétua. Se for com
prazo, de longe o caso mais frequente, no termo do prazo, o direito de superfície extingue-se.
Sendo assim, nestes casos a propriedade é temporária.
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
f) “Usucapio libertatis”- encontra-se prevista no art.1574º do
CC e supõe que o titular de um direito onerado com outro direito, se oponha ao exercício
desse direito que onera. Uma vez que esta oneração constitui um facto ilícito, na medida
em que ofende um direito, exige-se que o titular do direito contra quem se faz a oposição
se abstenha de reagir. Supõe-se uma inércia, sabendo que essa inércia prolongada
durante um determinado período de tempo, corresponde ao período de tempo que a lei
exige para efeitos de usucapião. Somente no fim desse prazo é que se pode obter a
extinção do direito contra o qual se fez o limite. Com isto, a situação típica, porque é
aquela que aparece prevista, é a situação do art. 1574º do CC que prevê a situação de
“usucapio libertatis” para extinguir uma servidão predial. Vamos supor que A, proprietário
de um prédio dominante, tem uma servidão de passagem sobre o prédio B. O proprietário
do prédio B está onerado com aquela servidão. A usucapio libertatis supõe, antes de mais
nada, que o proprietário do prédio serviente, impeça o exercício do direito de passagem,
no sentido material, ou seja, crie obstáculos de qualquer modo. Esta actuação constitui um
ofensa ao direito de servidão e é ilícita sendo que o proprietário do prédio dominante pode
reagir judicialmente contra o adquirente. Se, todavia não reagir, pode-se obter a extinção
da servidão se essa inércia perdurar durante determinado tempo. O art. 1574º do CC não
diz propriamente qual é o tempo mas, a usucapio libertatis constitui de certa forma, uma
modalidade de usucapião, embora com um efeito diverso. A usucapião tem em vista a
aquisição de um direito enquanto a “usucapio libertatis” tem em vista a extinção de um
direito. Mas, na usucapião a aquisição do direito implica a extinção de direitos
incompatíveis que existam sobre as mesmas coisas. Neste sentido, a usucapião também é
“usucapio libertatis”, também liberta e daí a analogia. Aliás, no art. 1569º/1/c do CC a lei
tentou admitir a “usucapio libertatis” pela positiva, ou seja, tentou equipará-la à usucapião,
definindo a primeira como uma aquisição por usucapião da liberdade do prédio. Nesta
situação tentou-se equiparar integralmente a “usucapio libertatis” à usucapião. Esta
equiparação é meramente literal porque a usucapião serve para adquirir direitos e, a liberdade
dos prédios não é um direito, é apenas a consequência do desaparecimento de um ónus e
não um direito subjectivo. Tem-se entendido que a “usucapio libertatis” pode ser aplicada à
extinção de outros direitos reais que constituam uma oneração. Se o proprietário se opõe ao
exercício do usufruto e o usufrutuário não reage, o proprietário conseguirá a extinção do
usufruto por “usucapio libertatis” se decorrer um dos prazos da usucapião (variam consoante
certas circunstâncias), aqui os do art. 1294º e segs. do CC.
Tanto na usucapião, como no não uso verifica-se uma inércia
por parte do titular do direito mas, por exclusão de partes, já que há “usucapião libertais”,
quando a inércia do titular do direito é provocada pela oposição da pessoa onerada com esse
direito. À não uso quando a razão da inércia for outra qualquer. Uma segunda diferença está
relacionada com o momento da extinção já que no não uso esta opera automaticamente
assim que se verifica o prazo. Na “usucapio libertatis”, como constitui uma modalidade de
usucapião, somente produz o seu efeito extintivo se for provocada pela pessoa a quem
beneficia (art. 1292º do CC que remete para o art. 303º do CC). Uma última diferença está em
que no não uso, restringe-se aos direitos reais de gozo enumerados no art. 298º/3 do CC
enquanto que a “usucapio libertatis” é aplicável a todos os direitos reais que impliquem o
exercício de poderes de natureza material sobre uma coisa (posse). Abrange aqui os direitos
reais de gozo e certos direitos reais de garantia (Penhor, Consignação de rendimentos e o
Direito de Retenção).
g) Desaparecimento da coisa- sendo o direito real um relação
jurídica entre uma pessoa e uma coisa, o desaparecimento dessa coisa implica o
desaparecimento do direito real e a extinção do mesmo. Trata-se de uma consequência lógica
que nem sequer precisa de vir prevista na lei. Por desaparecimento entende-se tanto a
destruição física ou material como a inutilização para a finalidade que levou à constituição do
26
Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
direito. Acontece que, em certas circunstâncias, a lei permite a sobrevivência do direito
real apesar do seu desaparecimento desde que a própria lei imponha ou, pelo menos
permita, a substituição do objecto, a chamada subrogação predial. Os exemplos típicos
são as dos arts. 1478º/2 e 1482º do CC, relacionada com o usufruto, e que pode implicar a
extinção. O art. 1480º/2 do CC em que ocorre uma Expropriação por Utilidade Pública que
implica a perda da propriedade mas tem direito à justa indemnização. Eventualmente,
sobre a coisa expropriada existia um usufruto sendo que o usufrutuário tem direito a
usufruir da indemnização. A ideia é a de que o usufruto transfere-se para a indemnização.
Pode-se falar, de certa maneira, da sobrevivência do direito ao facto extintivo. Do ponto de
vista jurídico tem-se entendido que não se pode sustentar, rigorosamente, a manutenção
do direito já que o direito subjectivo não é uma entidade abstracta, com um conteúdo que
for possível na situação concreta, ou seja, o proprietário de uma caneta tem um direito da
mesma natureza que o proprietário de um terreno. Mas, o conteúdo concreto destas
propriedades não é o mesmo, na medida em que, sobre o proprietário do terreno existem
muito mais limitações legais do que sobre o proprietário da caneta. Então, o conteúdo do
direito é sempre definido no caso concreto. Ora, aqui não se pode dizer que os poderes do
usufrutuário sejam iguais, independentemente do seu direito incidir sobre o terreno ou
sobre a indemnização obtida pela expropriação do terreno. Em relação à indemnização o
poder de utilização nem sequer se coloca já que o usufrutuário não pode utilizar o dinheiro
que foi atribuído ao proprietário. No máximo ele terá direito aos rendimentos que essa
indemnização possa dar. Por outro lado, o poder de fruição não é o mesmo que existia
antes já que o poder de fruição sobre o terreno pode ser exercido directamente, pelo
menos quando há frutos naturais. A fruição dos juros do montante em dinheiro pressupõe
a colaboração de alguém, por exemplo um banco. O usufruto aqui, apesar de assim ser
denominado, não é um direito real, já que não existe um poder autónomo, uma utilização
autónoma, passando a ser direito de crédito. Só esta mudança do tipo do direito implica
que não haja uma sobrevivência do direito. Rigorosamente, com o desaparecimento da coisa,
extinguiu-se o direito real de usufruto e constituiu-se um novo usufruto que tem uma natureza
de direito de crédito. Isto é assim em todos os casos de subrogação real, substituição do
objecto, razão pela qual implica sempre a extinção do direito. No máximo, a sub-rogação real
dá origem a um novo direito, que pode ser real ou não.
4. Conteúdo do Direito Real:
O primeiro aspecto a apontar e, de certo modo mais importante, situa-
se em que a lei optou por limitar a Autonomia Privada no que respeita à constituição de
direitos reais não permitindo, por um lado, que se constituam direitos reais não previstos na lei
e, por outro, não permitindo que se altere por negócio jurídico o conteúdo dos direitos reais
previstos. Esta regra encontra-se prevista no art. 1306º/1 do CC sendo aqui apontado
normalmente o Princípio da Tipicidade taxativa. Este artigo distingue desde logo as restrições
à propriedade das figuras parcelares dessa mesma propriedade. Existem diversos
entendimentos para esta distinção sendo que nós defendemos que as restrições são aquelas
situações, de origem negocial, que implicam uma proibição de agir imposta ao proprietário
sem que daí resulte a atribuição de um direito real a favor de terceiro. As figuras parcelares
são situações em que a atribuição ou o reconhecimento de um direito real a favor de terceiro
implica uma limitação para o proprietário. Por conseguinte, em ambas as situações, impõe-se
um limite ao proprietário mas, só nas figuras parcelares resulta do reconhecimento de um
direito real a terceiro. O exemplo é o de sempre: A é titular de um terreno onde existe um
prédio qualquer; B é proprietário de um terreno contíguo. Em virtude de B não ter nenhuma
construção, o A beneficia de determinadas vistas. O que é que isto pode dar? Se o B não
constrói porque não quer, o A tem vistas mas, por mero acaso; Se B não constrói porque a lei
não lhe permite (Ex: PDM), o mesmo B sofre uma limitação no seu direito de propriedade
mas, dessa restrição não resulta um direito para o A; Se o B não constrói porque consentiu na
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
constituição de uma Servidão de Vistas a favor de A, o B não pode construir porque iria
retirar as vistas ao A e o respeito pela servidão implica a proibição de construir. Neste
último caso o B sofre a mesma limitação de não poder construir mas por causa de um
direito que outra pessoa tem, direito esse que não é compatível com qualquer construção.
Neste último caso temos uma figura parcelar já que existe um direito para o proprietário de
cuja existência resulta uma limitação do direito de propriedade do outro.
A afirmação, segundo a qual não se podem constituir direitos reais
diferentes dos previstos, resulta do facto do art. 1306º/1 do CC proibir a constituição de
figuras parcelares fora dos casos previstos na lei. Uma vez que, tanto num caso como
noutro, só se podem constituir restrições ou figuras parcelares se estiverem previstas, isto
implica que a enumeração real é uma enumeração taxativa. A utilização da expressão
enumeração taxativa e não, como é mais frequente, a de tipicidade taxativa, porque,
embora esta última seja uma expressão consagrada em todo o ordenamento, de facto, de
tipicidade em sentido próprio não se pode falar aqui. A tipicidade é o conjunto dos tipos.
Hoje em dia o tipo não é só uma designação tendo conteúdo próprio e, para estarmos
perante um tipo, é necessário que o método seja um método aproximativo, isto é, um
método que funcione por comparação como por exemplo no caso da distinção entre acto
jurídico e negócio jurídico. Esta é feita por aproximação já que há factos jurídicos que
estão mais perto dos negócios jurídicos e outros que estão mais perto dos actos jurídicos e
só por comparação é que isto se estabelece. Talvez o único negócio jurídico puro seja o
Testamento, onde há maior autonomia da vontade. Então, por comparação, a Compra e
Venda é menos negócio jurídico que o Testamento mas o Contrato de Adesão é menos
negócio ainda que a Compra e Venda. Quanto a este último, quase não é negócio jurídico
já que apenas tem a liberdade de celebração intacta. Ora, este método utilizado nesta
distinção, por força do art. 1306º do CC, não está autorizado nos direitos reais porque por
exemplo, no art. 1439º do CC em que se define o usufruto, e que diz que, quando as
partes constituem um usufruto ele só existe verdadeiramente quando, aquele que foi
constituído no caso concreto, integrar totalmente na definição do art. 1439º do CC, não
havendo aqui aproximações possíveis, ou seja, ou cabe integralmente ou não cabe e não há a
possibilidade de dizer que certos direitos não correspondendo integralmente ao tipo, está
perto. Por conseguinte, pelo menos para os direitos reais menores, não se pode falar
propriamente de tipo mas apenas de conceito ou classe já que existe uma classificação de
direitos reais menores. O direito constituído em concreto, para ser real, tem de caber
inteiramente na classificação (classe) que a lei fez, não havendo qualquer possibilidade de
funcionar em termos comparativos. Pelo menos para os direitos reais menores o método é
subjuntivo. Está aqui em causa, sobretudo, uma questão de segurança.
Para além de ser uma enumeração taxativa, diz-se frequentemente que
esta enumeração taxativa é Aberta. As partes podem, desde que a lei permita, alterar,
modificar, o conteúdo normal do direito real desde que não se alterem as suas características
básicas. Por exemplo, as características básicas do usufruto estão descritas no art. 1439º do
CC mas, o art. 1445º do CC permite que, no acto de constituição, o proprietário e o
usufrutuário estabeleçam os direitos e obrigações atendendo apenas à sua vontade e
afastando por isso o regime legal do art. 1446º e segs. Sendo que não alterem a essência do
direito. Isto implica alguma abertura da lei à intervenção das partes, designadamente por
comparação com aquelas situações em que a lei definiu inteiramente todos os aspectos de
um direito. O Direito Penal possui uma enumeração taxativa dos crimes só que as
circunstâncias atenuantes ou agravantes não ficam na disponibilidade do juiz. Estas são
também taxativamente enumeradas pela lei. Por isso, no caso da tipicidade criminal, esta é
tipicidade fechada. Nos direitos reais é tipicidade mas aberta já que permite esta intervenção,
ainda que limitada, das partes como no art. 1445º do CC.
Apesar de a lei fazer uma enumeração taxativa dos direitos reais, essa
enumeração é meramente formal. A lei não qualificou os direitos que considerava reais. O
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
único caso em que houve uma qualificação expressa que nem sequer está previsto no
Código, é o Direito Real de Habitação Periódica. Mas, porque em geral não há uma
qualificação expressa, no fundo, a enumeração dos direitos reais depende do critério que
se utilize para qualificar um direito como real. Desde que esteja previsto na lei um certo
direito, ele pode ser real desde que o critério utilizado permita essa qualificação. Com o
critério que é utilizado pelo Prof. MENEZES CORDEIRO, o direito do comodatário, ou seja,
aquele que recebeu uma coisa emprestada, ou o direito do locatário são ambos direitos
reais. Neste último caso é uma opinião contrário à quase unanimidade da doutrina e
jurisprudência mas, o critério utilizado é um critério legítimo já que a lei não fixou esse
mesmo critério. A enumeração legal pode ser maior ou menor consoante o critério utilizado
e daí que a enumeração seja formal. Teoricamente podem existir direitos reais desde que
exista um qualquer direito sobre uma coisa.
Da violação desta enumeração vão surgir consequência que vão
divergir conforme estejamos perante restrições ou figuras parcelares. Quando se pretende
a constituição, por negócio jurídico, de uma restrição não prevista na lei, o negócio em
causa é nulo por violação de norma imperativa, neste caso o art. 1306º do CC. No entanto,
o próprio art. 1306º do CC estabelece as consequências dessa nulidade. Em princípio, tal
restrição passa automaticamente a ter valor e eficácia obrigacional (vincula apenas as
partes). Por exemplo, na Compropriedade admite-se que as partes estabeleçam a
indivisão da coisa comum durante o prazo máximo de 5 anos (art. 1412º/2 do CC) mas, se
no caso concreto as partes estabelecerem um prazo superior, a cláusula é nula mas, no
excedente do máximo permitido, terá valor obrigacional.
Ao invés, tratando-se de um caso em que, por negócio jurídico, se
pretende constituir uma figura parcelar não prevista, a consequência imediata é de novo a
nulidade, pela violação de norma imperativa mas a lei já não impõe o aproveitamento
desse negócio. Aqui, no máximo, será admissível o funcionamento da redução ou
conversão (arts. 292º e 293º do CC) sendo que no caso de conversão, o negócio também
poderá ter eficácia obrigacional. Trata-se aqui de uma mera possibilidade e desde que se
respeitem os requisitos. O exemplo aqui é o de A, proprietário, que constitui um usufruto a
favor de B sendo que, no acto de constituição, o A permite que, se B quiser, poderá construir
uma garagem no terreno. É evidente que, do ponto de vista contratual não há qualquer
problema que isto aconteça. Só que, do ponto de vista real, o art. 1439º do CC impõe ao
usufrutuário o respeito pela forma e substância da coisa usufruída não podendo alterar a
estrutura ou capacidade produtiva da coisa. No caso concreto, o direito de B não corresponde
inteiramente ao modelo do art. 1439º do CC. Como não corresponde, já não pode ser direito
real de usufruto e o negócio de constituição tem que ser considerado nulo. No entanto, se os
requisitos do art. 293º do CC estiverem verificados, este negócio pode passar a ter eficácia
obrigacional embora B não tenha um direito de usufruto tendo algo próximo disso. Não é
usufruto nem tem Oponibilidade perante terceiros podendo apenas ser invocado perante A.
Quanto ao conteúdo do direito real este pode ser positivo ou negativo.
Será negativo quanto ao conjunto de deveres ou limitações impostas ao titular do direito
nessa qualidade. Será positivo o conjunto de poderes atribuídos. Quanto então ao conteúdo
positivo vamos ver segundo o tipo de direitos reais. Nos direitos reais de gozo este conteúdo é
fundamentalmente composto pelos poderes de uso, fruição e disposição. A propriedade
engloba estes três poderes enquanto que o usufruto engloba apenas o uso e fruição e por
último a servidão que se refere apenas ao uso. Isto depende sempre do direito em concreto.
Nos direitos reais de garantia, basicamente temos, como conteúdo positivo o poder
potestativo de promover à venda (alienação) judicial da coisa objecto da garantia. Pelo menos
na Consignação de Rendimentos o poder principal é o de fruição. Nos direitos reais de
aquisição, temos o poder potestativo através do qual se impõe a aquisição de um direito real.
Provavelmente, de entre todos os direitos reais estes são os mais numerosos. Por isso vamos
29
Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
ver duas espécies principais que têm uma aplicação mais genérica. São os casos do
direito de preferência e das promessas com eficácia real. As preferências podem ser
também de duas espécies: legais e convencionais sendo que estas últimas podem ter
eficácia real ou meramente obrigacional. As preferências convencionais com eficácia
obrigacional não atribuem um direito real de aquisição porque valem apenas entre as
partes. Ao contrário, as preferências legais e as convencionais com eficácia real atribuem
ao preferente, a partir de uma certa fase, um direito real de aquisição o qual se exerce
através da Acção de Preferência. Tanto nas preferências legais como as convencionais
com eficácia real atribuem ao preferente, inicialmente, um direito de crédito, ou seja, o
direito de exigir que o obrigado à preferência lhe comunique o projecto de alienação (art.
416º/1 do CC). Deve indicar os elementos essenciais do negócio que projecta realizar.
Feita a comunicação, o preferente fica com o poder potestativo de aceitar ou rejeitar a
proposta que se entende estar contida na comunicação (art. 416º/2 do CC). Se o obrigado
à preferência não comunicar ou comunicar imperfeitamente ou não esperar pelo termo do
prazo para aceitação, ocorre uma violação dessa preferência a qual, se houver danos,
serão indemnizáveis pela Responsabilidade Civil. Mas, se nestas mesmas situações, o
obrigado alienar a coisa objecto da preferência a terceiro, há violação da preferência que
não pode ser solucionada em termos obrigacionais. Constitui-se então, a favor do
preferente, um direito real de aquisição que lhe permite obter o direito para o qual tem
preferência através da Acção de Preferência, a qual se encontra prevista apenas para o
caso dos comproprietários no art. 1410º do CC mas que se entende ser extensível às
demais preferências, embora com as devidas alterações. O mecanismo desta acção atribui
ao preferente o direito para o qual tinha preferência através da Sub-rogação Pessoal, ou
seja, a sentença da acção de preferência provoca a substituição do adquirente com quem
o obrigado à preferência celebrou o negócio. Por exemplo, o A é o senhorio e o B
arrendatário tendo por isso preferência legal em certas circunstâncias na venda do imóvel
arrendado. Por isso antes de vender, o A tem de comunicar a B o projecto de venda para este
ter a possibilidade de preferir. Se não o fizer, ou o fizer irregularmente, a venda a terceiro (C)
é válida apesar de ofender a preferência de B, podendo o B recorrer à Acção de Preferência.
Se conseguir provar que o seu direito existe, nos termos do art. 1410º do CC, o B obtém
sentença que, juridicamente, vai provocar a mudança da pessoa do comprador. O preferente
não adquire através de sentença já que esta não é um título de aquisição, mas antes em
virtude do contrato em violação da preferência. O B adquire então porque comprou tratando-
se aqui, embora juridicamente, note-se, de uma aquisição derivada do contrato. Por essa
razão o B paga o preço ao C, que foi afastado do contrato. Não há aqui devoluções de
ninguém a ninguém. O contrato é válido, nos termos em que foi celebrado sendo que o
preferente tem que pagar ao preferido aquilo que este pagou ao obrigado à preferência.
Juridicamente, como tudo se passa como se a venda fosse feita ao B, este é proprietário, não
desde a data da sentença, mas antes da data em que o contrato de compra e venda foi
celebrado. Isto poderá, pelo menos, ter implicações ao nível dos actos que eventualmente
tenham sido celebrados pelo C enquanto não é proferida a sentença. Ocorre aqui a chamada
Sub-rogação Pessoal, havendo aqui um raciocínio de caranguejo, para trás. Note-se que aqui
releva a retroactividade até ao momento da celebração da compra e venda, protegendo-se o
preferente. Ainda quanto às Preferências à que dizer que, quando o obrigado à mesma fez a
comunicação a que está obrigado e o preferente aceitou dentro do prazo, a comunicação (art.
416º/1 do CC) é considerada como uma proposta contratual e, por isso, a aceitação por parte
do preferente, dá origem ao contrato do qual resulta a obrigação de transmitir o direito em
causa. Esse contrato, para uns, é um Contrato Promessa e, para outros é um contrato
equivalente ao Contrato Promessa. Nestes casos, o preferente já não pode recorrer à Acção
de Preferência, mas sim à Acção de Execução Específica. Esta Promessa, ou equivalente à
Promessa, não tem eficácia real e, por isso, não é oponível a terceiros. Isto salvo se B, o
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
preferente, registar a Acção de Execução Específica. B terá que propor a Acção de
Preferência caso A venda a C.
Quanto às Promessas com eficácia real (art. 413º do CC) o
promitente adquirente tem direito de exigir o cumprimento da promessa. Esse direito é o
direito a uma prestação, portanto direito de crédito. Se no entanto o promitente alienante
transmitir o seu direito a terceiro, não cumprindo a sua promessa, o promitente adquirente,
nessa altura, fica com um direito real de aquisição que lhe permite, através da Acção de
Execução Específica do art. 830º do CC, impor a aquisição apesar do titular actual do
direito preferido já não ser o promitente alienante. A hipótese vai no sentido de uma
promessa da A para B com eficácia real, em que B tem o direito de crédito de exigir o
cumprimento da promessa mas se A, violando a promessa, vender a C, o B pode intentar
ainda a Acção de Execução Específica, substantivamente contra o A, apesar de o
proprietário ser o C e não o A. Aqui está o carácter real deste direito já que permite a
aquisição, mesmo contra terceiros que nada têm que ver com o Contrato Promessa
sofrendo porém os efeitos dessa situação. Mais difícil é explicar os termos em que isto
funciona porque, no caso da preferência, a substituição , que é imposta pela própria lei,
explica tudo. Aqui o problema está em que a pessoa a quem foi prometido vai adquirir a
propriedade apesar de esta já não ser disponível pelo promitente porque já está na
titularidade de C. Parece que a explicação mais razoável vai no sentido de que a
Promessa, para ter eficácia real, tem que estar registada e por isso, quando A transmite a
C este tem que saber, mesmo que o não saiba de facto, que havia uma promessa anterior
de A a B. Exactamente porque tem que saber, considera-se que, se o promitente
comprador intentar a Acção de execução Específica, a venda de A a C é ineficaz (não
produz efeitos) perante B. Mas também só tem que ser ineficaz a partir do momento em
que o B adquire, em que B obtém a sentença de Execução Específica. Aqui não há
qualquer necessidade de retroactividade porque o momento da aquisição de B é o
momento em que se executa o Contrato Promessa e este só opera a partir do momento em
que se obtém a sentença. A titularidade do C, pelo menos existiu e mantém-se entre a data da
compra e venda a C e a data da sentença de Execução Específica. Os efeitos que se
produziram neste lapso são perfeitamente válidos. Não há retroactividade já que o B só iria
adquirir quando se efectuasse a escritura. Á partida, ninguém sabe quando é que esta iria ser
feita. É excessivo que haja aqui retroactividade ao início da acção até porque não se sabe
quanto tempo vai durar a acção nem se sabe se o promitente comprador irá ter ou não razão.
Não podemos paralisar durante todo este tempo o exercício do direito pondo até em risco a
sua existência. Trata-se aqui, sobretudo, de uma questão de sensatez, já que a lei dá
argumentos a ambas as posições. Note-se que, sendo as retroactividades perigosas, só se
devem aplicar quando a lei as imponha, já que trazem muitas implicações.
Hoje em dia até não é muito frequente a promessa com eficácia real
porque a lei permite no art. 47º/3 do CRPredial que, qualquer Contrato Promessa possa ser
registado desde que se obtenha o reconhecimento presencial das assinaturas. Por este meio
evitam-se as Escrituras Públicas e as suas inerentes demoras. Os efeitos que se obtêm com
este expediente são os mesmos que se obtêm com o registo da Promessa com eficácia real.
Salvaguarda-se apenas um aspecto que, nos termos do art. 47º/3 do CRPredial, o registo do
Contrato Promessa é provisório ao passo que o registo da Promessa com eficácia real é
definitivo. Como é um registo provisório é necessário, pelo menos, que o promitente
adquirente tenha o cuidado de renovar o registo quando se estiver a aproximar o prazo de
caducidade que é normalmente 6 meses. Perante terceiros é indiferente.
Falámos até aqui do conteúdo positivo do direito real sendo agora
tempo de falar no seu conteúdo negativo. Este conteúdo é formado pelos limites, deveres ou
sujeições impostas aos titulares do direito real nessa qualidade. As limitações são proibições
de agir impostas pela lei ou por negócio jurídico, que tem por finalidade restringir o conteúdo
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
dos poderes concedidos. Basicamente temos dois tipos de limitações: por um lado temos
aquelas limitações que impõem ao titular do direito uma abstenção, ou seja, uma omissão
de exercício de um poder que, se não fosse essa limitação, poderia ser exercido (Ex: o
disposto no art. 1360º ou 1370º do CC); Por outro lado temos as limitações que permitem
a terceiros uma intromissão no direito de outrem e, por isso, colocam este (o que sofre a
limitação) numa situação em que deve tolerar essa intromissão (Ex: o disposto no art.
1346º do CC). Do ponto de vista dos direitos reais, estas limitações não dão origem a
obrigações de conteúdo negativo, a prestação de facto negativo, porque estas (limitações)
existem e devem ser respeitadas, mesmo quando não exista um beneficiário dessa
limitação. A existência da limitação não supõe, necessariamente, uma relação jurídica e,
por isso, não se pode dizer que o titular do direito limitado seja devedor de uma prestação
negativa.
As obrigações impostas ao titular do direito real nessa qualidade,
implicam para o titular do direito real, uma obrigação de agir, ou seja, uma obrigação de
facto positivo. Aqui já temos uma relação jurídica entre o titular do direito real, que está
obrigado, e terceiro que é credor dessa obrigação. Precisamente porque há uma relação
jurídica de crédito, estas situações estão sujeitas ao regime das obrigações. No entanto,
pelo menos em dois casos, existem regras especiais que afastam ou complementam as
regras do Direito das Obrigações. São eles os casos das Obrigações Reais e dos Ónus
Reais. Vamos ver inicialmente as semelhanças e só depois as diferenças entre estas
figuras. Quanto às semelhanças vamos ter: em primeiro lugar, as obrigações reais e os
ónus reais caracterizam-se por o obrigado (devedor) ser determinado de modo indirecto,
isto é, é devedor quem for titular do direito real atingido com a obrigação. Significa isto
que, em vez de, como é normal, o devedor ser determinado pessoalmente, é determinado
através da titularidade do direito real (Ex: art. 1424º do CC). Nos edifícios em propriedade
horizontal, os proprietários das fracções autónomas estão obrigados a contribuir para as
despesas de manutenção e conservação do edifício. Ora, as pessoas obrigadas, à partida,
não estão identificadas. São aquelas que, quando for necessário efectuar as despesas, sejam
titulares da propriedade das fracções. Só no momento em que se vence é que se sabe quem
é o devedor. Em segundo lugar, tanto nas obrigações reais como nos ónus, o conteúdo da
obrigação é, necessariamente, positivo (dar ou fazer), dado que se esse conteúdo for negativo
estaremos perante uma limitação. Saliente-se apenas que, nas obrigações reais de facto, a
prestação a que o titular do direito real está obrigado pode ser tanto de dar como de fazer. Isto
ao passo que nos ónus reais, essa prestação só pode consistir em dar. Em terceiro lugar urge
salientar o facto de que, tanto os ónus como as obrigações reais, estarem sujeitos à regra
(princípio) da enumeração taxativa que resulta do art. 1306º/1 do CC. Isto pelo facto de que, à
letra, este artigo do CC somente abrange as restrições (limitações) e as figuras parcelares
(direitos reais menores) e por isso, literalmente, não cabem lá nem as obrigações nem os
ónus reais, dado que nem são limitações nem são direitos reais. Porém, existe o argumento
da analogia, senão o de maioria de razão em que as limitações (restrições), estão sujeitas a
uma enumeração taxativa, quando a limitação apenas impõe uma limitação de agir. Ora, essa
taxatividade tem que existir também para as obrigações e ónus reais, na medida em que o
conteúdo destes é muito mais gravoso para o titular do direito real, na medida em que fica
obrigado a uma prestação de agir. Por isso, as obrigações e os ónus reais só podem ser
constituídas quando a lei o imponha directamente (Ex: 1424º do CC) ou quando a lei permita
que, por via negocial, se constitua uma obrigação real ou um ónus real (Ex: art. 1567º/4 do
CC). A finalidade da equiparação está em evitar a criação de obrigações de agir de forma
descontrolada porque, caso contrário, podia, eventualmente, conseguir-se subverter o
princípio do art. 1306º/1 do CC pela via da constituição (negocial) de ónus e obrigações reais.
Por exemplo no direito alemão, admite-se que se constituam direitos reais de garantia que
não sejam acessórios de um direito real: A vende a B um direito de garantia (dívida
imobiliária) sendo que o preço era de 10000 contos. O que significa que, se A quiser, pode
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Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
readquirir pagando 10000contos (ou o que estiver convencionado). Se isso não acontecer,
fica B com o direito de executar o bem. Porém, no nosso direito esta situação não é
admitida.
Quanto às diferenças entre Ónus Reais e Obrigações reais cumpre
dizer que: em primeiro lugar a obrigação real possui a característica da funcionalidade, isto
é, a obrigação real é imposta para desempenhar uma certa função, sempre relacionada
com a conservação ou manutenção da coisa objecto do direito (Ex: arts. 1424º, 1411º,
1472º e 1567º/4 do CC). Nestes casos a obrigação é imposta para assegurar a
manutenção da coisa, do valor económico dos direitos que incidem sobre a coisa. Aqui, “o
credor é a própria coisa”. Está aqui a ideia de que, quem beneficia do crédito é que fica
com a coisa. Já quanto aos Ónus Reais, a imposição das obrigações que derivam do ónus
real, não tem qualquer função específica sendo uma mera vantagem que se atribui a
alguém. Os casos admitidos são muito discutíveis (Ex: arts. 959º/1/parte final e 2018º/1 do
CC). Quanto ao primeiro artigo urge dizer que o ónus real resulta da possibilidade do
doador reservar para si o direito a certa quantia sobre os bens doados. O donatário, ou
quem lhe suceder, fica obrigado a pagar ao doador, periodicamente, uma certa quantia
que deve ser retirada dos rendimentos dos bens doados. No caso do art. 2018º do CC em
que temos o Apanágio do Cônjuge Sobrevivo, na hipótese de sucessão “mortis causa”,
este pode exigir que lhe seja entregue uma certa quantia a título de rendimentos que se
retira dos bens objecto do apanágio. Esta obrigação incide sobre quem quer que seja o
proprietário. Tanto num caso como noutro, para se garantir a eficácia em relação a
terceiros, necessita-se de registo. Ora, um exemplo de ónus real está consagrado no art.
1530º do CC sob o nome de “Cânone superficiário”: no acto de constituição do usufruto
pode convencionar-se que o superficiário pague uma quantia anual ao fundeiro, uma vez
que esta cláusula pode ser registada e quem suceder ao superficiário ficará igualmente
obrigado. Porém, nesta situação faltam os caracteres do ónus real: por um lado, não se
apreende do art. 1530º do CC que se retire a partir do rendimento do objecto do direito de
superfície. Mesmo que não se retirem rendimentos, o superficiário tem de pagar. Por outro
lado, a constituição do ónus implica que, além do devedor ser determinado pela titularidade do
direito atingido pelo ónus, a coisa, objecto do ónus real, está automaticamente afecta ao
cumprimento das obrigações que resultam do ónus. Leva a que hajam obrigações, mas
também que a coisa objecto do ónus garanta o cumprimento da obrigação. Ora, no caso do
art. 1530º do CC, não é um ónus real apesar de lhe ser próxima. O superficiário responde
com todo o seu património pelo “cânone superficiário” e o credor, se executar, concorre em
igualdade com os demais credores do superficiário.
Como segundo aspecto distintivo temos o carácter ambulatório. Quanto
ás obrigações reais, temos dois sentidos: um sentido amplo ou impróprio, em que se
considera que a obrigação real acompanha a transmissão do direito no qual está integrada,
desde que essa obrigação ainda não esteja vencida, ou seja exigível. Pelo art. 1424º do CC,
quando o proprietário de uma fracção vender essa fracção a outra pessoa, essa pessoa
adquire também a obrigação de efectuar as reparações. Temos então que, uma obrigação
que ainda não está vencida, não é exigível e não é uma verdadeira obrigação. É uma eventual
futura obrigação, existindo aqui uma mera possibilidade que se pode concretizar ou não. Num
sentido preciso, temos o carácter ambulatório quando se transmite para o novo titular do
direito, apesar de, no momento da transmissão, a obrigação já estar vencida. Neste sentido,
não há nenhuma obrigação real, qualquer que seja, ambulatória, excepto se o adquirente do
direito consentir na transmissão do direito. Uma excepção, embora sem base legal formal, vai
no sentido de que, se o vencimento da obrigação se revela exteriormente por sinais materiais
que resultam da própria coisa. Exemplo disto é a venda de uma fracção de A a B sendo que o
elevador não funcionava. Este não funcionamento do elevador é perceptível, normalmente,
para um Homem-Médio. Quanto ao ónus real, neste aspecto, costuma-se dizer que tudo se
passa ao contrário, ou seja, em regra, o adquirente, além do direito, adquire também as
33
Direitos Reais - teóricas RELAÇÃO JURÍDICA PESSOA-COISA
obrigações já vencidas do anterior titular. Isto só é verdade de um ponto de vista prático
uma vez que, se no momento da transmissão houver prestações em dívida, ele torna-se
adquirente de coisa hipotecária. Se o credor da prestação quiser pode executar a coisa
objecto da hipoteca, esteja esta na propriedade do transmitente ou do adquirente. Se o
adquirente não cumprir as prestações em atraso, arrisca-se a perder o direito adquirido
podendo este processo ser conduzido à venda executiva. Do ponto de vista teórico o
devedor destas prestações é o titular anterior não tendo o adquirente de as pagar.
Como última característica distintiva temos que, na obrigação real,
há a susceptibilidade de o devedor se poder desobrigar através da Renúncia liberatória.
Esta possibilidade é extensível ao ónus real a que se esteja obrigado, renunciando a esse
direito em benefício do credor.
Com isto terminámos a parte geral e dá-mos início à parte especial.
34
Direitos Reais - teóricas DIREITO DE PROPRIEDADE
Direito de Propriedade
Segundo o art. 1305º do CC, o direito de propriedade implica a atribuição de
poderes de uso, fruição e disposição. Não é propriamente uma definição mas apenas uma
descrição genérica já que o Princípio da Tipicidade Taxativa do art. 1306º do CC só diz
respeito aos direitos reais menores. Além disso, a propriedade é um Tipo e não uma
Classe. Para definir algo como classe utiliza-se o método subjuntivo. A propriedade é
antes um tipo, o seu conteúdo é extremamente variado e por isso a indicação do uso,
fruição e disposição, é uma indicação pela norma lida. Ainda pode haver propriedade
quando não exista poder de disposição, desde que o uso e fruição não tenha os limites do
usufruto. O direito de propriedade é assim um direito de conteúdo genérico, abrangendo
por regra todos os poderes concebíveis sob uma coisa. Assim se diz que o direito de
propriedade, rigorosamente, não cabe dentro da classificação entre direitos reais de gozo,
garantia ou aquisição. Se a propriedade é, fundamentalmente, um direito de gozo, também
pode ser usado por exemplo como direito de garantia na reserva de propriedade (art. 409º
do CC) ou como direito de aquisição no caso da Acessão (art. 1325º e segs. do CC).
Poder-se-á dizer que é um direito real de natureza plena, essencialmente de gozo mas não
só.
Outra característica vai no sentido de que é o único direito real que tem dignidade
constitucional (art. 62º da CRP). Esta previsão serve como garantia do próprio direito de
propriedade já que este é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e
garantias. Assim, pelo art. 17º da CRP, aplica-se ao direito de propriedade o disposto no
art. 18º da CRP. Isto implica que:
1. A propriedade só pode ser objecto de restrições impostas por lei
ordinária, quando a CRP permita que a lei coloque essas mesmas restrições (art. 18º/2 da
CRP);
2. Essas restrições legais não podem nunca ter eficácia retroactiva;
3. As restrições devem garantir outros direitos reconhecidos na CRP;
4. As restrições não podem nunca atingir o conteúdo essencial da propriedade
(art. 18º/3 da CRP), sendo que se existir necessidade extrema de a impor e essa restrição
atingir o conteúdo essencial do direito, implica uma equiparação à Expropriação pelo que
deverá o proprietário ser indemnizado. Neste sentido houve um caso na Relação de Coimbra
em que se utilizou o conceito de “quase expropriação” para designar esta situação sendo que,
naquele caso, houve uma manutenção formal da propriedade.
Na defesa da propriedade o CC continua a distinguir três tipos de acções:
1. Acção de Reivindicação (arts. 1311º e segs.)- trata-se de uma acção de
condenação em processo comum que pressupõe que o proprietário, contra a sua vontade,
não tenha a coisa em seu poder tendo legitimidade activa o proprietário e passiva qualquer
pessoa que tenha a coisa em seu poder sob a forma de Posse ou Detenção. Aqui, é
indiferente que o possuidor ou Detentor esteja de boa ou má-fé. Não tem prazo já que o
direito de propriedade não prescreve e, em geral, também não se extingue pelo não uso (art.
1313º). O único impedimento de prosseguimento consiste ou na Usucapião da propriedade a
favor do réu ou no facto de o réu ter um outro direito qualquer que lhe permita manter a coisa
em seu poder (art. 1311º/2);
2. Acção Negatória (não tem disposição legal no CC)- trata-se também de uma
acção de condenação que tem em vista obter a já referida condenação do réu na abstenção
da prática de certos actos com o fundamento na negação, a esse réu, do direito de praticar
actos que perturbem o exercício da propriedade. A causa de pedir, neste caso, reside na
negação da prática de certos actos (art. 1346º do CC). Pede-se, neste caso, que se negue ao
vizinho o direito de emitir ruídos com a consequência que cessem ou se enquadrem nos
limites legais. Também nesta acção não existe prazo mas pode acontecer que o réu tenha
adquirido por usucapião o direito de efectuar os actos que levaram à instauração da acção.
35
Direitos Reais - teóricas DIREITO DE PROPRIEDADE
Estas duas acções, embora pensadas para a propriedade, são hoje extensíveis à
defesa de outros direitos reais por força do art. 1315º do CC, pelo menos, a todos os
direitos reais de gozo.
3. Acção de Demarcação (arts. 1353º e segs. do CC)- tem como
pressuposto a dúvida quanto às extremas entre dois prédios, dúvidas essas quanto à sua
extensão sendo somente de aplicar na propriedade de imóveis. Tem por finalidade
estabelecer as referidas extremas mas, neste tipo de acção, não há autor nem réu já que
ambas as partes estão obrigadas a participar, fornecendo meios para que o tribunal possa
decidir. Aqui, a falta de prova suficiente, não leva à improcedência do pedido mas antes, o
Tribunal, em vez de absolver uma das partes no pedido, deve decidir e distribuir o terreno
em partes iguais (art. 1354º/2 do CC). Embora esta acção tenha este pressuposto, pode
envolver, como consequência, um pedido de restituição, se o Tribunal concluir que uma
parte do terreno pertence a proprietário diferente daquele que a tem utilizado. Surge aqui
um problema: será uma acção de Demarcação ou uma acção de Reivindicação. É que a
primeira possui um processo especial enquanto a primeira possui um processo comum.
Nestes casos, normalmente, o critério utilizado é o da matéria concreta em apreciação: se
é a extensão ou a área do prédio, será uma acção de Demarcação; se o que está em
discussão são os títulos de aquisição ou os factos que conduziram à aquisição da
propriedade, será uma acção de Reivindicação.
36
Direitos Reais - teóricas COMPROPRIEDADE
Compropriedade
Este regime é extensível à contitularidade noutros direitos reais (art. 1404º do CC).
Esta figura levanta um problema de concepção já que, intuitivamente, esta verifica-
se quando uma coisa pertence a duas ou mais pessoas. O regime dos arts. 1403º e segs.
do CC não é compatível com uma concepção tão simples. Do ponto de vista jurídico, a
concepção tradicional anda ligada à ideia intuitiva, com o fenómeno da propriedade
colectiva. Porém esta concepção tem dificuldades de adaptação ao CC: em primeiro lugar,
o art. 1406º do CC permite que cada comproprietário utilize a totalidade da coisa comum,
desde que não impeça a sua utilização pelos restantes. Isto tem como excepção a
convenção em contrário, que implica que cada comproprietário deixa de poder utilizar a
totalidade da coisa já que é incompatível com a ideia de que existe um direito de
propriedade para todos. Por outro lado, a compropriedade é potencialmente transitória, ou
seja, cada comproprietário tem o direito de extinguir a compropriedade por via do processo
de divisão. Na propriedade colectiva esse poder de divisão não existe porque a razão de
ser não está em si própria mas noutros factos quaisquer. Exemplo disto são os bens
comuns do casal em que estes só podem ser partilhados quando o casamento se extinguir
porque antes, nem sequer por acordo se admite a divisão, tratando-se de uma propriedade
forçada. Por último, deriva da Constituição e, segundo o art. 62º da CRP que tutela a
propriedade privada, surgem dois termos para “privada”: ou como oposição à propriedade
pública, ou como propriedade individual, que é o sentido normal (art. 18º da CRP que
protege os direitos individuais).
Numa segunda concepção, compropriedade existe quando existem tantos direito
de propriedade, quantos forem os comproprietários. Esta concepção admite, no entanto,
duas variantes:
1ª. O direito de cada comproprietário incide sobre uma cota ideal da coisa
comum- esta visão surge motivada por um dogma: a plenitude da propriedade (art. 1305º do
CC) impede que, sobre a mesma coisa existam mais do que um direito de propriedade. Para
evitar isto, dizem que o objecto do direito é uma cota ideal como uma medida de participação
de cada comproprietário na coisa comum quantificada percentualmente. Assim, pelo menos
formalmente, incide plenamente sobre toda a cota. Mas, primeiro, a cota não é uma coisa mas
sim uma medida de participação e, mesmo que se considerasse coisa, não se trataria de uma
coisa corpórea já que o art. 1302º do CC afirma expressamente que a propriedade ali prevista
só pode ter por objecto coisas corpóreas. Em segundo lugar, se o direito incide sobre uma
cota ideal, significa que a coisa comum não é objecto de nenhum direito, não tendo assim
dono, o que é manifestamente errado. Em terceiro lugar, se cada um tem uma cota, não é um
modo de extinção da compropriedade mas apenas um modo de modificação do objecto,
variando segundo: seja antes da divisão (sobre a cota), ou depois da divisão (sobre a parte da
coisa atribuída).
2ª. O direito de cada comproprietário incide directamente sobre a coisa
limitando-se todos reciprocamente. Assim todos os direitos são plenos (art. 1305º do CC) só
que cada um deles deve exercer-se de maneira a que os restantes também possam ser
exercidos. Existe aqui a aplicação de um critério geral constante do art. 335º do CC de que
todos têm que ser limitados para que todos possam ser exercidos. Do ponto de vista
qualitativo os direitos de propriedade são iguais já que os comproprietários estão em situação
de igualdade, ainda que quantitativamente os seus direitos sejam diferentes, as suas cotas
(art. 1303º/1 do CC). Assim, regra geral, a actuação dos comproprietários deve ser conjunta,
unânime (art. 1405º/1). Esta regra geral possuí excepções em dois sentidos:
37
Direitos Reais - teóricas COMPROPRIEDADE
i) Num primeiro sentido, dizem respeito à utilização, disposição e
extinção por divisão da coisa comum:
a) Utilização- temos uma regra supletiva no art. 1408º do CC
que nos diz que todos têm igual poder de utilização e por isso, todos podem usar a
totalidade da coisa desde que não impeçam a utilização da coisa, pelos demais
comproprietários e ainda, que a utilização da coisa não seja diversa daquela para a qual
foi constituída a compropriedade. Como se trata de uma regra supletiva, admite-se que os
comproprietários, por acordo, estabeleçam diferentes regras de utilização. Isto só se
verifica se houver o acordo de todos e se, a par disso, para ter eficácia perante terceiros,
for feito o registo predial. É então necessário que este acordo (convenção de uso) conste
do acto de constituição da compropriedade ou, se posterior, conste de escritura pública
(para imóveis) com a finalidade de originar o título modificativo da compropriedade. Estes
requisitos não são expressamente exigidos pelo art. 1406º do CC mas são regras próprias
do registo e também resultante da analogia com o disposto na propriedade horizontal do
art. 1419º/1 do CC. Caso o registo não seja efectuado, a convenção de uso tem, no
máximo, eficácia obrigacional e se alguém cede o seu direito, o adquirente não tem que
respeitar o acordo de uso anteriormente estabelecido.
b) Disposição- segundo o art. 1408º do CC, distingue-se a
disposição sobre a cota ideal por um lado, e a cota sobre parte especificada por outro.
Quanto à disposição sobre a cota ideal, esta é a medida da participação nas vantagens e
desvantagens que é atribuída a cada comproprietário, é o próprio direito de propriedade de
cada comproprietário. Esta cota ideal pode ser alienada ou onerada livremente,
salvaguardando os casos em que a alienação consista numa Compra e Venda ou Dação
em Cumprimento, desde que o acto seja a favor de terceiro caso em que, pelo arts. 1409º
e 1410º do CC, os restantes comproprietários têm o direito de preferência. Aqui, a
alienação é livre mas pressupõe que o comproprietário respeite a preferência dos outros
comproprietários. Agora, quanto à disposição sobre cota de parte especificada, existe uma
parcela material da coisa comum que pertence a todos os comproprietários porque a coisa é
de todos sendo as partes integrantes também de todos. Se um comproprietário ou mais
praticarem um acto de disposição sobre a parte especificada, esse acto é, em princípio,
inválido já que o comproprietário ou comproprietários não dispõem de legitimidade total para a
prática desses actos. Ficam equiparados a actos de alienação ou oneração de coisa alheia
(art. 1408º/2 do CC). Estes actos de disposição só serão válidos se a lei não sancionar a falta
de legitimidade com a invalidade (Ex: locação sobre coisa alheia) ou se os restantes
comproprietários consentirem “à priori” ou “à posteriori” na prática desse acto de disposição
(art. 1408º/1/2ª parte do CC), ou ainda no aproveitamento através da conversão (art. 293º do
CC) do acto de disposição sobre parte especificada para acto de disposição sobre cota ideal,
designadamente para efeitos de preferência dos outros comproprietários. Temos o exemplo
de A que vende a C a parcela Y que faz parte de X que pertence, por sua vez a A e B. Neste
caso A vende uma parte especificada que é de ambos. Temos então aqui uma equiparação a
uma venda de coisa alheia (art. 1408º/2 e 892º do CC). Esta venda pode converter-se (art.
293º do CC) em venda da cota de A na compropriedade havendo então conversão,
subsistindo a validade do negócio. O que foi dito só faz sentido quanto à preferência já que se
quis comprar a parcela e não a cota. Sendo assim, não há qualquer vontade conjectural.
Porém, para B preferir, a vontade conjectural já não releva sendo aqui uma mera formalidade.
Segundo o art. 1410º do CC, B pode preferir no lugar de C já que a conversão só tem sentido
se for requerida como questão prévia por B. Como última hipótese de aproveitamento,
embora seja eventual, temos a Compra e Venda convalidada por efeito da divisão da coisa
comum (art. 895º do CC) por aquisição superveniente de legitimidade. Aqui, se ninguém
invoca a nulidade do contrato de Compra e Venda entre A e C e se, entretanto, houver a
divisão de X e por esta divisão couber ao A exactamente a parte que tinha vendido a C, a
38
Direitos Reais - teóricas COMPROPRIEDADE
venda convalida-se segundo o art. 895º do CC. Este artigo trata de um aspecto particular
da compropriedade: a convalidação opera aqui retroactivamente desde a data da venda de
A a C e não da data da divisão.
c) Extinção por divisão- em todos os Códigos de inspiração
germânica, a compropriedade é considera uma situação precária partindo-se do princípio
que este é fonte de conflitos. Por isso, o comproprietário tem o poder potestativo de impor
a divisão, extinção da compropriedade independentemente da concordância dos outros e
independentemente do valor da sua cota. Os outros sujeitam-se ao exercício do poder de
impor a divisão e a extinção da compropriedade, como regra (art. 1412º/1 do CC). Possui
desvios quando existe a chamada cláusula de indivisão, sendo que esta cláusula, para ser
vinculativa, tem que ser aprovada por unanimidade, não pode ter duração superior a 5
anos (embora admita renovações) e, para ter eficácia perante terceiros, depende do
registo, quando a coisa seja registável (art. 1412º/3 do CC). Este poder potestativo deve
ser exercido judicialmente através do processo de divisão de coisa comum admitindo-se,
no entanto, que se houver acordo entre todos os comproprietários, a divisão possa ser
feita extrajudicialmente por contrato. Aqui, apenas se exige que se respeite a forma exigida
por lei para a alienação onerosa da coisa comum (art. 1413º/2 do CC). Quando sejam
imóveis, necessitam de escritura pública.
A divisão quer dizer, rigorosamente, extinção da propriedade
já que este termo não pode ser admitido de forma literal. Só se faz divisão material (que
implica o parcelamento da coisa) quando: a lei não proíba esse parcelamento; a coisa seja
divisível nos termos do art. 209º do CC e que, pelo menos para a divisão extrajudicial, que
nenhum comproprietário se oponha a este parcelamento material. Quando não há divisão
material, o processo de divisão ocorre à mesma mas mediante compensação em dinheiro.
Assim, a coisa é vendida e o preço dividido entre os comproprietários, extinguindo-se a
compropriedade já que a coisa deixa de pertencer aos comproprietários ou então existe a
adjudicação da coisa comum a um dos comproprietários, ficando este com a obrigação de
compensar os outros em dinheiro, extinguindo-se a compropriedade porque há apenas um
proprietário.
Vamos ver agora os efeitos da divisão. Quando esta seja
material, o acto de divisão é meramente declarativo, ou seja, limita-se a concretizar o objecto
do direito de cada ex-proprietário e por isso, tem eficácia retroactiva. A lei diz isto claramente
a propósito da partilha da herança (art. 2119º do CC) sendo este um fenómeno análogo à
divisão da coisa comum. Se for uma divisão sem parcelamento, a retroactividade não pode
existir. A divisão aqui, implica extinção daqueles direitos cujos titulares tiveram direito a
compensação pecuniária.
Vamos analisar neste momento, os actos que só podem ser
praticados pela maioria dos proprietários. Basicamente, nos actos de administração da coisa
(art. 1407º do CC) a lei exige que sejam aprovados pela maioria dos comproprietários (maioria
relativa ou simples) mas na medida em que os direitos dos comproprietários podem ser
diferentes do ponto de vista quantitativo, e para evitar que as deliberações sejam aprovadas
por aqueles que têm a minoria das cotas, o art. 1407º/1 do CC exige que os actos de
administração sejam aprovados pela maioria, desde que essa maioria represente, pelo
menos, 50% das cotas. Entre nós tende-se a entender que o art. 1407º do CC apenas se
refere aos actos de administração ordinária. Os actos de administração extraordinária cabem
na regra geral do art. 1405º do CC que é a da actuação conjunta, unânime. Isto porque,
quando dos actos de administração ordinária derivam despesas, os comproprietários (todos)
estão obrigados a participar nessas mesmas despesas, segundo o art. 1411º/1do CC que
estabelece a repartição de despesas para a administração ordinária. Ora, se os actos de
administração extraordinária também estivessem contidos na regra maioritária do art. 1407º
do CC e se esses actos implicassem despesas, não haveria meio de impor a participação
nessas despesas daqueles que se opusessem porque a lei não impõe essa participação.
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Direitos Reais - teóricas COMPROPRIEDADE
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Direitos Reais - teóricas PROPRIEDADE HORIZONTAL
Propriedade Horizontal
Esta consta dos arts. 1414º e segs. do CC caracterizando-se como uma situação
que, basicamente, resulta da combinação entre a propriedade singular e a
compropriedade. Supõe parcelas que pertencem exclusivamente a certa pessoa ou
pessoas e, ao mesmo tempo, supõe parcelas que pertencem a todos em comum. As
primeiras são as fracções autónomas, enquanto que as segundas são as partes comuns
(art. 1420º/1 do CC). Ora, desde a alteração de 95, a propriedade horizontal passou a ser
de dois tipos: o tipo do art. 1414º do CC que corresponde ao modelo tradicional de
propriedade horizontal em que existe um único edifício que, juridicamente, está
fraccionado em andares ou apartamentos, permitindo que cada fracção seja objecto de
propriedade exclusiva; e o tipo do art. 1438º-A do CC, quando existe um conjunto de
edifícios inteiramente independentes entre si mas unificados através da existência de
parcelas que são comuns a todos . Neste caso, não é rigoroso dizer que cada edifício é
uma fracção autónoma ficando, para certos efeitos assim equiparado.
A diferença principal está em que no caso do art. 1414º do CC, pelo menos certas
partes comuns são necessárias. Caso contrário, a utilidade das fracções iria ser
prejudicada (art. 1421º/1 do CC, para os casos das escadas, telhados, etc.). No caso do
art. 1438º-A do CC, a existência de partes comuns não é uma necessidade. Existe apenas
porque o projecto de construção prevê a sua existência mas, cada edifício poderia ser
objecto de uma utilização autónoma, independentemente da existência de partes comuns.
Exemplo disto é o facto de o art. 1438º-A estar pensado para condomínios fechados.
Existem porém, outras diferenças já não necessárias. Para a administração das
partes comuns, a lei institui o Administrador e a Assembleia de Condóminos (art. 1430º e
segs.). Isto foi pensado para a Propriedade Horizontal sobre um único edifício porque,
quando assim não é, pode ocorrer que cada edifício tenha órgãos de administração próprios e
exista um conjunto de órgãos de administração das partes que são comuns a todos os
edifícios falando-se aqui no “Super-Condomínio”. Torna-se então necessário, pelo art. 1438º
do CC e apenas por razões de ordem formal que esses elementos que surgiram antes do art.
1438º-A ter sido introduzido só que, enquanto não se fez a alteração legislativa, esta situação
não tinha regulamentação própria, aplicando à contrário o regime da propriedade singular e da
compropriedade, conjugando-os. Por força do princípio contido no art. 1406º/1 do CC, a
Tipicidade Taxativa implica a aplicação do regime da Propriedade Horizontal às situações em
que existe um conjunto de edifícios, porque a propriedade Horizontal pressupunha apenas um
edifício. Daqui decorria, pelo menos, um inconveniente prático que era o de que, na
compropriedade, não se prevê a existência de órgãos de administração e por isso, se os
proprietários não estivessem de acordo, a única maneira de funcionar seria a do art. 1407º do
CC, que não resolveria nada. Daqui surgiu esta necessidade legislativa.
O regime da Propriedade Horizontal foi escrito a pensar no tipo do art. 1414º do CC e
por isso, a extensão deste regime aos conjuntos unificados de edifícios tem que ser feita com
adaptações tendo em conta as diversas especializações existentes. Por exemplo, na
enumeração das partes comuns do art. 1421º do CC, o nº1 diz-nos que estas partes
praticamente não se aplicam às situações do art. 1438º-A do CC. Talvez, provavelmente, se
possa aplicar o disposto na alínea d, dependendo da construção em causa. No nº2 já podem
ser aplicadas retirando talvez a alínea b. Ora, quanto aos modos de constituição e
modificação da Propriedade Horizontal, o regime é exactamente o mesmo: aplica-se
integralmente os arts. 1417º, 1418º e 1419º do CC.
Quanto aos modos de constituição da Propriedade Horizontal, segundo o art. 1417º/1
ela poder ser por:
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Direitos Reais - teóricas PROPRIEDADE HORIZONTAL
Negócio Jurídico- Engloba-se aqui tanto o n j unilateral como o contrato. No
entanto, o contrato como modo de constituição é relativamente raro e praticamente a única
hipótese viável surge no caso em que se faça a divisão extrajudicial da coisa comum
quando esta seja um edifício ou um conjunto unificado de edifícios. A divisão da coisa
comum pode ser feita pelo contrato de Propriedade Horizontal. Nestes casos de negócios
unilaterais, o proprietário ou conjunto de proprietários do edifício colocam este em regime
de Propriedade Horizontal. O acto de constituição em si não é um acto de administração já
que por si só, não provoca nenhuma alteração patrimonial. Quanto à forma, o CC nada diz
expressamente mas exige-se escritura pública para que o negócio seja válido.
Usucapião- não existe diferença significativa em relação ás regras gerais da
usucapião salvo no que respeita ao pressuposto básico já que a Propriedade Horizontal,
para funcionar, necessita de pelo menos duas pessoas. Assim, a usucapião, para constituir
a Propriedade Horizontal, pressupõe que haja duas pessoas que tenham, cada qual posse
exclusiva sobre uma certa parte do edifício diferente da parte que a outra possui e que
corra o prazo para invocar a usucapião.
Decisão Judicial- o art. 1417º/1 do CC admite que a sentença constitua a
Propriedade Horizontal, tratando-se de sentença proferida em processo de divisão de
coisa comum ou em processo de inventário. Admite também que a Propriedade Horizontal
possa ser constituída por sentença proferida em acção de execução específica de um
Contrato Promessa quando esse mesmo Contrato Promessa disser respeito a uma fracção
de um edifício que ainda não está constituído em Propriedade Horizontal. Em rigor ainda
não é fracção . Aqui, a sentença executa, simultaneamente duas declarações em falta por
parte do promitente alienante: primeiro a falta de declaração através da qual se constitui a
Propriedade Horizontal, a falta de título constitutivo; a segunda, a falta de declaração de
alienação. Esta declaração só pode ser proferida se antes, o título tiver constituído a
Propriedade Horizontal. Em ambos os caso, o art. 1418º/1 do CC exige que o título proceda,
pelo menos, a duas indicações: primeiro, que o título individualize cada fracção autónoma e
que, através desta identificação, se concretize o objecto do direito de cada condómino. Em
segundo, que haja registo predial, ou seja, a descrição predial de cada fracção é feita com
base nesta individualização do título que deve identificar, ponto por ponto, a fracção. Em
terceiro lugar que o título indique o valor que cada fracção represente em relação ao valor
total do edifício. Essa indicação deve ser feita em percentagem ou permilagem. A relevância
prática desta atribuição de valor relaciona-se com os critérios de repartição das despesas e
dos eventuais rendimentos. Regra geral, é na proporção do valor (arts. 1424º/1 e 1432º/3 do
CC).
Além destas indicações necessárias, o título pode conter outras indicações
como por exemplo no caso do art. 1418º/2 do CC: por um lado, o destino que se pretende
impor a cada fracção não é obrigatório mas, em caso de se fazer, deve depois passar para o
registo; por outro lado, pode conter o chamado “regulamento de condomínio” que é um
conjunto de normas que tem como fim disciplinar a utilização tanto das partes comuns como
das fracções autónomas. Este regulamento é obrigatório sempre que o edifício tenha mais
que quatro condóminos (art. 1429º-A do CC). Porém, não tem de constar do titulo constitutivo,
podendo ser documento autónomo sendo que particular basta. O regulamento pode ser
elaborado por uma de duas formas: ou pelos próprios condóminos e para ser vinculativo deve
ser unanimemente aprovado ou então elaborado pelo proprietário ou proprietários originais.
Em ambos os casos, o regulamento vincula terceiros adquirentes desde que esteja registado.
Rigorosamente, o regulamento em si mesmo não se regista porque normalmente é um
documento muito extenso. Refere-se então no registo predial que existe um regulamento de
condomínio sendo que essa referência é suficiente para dar conhecimento a terceiros. Mesmo
quando obrigatório, não existe sanção para a falta de regulamento. Para tentar obter o
42
Direitos Reais - teóricas PROPRIEDADE HORIZONTAL
cumprimento da norma, a lei permite que, quando a Assembleia de Condóminos não tenha
aprovado um regulamento, o Administrador possa elaborar outro (art. 1429º-A/2 do CC).
Este regulamento será imediatamente vinculativo ou “ratificado” pela Assembleia de
Condóminos. Rigorosamente, aprovado pela Assembleia na parte em que o regulamento
estabeleça uma disciplina relativa às fracções autónomas porque o Administrador tem
apenas poderes de administração sobre as partes comuns não tendo legitimidade para
impor disciplinas relativamente às fracções.
Para além do título constitutivo com as alterações de 95, tem que se
considerar que existe um outro facto que condiciona o conteúdo da Propriedade Horizontal
que é o Projecto de Construção. Este é um acto que tem relevância administrativa mas
que, por via do art. 1418º/3/parte final, tem hoje em dia, importância ao nível civil,
predominantemente, já que pelo menos para certos aspectos, o Projecto de Construção
Aprovado prevalece sobre o título de constituição. Pelo menos no que respeita à
destinação fixada para cada fracção porque, existindo discrepância entre a destinação
fixada no Projecto de Construção Aprovado e a fixada no título constitutivo, prevalece o
Projecto de Construção Aprovado, considerando-se que o título é nulo na parte em que
atribui à fracção um fim diferente daquele que está expresso no Projecto de construção
Aprovado. Esta situação possui um desvio: o que vai a negócio predial é o título
constitutivo e não o Projecto de Construção Aprovado pelo que, perante terceiros, pode
prevalecer o que está no título, apesar de nulo já que a boa-fé desses terceiros deve ser
protegida face a um documento que não está publicitado e não tem que ser conhecido.
Para que o título dê origem à Propriedade Horizontal é necessário que o
edifício (apenas no art. 1414º do CC) reuna os requisitos materiais do art. 1415º:
basicamente que cada fracção seja realmente independente o que implica que esteja
completamente isolada materialmente face às restantes fracções e que a sua utilização
também seja completamente autónoma face às restantes fracções.
Quanto às partes comuns, o art. 1421º do CC distingue partes
necessariamente comuns das presumivelmente comuns. Quanto às primeiras, só existem no
art. 1414º do CC em que o titular não tem que individualizar as partes comuns mas pode fazê-
lo. Isto porque estas definem-se por exclusão, ou seja, é parte comum tudo aquilo que não
seja fracção autónoma. Sobre as partes comuns incide uma compropriedade mas que tem,
pelo menos, um aspecto específico: pelo art. 1423º do CC nenhum condómino pode impor a
divisão dessa parte comum, o que não significa que não possa haver divisão só porque essa
divisão só pode ter por objecto as partes presumivelmente comuns (só essas podem deixar de
ser comuns) e ainda que a divisão dessa parte, só possa ser feita nos termos do art. 1419º/1
do CC, através da modificação do título constitutivo o que implica em primeiro lugar, que é
necessária a aprovação por unanimidade e, em segundo lugar, que esta decisão unânime
seja reduzida a escritura pública. Só aqui está feita a divisão e o registo do título constitutivo
pode ser oponível a terceiros.
Quanto à Administração das partes comuns existem dois órgãos de
Administração, segundo o art. 1430º do CC: a Assembleia de Condóminos com competência
deliberativa e o Administrador com competência executiva das deliberações. Em ambos os
órgãos, a compropriedade restringe-se à Administração e à Administração das partes comuns.
A Assembleia delibera por maioria simples (art. 1432º/3 do CC) mas, maioria de capital
investido do valor das fracções. Então, um único condómino pode ter maioria de percentagem.
Porém, certas deliberações (Ex: modificação do título) supõem unanimidade e para que essa
unanimidade não fique impedida apenas pelo desinteresse de certos condóminos, utiliza-se o
processo do art. 1432º nº 5, 6, 7 e 8 do CC, pelo qual, desde que as deliberações para as
quais se exige unanimidade, podem ser aprovadas apenas pela unanimidade dos presentes,
desde que, posteriormente, tal deliberação seja comunicada aos não presentes para que
43
Direitos Reais - teóricas PROPRIEDADE HORIZONTAL
estes, no prazo de 90 dias, respondam concordando ou não. Se não responderem, o
silêncio vale como aprovação.
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Direitos Reais - teóricas DIREITO DE USUFRUTO
Direito de Usufruto
Este direito consta dos arts. 1439º e segs. do CC e consubstancia-se num direito
real menor de gozo que atribui a plenitude dos poderes de uso e fruição. Salvo indicação
em contrário da lei ou do acto de constituição do usufruto, os poderes de uso e fruição
pertencem integralmente ao usufrutuário. Admite-se, no entanto, que certos poderes de
uso e fruição sejam retirados ao usufrutuário mas, desde que se proceda à determinação
exacta dos poderes que se retiram. Por exemplo , no usufruto sobre uma casa de
habitação é possível que a utilização da garagem seja reservada pelo proprietário.
O direito de usufruto é necessariamente temporário já que extingue-se com a morte
de usufrutuário, se este for pessoa singular ou, decorridos 30 anos, se for pessoa colectiva
(art. 1443º do CC). Tem-se admitido na doutrina que, em certos casos, excepcionais, o
direito de usufruto pode ser objecto de transmissão "mortis-causa" desde que tenha
ocorrido a transmissão do usufruto, isto é, o usufrutuário, em princípio, pode transmitir a
terceiro o seu direito pelo art. 1444º do CC. Se essa transmissão for feita, a duração do
usufruto continua a determinar-se pela vida ou existência do primeiro usufrutuário e por
isso se, eventualmente, o segundo usufrutuário falece, ou extingue-se antes do primeiro,
admite-se que nesse caso o usufruto seja transmitido "mortis-causa" para os herdeiros do
segundo usufrutuário.
O usufruto impõe ao usufrutuário o dever de respeitar a forma e substância da
coisa usufruída. Daqui a conclusão de que o usufrutuário não pode dispor materialmente
da coisa usufruída. Temos que a forma corresponde à estrutura da coisa enquanto que a
substância à sua capacidade produtiva. Quando se diz que o usufrutuário não pode alterar
a forma ou substância quer-se dizer que não a pode prejudicar. Se beneficiar, não há
qualquer sanção enquanto que se prejudicar há responsabilidade civil salvo se a alteração
da forma ou substância implicar mau uso por parte do usufrutuário (art. 1482º do CC). Aqui,
desde que o prejuízo seja considerável, o proprietário pode exigir que a coisa lhe seja
restituída ou entregue a terceiro mas, tanto num caso como noutro, o direito de usufruto não
se extingue. Deixa é de ser usufruto com natureza de direito real mas antes, usufruto com
natureza de direito de crédito já que aqui, o usufrutuário fica com o direito de receber o
rendimento líquido que a coisa possa proporcionar. Mas não o obtém por si, antes por uma
prestação a que está obrigado o proprietário ou terceiro.
O usufruto pode ainda ser limitado no seu exercício, embora seja supletivamente,
devendo respeitar-se o destino económico (art. 1446º do CC). Pode então ser afastado pelo
título constitutivo, o que implicará também as consequências do art. 1482º do CC se o
desrespeito pelo destino económico configurar mau uso. Temos também aqui uma excepção
que consiste na situação em que o usufrutuário tem o poder de alterar a forma e a substância
(“quase usufruto”), no caso de usufruto de coisa consumível (art. 1451º do CC). Este usufruto
tem uma natureza especial já que tem por objecto coisa cuja utilização normal implica a sua
destruição ou alienação (art. 208º do CC). Por isso, o usufrutuário, ao usar e fruir, está a
destruir a própria coisa, o que implica que o usufrutuário tem o poder de extinguir um direito
alheio mas, essa extinção, só se verifica com a efectiva utilização e assim, não é razoável
mas, perante a lei, a propriedade das coisas consumíveis objecto de usufruto, nunca se
transfere para o usufrutuário.
A lei admite que o usufruto pode ter tanto natureza real como de crédito. Não é só pelo
nome que se chega à conclusão da sua natureza. Pelo menos as situações dos arts. 1463º,
1464º, 1465º e 1467º do CC são casos de usufruto embora com natureza creditícia, porque o
direito do usufrutuário é um direito a uma prestação por parte de outra pessoa. De qualquer
modo, o regime do direito de usufruto aplica-se, salvo indicação em contrário, a ambos os
direitos embora com naturezas diversas. Certas disposições são exclusivas do usufruto como
direito real (Ex: 1460º e 1461º do CC).
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Direitos Reais - teóricas DIREITO DE USUFRUTO
Quanto aos modos de constituição vamos ter como formas gerais o negócio
jurídico, o contrato e por usucapião, embora exista a possibilidade dos usufrutos legais
(especiais) que resultam directamente da lei. Hoje, estes últimos, reduzem-se a situações
muito particulares. São os casos em que, por qualquer razão, o objecto do usufruto
desapareceu mas no lugar desse objecto, surge um outro bem (art. 1479º a 1481º do CC).
Temos então a sub-rogação real e, pelo menos em geral, a modificação do objecto, implica
a extinção do usufruto que existia sobre o objecto original e a constituição de um novo
usufruto a favor da mesma passa a ser sobre o bem que entrou em substituição do bem
originário. Este usufruto sobre o bem sub-rogado, é um usufruto que deriva directamente
da lei sendo por isso legal. A constituição do usufruto, podendo dar-se nos termos gerais,
implica que, quando o objecto do usufruto seja coisa imóvel, impliquem que o acto
constitutivo seja feito por escritura pública (art. 204º/1/d do CC sobre direitos inerentes).
Ainda quanto aos modos de constituição, surgem dois aspectos com certa
particularidade: em primeiro lugar, o usufruto, como qualquer direito real menor, pode
constituir-se “per translationem” em que o proprietário constitui o usufruto a favor de
outrem como aquisição derivada constitutiva ou então “per dedutionem” em que o
proprietário transmite a propriedade mas reserva para si o usufruto. Também é uma
aquisição derivada constitutiva mas, juntamente com uma aquisição derivada translativa.
Isto aplica-se à constituição de qualquer direito real menor mas, no usufruto possui uma
implicação. É a de que, em geral, quando se constitui o usufrutuário, deve-se prestar
caução (art. 1468º-B do CC) como forma de garantir o proprietário contra eventuais
depreciações da coisa. Quando temos uma constituição “per dedutionem”, porque o
usufrutuário era o anterior proprietário, não é exigível a caução (art. 1469º do CC). Em
segundo lugar, o usufruto é simultâneo e sucessivo (art. 1441º e 1442º do CC). Em ambos
são plurais, no sentido em que existem tantos direitos de usufruto quantos forem os
usufrutuários. É simultâneo já que estamos perante um caso de contitularidade aplicado ao
usufruto e portanto, na relação entre usufrutuários em simultâneo, aplica-se a compropriedade
(art. 1404º do CC). É sucessivo porque existe também, pluralidade de direitos de usufruto
constituídos ao mesmo tempo (através do mesmo acto constitutivo) mas o exercício desses
direitos está ordenado hierarquicamente (não exercem todos ao mesmo tempo mas cada um
por seu turno). Aqui, o proprietário limita-se a nomear diferentes usufrutuários que exercem o
seu direito segundo a hierarquia estabelecida pelo proprietário.
Teoricamente admite-se que o número de usufrutuários seja infinito. No entanto, para
evitar que, através do usufruto sucessivo, se conseguisse contornar o carácter temporário do
usufruto, o art. 1441º do CC exige que todos os usufrutuários sucessivos existam no momento
em que o primeiro usufrutuário começa a exercer sendo desconsiderados os que foram
nomeados mas que ainda não existem ou que já não existem. Na prática, o usufruto irá durar
a vida do último usufrutuário a exercer. É como se o usufruto tivesse sido logo constituído a
favor desse último usufrutuário.
Quanto à simultaneidade, está sujeita a uma regra que, sendo aplicável aos demais
casos de contitularidade, tem um âmbito superior ao normal: quando um dos usufrutos se
extinga, por qualquer razão, isso beneficia automaticamente os restantes usufrutuários que
assim passam a ter um uso e uma especial fruição, superior à que tinham antes. Por isso,
pelo art. 1442º do CC, pode dizer-se que a parte daquele que se extinguiu, acresce aos
demais usufrutuários. Por isso, a oneração para o proprietário somente desaparece quando
se extinguir o último dos usufrutos. No caso do usufruto tem um âmbito maior, já que em
geral, este acrescer só se verifica quando um dos contitulares renuncia ao seu direito. No
usufruto, esta regra de acrescer é supletiva (no acto constitutivo do usufruto pode ter sido
estabelecido que a extinção de um dos usufrutuários, em vez de beneficiar os restantes,
beneficia o proprietário, o qual ficará simultaneamente proprietário e usufrutuário, embora
neste último na medida da sua cota). Isto porque, se a extinção do usufruto beneficia o
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Direitos Reais - teóricas DIREITO DE USUFRUTO
proprietário, isso tem de implicar que o proprietário deva participar na repartição das
despesas e rendimentos. O critério que estabelece o montante da sua participação tem
que ser a cota que pertencia ao usufruto que se extinguiu. Bem, rigorosamente não se
extinguiu, antes se adquiriu.
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Direitos Reais - teóricas DIREITO DE USO E HABITAÇÃO
Direito de Uso e Habitação
Este direito consta dos arts. 1484º e segs. do CC, sendo este um direito de usufruto
só que com um fundamento específico, constituindo um limite, nos termos do art. 1484º/1
do CC. O direito de uso e habitação é um direito que se constitui para satisfazer certas
necessidades do seu titular e da sua família sendo por isso um direito real pessoal. Como
é um direito de usufruto, submete-se ao regime deste distinguindo-se o direito de uso e
habitação apenas pelo seu objecto (art. 1484º/2 do CC): habitação quando incide sobre
uma casa de morada; uso quando incida sobre uma outra coisa qualquer. A diferença do
objecto pode ter implicações. Do facto de o direito de uso e habitação se fundamentar na
necessidade do seu titular vão derivar algumas consequências particulares.
Imediatamente, o direito de uso e habitação é indisponível sob pena de se demonstrar a
desnecessidade, ou pelo menos, a diminuição da necessidade (art. 1488º do CC). Podem
surgir depois outras implicações no sentido de que o direito de uso e habitação, e apesar
da norma atribuir o uso e fruição, pelo art. 1488º do CC a fruição civil está praticamente
impedida (os frutos civis só se obtêm através de acto de oneração ou disposição). No
direito de habitação, como incide sobre a casa de morada, dificilmente haverá fruição: civil
porque a lei proíbe; natural porque um edifício não dá frutos.
Como segunda consequência da necessidade temos que o direito de uso e
habitação não se pode constituir por usucapião (art. 1485º e 1293º/b do CC). Isto porque a
usucapião é um efeito da Posse e portanto, aproveita a quem quer que seja possuidor. No
caso do uso e habitação, para haver usucapião seria necessário que, além da posse, o
possuidor tivesse a necessidade que justifica o reconhecimento do direito. Haveria aqui
uma certa coincidência. Outra razão aqui ligada vai no sentido de que a usucapião tem
que ser invocada judicialmente ou extrajudicialmente (perante juiz ou notário). No uso e
habitação seria necessário que o possuidor fizesse prova perante juiz ou notário de que
existiu uma necessidade subjacente à sua posse, o que na prática seria esquisito, sobretudo
quanto ao notário.
Como terceira consequência temos que, uma vez que a lei nada diz, o uso e habitação
fundamenta-se numa determinada necessidade, daí decorrendo que, se essa necessidade
desaparecer, o uso e habitação extingue-se. Por isso, a desnecessidade é uma consequência
específica da extinção do direito de uso e habitação que acresce às causas de extinção
constantes do art. 1476º do CC. Esta desnecessidade não opera automaticamente e por isso,
deve ser invocada pelo proprietário.
Como última consequência, constituído o usufruto, estamos perante uma
especialidade conjuntural: o direito de uso e habitação também se pode constituir por
sentença, no caso previsto no art. 2103º-A (na partilha dos bens por sucessão mortis-causa, o
cônjuge sobrevivo tem o direito de requerer a constituição do direito de uso e habitação sobre
a casa de morada de família, se essa casa não lhe couber em propriedade pela partilha
considerando-se esta atribuição preferencial por sentença judicial ). Este é um caso anormal
já que as sentenças só são admissíveis para constituir direitos reais nos casos de execução
específica.
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Direitos Reais - teóricas DIREITO DE SUPERFÍCIE
Direito de Superfície
Este direito consta do arts. 1520º e segs. do CC implicando a separação jurídica
entre a propriedade do solo e a propriedade da construção ou plantação existentes nesse
mesmo solo. Existe o fundeiro e o proprietário da dita plantação ou construção. Quem
procede à plantação ou construção será o superficiário (em princípio). O direito de
superfície começa por consistir no direito de construir ou plantar. Porém, o art. 1528º do
CC admite que o direito de superfície se constitua sobre construção ou plantação já
existentes. Neste caso, o direito de superfície constitui-se apenas através de um acto que
implica a separação jurídica de algo que antes era uma única coisa. O superficiário tem,
simultaneamente, dois direitos:
1º. O direito de superfície que incide sobre o solo que é direito real menor;
2º. O direito de propriedade sobre a construção ou plantação superficiária.
Significa isto que, ao contrário da doutrina dominante, o objecto do direito de superfície é
apenas o solo e daí que o direito de superfície se mantenha mesmo que a construção ou
plantação não se faça. O não exercício prolongado implicará extinção por não-uso (art.
1536º/1/a do CC). Pelo facto de incidir sobre o solo decorre que, eventualmente, se a
construção ou plantação desaparecerem , em regra, o direito de superfície mantém-se
salvo se no acto de constituição do direito de superfície se tiver estipulado o contrário (art.
1536º/2 do CC). De todo o modo, se o objecto do direito de superfície fosse a própria
construção ou plantação, o desaparecimento desta implicaria, necessariamente, a extinção
do direito de superfície, o que não sucede. Extingue-se sim a propriedade sobre a
construção ou plantação.
Sobre a construção ou plantação o direito de superfície só pode ser um direito
de propriedade porque, sabre estes, o superficiário tem os poderes que são concedidos pelo
art. 1305º do CC que é igual à propriedade com a excepção (que não o é rigorosamente) de
que o direito de superfície pode ser constituído de forma perpétua ou temporariamente, ou
seja, está sujeito a um termo resolutivo e por isso, quando o direito de superfície é temporário,
extingue-se o direito de superfície pelo decurso do prazo e a construção ou plantação passam
a pertencer ao fundeiro. Por isso, o fundeiro tem uma expectativa de aquisição da propriedade
sobre a plantação ou construção (art. 1538º/1 do CC), razão pela qual o superficiário tem um
dever especial de diligência já que não pode praticar actos que possam ofender a expectativa
de aquisição do fundeiro. Rigorosamente, o superficiário está obrigado a actuar pelo Princípio
da Boa- Fé Objectiva já que os actos sujeitos a termo resolutivo estão submetidos, pelo art.
178º do CC, ao regime dos negócios condicionais aplicando-se os arts. 272º e 273º do CC: o
superficiário deve actuar segundo a boa-fé; o fundeiro pode cuidar da sua aquisição,
conservando o objecto da sua expectativa. Porém, a propriedade do superficiário tem uma
limitação especial.
Hoje, admitem-se três tipos de direitos de superfície:
1. Tradicional- direito de superfície sobre solo alheio;
2. O direito de superfície de plantar ou construir no subsolo (art. 1252º/2 do
CC);
3. O direito de sobre-elevação- concede-se o direito de construir em edifício
alheio (art. 1526º do CC) acrescentando andares sobre um edifício já existente.
Quanto a este último tipo, só se pode falar em direito de superfície até à
conclusão da sobre-elevação porque, após isso, passam a existir duas fracções (a que já
existia e aquela que foi acrescida á originária, pertença do superficiário). Segundo o art. 1526º
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Direitos Reais - teóricas DIREITO DE SUPERFÍCIE
do CC, a partir da conclusão da sobre-elevação, o regime passará a ser o da Propriedade
Horizontal, extinguindo-se o direito de superfície. No máximo, aplica-se o art. 1410º do CC
ficando a situação transitoriamente como compropriedade até que o titulo constitutivo seja
elaborado. Se não for, poderá recorrer-se, através do art. 1417º do CC a sentença de
divisão de coisa comum constituindo a Propriedade Horizontal.
Os modos de constituição genéricos constam do art. 1528º do CC: nj e usucapião.
Quanto a esta última, há quem sustente que o direito de superfície não se possa constituir
em qualquer caso. Apenas quando o direito de superfície se constitui através da separação
judicial entre a propriedade do solo e a propriedade da plantação ou construção já
existente (art. 1528º/última parte). Na usucapião pressupõe-se: a Posse de uma coisa; que
essa Posse se mantenha durante certo prazo. Neste caso, o superficiário tem um objecto
para a sua Posse (a construção ou plantação já existente). Por isso, à contrário, alguns
autores dizem que não pode haver Usucapião do direito de superfície quando a construção
ou plantação não exista e a sua existência dependa da actuação do superficiário que
construiu ou plantou. Não se pode falar em Posse sem construção ou plantação mas, a
partir do momento em que o superficiário inicia a construção ou plantação, já há actos que
demonstram o “Apossamento” e a Posse, iniciando-se a contagem dos prazos para a
usucapião.
Quanto aos direito que assistem ao fundeiro vamos ter:
1º. Tem o direito de usar e fruir o solo enquanto a construção ou plantação
não se iniciarem (art. 1532º do CC);
2º. Pode usar e fruir todas as partes do solo que não estejam abrangidas pela
construção ou plantação superficiária (resulta isto, embora mal, do art. 1533º do CC já que,
quando em 1991 se alterou o art. 1525º/2 do CC e se passou a permitir o direito de superfície
no subsolo, esqueceram o art. 1533º do CC que está escrito a pensar no direito de superfície
emergente unicamente sobre o solo e não no subsolo);
3º. Segundo ao art. 1535º do CC, tem o direito de preferência na venda ou
dação em cumprimento do direito de superfície embora essa preferência esteja graduada em
último lugar em relação às preferências legais;
4º. Normalmente existe também o direito de receber (exigir) a prestação
pecuniária anual correspondente ao “Canon Superficiário” (art. 1530º do CC) no caso de tal
ter sido estipulado;
5º Existe também a expectativa de aquisição da construção ou plantação
quando a superfície seja temporária (art. 1538º/1 do CC). Neste caso, verificado o termo do
prazo, a propriedade da construção ou plantação é automaticamente adquirida pelo fundeiro
(Acessão industrial imobiliária). Porém trata-se de uma Acessão com um regime especial:
i) sempre a favor do proprietário do solo;
ii) o fundeiro só tem obrigação de compensar o superficiário pelo
enriquecimento sem causa que obteve, se no acto de constituição do direito de superfície, não
se estabelecendo nada em contrário (art. 1538º/2 do CC). Por isso, a obrigação de compensar
o superficiário tem carácter supressivo;
iii) quando no acto constitutivo do direito de superfície se tenha afastado a
obrigação de compensar o superficiário sendo que pode ser até este a ficar obrigado a
indemnizar o fundeiro se a construção ou plantação sobre algum dano relativo a um
comportamento imputável ao superficiário (art. 1538º/3 do CC);
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Direitos Reais - teóricas DIREITO DE SUPERFÍCIE
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Direitos Reais - teóricas SERVIDÕES PREDIAIS
Servidões Prediais
Ao contrário dos outros direitos reais de gozo, é um direito subjectivamente real, ou
seja, a sua titularidade não é determinada directamente mas antes indirectamente através
de outro direito real, normalmente propriedade ou usufruto porque, a Servidão Predial
destina-se a beneficiar objectivamente um determinado imóvel e por isso, beneficia quem
quer que seja que tenha o direito de gozo sobre esse prédio beneficiado. Por isso, o titular
da Servidão é a pessoa que tem propriedade ou usufruto (art. 1460º do CC) do prédio
beneficiado com a Servidão. Esta caracteriza-se por três aspectos:
1. Destina-se a beneficiar um determinado prédio;
2. Impõe uma oneração (servidão) sobre um outro prédio que fica
juridicamente subordinado para certo efeito ao prédio beneficiado (prédio dominante);
3. A Servidão Predial concede ao prédio dominante uma única utilidade que
pode consistir no uso ou fruição só que concede, não qualquer uso ou fruição, mas antes
uma certa e determinada utilização ou determinado rendimento. Exemplo disto é a
Servidão de passagem que concede uma utilização relativa ao uso mas apenas para
passar. Essa utilidade (art. 1543º e 1544º do CC) deve ser ulidade objectivamente
concedida ao prédio dominante. Pretende-se proibir a atribuição de vantagens singulares a
uma pessoa directamente. Se assim não fosse, não era uma Servidão Predial nem sequer
um direito real mas antes uma “Servidão Pessoas” que, entre nós, não pode ter outra
classificação que não seja a de direito de crédito. O exemplo vai no sentido de que,
alguém sobre seu conceder a outrem o direito deste caçar no seu prédio em que não
temos uma Servidão Predial e, no máximo, temos um direito de crédito. Se este direito de
caçar é concedido aos utentes de um determinado hotel, então já temos uma Servidão
Predial.
Existe hoje uma certa tendência para restringir o mais possível a Servidão Predial a
casos em que a ligação entre a utilidade concedida e o prédio dominante seja uma ligação
necessária, uma tendência para associar a Servidão à Servidão legal de passagem do prédio
encravado. Nesta última, a necessidade é extrema. Na primeira situação a própria lei prevê
um caso (art. 1556º do CC) que também é um caso de Servidão de Passagem para ter
acesso a águas públicas devido a necessidades domésticas. Aqui, até é difícil demonstrar a
ligação objectiva entre a utilidade e o prédio dominante. O critério que parece mais correcto
para identificar a ligação objectiva é o da própria utilidade económica: haverá ligação objectiva
entre a utilidade concedida e o prédio dominante sempre que essa utilidade tenha algo a ver
com a finalidade económica do prédio dominante. Assim está demonstrada a ligação
objectiva. Temos como exemplo uma determinada empresa comercial num edifício que
pretendia colocar um reclamo noutro prédio. Pode-se recorrer à Servidão de Passagem
porque a utilidade que o prédio serviente fornece está relacionada com a finalidade
económica do prédio dominante da empresa comercial que está instalada (art. 1544º do CC).
Admite-se que as Servidões de Passagem possam ter qualquer conteúdo estando por isso
submetido ao Princípio da Autonomia da Vontade (art. 405º do CC).
Para o prédio serviente, a Servidão implica apenas e sempre a imposição de um
comportamento negativo ao proprietário ou a quem tenha direitos sobre o prédio serviente,
não se admitindo Servidões “in faciendo” por força das quais o proprietário do prédio
serviente fique obrigado a um comportamento positivo (facere ou dare). Isto porque a utilidade
que o prédio dominante beneficia, é proporcionada pelo prédio serviente. Admite-se é que, a
título acessório, o proprietário ou usufrutuário do prédio serviente possa ficar obrigado a
determinado comportamento positivo destinado a permitir ou facilitar o exercício da servidão
(art. 1567º/4 do CC). Embora a lei não refira expressamente que a Servidão é Predial (art.
1543º do CC), admite-se que a Servidão se constitua entre coisas imóveis que não sejam
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Direitos Reais - teóricas SERVIDÕES PREDIAIS
prédios. Temos o exemplo da Servidão Predial entre fracções autónomas de edifício em
Propriedade Horizontal.
A Servidão Predial distingue-se das restrições legais por um aspecto: as restrições
legais resultam directa e imediatamente da lei, e por isso, colocam o proprietário do prédio
objecto de restrição legal imediatamente sujeito a esta mesma restrição no instante em
que se verifica o facto que dá origem á imposição da restrição (Ex: art. 1349º/1 do CC).
Mesmo nas Servidões legais impróprias, a Servidão nunca se constitui apenas por
efeito legal. A Servidão, para existir, depende sempre de um acto de constituição. Em
último caso, as Servidões Legais, poderá recorrer-se a Tribunal para constituir a Servidão,
mas é necessário obter sentença (art. 1550º do CC).
Quanto á constituição da Servidão, aplicam-se os modos gerais. Acresce a estes
modos gerais, um modo específico que é a Destinação do pai de família do art. 1549º do
CC. Trata-se de um caso em que uma situação meramente factual se converte numa
situação jurídica através da constituição da Servidão. Aqui, pressupõe-se que,
inicialmente, existam dois imóveis que pertença à mesma pessoa; que entre os dois
prédios exista uma relação de serventia (um dos prédios está a dar um determinado
serviço ao outro prédio); relacionado com a serventia, se revele exteriormente por sinais
visíveis e permanentes permitindo que terceiros se apercebem da provável existência da
serventia. A razão deste último pressuposto está no facto de que a relação de serventia irá
passar a Servidão Predial quando um dos prédios passar a pertencer a pessoa diferente.
Neste caso já temos o art. 1543º do CC. Se o terceiro que adquire um dos prédios adquire
o serviente, deve existir um qualquer meio para publicitar a serventia de modo a que o
terceiro adquirente não seja apanhado desprevenido. Essa constituição não é imperativa já
que o art. 1549º do CC admite que, no acto que opera a transmissão de um dos prédios
para terceiro e, se esse acto existir, se declare que a serventia não irá dar origem a uma
Servidão.
Tradicionalmente as Servidões podem ser:
1. Legais- a lei permite a sua constituição coerciva através de sentença ou acto
administrativo. Não se constituem pela lei, são sim constituídas unilateralmente ou
potestativamente. A Servidão legal tanto pode ser constituída por sentença, acto
administrativo ou por contrato, usucapião ou destinação de pai de família. Em todos estes
casos a Servidão é legal já que a possibilidade de ser constituída potestativamente existe
sempre. Não é o modo constitutivo em concreto que qualifica a Servidão.
2. Servidões Voluntárias- não se podem constituir potestativamente, por
sentença ou acto administrativo. Não são as que derivam de negócio jurídico.
A relevância jurídica desta distinção está em que:
1º. Só nas Servidões Voluntárias é que se aplica o art. 1544º do CC já que,
quanto às Servidões Legais a lei só concede o poder potestativo de constituir, para
determinado efeito, para determinada utilidade, sob pena de se tratar de uma Expropriação. O
exemplo aqui vai no sentido de que não é qualquer Servidão de Passagem que é legal. Só é
uma Servidão Legal a favor de prédio encravado ou a favor de prédio que não tem acesso a
águas (art. 1556º do CC);
2º. Quando a Servidão Legal seja concretamente constituída por sentença ou
acto administrativo o proprietário do prédio dominante fica obrigado a pagar ao proprietário do
prédio serviente uma indemnização correspondente à depreciação que causa ao prédio
53
Direitos Reais - teóricas SERVIDÕES PREDIAIS
serviente por causa da constituição da Servidão. Temos os exemplos dos arts. 1554º,
1557º/1 e o 1558º/1 do CC;
3º. A diferença entre os dois tipos está na sua extinção: as Servidões
Legais têm uma causa específica de extinção que só excepcionalmente se aplica às
Servidões Voluntárias. As Servidões Legais fundamentam-se numa situação de
necessidade extrema em que está o prédio dominante (Ex: não ter passagem para a via
pública). Se essa necessidade cessa no futuro, justifica-se a extinção da servidão do art.
1569º/3 do CC (Desnecessidade). Esta desnecessidade não se produz autonomamente,
tem de ser requerida (art. 1569º do CC).
Uma segunda classificação consta do art. 1548º/2 do CC e divide:
1. Servidão Aparente- revelam-se por sinais (nuances) físicos visíveis e
permanentes;
2. Servidão não Aparente- quando os sinais não se revelam;
A relevância jurídica está em que:
1º. Pelo art. 1548º/1 do CC, as Servidões não Aparentes não podem ser
adquiridas por usucapião (art. 1293º/a do CC). Isto porque, não havendo sinais visíveis e
permanentes, é difícil averiguar se, no caso concreto, a pessoa pretendia efectivamente
fazer valer um direito ou se está apenas a beneficiar da tolerância do legítimo proprietário.
Temos o caso de alguém que passa por determinado sitio mas em que não existem sinais
visíveis nem permanentes;
2º. As Servidões não Aparentes não podem ser constituídas por destinação de
pai de família porque esta destinação pressupõe uma serventia que se revele por sinais
visíveis e permanentes;
3º. Em princípio, as Servidões não Aparentes não podem ser defendidas
através de Acções Possessórias (art. 1280º do CC). Estas acções destinam-se a defender a
Posse, a apreensão material da coisa. Nas Servidões não Aparentes, em geral, não se
consegue perceber se aquele que tem a apreensão material tem Posse ou apenas benefício
de tolerância do outro. Em geral, conceder Acção Possessória podia implicar a atribuição de
acções que são exclusivas da Posse.
Isto possui a excepção do art. 1290º do CC: a Acção Possessória pode ser
intentada por aquele que tem uma Servidão não Aparente desde que se consiga provar que
exista um título (Ex: contrato) obtido a partir do proprietário do prédio serviente do qual se
pode presumir a existência da Servidão. Limitou-se, embora com pouco sentido, aos casos
em que esse título seja proveniente do proprietário actual do prédio serviente ou então do
proprietário imediatamente anterior sob pena de serem títulos irrelevantes;
4º. Nas Servidões não Aparentes o registo da sua constituição tem eficácia
normal, ou seja, consolidativa. Nas Servidões Aparentes o registo da sua constituição é
irrelevante e por isso, se for feito (apesar de tal não ser muito comum) terá eficácia
enunciativa;
As Servidões ainda podem ser classificadas como Positivas ou Negativas- a Servidão
Predial implica sempre uma abstenção não se admitindo as Servidões Prediais “in faciendo”.
No entanto esta abstenção que é imposta ao proprietário do prédio serviente pode revestir
54
Direitos Reais - teóricas SERVIDÕES PREDIAIS
uma de duas: apenas no não fazer e será Servidão Negativa ou no simples tolerar e será
uma Servidão Positiva;
A relevância jurídica não é nenhuma, ou melhor, é indiferente: em primeiro lugar,
as Servidões Negativas são sempre Servidões não Aparentes e por isso, estão
indirectamente sujeitas ao regime aplicável a estas; em segundo lugar, as Servidões
Positivas podem ser Aparentes ou não Aparentes.
55
Direitos Reais - teóricas POSSE
Posse
Juridicamente, a Posse implica desde logo a apreensão material de uma coisa.
Implica que uma coisa corpórea esteja sob domínio de uma pessoa. Trata-se aqui de um
requisito mínimo. Esta apreensão material pode ser entendida, perante a lei, em dois
sentidos diferentes: posse propriamente dita ou detenção (que é utilizada pela lei para
desvalorizar certos tipos de apreensão material, de modo a evitar que nessa caso se
verifiquem os efeitos da posse dos arts. 1268º e segs. do CC). Esta distinção corresponde
a uma ideia teórica mas que é de difícil concretização: não só por razões de evolução
histórica, mas também por razões ligadas a certas necessidades mais ou menos
transitórias mas que, legalmente, permanecem previstas. É por isso que a distinção entre
Posse e Detenção implica sempre abordar duas concepções de Posse que se opõem:
1. Concepção Subjectiva da Posse- é a concepção tradicional em que a
existência da Posse implica a coexistência de 3 elementos:
i) “Corpus”- é a apreensão material da coisa constituindo assim o
requisito material mínimo da Posse.
ii) “Animus Detinendi”- é a intenção de ter a coisa em seu poder
constituindo o requisito subjectivo mínimo. Para excluir a Posse, nos casos em que a
pessoa tem apenas apreensão material, não tem que se ter consciência dessa mesma
Posse. O exemplo vai no sentido de uma pessoa, em estado de coma, com incapacidade,
que não lhe permite apreender o significado da apreensão material. Este requisito já é, de
certo modo discutível, embora excepcionalmente (o art. 1266º do CC admite que aqueles
que não têm capacidade para entender, ou seja, capacidade natural, podem adquirir a
Posse sobre coisa susceptível de ocupação, ou seja, abandonada ou sem dono, sendo
que, neste caso o “animus detinendi” não é exigível.
iii) “Animus Possidendi”- para haver Posse tem que existir a intenção
de actuar como titular de um direito real, normalmente de gozo. Como isto é de difícil
averiguação, na prática, existem dois modos de apurar a existência ou não deste requisito: de
uma forma abstracta ou concreta. A opção normal da jurisprudência vai no sentido do
apuramento concreto, ou seja, é avaliado perante os actos materiais ou jurídicos praticados
num caso concreto ( Por exemplo, se A promete vender a B um imóvel entregando-o a B e
este começa a habitar fazendo benfeitorias e celebra contratos de água, luz e gás, existem
actos materiais suficientes para se dizer que o promitente comprador está a actuar como se
fosse proprietário, havendo aqui o “animus possidendi” e, consequentemente, Posse). Esta
opção levanta no entanto o problema de que, deste modo, o critério torna-se
extraordinariamente subjectivo especialmente pelos actos praticados e por quem os aprecia.
Por isso, na apreciação em abstracto, presume-se ou não o “animus
possidendi” a partir do acto jurídico que fundamenta a aquisição da Posse. Assim, se o acto
jurídico que fundamenta a aquisição da Posse corresponde a um tipo que é apto a transmitir
ou constituir direitos reais de gozo, haverá “animus” mesmo que, no caso concreto, esse acto
seja inválido. Em rigor, supõe-se que é inválido. Então, à contrário, se o acto que fundamenta
a aquisição da Posse corresponde a um tipo que não está apto a transmitir ou constituir
direitos reais de gozo, não haverá “animus possidendi” nem, consequentemente Posse mas
antes Detenção. Aplicando esta concepção podemos dizer que quanto ao CP não há Posse
porque este tipo de contrato não está apto a transmitir direitos reais de gozo. No máximo,
poderá transmitir direitos de crédito ou direitos reais de aquisição. Seja qual for a vertente de
averiguação, para a concepção subjectiva, a falta de “animus possidendi” implica que
estejamos perante um caso de Detenção e não de Posse já que para a primeira os requisitos
são apenas dois: “corpus” + “animus detinendi”.
56
Direitos Reais - teóricas POSSE
2. Concepção Objectiva da Posse- existindo apreensão material, ou seja,
“corpus”, e “animus detinendi”, à Posse. Isto não tanto porque na concepção objectiva se
exija o “animus possidendi” mas antes porque se considera que o “animus possidendi”
está implícito no “corpus”. Quando a pessoa exerce a apreensão material, já está implícito
que o faz com determinada intenção não se considerando o “animus possidendi” de forma
autónoma. Isto por uma razão de ordem prática que assenta no facto de as intenções
psicológicas serem dificilmente demonstráveis só se alcançando tal desiderato por via de
presunção e muito insegura. Na concepção objectiva só haverá Detenção quando exista
norma legal a qualificar certa situação, não como Posse, mas como Detenção. Significa
isto que, na concepção objectiva, a regra é a de que, existindo apreensão material, há
Posse salvo se a lei disser o contrário. Esta concepção é mais fácil de aplicar.
A grande diferença entre as duas concepções é a de que na objectiva, o âmbito da
Posse é maior (o número de casos que pela concepção objectiva são de Posse é mais
amplo do que pela concepção subjectiva). Embora pela subjectiva, para evitar certas
disparidades práticas, se tenha, embora algo contraditoriamente, atribuído a um certo tipo
de casos alguns efeitos da Posse que, pela concepção subjectiva são de Detenção.
Exemplo disto é o caso do Comodatário que, pela concepção subjectiva é detentor (não
tem “animus possidendi”), embora a lei lhe atribua a possibilidade de recorrer às Acções
Possessórias mas que na concepção objectiva o problema não se põe. O problema
teórico aqui posto é algo contraditório.
Embora tradicionalmente se entenda que o CC optou pela concepção subjectiva,
na verdade existem normas que são compatíveis tanto com uma teoria como com outra.
Hoje em dia não há unanimidade. Exemplo disto á o facto de que a principal disposição a
favor da concepção subjectiva ser a da al. a) do art. 1253º do CC onde se diz que são
detentores os que têm o poder de facto (apreensão material) mas sem a intenção de agir
como beneficiários do direito. À contrário, se na Detenção não existe a intenção de actuar
como beneficiário do direito, na Posse actua-se com essa intenção. Quanto à concepção
objectiva, temos o caso duvidoso do art. 1252º/2 do CC em que se presume que aquele que
tem a apreensão material é o possuidor, o que significa que a regra é a Posse e a excepção a
Detenção.
Ora, tanto na concepção subjectiva como na objectiva é preciso distinguir, embora a
lei não o faça:
1. Posse Causal- tem este tipo de Posse aquele que se fundamenta num
direito real, normalmente de gozo, quem tiver apreensão material da coisa por causa de um
direito real que está na sua titularidade. Por isso, o proprietário tem Propriedade Causal na
propriedade, no usufruto e o titular da Servidão.
2. Posse Formal- só aparentemente (formalmente) é que aquele que tem a
apreensão material exerce um direito. Na realidade, não a tem. Significa isto que:
Ex.1: o ladrão, se usar a coisa furtada, aparentemente, actua como se
fosse proprietário (externamente) não o sendo de verdade;
Ex.2: aquele que celebrou um contrato de C/V tendo obtido a entrega
da coisa mas em que a C/V é inválida, por várias razões, quando actua, actua como se
tivesse o direito em causa mas não tendo de facto;
Ex.3: caso do CP em que o promitente comprador tenha Posse, esta é
meramente formal já que o CP não lhe atribui o direito de propriedade;
57
Direitos Reais - teóricas POSSE
O regime jurídico da Posse consta dos arts. 1251º e segs. aplicando-se tanto à
Posse Causal como à Posse Formal. Tem é que existir a Posse sendo indiscutível que
este regime está pensado sobretudo para a Posse formal essencialmente porque o
possuidor causal, aquele que tem realmente o direito, já beneficia do regime próprio do
direito que fundamenta a posse. Isto tem como consequência que a Posse Causal pode, à
escolha, socorrer-se do regime que lhe aprouver ao contrário da Posse Formal.
Apesar de ser uma situação de facto, tem relevância jurídica porque produz
diversos efeitos jurídicos e por isso a Posse é simultaneamente uma situação de facto e
um direito subjectivo. A questão está em saber a natureza do direito subjectivo: real ou de
crédito. Argumento utilizado para obstar à natureza real da Posse resulta do art. 1281º/2
do CC sob designação de Acção Restitutiva da Posse em que o possuidor foi privado da
sua Posse contra a sua vontade (tecnicamente é Esbulhado). Aqui, o possuidor que foi
privado da sua Posse pode intentar este tipo de acção para que a coisa seja restituída.
Porém o art. 1281º/2 do CC restringe o âmbito dessa acção porque só permite que seja
intentada contra quem esbulhou pelos herdeiros ou terceiros que tenham adquirido a
Posse da mesma coisa mas neste último caso, desde que conheça o esbulho inicial. O
argumento consiste em dizer que a Acção Restitutiva não vale, não é oponível contra
qualquer pessoa. Porém, se aceitarmos isto assim não há nenhum direito real já que em
certas circunstâncias (Ex: art. 291º do CC ou art. 17º/2 do CRPredial) a propriedade, que é
o direito real por excelência, também não pode ser invocada contra terceiros. O art.
1281º/2 do CC limita-se a restringir o âmbito da oponibilidade mas não a nega porque, pelo
menos, a acção pode ser intentada contra terceiros de má-fé. Por essa razão a
generalidade das opiniões vai no sentido de que a Posse é um direito real de gozo,
certamente “sui generis”, acima de tudo porque pressupõe uma apreensão material o que
os outros direitos reais só pressupõe, eventualmente, a Posse, pelo menos para se
constituir. A Posse Causal possui dois direitos reais: Posse e o direito que é causa da
Posse. Segundo o art. 1251º do CC, a Posse, para ser relevante, deve referir-se sempre a um
direito real. Isto significa (não sendo de todo correcto) que, quando uma actuação material se
refere a um direito que não seja real, não haverá Posse mas apenas Detenção. Significa isto
que o objecto da Posse só pode consistir em direitos reais por um lado e, direitos reais que
tipicamente pressupõem a apreensão material por outro (são os casos dos direitos de gozo e
de certos direitos reais de garantia como sejam o Penhor, a Retenção e eventualmente a
Consignação de Rendimentos.
Também é verdade que, rigorosamente, o objecto da Posse não é o direito real mas
antes e sempre uma coisa mas a actuação material sobre uma coisa aparece sempre referida
a um direito real, isto é, teoricamente tem-se Posse sobre uma coisa como se fosse
proprietário, usufrutuário ou titular de uma servidão. Em todos estes casos, o objecto da
Posse é a coisa. A actuação material tem que ser correspondente (semelhante) àquela que o
proprietário, usufrutuário ou titular da servidão teriam. Exemplo disto é o caso de alguém
utilizar um prédio que não lhe pertence para passar em que a sua actuação material aparece
referida a uma servidão de passagem. Rigorosamente, o objecto da Posse é a sua referência.
Ora, a divergência surge quanto aos âmbitos dessa referência. A Opção tradicional vai no
sentido de que só há Posse quando a referência for a um direito real de gozo. Quando a
referência for a outro direito real qualquer que não de gozo temos Detenção. É porém uma
opção excessiva já que tudo depende do efeito para o qual se considera a Posse:
i) Efeitos de Usucapião- só há Posse quando a actuação material se refira a
um direito real de gozo porque o art. 1287º do CC restringe expressamente a usucapião dos
direitos reais de gozo;
ii) Efeito de Acções Possessórias- já se deve dizer que existe Posse tanto
quando a referência é a um direito real de gozo ou a um direito real de garantia porque a lei
58
Direitos Reais - teóricas POSSE
atribui expressamente este tipo de acções aos titulares de direitos reais de garantia que
pressuponham a apreensão da coisa (Ex: art. 670º do CC quanto à Posse);
Quanto às espécies de Posse vamos ter (arts. 1258º e segs.):
A. (art. 1259º do CC):
Posse Titulada- quando existe um título a fundamentar a aquisição
da Posse. Entende-se por título o acto jurídico (negócio ou não) que tipicamente,
abstractamente, seja apto à transmissão ou constituição de um direito real que justifique a
apreensão da coisa.
1º. Aqui há-de ser um acto jurídico que tenha capacidade para,
se fosse válido, transmitir um direito real. Trata-se de um raciocínio semelhante ao que se
faz para a avaliação em concreto e em abstracto que vimos anteriormente. Se o
fundamento é a C/V, Doação, Troca ou Testamento, a Posse será titulada; Se o
fundamento for o CP, C Arrendamento ou o Comodato, se existir Posse esta será não
titulada.
2º. Pressupõe-se que esse título é inválido porque estas
espécies de Posse só se aplicam à Posse Formal e por isso, se o título for válido, a Posse
é Causal. No entanto, essa invalidade só pode ser substancial (art. 1259º/1, à contrário). A
Posse será não Titulada: quando não exista título (Ex: ladrão); quando o título seja
juridicamente inexistente (Ex: C/V obtida por Coacção Física pelo art. 246º do CC); quando
o título exista mas seja formalmente inválido. Esta última conclusão pode ser absurda já
que, por exemplo, se a C/V é inválida por Coacção Moral, nomeadamente anulada sendo a
invalidade substancial e a Posse Titulada. Daqui se retira que se falta a escritura pública a
Posse é não Titulada. Por aqui vemos que a situação mais grave é, não a da falta da
escritura pública mas antes a da Coacção Moral. Por aqui vemos que a última conclusão
não procede. O que está aqui em causa liga-se à Usucapião, ou seja, quando a Posse é
Titulada, em princípio, essa Posse tem maiores benefícios para o possuidor. Mas, na
usucapião, a Posse Titulada só tem o benefício de diminuir o prazo para usucapir, se além do
título existir, e houver registo predial nos termos do art. 1294º do CC. Ora, seria inútil dizer
que a Posse é Titulada mesmo quando existisse invalidade formal porque, nesses casos,
seria praticamente impossível obter o registo já que a invalidade formal é por demais evidente
para o Conservador e por isso não se conseguiria obter o registo, não tendo qualquer
relevância dizer que a Posse era Titulada ou não.
B. (art. 1260º do CC):
Posse de Boa-fé- o art. 1260º/1 pressupõe que o possuidor desconhece
que a sua Posse prejudica terceiros traduzido-se esta boa-fé como subjectiva. No entanto,
apesar de a lei não o dizer claramente, o critério para averiguar a boa ou má-fé é um critério
objectivo, ou seja, o critério do Homem-Médio. Está de boa-fé quem desconhece, não
devendo conhecer, ou melhor, sem ter culpa.
Para facilitar a aplicação deste critério, o art. 1280º do CC contém dois
presunções: a primeira é a de que a Posse Titulada é Posse de Boa-fé e portanto, a Posse
não Titulada é de má-fé; a segunda é a de que, segundo o art. 1260º/3, a Posse adquirida
com violência é sempre Posse de Má-fé (esta presunção é inilidível).
A relevância desta distinção opera a três níveis:
i) Usucapião- a Boa-fé reduz os prazos desta;
ii) Rendimentos (frutos)- o Possuidor de Boa-fé tem direito aos
frutos naturais e civis até ao momento em que lhes seja dado a conhecer que a sua Posse
prejudica terceiros (art. 1270º do CC). P possuidor de má-fé não tem quaisquer direito aos
frutos (art. 1271º do CC) sendo que, se os recebeu, terá que os restituir;
59
Direitos Reais - teóricas POSSE
iii) Benfeitorias (art. 1273º e 1275º do CC)- especialmente
quando sejam benfeitorias voluptuárias, já que é neste caso em que a Posse de Boa-fé
pode levantar essas benfeitorias (art. 1275º/1);
C. (art. 1261º do CC):
A Posse pode ser Pacífica ou Violenta. Segundo o art. 1261º/2 do
CC, a Posse será Violenta quando tenha sido constituída mediante Coacção Física ou
Moral. Á contrário, noutros quaisquer casos que não estes a Posse é Pacífica.
A relevância está relacionada com a determinação dos prazos
possessórios mas não ao nível da duração do prazo, isto ao nível do começo da contagem
do prazo, ou seja, quando se estabeleçam prazos para determinar certos efeitos
possessórios, esses prazos não começam a contar enquanto a Posse for Violenta.
Exemplo disto acontece na Usucapião em que, segundo os arts 1297º e 1300º/1 do CC em
que existe perda da Posse contra a vontade do anterior possuidor (art. 1267º/2 do CC) e
opera o art. 1282º do CC para intentar a Acção Possessória de Restituição ou
Manutenção.
D. (art. 1262º do CC):
A Posse pode ainda ser Pública ou Oculta. Será Pública quando
seja exercida de forma a que possa ser conhecida pelos interessados, bastando que exista
a possibilidade de conhecimento. Será Oculta quando não possa ser conhecida.
A relevância desta distinção está nos mesmos termos que a anterior:
quando existir determinado prazo para certo efeito possessório, esse prazo não começa a
correr enquanto a Posse for Oculta.
Vamos agora falar dos modos de aquisição da Posse:
1. Originária:
i) art. 1263º/a do CC;
ii) art. 1263º / d) e art. 1265º do CC;
2. Derivada:
i) art. 1263º/b;
ii) art. 1263º/c e art. 1264º do CC;
iii) “Traditio Brevi Manu”;
* está figura não está prevista de forma literal.
1. Originária:
i) “Apossamento”- pressupõe que alguém que não exerce qualquer
domínio de facto sobre a coisa passe, a partir de certo momento, a ter domínio de facto sem o
consentimento da pessoa que antes o tinha (o domínio de facto). O exemplo de sempre é o do
ladrão que adquire a Posse. Para haver “Apossamento é necessário preencher determinados
requisitos:
a) aquele que adquire o domínio de facto pratica actos materiais
sobre essa coisa porque, se o domínio é de facto, só se consegue o mesmo com a prática de
actos materiais. Temos o exemplo de alguém vender a outrem uma coisa que não lhe
pertence, supondo que a coisa está em poder do legítimo proprietário, esta venda não implica
a aquisição da Posse (tanto pelo vendedor como pelo comprador);
b) os actos materiais têm que significar, de forma suficiente,
para que se possa dizer que a coisa ficou subordinada no domínio de facto de certa pessoa.
Temos o exemplo de que não basta passar ocasionalmente num terreno de outrem para que
60
Direitos Reais - teóricas POSSE
se constitua sobre esse terreno a Posse de uma Servidão, Já, se a passagem não é
contínua, os actos praticados não permitem concluir pelo Apossamento. Literalmente, o
art. 1262º/a do CC diz-nos apenas que deve existir uma prática reiterada. Porém, tem-se
entendido que esta excepção não pode ser levada à letra porque tudo depende do caso
concreto e das suas circunstâncias concomitantes:
x- casos em que só se possa concluir pelo
“Apossamento” através da prática continuada;
y- casos em que basta um único acto para haver
“Apossamento” (Ex: o que furta coisa móvel adquire Posse pelo facto de ter furtado);
z- quando os actos materiais sejam praticados
publicamente, tratando-se de um caso discutível:
* A questão é relativa ao próprio conceito de Publicidade para aferir do art. 1263º/a ( ou
Publicidade que remete para o art. 1262º do CC ou Publicidade como sinónimo de conhecimento não
dos interessados mas antes das pessoas que compõem o meio social no qual está integrado o
possuidor (Ex: A furta um automóvel no Algarve, trá-lo para sua casa e utiliza-o todos os dias, de
forma normal. Se aplicarmos aqui o conceito de Publicidade do art. 1262º do CC temos Posse Oculta
em que a actuação não é susceptível de ser conhecida pelo proprietário, Se formos pelo segundo
conceito de Publicidade a Posse vai ser Pública já que o indivíduo utiliza todos os dias o automóvel).
Vimos então que o segundo conceito de Publicidade
é mais razoável já que, no art. 1263º do CC apenas se considera a aquisição da Posse e
não os seus efeitos. Mesmo assim, pelo segundo conceito ainda resta a questão de que,
se o domínio de facto adquirido não for conhecido das pessoas que compõem o meio
social daquele que tem o dito domínio (o exemplo anterior mas em que, quem furta,
guarda o carro na garagem), falta de todo a Publicidade.
Como não existe outro modo de aquisição da Posse que
se possa aplicar, deve concluir-se que quem tem domínio de facto não é possuidor mas antes
detentor. Esta consequência não é razoável já que o indivíduo que guarda o carro furtado
para que outrem não conheça a situação está a demonstrar a intenção de fazer a coisa sua.
Por isso é que tem surgido a opinião de que a Publicidade do art. 1263º/a não é um requisito
constitutivo da Posse mas antes requisito de eficácia da Posse constituída. E esta é a função
da Publicidade: dar eficácia. Mesmo que seja Posse totalmente Oculta, dado que existe
domínio de facto, há Posse (juridicamente relevante). Acontece que essa Posse não produz
qualquer efeito perante o/os interessados: não correm prazos para a perda da Posse (arts.
1267º/1 e 1267º/2 do CC); prazo de caducidade da Acção Possessória (art. 1282º do CC) e
não corre o prazo para a Usucapião;
Em qualquer momento e qualquer que tenha sido a
duração da Posse, o possuidor que foi privado da sua Posse por causa do “Apossamento” de
outrem, pode reagir contra esse mesmo “Apossamento”. Com esta visão tanto faz o conceito
de Publicidade que se adopte porque esta é um requisito de mera eficácia. Porém, esta visão
tem o inconveniente do teor literal do art. 1263º/a do CC.
Se a coisa objecto de “Apossamento” não tem dono,
esse “Apossamento” implica, não apenas aquisição da Posse, mas também aquisição da
propriedade desde que a coisa seja móvel (art. 1318º do CC). Fora desta circunstância, o
“Apossamento” implica sempre aquisição de Posse Formal e, necessariamente, Posse não
Titulada apesar de esta última consideração ter sido ultimamente muito discutida.
ii) Inversão do título da Posse (art. 1263º/d e 1265º do CC)- na Inversão
do título da Posse, ao contrário do Apossamento, aquele que adquire a Posse, antes de a
adquirir já tinha domínio de facto só que como simples Detentor sendo que é a Inversão que
lhe atribui a Posse. Mas a mudança é apenas de qualificação (puramente jurídica) já que
61
Direitos Reais - teóricas POSSE
factualmente a coisa está já em poder daquele que passa a possuidor. Esta inversão pode
ocorrer por dois meios:
a) Oposição- o detentor deixa de reconhecer unilateralmente
a Posse de outrem considerando-se titular de um determinado direito real. Na realidade
não é titular desse direito mas, ao considerar-se como tal está a constituir uma situação
possessória que é conflituante com a situação da pessoa em cujo nome possuía
anteriormente. Temos os exemplo do arrendatário que deixa de pagar a renda com
fundamento de se considerar proprietário dessa casa. Pode até nem ter qualquer
fundamento plausível. A situação conflituante com o legitimo proprietário, desde que
levada ao conhecimento da pessoa que possuía anteriormente, está adquirida a Posse
(Posse Formal, igual à do ladrão);
b) Acto de terceiro- quando o detentor obtém um titulo que
potencialmente seria apto para lhe transmitir um direito real mas, na realidade não
transmite porque é celebrado com um terceiro, ou seja, com uma pessoa que não tem
legitimidade para lhe transmitir o direito que o tal titulo potencialmente fazia. Temos o
exemplo de A que é proprietário de X que está arrendado a D, tinha prometido x a B mas,
quando se abriu o testamento, o terreno tinha sido deixado a C . D é detentor e C passa a
ser proprietário. B, de boa ou má-fé, prevalecendo-se daquela promessa em vida,
conhecida publicamente, vende o imóvel ao arrendatário. Neste caso, B não tem
legitimidade e quando vende não transmite a propriedade. O detentor (D), obtém um titulo
(C/V) que se sobrepõe ao arrendamento anterior. Esse titulo justifica que a partir da venda
o detentor passe a actuar de outra forma (Ex: não paga as rendas).
Em ambos os casos, a aquisição da Posse é originária já que ocorre
sempre por via unilateral (apenas por causa do detentor). Nos casos de aquisição originária
da Posse (Inversão e Apossamento), como a Posse é constituída contra a vontade da pessoa
que tinha até aí o domínio de facto, imediatamente, a nova Posse não afecta (juridicamente) a
Posse anterior, isto é, embora o anterior possuidor deixe de ter domínio de facto,
juridicamente continua a ser possuidor durante, pelo menos, um ano referido no art. 1267º/1/d
e nº2 do CC. Durante esse prazo, juridicamente temos duas Posse: aquele que foi privado
contra a sua vontade do domínio de facto; a daquele que adquiriu originariamente.
Factualmente, só tem Posse de facto o que adquiriu originariamente.
2. Derivada:
i) Tradição da coisa (art. 1263º/b do CC)- consiste na colocação da
coisa ao dispor do adquirente, ou seja: entrega material de coisas móveis; entrega simbólica
através de algo que represente a coisa (Ex: a chave do Ap.) ou outra qualquer actuação que
implique a colocação à disposição. A entrega só faz adquirir a Posse se for efectuada pelo
anterior possuidor. Por isso, a entrega obtida de outro modo não permite a aquisição da
Posse, obviamente pela entrega;
ii) “Constituto Possessorio” (art. 1263º/c e 1264º do CC)- a aquisição da
Posse ocorre sem entrega da coisa. Apenas por mero efeito de um determinado acto jurídico.
Pode ser, segundo o art. 1264º do CC por dois modos:
a) quando o possuidor transmite a outrem um determinado
direito sobre a coisa permanecendo (o que transmite) com a coisa em seu poder (domínio de
facto) a titulo de detenção. Aqui, a Posse transmite-se para o adquirente apesar de o domínio
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Direitos Reais - teóricas POSSE
de facto continuar com o alienante. Temos o exemplo de A que vende a B mas, em
contrapartida, o B empreste durante certo prazo a coisa comprada a A. Dai resultam dois
actos jurídicos: o que transmite a Posse e o que justifica a manutenção da coisa no
alienante;
b) consta do art. 1264º/2 do CC sendo semelhante à primeira
mas com uma diferença: antes do acto de alienação quem tem domínio de facto sobre a
coisa não é o alienante mas um terceiro desde que esse terceiro seja detentor. Se o
possuidor transmitir por exemplo a propriedade a outra pessoa, o adquirente do direito
adquire também a Posse apesar de a coisa estar na detenção de outrem. Surge o caso de
A que vende a C tendo arrendado a B. A propriedade transmite-se apesar de a Posse
estar com B e aí continuar. Adquire-se a Posse, por C, sem entrega;
c) “Traditio brevi manu”- quando a entrega não se faz, não
porque tal não deva ser feito mas porque já tinha sido feita anteriormente a outro titulo.
Esta Traditio, também supõe um detentor à partida, ou seja, que a coisa esteja sob
domínio de facto de um detentor. Se o possuidor celebra com o detentor um determinado
acto jurídico que potencialmente transmite um direito real para o detentor, este passa a
possuidor apenas por causa desse acto jurídico e sem que seja necessária a entrega (que
já foi efectuada). Em rigor, esta Traditio, é uma contradição de termos já que não se faz
entrega. Saliente-se que a entrega é substituída pela celebração do acto jurídico (Ex: C/V).
Em todas as aquisições derivadas, aquele que adquirir a Posse, adquire
com intervenção de vontade, com o consentimento de anterior possuidor. Este perde a
Posse no momento em que o adquirente obtém a posse por outrem, nos termos do art.
1267º/1/c do CC – pela cedência a outrem). Nestes casos não se pode falar em duas Posses
que se mantêm.
Existe ainda um outro modo de aquisição da Posse que não se integra na
classificação já que não é reconhecido por todos como tal:
* “Sucessão na Posse” (art. 1255º do CC)- caso de aquisição da Posse
por sucessão mortis-causa, ou seja, os sucessores adquirem do autor da sucessão.
Principalmente no usufruto, o art. 1255º do CC diz expressamente que os herdeiros
continuam a Posse do autor da sucessão. Por isso, não há uma quebra de continuidade
possessória provocada pela sucessão e daí que, para todos os efeitos, a Posse dos
herdeiros é a mesma Posse do autor da sucessão. Temos o exemplo em que a Posse que os
herdeiros têm começa no momento em que começou a Posse do autor da sucessão. Um
segundo exemplo vai no sentido de que as características da Posse do autor da sucessão
mantém-se com os herdeiros (se for de má-fé considera-se totalmente de má-fé). Decorre
daqui que o titulo de aquisição dos herdeiros não é a sucessão mortis-causa mas antes, o
titulo que constitui a Posse a favor do autor da sucessão. Têm Posse não porque sucederam
mas antes porque o autor da sucessão tinha comprado.
Quanto aos efeitos de Posse rege os arts. 1268º e segs. do CC e são:
1º. Presunção da titularidade do direito- apenas pelo facto de alguém ter
Posse, essa pessoa beneficia imediatamente de uma vantagem probatória que se
consubstancia no facto de se partir do princípio que essa pessoa que tem Posse, será titular
do direito real correspondente a essa Posse. Se actua como se fosse proprietário, presume-se
a propriedade, por exemplo. Implica que processualmente o possuidor não tenha que provar a
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Direitos Reais - teóricas POSSE
titularidade efectiva bastando a titularidade presumida salvo se houver disposição em
contrário (Ex: A Acção de Reivindicação entende-se que o que se discute nela é
precisamente a titularidade do direito não se admitindo provas por presunção). É
necessário que se prove positivamente a titularidade do direito apesar de tal desiderato
não estar legalmente consagrado. Esta presunção derivada da Posse só cede mediante
prova em contrário ou então perante a presunção derivada do registo for anterior à data do
inicio da Posse. Prevalece neste caso a Posse do registo;
2º. Relaciona-se com os rendimentos da coisa e consta do art. 1270º do
CC. Se a Posse for de Boa-fé, o possuidor faz seus (tem direito) tanto aos frutos civis
como aos naturais até ao momento em que seja avisado (notificado) de que a sua Posse
está a lesar interesses alheios. Ao contrário, se a Posse for de má-fé, o possuidor deve
restituir todos os frutos que eventualmente tenha recebido (directamente ou em
equivalente pecuniário) e ainda pode ser obrigado a indemnizar os danos sofridos pelo
proprietário se se provar que não actuou diligentemente (não conseguiu obter maiores
rendimentos por falta de cuidado). Existe aqui uma espécie de castigo;
3º. Está ligado às benfeitorias: tratando-se de benfeitorias necessárias o
possuidor tem direito a ser indemnizado pelo valor das benfeitorias (art. 1273º/1 do CC);
sendo benfeitorias úteis poderá levantá-las se isso não causar prejuízo à coisa principal.
Caso contrário, terá direito a ser compensado pelo Enriquecimento sem Causa (art.
1275º/1 do CC); quanto às benfeitorias voluptuárias se a Posse for de Boa-fé estas podem
ser levantadas (art. 1275º/1 do CC) porém se a Posse é de Má-fé não tem sequer direito a
proceder ao levantamento (art. 1275º/2 do CC);
4º. Quanto às Acções Possessórias regem os arts. 1276º e segs. do CC. Estas
são acções especificamente pensadas para a defesa da Posse, são acções em que a causa
de pedir é precisamente a Posse. Decorre daí que, na prática, as Acções Possessórias
apresentam mais vantagens do que as Acções Petitórias fundamentadas na titularidade de
um direito real tais como Acção de Reivindicação e Negatória. Isto é assim porque, como a
causa de pedir é a posse, a prova dessa Posse pode fazer-se apenas por testemunhas
porque a Pose é sobretudo visível (domínio de facto). Ora, a Acção Petitória, sobretudo a de
Reivindicação supõe a prova da titularidade do direito e isto a maior parte das vezes não se
consegue fazer porque a prova da titularidade implica fazer uma certa demonstração do “trato
sucessivo” (do encadeamento total de factos que conduz à aquisição do direito que é
invocado por quem reivindica). Exemplo disto é A intentar uma Acção de Reivindicação do
art. 1311º do CC tendo que provar que é proprietário, ou seja, tem que provar que o C era o
proprietário e tinha adquirido validamente e assim sucessivamente. Para isto era necessário,
pelo menos quanto aos imóveis, ir ao principio do mundo. No máximo, temos que ir buscar
uma aquisição originária (Ex: usucapião) o que, mesmo assim é difícil. Diz-se que “a prova da
propriedade é por vezes diabólica”. As Acções Possessórias tanto são usadas por quem tem
Posse Formal como Posse Causal. No CC encontramos quatro tipos:
i) Prevenção (art. 1276º);
ii) Manutenção (art. 1278º);
iii) Restituição (art. 1278º);
iv) Embargos de terceiro (art. 1285º);
Antes a revisão do CC as Acções Possessórias tinham todas processo
especial. Após a dita revisão passaram a ter processo comum com as Acções de condenação
normais salvo os Embargos de terceiro que: por um lado passaram a ser incidentes da
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Direitos Reais - teóricas POSSE
instância (não têm autonomia processual); por outro lado o âmbito de aplicação vai para
além da própria Posse.
iV) Embargo de terceiro (art. 1285º)- é uma acção que tem em vista
reagir contra uma diligência judicial que afecte ou possa afectar determinada Posse. É
uma acção imposta por terceiro, ou seja, só tem aqui legitimidade aquela pessoa que
perante determinada diligência judicial não seja nem possa ser parte no processo.
Pretende-se assim que determinada coisa seja retirada, pelo menos judicialmente, do
âmbito da diligência judicial (Ex: arresto e penhor especialmente). O Ac do STJ de 99 diz
que são penhorados bens que não pertencem, não estão na Posse nem do executado
nem de outra pessoa que responda pela divida. Para retirar da penhora determinado bem,
o meio mais adequado é o Embargo de terceiro. Aqui a legitimidade activa pertence ao
possuidor (com Posse Formal ou Causal) enquanto que a legitimidade passiva é daquele
que deu causa à diligência judicial. Com CPC revisto passou a atribuir-se legitimidade
activa não apenas ao possuidor (art. 1285º do CC) mas também ao titular de qualquer
direito real ou não que seja incompatível com o âmbito da diligência ordenada. Pode ser
então o possuidor mais, por exemplo, o arrendatário apesar de não ser possuidor, o
comodatário ou o titular de direito real de garantia em determinadas circunstâncias. O
critério parece que é o do art. 824º/2: se se tratar de direito que deva permanecer após a
venda executiva (oponível ao credor exequente) o titular desse direito pode embargar de
terceiro. Se se tratar de direitos não oponíveis ao credor exequente (que se extingue com
a venda executiva) o titular não pode embargar de terceiros sujeitando-se ao resultado
dessa execução.
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