UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
ELY ALVES MIGUEL
DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA
PEDAGÓGICA: O GESTAR II EM FOCO
CUIABÁ-MT
2011
ELY ALVES MIGUEL
DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA
PEDAGÓGICA: O GESTAR II EM FOCO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação
Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade
Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem,
sob a orientação da Professora Drª Maria Rosa Petroni.
CUIABÁ-MT
2011
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte
M636d Miguel, Ely Alves.
Dizeres de professoras em relato de prática pedagógica : o Gestar II
em foco / Ely Alves Miguel. -- 2011.
171 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientadora: Maria Rosa Petroni.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso,
Instituto de Linguagens, Programa de Pós-Graduação em Estudos de
Linguagem, Cuiabá, 2011.
Inclui bibliografia.
1. Professores – Formação continuada. 2. Gestar II – Língua
portuguesa. 3. Prática pedagógica – Relatos. 4. Língua portuguesa –
Ensino. I. Título.
CDU 371.13=134.3(817.2)
Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Jordan Antonio de Souza - CRB1/2099
Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte
Dedico este trabalho, com muito carinho:
- às minhas filhas, Cynthia Eline e Paula Tainara, meus amores e
razão da minha existência. Obrigada por compreenderem a minha
ausência física e intelectual. ―Mamãe ama vocês!‖
- ao meu esposo, por compreender o incompreensível e manter os
laços que nos unem, mesmo em circunstâncias adversas;
- a Eliana, mana querida, que segurou a ―onda‖, muitas vezes, para
que hoje eu estivesse aqui.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me abençoado nos momentos sofríveis desta jornada e me mantido serena em
muitos momentos importantes de minha trajetória acadêmico-profissional.
A minha querida orientadora, Profª Drª Maria Rosa Petroni, pelo respeito ao meu percurso de
produção acadêmico-profissional, conduzindo-me competentemente pelo universo da
pesquisa, sempre com alegria e muita seriedade. Cada encontro era sinônimo de novas
descobertas: ―você mudou a minha vida, professora! Obrigada!‖.
Aos Professores Doutores Wagner Rodrigues Silva (UFT/Araguaína) e Simone de Jesus
Padilha (UFMT/Cuiabá), pelas valiosas contribuições no Exame de Qualificação, pois o
trabalho ganhou contornos qualitativos com as indicações.
À estimada Profª Drª Maria Inês Pagliarini Cox, por aceitar o convite para participar da banca
de minha defesa.
Aos professores do MeEL, pelas preciosas contribuições teórico-metodológicas,
fundamentais para (re)direcionar minha atuação profissional — Ana Antônia, Cláudia
Graziano, Danie de Jesus, Elias Andrade, Maria Inês, Maria Rosa, Simone Padilha, Sérgio
Flores e Solange Papa.
Aos amigos da turma/2009/MeEL, pessoas importantes nesse processo formativo: Andréia e
Gleice (as filhas do Baronas); Carmen Toniazzo, Marcilene e Margarete (as meninas do Prof.
Elias); Ariane (a pupila do Sérgio); Carmen Zirr e Sandra (as garotas do Dánie); Itamar (o
filhote da Ana Antônia); Mônica (a da Solange); Shirlei (a queridinha da Simone); Rute (a
deusa de Maria Rosa); Elizangela (a amada de Cláudia); Terezinha (amiga, parceira,
companheira de lar, a filha da Maria Inês).
A Eliana Albergoni, Lezinete Lemes, Shirlei Santos, Elisangela Patrícia e Rute Almeida,
pelas dicas preciosas, minhas fontes de consultas; e ainda, às duas últimas, pela força nos
momentos de angústia e solidão, quando tudo parecia sem saída.
Ao Cefapro de Juara:
- à equipe gestora – Rosana, Livaneti e Rosângela – por ter viabilizado condições para eu
cursar as disciplinas em serviço e escrever, quando precisei. Rosana, obrigada por ter se
aventurado nas glebas comigo!;
- aos colegas formadores – Ângela Rita, Ana Paula (a Paulinha), Cervan, Dirlei, Elaine,
Leandro, Marli, Sibeli e Waldinéia – por compreenderem minhas ausências, pelo apoio nos
momentos difíceis e, principalmente pela credibilidade dada à pesquisa que me propus a fazer.
Obrigada àqueles que externaram palavras de conforto, que ―emprestaram‖ os ouvidos para eu
falar das minhas leituras e dos desafios da pesquisa!
- a D. Leni, Maria e Delva, por prontamente me alimentarem nas horas em que eu solicitava.
A Marli, companheira de outros momentos, força para eu continuar na luta, meu ―par
experiente‖. Obrigada pelas interlocuções durante a escrita do texto, por me munir de energias
positivas e por me fazer acreditar que eu era capaz.Às professoras participantes da pesquisa,
por ―doarem‖ detalhes expressos de sua profissionalidade nos RPP e aceitarem o meu ―olhar‖
retratado na análise.
A Adriana Socorro, pela brilhante pesquisa produzida em 2009 e que muito me ajudou nas
minhas análises.
A Aparecida Maria de Paula Barbosa da Silva, Superintendente de Formação da SEDUC em
2009, e Luzinete Reis Barrozo, pelo apoio no processo inicial de qualificação ―em serviço‖. A
Marcia Furtado, por atender prontamente e gentilmente todas as solicitações feitas sobre o
processo de licença para qualificação.
A Edilamar Brandini, amiga, companheira e apoio nos momentos mais improváveis. Você é
exemplo de generosidade.
Aos companheiros de outros Cefapros do Estado, que me fizeram acreditar que eu também
era capaz de cursar mestrado, mesmo morando tão distante da capital.
Às escolas sob meu acompanhamento – Rosmay Kara José e Comendador José Pedro Dias –
por compreenderem minhas ausências no decorrer das suas atividades.
A minha irmã Elia, por ter sempre apoiado minhas decisões profissionais, e a minha família,
por contribuir, a sua maneira, com meu processo de aprimoramento profissional.
A Sandra Cavallari, Karla e Andréia, pelo aconchego oferecido nas idas a Cuiabá.
Aos funcionários do MeEL, Douglas, Rosiane e Andréa, pela competência nos
encaminhamentos dos documentos do mestrado e pela forma carinhosa com que sempre me
trataram. Andréia, obrigada por compreender as ―questões‖ de quem mora distante da capital!
Aos amigos aqui não citados, mas que contribuíram, de alguma maneira, e torceram pela
concretização deste trabalho. Muito obrigada a tod@s!
No mundo único do conhecimento não posso colocar-me como eu-para-mim em oposição a todos sem exceção – os outros indivíduos passados, presentes e futuros como outros para mim; ao contrário, eu sei que sou um indivíduo tão limitado quanto todos os outros (BAKHTIN, 2003 [1920-23], p. 35). O autor de uma obra só está presente no todo da obra, não se encontra em nenhum elemento destacado desse todo, e menos ainda no conteúdo separado do todo. O autor se encontra naquele momento inseparável em que o conteúdo e a forma se fundem intimamente, e é na forma onde mais percebemos a sua presença (BAKHTIN, 2003 [1974-79], p. 399).
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAE – Apoio Administrativo Educacional
AP – Avançando na Prática
Cefapro – Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica
EF – Ensino Fundamental
EM – Ensino Médio
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
FUNDESCOLA – Fundo de Fortalecimento da Escola
GESTAR II – Gestão da Aprendizagem Escolar
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IES – Instituição de Ensino Superior
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LC – Lição de Casa
LD – Livro Didático
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/06)
LP – Língua Portuguesa
MEC – Ministério de Educação e Cultura
MT – Mato Grosso
PAR – Plano de Ações Articuladas
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais anos iniciais (1ª a 4ª séries)
PCNLP – Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (5ª a 8ª séries)
PIQD – Programa Interinstitucional de Qualificação Docente
PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PNE – Plano Nacional de Educação
RPP – Relato de Prática Pedagógica
SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SEDUC/MT – Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso
TAE – Técnico Administrativo Educacional
TIC – Tecnologia da Informação e Comunicação
TP3 – Caderno de Teoria e Prática 3
UnB – Universidade de Brasília
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Polos atuais dos Cefapros de Mato Grosso ............................................................. 42
Figura 2: Polo do Cefapro de Juara ......................................................................................... 43
Figura 3: Mediação e seus elementos (Vygotsky) .................................................................. 53
Figura 4: Particularidades do Enunciado (Bakhtin) ............................................................... 65
Figura 5: Elementos da conclusibilidade do enunciado (Bakhtin) ......................................... 66
Figura 6: Elementos do discurso ............................................................................................. 67
Figura 7: Tipos de relatos ........................................................................................................ 72
Figura 8: Aspectos envolvidos na pesquisa ........................................................................... 84
Figura 9: Capa do TP3 ............................................................................................................ 89
Figura 10: Sumário do TP3 ..................................................................................................... 90
Figura 11: Abertura das unidades .......................................................................................... 91
Figura 12: Ícone indicativo da apresentação da unidade ....................................................... 92
Figura 13: Ícone relativo aos objetivos da unidade ............................................................... 92
Figura 14: Ícone definidor do objetivo da seção .................................................................... 92
Figura 15: Ícone demonstrativo de atividades para o cursista ............................................... 92
Figura 16: Folha indicativa de oficina .................................................................................... 94
Figura 17: Dados das colaboradoras da pesquisa ................................................................... 97
Figura 18: Ícone do AP ......................................................................................................... 102
Figura 19: AP das professoras-autoras .................................................................................. 104
Figura 20: AP1 – Biografia ................................................................................................... 106
Figura 21: AP – Letra de canção ........................................................................................... 111
Figura 22: AP – Mix – Texto 1 ............................................................................................. 115
Figura 23: AP – Mix – Texto 2 ............................................................................................. 117
Figura 24: AP – Mix – Texto 3 ............................................................................................. 119
Figura 25: LC 1 e 2 .............................................................................................................. 122
Figura 26: Estrutura do TP3 .................................................................................................. 126
Figura 27: Diálogo entre textos ............................................................................................. 151
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Polos dos Cefapros/MT .......................................................................................... 38
Quadro 2: Ementas dos Cadernos de Teoria e Prática de Língua Portuguesa ....................... 50
Quadro 3: Proposta provisória de agrupamento de gêneros - Ordem do relatar
(DOLZ e SCHNEUWLY) ...................................................................................................... 74
Quadro 4: Proposta de agrupamento – Esfera e gêneros (BARBOSA) ................................75
Quadro 5: Descrição do gênero RPP ....................................................................................... 77
Quadro 6: Turmas do GESTAR II de LP no polo de Juara ................................................... 86
Quadro 7: Cronograma de apresentação do GESTAR e da TP3 no polo .............................. 87
Quadro 8: Ícones da TP e seus significados............................................................................ 93
Quadro 9: Levantamento de RPP da TP3 ............................................................................... 96
Quadro 10: TP3 e respectivos AP ......................................................................................... 103
Quadro 11: Orientações para a escrita do relato .................................................................. 124
Quadro 12: AP versus experiência docente .......................................................................... 132
Quadro 13: AP versus Relato ................................................................................................ 142
Quadro 14: Classificações autorais – RPP ........................................................................... 156
RESUMO
Neste estudo, analisamos a escrita de professoras em cursos de formação continuada,
objetivando compreender como elas constroem seus dizeres em um gênero próprio dessa
esfera, na interface com a escolar. Nessa direção, voltamos nosso olhar para três relatos de
pratica pedagógica produzidos por professoras-cursistas durante a execução, em 2009, do
Programa Gestão da Aprendizagem Escolar de Formação Continuada para Professores dos
Anos/séries finais do Ensino Fundamental – GESTAR II de Língua Portuguesa –
desenvolvido em todo o estado de Mato Grosso. Os relatos são produções exigidas pelo
Programa ao término de cada Caderno de Teoria e Prática – TP – e são elaborados a partir de
experiências em sala de aula com duas atividades do item Avançando na Prática – AP. Para
nossa pesquisa, elegemos o TP3, porque ele se propõe a discutir gêneros e tipos textuais,
especialmente o primeiro, em voga nos currículos escolares, documentos parametrizadores
educacionais, pesquisas acadêmicas e programas/projetos de formação continuada nos últimos
anos. Utilizamos na análise dos relatos os pressupostos da pesquisa qualitativa em
consonância com a teoria sócio-histórica e cultural, representada por Bakhtin e seu Círculo
(1926; 1929; 1952-53; 1959-61/79; 29/1961-62; 1970-71/79; 1974-79; 79), pelo viés
enunciativo-discursivo da linguagem, e por Vygotsky (1998 [1930]), no tocante ao processo
ensino e aprendizagem. As reflexões acerca das orientações fornecidas pelo material aos
professores para elaboração do relato de prática são insatisfatórias para a escrita detalhada do
processo experienciado na prática pedagógica, porque se limita a solicitar ―aspectos
facilitadores e dificultadores do processo‖, pressupondo conhecimento anterior do gênero.
Também inexiste unidade ou seção dedicada a esse gênero no TP3, tampouco na coletânea do
GESTAR II de Língua Portuguesa. Deslocando o olhar para a escrita das três professoras
efetivas na rede estadual de ensino, constatamos diferentes formas de construir o relato de
prática pedagógica (RPP). Prova disso é que cada uma construiu um percurso particular, nos
permitindo identificar três formas de exposição de seus dizeres, denominada por nós de:
autoria alinhada à formação profissional, autoria espelhada na formação continuada e
autoria autônoma. Essas formas autorais, embora diferentes em cada circunstância de
produção, são integradas à profissionalização docente, sem necessariamente funcionarem
como marcas individuais. Os dados mostram também que, nesse processo de constituição
autoral, as professoras-cursistas, orientadas pelos AP, constroem singularmente seus objetos
de ensino para as aulas de Língua Portuguesa, distanciando-se ou aproximando-se do gênero
relato, demonstrando, inclusive, como se apropriaram dos conceitos tratados na(s)
unidade(s)/seção(ões) do TP. Os resultados produzidos pela análise evidenciam a importância
de contemplar abordagens de gêneros requisitados pela formação continuada, para que o
professor incorpore essas experiências à sua prática. Além disso, é preciso atenção das
políticas públicas na garantia de tempo suficiente e apoio institucional, com equipes
preparadas continuamente, para a execução das propostas de atualização do professor,
principalmente de acompanhamento pós-curso.
Palavras-chave: Formação Continuada, Língua Portuguesa, Relato de Prática Pedagógica.
ABSTRACT
In this study, we analyzed the writing of teachers in continuing education courses in order to
understand how they construct their own words in a genre of that sphere at the interface with
the school. In this direction, we turn our attention to three reports produced by teachers
teaching practice, course participants during the execution, in 2009, Learning Management
Program School of Continuing Education for Teachers of the Year / final grades of
elementary school – Gestar II Portuguese Language - developed throughout the state of Mato
Grosso. The reports are required by the production program at the end of each Book of
Theory and Practice - TP - and they are elaborated from experiences in the classroom with
two activities of the item in Advancing Practice - AP. For our research, we chose the TP3,
because it proposes to discuss genres and text types, especially the first, in vogue in school
curricula, educational parameterized documents, academic research and programs / projects of
continuing education in recent years. We used in the analysis of the reports the assumptions of
qualitative research in line with social theory and cultural-historical, represented by Bakhtin
and his Circle (1926, 1929, 1952-53, 1959-61/79, 29/1961-62, 1970 - 71/79, 1974-79, 79),
through the bias-discursive enunciation of language, and Vygotsky (1998 [1930]), with regard
to the teaching and learning. The reflections on the guidance provided by the material for the
preparation of teachers reporting practices are unsatisfactory for writing detailed process
experienced in teaching practice, because it limits the request "facilitate aspect or hamper the
process," assuming prior knowledge of the genre. Also nonexistent unit or section devoted to
this genre in TP3, either in the collection of the GESTAR II Portuguese Language Program.
Shifting his gaze to the writing of three effective teachers in state schools, we find different
ways to build an account of pedagogical practice (RPP). Proof of this is that each one has
built a particular path, allowing us to identify three exposure forms of their sayings, called by
us: training aligned with authors, author mirrored in the continuing education and
autonomous authority. These copyright forms, although different in every circumstance of
production are integrated into the professional teaching staff, without necessarily operate as
individual brands. The data also show that, in the process of copyright constitution, teachers,
course participants, guided by the AP, uniquely build their objects to the teaching of
Portuguese Language classes, away from or approaching the genre story, demonstrating, even
as appropriated the concepts covered in the unit (s) / section (s) of TP. The results produced
by the analysis highlight the importance of gender approaches include the required continuing
education for the teacher to incorporate those experiences in their practice. In addition, we
need public policy attention on ensuring enough time and institutional support, with teams
constantly prepared for the implementation of the proposed update of the teacher, especially
post-course follow-up.
Keywords: Continuing Education, Portuguese Language, Pedagogical Practice Report.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 14
CAPÍTULO I - ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA E FORMAÇÃO DO DOCENTE:
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E PERSPECTIVAS ATUAIS ..................................... 18
1.1 Revisitando brevemente a história do ensino da Língua Portuguesa no
Brasil................................................................................................................................ 19
1. 2 Formação de professores: algumas considerações........................................................... 25
1.3 Formação do docente de Língua Portuguesa.................................................................... 29
1. 4 Política de formação continuada de Mato Grosso via Cefapro........................................ 35
1. 5 Cefapro de Juara em sintonia com as políticas educacionais da SEDUC/MT ............... 43
1. 6 GESTAR II: política pública de formação continuada ................................................... 46
CAPÍTULO II - BAKHTIN E VYGOTSKY: CONCEITOS APLICADOS AO ENSINO .. 51
2. 1 Vygotsky e a teoria da aprendizagem............................................................................ 52
2. 1. 1 Relevância dos conceitos vygotskyanos de mediação e ZPD....................................... 53
2. 2 Apontamentos teóricos do Círculo de Bakhtin.............................................................. 56
2. 2. 1 Linguagem: tratamento dialógico e interativo ............................................................ 57
2. 2. 2 Autoria e vozes do/no discurso ................................................................................... 60
2. 2. 3 Enunciado: unidade real da comunicação discursiva ................................................. 63
2.2. 4 Gêneros Discursivos .................................................................................................... 68
2. 3 Relato de prática pedagógica ........................................................................................ 71
2. 3. 1 Situando o relato no contexto educacional .................................................................. 73
2. 3. 2 Descrição sócio-histórica do gênero RPP .................................................................... 76
CAPÍTULO III – DELINEANDO O PERCURSO ANALÍTICO .......................................... 80
3. 1 Trilha metodológica na perspectiva sócio-histórica ........................................................ 81
3. 2 Contextualizando a pesquisa............................................................................................ 84
3. 3 Mapeamento do material escolhido ............................................................................... 88
3. 3. 1 O TP 3 e sua organização ............................................................................................ 89
3. 4 O corpus da pesquisa ..................................................................................................... 95
3. 5 Colaboradoras da pesquisa .............................................................................................. 96
3. 6 Metodologia de análise e apresentação dos dados .......................................................... 98
CAPÍTULO IV - APONTAMENTOS DISCURSIVOS NOS RELATOS DE PRÁTICA
PEDAGÓGICA: ANALISANDO OS DADOS .................................................................... 99
.
4. 1 Avançando na prática no contexto do TP 3..................................................................... 99
4. 2 Avançando na Prática: escolhas das autoras/colaboradoras da pesquisa ...................... 103
4. 2. 1 AP de Larissa – Biografia ...................................................................................... 104
4. 2. 2 AP de Ludmila – Letra de canção ........................................................................... 107
4. 2. 3 AP de Ingrid – Mix (Unidade e Oficina) .............................................................. 113
4. 3 As orientações contidas na TP 3 para a prática do gênero RPP ................................... 120
4. 4 Condições de produção do relato no universo implementado ....................................... 124
4. 5 Análise dos dados gerados: desvelando os Relatos de Prática Pedagógica ................. 127
4. 5. 1 RPP 1: Letra de canção.............................................................................................. 128
4. 5. 2 RPP 2: Mix textual..................................................................................................... 137
4. 5. 3 RPP 3: Biografia ....................................................................................................... 147
4. 5. 4 Os três relatos em síntese ......................................................................................... 155
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 158
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 164
14
INTRODUÇÃO
A pesquisa delineada nesta dissertação tem origem em fios dialógicos que nos
constituíram ao longo de nossa trajetória profissional, trajetória essa inscrita no universo das
políticas educacionais implementadas no final do século passado e início deste, para
solucionar a demanda de professores em exercício, sem qualificação específica, tanto em
nível médio quanto superior. Nesse universo, nosso ingresso na carreira docente ocorre
concomitantemente à formação em nível de magistério pelo projeto GerAção (habilitação
modular para professores em atuação nos anos iniciais do Ensino Fundamental). Nesse
momento, os registros compuseram nosso processo formativo e profissional como mecanismo
para consolidar, na prática, os conceitos aprendidos nas etapas do curso profissionalizante.
Eram os ―famosos‖ relatórios diários, semanais e final, ao término de cada etapa, além
daqueles produzidos diariamente, resultado do desenvolvimento das aulas para demonstrar a
aplicação pedagógica dos conceitos aprendidos nas disciplinas do curso, na condição de aluna
e de professora contratada da rede municipal de ensino.
A entrada no curso superior foi pelo Programa Interinstitucional de Qualificação
Docente — PIQD — parte do conjunto de ações do governo estadual para suprir a demanda
de professores sem formação superior no final dos anos 1990. A estrutura do Programa
contemplava momentos presenciais nas férias (4 semanas, normalmente), muitos trabalhos
das disciplinas (a maioria, escritos) nos meses seguintes e com datas de entrega previstas para
as etapas intermediárias (meses de maio e outubro). Esse processo também foi simultâneo ao
exercício docente como professora efetiva da rede estadual, uma vez que a proposta ―era
capacitar os professores efetivos da rede, em serviço e em nível de Ensino Superior‖
(MÁXIMO e NOGUEIRA, 2009, p. 70).
Dessa maneira, nossa carreira docente foi compondo-se no entrelaçamento de saberes
oriundos da formação acadêmica, dos programas escolares e da experiência pedagógica
(TARDIF, 2002) consolidada como professora em várias etapas e modalidades da
escolarização: unidocência nos anos iniciais (turmas multisseriadas e únicas), Língua
Portuguesa, Língua inglesa, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos e, por último,
Formação Continuada de Professores.
Nesse último caso, a experiência — e muito mais a vivência — com a aprendizagem de
adultos, professores detentores de saberes diversos, no Centro de Formação de Professores da
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Educação Básica ─ Cefapro ─ nos levou a compreender tamanha ―incompletude‖ nossa,
tendo em vista os desafios que emergiam, pautados nas necessidades formativas manifestadas
pelas escolas, muitas delas relacionadas à escrita de gêneros próprios da esfera de atuação
docente. Isso motivou a nossa entrada no Programa de Pós-graduação em Estudos de
Linguagem da UFMT ─ MeEL ─ comungando dos dizeres freirianos de que ―ensinar exige
pesquisa‖, portanto, ―pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou
anunciar a novidade‖ (FREIRE, 1996, p. 29).
Na condição de mestranda, em meios às incertezas teóricas e temporais do processo,
várias propostas de pesquisa foram delineadas, culminando nas escolhas definitivas,
diretamente ligadas ao nosso contexto de atuação: Formação Continuada; Programa Gestão da
Aprendizagem Escolar de Língua Portuguesa – GESTAR II de LP; Caderno de Teoria e
Prática 3 – TP3 – Gêneros e Tipos Textuais; Relato de Prática Pedagógica - RPP. Essas
escolhas também estão em consonância com algumas pesquisas sobre materiais didáticos
produzidas no MeEL, especialmente analisando o GESTAR II, como Socorro (2009) e Silva
(2011).
No contexto das seleções feitas, atualmente a formação continuada de professores é uma
necessidade indiscutível assumida por todos os defensores de uma educação de qualidade.
Isso justifica, inclusive, esforços conjuntos entre o Ministério da Educação – MEC –
Secretarias Estaduais e Municipais, Universidades, Organizações não governamentais e
Escolas, verificados nas políticas de formação disseminadas como alternativas para auxiliar os
profissionais nos desafios do processo ensino e aprendizagem.
No bojo dessas políticas, o GESTAR, um programa de formação continuada
semipresencial, é implantado no Estado, inicialmente nos municípios com índices críticos do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB – anunciando-se como uma proposta
inovadora para a atualização dos saberes docentes, buscando, dessa forma, o desenvolvimento
da competência de atuação desses profissionais, com as necessárias repercussões na melhoria
do ensino. Em 2009, o Programa é, por fim, estendido a todos os municípios de Mato Grosso,
por representantes das Secretarias Municipais e Cefapros, que atuaram como multiplicadores
das propostas contidas nos Cadernos.
Como o GESTAR II foi organizado para a formação de professores de Matemática e
Língua Portuguesa, escolhemos a coletânea referente à última disciplina, por coadunar com
nossa formação superior e com a nossa função, oficialmente exercida no Centro de Formação.
Essa interdependência nos direcionou para a seleção do TP3, por contemplar em sua
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abordagem a temática gêneros e tipos textuais, mobilizadora de muitas pesquisas, documentos
parametrizadores, manuais didáticos e propostas curriculares, especialmente a partir da
década de 90. Feita essa seleção, definimos o objeto de nossa análise: Relato de Prática
Pedagógica (RPP).
Analisar um gênero escrito, próprio da esfera de atuação docente, configurou-se como
oportunidade de diálogo com nossa história profissional – de docente do Ensino Fundamental,
formando-se em serviço, à professora formadora de um Centro de Formação – constituída na
trama de muitos saberes, dentre eles o de registrar diversas situações (de ensino e de
aprendizagem), a partir do lugar de sujeito-participante dos enunciados descritos, muitas
vezes ―numa tensão com as formas de dizer previstas e valorizadas no ambiente acadêmico‖
(FIAD e SILVA, 2009, p. 124). Além disso, representou o desafio de explorar um gênero que
ainda merece mais atenção em pesquisas acadêmico-educacionais.
Em virtude do exposto, decidimos investigar três relatos de prática pedagógica (RPP),
produzidos durante o estudo do TP3, para delinear de que forma os professores cursistas
constroem seus dizeres nesse gênero exigido pelo Programa. Para isso, partimos do
pressuposto de que um material que se propõe a discutir os gêneros, certamente, orientará a
elaboração do gênero solicitado com rigor teórico-metodológico suficiente para que o
professor-cursista o construa, de maneira consciente e autônoma, desenvolvendo, portanto,
sua a autoria, inclusive para construir objetos de ensino para as aulas de Língua Portuguesa.
Em razão disso, tencionando elucidar as proposições delineadas para essa investigação,
buscamos elementos para responder às seguintes questões: 1. Quais orientações sobre o
gênero relato são apresentadas no Caderno de Teoria e Prática 3 (TP 3), do GESTAR II de
LP, para que o professor em formação continuada o elabore, considerando as especificidades
do referido gênero discursivo?; 2. Como o professor em formação continuada constrói seu
dizer sobre objetos de ensino para as aulas de Língua Portuguesa, no gênero relato, proposto
como atividade no Caderno de Teoria e Prática 3 (TP 3) do Programa Gestar II?
Delineadas as motivações de pesquisa, o objetivo do estudo e as questões norteadoras
da investigação, organizamos esta dissertação em quatro capítulos.
No capítulo 1, propomos um percurso de aprofundamentos, inclusive históricos, para a
compreensão do atual paradigma de ensino da LP e, consequemente, da função do professor
dessa disciplina, função essa modificada em virtude do movimento político-econômico e
cultural do nosso país. Nessa direção, considerando a emergência de políticas oficiais
relacionadas à educação brasileira e em razão da queda nos índices de aprendizagem dos
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alunos apontada, principalmente pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica –
SAEB – e Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA – a formação do professor
é assumida pelos estados como condição para a melhoria na qualidade do ensino. Em Mato
Grosso, a década de 1990 e início deste século são marcados por ações políticas de
investimento na formação inicial dos professores, para suprir a demanda de profissionais
―leigos‖, identificados em grande número nesse período, além de fortalecer a formação
continuada, via Cefapro.
Apresentamos no capítulo 2 os pilares teóricos de nossa pesquisa, representados por
Vygotsky (1998 [1930]) e Bakhtin (1926; 1929; 1952-53; 1959-61/79; 29/1961-62; 1970-
71/79; 1974-79; 79) (e seu Círculo), situados na perspectiva sócio-histórica e cultural, embora
tratando de objetos distintos em seus campos investigativos. Vygotsky, ao construir sua teoria
visualizando o processo de ensino e aprendizagem, formula os conceitos de ZPD – Zona
Proximal de Desenvolvimento – e mediação, essenciais no planejamento e intervenção
docente para consolidação do conhecimento. Bakhtin esboça a teoria enunciativo-discursiva
da linguagem, ao ampliar o conceito de gêneros do discurso — inicialmente restrito ao âmbito
da Literatura — dando relevância ao dialogismo articulado a outros conceitos, como vozes,
autoria e enunciado, na constituição das interações humanas. Dessa maneira, os gêneros
requerem esferas de atuação específicas para sua constituição e, no contexto da formação
continuada, a sócio-história do Relato de Prática Pedagógica é fundamental para a sua
produção.
No capítulo 3, retratamos, no percurso metodológico, a opção pela pesquisa de cunho
qualitativo, em consonância com pressupostos dos autores russos, delineados no capítulo
antecedente. Além disso, o contexto da pesquisa, as características do material de análise, os
colaboradores da pesquisa e corpus escolhido são apresentados.
Trazemos, no capítulo 4, as análises dos Relatos de Prática Pedagógica, refletindo
sobre: a) os Avançando na Prática escolhidos pelas professoras-cursistas, no contexto do
Caderno de Teoria e Prática – TP3; b) as orientações fornecidas pelo material de formação
continuada para a produção do relato; c) as condições de produção do RPP no contexto de
implementação do Programa, focando a realidade local. Todo esse percurso foi feito para
desvelar o conteúdo dos relatos das professoras-cursistas, considerando a dialogia dos
enunciados contidos no material de análise.
Em nossas considerações finais, chamamos a atenção para a necessidade de maiores
cuidados referentes à formação continuada e ao material utilizado.
18
CAPÍTULO I
ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA E FORMAÇÃO DO DOCENTE:
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E PERSPECTIVAS ATUAIS
[...] na formação permanente de professores, o momento fundamental é o da
reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou
de ontem que se pode melhorar a próxima prática (FREIRE, 1996, p. 39).
No mundo de hoje, globalizado, dinâmico, conectado e movido pela Tecnologia da
Informação e Comunicação (TIC), modernos produtos são lançados no mercado, em uma
velocidade impressionante, requerendo novas habilidades dos sujeitos o tempo todo. Isso
significa que as pessoas precisam ter disponibilidade para adquirir conhecimentos
continuamente e desenvolver capacidades de aprender sozinhas. Essas condições constituem-
se como alternativas para as escolhas pertinentes às demandas atuais, em meio às inúmeras
possibilidades, e como garantia de sobrevivência neste universo instável e em constante
transformação.
Podemos entender essas transformações observando a profissão docente que, no
século XXI, por exemplo, difere em muitos aspectos de momentos anteriores. Hoje, além de
dominar conceitos e estratégias de ensino, é preciso ter conhecimento tecnológico para
manipular programas que mapeiam o processo de aprendizagem dos alunos, conhecer as
ferramentas de pesquisas, utilizar a comunicação mediada pelo computador (correio
eletrônico, bate-papo, lista, fórum de discussão etc.), apropriar-se dos recursos
disponibilizados pelos sites educacionais, entre outros aparatos exigidos pelas próprias
secretarias de educação de diferentes esferas (municipal e estadual) e pelo Ministério da
Educação (MEC).
Nesse contexto de transformações, consideramos pertinente, neste capítulo, abordar
brevemente a história do ensino da Língua Portuguesa no Brasil, para a compreensão das
perspectivas atuais desse ensino. Consideramos pertinente também discutir a formação
continuada, dando especial atenção ao percurso formativo do docente de LP, situando a
política de formação mato-grossense, em consonância com os Cefapros — incluindo o de
18
19
Juara, locus de nossa investigação — e destacando o GESTAR II de Língua Portuguesa no
âmbito dessa política de atualização.
1.1 Revisitando brevemente a história do ensino da Língua Portuguesa no Brasil
A educação, como integrante da dinâmica social, reflete as transformações do século,
visíveis, principalmente, nos comportamentos e atitudes dos alunos, impondo novas
demandas para escola. A esse respeito, Silva e Rego (2009, p. 182) esclarecem que,
[...] na realidade, hoje, vivemos outro momento, com novas demandas
características de uma vida mais dinâmica, rápida, informada por novas
tecnologias, com alunado mais diversificado. Em outros termos, a prática
docente de outrora, identificada como tradicional, não responde plenamente
às demandas e expectativas para o ensino na escola contemporânea.
Essa situação exige da escola um reordenamento de seus currículos, incluindo nos
planejamentos de ensino estratégias diversificadas, cujas ferramentas tecnológicas,
especialmente as TIC, contribuam para a mediação do conhecimento pelo professor.
Dessa forma, trabalhar na perspectiva dos letramentos é uma alternativa para essas
práticas pedagógicas ressignificadas, principalmente quando a realidade dos alunos é
incorporada aos processos de ensino. Rojo (2009) adota o conceito de letramentos (no plural),
por entender que, na contemporaneidade, um dos objetivos da escola é garantir aos alunos o
domínio de práticas socioculturais envolvendo o uso da leitura e da escrita. Por isso, defende
que o trabalho com essas práticas precisa considerar os letramentos múltiplos,
multissemióticos e críticos. Para essa autora, o primeiro pressupõe a valorização das culturas
locais e de seus protagonistas (profissionais da educação, alunos, comunidade escolar); o
segundo implica na ampliação do conceito de letramento, trazendo para o ensino os textos
contemporâneos, constituídos de muitas semioses, e o último corresponde ao trabalho
educativo para o trato ético dos discursos plurais e diversos, presentes na sociedade.
Quando falamos em considerar o universo dos estudantes, não excluímos a
responsabilidade no trato dos conteúdos de ensino, mas vislumbramos novas possibilidades de
trabalho pedagógico, pois os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa ─
PCNLP ─ (BRASIL, 1998, p. 34) sugerem que os conteúdos escolhidos precisam ser ―aqueles
considerados como relevantes para a constituição da proficiência discursiva e linguística do
aluno‖, levando em conta suas necessidades e possibilidades de aprendizagem. Para Rojo
20
(2009, p. 121), ―essa escolha pode ser regida pelo princípio das necessidades de ensino‖ [grifo
da autora]. Isso significa que toda escolha no processo de ensino deve partir de um
diagnóstico inicial, levando em consideração a realidade da sala de aula, para mapeamento da
história de cada aluno, seus interesses, suas motivações, entre outros aspectos, para, formular
ou apresentar propostas que respondam ―à pergunta sobre quais objetos de ensino o aluno
poderá aprender, de quais poderá se apropriar nesse momento do seu desenvolvimento –
ZPD1‖ (ROJO, 2009, p. 121).
Nesse contexto, trazemos o ensino de Língua Portuguesa (doravante LP) que, no
Brasil, ao longo dos anos, modificou-se consideravelmente, acompanhando as transformações
econômicas, políticas e culturais do país. Retrocedendo ao século XVIII, vamos encontrar
uma educação destinada à elite, com um ensino centrado na leitura de textos literários e no
estudo das normas da língua, neste último caso, privilegiando as regras de funcionamento da
norma culta. Esta prática focava o (re)conhecimento das estruturas gramaticais, pois se
acreditava que, para falar e escrever corretamente, bastava dominar as estruturas linguísticas
da língua portuguesa.
Com tais objetivos curriculares, a formação escolar da época contemplava o ensino da
gramática, retórica e lógica (ou filosofia), com forte influência do latim, relegando a LP um
lugar secundário (ROJO, 2008). A Língua Portuguesa, como disciplina, é inserida no Brasil
somente em 1838. Porém, de acordo com Soares (1998, p. 55), a disciplina ―português‖ ou
LP ―só passou a existir nas últimas décadas do século XIX‖, resultante do agrupamento da
gramática, poética e retórica.
Rojo (2008) assinala que três fatores devem ser explicitados para a compreensão da
organização curricular de LP no processo histórico: primeiro, o estudo da gramática, com
abordagem privilegiada no ensino; segundo, os gêneros literários, regendo o uso da língua, e,
por último, a redação e a composição em outros gêneros, que chegaram à escola por volta de
1885. Isso demonstra um percurso relativamente longo de ―práticas escolares cristalizadas‖
(ROJO, 2008, p. 81).
Soares (1998, p. 56) sintetiza o processo de ensino da LP no Brasil, justificando que,
[...] numa escola que servia a alunos pertencentes às camadas privilegiadas
— e isso define as condições sociopolíticas que configuravam a escola e,
portanto, o ensino que nela se fazia -, alunos já familiarizados com padrões
culturais e lingüísticos de prestígio social, aqueles padrões que a escola
1 Conceito vygotskiano muito utilizado por estudiosos da educação e que significa Zona Proximal de
Desenvolvimento. No segundo capítulo constam algumas reflexões sobre o conceito.
21
valoriza, ensina e quer ver aprendidos, não era incoerente nem inadequado
um ensino de português orientado por uma concepção da língua como
sistema.
Segundo a mesma autora, na década de 1960, com a democratização de acesso da
população à escola, muda-se o perfil dos alunos e ―não se trata mais de uma escola pública
destinada apenas aos filhos da elite: as camadas populares passam a ter assento nas salas de
aula‖ (ROJO, 2008, p. 86). Com isso, novos padrões linguísticos são trazidos para a educação,
tornando o ensino da língua um tanto diverso do praticado historicamente.
Outro fator de forte influência na escola foi o modelo econômico vigente no país,
dominado pelo autoritarismo do regime militar, cujo objetivo era qualificar mão de obra para
o capitalismo em ascensão no Brasil. Coube então à escola dar respostas à sociedade,
adotando um sistema de ensino voltado para a instrumentalização de recursos humanos.
Nesse contexto, segundo esclarece Soares (1998), o alunado que a escola abriga e as
condições sociopolíticas do Brasil exigem uma concepção de linguagem diferenciada: ―o
quadro referencial para o ensino da língua passa a ser teoria da comunicação e a concepção de
língua é de instrumento de comunicação‖ (SOARES, 1998, p. 57), o que modifica
conceitualmente práticas pedagógicas com heranças do ensino voltado para a aquisição das
normas linguísticas.
Na realidade, o domínio de habilidades de expressão e comunicação era necessário
para dar respostas ao país em desenvolvimento. Para Bunzen (2006, p. 144), ―o saber sobre a
língua deixa, em certo sentido de ser o enfoque principal, dando vez à compreensão e estudo
dos códigos comunicacionais‖ [grifo do autor]. Ganha sentido nesse momento a figura do
emissor e receptor, cuja relação é marcada pela codificação e decodificação de sinais, em uma
espécie de pingue-pongue, em que o interlocutor recebia uma mensagem e decodificava-a,
sem intervir. Pode-se dizer que a ―comunicação‖ era robotizada, como se o receptor
obedecesse a comandos e devolvesse, na mesma medida, a mensagem recebida. Isto é, não
eram levados em consideração fatores externos, os quais poderiam comprometer a
compreensão da mensagem, como ruídos ou o desconhecimento do signo por parte do
receptor.
Outro fator relevante para a época foi a incorporação de outros gêneros na escola,
ampliando o rol dos textos tipicamente escolares centrados nos clássicos literários. Rojo
(2008, p. 88) esclarece essa situação, destacando que foi notória ―a progressiva ampliação de
gêneros de outras esferas (jornalística, publicitária, midiática, digital etc.) que começam
adentrar as escolas‖, provocando mudanças no currículo da LP.
22
Nos anos de 1980 e início de 1990, pesquisas de outras áreas, como Linguística,
Sociolinguística, Psicolinguística, Neurolinguística, são divulgadas no meio acadêmico,
derrubando dogmas de que alunos de camadas populares apresentavam dificuldades de
aprendizagem, porque não tinham capacidade cognitiva para tal. As descobertas científicas
trazem para a Academia (e para a educação linguística) o perfil do alunado que ocupa os
assentos escolares nesse momento histórico: pessoas oriundas das camadas populares,
detentoras de variedades linguísticas diversas da norma culta, objeto de estudo da LP até
então. Com isso, novas necessidades são colocadas à escola, tais como respeitar a linguagem e
as condições socioeconômicas dos alunos, relacionando-as às práticas pedagógicas. Nesse
contexto, a Academia, até então distanciada da escola, promove a divulgação das pesquisas
realizadas e dos materiais produzidos, com a finalidade de modificar o cenário educacional
vigente.
Apesar do intenso movimento por mudanças na educação, nos anos de 1970 a 1990,
ainda predominava nas práticas acadêmicas e escolare,s o ensino da língua tendo como eixo
norteador a gramática, enquanto norma e forma, e a prática de produção de texto era
desenvolvida sem levar em consideração o contexto de produção.
Nos anos 80, a Academia, impulsionada pelas ideias de Geraldi (1984), abre caminho
para novas perspectivas no ensino. ―O texto na sala de aula‖ tornou-se um clássico da
inovação do ensino brasileiro, sinalizando novas proposições para a educação, a partir de
outras bases teóricas — Semântica, Análise do Discurso, Pragmática, Teoria da Enunciação,
Sociolinguística, entre outras Ciências da Linguagem — e metodológicas. Há explícita
convocação para um ensino renovado a partir destes eixos: a prática de leitura, a prática de
produção de texto e a prática de análise linguística (GERALDI, [1984] 2003). Nessa proposta,
a ênfase recai sobre a prática da linguagem, afastando-se do ensino metalinguístico
predominante até o momento.
O texto passa a ser visto como espaço de interlocução, em que os interlocutores têm
ações coordenadas e agem com finalidades específicas, excluindo as relações estanques,
próprias de orações dissociadas de uma situação comunicativa. A concepção
sociointeracionista é inclusa nas esferas acadêmicas e escolar, influenciando
consideravelmente o teor dos documentos oficiais da década de 1990, dentre eles, os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997, 1998), conforme
mencionado.
23
Rojo e Cordeiro (2004) afirmam que essas mudanças devem ser compreendidas como
―virada‖ discursiva ou enunciativa. Segundo as pesquisadoras,
Inicialmente, essa virada se configurou nos trabalhos de pesquisadores de
diversos países sobre leitura e, principalmente, sobre produção de textos.
Trata-se então de enfocar, em sala de aula, o texto em seu funcionamento e
em seu contexto de produção/leitura, evidenciando as significações mais do
que as propriedades formais que dão suporte a funcionamentos cognitivos.
Essa virada passou a ecoar com mais força nos programas e propostas
curriculares oficiais brasileiros a partir de 1997/1998, com sua incorporação
nos PCNs de língua portuguesa [...] (ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 10-11).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa produzidos para orientar
o ensino nas escolas brasileiras, apesar da mescla teórica presente em seus pressupostos,
assumem a teoria enunciativo-discursiva da linguagem, representada pelas (re)leituras de
alguns conceitos do filósofo russo Mikhail Bakhtin.
O principal conceito utilizado desse autor é o de gêneros do discurso, formulado mais
explicitamente na obra Estética da Criação Verbal, no capítulo ―Os gêneros do discurso‖
(2003 [1952-53]). Esse assunto está, a partir das inovações buscadas nos espaços
pedagógicos, incluído nas discussões acerca do ensino de Língua Portuguesa no Brasil.
Ancorados nesse conceito, no tocante ao ensino de leitura e escrita, os documentos propõem a
adoção do texto como unidade de ensino e dos gêneros como objetos desse ensino.
Na esfera escolar, a eleição do gênero como instrumento desencadeador do processo de
ensino e aprendizagem pode ser comprovada em diversas passagens do documento oficial. Na
Apresentação da área de Língua Portuguesa, aparecem itens que fazem menção à teoria dos
gêneros do discurso, inclusive na construção de títulos: ―Discurso e suas condições de
produção, gênero e texto (BRASIL, 1998, p. 20); ―condições para o tratamento do objeto de
ensino: o texto como unidade de ensino e a diversidade de gêneros‖ (BRASIL, 1998, p.23).
Algumas passagens do documento (BRASIL, 1998) também situam o gênero no
ensino: ―Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero em função das intenções
comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram usos
sociais que os determinam‖ (BRASIL, 1998, p. 21) [grifo nosso].
Ou
A noção de gênero refere-se assim, a famílias de textos que compartilham
características comuns, embora heterogêneas, com visão geral da ação à qual
o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de
24
linearidade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado (BRASIL,
1998, p. 22) [grifo nosso].
Ou ainda:
Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza
temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes
a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do
texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. Nessa perspectiva, é
necessário contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade textos e
gêneros, e não apenas em função de sua relevância social, mas também pelo
fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de
diferentes formas (BRASIL, 1998, p. 23) [grifo nosso].
Observamos nos trechos escolhidos que há uma tentativa de reafirmar a inviabilidade
de conceber o texto, neste momento histórico, desvinculado do gênero, uma vez que este
último contempla diferentes aspectos importantes para imprimir práticas pedagógicas que
superem as de cunho estruturalista. Brait (2000, p. 17) amplia essa discussão, destacando que
―a questão dos gêneros pode ser surpreendida em vários momentos‖ nos PCNLP (1998). Ela
apresenta afirmações do próprio documento oficial para ilustrar essa questão2. A exemplo da
autora, localizamos outra parte, em que os organizadores dos PCNLP (1998) fazem menção
ao conceito de gêneros:
Interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva: dizer
alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num determinado
contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução. Isso
significa que as escolhas feitas ao produzir um discurso não são aleatórias –
ainda que possam ser inconscientes -, mas decorrentes das condições em que
o discurso é realizado. Quer dizer: quando um sujeito interage verbalmente
com outro, o discurso se organiza a partir das finalidades e intenções do
locutor, dos conhecimentos que acredita que o interlocutor possua sobre o
assunto, do que supõe serem suas opiniões e convicções, simpatias e
antipatias, da relação de afinidade e do grau de familiaridade que têm, da
posição social e hierárquica que ocupam. Isso tudo determina as escolhas do
gênero no qual o discurso se realizará, dos procedimentos de estruturação e
da seleção de recursos lingüísticos. É evidente que, num processo de
interlocução, isso nem sempre ocorre de forma deliberada ou de maneira a
antecipar-se à elocução. Em geral, é durante o processo de produção que as
escolhas são feitas, nem sempre (e nem todas) de maneira consciente
(BRASIL, 1998, p. 20-21).
Para finalizar, destacamos que o percurso adotado para evidenciar aspectos do ensino
da Língua Portuguesa no Brasil tem suas marcas presentes em práticas que estiveram, por um
2 Os trechos dos PCNLP citados pela autora podem ser localizados em Brait (2000, p. 17-18).
25
tempo considerável, norteando o ensino nas escolas. Todas as concepções que emergiram no
cenário educacional vislumbravam mudanças para adequação às necessidades requeridas pelo
momento histórico, embora saibamos que o distanciamento entre o real e o necessário foi (e
continua sendo) uma marca na educação. Com a intenção de visualizar como a formação
continuada orientou, ao longo dos anos, as práticas pedagógicas dos professores, na seção
seguinte abordaremos esse assunto.
1.2 Formação de professores: algumas considerações
Historicamente, a formação do professor foi exclusividade das instituições de ensino
superior que, em tese, asseguravam um currículo com saberes necessários para o exercício da
docência. Porém, as transformações advindas das mudanças sociais, das novas relações e
interações com as pessoas e com as novas tecnologias, impuseram novas exigências para a
escola, requerendo dos professores outros conhecimentos para a condução do processo de
ensino. Coracini (2006, p. 135) justifica esse movimento, enfatizando que
[...] o final do século XIX e a primeira metade do século XX assistiram ao
desenvolvimento da produção industrial, ao progresso dos transportes e dos
meios de comunicação, ao surgimento dos métodos comerciais que
caracterizavam o capitalismo moderno, como o marketing, as grandes lojas, a
publicidade. Nessa fase, o consumo se limitava à classe burguesa. A segunda
fase do capitalismo moderno (que se inicia por volta de 1950) expande o
consumo de massa para as classes menos favorecidas (CORACINI, 2006, p.
135).
A autora ressalta ainda que, a partir da década de 1980, instaura-se a pós-modernidade
e neste nicho se desenvolvem as novas tecnologias, destacando-se o computador e a internet
com lugar garantido, inclusive, na escola. Desse modo, ―a internet – construção do homem
que parece ultrapassá-lo – já o submete – e, ao mesmo tempo, transforma-o – já que
transforma sua visão de mundo e seu modus vivendi‖ (CORACINI, 2006, p. 138).
É justamente nesse contexto de renovação que a formação continuada de professores
adquire importância, pois o movimento dos acontecimentos sociais exige um profissional com
novo perfil, cujas funções não se restrinjam aos saberes das disciplinas curriculares, o que
oficializa ―a necessidade de formar profissionais capazes de ensinar em situações singulares,
instáveis, incertas, carregadas de conflitos e de dilemas‖ (PIMENTA, 2002, p. 21).
26
Com essa nova realidade, modelos de formação foram ofertados aos professores, como
alternativa para ressignificar os saberes pedagógicos, complementando aqueles construídos
durante a graduação. Fernandes (2009) mapeia o quadro da formação continuada no Brasil,
permitindo-nos visualizar sua forma de organização inicial:
O quadro que historicamente se construiu da formação profissional de
professores, especificamente da formação continuada, foi o de programas e
ações de formação promovidos pelos sistemas de ensino, em parceria com as
universidades, cuja forma era, em sua maioria, cursos de curta duração com
programação e ementa que visavam à aquisição, pelos professores, de
saberes e conhecimentos educacionais que, por serem produzidos em outras
esferas educacionais além da escola, nem sempre iam ao encontro das suas
necessidades (FERNANDES, 2009, p. 18).
A visão de formação assumida era de capacitação e reciclagem, cujo objetivo principal
era assegurar aos docentes conhecimentos necessários para a melhoria de sua prática
pedagógica, uma vez que os fracassos dos alunos, segundo concepção da época, estavam
diretamente ligados à falta de preparo docente. Nesse sentido, a efetivação dos processos de
formação continuada dava-se por meio de cursos de pós-graduação, cursos de
aperfeiçoamentos ofertados pelas instâncias superiores — normalmente, em parceria com as
secretarias de educação, com carga horária definida — ou encontros, simpósios, congressos.
Candau (1996) denomina de ―perspectiva clássica‖ essa concepção de formação continuada
de professores. Fernandes (2009, p. 18) afirma que ―esse modelo de formação tinha como
base políticas públicas que visavam à capacitação dos professores, uma vez que concebiam a
prática docente como causa dos principais problemas escolares‖. Assim, promover cursos
pontuais consolidava-se como alternativa para que o docente melhorasse sua atuação e,
consequentemente, garantisse a qualidade do ensino.
Para a formação de um docente crítico, esse modelo foi um problema, porque destituía
os professores de seus saberes. Nesse caso, os professores das universidades ou profissionais
das secretarias (estaduais ou municipais) desenvolviam propostas classificadas como
inovadoras, desconsiderando a realidade na qual os sujeitos/docentes estavam inseridos.
Dessa forma, os saberes construídos com a experiência e a realidade de cada instituição de
ensino eram ignorados pela representação das instâncias que ministravam os cursos de
aperfeiçoamento/reciclagem.
Tardiff (2002) valoriza os saberes experienciais docentes — saber plural — cujo
nascedouro é a experiência, o trabalho cotidiano e a realidade do indivíduo. Portanto, deve
ser valorizado nas práticas de formação, assim como os demais. O mesmo autor elenca
27
quatro saberes, denominados de ―amálgama‖, para justificar que a constituição identitária do
professor é dinâmica e diversa:
1. Saberes da Formação Profissional – conjunto de saberes transmitidos
pelas instituições de formação de professores (escolas normais ou faculdades
de ciências ou educação).
2. Saberes Disciplinares - correspondentes aos diversos campos do
conhecimento, aos saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se
encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas, no
interior das faculdades e de cursos distintos.
3. Saberes Curriculares – programas escolares que os professores devem
aprender a aplicar.
4. Saberes Experienciais – decorrentes da experiência e por ela validados
(TARDIFF, 2002, p. 36-39).
Dessa forma, o autor constrói seus argumentos, ressaltando a importância de ―olhar‖ o
docente como um profissional detentor de saberes importantes, que tem a profissionalização,
muitas vezes, entrelaçada com a própria vida.
Nóvoa (2009, p. 11), outro pesquisador da formação, elucida que a docência nunca
esteve tão em voga como nos últimos anos. Historicamente, a profissão foi marcada pela
invisibilidade, conforme postula o autor:
A sua importância nunca esteve em causa, mas os olhares viraram-se para
outros problemas: nos anos 70, foi o tempo da racionalização do ensino, da
pedagogia por objectivos, do esforço para prever, planificar, controlar;
depois, nos anos 80, vieram as grandes reformas educativas, centradas na
estrutura dos sistemas escolares e, muito particularmente, na engenharia do
currículo; nos anos 90, dedicou-se uma atenção especial às organizações
escolares, ao seu funcionamento, administração e gestão.
Nesse contexto, análises revelaram que não bastava culpabilizar os docentes pelos
fracassos nas aprendizagens dos alunos, com discursos de que ―a educação é chave para o
desenvolvimento da nação‖. Era preciso tratar a educação com mais seriedade, com políticas
públicas de investimentos em eliminação ou redução das fragilidades do sistema educacional.
Assim, políticas de gestão escolar, de formação continuada dos professores despontaram
como alternativas para o trato das incertezas colocadas à escola do século XXI, pois
[...] o professor do futuro, a nova identidade a ser construída, não é a do
sujeito que tem as respostas que a herança cultural já deu para certos
problemas, mas a do sujeito capaz de considerar o seu vivido, de olhar para o
aluno como um sujeito que também tem um vivido, para transformar o
vivido em perguntas. O ensino do futuro não estará lastreado nas respostas,
mas nas perguntas (GERALDI apud SARTORI, 2008, p. 11).
28
Nessa perspectiva,
Os professores reaparecem, neste início do século XXI, como elementos
insubstituíveis não só na promoção das aprendizagens, mas também na
construção de processos de inclusão que respondam aos desafios da
diversidade e no desenvolvimento de métodos apropriados de utilização das
novas tecnologias (NÓVOA, 2009, p. 12).
Consolida-se nesse cenário a figura do professor crítico e reflexivo como um
profissional em condições reais de atuar no ambiente escolar, tendo na sua prática elementos
desencadeadores de reflexões e de novas proposições para o ensino. Dito de outro modo,
nessa perspectiva, os professores são profissionais com condições de observar os fenômenos
pedagógicos, refletir sobre eles, propor alternativas para a aprendizagem dos alunos,
ressignificando todo o processo educativo; são, portanto, ―capazes de compreender sua
prática, tornando-se agentes de suas ações pedagógicas‖ (PETRONI; SOCORRO, 2009, p.
233).
Em razão disso, a formação continuada atualmente está consolidada em espaços
educacionais diversos, inclusive na escola, tida como lugar privilegiado de construção de
saberes da docência, uma vez que ―nesse cotidiano ele [o professor] aprende, desaprende,
reestrutura o aprendido, faz descobertas e, portanto, é nesse locus que, muitas vezes, vai
aprimorando sua formação‖ (CANDAU, 1996, p. 144). Além disso, é preciso lembrar que ―o
educador é agente de sua própria formação, o que implica em reconhecer tanto um percurso
pessoal de formação como o entrecruzar de histórias e de pluralidades‖ (FERNANDES, 2009,
p. 22).
Desse modo, a formação continuada, entendida como processo permanente de estudos
após ingresso na docência, constitui-se como ampliação das possibilidades de conhecimentos,
em um movimento que envolve conversas e discussões com os colegas, estudo de situações e
busca de respostas teóricas para as experiências, em uma espécie de apoio profissional,
considerando que o professor vai sendo ―lapidado‖ à medida que enfrenta a realidade. Essa
dinâmica formativa propicia, por um lado, o rompimento gradativo da cultura do isolamento
profissional e, por outro, o desenvolvimento de estratégias colaborativas aliadas à
autoformação.
Nesse contexto, fica demarcado que, no espaço escolar, os docentes precisam
participar dessa dinâmica de atualização continuamente, entendendo esses momentos como
29
direitos assegurados, frutos de lutas históricas, portanto, fundamentais para a ação de
profissionais em constante aprimoramento.
1.3 Formação do docente de Língua Portuguesa
A formação do docente de Língua Portuguesa recebe atenção especial a partir do final
da década de 1990 e início dos anos 2000, em consonância com o movimento de valorização
de saberes da profissão. Segundo André (2001, p. 56), esse movimento ―ganha força no final
dos anos 80 e cresce substancialmente na década de 1990, acompanhando os avanços que a
pesquisa do tipo etnográfico e a investigação-ação tiveram nesse período‖, desenvolvidas por
profissionais de várias universidades brasileiras3. Além disso, as reformas educacionais,
ancoradas em melhoria da qualidade do ensino, a criação de legislações normatizadoras da
formação docente — entre elas a LDBEN4 9.394/96 e o FUNDEF
5 — e a disseminação de
programas de formação continuada contribuíram para novas configurações no ensino de
línguas.
Nessa direção, aumenta o interesse da Academia pelo assunto. De acordo com André
(2009),
[...] o aumento do volume de trabalhos científicos foi acompanhado por um
crescimento muito grande do interesse dos pós-graduandos pelo tema
formação de professores. Se no período de 1990 a 1998 a média de trabalhos
sobre esse tema ficou mais ou menos estável, em torno de 6%, de 1999 a
2003, passa a 14%, e nos anos seguintes continua em rápida ascensão
(ANDRÉ, 2009, p. 244).
Prova desse interesse são as publicações, contemplando reflexões sobre a formação do
professor e demonstrando a sintonia com as demandas linguístico-educacionais do século
XXI: Rojo (2000), Kleiman (2001), Magalhães (2004), Kleiman e Matêncio (2005),
Mendonça e Bunzen (2006), Signorini (2006, 2007), dentre outros.
Para responder a essa demanda profissional, as propostas de formação foram
encaminhadas, no sentido de instrumentalizar o professor teórico-metodologicamente para
desenvolver um trabalho pedagógico em consonância com os documentos oficiais e as
3 A autora destaca vários pesquisadores, nacionais e internacionais, e suas respectivas linhas investigativas,
focalizando o processo de formação do professor. Sobre isso, conferir André (2001, p. 56). 4 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
5 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação.
30
pesquisas acadêmicas. Tencionando situar melhor nossas reflexões sobre a ―Formação do
professor de LP‖, retomaremos alguns aspectos do ensino da disciplina nas escolas primárias
e secundárias:
Durante um longo período, que vai desde o final do século XVIII até meados
do século XX, percebemos um destaque muito maior para o ensino das
regras gramaticais e da leitura – entendida como uma prática de
decodificação e memorização de textos literários – do que escrever
(BUNZEN, 2006, p. 141) [grifo do autor].
Com essa afirmação, podemos depreender o viés de formação inicial dos professores
de língua nas escolas, marcado pela transmissão de conteúdos aprendidos nos cursos
destinados à sua profissionalização. Na realidade, a aprendizagem ocorria por imitação e
repetição de modelos consagrados, considerados como exemplos a serem seguidos. Assim,
―acreditava-se no aprendizado pela exposição à boa linguagem e na existência de uma língua
homogênea, a-histórica e, consequentemente, não problemática‖ (BUNZEN, 2006, p. 142).
Nesse contexto, exemplos de boa linguagem, sinônimo, portanto, de norma culta, eram ―os
textos literários portugueses e brasileiros em prosa e verso‖, que se prestavam a diferentes
finalidades: ―exercícios de leitura, recitação, análises sintáticas e composição” (BUNZEN,
2006 p. 143) [grifo do autor].
Esses modos de ensinar a língua portuguesa, prezando pelo ―bem dizer‖ e pela ―boa
escrita‖, tendo como referenciais os textos canônicos, orientaram práticas docentes por muito
tempo, justificando o ensino tradicional e ―normativo que priorizava a análise da língua e a
gramática‖ (ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 8), próprio de uma formação de cunho
estruturalista.
Libâneo (1994), ao apresentar as tendências pedagógicas no Brasil, situa o ensino
tradicional exemplificando, nesse contexto, a função do aluno e, consequentemente, a tarefa
do professor:
A atividade de ensinar é centrada no professor que expõe e interpreta a
matéria (...). Supõe que ouvindo e fazendo exercícios repetitivos, os alunos
―gravam‖ a matéria para depois reproduzi-la, seja através das interrogações
do professor, seja através das provas. (...) O aluno é um recebedor de
matérias e sua tarefa é decorá-la (...). O professor tende a encaixar os alunos
em um modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente
e futura (...). O método é dado pela lógica e sequência da matéria (1994, p.
64).
31
As transformações socioeconômicas e culturais, o processo de democratização de
acesso da população à escola e as novas condições sociopolíticas (Rojo, 2009), próprias da
década de 1960, impuseram novas exigências à escola. Com isso, alterou-se o quadro de
alunos nos bancos escolares e, consequentemente, a docência adquire novo perfil, uma vez
que pessoas das classes populares adentram as instituições de ensino, assumindo também o
ofício de professor, antes comumente função assumida pelas moças das classes de prestígio na
sociedade.
Essa situação, associada às políticas educacionais da época, que ampliam vagas no
ensino público, porém sem propor planos de carreira para a valorização da categoria, afeta,
sobremaneira, a docência. Em razão disso, ―a profissão de professor começa a desprestigiar-
se, a perder autonomia, a deslocar-se nos espaços sociais‖ (ROJO, 2009, p. 86).
Na década de 1970, o marco foi a promulgação da Lei 5.692/71, que, além de
oficializar a ampliação de oferta de vagas na escola, implantou a língua portuguesa como
―instrumento de comunicação e expressão da cultura brasileira” (ROJO, 2009, p. 87). Com
isso, a disciplina ganha nova ―roupagem‖ terminológica, nas várias etapas da Educação
Básica: Comunicação e Expressão (1ª à 4ª série ou primário, correspondendo aos atuais 1º ao
5º ano ou anos iniciais do Ensino Fundamental), Comunicação e Expressão em Língua
Portuguesa (5ª à 8ª série, ou ginásio – atuais 6º ao 9º ano ou anos finais do EF -) e Língua
Portuguesa e Literatura (2º grau, ou antigo colégio - atual Ensino Médio).
Curiosamente, ainda nos dias atuais, presenciamos propostas de ensino ancoradas
nessa lógica, inclusive com professores distintos para cada especificidade da língua:
Literatura, Gramática e Redação. Essa organização curricular, muitas vezes, é difundida com
a roupagem de um ensino inovador de LP e, lamentavelmente, é bem aceita pela sociedade em
um momento histórico cuja inter/transdisciplinaridade consolida-se como viável para
atendimento das demandas educativas linguísticas na atualidade.
Todas essas mudanças terminológicas mencionadas anteriormente, a nova clientela da
escola e os debates acerca dos conteúdos de ensino, com vistas à melhoria da qualidade
educacional do país, colocam os docentes na berlinda, uma vez que havia discordância quanto
aos pressupostos defendidos pelos pesquisadores, como, por exemplo, ―integrar, às práticas de
ensino e de aprendizagem na escola, novos conteúdos além daqueles tradicionalmente
priorizados em sala de aula‖ (BRASIL, 2006, p. 19). Ademais, não se pode dizer que os
estudos acerca da língua e da linguagem apresentavam sustentação teórica que desse aos
professores condições para construírem ações pedagógicas autônomas (BRASIL, 2006) e
32
mudassem práticas históricas. Faltava suporte para tais mudanças paradigmáticas. Para os
pressupostos educacionais da época, ―valorizar a criatividade seria condição suficiente para
desenvolver eficiência da comunicação e expressão do aluno‖ (BRASIL, 1998, p. 17).
Os anos 1980, segundo dados constantes nos Referenciais para Formação de
Professores (BRASIL, 1999), foram marcados por reformas educativas em vários países do
mundo. No Brasil, lutas em prol da melhoria salarial e formativa dos professores ganharam
visibilidade no cenário nacional, por duas razões:
[...] de um lado, pelo crescente achatamento dos salários dos profissionais da
educação – uma vez que não havia recomposição frente a uma inflação
muito alta – e, por outro, por índices alarmantes de fracasso escolar no
ensino fundamental – traduzidos em percentuais de repetência e evasão
inaceitáveis (BRASIL, 1999, p. 28).
Frente a essa situação de fracasso escolar, a escola recebe duras críticas oriundas de
esferas diversas. Os meios de comunicação de massa divulgam dados preocupantes de
fracassos nos vestibulares das instituições de ensino superior, pois muitos candidatos não
obtinham a pontuação necessária para ingresso no curso escolhido. Além disso, a escrita de
muitos alunos da Educação Básica apresentava ―erros‖ considerados grosseiros, contrariando
o padrão desejado pela sociedade.
Nesse momento, pesquisas diversas, especialmente de base sociolinguística, anunciam
novos fundamentos para o ensino. Consequentemente, o texto é alçado ao cerne das
orientações curriculares, enquanto ―as propostas, programas e materiais didáticos passam a se
pronunciar decisivamente em favor da presença dos textos, em mais de uma diversidade de
textos, em especial das mídias de grande circulação‖ (ROJO, 2009, p. 87). Bunzen (2006), ao
destacar a inserção do texto como unidade de ensino-aprendizagem, lembra que no tocante à
produção ―o conceito de texto, muitas vezes, ficou restrito à análise dos aspectos da
textualidade centrados no texto (coesão e coerência) e bem menos no usuário/interlocutor
(intencionalidade, aceitabilidade etc.)‖ (BUNZEN, 2006, p. 152) [grifo do autor]. Para
responder às exigências educacionais em curso, professores e produtores de livros didáticos
(LD) centram esforços na elaboração de propostas diversificadas de produção textual, porém
―tal diversidade parece ter sido focada muito mais no enfoque da estrutura composicional
dos textos do que na diversidade de contextos e situações de produção‖ (BUNZEN, 2006, p.
152-153) [grifo do autor].
O livro didático (LD), citado por Rojo e Bunzen, orienta a atuação docente em meio a
tantas transformações, com roupagem de inovação, todavia mantendo orientações tradicionais
33
de ensino, centradas no ensino normativo da língua. Há também, nesse período, um intenso
movimento de formação continuada de professores, objetivando alterações no quadro
educacional, impulsionado pelas idéias de Geraldi (PAULA, 2008) e pelo o contexto da
época, que exigiam novas bases para o ensino, conforme afirmado.
Geraldi (2003) pronuncia-se sobre a educação da época, afirmando que,
na prática escolar, institui-se uma atividade lingüística artificial: assumem-se
papéis de locutor/interlocutor durante o processo, mas não se é
locutor/interlocutor efetivamente. Essa artificialidade torna a relação
intersubjetiva e ineficaz, porque a simula (GERALDI, 2003, p. 89).
Com essa crítica, o autor faz menção, mesmo que implicitamente, à preparação do
professor, apontando as fragilidades de sua formação para o trato da linguagem nos processos
de ensino e aprendizagem. Embora as propostas curriculares oficializassem, em seus textos,
críticas ao ensino tradicional, rejeitando formas canônicas, as práticas docentes ainda
prezavam por orientações de língua como código (BUNZEN, 2006).
Nos anos de 1990, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/06
(LDBEN) estabeleceu novas bases para o ensino, materializando com os PCNLP (BRASIL,
1998), uma referência para discussões curriculares, com o objetivo de contribuir para a
revisão e a elaboração de propostas didáticas de estados e municípios. Os PCNLP (BRASIL,
1998) oficializaram mudanças para o ensino de Língua Portuguesa, elegendo o texto como
orientador das aprendizagens e o gênero como instrumento de ensino, exigindo novas posturas
dos professores no contexto de sua atuação, diferentes das práticas tradicionais em que era
comum ―atribuir-se ao ensino a tarefa de mera transmissão de conhecimentos, sobrecarregar o
aluno de conhecimentos que são decorados sem questionamento, dar somente exercícios
repetitivos (LIBÂNEO, 1994, p. 65). Assim, a perspectiva de formação continuada consolida-
se como necessária e fundamental, com a finalidade de preparar os docentes para, de fato,
assumirem a concepção de ensino abraçada pelos documentos oficiais em seu contexto real de
atuação.
Em Língua Portuguesa, podemos dizer que o processo de formação, com um viés
específico, ganha visibilidade a partir da publicação dos PCNLP (BRASIL, 1998), produzidos
como referência para o ensino brasileiro, após a denúncia de pesquisas que atestavam os
problemas advindos do ensino tradicional. Rojo e Cordeiro (2004) destacam que ―essa virada‖
passou a ecoar com mais força nos programas e propostas curriculares oficiais brasileiros a
partir de 1997/1998, com a incorporação dos PCNLP (BRASIL, 1998), embora já tivesse tido
34
eco anteriormente em numerosas propostas curriculares oficiais estaduais, exigindo a inserção
dos professores no processo de formação continuada, para garantir a efetivação do que
estabelecia o documento.
Em relação a esse assunto, Kleiman (2005) destaca:
A formação do professor transformou-se em objetivo prioritário de um bom
número de programas de pesquisa e de ação no governo e na universidade
nos últimos anos. Acredita-se que parte dos enormes problemas que assolam
a escola pública brasileira será atenuada, e até remediada, em decorrência de
uma formação renovada desse profissional (KLEIMAN, 2005, p. 203).
No ano de 2009, no V SIGET6 (Simpósio Internacional de Estudos Gêneros Textuais),
Joaquim Dolz, da Université de Genève, Faculté de Psychologie et des Sciences de
L‘Éducation, abordou a formação de professores, tema de grande importância para o Brasil e
para o mundo. O autor elegeu ―os cinco grandes desafios da formação do docente de
línguas‖7:
1. conhecer melhor as línguas… para o ensino.
2. analisar as capacidades e as dificuldades dos alunos.
3. criar e adaptar dispositivos de ensino.
4. desenvolver os gestos profissionais no quadro da atividade docente.
5. articular pesquisa, inovação e formação
Para o autor, todos esses desafios são oriundos de contextos de crises econômicas, de
economias emergentes, como o Brasil, em que a atividade docente é fundamental para dar
respostas positivas às necessidades do momento histórico. Isso também requer professores
preparados para atender a demandas específicas, com formação universitária sólida, e
preparados para atuar, articulando saberes teóricos e práticos.
Para exemplificar os desafios elencados, Dolz (2009) apresenta detalhes que, para fins
didáticos, serão expostos, observando a sequência da citação acima.
O primeiro item alerta para o ensino plurilíngue nas escolas, respeitando a identidade
dos alunos como critério para a apropriação de saberes necessários ao real uso da língua dos
países onde vivem. Para isso, o autor lembra que o professor precisa ser preparado para tais
demandas e sugere uma ―didática integrada de línguas‖, como forma de apoiar o profissional
no contexto educacional, uma vez que ele é modelo para os alunos na escola.
6 O V SIGET aconteceu de 11 a 14 de agosto de 2009, na Universidade de Caxias do Sul, e reuniu pesquisadores
do mundo inteiro, interessados no estudo dos gêneros. 7Material disponível em:
http://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/eventos/vsiget/portugues/Download%20%20das%20palestras.
35
Observar as necessidades dos alunos, diagnosticando-as e analisando-as para elaborar
estratégias de ensino pertinentes às situações, é parte do segundo aspecto. Criar ferramentas
para trabalhar com os gêneros é tratado no terceiro desafio. Essa proposta é complementada
por considerações que conclamam as instituições formadoras para a criação de condições
favoráveis à produção de dispositivos didáticos, condição importante para romper com a
lógica da apresentação de materiais, sem envolvimento do futuro professor.
No quarto desafio, Dolz (2009) ressalta que as instituições formadoras devem
acompanhar o futuro professor na prática, para orientá-lo quanto ao uso da teoria na atuação
pedagógica. No último desafio, o autor enfatiza a relevância da tríade ―investigação –
inovação - formação continuada‖ como requisito para práticas baseadas na investigação, e não
em crenças, como forma de alterar o ensino prescritivo, ainda vigente em diferentes instâncias
educativas.
É Dolz quem afirma: ―em um país emergente como o Brasil, melhorar a educação,
afrontar os problemas do letramento, combater o fracasso escolar (...) tudo isso exige um
plano de formação inicial (...) e um plano para o aperfeiçoamento dos professores‖. Esses
desafios ―supõem tensões e dificuldades evidentes, mas abrem novas pistas, novos caminhos
para melhorar a formação‖ (DOLZ, 2009).
Na tentativa de apontar caminhos para a melhoria da qualidade do ensino, tendo o
professor como principal — e não o único — agente de transformação, Mato Grosso cria
centros de formação para o desenvolvimento de propostas de apoio aos profissionais da
Educação Básica. Em razão disso, explicitaremos, a seguir, a função dos Cefapros, inserindo
o Centro de Formação de Juara nesse contexto, e mencionando o papel desses Centros na
consolidação de políticas de apoio pedagógico ao professor de LP.
1.4 Política de formação continuada de Mato Grosso via Cefapro
Todo o debate em torno da educação, no final do século passado, gerou inúmeros
documentos legais, pesquisas científicas e propostas metodológicas com a finalidade de
melhorar as condições do ensino ofertado nas escolas, com maior investimento em todos os
setores da educação, inclusive em infraestrutura das escolas, recursos humanos qualificados e
acesso e permanência dos alunos da educação básica, oficializando, dessa maneira, a
universalização da educação a todos os brasileiros.
36
Em Mato Grosso, a formação continuada é efetivamente discutida a partir de 1998. No
entanto, em 1994, o diagnóstico do Plano de Metas no Estado acusava que a educação
merecia atenção especial. Máximo e Nogueira (2009) esclarecem que essa situação pode ser
justificada, porque
[...] o investimento na educação sofreu uma diminuição a partir de 1993, o
que, certamente, veio causar prejuízos ao sistema educacional, com redução
de salários dos docentes, nas melhorias da infra-estrutura das escolas e nos
investimentos na capacitação dos professores (MÁXIMO e NOGUEIRA,
2009, p. 52).
Esse caos, evidentemente, colocou a educação como prioridade no Plano de Metas
mato-grossense, em razão da intensa mobilização da década de 1990, atribuindo às políticas
governamentais a responsabilidade pela mudança, materializada em expectativa de melhoria
do quadro do ensino nacional. Com isso e a partir do diagnóstico institucional da ineficiência
do ensino, em virtude do mau funcionamento das instituições escolares (MÁXIMO e
NOGUEIRA, 2009), Mato Grosso propõe estratégias para a consolidação de uma escola
democrática, a partir de investimentos em vários setores, viabilizando ―o fortalecimento da
escola, a gestão compartilhada [Estado, Município, escola e comunidade], a valorização do
magistério e a avaliação educacional‖ (MÁXIMO e NOGUEIRA, 2009, p. 59). Essa
descentralização coloca a SEDUC como apoiadora das escolas e exige delas
responsabilidades com a destinação dos recursos, elaboração de suas propostas curriculares,
criação de seus projetos de ensino, para alcançar a desejada melhoria na qualidade da
educação estadual.
Nesse sentido, o documento Política de Formação dos Profissionais da Educação
Básica de Mato Grosso (2010) destaca que,
[...] enquanto política pública de educação, a política de formação em Mato
Grosso busca deslocar a formação da responsabilidade individual para uma
responsabilidade pública; procura inseri-la no contexto das políticas públicas
para transformá-la em compromisso, com valorização profissional e
destaque do papel da escola no contexto das transformações sociais (MATO
GROSSO, 2010, p. 14).
No ―pacote‖ da política de melhoria da qualidade do ensino e assumindo as mudanças
decorrentes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96), que, entre suas
prerrogativas, determinava medidas para solucionar a situação dos professores em exercício e
não-habilitados, Mato Grosso desenvolve vários projetos, dentre eles: a) nível médio -
37
GerAção (habilitação em Magistério para professores em atuação) e TUCUM – para
professores indígenas; b) nível superior - PIQD (Programa Interinstitucional de Qualificação
Docente)8.
Ainda em decorrência do objetivo estratégico de alterar os altos índices de repetência e
evasão no Ensino Fundamental, o Estado implementa uma política educacional de
rompimento com o sistema seriado de ensino. Para isso, implanta o Projeto Terra9 (1996) e o
Ciclo Básico de Aprendizagem10
(1998) ─ ambos congregando a 1ª e 2ª séries num único
bloco de ensino ─ como alternativas experimentais inovadoras; e por fim, é oficializada a
proposta educacional do Estado, a ―Escola Ciclada de Mato Grosso‖, com Ensino
Fundamental de nove anos, divididos em ciclos, cada um com três fases.
Com inúmeras propostas/programas em andamento e algumas em projeção, somente
em 1997 a formação continuada esteve em pauta nas ações do governo mato-grossense.
Especialmente para fortalecer a política de formação docente e disseminar propostas para a
melhoria da ação educativa, em 1997, a SEDUC/MT implanta os primeiros Cefapros - Centro
de Formação e Atualização do Professor - em Cuiabá, Diamantino e Rondonópolis11
. Em
1998 são criados mais cinco Centros, com a finalidade de apresentar os pressupostos teóricos
orientativos da proposta de formação continuada, estabelecer objetivos, propor procedimentos
metodológicos, fixar os critérios de implantação de outros centros, definir condições de
ingresso (docente do Centro, professor cursista, professor-coordenador e diretor) e esclarecer
responsabilidades da Secretaria de Educação Estadual (MATO GROSSO, 1998). No ano
2000, havia no Estado doze Centros de Formação, compostos por equipe gestora (diretor,
coordenador de formação e secretário) e professores formadores das áreas de conhecimento,
8 Os projetos GerAção, TUCUM (http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=132&parent=129) e
PIQD foram desenvolvidos por modalidade híbrida, com momentos de aulas presenciais (nas férias escolares) e
a distância, oportunidade em que atividades práticas eram desenvolvidas com os alunos, como alternativa de
consolidação da teoria, e realizados outros estudos complementares. 9 O Projeto Terra, estruturado em Ciclos de Formação, foi implantado, de maneira experimental, em 22 escolas
públicas urbanas e rurais de Mato Grosso, visando a diminuir o quadro de evasão e retenção dos alunos nas
escolas. 10
O Ciclo Básico de Aprendizagem —CBA — foi considerado importante porque ―inaugurou uma estratégia
político-pedagógica de caráter democrático para o enfrentamento do fracasso escolar, eliminação da reprovação
no primeiro ano de escolaridade‖, procedimento que contribuiu para a ―permanência de crianças em idade
escolar no sistema de ensino, garantindo assim, inicialmente, o direito à alfabetização‖ (MATO GROSSO, 2000,
p. 17). 11
A ideia gênese de organização semelhante à do Cefapro foi gestada nesse município, especificamente na
escola estadual Sagrado Coração de Jesus, quando um grupo de professores da rede estadual e da universidade
federal da localidade se reunia para estudos de temáticas pertinentes ao processo de ensino. Referendada por essa
experiência, a SEDUC criou uma estrutura de formação, com professores especialistas para acompanhar os
professores da rede pública, dando-lhes principalmente subsídios teóricos em grupos de estudos, nos quais as
experiências dos professores eram o mote de todas as reflexões.
38
que se responsabilizaram pelas formações orientadas pela Secretaria de Estado de Educação
(SEDUC).
O quadro de profissionais foi selecionado por prova escrita e entrevista, feita por uma
comissão designada para esse fim, observando alguns critérios, conforme documento
orientativo: ser professor efetivo da rede estadual de ensino, portar título de curso superior
para a área pleiteada, ter experiência comprovada de três anos em escolas públicas do Estado
e ser aprovado no processo seletivo (prova escrita, análise do currículo e entrevista), nas
vagas disponibilizadas em edital (MATO GROSSO, 1998).
Posteriormente, os demais centros foram criados em pontos estratégicos do Estado
para proporcionar formações aos professores, uma vez que muitos só teriam oportunidade de
continuar seus estudos nesses espaços.
Ano Polo Legislação Qde
1997 Cuiabá, Diamantino e
Rondonópolis
Decreto 2.007 de
29 de dezembro 3
1998 Alta Floresta, Barra do Garças,
Cáceres , Juína e São Félix do
Araguaia
Decreto 2.319 de
08 de junho 5
1999 Confresa, Juara, Matupá e
Sinop
Decreto 53 de 22
de março 4
2005 Tangará da Serra Decreto 6.824 de
08 de agosto 1
2008 Primavera do Leste e Pontes
Lacerda
Lei 9.072 de 24/12 2
TOTAL 15 Quadro 1: Polos dos Cefapros/MT (SUFP/SEDUC, 2010).
O Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica foi criado
para desenvolver a Política de Formação dos Profissionais da Educação Básica da SEDUC-
MT, a partir da ―capacitação, atualização e habilitação, propiciando desenvolver uma nova
cultura profissional de professores‖ (MATO GROSSO, 1998, p. 11). Com isso, o currículo
sugerido para o desenvolvimento das competências profissionais do professor defende a
formação continuada como um continuum, rompendo com a lógica de cursos pontuais para
melhoria da prática pedagógica, que, aliás, não se efetiva em ―cursinhos‖ de 40 horas (MATO
GROSSO, 1998). Nos procedimentos metodológicos, o documento delineia formas de
atendimento.
39
1.3.1 A formação continuada se desenvolverá através de sessões de estudos
de atualização, cursos, discussão e reflexão da prática docente, planejadas de
modo que atendam a clientela nos três turnos diários, a fim de atender
também a rede municipal de ensino e obedecerá a um número máximo de 60
professores por turma, agrupados por escola na hora-atividade do professor.
1.3.2 A primeira sessão se destinará a levantar as expectativas e
necessidades dos docentes. O resultado subsidiará a programação das
reuniões. Este trabalho de ouvir e refletir com os professores [sobre] os seus
problemas deverá nortear programa do curso (MATO GROSSO, 1998, p.
19).
Em 2005, os Cefapros/MT foram transformados em Unidades Administrativas pela
Lei 8.405, de 27 de dezembro de 200512
. Essa Lei definiu, no Art. 1°, parágrafo único, que os
Cefapros têm por finalidade a formação continuada, a inclusão digital e o uso de novas
tecnologias na prática pedagógica dos professores da educação básica da rede pública estadual
de ensino. No mesmo documento é oficializada a avaliação dos profissionais do Centro,
mediante instrumentos e relatórios de produtividade, analisados anualmente por comissões
designadas pela SEDUC.
Em 2008, o Decreto nº 1.395, de 16 de junho, é publicado, regulamentando a Lei
8.405, de 27 de dezembro de 2005. Nele são explicitadas as atribuições dos profissionais do
Centro, inclusive do professor formador, delineadas no Artigo 10, inciso IV, p. 2:
a) Diagnosticar, junto aos professores, as necessidades educativas,
formativas e demandas da sua área de atuação;
b) Planejar ações de formação, de acordo com PPDC13
, viabilizando
metodologias que atendam às necessidades formativas dos professores do
pólo;
c) Elaborar o plano de ação por área de conhecimento;
d) Desenvolver projetos de intervenção referentes às necessidades
diagnosticadas em seu campo de atuação;
e) Acompanhar e executar as ações formativas em consonância com o
Projeto Político Pedagógico;
f) Promover e gerenciar a auto-formação para o bom desenvolvimento
de seu trabalho, atualizando-se em relação aos conhecimentos científicos e
tecnológicos;
g) Avaliar juntamente com a equipe gestora o processo de formação
desenvolvido pelo CEFAPRO no decorrer do ano letivo;
h) Orientar, monitorar, acompanhar e avaliar o trabalho dos técnicos dos
Laboratórios de Informática das unidades escolares.
i) Fazer avaliação anual determinada pela comissão permanente de
avaliação.
12
Publicada no Diário Oficial no dia 29 de dezembro de 2005, p. 2. 13
O PPDC - Projeto Pedagógico de Desenvolvimento do Cefapro – é um documento elaborado coletivamente
pelos profissionais do Centro de Formação e nele consta aspectos pedagógicos e orçamentários das ações a
serem desenvolvidas no polo no ano em questão.
40
Constituídos inicialmente como Unidade Escolar do sistema público estadual de
ensino para docentes que atuam na educação básica, os Centros de Formação perseguem o
objetivo de executar uma política de formação de apoio aos professores, subsidiando também
as Unidades Escolares na elaboração de seus Planos de Formação, principalmente,
incorporando pressupostos da Escola Ciclada, para a melhoria da ação educativa.
Paralelamente, e para contribuir com a implementação de outras práticas de ensino, são
desenvolvidos pelo Centro projetos de formação, como: a) PCN em Ação – programa
elaborado pelo MEC para promover estudo dos pressupostos dos PCN (1997), articulando-os
à prática pedagógica; b) Arara Azul – qualificação profissional em serviço para profissionais
da educação nas funções de Técnico do Administrativo Educacional (TAE) e Apoio
Administrativo Escolar (AAE); c) GESTAR – programa de formação continuada com o
objetivo de melhorar a atuação docente para melhoria dos índices educacionais.
Em 2004, para preenchimento de vagas, outra seleção ocorre nos Cefapros de todo o
Estado, esvaziado em função das responsabilidades assumidas com a formação dos
professores, em detrimento do aporte formativo dado pela SEDUC/MT. A urgência na
composição do quadro responde aos desafios de fortalecer a escola organizada por ciclos, nos
anos iniciais – 1º ao 5º ano da escolarização ─ com a finalidade de intensificar as formações,
visando à incorporação dos fundamentos teórico-metodológicos da proposta educacional
pelos professores. Para isso, a Secretaria de Educação fez parceria com algumas Instituições
de Ensino Superior – IES – de Mato Grosso, objetivando tornar os Cefapros centros de
excelência, principalmente para fortalecer o trabalho de formação continuada nos polos.
A partir de então, e orientados por uma matriz curricular sugerida pela SEDUC, cada
Centro formula seus projetos de formação continuada, tendo os pressupostos da Escola
Ciclada como norteadores dos planejamentos, intensificando, dessa maneira, a oferta de
cursos presenciais de atualização. Além disso, o Projeto Sala de Educador desponta nesse
cenário como política de formação continuada cujo locus é a própria unidade escolar de
atuação dos profissionais. As ações do Projeto são operacionalizadas nas cidades-polos, em
sistema de parceria entre SEDUC/Cefapros/escolas, delegando o gerenciamento da formação
continuada aos envolvidos no processo, especialmente aos formadores e aos gestores do
Centro de Formação, aos coordenadores pedagógicos das escolas, com a colaboração dos
professores. Dessa forma, instaura a co-participação, para ―propor, elaborar, refazer, executar,
intervir quando necessário, socializar, acompanhar e avaliar o projeto de formação,
41
oportunizando o crescimento e a qualificação constantes do profissional docente‖ (MÁXIMO
e NOGUEIRA, 2009, p. 92).
Apesar dos esforços empreendidos14
e dos investimentos feitos para a melhoria da
qualidade do ensino, dados do SAEB revelam um declínio nos índices de desempenho dos
alunos do EF, fato que motiva a implementação de uma proposta de avaliação desses alunos e
capacitação de seus professores, desenvolvida pela Fundação CESGRANRIO - Centro de
Seleção do Grande Rio - em parceira com a SEDUC: Projeto Eterno Aprendiz. Segundo
Máximo e Nogueira (2009), esse investimento atingiu a ordem de R$ 6.400.039,09 para a
realização do projeto, incluindo encontros com professores; desse valor, R$ 1.440.100,00
representaram gastos com a contração da empresa executora para assessoria e realização dos
encontros do curso. O projeto, com carga horária de 100 horas, foi desenvolvido no ano de
2006 em 4 etapas em alguns municípios-polos: Cáceres, Cuiabá, Barra do Garças,
Rondonópolis, Sinop e Tangará da Serra15
. Inicialmente, os multiplicadores – professores de
Língua Portuguesa e Matemática da rede estadual de ensino e dos Cefapros – foram
capacitados para a operacionalização do Projeto nas escolas, e no ano seguinte a ―grandiosa‖
ação formativa foi assegurada aos professores em exercício nas escolas estaduais,
especificamente aos efetivos.
Em 2009, outra grande ação de formação é efetivada pela SEDUC, dessa vez em
parceria com o MEC: trata-se do GESTAR II. O objetivo centra-se na capacitação de
multiplicadores para atuar no desenvolvimento das propostas em vários municípios-polos do
Estado e envolve profissionais dos Cefapros, das escolas estaduais e municipais .
Nos últimos anos, os Cefapros, localizados estrategicamente conforme demonstrado
abaixo, têm a função de disseminar as políticas públicas educacionais, perseguindo o objetivo
de se tornarem centros de referência de formação continuada no Estado. Para isso, organizam
suas ações, referendadas pelas necessidades formativas dos profissionais das escolas, em
consonância com os projetos e programas assumidos por Mato Grosso, oriundos das parcerias
institucionais, conforme mencionado. Nesse sentido, tornam-se o grande implementador dos
cursos de formação continuada para professores em serviço apontado no Plano de Ações
14
Neste caso, consideramos especificamente os profissionais dos Cefapros e os professores das escolas que,
apesar dos avanços numericamente pouco significativos, cada um, na sua esfera de atuação, se empenhou na
tentativa de dar respostas positivas ao cenário desolador. Os primeiros, dentro de suas limitações teórico-
metodológica fomentar a formação continuada; o segundo, nos conflitos entre a inovação e ausência de subsidio
para efetivar as mudanças requeridas. 15
No site da Fundação CESGRANRIO, a empresa cita esse trabalho como inserido nos grandes projetos de
capacitação de professores, oferecidos em vários estados:
http://www.cesgranrio.org.br/projetos/projetos_capacitacao_principal.aspx
42
Articuladas (PAR), dos municípios e do Estado. Portanto, deixam de ser propositores de
projetos de formação, elaborados pelos formadores nas áreas de conhecimento, para
efetuarem o atendimento das demandas formativas dos professores do polo, como aconteceu
regularmente em 2007 e 2008.
Figura 1: Polos atuais dos Cefapros de Mato Grosso (Acervo pessoal)
Atualmente, os principais propulsores da formação continuada são o Projeto Sala de
Educador, antigo Sala de Professor, reconfigurado para contemplar também as necessidades
formativas dos TAE e AAE, incluídos oficialmente como profissionais da educação, e os
Programas nacionais em parceria com o MEC. Abaixo listamos alguns deles:
a) Proinfantil: curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal, e destinado
aos professores da educação infantil em exercício nas creches e pré-escolas;
b) Pró-letramento: focado na aprendizagem da leitura/escrita e matemática,
contemplando professores dos anos iniciais do ensino fundamental;
c) Profuncionário: voltado para a formação dos funcionários da educação das escolas –
TAE e AAE – em efetivo exercício;
d) ProInfo Integrado: voltado para o uso didático-pedagógico das TIC no processo de
ensino, a partir de alguns cursos como Introdução à Educação Digital (40h);
43
Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC (100h) e Elaboração
de Projetos (40h).
Dessa maneira, o Cefapro funciona como um canal de aproximação entre as escolas e
a SEDUC, pelo viés pedagógico. Portanto, consolida-se enquanto centro de referência para a
formação dos profissionais da Educação Básica, com identidade remodelada em função das
políticas públicas educacionais, sendo estas formuladas para atender às exigências de um país
em desenvolvimento, como o Brasil.
Nesse contexto, o Cefapro de Juara participa desse movimento político-educativo,
contribuindo localmente para a efetivação dos processos de formação continuada, integrado às
proposições da SEDUC, conforme se verá a seguir.
1. 5 Cefapro de Juara em sintonia com as políticas educacionais da SEDUC/MT
O Cefapro de Juara, formado pelos municípios do Vale do Arinos (Juara - cidade sede
- Novo Horizonte, Porto dos Gaúchos e Tabaporã) é criado pelo Decreto 2.319, de 08 de
junho de 1998, juntamente com mais outros quatro Centros (Cf. Quadro 1).
Figura 2: Polo do Cefapro de Juara (Acervo Pessoal)
―Nasce‖ com a finalidade de atender à demanda de formação, conforme exigências de
implantação e funcionamento do Centro, a saber, ―necessidade regional voltada para o
44
Sistema Público de Ensino, com vista ao Programa de Qualificação e Atualização Docente‖
(MATO GROSSO, 1998, p. 23), a partir de ―pesquisas nos municípios do Estado para
levantar a necessidade da criação do Centro em pólos regionais no Estado de Mato Grosso‖
(MATO GROSSO, 1998, p. 23).
O Centro começou suas atividades junto à Assessoria Pedagógica local, porque ainda
não contava com sede própria16
. Com isso, a equipe gestora designada para atuar nele se
dedicou, inicialmente, à estruturação administrativo-pedagógica para fazê-lo funcionar de
acordo com os parâmetros da formação continuada. Apenas em agosto de 1999, o primeiro
teste seletivo foi aplicado para preenchimento do quadro de professores do Cefapro, seguindo
os critérios estabelecidos para pleitear a vaga na instituição formadora, dentre eles, ser efetivo
na rede estadual de ensino, conforme mencionado. Curiosamente, apenas a vaga de Língua
Portuguesa foi ocupada.
Em razão do número reduzido de profissionais no Cefapro juarense, figurou como
ação inicial de formação dessa instituição a série ―Programa Salto para o Futuro/TV Escola‖,
em consonância com as ―propostas estratégicas para melhorar o desempenho do sistema
público estadual de educação (MÁXIMO e NOGUEIRA, 2009, p. 113). Com isso, os
encontros semanais ocorreram das 17h às 19h, incluindo o horário de exibição ao vivo dos
programas, antecedido de leitura e discussão do boletim17
. Ao término da série exibida na
semana - 5 programas ─ cada professor produzia um ―relatório‖, para assegurar a certificação.
Em 2000, houve uma recomposição do quadro, via seleção, aumentando o número de
profissionais, uma vez que a equipe do ano anterior se desligou do Centro. Esse novo quadro
possibilita ações de formação continuada em consonâncias com as políticas educativas eleitas
para o momento. Dessa maneira, ganharam visibilidade no cenário local propostas de
formação para implantação da Escola Ciclada, Programa PCN em Ação e Projeto Arara Azul,
todos integrados à política educacional de melhoria da qualidade do ensino estadual.
Consolidando uma das primeiras e grandes ações da equipe de 2000 é organizada a
apresentação da proposta ―Escola Ciclada de Mato Grosso‖ aos professores do polo. Em
16 Os dados sobre o Cefapro local trazidos neste item foram obtidos em alguns arquivos do Centro, com
informações pontuais, e também retratam nossa experiência neste espaço de formação continuada:
primeiramente, na condição de cursista dos projetos ofertados; posteriormente, na função de professora
formadora da Instituição. 17
O boletim do Programa Salto para o Futuro (textos de apoio aos debates veiculados ao vivo), é composto
por cinco artigos, relacionados às séries temáticas da semana, e são escritos por consultores especialmente
convidados para isso. No site podem ser obtidos os documentos:
http://tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/boletins.asp
45
grandes encontros, movidos por discussões, debates e rejeição explícita da proposta curricular
por ciclos de aprendizagem, os formadores, a partir de orientações recebidas da equipe da
SEDUC/MT, formulam argumentos na tentativa convencer os professores sobre a importância
de mudanças na educação, rompendo com a exclusão imposta pelo sistema seriado. Para
subsidiar o trabalho dos formadores e possibilitar a continuidade da reflexão sobre a proposta
apresentada, cada professor, na época, recebeu um exemplar do documento.
Paralelamente, a equipe centrou esforços no Projeto Arara Azul, destinado aos
Técnicos Administrativos Educacional (gestão escolar e multimeios) e Apoio Administrativo
Escolar (nutrição, vigia e limpeza), em colaboração com outros profissionais contratados, para
suprirem a demanda formativo-curricular do curso.
Outra proposta de formação continuada desenvolvida foi os ―PCN em Ação‖,
resultado da parceria entre SEDUC/MT e MEC, objetivando capacitar os professores dos anos
iniciais (1º ao 5° ano) pelo sistema de multiplicação. Uma consultora do MEC desenvolveu a
proposta com os coordenadores pedagógicos das escolas, a quem foi delegada a
responsabilidade pela formação dos professores nas escolas, embasados por exemplares
produzidos pelo Ministério da Educação.
Se os PCN (BRASIL, 1997) foram, de alguma maneira, contemplados em propostas
de formação continuada, o mesmo não ocorreu com os PCNLP (BRASIL, 1998). Na tentativa
de criar mecanismos para a compreensão dos documentos (incluindo de outras disciplinas),
grupos de estudos organizaram-se no Centro de Formação, porém conduzidos por professores
que sequer receberam capacitação específica para desempenhar tais tarefas. Na realidade, os
formadores estavam munidos de ―boa vontade‖, o que, em tese, não assegurou os
esclarecimentos teórico-metodológicos esboçados nos parâmetros para desempenhar
propostas de ensino ancoradas nos pressupostos desses documentos.
Nos anos 2001 e 2002, a implementação da Escola Ciclada, o Projeto Arara Azul e o
Programa PCN em Ação, em conjunto com algumas assessorias às escolas, resumiram a
atuação dos formadores em processos de formação continuada. Em 2003, o Centro de
Formação é esvaziado e, mais uma vez, permanece somente a equipe gestora, que participa do
processo de reordenamento das políticas de formação continuada, cuja opção recai sobre os
anos iniciais do EF.
Para a efetivação da proposição definida, no 1º semestre de 2004 é realizado outro
processo seletivo, para preenchimento das vagas nas áreas de conhecimento. Com isso, quatro
professoras são integradas ao quadro do Centro, no 2º semestre/2004, sendo uma
46
representante de cada área: Alfabetização, Linguagens, Ciências da Natureza e Matemática,
Ciências Humanas e Sociais. Isso resulta na criação de inúmeros projetos de formação
continuada, nos anos seguintes, focando especialmente aspectos teóricos, como se isso
garantisse melhoria nas práticas pedagógicas dos professores. Além disso, a disseminação da
proposta educacional de Mato Grosso torna-se imperativa na formulação de tais propostas.
Em 2005, implementa-se o Projeto Sala de Professor em todas as escolas estaduais do
polo de Juara, atribuindo às instituições, parcialmente, a responsabilidade pela elaboração e
execução da formação no espaço de atuação dos profissionais, tendo a realidade educativa
como elemento desencadeador de estudos. Nesse sentido, a responsabilidade do Centro de
formação direciona-se para a figura do coordenador pedagógico, principal agente de formação
nesse espaço, apoiando-o, minimamente em suas funções.
Paralelamente a todo esse processo, os ―grandes‖ projetos de formação, com carga
horária de pelo menos 80h presenciais, continuam sendo implementados em todos os
municípios do polo. Em alguns momentos, esses projetos tratam a especificidade da
área/disciplina; em outros, de aspectos da proposta educacional do Estado.
Apesar dos projetos elaborados no Centro para atender à demanda formativa dos
professores de Língua Portuguesa, o ―Eterno Aprendiz‖, projeto de avaliação e
acompanhamento dos alunos de 1ª à 8ª série do Ensino Fundamental com capacitação de
professores de Língua Portuguesa e Matemática, e o GESTAR II, destinado aos docentes de
Língua Portuguesa e Matemática em exercício naquele ano, são significativos para mobilizar
os profissionais na discussão de novas proposições para o ensino.
No próximo item, enfatizaremos o Programa Gestão da Aprendizagem - GESTAR II -
de Língua Portuguesa, por ser embrionário do nosso foco de análise, o RPP.
1. 6 GESTAR II: política pública de formação continuada
No bojo das políticas públicas de melhoria da qualidade da educação, o investimento
na formação continuada de professores configurou-se como alternativa para o alcance de
índices educacionais condizentes com as exigências de um país emergente, como o Brasil,
uma vez que, como mencionado, exames nacionais ─ Prova Brasil e SAEB18
─ e
18
A Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) são avaliações diagnósticas,
feitas com alunos do quinto e do nono ano do Ensino Fundamental (EF), com a finalidade avaliar a qualidade do
ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro, com foco na leitura e resolução de problemas. Para levantar
esses dados, testes padronizados e questionários socioeconômicos são aplicados, sob a coordenação do INEP -
47
internacional ─ PISA19
─ demonstravam, explicitamente, a fragilidade do ensino ofertado.
Com demonstrativos de baixo desempenho de proficiência dos alunos em LP e Matemática,
resultantes dessas avaliações, Socorro (2009) constata que, nesse contexto,
[...] as escolas seriam contempladas com um projeto de formação
continuada, editado para atender aos objetivos do Programa
FUNDESCOLA20
(..). Em 2002, na primeira edição do programa [GESTAR
I], este era oferecido em seis estados, de três diferentes regiões (Centro-
Oeste, Norte e Nordeste): Rondônia, Acre, Bahia, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul e Goiás.
O Programa Gestão da Aprendizagem Escolar II – GESTAR II – vinculado à
Secretaria de Educação Básica21
/MEC e implementado a partir de 2004, conta com os
seguintes materiais: 1 Guia Geral, 1 Caderno do Formador, 6 Cadernos de Teoria e Prática –
TP, 6 Cadernos de Apoio à Aprendizagem do Aluno – AAA – versão do professor e 6
Cadernos de Apoio à Aprendizagem do Aluno – AAA – versão do aluno (para uso do
professor).
O Guia Geral (2008a) delineia formas de oferta, foco e finalidade do Programa:
É um programa de formação continuada semipresencial orientado para a
formação de professores de Matemática e de Língua Portuguesa, objetivando
a melhoria do processo de ensino aprendizagem. O foco do programa é a
atualização dos saberes profissionais por meio de subsídios e do
acompanhamento da ação do professor no próprio local de trabalho. Tem
como base os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática e de Língua
Portuguesa dos alunos de 5ª a 8ª séries (6º ao 9º anos) do Ensino Funda-
mental. A finalidade do programa é elevar a competência dos professores e
de seus alunos e, conseqüentemente, melhorar a capacidade de compreensão
e intervenção sobre a realidade sócio-cultural (BRASIL, 2008a, p. 14).
A modalidade híbrida de oferta inclui encontros presenciais nas oficinas, realizadas
quinzenalmente, com duração de 4h, totalizando 80h; e a distância, com carga horária total de
220h: 180h destinadas ao estudo individual dos Cadernos, desenvolvimento das atividades em
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 19
Programa Internacional de Avaliação dos Alunos que permite monitorar os sistemas educativos dos países
participantes. 20
O Fundo de Fortalecimento da Escola (FUNDESCOLA) é vinculado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação - FNDE/MEC – e financiado pelo Bird – Banco Mundial – para elevar a qualidade do ensino
ofertado pelas redes estaduais e municipais do Brasil. 21
Tem como função principal apoiar a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, por meio de
projetos e programas, amparados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, e pelo Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 10.172/2001. Atualmente, constam
na lista do MEC mais de 40 programas e ações destinados à educação básica. Os projetos e programas podem ser
acessados na plataforma do MEC: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_pea.
48
sala, pelo cursista-professor, e 40h para a elaboração de um projeto ao final do percurso, com
orientação do formador. Compete ao formador: preparar as oficinas, acompanhar o professor-
cursista na sala de aula, verificando de que forma o mesmo utiliza os conceitos teórico-
metodológicos aprendidos durante o percurso formativo, manter plantão para tirar dúvidas,
orientar o projeto final, montar um portfólio22
e elaborar relatório mensal das atividades
realizadas.
O formador (e tutor) é uma figura importante do processo atualização docente.
Concebido como ―um educador qualificado especialmente para atuar no GESTAR II‖
(BRASIL, 2008a, p. 15), é o representante do Programa, atuando, inclusive, como
intermediário entre as secretarias de educação (municipais e estadual) e as escolas, com a
responsabilidade de coordenar as atividades, implementá-las e avaliar o desenvolvimento dos
participantes do processo formativo. Para isso, tem a incumbência de se autoformar, a partir
das necessidades localizadas com o desenvolvimento do GESTAR II, apesar de receber
formação específica presencial de 96 horas, sendo: 40h para a formação inicial, 40h para o
seminário de acompanhamento e 16h para o seminário de avaliação. Essa formação
específica é ofertada por uma IES23
.
Partindo desses pressupostos, a proposta pedagógica do Programa é composta,
basicamente, por sete elementos, indicados no Guia Geral (2008a):
1. Ensino-aprendizagem baseado na concepção socioconstrutivista.
2. Relação professor-aluno como motivadora de laços facilitadores do processo
de ensino, pautado em conhecimento da realidade do educando, para a escolha
das estratégias mais viáveis.
3. Papel do professor, figura mediadora de conhecimentos em sala de aula, com
uma proposta de atuação assentada: a) no planejamento, respaldado em
diagnóstico de aprendizagem dos alunos, escolha de materiais adequados e
criação de ambiente favorável; b) nas aulas, incentivando pesquisas sobre fatos
diversos, por meio de diferente organização dos alunos; c) em outros
ambientes, integrando projetos coletivos internos e externos, inclusive com
outras escolas.
22
O portfólio dever conter atividades (consideradas importantes para o Formador) dos professores-cursistas e de
seus alunos. 23
Em Mato Grosso, a UnB – Universidade de Brasília – foi a instituição responsável pela realização dos
encontros presenciais com formadores, profissionais das secretarias estaduais e municipais, do Programa. Ao
todo, foram três encontros, sendo dois destinados exclusivamente ao estudo dos Cadernos de Teoria e Prática e
um à avaliação final dos resultados do Programa no Estado.
49
4. Sala de aula, espaço de efetivação do Programa;
5. Avaliação processual e formativa, com formas diversificadas, incluindo a
autoavaliação, para orientar planejamentos de ensino adequados à realidade
dos estudantes;
6. Concepção de competência, formulada por Perrenoud: ―ações e operações que
utilizamos para estabelecer relações entre objetos, situações e fenômenos que
desejamos conhecer‖ (BRASIL, 2008a, p. 24).
7. Relação entre comunidade e escola como desencadeadora de aprendizagem dos
alunos.
Dessa maneira, a grande propulsora da formação continuada em serviço é a díade
ensino e aprendizagem. É sobre ela que se ancora todo o processo de aperfeiçoamento,
justificando a necessidade da apropriação de estratégias mais eficazes e adequadas, pelos
professores, para trabalhar com especificidades da Língua Portuguesa e da Matemática.
A proposta curricular de LP define o objetivo geral na perspectiva de instrumentalizar
o professor para um trabalho pedagógico que possibilite ―aos alunos o desenvolvimento de
habilidades de compreensão, interpretação e produção dos mais diferentes textos‖ (BRASIL,
2008a, p. 34). Nesse sentido, um viés de formação continuada inovador é anunciado,
parametrizado pela articulação entre teoria e prática, cujas reflexões em torno da língua têm o
texto como eixo central, para garantir a autonomia docente, estimulando seu letramento. Em
consequência, o aluno também é beneficiado, porque conta com um professor que está em
constante processo de formação, sendo um usuário competente da língua.
A proposta pedagógica de LP está organizada para garantir o letramento do professor.
Com isso, os TP – Caderno de Teoria e Prática – assumem o trabalho com a linguagem, tendo
a ―língua como atividade social e comunicativa em que os interlocutores atuam em um espaço
cultural e histórico‖ (BRASIL, 2008a, p. 36), sinalizando para abordagens em que o texto é
resultante dessas interações e produzido em determinadas condições sócio-históricas. Logo,
os saberes profissionais e experienciais docentes (Tardiff, 2002) são valorizados para propor
um tratamento pedagógico dos textos clássicos em consonância com os regionais e/ou locais,
interligando-os a assunto de ordem mundial. Isso, de certa maneira, define as escolhas
―temáticas‖ de cada TP, baseadas nos temas transversais dos PCNLP (BRASIL, 1998), que
orientam a escolha dos gêneros discursivos a serem tratados nas unidades.
Cada volume dos Cadernos de Teoria e Prática – TP – aborda uma temática, dividida
em unidades, conforme apresentação a seguir:
50
TP Unidade Título da Unidade
1
LINGUAGEM E
CULTURA
1 Variantes Lingüísticas: dialetos e registros
2 Variantes Lingüísticas: desfazendo equívocos
3 O Texto como centro das experiências no ensino da língua
4 A intertextualidade
2
ANÁLISE LINGÜÍSTICA
E ANÁLISE LITERÁRIA
5 Gramática: seus vários sentidos
6 A frase e sua organização
7 A arte: formas e função
8 Linguagem figurada
3
GÊNEROS E TIPOS
TEXTUAIS
9 Gêneros textuais: do intuitivo ao sistematizado
10 Trabalhando com gêneros textuais
11 Tipos textuais
12 A inter-relação entre gêneros e tipos textuais
4
LEITURA E
PROCESSOS DE
ESCRITA I
13 Leitura, escrita e cultura
14 O processo da leitura
15 Mergulho no texto
16 A produção textual. Crenças, teorias e fazeres
5
ESTILO, COERÊNCIA E
COESÃO
17 Estilística
18 Coerência textual
19 Coesão textual
20 Relações lógicas no texto
6
LEITURA E
PROCESSOS DE
ESCRITA II
21 Argumentação e linguagem
22 Produção textual: planejamento e escrita
23 O processo de produção textual: revisão e edição
24 Literatura para adolescentes
Quadro 2: Ementas dos Cadernos de Teoria e Prática de Língua Portuguesa (BRASIL, 2008a, pág. 37- 40).
A concepção do Programa reafirma a centralidade da linguagem como interação com
outros, materialmente representados ou não. No processo de ensino, o intercâmbio linguístico
será mediado pelo professor-cursista, por meio de atividades significativas, à medida que
também constrói referências para sua condição de aprendiz. Desse modo, algumas
competências são esperadas do professor de LP ao final do processo de formação continuada,
como: observar, registrar, organizar e sistematizar fatos da gramática interna, descritiva e
normativa; escolher e organizar os conteúdos de ensino, levando em consideração a realidade
dos alunos; orientar sua prática pedagógica pautada pela pesquisa, avaliação e adoção de
métodos, estratégias e materiais diversificados (BRASIL, 2008a).
No contexto nacional, os documentos parametrizadores do ensino, dentre eles os
PCNLP (1998), e muitas propostas de formação continuada utilizam, em boa medida, os
pressupostos teóricos de Bakhtin. Nesse sentido, muitos estudiosos têm sugerido
aproximações entre esse pensador e Vygotsky, principalmente quando o processo ensino e
aprendizagem está em pauta. Como a nossa análise envolve o contexto escolar e as relações
nele imbricadas, retratadas nos RPP, apresentamos no próximo capítulo os dois autores
russos, Bakhtin e Vygotsky, com fundamentos distintos, porém com pontos convergentes
importantes para a educação.
51
CAPÍTULO II
BAKHTIN E VYGOTSKY: CONCEITOS APLICADOS AO ENSINO
As complexas relações de reciprocidade com a palavra do outro em todos os
campos da cultura e da atividade complementam toda a vida do homem
(BAKHTIN, 2003 [1970-71/1979], p. 379).
Como mencionamos no capítulo anterior, os documentos parametrizadores24 do
ensino brasileiro assumiram uma concepção de linguagem de cunho enunciativo-discursivo,
alicerçada nas proposições dos pensadores russos, integrantes do Círculo de Bakhtin25. Por
essa razão, projetos e programas de formação em âmbito nacional e estadual disseminaram
em suas propostas tratamentos que, em tese, preparariam os docentes para desenvolverem
ações pedagógicas respaldadas nas inovações pregadas pelos documentos oficiais. O
GESTAR II de LP é representativo dessa situação e os RPP registram esse processo de
apropriação teórico-metodológico dos participantes, frentes às demandas educacionais
colocadas.
Partindo disso, não temos dúvida quanto à contribuição dos conceitos bakhtinianos
para nosso estudo. Desse modo, em função dos caminhos de nossa análise, acreditamos que
autoria, dialogismo, enunciado e gênero discursivo são itens profícuos para a análise dos RPP.
Além disso, em razão do contexto gerador do RPP – escola – afiançamos que Vygotsky, com
sua teoria envolvendo a aprendizagem, contribui com os conceitos de mediação e ZPD, para a
compreensão dos movimentos discursivos presentes nos Relatórios de Prática Pedagógica. É
desses itens que trataremos a seguir.
24
Como exemplos, podemos citar: Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, Ensino
Fundamental I e II (1997 e 1998), Parâmetros Curriculares do Ensino Médio de Língua Portuguesa (1999),
PCN+ (2000) e Orientações Curriculares do Ensino Médio (2006). 25
Faraco (2009, p. 13), ao apresentar o Círculo, explica que ―era constituído por pessoas de diversas formações,
interesses intelectuais e atuações profissionais (um grupo multidisciplinar, portanto), incluindo, entre vários
outros, (...) Mikhail Bakhtin, Valentin N. Voloshinov e Pavel N. Medvedev‖ , sendo os três últimos envolvidos
por fortes laços fraternos. O grupo manteve o propósito de estudar as obras filosóficas e contemporâneas da
época, por um período de cerca de 10 anos, compreendido entre 1919 e 1929, ―motivado por chá forte e
conversa até o amanhecer” (CLARK e HOLQUIST, p. 65).
52
2.1 Vygotsky e a teoria da aprendizagem
O psicólogo bielorusso Lev S. Vygotsky26 centrou seus estudos no desvelamento das
funções psicológicas superiores, apoiado na concepção histórico-cultural de desenvolvimento
humano, tratando a linguagem como componente social e constituidora do sujeito. O
mapeamento de ―mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos, que são típicos
do ser humano e que envolvem o controle consciente do comportamento, a ação intencional e
a liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço presentes‖ foi
(OLIVEIRA, 2006, p. 26) um dos objetivos perseguidos por ele. A mesma autora ainda
esclarece:
As postulações de Vygotsky sobre fatores biológicos e sociais no
desenvolvimento psicológico apontam para dois caminhos complementares
de investigação: de um lado, o conhecimento do cérebro como substrato
material da atividade psicológica e, de outro lado, a cultura como parte
essencial da constituição do ser humano, num processo em que o biológico
transforma-se no sócio-histórico (OLIVEIRA, 1992, p. 33)
Atualmente, os textos do autor têm recebido atenção especial de pesquisadores de
diversas áreas do conhecimento (Linguística, Linguística Aplicada, Educação, Psicologia,
dentre outras) que, a partir de releituras, tentam extrair fundamentos para analisar seus
objetos. A educação, especialmente, tem se apropriado de vários aspectos da teoria histórico-
social, especificamente sobre desenvolvimento-aprendizagem e ensino-aprendizagem, no
tocante aos aspectos ligados à construção do conhecimento.
Diferentemente de Bakhtin (2003 [1952-53]), que não contemplou diretamente a
educação em seus postulados teóricos, Vygotsky (1998 [1930]) suscita questionamentos
evidenciando aspectos do processo ensino-aprendizagem e formula alternativas de cunho
pedagógico. Dentre esses aspectos, destacamos os conceitos de mediação e ZPD27 - Zona
Proximal de Desenvolvimento, os quais serão tratados no próximo item.
26
O pesquisador (e professor) produziu muitas obras e morreu precocemente, aos 37 anos. Vygotsky foi
professor de Literatura, Estética, História, Arte e Psicologia. Por isso, em suas pesquisas, sempre procurou
relacionar psicologia e educação, além de deixar explícito, em vários artigos publicados, seu interesse pela
escola (FREITAS, 2007). 27
Escolhemos ZPD – Zona Proximal de Desenvolvimento – em detrimento de ZDP – Zona de Desenvolvimento
Proximal – este último, formulado por Vygotsky, por concordarmos com Rojo (2001a, apud PAES DE
BARROS, 2005, p. 41), ao mencionar que ―a força de adjetivação não recai sobre o desenvolvimento, mas sobre
a zona de intercessão criada pelo ensino-aprendizagem‖.
53
M
E
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I
A
Ç
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O
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E
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I
A
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O
2.1. 1 Relevância dos conceitos vygotskyanos de mediação e ZPD
Vygotsky (1998 [1930]) defende que o desenvolvimento depende da aprendizagem. A
partir dessa colocação, fica clara a importância atribuída pelo autor aos mediadores do
conhecimento, que funcionam como elo entre o indivíduo e o mundo.
A mediação, tida como um dos conceitos mais importantes para entendermos os
postulados vygotyskianos sobre o funcionamento do cérebro humano, atua como
desencadeadora da relação do homem com o mundo e com outros da mesma espécie. Para
Oliveira (2006, p. 26), a mediação ―é o processo de intervenção de um elemento intermediário
numa relação; a relação deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento‖, já que,
para o psicólogo russo, inexiste relação direta dos seres humanos com o meio, justificando o
papel dos mediadores como elementos estabelecedores de vínculos, por meio de relações reais
existentes ―entre o comportamento e seus meios auxiliares‖ (VYGOTSKY, 1998 [1930], p.
70).
Para consolidar a existência e a razão dos componentes mediadores, Vygotsky
(1998[1930]) declara que o processo de mediação depende, basicamente, de dois elementos
ou vetores de atividades mediadas, conforme propõe Rojo (2010): os instrumentos, de ordem
externa, e os signos, denominados de psicológicos. O esquema abaixo é representativo de
nossa afirmação:
Figura 3: Mediação e seus elementos28
Para Vygotsky (1998 [1930]), a mediação é intercambiada por esses dois elementos.
Embora análogos e com ligação real, a diferença entre eles está basicamente na maneira como
ambos orientam o comportamento humano. O instrumento é uma ação externa, voltada para o
28
Esquema elaborado por nós, com base em Vygotsky (1998 [1930]), para explicar a relação existente entre os
elementos de mediação.
54
objeto da atividade, e ―dirigida para o controle e domínio da natureza‖ (VYGOTSKY, 1998
[1930], p. 73), auxiliando, portanto, nas ações concretas. Já o signo relaciona-se ao controle
individual, com orientação interna, e ―dirige-se ao controle de ações psicológicas, seja do
próprio indivíduo, seja de outras pessoas‖ (OLIVEIRA, 2006 p. 30), em tarefas que exijam
memória e atenção.
Dessa maneira,
(...) O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada – muda,
fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim como o uso de
instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo
interior as novas funções psicológicas podem operar. Nesse contexto,
podemos usar o termo função psicológica superior, ou comportamento
superior, com referência à combinação entre o instrumento e o signo na
atividade psicológica (VYGOTSKY, 1998 [1930], p. 73).
Essa combinação – instrumento e signo – promove o processo de internalização de
conceitos em estruturas psíquicas mentais complexas e articuladas. Para Rojo (2010, p. 21),
esse processo representa ―a conversão de meios de regulação externa e social em meios de
controle interno (individual e subjetivo) ou de autorregulação‖. Assim, ―tanto o processo de
internalização como a utilização de sistemas simbólicos são essenciais para o
desenvolvimento dos processos mentais superiores e evidenciam a importância das relações
sociais entre os indivíduos na construção dos processos psicológicos‖ (OLIVEIRA, 2006, p.
34), confirmando a relevância de aspectos externos, coletivos e sociais.
Nesse processo de mediação, a linguagem é o sistema simbólico fundamental para
instaurar a comunicação entre os indivíduos e contribui para a organização de processos de
abstração e generalização da realidade, advinda de seleções socioculturais, internalizadas com
o desenvolvimento humano. Assim, a linguagem, construção sociocultural, é responsável pela
disseminação de conceitos consolidados da cultura à qual pertence o sujeito e pelo fomento de
interações entre os indivíduos, desempenhando papel central no desenvolvimento da mente.
Direcionando suas análises para o contexto educacional, Vygotsky (1998 [1930])
defende a intersecção entre desenvolvimento humano e processos de aprendizagem,
essencialmente sociais, na constituição da mente. Assim, salienta que a criança aprende muito
antes de ser matriculada na escola; portanto, tem conhecimentos prévios, advindos das
experiências cotidianas em diversos espaços em que está inserida. Dessa maneira, afirma que
―aprendizagem e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da
criança‖ (VYGOTSKY, 1998 [1930], p. 110).
55
Partindo desse pressuposto, o autor define as possibilidades de aprendizagem em
níveis, formulando os conceitos de Zona de Desenvolvimento Real (ZDR) e Zona Proximal
de Desenvolvimento (ZPD). A primeira refere-se a etapas de desenvolvimento alcançadas,
consolidadas e completadas pela criança; a segunda
[...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração como companheiros mais
capazes (VYGOTSKY, 1998 [1930], p. 112).
Nesse sentido, o nível de desenvolvimento real representa a capacidade internalizada,
retrospectiva e autônoma da criança na resolução de desafios, sem o auxílio de outro,
enquanto que a ZPD corresponde às funções em vias de maturação, portanto abertas a
intervenções para a constituição de novas aprendizagens. Neste caso, a colaboração do outro,
parceiro da mesma idade ou adulto mais experiente, é fundamental para atingir patamares
posteriores – níveis de desenvolvimento potencial.
Na escola, o conceito de ZPD, aliado ao de mediação, torna-se bastante eficaz quando
considerado pelos docentes no processo de ensino e aprendizagem, pois, ao diagnosticar
conceitos dominados pela criança (ou adolescente), é possível delinear intervenções
específicas para a apropriação real de conhecimentos desejados para aquele ano/fase e ciclo
de aprendizagem. Aliás, um ensino produtivo está longe de ser aquele que propõe atividades
―difíceis‖, acreditando na possibilidade de desenvolvimento da criança, sem oferecer as
condições adequadas para a aprendizagem; também se distancia daquele que insiste em
manter certa regularidade nos exercícios de domínio dos aprendizes, baseado na desconfiança
da falta de condições psicomotoras favoráveis ao domínio de outros conceitos. Nesse sentido,
Oliveira (2006, p. 62) expõe que a escola pode contribuir significativamente na construção da
sociedade, ao considerar, em seu ensino, o nível de desenvolvimento dos alunos, no sentido
de ―dirigir o ensino não para as etapas intelectuais já alcançadas, mas sim para estágios de
desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos, funcionando realmente como um
motor de novas conquistas psicológicas‖.
O professor, figura indispensável desse processo, tem a função de atuar como
mediador, utilizando-se dos instrumentos simbólicos para que as abstrações conceituais
consolidem-se em avanços reais, possíveis com intervenções na ZPD. Dessa maneira, é
56
importante mapear os saberes prévios dos alunos, para a definição de ―caminhos‖ mais
eficazes em direção aos resultados curriculares desejáveis.
2. 2 Apontamentos teóricos do Círculo de Bakhtin
Mikhail M. Bakhtin, um dos grandes pensadores do século XX, chamado de ―filósofo
das diferenças, um ecologista da diversidade humana‖ (SOBRAL, 2009, p. 7), e que pode ser
traduzido em ―muitos‖ Bakhtin (CLARK e HOLQUIST, 2008 [1984]), idealizou processos
significativos para a linguagem29, impensados naquele momento histórico, no entanto
importantes para os dias atuais.
Sobre as fases evolutivas e camaleônicas de Bakhtin, Clark e Holquist (2008 [1984])
afirmam que:
Houve uma fase filosófica entre 1918 e 1924 aproximadamente, quando, sob
pesada influência do neokantismo e fenomenologia, tentou pensar
cabalmente uma compreensiva filosofia própria. Entre 1925 e 1929,
começou a afastar-se da metafísica e entrar em diálogo com movimentos
intelectuais então em curso, como freudismo, o marxismo soviético, o
formalismo, a lingüística e até a fisiologia. No terceiro período, durante os
anos de 1930, Bakhtin procurou uma poética histórica na evolução do
romance. E, finalmente, nas décadas de 60 e 70, retornou à metafísica a
partir de uma nova perspectiva da teoria social e da filosofia da linguagem.
(CLARK e HOLQUIST, 2008 [1984], p. 31)
As constatações dos autores evidenciam que Bakhtin pode ser considerado um teórico
de muitas faces, da provisoriedade, do movimento, do continuum, em contraposição a
qualquer forma de engessamento, dogmatismo e generalização perseguida pela maioria das
ciências de sua época. Essa opção, em boa medida, representa ―sua crença no poder do
diálogo, a carnavalização da autoridade e o mistério da autoria‖ (CLARK e HOLQUIST
[1984], 2008, p. 32).
Neste contexto, muitas obras do autor permaneceram com autorias difusas30,
intrigando diversos pesquisadores. O fato é que, segundo Clark e Holquist (2008 [1984],
p.65), ―os membros do grupo tinham em comum uma paixão pela filosofia e pelo debate de
idéias‖, comprovada nas obras produzidas por eles, especialmente nas de Bakhtin31. Para nós
29
Focamos a linguagem, porque está vinculada aos percursos analíticos escolhidos por nós. No entanto, sabemos
da diversidade teórica produzida por Bakhtin, embora Sobral (2009) defenda que as proposições desse autor
centrem-se nas questões da linguagem e do discurso. 30
Sobre isso, conferir Fiorin (2008, p. 13). 31
FREITAS (2009), ao apresentar informações sobre o autor a partir do título ―Bakhtin e seu tempo‖, destaca
57
essa situação não constitui problema, uma vez que nos interessa a riqueza teórica dos
conceitos elaborados pelos pensadores russos, especialmente por Bakhtin, com a finalidade de
realizar a análise dos Relatos de Práticas Pedagógicas (RPP).
2. 2. 1 Linguagem: tratamento dialógico e interativo
O livro ―Marxismo e Filosofia da Linguagem‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010
[1929]), apresenta as principais perspectivas filosóficas da época32 (Subjetivismo Idealista e
Objetivismo Abstrato), reconhecendo a adequação parcial de tais concepções. No entanto, os
autores russos, sabiamente, apontam as fragilidades das respectivas correntes, sugerindo uma
terceira, assentada em pressupostos que consideram os processos interativos como únicos e
irrepetíveis, pois ―a enunciação é de natureza social‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010
[1929], p. 113, grifo dos autores) e a linguagem viva, dinâmica e produtiva. Portanto,
dialógica.
Assim, nas palavras dos autores russos, a língua(gem) é construída nas interações
humanas e definida nas interlocuções realizadas entre os sujeitos, como algo concreto, real e
subsidiado pela vontade discursiva de cada falante que emprega a língua em função de suas
intenções. Disso, depreendemos que ―a palavra está sempre carregada de conteúdo ou de um
sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929], p. 95, grifo dos
autores), significando, em tese, que todo (não) dito está impregnado desses aspectos. No dizer
dos mesmos autores, ―não são palavras que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou
mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis‖
(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929], p. 95). Nesse sentido, Colussi (2008, p.74) ilustra
a consideração anterior, destacando que ―a linguagem não é a mesma da chegada, muito
menos da partida‖. Essa afirmação demonstra que a construção dos sentidos é gestada em um
determinado momento histórico, motivada por intenções comunicativas específicas,
mobilizando significações únicas e irrepetíveis.
Com isso, temos a concretização da linguagem, a partir de uma visão sócio-histórica e
ideológica, realizada na interlocução entre sujeitos que compartilham terrenos comuns,
ancorados no contexto extraverbal do enunciado. Para que o enunciado seja pleno de
que as obras produzidas por Bakhtin somam cerca de 33 livros e vários artigos. 32
Lembremos que nesse livro Bakhtin/Volochínov debatem não somente essas correntes para apresentar sua
teoria, como também discutem outros temas como ideologia, dialogismo etc.
58
significado para o ouvinte, Bakhtin/Volochínov (1926) expõem a importância de considerar
que os interlocutores compartilhem do mesmo horizonte espacial, tenham conhecimento da
situação e comunguem da mesma avaliação contextual.
Nesse sentido, os autores salientam que o enunciado concreto concorre para tornar os
interlocutores/participantes da situação ―co-participantes que conhecem, entendem e avaliam
a situação de maneira igual‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1926, p. 6), numa espécie de
autoria compartilhada, destruindo a ideia de enunciação como monológica, abstrata ou ato
individualizado.
Nessa direção, Bakhtin/Volochínov (2010 [1929]), tencionando explicitar o caráter
concreto dos usos da língua por eles defendidos, afirmam:
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato
de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo
ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação
verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação
verbal constitui assim a realidade fundante da língua
(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV (2010 [1929], p. 123) [grifo dos autores].
Na convergência dessa citação, os mesmos autores tratam a enunciação como resultante
da interação entre indivíduos, que compartilham uma situação social33, tendo a palavra como
componente dessa inter-relação. Nesse sentido, Bakhtin/Volochínov (2010 [1929], p 112)
exploram a importância da palavra, asseverando que inexiste interação no vácuo, pois ―toda
palavra dirige-se a um interlocutor‖; portanto, essa palavra procede de alguém e se dirige
para alguém, tornando-se uma espécie de ponte lançada entre os sujeitos, consolidando-se
como território comum entre falantes da língua, instaurando o diálogo.
Quanto ao diálogo, Clark e Holquist (2008 [1984]) lembram que o termo, no sentido
bakhtiniano, é distinto de interação face a face. Com isso, salientam que ―o diálogo é
concebido de maneira mais compreensiva como o extensivo conjunto de condições que são
imediatamente moldadas em qualquer troca real entre duas pessoas, mas não são exauridas em
semelhante intercâmbio‖ (CLARK E HOLQUIST, 2008 [1984], p. 36).
Ainda quanto ao diálogo, Fiorin (2008) alerta para visões equivocadas que podem
suscitar análises superficiais e diversas das proposições de Bakhtin. Por isso, enfatiza que o
pensador russo, em hipótese alguma, associa diálogo à harmonia ou consenso entre as
pessoas. Com isso, destaca que 33
Para os autores do Círculo (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929]), a situação social imediata é
determinante da constituição do enunciado, assim como o horizonte social contribui para orientar as interações
em dados campos de atividade.
59
[...] as relações dialógicas tanto podem ser contratuais ou polêmicas, de
divergência ou de convergência, de aceitação ou de recusa, de acordo ou de
desacordo, de entendimento ou de desinteligência, de avença ou de
desavença, de conciliação ou de luta, de concerto ou de desacordo (FIORIN,
2008, p. 24).
O conceito de dialogismo, segundo Sobral (2009, p. 33), está imbricado
―indissoluvelmente com o de interação‖, constituindo a base de produção dos discursos, pois,
para que a interlocução seja garantida, é necessária a presença do outro ou, como afirmam
Clark e Holquist (2008 [1984], p. 233), ―o dialogismo de Bakhtin é essencialmente uma
filosofia da linguagem‖.
Sobral (2009, p. 34-35), ao distinguir diálogo de dialogismo, destaca:
O diálogo é um fenômeno textual e um procedimento discursivo englobado
pelo dialogismo, sendo apenas um de seus níveis mais evidentes no nível da
materialidade discursiva. Por outro lado, o enunciado e o discurso, por mais
―fechados‖, por mais subjetivos que sejam, continuam a ser dialógicos,
porque (1) não pode haver enunciado sem sujeito enunciador, (2) o sujeito
não pode agir fora de uma interação, mesmo que o outro não esteja
fisicamente presente, (3) não há interação sem diálogo, que é uma relação
entre mais de um sujeito.
Nas considerações desse autor, o dialogismo e o diálogo aparecem como componentes
da interação, cada um com sua função social, materializando-se na relação entre seres
dialógicos que dão continuidade à cadeia da comunicação, respondendo a discursos anteriores
e projetando os enunciados futuros. Sobral (2009, p. 35) ainda reitera que o conceito de
dialogismo é vasto, de cunho ―filosófico, discursivo e textual”, traçando três aspectos
distintos:
Dialogismo designa em primeiro lugar a condição essencial do próprio ser e
agir dos sujeitos.
Dialogismo designa em segundo lugar a condição e a possibilidade de
produção de enunciados/discursos, do sentido, portanto.
Dialogismo é, por fim, a base de uma forma de composição de
enunciados/discursos, o diálogo (SOBRAL, 2009, p. 35-36).
Os itens apresentados pelo autor para explicitar a complexidade do dialogismo
evidenciam que a essencialidade humana é formada na relação concreta com outros sujeitos.
Dessa forma, os enunciados são construídos a partir das situações reais (e não abstratas),
vividas por cada sujeito em contextos particulares de interação humana, nos quais os sentidos
são estabelecidos mediante negociação consensual (ou não). Além disso, Sobral (2009)
60
lembra que o diálogo pressupõe revozeamento de outros enunciados, numa espécie de terreno
livre para concluir o inacabamento. Dessa maneira, para o Círculo, a concepção de interação é
―radicalmente‖ dialógica (SOBRAL, 2009), porque é concebida como constitutiva dos
sentidos e, necessariamente, envolve mais de um sujeito, mesmo que ambos não estejam
materialmente representados.
Essas afirmações nos levam à conclusão de que o sujeito bakhtiniano está longe de ser
passivo e mero receptor ou decodificador de mensagens pré-elaboradas. Para Fiorin (2008, p.
28), ―nunca ele é submetido completamente aos discursos sociais‖, porque ―cada ser humano
é social e individual‖.
Sobral (2009) alarga a compreensão de sujeito, atestando que
[...] todo sujeito, cada sujeito, é impar, traz e deixa no mundo a ―assinatura
autoral‖ dos atos que pratica em sua própria vida, da sucessão de atos ―inter-
ativos‖ que constitui a própria vida, descobrindo e construindo sem cessar
essa singularidade – uma estabilidade no fluxo – no contato com outros
sujeitos. Esse contato entre sujeitos diferentes gera sentido, obviamente, a
partir da diferença, não da concordância ou uniformidade universal, que
pode ser negativa, mormente se considerarmos as tantas formas de
manipulação do outro e de comportamento estratégico (SOBRAL, 2009, p.
57).
O mesmo autor esclarece que os sujeitos, mesmo na diferença, compartilham
características comuns para se ―interconstituírem‖, uma vez que essa dualidade ─ ―ser ele
mesmo e simultaneamente ter algo em comum com os ‗outros‘‖ (SOBRAL, 2009, p 57) ─ é
fundamental para a percepção de si. O outro, nesse universo dialógico, funciona como
―espelho‖ para que o eu/tu adquira a plenitude dos sentidos.
Nesse universo dialógico, as vozes funcionam como elementos movedores da
interlocução entre sujeitos. Essa interlocução instaura, de certa maneira, um processo autoral
particular cuja incorporação de discursos alheios, resultam em revozeamento de enunciados
construídos e que são ressignificados no embates ideológicos travados nas relações sociais.
2. 2. 2 Autoria e vozes do/no discurso
Iniciamos nossas reflexões apoiando-nos em Lemes (2009, p. 51), ao reconhecer que
―discorrer sobre autoria é uma tarefa não muito fácil‖, porque Bakhtin adota análises pelo viés
artístico/literário; todavia, isso, de maneira alguma, inviabiliza o diálogo com nosso objeto de
61
pesquisa, ilustradamente Relatos de Prática Pedagógica, e com as professoras-autoras desses
textos.
Dessa maneira, partimos do pressuposto anunciado por Bakhtin (2003 [1959-61]) de
que todo texto, independentemente de sua extensão, tem um autor na condição de falante ou
escrevente. Portanto, ―encontramos autor (percebemos, compreendemos, sentimos, temos a
sensação dele) em qualquer obra‖ (BAKHTIN, 2003 [1959-61], p. 314), porque o texto é
concebido como enunciado.
Nesse processo de caracterização do texto como enunciado, aspectos como a intenção
do produtor do discurso e a concretização dessa intenção contribuem, sobremaneira, para
emoldurar o ato criador, sendo este resultante da apropriação refratada de uma voz social,
ordenada esteticamente (FARACO, 2009). Em outras palavras, o autor bakhtiniano é um
organizador de enunciados responsivos no elo da comunicação discursiva de determinado
campo que tem, na dualidade da palavra (alheia/minha), depois de re-elaborada a partir de seu
tom avaliativo, elementos para a expressão individual. No dizer de Bakhtin (2003 [1952-53]),
ao empregar as palavras, o sujeito deve considerar o aspecto individual e contextual,
principalmente observando que: a) inexistem palavras neutras, tampouco de ninguém; b) a
palavra dos outros estão permeadas de ecos de outros enunciados; c) a palavra individual é
compenetrada de expressão pessoal, tendo como referência uma situação específica e uma
intenção discursiva determinada.
Isso claramente reafirma as defesas do autor russo no sentido de que os enunciados são
plenos de ecos e ressonâncias, portanto de vozes de outros, e funcionam como respostas a
discursos precedentes. Esses enunciados são organizados esteticamente pela ação
engendradora do autor, na relação de alteridade com outros, a partir de sua posição exotópica,
o que lhe permite um distanciamento necessário para tal construção.
Essa relação dialógica pressupõe a presença do outro (alter) e a voz deste
materializada nos discursos ressignificados. Dessa maneira, o indivíduo não se torna apenas
um mero participante das situações comunicativas, mas alguém atuante que responde
ativamente, munido de enunciados únicos, porém re-elaborados, ―porque ele não é o primeiro
falante, o primeiro a ter violado o silêncio do universo‖ (BAKHTIN, 2003 [1952-53], p. 272).
Para Bakhtin (2003 [1959-61]), a pessoa se ressignifica em cada enunciado produzido;
no entanto, a pureza enunciativa inexiste na complexa atuação humana, porque a
singularidade autoral reside no sentido atribuído às construções linguísticas, estas parte de
uma cadeia ininterrupta de vozes dialógicas e peculiares. Com isso, segundo o pensador russo,
62
a verdadeira essência do discurso é potencializada ―na fronteira de duas consciências, de dois
sujeitos‖ (BAKHTIN, 2003 [1959-61], p. 311). Esse fato pressupõe a presença de, pelo
menos, duas vozes, emolduradas dialogicamente pela inter-relação textual e pelo contexto
originário, materializadas na autoria do produto finalizado e da obra em andamento.
Nessa relação com o outro discursivo, o interlocutor é um dos elementos fundantes da
obra. Para Bakhtin/Volochínov (1926, p. 14), ―o ouvinte, também, é entendido aqui como o
ouvinte que o próprio autor leva em conta, aquele a quem a obra é orientada e que, por
consequência, intrinsecamente determina a estrutura da obra‖. Dessa forma, no curso da
discursividade, ―ser autor é assumir, de modo permanentemente negociado, posições que
implicam diferentes modalidades de organização dos textos‖ (SOBRAL, 2009, p. 63), a partir
dessa relação bilateral autor x interlocutor.
Partindo do pressuposto de que o texto é sempre uma réplica a outros textos, discursos
e interlocutores, é representativo o conceito de bivocalidade, como selo oficial de mais uma
voz potencializadora (geradora) de discursos. Para Fiorin (2008), há dialogizações
identificáveis nas diversas formas de interações humanas. Em razão disso, em todo enunciado
é perceptível a presença, pelo menos, duas vozes, ―mesmo que elas não se manifestem no fio
do discurso‖ (FIORIN, 2008, p. 24), explicitamente.
Dessa maneira, o processo autoral e criador é consolidado, porque a segunda voz
(bivocal) age como organizadora do discurso, conferindo-lhe status de enunciado. Caso
contrário, em situações especificamente realistas e naturalistas, Bakhtin (2003 [1959-61])
chama atenção para a possibilidade de anulação do homem. Nessa circunstância,
[...] as vozes (no sentido de estilos sociais coisificados) se transformam
simplesmente em indícios das coisas (ou sintomas de processos), a elas já
não se pode responder, com elas já não se pode discutir, extinguem-se as
relações dialógicas com tais vozes (BAKHTIN, 2003 [1959-61], p. 317-
318).
Assim, temos instaurado o monologismo representativo da autoridade e do
acabamento do discurso. Neste caso, o ―autoritarismo se associa à indiscutibilidade das
verdades veiculadas por um tipo de discurso, ao dogmatismo; o acabamento, ao apagamento
dos universos individuais das personagens e sua sujeição ao horizonte do autor‖ (BEZERRA,
2008, p. 191).
Contrariamente a tudo isso, a polifonia pressupõe inacabamento, numa ―relação de
reciprocidade inteiramente nova e especial entre a minha verdade e a verdade do outro‖
63
(BAKHTIN, 2003 [1961-62], p. 339), significando que a realidade em formação permite a
revelação de todas as consciências autorais, em razão da importância dada pelo sujeito-autor
aos componentes de sua obra. Segundo Bezerra (2008, p. 194), ―a polifonia é a posição do
autor como regente do grande coro de vozes que participam do processo dialógico‖,
definindo-se pela ―convivência, interação, multiplicidade de vozes, vozes plenivalentes‖.
As vozes do discurso podem ser perceptíveis, especialmente de duas maneiras: a)
citadas explicitamente; b) não demarcadas. No primeiro caso, o discurso alheio é incorporado,
mantendo a sua estrutura, ―conservando o seu conteúdo e ao menos rudimentos de sua
integridade lingüística‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929], p. 151), perceptíveis
através do discurso direto, discurso indireto, aspas, negação. No segundo, as vozes são
presumidas, notadas no fio do discurso por meio de paródia, estilização, polêmica clara ou
velada, discurso indireto livre (FIORIN, 2008).
Na realidade, o sujeito individual, constituído ideologicamente nas relações sociais,
incorpora vozes discursivas, de maneira particular. Por isso, Fiorin (2008, p. 58) menciona
que ―ele [sujeito] é um evento único, porque responde às condições objetivas do diálogo
social de uma maneira específica, interage concretamente com as vozes sociais de um modo
único‖. Dessa forma, apreende as vozes sociais, ressignificado-as, na sua singularidade.
Colocar o conceito de vozes em consonância com alteridade, bivocalidade, dialogismo
e polifonia implica considerar que a simples existência do ser o coloca numa relação
constitutiva com o outro responsivo. Essa relação por si é dialógica, porque envolve
compreensão e toda compreensão é de natureza ideológica, assim como todos os processos
interlocutivos.
Nesse contexto, existe um autor que também cria a sua obra, o seu texto, baseado na
avaliação valorativa de seu interlocutor/ouvinte; esta, plasmada na forma do objeto de seu
dizer, um enunciado concreto, o qual será tratado a seguir.
2.2. 3 Enunciado: unidade real da comunicação discursiva
Enunciado, um dos conceitos centrais na teoria do Círculo de Bakhtin, é aliado,
inseparavelmente, ao de gêneros. Todavia, antes de tratar dos gêneros, o autor russo delineia
―a enunciação como um produto da interação social‖ (BRAIT, 2000, p. 19). Com isso,
partimos do pressuposto de que o enunciado é a unidade real da comunicação discursiva,
portanto possui autor (eu), com um projeto discursivo, e destinatário (tu) que se coloca como
64
interlocutor, posicionando-se ativamente, a partir de sua apreciação valorativa. Por
conseguinte, o enunciado ―não equivale à frase nem a sequências de frases e não se reduz à
materialidade do texto‖ (SOBRAL, 2009, p. 91). A esse respeito ainda, o mesmo autor
acrescenta:
O que faz que uma frase/texto seja tomado como enunciado é portanto algo
que vai além da frase e do texto: a ação concreta do autor de conceber
(intencionalidade) e executar (enunciação) um dado projeto enunciativo
numa dada situação de enunciação, algo que não anula as formas da língua,
mas vai necessariamente além delas. Além disso, é preciso haver uma
situação comum ao locutor e ao interlocutor; o conhecimento dessa situação
por eles e um acordo, de grau variável, sobre sua compreensão; e certo
acordo, de grau variável, sobre como avaliar essa situação (SOBRAL, 2009,
p. 92).
Bakhtin (2003 [1952-53]) lembra que, ao fazermos escolhas para nos comunicar,
optamos por enunciados inteiros e não por orações isoladas, que também têm a sua
importância linguística34, todavia excluem o contexto, aspecto essencial da interlocução, a
posição responsiva do falante e, automaticamente, o outro. A partir dessas considerações é
pertinente afirmar que ―um enunciado absolutamente neutro é impossível‖ (BAKHTIN 2003
[1952-53], p. 289), porque tem autoria, é endereçado a alguém e provoca reação ativa do
interlocutor. Assim,
o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do discurso,
ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva:
concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o,
prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição responsiva do ouvinte forma-se ao
longo de todo o processo de audição e compreensão desde o seu início, às
vezes, literalmente a partir da primeira fala do falante (BAKHTIN, 2003
[1952-53], p. 271).
Dessa maneira, mesmo que a reação do interlocutor não seja imediata, ele age
responsivamente por meio de atitudes posteriores, pois, segundo o pensador russo, poderá
haver um retardamento na devolutiva, uma espécie de ―momento abstrato da compreensão‖;
34
Bakhtin (2003[1952-53], p. 271), ao apresentar esclarecimentos sobre o enunciado, opta por diferenciá-lo de
palavras e orações. Para isso, utiliza as teorias vigentes à época e cita Saussure, um dos grandes linguistas que a
humanidade já conheceu, explicitando que, nos cursos de linguística geral, ―aparecem com frequência
representações evidentemente esquemáticas dos dois parceiros da comunicação discursiva – o falante e o ouvinte
(o receptor do discurso); sugere-se um esquema de processos ativos de discurso no falante e de respectivos
processos passivos de recepção e compreensão do discurso no ouvinte. Não se pode dizer que esses esquemas
sejam falsos e que não correspondam a determinados momentos da realidade; contudo, quando passam ao
objetivo real da comunicação discursiva eles se transformam em ficção científica‖.
65
todavia, defender a passividade do sujeito no processo comunicativo é incorrer em erro, uma
vez que ele sempre assumirá seu ponto de vista, mesmo que tardiamente.
Nessa perspectiva, Bakhtin (2003 [1952-53]) estabelece as particularidades do
enunciado, distinguindo-o das orações, como alternativa para evitar confusões conceituais,
conforme representado abaixo:
Figura 4: Particularidades do Enunciado35
A alternância dos sujeitos, primeira peculiaridade do enunciado, pressupõe um
movimento interativo entre os falantes, em que um anuncia o término de seu dizer para dar
lugar à responsividade do outro. A segunda peculiaridade, intrinsecamente ligada à primeira,
– conclusibilidade ─ diz respeito ao acabamento do enunciado, já que no processo
comunicativo sempre haverá finalização do discurso, indicando que ―o falante disse (ou
escreveu) tudo o que quis dizer em dado momento ou sob dadas condições (BAKHTIN, 2003
[1952-53], p. 280). Ainda sobre esse aspecto, é preciso considerar que a possibilidade de
responder ativamente ao enunciado é garantida pela sua inteireza, assegurada por três
elementos interligados, conforme esquema abaixo:
35
Esquema elaborado por nós, com base em Bakhtin (2003 [1952-53]), para ilustrar a interdependência entre os
elementos do enunciado.
Particularidades do
enunciado
2. Conclusibilidade
66
Figura 5: Elementos da conclusibilidade do enunciado36
A opção esquemática utilizada ilustra a interdependência dos três elementos para a
constituição da conclusibilidade do enunciado, garantindo a consolidação de resposta ativa
dos sujeitos envolvidos. Assim, o esgotamento completo do enunciado, conceito primeiro, é
alcançado, principalmente, nos gêneros padronizados, os quais limitam a autoria no processo
de elaboração. Todavia, nos campos da atividade humana em que o sujeito tem maior
liberdade na construção do gênero37, o tema do enunciado adquire conclusibilidade parcial,
mediada pela condições, materialidade do objeto e objetivos definidos (BAKHTIN, 2003
[1952-53]), todos determinados pela vontade discursiva do falante (segundo elemento do
enunciado). A intenção discursiva, de acordo com Bakhtin (2003 [1952-53]), além de permitir
a identificação do projeto enunciativo do locutor, demarca a eleição do gênero para a
concretização do ―querer dizer‖ do autor e estabelece vínculos reais com os interlocutores.
As formas típicas e composicionais de gênero do acabamento – último aspecto do
enunciado ─ são responsáveis pelo emolduramento composicional dos nossos discursos, uma
vez que, nas palavras do estudioso russo,
aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando
ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pela primeiras
36
Organização elaborada por nós, a partir das considerações de Bakhtin (2003 [1952-53]) sobre o enunciado,
para demonstrar a relação entre os elementos da conclusibilidade do enunciado. 37
Neste caso, nos referimos aos gêneros que permitem um estilo autoral mais explícito.
67
palavras, adivinhamos um determinado volume (isto é, uma extensão
aproximada do conjunto do discurso), uma determinada construção
composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início temos a sensação do
conjunto do discurso que em seguida apenas se diferencia no processo da
fala (BAKHTIN, 2003 [1952-53], p. 283).
A terceira peculiaridade do enunciado, resultante da relação falante-objeto-
interlocutores, concretiza-se no direcionamento do discurso ao interlocutor, implicando em
escolhas representativas de um projeto enunciativo, determinado pelas condições
comunicativas em que o dialogo é estabelecido naquele momento. Assim, ―a escolha de todos
os recursos lingüísticos é feita pelo falante sob maior ou menor influência do destinatário e da
sua resposta antecipada‖ (BAKHTIN, 2003 [52-53], p. 306), momento em que também ocorre
a escolha do gênero. Isso significa dizer que os papéis específicos e distintos assumidos pelos
sujeitos geram avaliações no plano discursivo, antecipando possíveis respostas, mediadas pela
responsividade externada pela outra parte envolvida na interação.
Sobral (2009) exemplifica essa situação, atestando que todo discurso pressupõe a
presença do locutor e do interlocutor, intermediados pela avaliação e pelas respostas
simultâneas de ambos. Vejamos a representação abaixo, elaborada a partir das considerações
desse autor:
Figura 6: Elementos do discurso38
38
Elaborado por nós, a partir de Sobral (2009), para explicar a relação entre os elementos do enunciado.
LOCUTOR INTERLOCUTOR
Resposta
Avaliação
Resposta
Avaliação
68
Neste caso, nas considerações do autor, a presença do outro é imprescindível no
processo interacional. Portanto, o tom avaliativo do locutor e a composição de sua
responsividade terão como referência a valoração e a possível reação do interlocutor frente
aos discursos proferidos. Assim, nesse jogo de atribuições de sentido, o interlocutor distancia-
se do expectador inerte e assume uma posição de ―parceiro da produção de sentido‖
(SOBRAL, 2009, p 84), mesmo em circunstâncias conflituosas e divergentes, já que, para o
Círculo, ―os enunciados são sempre o espaço de luta entre as vozes sociais, o que significa
que são inevitavelmente o lugar da contradição‖ (FIORIN, 2008, p 25).
Ainda no campo da terceira peculiaridade do enunciado – a relação do enunciado com
o próprio falante (autor) e com outros participantes da comunicação discursiva, determinantes
da escolha dos gêneros do discurso e respectivos meios linguísticos – Bakhtin (2003 [1952-
53], p. 289) defende a relevância do elemento expressivo para a constituição da composição e
estilo, enfatizando que ―a relação valorativa do falante com o objeto do seu discurso (seja qual
for esse objeto) também determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e
composicionais do enunciado‖. Isso pressupõe que, de alguma forma, a entonação dada a
qualquer unidade linguística a transforma em enunciado, porque adquire sentido de acordo
com a situação compartilhada pelos interlocutores. Deste modo, uma palavra carregada de
sentido positivo, por exemplo, pode adquirir conotação negativa no contexto interativo a
partir da entonação dada. Por isso, Bakhtin insiste em dizer que as orações, as palavras
desprovidas de expressividade e de contexto, são vazias, carentes de sentidos, portanto,
distanciam-se dos enunciados.
Essas considerações nos levam a concordar com a riqueza e complexidade do conceito
de enunciado explorado pelo Círculo de Bakhtin. Esse enunciado, materializado em um
gênero do discurso, ganha e produz sentido nas interações humanas.
2. 2. 3 Gêneros Discursivos
Na seção anterior, evidenciamos as características do enunciado, destacando a
presença dos sujeitos como principais agentes para a consolidação dos sentidos das interações,
as quais são motivadas pela vontade discursiva do falante e materializadas a partir da
apreciação valorativa do autor e da reação do interlocutor. Neste caso, o tom avaliativo do
locutor e a possível reação do interlocutor ─ (re)direcionarão a entonação do autor do
discurso, emoldurada em um gênero representativo da situação dialógica em questão,
69
retratando também a alternância dos falantes, momento da réplica/tréplica/transmissão da
palavra ao outro, e do acabamento. Dessa maneira, ―as formas típicas dos enunciados são os
gêneros do discurso: o projeto enunciativo do locutor o leva a escolher um gênero‖
(SOBRAL, 2009, p. 93), representativo da esfera de atividade em que está inserido.
Os gêneros, como formas de enunciados, são retratados, explicitamente, quando
Bakhtin (2003 [1952-53]) discorre sobre as suas peculiaridades, especificamente no que tange
aos componentes da conclusibilidade (formas típicas composicionais de gênero do
acabamento) e da relação do enunciado com os participantes da comunicação discursiva,
fatores determinantes na escolha do gênero para externar o querer dizer dos sujeitos.
Nesse sentido, ainda que a maior referência sobre o tema tratado neste item seja o
ensaio Os gêneros do discurso (2003 [1952-53]), o termo aparece delineado anteriormente no
livro Marxismo e Filosofia da Linguagem (1990 [1929]), como explicitado por Brait (2000),
Sartori (2008) e Lemes (2009), entre outros. Contudo, dialogaremos basicamente com o
ensaio de 1952-53, por atender a nossos objetivos no momento, longe de classificação
monofônica dos gêneros, embora saibamos que o conceito deva ser explorado considerando
outros textos do Círculo, como bem pontua Padilha (2005). Todavia, recorreremos a outros
autores que, competentemente, revozeam a problemática conceitual que envolve os gêneros,
alargando as reflexões de Bakhtin em contextos próximos de nossa realidade e com exemplos
significativos para a análise a que nos propomos nesta dissertação.
Antes de discorrermos sobre gêneros, lembremos que o assunto não é novo, conforme
atestam Padilha (2005), Rojo (2008), Fiorin (2008), Faraco (2009) e Lemes (2009). Todos
eles apresentam ao leitor um percurso significativo das evidências históricas sobre o
tratamento desse aspecto conceitual. No excerto a seguir, de Faraco (2009), percebemos a
evolução do conceito de gênero. Sobre isso, esse autor assim se pronuncia:
Parece que Platão foi o primeiro a falar de gêneros quando, no livro III da
República, divide a mimese (isto é, a representação literária da vida) em três
modalidades: a lírica, a épica e a dramática. Aristóteles elaborou, na
sequência, dois trabalhos importantes de sistematização dos gêneros: na Arte
retórica, propôs e estudou três gêneros retóricos (o deliberativo, o judiciário
e epidítico); e, na Arte poética, buscou tratar da produção poética em si
mesma e de seus diversos gêneros, explorando extensamente as propriedades
da tragédia e da epopéia (e, segundo se acredita, da comédia no livro II,
totalmente perdido). Esses dois trabalhos de Aristóteles foram referência
durante séculos na discussão dos gêneros (FARACO, 2009, p. 123) [grifos
do autor].
70
Bakhtin amplia a noção de gêneros para além da esfera literária, apresentando uma
teoria assentada na dinamicidade da produção do enunciado, marcada por ―suas funções na
interação socioverbal (...) e na estipulação de um vínculo orgânico entre a utilização da
linguagem e a atividade humana‖ (FARACO, 2009, p. 126). O autor russo demonstra que os
sujeitos, bem como o contexto gerador das interações, são determinantes na organicidade dos
gêneros, por isso caracteriza-os como tipos de enunciados relativamente estáveis, gestados em
determinadas esferas da comunicação discursiva, compostos por três elementos
indissociáveis: conteúdo temático, forma composicional e estilo (BAKHTIN, 2003 [52-53]).
O conteúdo temático, distinto de assunto, é aquilo passível de ser dito no gênero;
coloca em movimento a situação, os sentidos imprimidos pela interação entre os sujeitos no
processo de fruição da obra; a forma composicional corresponde ao modo de organizar o
texto, moldando-o em função dos objetivos do autor, e o estilo evidencia escolhas linguístico-
discursivas que retratam a individualidade e, por que não, particularidades da autoria.
Sobral (2009) observa que, do ponto de vista do Círculo, o gênero discursivo é,
simultaneamente, estável, porque conserva marcas próprias, e mutável, porque reflete as
condições histórico-sociais de uma época, o que exclui qualquer tentativa de classificações
rígidas tendo como parâmetro apenas aspectos da textualidade. Nas palavras do autor,
―gêneros são tipos ou formas de enunciados, não se reduzindo, portanto, nem à forma, nem ao
conteúdo, nem ao material‖ (p. 129). Por isso,
[...] gênero se define como certas formas ou tipos relativamente estáveis de
enunciados/discursos que têm uma lógica própria, uma lógica de caráter
concreto, não sendo assim sistemas fechados, mas recortes sócio-ideológicos
do mundo no âmbito do enunciado (SOBRAL, 2009, p. 128).
Essa definição coloca em movimento relações interlocutivas, em dadas esferas de
atividade, mobilizadas por projetos discursivos destinados a interlocutores reais e parceiros de
dizeres materializados em gêneros. Sobre esfera de atividade humana, salientamos que em
cada uma são encontrados os gêneros específicos e estabilizados, necessários para a garantia
da interlocução entre os participantes da comunicação discursiva. Dessa maneira, reportamo-
nos a Sobral (2009) para definir o conceito de esfera, na visão de Bakhtin.
As esferas de atividade são ―regiões‖ de recorte soicioistórico-ideológico do
mundo, lugar das relações específicas entre sujeitos, e não só em termos de
linguagem. São dotadas de maior ou menor grau de estabilização a depender
de seu grau de formalização, ou institucionalização, no âmbito da sociedade
e da história, de acordo com as conjunturas específicas. Assim, a esfera deve
71
ser entendida como (...) uma modalidade socioistórica relativamente estável
de relacionamento entre os seres humanos (SOBRAL, 2009, p. 121).
Ainda sobre esfera, é importante lembrar que em cada uma ocorrem processos de
produção, de circulação e de recepção de discursos (SOBRAL, 2009), em formato de gêneros
primários e secundários. Para Bakhtin (2003 [1952-53]), os gêneros primários, comumente
originados nas relações espontâneas, são mais propensos ao reflexo da individualidade do
falante, enquanto os secundários, ancorados em situações complexas da vida humana,
refletem os gêneros ligados à escrita, portanto mais formatados. Todavia, generalizar,
associando gêneros secundários às formas cristalizadas de enunciados, é incorrer em erro,
porque o próprio pensador adverte que ―todo enunciado – oral e escrito, primário e secundário
e também em qualquer campo da comunicação discursiva – é individual e por isso pode
refletir a individualidade do falante (ou de quem escreve), isto é, pode ter estilo individual‖
(BAKHTIN, 2003 [1952-53], p. 265).
Em se tratando do RPP, podemos situá-lo como espaço de enunciação do sujeito-autor,
que elabora seu dizer mediado, explicitamente, pelas relações estabelecidas nas esferas de
atuação (escolar), na interface com a da formação continuada. Na próxima seção
apresentamos especificidades desse gênero como sendo um dos poucos explorados
considerando ―a variedade imensa e até hoje não estudada de gêneros do discurso‖
(BAKHTIN, 2003 [1959-61], P. 324).
2. 3 Relato de prática pedagógica
Os relatos existem, enquanto práticas sócio-comunicativas, desde que o homem
estabeleceu vínculos interativos com outros de sua espécie. Se pensarmos na pré-história,
certamente, encontraremos indícios de relatos das caçadas; na Grécia, sofisticadas formas de
divulgar as grandes narrativas históricas; no período das grandes navegações, especialistas na
arte de expor a realidade encontrada nas terras ―descobertas‖. Isso significa que, embora não
tematizado amplamente na esfera educacional, o relato foi um gênero presente em diferentes
momentos da história da humanidade.
Podemos identificar várias formas adjetivadas de relato, conforme o esquema abaixo:
72
Figura 7: Tipos de relatos
Observemos que, embora nomeados distintamente, os tipos de relatos esboçados na
figura se perpassam. Todavia, em razão de nosso foco, aliado ao ensino, enfatizaremos
brevemente características de apenas três, conforme delineados abaixo.
O relato de viagem ─ como o próprio nome diz ─ define-se pela apresentação de
detalhes de locais visitados, ilustrando as afirmações com inserção de imagens fotográficas,
roteiros turísticos, bilhetes de passagens etc. Já o relato pessoal é marcado pelos detalhes das
situações e das experiências vividas em determinado momento, em local definido e com
pessoas específicas. Nesse gênero, o autor tem liberdade para tratar de assuntos diversos. O
relato de experiência, por sua vez, está mais relacionado ao meio acadêmico, com referência a
resultados de experiências realizadas em salas de aulas, especialmente com a execução de
estágios supervisionados, pesquisas em laboratórios etc.
Em tese, podemos dizer que o relato passa, necessariamente, pela participação do
autor nos fatos, seja na condição de observador, seja na de criador de situações. O objetivo
principal da prática de relatar é a socialização de acontecimentos importantes para o autor do
discurso.
Tendo como parâmetros algumas pistas sobre o relato, buscamos no meio educacional
o gênero que mais se aproxima das produções das professoras-cursistas do GESTAR II de LP.
Em razão disso, faremos algumas reflexões sobre o gênero no contexto educacional, enquanto
registro de prática pedagógica, ancorado na sua sócio-história.
RELATO
de experiência
pessoal
de viagem médico
de negócios
73
2. 3. 1 Situando o relato no contexto educacional
A denominação ―relato‖ nos remete às práticas orais, de cunho informal, instauradas
no cotidiano, para um ou vários expectadores. Porém, temos também relatos pertencente à
modalidade escrita da linguagem, em que o objetivo são registros de experiências pessoais
para compartilhamento de situações com outros, não-participantes imediatos da experiência
vivida pelo autor.
No meio acadêmico-educacional, historicamente, vigoraram textos de cunho objetivo,
impessoal, com relativo distanciamento do produtor do discurso, como indicador de
cientificidade. Sobre esse assunto, Fiad e Silva (2009, p. 123) esclarecem que, explicitamente,
―nas últimas décadas, começa a tomar corpo um conjunto de iniciativas que procuram
estimular uma produção de caráter mais narrativo e subjetivo, na qual a maior referência é o
próprio autor, sua percepção dos fatos, suas experiências e formas de significação‖. As
autoras acrescentam, no entanto, que,
no campo da Educação, por exemplo, nem sempre foi assim, predominando,
por muito tempo, um enfoque normativo, universal e essencialista ou mesmo
estrutural, em meio do qual se perdia uma abordagem voltada para o
cotidiano, seus acontecimentos e os aspectos mais subjetivos aí envolvidos.
Hoje, diferentemente desse entendimento, tem se, nesta área, maior espaço e
valorização para o aspecto pessoal e íntimo, ou para a dimensão subjetiva
envolvida nos acontecimentos do cotidiano escolar e educacional e em sua
apreciação (FIAD e SILVA, 2009, p. 123).
No bojo dessas mudanças, o relato aparece com frequência em textos educacionais,
especificamente na área de formação de professores, encapsulando a inclusão dos registros de
experiências pessoais nos processos pedagógicos, dando visibilidade às interlocuções
ocorridas na esfera escolar. Com isso, a voz do professor emerge, tornando-o agente de um
campo profissional específico e alguém que reflete sobre sua prática, à luz das teorias,
enquanto constrói sua identidade individual, respaldada na coletividade (SIGNORINI, 2006).
Nesse contexto, relatar significa ―rememorar o vivido (...) contar uma história na qual
podemos representar nós mesmos, tanto em função de nossas crenças, desejos e intenções
como em função de expectativas sociais e culturais, em relação às quais nos posicionamos‖,
segundo Signorini (apud PENTEADO e MESKO, 2006, p. 75-76).
Embora o ato de relatar incida sobre os registros de experiências realizadas, no campo
educacional há grandes desdobramentos dessa prática, verificados em várias publicações:
relato de experiência de atuação profissional (SILVA e LEITÃO, s/d), relato de experiência
74
vivida e relato histórico (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004 [1996]), relato de experiências
científicas (BARBOSA, 2001), relato reflexivo (SIGNORINI, 2006), relato de prática
(AMARAL, 2007), relato de estágio (FIAD, SILVA, 2009), relato de prática pedagógica
(ZELMANOVITS, 2010).
Para Dolz e Schneuwly (2004 [1996]), relatar pressupõe explicitar discursivamente as
experiências vividas em um determinado tempo. Essa proposição dos autores aparece no
―Agrupamento de gêneros‖, sugerido por eles para orientar o trabalho com leitura e produção
escrita, definido ―em função das capacidades do aprendiz e das experiências a ele necessárias‖
(DOLZ e SCHNEUWLY, 2004[1996]), p. 42-43). Abaixo exemplificamos apenas a parte que
contém aspectos da ordem do relatar.
Domínios sociais de comunicação Aspectos tipológicos
Capacidades de linguagem dominantes
Exemplos de gêneros orais e escritos
Documento e memorização das ações humanas
Relatar
Representação pelo discurso de
experiências Vividas situadas no tempo
relato de experiência vivida relato de viagem diário íntimo testemunho anedota ou caso autobiografia curriculum vitae ... notícia reportagem crônica social crônica esportiva ... histórico relato histórico ensaio ou perfil biográfico biografia ...
Quadro 3: Proposta provisória de agrupamento de gêneros39 - Ordem do relatar (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004 [1996], p. 60)
Tendo por base o agrupamento genebrino, Barbosa (2001) reconhece méritos da
proposta, pensada para o currículo da Suíça Francófona, principalmente no tocante às
finalidades sociais de comunicação e ao desenvolvimento das capacidades linguísticas e
discursivas; no entanto, adverte para a presença marcante das ordens tipológicas, o que
39
Recortamos do quadro formulado pelos autores apenas a parte que nos interessa, em função do gênero tratado
nessa seção - RPP. Todavia, lembramos que Dolz e Schneuwly propõem, seguindo a formatação exposta acima,
outros aspectos correspondentes aos domínios sociais de comunicação, aspectos tipológicos, capacidades de
linguagem dominantes, com as respectivas exemplificações de gêneros orais e escritos.
75
fragiliza, segundo a autora, um trabalho na perspectiva enunciativa da linguagem, em
consonância com os conceitos de Bakhtin40.
Ao analisar o agrupamento em evidência – relatar – Barbosa (2001) sinaliza para uma
organização distinta das demais, marcada por reticências intermediárias, pressupondo três
blocos de gêneros. Assim explica:
[...] o primeiro – constituído pelos gêneros relatos de experiência vivida,
relatos de viagem, diário íntimo, diário de viagem, testemunho,
autobiografia etc. – pertencem a esferas mais cotidianas e supõem a vivência
empírica dos fatos por parte do locutor, o que determina, quase sempre, um
relato em primeira pessoa. O segundo bloco é formado por gêneros da esfera
jornalística – notícia, reportagem, crônica mundana, crônica esportiva etc.
Todos eles se referem ao relato ou comentário de fatos mais ou menos
contemporâneos. Finalmente, o terceiro bloco é formado por gêneros da
esfera científica - histórico, relato histórico, ensaio ou perfil biográfico,
biografia etc. (BARBOSA, 2001, p. 149, grifos da autora).
Visando a fomentar a discussão em torno dos agrupamentos de gêneros, reconhecendo
os méritos e apontando as lacunas da proposta endossada por Dolz e Schneuwly (2004
[1996]), ainda levando em consideração os currículos das escolas nacionais, a autora
apresenta outra forma de organização, tencionando maior aproveitamento dos pressupostos
bakhtinianos. Para isso, sugere uma proposta, partindo da identificação das esferas de
atividades, indicando os gêneros que nelas circulam, principalmente aqueles importantes para
a formação cidadã e o sucesso escolar dos alunos. Abaixo expomos apenas a esfera escolar,
por conter o gênero relato, objeto de nosso interesse.
ESFERAS SOCIAIS DE CIRCULAÇÃO
EXEMPLOS DE GÊNEROS ORAIS E ESCRITOS
ESCOLA
· instrução/consigna · tomada de notas · seminário ·diálogo/discussão argumentativa · verbete de enciclopédia · fichamento · resumos
· resenhas · relato de experiências (científicas) · relatório · ensaio escolar · relato histórico · teorema ...
Quadro 4: Proposta de agrupamento - Esfera e gêneros (BARBOSA, 2001, p. 153-154)
Essa organização, segundo Barbosa (2001), torna-se mais profícua com a inclusão da
finalidade ou objetivo do autor, considerando a posição por ele ocupada na esfera em
40
A autora destaca que, apesar de suas reflexões, em algumas escolas brasileiras, o agrupamento proposto pela
equipe de Genebra tem se mostrado eficaz e sido referência para organização de suas propostas curriculares em
torno dos gêneros do discurso.
76
destaque. Dessa maneira, é possível dar visibilidade às capacidades necessárias para dominar
certos gêneros, cujas características não se repetem, exceto quando aproximados dos
respectivos contextos de produção, o que possibilita a emergência de traços comuns. Para a
autora,
[...] esses agrupamentos, a partir do cruzamento dos critérios esferas versus
finalidades, poderão efetivamente contribuir para a compreensão das
características desses próprios gêneros. Além disso, a consideração das
várias finalidades ajudaria a entender os diferentes interesses e posições
sociais presentes nas várias esferas, o que também contribuiria para sua
compreensão (BARBOSA, 2001, p. 157).
Divergências de agrupamentos à parte, interessa-nos, sobretudo, situar os RPP para
compreender de que forma a esfera de produção do gênero contribui para sua constituição,
aspectos que serão tratados a seguir.
2. 3. 2 Descrição sócio-histórica do gênero RPP
Genericamente, RPP é caracterizado como um gênero discursivo que reflete as
condições sócio-históricas de uma determinada época e traz em seu bojo adequações próprias
do espaço em que circula. Por isso, identifica-se pelo compartilhamento de particularidades
das experiências pedagógicas, construídas no ambiente escolar, tendo em vista a delimitação
temporal da ação, os objetivos do registro, os critérios para a produção do gênero e os
interlocutores. Nele, o professor precisa descrever o processo de desenvolvimento da proposta
em sala de aula, acompanhado de análises e reflexões, levando em consideração os leitores
que não vivenciaram o percurso e precisam visualizar detalhes do trabalho pedagógico
realizado. Para isso, é preciso sempre questionar, conforme orienta Zelmanovits (2010), o que
e como explicitar o trabalho realizado para outro, não participante do processo.
Para Amaral (2007), neste tipo de produção escrita, a presença de marcas de autoria é
evidente nas escolhas que o docente faz para revelar as experiências particulares com os
alunos, na sala de aula e no contexto escolar. Neste caso, é comum a presença de trechos que
revelam também sensações e emoções. Nesse sentido, o RPP constitui um gênero discursivo
catalisador, porque revela indícios de como o interlocutor se apropria de uma proposta de
ensino e, a partir de sua apreciação valorativa, a traduz para os participantes da comunicação
discursiva Signorini (2006, p. 8) define gêneros catalisadores como sendo ―gêneros
77
discursivos que favorecem o desencadeamento e a potencialização de ações e atitudes
consideradas mais produtivas para o processo de formação, tanto do professor quanto de seus
aprendizes‖. Ainda segundo a autora, tais gêneros funcionam como locus gerador de novos
gêneros, ressignificados, visando a outras interlocuções, requeridas pela própria dinâmica do
processo de ensino e aprendizagem.
No contexto aqui focalizado, consideramos importante recorrer à ordem metodológica
proposta por Bakhtin/Volochínov (2010 [1929]) para a abordagem da língua, enquanto
elemento evolutivo no processo de comunicação verbal, pois a riqueza conceitual desse
tratamento analítico favorece reflexões relevantes para os RPP. Lembremos que os autores
sugerem uma análise que considere:
· As formas e tipos de interação verbal em ligação com as condições
concretas em que se realiza.
· As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação
estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias
de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma
determinação pela interação verbal.
· A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação lingüística
habitual‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929], p. 129).
Partindo desse pressuposto, apresentamos a seguir descrições do RPP, elaborado
tendo como parâmetro a sua esfera embrionária, a situação de produção, externando, a partir
desses elementos, o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo.
Quadro 5 41: Descrição do gênero RPP42
I – ESFERA DE ATIVIDADE/COMUNICAÇÃO a) A esfera da formação continuada é composta por instituições educacionais, principalmente da
educação básica, que incorporam em seus projetos educativos, práticas contínuas de estudos
(semanais, quinzenais, mensais etc), respeitando as especificidades de cada grupo. Esses processos de
formação continuada são vinculados às políticas educacionais nacionais, representadas pelo
Ministério da Educação – MEC, porém regulamentadas, normatizadas e executadas pelas Secretarias
Estaduais de Educação.
b) O MEC oferece aos estados vários programas de formação continuada, em formatos
41
Esse quadro foi elaborado a partir da releitura da proposta de descrição e análise do gênero notícia feito por
Barbosa (2001). Em função da praticidade didática da estrutura organizacional adotada pela autora, organizamos
a caracterização dos itens de maneira semelhante. 42
Para descrever esse gênero, nos apoiamos na análise que Barbosa (2001) fez da notícia (mesmo o gênero
sendo de outra esfera, nos forneceu caminhos para essa organização) e do tratamento dado ao relato de
experiência vivida, por Bräkling (2010), tendo em vista a ausência de referenciais para traçar a sócio-história do
RPP. Além disso, contamos com a experiência da formadora do GESTAR II – LP/2009, do polo de Juara, que
nos forneceu dados sobre o processo de formação, resultando nesse mapeamento.
78
presencial, semipresencial e a distancia, necessitando apenas de adesão das unidades federativas para
a implementação dessas propostas em suas redes. Neste caso, compete às Secretarias Estaduais de
Educação criar mecanismos para desenvolvimento das propostas de formação.
c) Os centros de Formação e as universidades atuam como executores dos Programas nos
estados, na maioria das vezes, pelo sistema de multiplicação: docentes das IES formam professores
formadores e representantes das secretarias municipais, que desencadearão o processo formativo em
seus polos/municípios.
d) Em Mato Grosso, é papel dos CEFAPRO implementar as políticas de formação, fazendo-as
chegar até as escolas. Fortalecer a escola como locus de formação continuada, via projeto Sala de
Educador, é o principal foco dos Centros de Formação, cujas atribuições, neste caso, são acompanhar
e auxiliar o coordenador pedagógico no desenvolvimento dos encontros, os quais devem contribuir
para a melhoria da atuação de cada participante. O Centro também desenvolve programas, oriundos
de parcerias – MEC/SEDUC – como o GESTAR II, um Programa de Formação Continuada
destinado ao aperfeiçoamento docente, tendo como referência um kit de materiais, com questões
teórico-práticas.
e) Na esfera da formação continuada, os registros do processo formativo individual são
realizados, tendo como parâmetro os temas estudados e sua contribuição na melhoria da qualidade
dos serviços ofertados por cada um. f) Há uma tendência de escrita subjetiva das experiências formativas e o RPP figura como
alternativa viável para traduzir a articulação teórico-prática promovida nos momentos de estudos.
II – SITUAÇÃO DE PRODUÇÃO a) Os produtores do texto são docentes, formados, com relativa experiência pedagógica, e que
retratam sua prática para cumprir a exigência burocrática de um processo de formação continuada.
Muitas vezes, os RPP são produzidos livremente, com o intuito de divulgar o processo de trabalho
com um conjunto de atividades, resultantes de projetos, sequências didáticas ou apenas os resultados
de uma atividade pontual.
b) O objeto do RPP é a atividade, conjunto de atividades ou projeto selecionado para o
desenvolvimento com uma turma ou mais de alunos; o objetivo é centrado na publicação de práticas
pedagógicas, consideradas inovadoras pelos autores-professores.
c) O processo de produção do RPP exige sucessivas versões, uma vez que a imprevisibilidade é
comum, em função das interações únicas ocorridas com o desenvolvimento da proposta.
d) Os interlocutores imediatos são professores de instituições de formação, inicial ou continuada
(ou coordenadores pedagógicos de escolas, responsáveis pela formação de seus pares), que, mediante
projeto de formação implementado, requisitam o gênero como forma de visualizar o
desenvolvimento de propostas sugeridas durantes os estudos.
e) Quanto ao suporte material do RPP, comumente, é impresso ou escrito à mão, porém pode ser
disponibilizado em dispositivos de armazenamento de informação por meio eletrônico – pen drive –
ou óptico – DVD – publicados na internet, em sites educacionais, blogues, revistas especializadas.
Portanto, tem duração indeterminada.
III - CONTEÚDO TEMÁTICO
a) Os episódios resultantes de experiências pedagógicas pessoais ocorridas em sala de aula, com
determinados grupos de alunos (ano/ciclo, série), em espaços delimitados ou em vários deles, sempre
vinculados à escola (sala de aula, pátio, corredor, laboratório de informática, outros ambientes
externos) são os assuntos privilegiados neste gênero discursivo.
b) Os assuntos levantados estão sempre em concordância com o currículo escolar, por isso é visível
a presença dos modos de abordagem dos conteúdos das disciplinas, separadamente ou integradas.
c) Há evidências do fazer em consonâncias com as reflexões pontuadas nos fatos e no seu
desenrolar no processo de ensino. d) Envolve conhecimento teórico-metodológico visando resultados qualitativos da produção a ser
divulgada, seja de maneira restrita, respondendo às exigências de um curso ou programa, seja de
forma ampla, em espaços públicos, impressos ou virtuais.
79
IV – CONSTRUÇÃO COMPOSICIONAL E ESTILO a) Contextualização do gênero, explicitando dados da instituição promotora, em caso de curso ou
programas, dados da atividade, período, local, nome, muitas vezes em forma de cabeçalho.
b) Evidências explicitas de participação do relator nos momentos relatados.
c) Detalhamento das ações, partindo de objetivos de aprendizagem para o grupo de alunos,
explicitação das etapas do trabalho, permeadas por reflexões do autor sobre as experiências em sala
de aula, finalizando com apreciações valorativas mediante trabalho realizado.
d) Seleção dos aspectos a serem abordados, levando em consideração, principalmente, eventos
representativos que respondam às propostas protocoladas pela agência de formação.
e) Apresentação de ações ordenadas, nem sempre temporalmente, porque são normalmente
organizadas de acordo com a seleção feita pelo autor, dos aspectos relevantes a serem socializados.
f) Apreciação valorativa do produtor do discurso em todo o texto, porém evidenciada no
encerramento, com retomada de situações ou reafirmação das escolhas pedagógicas, muitas vezes,
sinalizando a contribuição do processo experienciado, mediante proposta de formação.
g) Menção de diálogo com outras pessoas, de modo direto ou indiretamente, com a utilização de
aspas, dois pontos, parágrafo, travessão, verbos dicendi.
h) Termos indicadores da presença e/ou participação de outros no processo relatado.
i) Predominância de verbos no pretérito perfeito, com destaque para:
- 1ª pessoa do singular, com a intenção é demarcar a participação do autor, responsabilizando-se
plenamente pelo processo descrito.
- 1ª pessoa do plural, para incorporar outros participantes da interação, diluindo sua presença na
coletividade.
j) Estruturas linguísticas próprias da esfera de atuação do relator: importância do estudo, apreensão
do conhecimento, escolha do texto, objetivo(s) principal(ais), conteúdos planejados, reescrita,
produção de textos, leitura, aprendizagem, ensino, alunos, dentre outras. k) Marcas linguísticas de apreciação, sensações e experiências pessoais do autor.
Ressaltamos que, apesar dos esforços de elencar as características do RPP, a descrição
está ancorada na inconclusibilidade e no inacabamento de um gênero em formação, sujeito a
mudanças (BEZERRA, 2008 [2005]), uma vez que o objetivo central dessa análise é levantar
dados do gênero em questão para compreendê-lo no contexto de sua formulação. Dessa
maneira, podemos entender em que medida essas características contribuem para
visualizarmos a interlocução entre formador do GESTAR II de LP/cursista, entre professor-
cursista/alunos, a emergência identitária docente em contexto de ensino e de formação do
professor, e de que forma se dá a (re)construção dos objetos de ensino-aprendizagem nos
espaços de atuação desse professor (SIGNORINI, 2006).
Delineados os pressupostos teóricos de base de nossa análise, no capítulo seguinte,
expomos detalhes do nosso objeto de pesquisa e os procedimentos de análise dos dados.
80
CAPÍTULO III
DELINEANDO O PERCURSO ANALÍTICO
O texto só tem vida contatando com outro texto (contexto). Só no ponto
desse contato de textos eclode a luz que ilumina retrospectiva e
prospectivamente, iniciando dado texto no diálogo (BAKHTIN 2003 [1974-
79], p. 401).
Mostramos, nos capítulos precedentes, que o ensino da LP mudou consideravelmente
com o curso da história, saindo da normatividade para chegar às concepções sócio-históricas
de linguagem, tendo a cultura da formação continuada, principalmente nos últimos anos,
contribuído sobremaneira para a difusão de novas bases para o ensino e aprendizagem
praticados nas escolas.
Essa situação reflete diretamente muitos dos pressupostos e teorias de base sócio-
histórica e cultural, representadas por Bakhtin e Vygotsky, ambos defendendo, em seus
campos investigativos específicos, ―a primazia da interação social nos processos de
construção de todo conhecimento humano‖ (SANTOS, 2011, p. 49), conforme mencionado
no capítulo anterior.
Em diálogo com a citação que abre este capítulo, reafirmamos a importância de
analisarmos os RPP dando relevância aos colaboradores desta pesquisa, também produtores
dos textos selecionados para a análise, visualizando-os, primeiramente, como indivíduos
socialmente situados, que produzem seus discursos parametrizados pelo contexto de sua
atuação. Dessa maneira, é imprescindível analisar os textos – RPP – em diálogo com o
contexto em que são produzidos, para a identificação das vozes presentes, as quais fornecerão
elementos para situá-los na cadeia discursiva de enunciados produzidos historicamente
(retrospectivo) e daqueles em processo de construção (prospectivo).
Nesse ponto, apresentamos as motivações geradoras desta dissertação. Primeiramente,
delineamos objeto de pesquisa, questões e objetivos desta investigação, em diálogo com os
pressupostos teóricos escolhidos para subsidiar a análise dos dados; em seguida, discorremos
sobre a metodologia de coleta e análise dos dados.
81
3. 1 Trilha metodológica na perspectiva sócio-histórica
Assumindo a perspectiva enunciativo-discursiva da linguagem e, em alguns momentos
a sociocultural de Vygotsky, especialmente no tocante ao ensino aprendizagem, nossa
pesquisa insere-se no quadro das Ciências Humanas, porque a base das atividades dessa área é
o sujeito que enuncia seu texto a partir das interlocuções que estabelece no contexto sócio-
ideológico. Assim como fez Bakhtin (2003 [1974-79], p. 395), ao enfatizar que ―o objeto das
ciências humanas é o ser expressivo e falante”, assumimos que, nesta pesquisa, os
colaboradores são pessoas dotadas de responsabilidade e responsividade. Entendemos, dessa
maneira, que é preciso olhar para os produtores dos RPP com excedente de visão suficiente
para perceber suas vozes externadas nas peculiaridades dos discursos assumidos no contexto
em que as interações descritas se estabeleceram.
Para justificar o posicionamento do autor russo em relação às Ciências Humanas,
Faraco (2009) cita os contrapontos apresentados por Bakhtin entre ciências naturais e ciências
humanas, destacando ser a primeira vista como um processo analítico que desconsidera o
inacabamento do ser, consequentemente gerando um apagamento de sua singularidade. Já a
segunda respeita a dimensão humana, evitando a coisificação, pois ―atrás do texto há sempre
um sujeito, uma visão de mundo, um universo de valores com que se interage‖ (FARACO,
2009, p. 43). Daí, a importância de o pesquisador assumir uma postura compreensiva,
principalmente, dos fenômenos implícitos, já que toda manifestação, seja ela oral ou escrita, é
carregada de sentido ideológico. Assim, ―o sujeito como tal não pode ser percebido e
estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo;
consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico” (BAKHTIN, 2003
[1952-53], p. 400).
Nessa direção, Vygotsky contribui para nosso estudo quando nosso ―olhar‖ se volta
para os processos de ensino e aprendizagem, materializados em forma de objetos de ensino
construídos pelas professoras em sala de aula, os quais aparecem nos fios discursivos
presentes nos RPP. Nesse sentido, conceitos como ZPD e mediação funcionam como
alavancas de um ensino que objetiva a aprendizagem de fato. Assim, o professor tem o papel
importante de identificar conceitos construídos pelos alunos e aqueles possíveis, que
necessitam da mediação de um par avançado. Conforme explicitamos no capítulo anterior, a
Zona Proximal de Desenvolvimento é o conhecimento potencial, ou seja, o conhecimento em
processo e possível de ser consolidado ou internalizado pelo aluno com ajuda de um adulto.
Na escola, essa figura adulta é assumida pelo professor que, pelo levantamento de níveis
82
alcançados pelos alunos, resguardando a individualidade dos envolvidos, propõe intervenções
de ensino específicas para a garantia de aprendizagens. Com isso, temos explicitada a função
mediadora do docente no processo de aquisição da aprendizagem.
Partindo desses pressupostos, e com a finalidade de manter coerência com os
princípios das ciências humanas, escolhemos a abordagem qualitativa por entender que esta se
coaduna com nosso propósito de compreensão das professoras-autoras, com uma
profundidade compreensiva de seus saberes múltiplos e plurais (Tardif, 2002) e, ao mesmo
tempo, mantém o distanciamento necessário para fazer análises correspondentes aos
princípios da teoria assumida para a efetivação da análise dos dados. Nesse sentido,
concordamos com Bogdan e Biklen (1992, p. 48), ao afirmarem que, no processo
investigativo, o foco dos pesquisadores qualitativos é ―analisar os dados em toda a sua
riqueza, respeitando (...) a forma em que estes foram registrados ou transcritos‖. Essa postura
anula o absolutismo das análises numéricas, uma vez que elas excluem o contexto em que as
interações foram produzidas, bem como suas condições e finalidades. Assim, ―para o
investigador qualitativo divorciar o acto, a palavra ou o gesto do seu contexto é perder de
vista o significado‖ (BOGDAN & BIKLEN, 1992, p. 48).
Tendo optado pela abordagem qualitativa da pesquisa, escolhemos a análise
documental, porque a natureza do objeto, neste caso RPP de professoras de LP, exige
observação cuidadosa dos fenômenos enunciativos, já vez que a investigação deve ultrapassar
os limites do texto escrito, para a compreensão do processo de constituição dialógica e autoral
docente manifestada nos registros selecionados por nós. Isso exige do pesquisador análises
cuidadosas e criteriosas para o desvelamento das realidades subjacentes às construções
discursivas dos sujeitos retratados nos RPP. Nessa direção, Bakhtin (2003 [1974-79], p. 404),
afirma: ―trata-se de fazer o meio material, que atua mecanicamente sobre o indivíduo,
começar a falar, isto é, descobrir nesse meio a palavra em potencial e o tom, de transformá-lo
no contexto semântico do indivíduo pensante, falante e atuante (e também criador)‖.
O contexto tem especial significado para o investigador documental, pois permite um
―mergulho‖ na época de produção do corpus para a identificação das motivações que levaram
os sujeitos a proferiram tais discursos, em que condições e para quem, evitando, assim, o
falseamento da realidade. O conhecimento do(s) autor(es), de sua realidade sócio-política e
ideológica é outro aspecto fundamental da análise, para a percepção das razões que
fomentaram a produção. Assim, ―a análise qualitativa do conteúdo começa com a idéia de
83
processo, ou contexto social, e vê o autor como um auto-consciente que se dirige a um
público em circunstâncias particulares (ALMEIDA, GUINDANI e SÁ-SILVA, 2009, p. 11)
A partir do universo descrito e tencionando compreender esse outro que enuncia, a
partir de seu contexto, em circunstâncias particulares, delineamos como objetivo principal
analisar de que forma os professores, cursistas do Programa GESTAR II ─ Língua Portuguesa
─ desenvolvido no município de Juara, constroem seus dizeres nos relatos escritos sugeridos
pelo TP3 – Gêneros e Tipos Textuais. Para isso, definimos o percurso investigativo a partir
das seguintes etapas:
o Analisar, no material no GESTAR II – especificamente no Caderno de Teoria e Prática
(TP 3), na parte II – Lição de Casa – as orientações apresentadas para a elaboração dos
relatos, considerando as características desse gênero discursivo.
o Analisar de que forma os professores em formação continuada constroem o gênero
relato para a constituição dos seus dizeres sobre os objetos de ensino para as aulas de
Língua Portuguesa, tendo como referência as propostas dos Avançando na Prática.
o Discutir a função da formação continuada de professores para desencadear a
autonomia docente como alternativa para otimizar o ensino, constituindo a escola
como espaço de formação do aluno autor.
Para justificar os objetivos delineados, partimos de duas questões, respondidas ao
longo da pesquisa:
1. Quais orientações sobre o gênero relato são apresentadas no Caderno de Teoria e
Prática 3 (TP 3), do GESTAR II de LP, para que o professor em formação continuada
o elabore, considerando as especificidades do referido gênero discursivo?
2. Como o professor em formação continuada constrói seu dizer sobre objetos de ensino
para as aulas de Língua Portuguesa, no gênero relato, proposto como atividade no
Caderno de Teoria e Prática 3 (TP 3) do Programa Gestar II?
Esses questionamentos, durante a investigação, estão delineados a partir da
confluência dos seguintes aspectos: universo pesquisado/nossa experiência
profissional/arcabouço teórico.
84
Figura 8: Aspectos envolvidos na pesquisa
Para nós, esses elementos são indissociáveis, portanto, relevantes para orientar a
análise dos RPP, considerando que o espaço de atuação das colaboradoras da investigação é a
gênese de nossa constituição profissional, ressignificado em função de nossas experiências e
vários espaços educacionais.
Na seção seguinte, retrataremos nosso percurso para a definição do corpus desta
pesquisa.
3. 2 Contextualizando a Pesquisa
Os motivos que levaram à escolha do material do Programa Gestão da Aprendizagem
Escolar – GESTAR II – foram basicamente dois: primeiro, porque o programa traz em seu
bojo uma proposta de formação continuada para professores de Língua Portuguesa,
traduzindo uma das funções dos Cefapros de Mato Grosso, espaço em que atuamos; segundo,
por desejo de conhecer melhor o universo dos gêneros, tematizado em muitas pesquisas e
propostas educacionais. Nesse último caso, nosso interesse recai, principalmente, sobre os
gêneros ligados ao fazer pedagógico docente, para a compreensão dos dizeres docentes sobre
suas experiências, seus conhecimentos oriundos de diversas fontes e seus modos de
(re)elaboração dos objetos de ensino em suas práticas, considerando que esses profissionais
interferirão significativamente na promoção do desenvolvimento da autoria dos alunos em
sala de aula.
Dissertação
Arcabouço teórico
Experiência profissional
Universo pesquisado
85
O Cefapro, conforme mencionamos no capítulo 1, é uma instituição formadora cuja
finalidade principal é trabalhar com a formação continuada, incentivando o uso da tecnologia
nos processos pedagógicos. Partindo desse princípio, historicamente, os projetos de formação
continuada sempre foram construídos pelos professores formadores (individualmente,
agrupados por área ou por temáticas) de maneira quase autônoma, fato que sempre constituiu
um grande desafio para esses profissionais, dadas as limitações de cada um para trabalhar com
demandas tão diversas no conjunto da capacitação em serviço, principalmente em razão da
clientela atendida: profissionais habilitados e com relativa experiência em sala de aula e em
outros espaços intraescolar.
Essa dinâmica de atualização em serviço foi produtiva, principalmente, nos primeiros
anos de existência dos Cefapros. No entanto, em razão das propostas de formação continuada,
com muitos encontros distribuídos semanalmente pelo ano, ausência de didatização dos
conceitos, almejada pela maioria dos participantes, horário de disponibilidade incompatível
com os de oferta de formação e impossibilidade de contemplar necessidades específicas de
cada professor, era comum o esvaziamento das turmas de formação. Com isso, as mudanças
ensejadas pelas políticas estaduais de ensino, centradas na melhoria da qualidade desse
ensino, não foram grandemente alteradas, gerando busca institucional por alternativas que
permitissem ao docente a apropriação teórico-metodológica necessária à incorporação de
pressupostos norteadores da proposta educacional de Mato Grosso.
Nesse universo, projetos e programas de formação do professor e monitoramento da
aprendizagem dos alunos são incorporados temporariamente à política de formação
continuada mato-grossense, justificando a inclusão do GESTAR II de Língua Portuguesa e
Matemática. Esse Programa de Formação destinado ao professor de Língua Portuguesa em
atuação é apresentado aos Cefapros de todo Estado, em 2009, como alternativa delineada para
a ―atualização dos saberes profissionais por meio de subsídios e do acompanhamento da ação
do professor no próprio local de trabalho‖ (BRASIL, 2008a, p. 14), no formato
semipresencial.
Constando de um kit impresso, conforme mencionamos no capítulo 1, a formatação do
Programa inclui:
a) momentos a distância: destinados à realização de estudos individuais apoiados pelos
cadernos teórico-práticos;
b) encontros presenciais (oficinas): destinados à socialização de atividades
implementadas, entrega dos relatos referentes ao Avançando na Prática (AP),
86
esclarecimentos de dúvidas sobre os TP, vivência de atividades organizadas pelos
formador, planejamento de situações didáticas e reflexões pertinentes ao processo de
aprendizagem dos alunos;
c) plantão pedagógico: para atendimento, pelo formador, das dificuldade individuais dos
cursistas;
d) acompanhamento pedagógico: observação in loco, pelo formador, do desenvolvimento
das propostas dos cadernos pelos cursistas.
No polo de Juara, assim como em todo o Estado, o Programa foi desenvolvido em oito
meses (abril-novembro 2009), mobilizado por contatos iniciais com as escolas dos municípios
de Juara, Novo Horizonte, Porto dos Gaúchos e Tabaporã para divulgação, convite,
identificação dos professores-alvo (em atuação na disciplina LP) e formação dos grupos. Os
inscritos foram organizados em cinco turmas, distribuídas da seguinte maneira:
Turmas Referência Nº de
cursistas
Redes Formação Oficinas
(org. dos
encontros) Municipal Estadual
A Juara – Zona
urbana
13
3
10
Letras 1 oficina a cada 15
dias
(4h= 2 unidades) B Juara – Zona
urbana e Novo
Horizonte
Letras
C
Juara – Zona rural
8
8
Letras (3) Pedagogia
(1 completo e 2
cursando), EM
incompleto (2)
2 oficinas a cada 30
dias
(8h= 4 unidades)
D
Porto dos Gaúchos
5
5
Letras 2 oficinas a cada 30
dias (8h= 4
unidades)
E
Tabaporã
12
5
7
Letra e pedagogia
(1),
2 oficinas a cada 30
dias (8h= 4
unidades)
Quadro 6: Turmas do GESTAR II de LP no polo de Juara
No mês de abril daquele ano, os primeiros encontros presenciais foram trabalhados
pela formadora43
, todavia sem o material impresso, já que ainda não havia sido entregue aos
Centros para distribuição aos cursistas. O recurso utilizado foi apenas o kit de amostra para
proporcionar aos cursistas o primeiro contato com o material que orientaria suas ações
pedagógicas naquele ano letivo.
43
A formadora do GESTAR II de LP do polo de Juara foi designada de uma unidade escolar para atuar no
Programa. Dessa maneira, ela não pertencia ao quadro de professores formadores do CEFAPRO, mas foi
incluída no grupo, após aprovação em seletivo realizado em julho/2009 para preenchimento de vagas.
87
No encontro presencial de apresentação do Programa, o TP 3 foi o primeiro Caderno a
ser trabalhado, respeitando a orientação da IES responsável pela formação do formadores
(UnB). Baseada nisso, a formadora do Programa no polo elaborou um cronograma de
atendimento às turmas, especificando datas, carga horária e ação para implementar a proposta
de formação continuada.
Juara (área urbana) e Novo
H. do Norte
1º semestre
Língua
Portuguesa
08/04/09 4 horas vespertino
e noturno
Apresentação do programa
22/04/09 4 horas TP3 unid. 9 e 10
06/05/09 4 horas TP3 unid. 11 e 12
Juara(área rural e
indígenas)
15/04/09 4 horas Matutino Apresentação do programa
15/05/09 8 horas integral TP3 unid. 9 e 10, 11 e 12
Porto dos Gaúchos
21/04/09 4 horas Matutino Apresentação do programa
19/05/09 8 horas integral TP3 unid. 9 e 10, 11 e 12
Tabaporã
24/04/09 4 horas Matutino Apresentação do programa
22/05/09 8 horas integral TP3 unid. 9 e 10, 11 e 12
Quadro 7: Cronograma de apresentação do GESTAR e da TP3 no polo
Os momentos presenciais, conforme explicitado, têm uma formatação definida pelo
Programa, exigindo do cursista, entre outras ações, a socialização oral dos resultados do
desenvolvimento de duas das atividades do AP, com entrega dos relatos escritos dessas
experiências com os alunos ao formador.
Nesse universo, nos chamou a atenção, particularmente, o ―relato escrito‖. Vimos,
nessa situação, convergência com as solicitações do Centro de Formação que, ao término dos
projetos de formação continuada, indicava a produção de um relatório avaliativo do processo.
No bojo dessa exigência estava, acoplada às finalidades avaliativas e de garantia de
certificação, a possibilidade de oferecer momentos não-presenciais para a construção de
habilidades referentes à escrita, principalmente, do seu fazer pedagógico, constituindo-se
como autor do registro de sua história profissional. Com isso, era comum a solicitação de um
relatório de todo o processo formativo, articulando os conceitos tratados nos encontros às
experiências em sala de aula, especificando avanços e dificuldades identificados no processo.
Porém, esses registros sempre foram pedidos, desconsiderando-se o gênero em si. Apenas
eram apresentados os aspectos que deveriam aparecer em cada parte do texto e o resultado,
após a sua leitura, era sempre desanimador. Poucos docentes conseguiam, de fato, traduzir no
88
texto escrito o processo vivido.
Como o GESTAR II, um programa nacional produzido por docentes de várias
universidades, de alguma forma, oficializou esse registro ao final de cada TP, resolvemos
verificar de que maneira a orientação desse gênero é feita para que o professor o produza,
aprimorando suas capacidades de escrita.
Com esse intento, elegemos o TP 3, cuja base de tratamento das unidades são os
―Gêneros e Tipos Textuais‖, porque o Caderno foi o pontapé dos estudos do Programa em
2009, momento em que os cursistas contaram com as primeiras orientações sobre a produção
do relato, oferecidas pelos formadores nos referidos polos. Além disso, o TP aborda o
assunto gêneros, em voga nas pesquisas dos últimos anos, inclusos nas propostas educacionais
de estados e presentes nas concepções de ensino dos documentos oficiais, dentre eles, os
PCNLP (BRASIL, 1998).
Para situar nosso objeto de estudo no contexto descrito, na seção seguinte
apresentamos as partes do TP3.
3. 3 Mapeamento do material escolhido
Com o objetivo de ―possibilitar ao professor de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª séries (6º
ao 9º anos) um trabalho que propicie aos alunos o desenvolvimento de habilidades de
compreensão, interpretação e produção dos mais diferentes textos (BRASIL, 2008a, p. 34)‖, o
GESTAR II é organizado para suprir necessidades dos docentes em um momento histórico de
demandas ímpares e singulares. Para isso, adota nos Cadernos de Teoria e Prática o trabalho
com a linguagem, privilegiando o ―uso da Língua como atividade social e comunicativa em
que os interlocutores atuam em um espaço cultural e histórico‖ (BRASIL, 2008a, p. 36).
Cada volume do Caderno de Teoria e Prática, material impresso, organiza-se em três
partes, sendo a primeira destinada à ―Unidades‖, a segunda, à ―Lição de Casa‖ e a terceira, às
―Oficinas‖. A Parte I é composta por quatro unidades, subdivididas em seções, totalizado 12
seções por TP, cada uma abordando um objetivo de aprendizagem, correspondente ao título
da unidade em questão. Os TP são acompanhados por exemplares de Atividades de Apoio à
Aprendizagem – AAA – versão do professor e versão do aluno, que contêm atividades
planejadas para desenvolvimento em sala de aula. Os AAA destinados aos professores
apresentam as aulas com objetivos, comentários, orientações e respostas das atividades
propostas. Já o caderno do aluno se assemelha à estrutura do livro didático, com textos e
89
atividades. Uma diferença é que as aulas aparecem numericamente ordenadas, seguidas de um
título: Aula 1 – Reconhecendo gêneros textuais, Aula 2 – Redescobrindo gêneros textuais etc.
(BRASIL, 2008a, p. 20).
O Guia Geral do Programa Gestão da Aprendizagem Escolar, ao explicitar a
―Estrutura dos Cadernos de Língua Portuguesa‖, conclama os docentes para a adequação do
material, a partir da afirmação: ―constantemente as Unidades alertam para a responsável
observação da adequação de todo o material (textos, abordagens, conteúdos e estratégias) à
realidade da turma de cada professor‖ (BRASIL, 2008a, p. 44).
3. 3. 1 O TP 3 e sua organização
Figura 9: Capa do TP3
O TP3 – Caderno de Teoria e Prática – aborda o assunto ―Gêneros e Tipos Textuais‖.
Depois da capa, nas páginas seguintes, há indicativo de que o GESTAR II é um programa de
formação continuada voltado para professores dos anos/séries finais do ensino fundamental;
explicitação dos responsáveis pela organização do material e autoria dos cadernos do kit,
dados catalográficos e uma nota, evidenciando que todos os direitos são reservados ao MEC.
Todavia, há a seguinte ressalva: ―a exatidão das informações e os conceitos e opiniões
90
emitidos são de exclusiva responsabilidade do autor‖ (BRASIL, 2008b, p. 2). Posteriormente
é apresentado o sumário, distribuído em duas páginas (5 e 6), explicitando ao leitor os itens
que serão tratados na TP em questão.
Figura 10: Sumário do TP3 (BRASIL, 2008b, p. 5 e 6)
91
A organização do sumário nos dá uma ideia das partes que compõem a TP3 e dos
assuntos a serem tratados nas unidades. Na Parte I o enfoque é dado ao estudo dos gêneros e
tipologias textuais; na Parte II há orientações para o registro das atividades desenvolvidas
com os alunos e a Parte III é destinada às oficinas.
Nas páginas seguintes constam a ―Apresentação‖, relembrando a estrutura dos
módulos do curso, e a introdução da Parte I.
Figura 11: Abertura das unidades (BRASIL, 2008b, p. 9)
Nisso, a unidade é identificada a partir da explicitação do título, em letras de fonte
maior e negrito; menção à autora, com nome completo em fonte menor; apresentação da
unidade intitulada ―Iniciando nossa conversa‖, esta última identificada pelo ícone reproduzido
abaixo:
92
Figura 12: Ícone indicativo da apresentação da unidade (BRASIL, 2008b)
Após o término da ―conversa‖ da autora com os cursistas, são introduzido os objetivos
das unidades, nomeados como ―Definindo nosso ponto de chegada‖.
Figura 13: Ícone relativo aos objetivo da unidade (BRASIL, 2008b)
As seções, subdivisões das unidades, são representativas da proposta de
desenvolvimento do conteúdo. Iniciadas pelo termo ―Seção‖, seguidas de números indo-
arábicos, em ordem crescente, apresentam título, objetivo e o desenvolvimento do conteúdo
(BRASIL, 2008a), por meio de atividades, em forma de exercícios, que variam de duas a seis
por seção.
Figura 14: Ícone definidor do objetivo da seção (BRASIL, 2008b)
Figura 15: Ícone demonstrativo de atividades para o cursista (BRASIL, 2008b)
93
Além desses, outros ícones orientam os recursos de aprendizagem disponibilizados em
cada unidade ou seção.
ÍCONES ESPECIFICAÇÃO
Apontamentos resumidos sobre os conteúdos tratados
nas seções estudadas.
Proposições sobre conceitos e resumo do tópico em
estudo.
Proposição de atividades com dicas para desenvolvê-
las em sala de aula ou apontamento de posturas
importantes para o professor.
Propostas de atividades, envolvendo o conteúdo da
seção, elaboradas detalhadamente para
desenvolvimento em sala de aula com os alunos.
Retomada do conteúdo da seção, de maneira sucinta.
Quadro 8: Ícones da TP e seus significados (BRASIL, 2008b)
Para nós, torna-se particularmente importante o item ―Avançando na prática‖ – AP –
porque propõe a aplicação de atividades aos professores-cursistas. Essas propostas são
elaboradas para o exercício prático de conceitos aprendidos. Dentre as doze sugestões de
atividades a serem desenvolvidas em sala de aula, o cursista pode optar por duas para produzir
o relato escrito para socialização no encontro presencial, data da oficina coordenada pelo
formador do Programa.
Ao término da unidade, o TP 3 apresenta os seguintes itens:
Leituras sugeridas: indicações de alguns livros, com resenhas e referências
bibliográficas.
Bibliografia: relação dos fundamentos usados pelos autores dos TP na produção das
unidades.
Ampliando nossas referências: apresentação de textos de outros autores relacionados à
temática da seção, destinados aos cursistas, para estudos obrigatórios envolvendo
leitura, análise e reflexão (esse item não aparece em todas as seções).
94
Correção das atividades: listagem de respostas das atividades das seções.
Na Parte II do Caderno de Teoria e Prática – Lição de Casa (doravante LC) ─ o
cursista encontrará orientações para o relato de um ―Avançando na Prática‖, escolhido por ele
a cada duas unidades estudadas, que deverá ser entregue ao formador. Esse é o momento em
que os professores demonstram suas capacidades de menção do percurso vivido, mediante
experiência com propostas sugeridas no AP. Com isso, sinalizam para a construção de objetos
de ensino, ressignificados em função do contexto em que são produzidos e dos interlocutores
participantes do processo.
Na sequência, aparecem as Oficinas que, segundo o Guia Geral do Gestar II (BRASIL,
2008a), são encontros presenciais organizados pelo formador com o propósito de desenvolver
a sequência sugerida pelo Caderno.
Figura 16: Folha indicativa de oficina (BRASIL, 2008b, p. 189)
As oficinas são divididas em cinco partes padronizadas pelo Programa.
a) Parte I – destinada ao compartilhamento de comentários e/ou sugestões a respeito das
unidades tratadas.
95
b) Parte II – momento do relato oral (que deve ser entregue ao formador por escrito) de
experiências com o desenvolvimento de uma das atividades sugeridas pelo
―Avançando na Prática‖.
c) Parte III - desenvolvimento de uma atividade (em grupo) a partir da proposta
apresentada pelo TP.
d) Parte IV - avaliação da oficina.
e) Parte V – encaminhamento das novas unidades com questões motivadoras,
antecipando conteúdos do TP seguinte.
A descrição do TP3 serve basicamente para situar o objeto de estudo – RPP – uma vez
que ele é produto da complexa teia que envolve a organização do Caderno, especialmente os
conceitos tratados nas unidades, o AP e a produção do relato escrito das experiências em sala
de aula, com socialização prevista nas oficinas.
A partir desse ponto, apresentaremos o corpus da pesquisa, foco da análise contida no
capítulo subseqüente.
3. 4 O corpus da pesquisa
Para desenvolver a pesquisa, como mencionamos, inicialmente decidimos que
utilizaríamos o Programa GESTAR II de LP e o TP3, por abordar gêneros e tipos textuais; o
primeiro por ancorar-se no viés da formação continuada, espaço de nossa atuação profissional
nos últimos seis anos; o segundo por estar em evidência na década antecedente e ainda no dias
atuais: gêneros. Nesse contexto de atuação (Cefapro) tornam-se particularmente importantes
os gêneros ligados ao fazer docente, vinculados à tematização de suas práticas, constituindo
como novas possibilidades de didatização de objetos para o ensino.
Para selecionarmos o corpus ─ RPP ─ tivemos acesso ao portfólio contendo relatos
escritos dos professores cursistas, organizado pela formadora do Programa no município.
Lembramos que esses relatos traduzem a primeira experiência de produção do gênero pelos
professores inscritos no Programa, uma vez que a proposta escrita objetivou muito mais a
comprovação da realização da atividade em sala. Dessa maneira, o tratamento desse gênero
ficou silenciado pelos trâmites burocráticos do Programa.
Inicialmente, coletamos trinta e três relatos, especificados a seguir:
96
Unidade Título da Unidade Qtidade de relatos
9 Gêneros textuais: do intuitivo ao
sistematizado
16
10 Trabalhando com gêneros textuais 1
11 Tipos textuais 7
Várias Junção de várias unidades em um
mesmo relato
5
Não está claro o avançando
escolhido
4
33
Quadro 9: Levantamento de RPP da TP3
Pelo quadro, é possível perceber que a maioria optou pela unidade 9, a primeira do
Caderno, enquanto que a unidade 12 sequer foi escolhida. Não sabemos precisar, mas os AP
da unidade preferida pelos cursistas são relativamente simples, exigindo poucos (ou quase
nenhuns) conhecimentos daqueles distintos do já construído por eles.
Nesse universo de produção, no processo de escolha dos textos estabelecemos alguns
critérios, a saber:
- a extensão do texto seria irrelevante;
- menos de dez relatos;
- produções que, no nosso entendimento mais se aproximassem do RPP;
- elaboração por professores formados em Letras, com relativa experiência em sala de aula e
pertencente ao quadro efetivo da rede estadual de ensino.
Em meio a múltiplas formas de enunciar experiências com atividades proposta em
formação e observando os critérios de escolha do material, optamos por três relatos. Nesses
relatos, buscamos, preliminarmente, indícios composicionais, temáticos e estilísticos que nos
permitiam enquadrá-los no gênero eleito. Essa análise prévia exigiu observação cuidadosa dos
textos, porque naquele momento contávamos apenas com conhecimentos intuitivos do que
seria o RPP.
No próximo item, estendemos esse detalhamento, apresentando as colaboradoras da
nossa pesquisa.
3. 5 Colaboradoras da pesquisa
No campo das escolhas descritas anteriormente, ser graduado em Letras e professor
efetivo das escolas estaduais de ensino definiram a seleção dos textos das colaboradoras de
nossa pesquisa. A formação foi um critério relevante para analisarmos a correspondência
entre a proposta do material e a apropriação dos saberes necessários para a aplicação na sala
97
de aula, demonstrando a forma como ocorreu o tratamento das informações nos relatos, uma
vez que, em tese, todo formador de leitores e produtores de texto deverá ter domínio dessas
habilidades e, consequentemente, terá condições de demonstrar, por escrito, um percurso
vivido, os objetos de ensino construídos.
Outro fator considerado foi a lotação nas escolas estaduais, espaço de atuação do
Centro de Formação. Embora a formadora tenha assumido professores lotados na rede
municipal, devido ao número de cursistas para o funcionamento de turmas, o Cefapro atendia,
prioritariamente, aos professores da rede estadual de ensino.
Por fim, ser profissional estável é garantia de hora-atividade. Isso, no nosso entender,
contribui para que o professor se dedique mais às atividades extrassalas, uma vez que tem
algumas horas remuneradas para planejamento de seu trabalho, atendimento aos alunos e
estudos. Além disso, os anos de experiência na docência permitem uma autonomia maior nos
processos de ensino, assegurando, portanto, condições para interferir no processo e adequar as
propostas dos AP à realidade dos alunos.
A partir disso, escolhemos três professoras formadas em Letras, lotadas em três
unidades estaduais de ensino distintas e com alguns anos de experiência na educação. A
seguir, indicamos algumas informações sobre nossas colaboradoras: nome44
, formação
superior, instituição de ensino onde se formou, ano de conclusão do curso, tempo de
experiência na educação e tempo de estabilidade no ensino público mato-grossense.
Figura 17: Dados das colaboradoras da pesquisa
Os dados apresentados demonstram que o sexo feminino ainda é predominante na
docência da educação básica. As colaboradoras de nossa pesquisa exemplificam isso.
44
Os nomes apresentados são fictícios e na data da escolha desconhecíamos professoras do polo com prenomes
semelhantes.
Ludmila
•Letras;
•UNEMAT - Cáceres (2001);
•Especialista em "Ensino da Língua Portuguesa e Literatura";
•Ingresso na docência em 1997;
•Efetiva desde 2007.
Larissa
•Letras;
•UNEMAT - Sinop (2003);
•Especialista em "Educação Inclusiva"
•Ingresso na docência em 1985;
•Efetiva desde 1987.
Ingrid
•Letras;
•UNEMAT - Sinop (2003);
•Especialista em "Ensino da Língua Portuguesa e Literatura".
•Ingresso na docência em 1990;
•Efetiva desde 1993.
98
Graduadas em Letras, todas são frutos da universidade estadual de Mato Grosso – UNEMAT
– formadas nos primeiros anos da última década, duas delas com curso de especialização
relacionado à especificidade de sua atuação (LP). Todas ingressaram na carreira contratadas
temporariamente e foram efetivadas, via concurso, pouco tempo depois, menos Ludmila que
permaneceu como professora interina por dez anos.
Essa situação ilustra as informações sobre a formação de professores em Mato Grosso,
apresentadas no capítulo 1, intensificada na década de 1990 e início desse século, motivada
pela imposição legal da LDBEN e dos índices educacionais em decréscimo. Segundo Máximo
e Nogueira (2009), ―em 1998, a rede estadual tinha em seu quadro docente 16.835
professores, sendo que destes, 7.375 tinham curso superior‖, revelando um número
significativo de professores atuando sem a formação necessária.
3. 6 Metodologia de análise e apresentação dos dados
De posse dos dados produzidos pelas colaboradoras de nossa pesquisa, procedemos à
análise, inicialmente comparando os textos aos AP, para a verificação de proximidades e
distanciamentos das propostas sugeridas pelo TP3 e eleitas pelas professoras para aplicação
em sala de aula. A sequência de análise dos RPP foi definida em função da extensão dos
textos: do menos ao mais detalhado; quanto ao gênero, a decisão recaiu sobre os aspectos
composicionais, estilísticos e temáticos, conforme indicados por Bakhtin (2003 [1952-53]).
Perseguimos também indícios de construção de objetos de ensino nos RPP, no contexto de
atuação de cada uma das professoras, na segunda etapa do processo investigativo.
Diante das muitas possibilidades surgidas no processo de estudo do objeto eleito para
tal, múltiplos conceitos emergem. Todavia, para responder ao nosso objetivo e às questões de
pesquisa delineadas, elegemos como categoria principal de análise o dialogismo, porque
entendemos que ele abarca outros conceitos incorporados no processo de análise.
Todo o material analisado será apresentado incluído no texto, assim também como os
Relato de Prática Pedagógica das três professoras-autoras escolhidas por nós. Os RPP serão
apresentados na íntegra e, à medida que as reflexões forem feitas, trechos serão retomados.
Alguns são seleções dos textos de origem, portanto escaneados; os excertos incluídos nas
discussões aparecem em fonte Times New Roman, tamanho 12, em itálico.
A partir dos aspectos tratados aqui, no capítulo seguinte expomos a análise dos dados,
ancorada nos itens explorados até este ponto do trabalho.
99
CAPÍTULO IV
APONTAMENTOS DISCURSIVOS NOS RELATOS DE PRÁTICA
PEDAGÓGICA: ANALISANDO OS DADOS
Todo enunciado pretende a justiça, a veracidade, a beleza e a verdade (...).
Esses valores dos enunciados também não são determinados por sua relação
com a língua (como sistema puramente lingüístico) mas por diferentes
formas de relação com a realidade, com o sujeito falante e com outros
(alheios) enunciados (particularmente com aqueles que são avaliados como
verdadeiros e belos) (BAKHTIN, 2003 [1959-61], 329).
Até o momento, delineamos os pressupostos teóricos e metodológicos relevantes para
nossa análise. Neste capítulo, examinaremos os relatos de prática pedagógica para demonstrar
de que forma os professores cursistas do GESTAR II de Língua Portuguesa constroem seus
dizeres nesse gênero. Para isso, situaremos nossas escolhas, demarcando os ―Avançando na
Prática‖ contidos no TP3, explicitando aqueles escolhidos pelas autoras de nossa pesquisa.
Também discutiremos as orientações fornecidas pelo caderno eleito para a produção do relato
e o encaminhamento dado pela professora formadora do Programa no espaço recortado por
nós. Por fim, faremos a análise de três relatos de prática pedagógica (RPP), sob a ótica da
teoria bakhtiniana e de Vygotsky, quando pertinente, evidenciando em que medida as
professoras dialogam na construção de seus objetos de ensino em contextos particulares de
produção.
4.1 Avançando na prática no contexto do TP 3
O TP3 ─ Língua Portuguesa ─ é apresentado ao professor com a estrutura
composicional de uma carta, porém sem assinatura, representando a voz da equipe, aliada à do
MEC, mantenedor do Programa. São perceptíveis, no decorrer do texto, algumas escolhas
estilísticas denotadoras de proximidade entre a autora e os interlocutores, indicando,
inclusive, compartilhamento de responsabilidades. Essas marcas podem ser identificadas em
diferentes recursos: a) vocativos - ―caro professor, cara professora‖; b) plural inclusivo –
―vimos, abordamos, usamos, podemos etc."; c) pronomes – ―você, nós, nossa, nosso, nossas,
seus‖. Entretanto, ao longo do texto, ocorrem oscilações no discurso autoral adotado para
100
apresentar o Caderno, ora incluindo o professor, ora se distanciando dele, assumindo, nesse
momento, enunciados representativos das intenções do grupo responsável pela elaboração do
material de formação continuada.
Em relação a semelhante fenômeno, Bakhtin/Volochínov (2010 [1929]) asseveram
que, naturalmente, no processo de interação, todo enunciado é construído tendo em vista o
interlocutor. Nesse caso, as escolhas discursivas para estabelecer vínculos comunicativos
serão, em certa medida, orientadas pelo grupo social, posição na hierarquia socioeconômica
ou laços afetivos. Além disso, é preciso levar em contar que ―a relação valorativa do falante
com o objeto do seu discurso (seja qual for esse objeto) também determina a escolha dos
recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado‖ (BAKHTIN, 2003 [1952-53]p.
289).
O texto introdutório contempla a retomada de perspectivas e conceitos tratados no TP
2, numa tentativa de explicitar a coerência entre os assuntos dos Cadernos. Nisso evidencia a
proposição das unidades do Caderno em questão, destacando que ―o texto como atuação
social e o texto como organização de informações‖ (BRASIL, 2008b, p. 11) são
profundamente integrados, porém, em razão da didatização, serão tratados separadamente.
Aqui, abrimos parênteses para refletir sobre as dimensões do texto focalizadas.
Concordamos que o texto é um espaço de interação, portanto de ―atuação social‖, no qual
interlocutores respondem ativamente a enunciados proferidos nas diferentes esferas de
atividades humanas. Todavia, causa certo estranhamento tratar o texto, em um material
destinado à formação de professores, a partir do viés da organicidade de informações, um de
seus aspectos, e não o principal. No nosso entendimento, essa abordagem reduz a importância
do texto, podendo incidir em esvaziamento do seu real valor, deixando implícita a ideia de
que ele ainda funciona como elemento normativo da língua, num momento histórico de
mudanças paradigmáticas em processo de implementação no ensino.
Na sequência, o gênero é classificado a partir do texto, considerando suas dimensões
socioculturais, momento em que é anunciado o teor do que será abordado nas unidades:
É o que faremos nas unidades 9 e 10, em que analisaremos os textos quanto
às suas funções culturais e sociais – para classificar os gêneros – e
caracterizaremos alguns deles em maior detalhe. A abordagem na dimensão
informacional leva à classificação de tipos textuais, como as conhecidas
narração e dissertação, por exemplo. Na unidade 11 conceituaremos e
classificaremos tipos, em oposição a uma classificação de gêneros. E
depois, na unidade 12, veremos como as duas classificações se
correlacionam (BRASIL, 2008b, p 11) [grifo nosso].
101
Adiante, a autora menciona que as análises e classificações cumprem objetivos de
tratar aspectos internos e externos do texto, embora este se constitua de articulações
inseparáveis (BRASIL, 2008b). Dessa maneira, nos Cadernos, os tipos e gêneros textuais
devem se encarados como ―classificações que não se sustentam sozinhas, mas como
procedimentos de análise que juntos esclarecem sobre os mecanismos textuais‖ (BRASIL,
2008b, p. 11). Por fim, informa que o trabalho é o assunto transversal do Caderno e foi,
propositalmente, escolhido para promover reflexões conjuntas entre professor-cursista e
alunos, sobre vários conceitos de labor, no sentido de compreender a fala e a escrita como
formas de trabalho.
Embora o Caderno anuncie em seu título de capa um trabalho com gêneros e tipos
textuais, observamos escolhas centradas nas tipologias, com forte apelo para classificações de
ambos. Os grifos na citação anterior demonstram isso. Logo, análises alinhadas às propostas
das unidades apresentadas comprometem o tratamento dos gêneros, assim como do próprio
texto. Compartilhamos do posicionamento da autora quanto ao estudo dos textos, levando em
consideração as suas funções culturais e sociais para a identificação dos gêneros. Entretanto,
acreditamos que a dimensão informacional levará o professor-cursista à identificação das
tipologias, até porque esse conteúdo, certamente, esteve presente na formação inicial dos
envolvidos no processo formativo.
Portanto, consideramos que é injustificável a ênfase nesse aspecto dissociado,
explicitamente, do tratamento do gênero discursivo. Por essa razão, classificar tipos em
―oposição‖ a gêneros, em uma unidade, verificando, em outra, a correlação entre os dois, nos
parece contraditório. Mesmo assumindo a lógica classificatória, opor gêneros e tipos numa
mesma unidade se distancia de qualquer tentativa de instrumentalizar o docente para
desenvolver um trabalho pedagógico inovador e diferente do praticado, na maioria das vezes,
com o apoio do livro didático. Ademais, insistimos que consideramos desnecessário dedicar
uma unidade inteira para demonstrar a inter-relação entre gêneros e tipologias, uma vez que,
anteriormente, a opção foi por separá-los.
Nessa direção, Bakhtin (2003 [1952-53], p. 283) alerta para o fato de que ―nós
assimilamos as formas da língua somente nas formas das enunciações‖. Disso concluímos que
os gêneros existem enquanto formas completas de enunciados, contrariando qualquer redução
linguística. Ainda conforme o pensador russo, o enunciado, enquanto produção de discurso,
deve ser concebido ―como um todo individual singular e historicamente único. Isto,
evidentemente, não exclui a tipologia estilístico-composicional das produções de discurso‖
102
(BAKHTIN, 2003, [1959-61]).Com essas citações, reafirmamos a importância de tratar o
gêneros evidenciando todos os seus aspectos.
As unidades figuram nesse contexto, como mencionamos no capítulo anterior, com
identificação (números indo-arábicos, título, autoria), carta produzida pela autora do Caderno
para apresentação das seções, assinada antes do vocativo, e explicitação dos objetivos. As
seções, partes que compõem as unidades, são também organizadas numericamente (1 a 3),
cada uma contendo título, objetivos de aprendizagem e propostas de desenvolvimento dos
conteúdos. As propostas de estudo dos conceitos das seções contam com alguns recursos,
como: Atividades, Indo à sala de aula, Avançando na Prática, Importante, Recordando e
Resumindo45
.
O ―Avançando na Prática‖ figura como sugestão de atividades a serem desenvolvidas
em sala de aula pelo professor. No Caderno é identificado pelo ícone abaixo, seguido do
enunciado título da seção e por uma ―caixa‖ retangular na cor azul, espaço onde aparece o
detalhamento da atividade, conforme exemplos que serão apresentados adiante.
Figura 18: Ícone do AP (BRASIL, 2008b, p. 25)
Todas as propostas do AP, conforme dissemos, integram os conteúdos tratados em
cada seção das unidades dos Cadernos, sempre ao final, configurando-se como um momento
síntese do processo, em que o professor colocará em prática os conceitos aprendidos. É o
grande momento de confirmação do estudo teórico, reafirmando o avanço da competência
comunicativa do docente, que, a partir dessas experiências, formula alternativas didáticas, em
função de seus alunos (BRASIL, 2008a).
O AP emerge, nesse contexto de formação continuada, como tentativa de construção
de objetos de ensino para orientar a prática pedagógica dos docentes envolvidos no processo
formativo e de outros não participantes, mas que, certamente, terão acesso ao material, uma
vez que o kit do Programa foi enviado a todas as escolas.
45
O detalhamento de cada um deles consta no capítulo anterior.
103
No TP3, temos 12 atividades referentes ao AP, divididas em 3 por unidade, conforme
a tabela abaixo.
TP 3 Unidade Título da Unidade Avançando na prática
(quantidade)
GÊ
NE
RO
S E
TIP
OS
TE
XT
UA
IS
9 Gêneros textuais: do intuitivo
ao sistematizado
3 AP (p. 25, 31-32 e 41-42)
10 Trabalhando com gêneros
textuais
3 AP (p. 64-67, 74-75 e 84-86)
11 Tipos textuais 3 AP (p. 109, 115 e 124-125)
12 A inter-relação entre gêneros
e tipos textuais
3 AP (p. 150-151, 162-163 e 172-173)
TOTAL 12
Quadro 10: TP3 e respectivos AP
Notemos que a diversidade de sugestões de atividades anunciada é grande; todavia,
fica a questão: são as atividades elaboradas para que o professor compreenda a teoria dos
gêneros e se aproprie de dispositivo metodológico para inovar sua prática pedagógica?
Para responder a essa questão, mapeamos os AP escolhidos pelos sujeitos da nossa
pesquisa, na tentativa de demonstrar os procedimentos oferecidos pelo material para que o
professor construa o gênero RPP, traduzindo seu dizer de maneira dialógica.
4. 2 Avançando na Prática: escolhas das autoras/colaboradoras da pesquisa
Toda escolha é influenciada significativamente pelo contexto em que ocorrem as
interações. Dessa maneira, ―o que é dito (o todo do enunciado) está sempre relacionado ao
tipo de atividade em que os participantes estão envolvidos‖ (FARACO, 2009, p. 126).
Respondendo a isso, as professoras-autoras selecionadas por nós, com ações inseridas na
esfera escolar, optaram por três AP distintos, abaixo sintetizados.
104
Figura 19: AP das professoras-autoras
Nas seções subsequentes, detalhamos cada escolha de nossas autoras, fazendo algumas
reflexões pertinentes e relevantes para a análise em curso.
4. 2. 1 AP de Larissa – Biografia
A proposta do AP1 está situada na Unidade 9, seção 1, intitulada ―O conhecimento
intuitivo de gêneros‖. Na apresentação, a autora reafirma que o assunto sustentáculo do TP3 é
o trabalho, caracteriza-o historicamente e anuncia que ―a linguagem é um dos nossos mais
relevantes trabalhos‖ (BRASIL, 2008b, p. 13). A partir disso, explicita que os textos eleitos
para abordar o assunto em questão servirão de base para observar os modos como esses textos
se apresentam – orais e escritos ─ e seus contextos, porque o conjunto dessas características
de uso social designa o gênero textual.
A partir do objetivo de ―identificar diferenças e semelhanças na organização de textos
utilizados em diversos contextos de uso lingüístico‖ (BRASIL 2008b, p. 15), o Caderno
apresenta várias imagens, seguidas de atividades para mobilizar hipóteses sobre o conceito de
trabalho na sociedade atual, recorrendo ao conhecimento de mundo do leitor, propondo a
desconstrução de estereótipos que associam atividades diferentes das braçais a lazer. Assim, o
conceito de texto46 é introduzido, tendo como referência três gêneros diferentes ─ biografia,
receita e propaganda ─ com questões para que o leitor reflita sobre a singularidade de cada
um.
46
O conceito de texto assumido pelo material de formação, nessa Unidade, é o seguinte: ―texto é toda e qualquer
unidade de informação no contexto da interação; entendendo-se interação como ação entre sujeitos,
interlocutores. (...) pode ser oral ou escrito, literário ou não-literário, de qualquer extensão (BRASIL, 2008b, p.
19).
Larissa
Unidade 9
AP: Biografia (p. 25)
Ludmila
Unidade 10
AP: Letra musicada
(p. 74-75)
Ingrid
Unidade 11 e Oficina 5
Textos: Fuga (p. 106) e A barata saiu caro (p. 108)
Texto: Poema tirado de uma notícia de jornal (p. 192)
105
Adentrando a proposta da Seção 1, o conceito de competência sociocomunicativa é
acionado como condição para identificar semelhanças e diferenças nos textos. O ícone
―Importante‖ alerta para a introdução gradativa dos conceitos ─ gêneros textuais e modos de
organização do discurso ─ os quais serão apropriados pelos cursistas, inicialmente, partindo
de seu conhecimento de mundo:
Por enquanto, você não precisa se preocupar com os títulos, nomes ou
rótulos que a pesquisa lingüística ou os livros dão aos diferentes gêneros
textuais; vamos trabalhar, primeiramente, com nossa intuição de falantes de
português, para identificarmos os diferentes modos de organização de alguns
textos. Mais tarde, em seções posteriores, buscaremos uma sistematização
com classificações e nomenclatura (BRASIL, 2008b, p 23).
Usando uma linguagem afetiva e envolvente, novamente, a autora do enunciado
anterior estabelece proximidade com os professores-cursistas, por meio de escolhas estilísticas
facilitadoras dessa interlocução. Primeiro, sinaliza para que os envolvidos no processo
afastem qualquer insegurança frente às propostas do Caderno, porque a abordagem dos
conceitos partirá de seus conhecimentos prévios, objetivando atingir estágios analíticos
avançados e deixando evidente o papel da intuição nesse percurso de aprendizagem docente.
Ainda há menção ao fato de que os gêneros textuais são materializados, de forma oral ou
escrita, e várias questões são apresentadas, conduzindo o cursista à confirmação do que fora
enunciado.
É nesse contexto que o AP 1 é apresentado, seguido do fechamento da Unidade,
sinalizado com o ícone ―Resumindo‖, o qual retoma o conceito de gêneros textuais, incluindo
competência linguística e sociocomunicativa no processo de apropriação do eixo temático do
TP3.
106
Figura 20: AP1 – Biografia (BRASIL, 2008b, p. 25)
Observemos que os três primeiros itens do AP sugerem um primeiro contato com o
gênero para identificação intuitiva de suas características, seguindo algumas etapas: leitura de
uma biografia, localização de textos semelhantes em vários materiais e análise do gênero em
questão, a partir de seu conteúdo temático. Posteriormente, a indicação é propor aos alunos a
produção da própria biografia, com o deslocamento necessário para a terceira pessoa. Por
último, como uma observação, há sugestão para variar a atividade, escolhendo personalidades
locais para a composição da sua biografia.
Em nosso entendimento, a sugestão do AP, focalizando apenas a leitura de biografias
dos literatos brasileiros, é insuficiente para a construção de capacidades escritas de
semelhante texto. Além disso, o item sugere que o professor, a partir de seu conhecimento
intuitivo do gênero, promova reflexões suficientes para que os alunos localizem ―que tipos de
informações‖ contém uma biografia. O resultado disso pode ser diferente do proposto, porque
a unidade sequer explorou o aspecto requerido. Também é preciso considerar o fato de que,
assim como não existe o leitor de um texto só, também não é possível desenvolver as
capacidades leitoras e escritoras do aprendiz, seja ele qual for, com um único texto. Já a
proposta de ―biografia na terceira pessoa‖ impõe um deslocamento estilístico próprio de
algum domínio significativo do gênero. Caso o professor se aproprie dela e a leve para a sala,
desconsiderando as necessidades de aprendizagem dos alunos, teremos, certamente,
resultados distintos do propalado pelo Guia Geral, cuja concepção de atividade de
107
aprendizagem requisita um profissional que estabeleça ―relações entre conteúdos e
conhecimentos pretendidos‖ (BRASIL, 2008a, p. 37), observando o currículo escolar.
Analisando a proposta do AP em questão, embora reconheçamos os esforços
do material na construção de proposta para desencadear um processo de ensino autônomo
para o professor, não percebemos inovação na atividade. Aliás, pela simplicidade na
elaboração, ela se assemelha (e muito) às sugestões contidas em vários livros didáticos de LP
disponibilizados nas escolas. Com isso, não identificamos um tratamento produtivo do gênero
que considere seus vários aspectos: conteúdo temático, forma composicional e estilo.
Concordamos com Socorro (2009, p. 136), ao evidenciar que, ―um gênero apenas exige um
trabalho sistemático e deve ser pensado para um tempo razoável de leitura e de produção
escrita, para que seja compreendido pelo aluno (SOCORRO, 2009, p. 136).
Acreditamos que essas lacunas no tratamento dos gêneros, uma vez que existem
limitações nítidas do material didático de formação, poderiam ser superadas com a
intervenção do formador do Programa, um profissional preparado para atuar no GESTAR II
de LP. Porém, se considerarmos as condições oferecidas para assegurar sua formação
(encontros centrados nos conteúdos de alguns TP e aligeiramento temporal de oferta do
Programa – 7 meses), não nos surpreenderemos com a impotência desse profissional frente às
necessidades emergentes no seu espaço de atuação.
4. 2. 2 AP de Ludmila – Letra de canção47
O AP 2 pode ser localizado na Unidade 10 – Trabalhando com gêneros textuais - na
seção 2, ―O gênero poético‖, cujo objetivo é ―caracterizar o gênero poético, de acordo com a
função estética da linguagem‖ (BRASIL, 2008b, p. 67).
A Unidade é iniciada por uma espécie de ―conversa‖ com o professor-cursista,
mapeando teoricamente os conceitos tratados nas seções. Com isso, o assunto da unidade
anterior é retomado, enfatizando as características dos gêneros textuais, orais e escritos,
ancoradas na interação verbal que ocorre em dadas esferas de atuação humana. Enfatiza que
as discussões, na academia, sobre os gêneros e as tipologias não são recentes, destacando a
divulgação dos PCNLP (BRASIL, 1998) como relevante para o estabelecimento de outros
pressupostos de ensino, especialmente do texto, enquanto unidade básica de ensino, e dos
47
Essa opção terminológica coaduna-se com as reflexões de Padilha (2005), que assim denomina esse gênero.
108
gêneros vinculados aos textos. Nesse contexto, a autora se pronuncia a favor do texto como
unidade de sentido.
[...] o texto, assim tomado como unidade privilegiada do fazer pedagógico,
mostra-se com múltiplas faces: é um espaço de marcas históricas e dos usos
que os sujeitos fazem da linguagem. Por isso, foge da sistematização
controlada e previsível das regras gramaticais (BRASIL, 2008b, p. 55).
Com isso, aponta a importância dos PCNLP (BRASIL, 1998) no fortalecimento do
conceito de gêneros, antes apenas associado à literatura, e a inclusão, nos currículos de LP, da
função desses gêneros como unidades sociocomunicativas. Nessa perspectiva, os documentos
oficiais cumpriram a importante função de ampliar o conceito de gêneros para além da esfera
literária, uma vez que estão relacionados às diversas situações comunicativas. Antes de
apresentar o conteúdo das seções, aparece o seguinte enunciado: ―vamos agora prosseguir na
reflexão sobre as estratégias textuais que permitem distinguir um gênero de outro‖ (BRASIL,
2008b, p. 55). Por fim, sinaliza que a seção 2 será dedicada à análise do gênero poético e o
assunto ―trabalho‖ continuará orientando as reflexões da Unidade.
Observando a apresentação feita pelo material, consideramos importante refletir sobre
alguns aspectos tratados. Ao retomar o conteúdo da unidade anterior, há evidência de
pressupostos bakhtinianos no discurso adotado, perceptíveis em expressões como: interação
verbal, enunciados relativamente estáveis e situações de comunicação. Apesar de ocultar a
autoria do conceito de gêneros, no primeiro parágrafo anuncia, implicitamente, uma
abordagem dentro do esperado para o tratamento do gênero na perspectiva delineada a partir
da concepção do autor russo. Todavia, nos surpreendemos com a explicitação de que as
propostas para distinção dos gêneros serão pautadas, basicamente, em estruturas linguísticas
dos textos selecionados.
Ao explicitar que os PCN (1998) contribuem para difundir conceitos de gêneros, a
autora ignora as abordagens do autor russo na criação de novas formas de conceber os
gêneros, até então tratados pelo viés artístico-literário, conforme mencionamos no capítulo 2.
Outro detalhe é que a indicação do título da unidade denota um trabalho com gêneros
textuais, no entanto, o enfoque recairá nos gêneros literário-poéticos, principalmente em
aspectos estruturais e estilísticos. Quanto a isso, Bakhtin (2003 [1953-53], p. 264-265)
adverte:
O desconhecimento da natureza do enunciado e a relação diferente com as
peculiaridades das diversidades de gêneros do discurso em qualquer campo
da investigação lingüística redundam em formalismo e em uma abstração
109
exagerada, deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações
da língua com a vida.
A seção 2 apresenta como objetivo a caracterização de gêneros poéticos, observando a
função estética da linguagem em oposição a outros (informativos ou utilitários), cujas
finalidades são distintas do prazer estético (BRASIL, 2008b). Assim, no item ―Recordando‖,
o conceito de gêneros é introduzido, revozeando a concepção formulada por Bakhtin (2003
[1952-53]), sem, contudo, mencionar esse autor:
Gêneros podem ser caracterizados como padrões relativamente estáveis de
enunciados presentes em cada interação verbal. Distinguem-se pelo conteúdo
temático, pelo estilo, pela composição textual, pelo relacionamento social
dos participantes e, especialmente, pela finalidade segundo a qual são
produzidos (BRASIL, 2008b, p. 68).
Para exercitar as abordagens feitas na Unidade/seção, o material apresenta dois textos:
o poema ―O operário em construção‖, de Vinícius de Morais, e a letra de canção
―Construção‖, de Chico Buarque. Ambos contam com várias questões (fáceis, simples e até
óbvias) relacionadas ao conteúdo e breves notas biográficas dos autores; as atividades são
finalizadas com um lembrete, enfatizando que os dois textos exemplificam o gênero poético,
porque apresentam características bem demarcadas, inclusive, visíveis na forma, a qual não
pode ser desvinculada do conteúdo. Aliás, em nenhum gênero, independentemente de sua
constituição, pode haver essa desvinculação. Parece-nos que a forma é o grande elemento
identificador do gênero poético, quando na realidade, itens como esfera de produção,
circulação e recepção devem ser considerados no tratamento didático, sob o risco de
empobrecimento da proposta de análise. No caso dos dois textos citados, embora incluídos no
rol dos gêneros poéticos, a sócio-histórica de cada um, certamente, descortinará aspectos
importantes para a compreensão de escolhas feitas pelos autores no contexto de sua produção,
com finalidades específicas e dirigidas a um público determinado.
No ícone ―Indo à sala de aula‖ (p. 74), há sugestões para que o professor-cursista: a)
incorpore em seu planejamento de leitura poemas ou letras de músicas para serem
comparados com textos em prosa; b) reflita sobre o fato de que a ―tomada de consciência de
que nem todos os gêneros textuais são realizados por escrito também é importante no
processo de identificação das diferenças e semelhanças entre textos‖ (BRASIL, 2008b, p. 74);
c) aproveite textos dos próprios alunos para identificar interlocutores, finalidade, tipo de
linguagem, preocupação estética.
110
O item a reafirma a proposta do Caderno, ao sugerir a disponibilização de gêneros
diversos para a leitura dos alunos, porque o quantitativo textual parece dar condições para a
compreensão de todos os mecanismos envolvidos no ato de ler. Rojo (2009) discorda dessa
orientação, ao assinalar que o processo de leitura requer vários procedimentos e capacidades
(de decodificação, compreensão, réplicas etc), diferentemente de ―ler em voz alta,
silenciosamente ou em jogral (...) e, em seguida, responder um questionário onde se devem
localizar e copiar informações do texto (para avaliação de compreensão)‖ (ROJO, 2009, p.
79), conforme ainda parece ocorrer nas escolas.
No enunciado da letra b, para a compreensão da diferença entre modalidade oral e
escrita, seria mais produtivo apresentar ao professor-cursista o conceito de gêneros primários
e secundários. Estes estão ligados às ordens mais complexas, vinculadas à escrita (romance,
artigo científico, artigo de opinião, poema, letra de canção etc.), e aqueles são representativos
da comunicação cotidiana (bilhete, conversa ao telefone, torpedo, lista de compra etc.),
portanto, mais próximos da oralidade. Bakhtin (2003 [1953-53], p. 264) argumenta a favor
desse tratamento, ponderando: ―em qualquer corrente especial de estudo faz-se necessária
uma noção precisa da natureza do enunciado em geral e das particularidades dos diversos
tipos de enunciados (primários e secundários)‖.
A proposta contida no item c rompe com abordagens estreitas centradas em recursos
rítmicos, repetições e sonoridades, para introduzir itens relevantes – autor, interlocutor,
finalidade, tipo de linguagem, intenção estética ─ em um trabalho centrado nos gêneros. Para
isso, valoriza os ―textos dos alunos‖ como material de análise. Essa orientação é respaldada
pelo Guia Geral (2008a), ao destacar a importância da função mediadora do professor nos
processos de ensino e aprendizagem dos alunos. Isso favorece o desencadeamento de atitudes
positivas nos estudantes, em razão do status didático alcançado pelas suas produções, e
permite ao docente mapear saberes desses alunos sobre os gêneros a serem trabalhados no
currículo.
Neste contexto, a proposta do AP como objeto de ensino é apresentada, levando em
consideração o gênero letra de canção, nomeada com letra musicada. Para desenvolver a
atividade com os alunos, são sugeridos sete passos:
111
Figura 21: AP Letra de canção (BRASIL, 2008b, p. 74-75)
No primeiro item, sugere-se a escolha de uma música que tenha relação com a faixa
etária dos alunos; no entanto, delega-se ao professor a responsabilidade pela seleção, a partir
do que compreende ser atraente para o grupo. Se considerarmos que os PCNLP (BRASIL,
1998) indicam o planejamento de atividades didáticas, respaldado nas necessidades educativas
dos alunos e suas possibilidades de aprendizagem, o que é também compartilhado pelo Guia
do Programa (2008a), parece-nos mais procedente orientar o docente para a escolha da letra
de canção, observando esses aspectos.
O ideal seria levantar as preferências musicais dos alunos, estabelecer coletivamente
critérios de escolhas para, finalmente, proceder à análise. Dessa forma, é provável que se
instaure uma verdadeira interação, em clima de compartilhamento de responsabilidade no
processo educativo, culminando em resultados produtivos para o estudo em questão.
O item 2 propõe a interpretação da letra de canção, observando tema, termo
equivalente a assunto, interlocutores e outros aspectos formais internos, indicando a
ampliação da análise, dando abertura para que o professor inclua o que julgar relevante para a
112
reflexão. Nas etapas seguintes, o encaminhamento é para promover a comparação entre textos
sobre o mesmo tema/assunto ou de formatos semelhantes, tipos de registros (oral e escrito) e
aspectos estrutural-estilísticos, identificadores da autoria e destinatário do gênero estudado.
Por fim, a última etapa da atividade delega ao professor a responsabilidade pela disseminação
do conceito de que existem outros gêneros, além daqueles tipicamente escolares.
A proposta contida no último item torna-se particularmente significativa nesse
contexto, porque encaminha no sentido de demonstrar a existência dos gêneros e sua função
social nas mais diversas esferas de atuação humana. Talvez fosse mais produtivo que essa
sugestão aparecesse no início da atividade para visualização das esferas e seus respectivos
gêneros, aliados à função social de cada um, para justificar a abordagem da letra de canção,
especificamente aquela eleita para o estudo.
Ao analisar o AP aqui tratado, Socorro (2009, p. 138) enfatiza:
Implicitamente, o objetivo da proposta é estabelecer a relação entre poema e
letra de canção, com o propósito de levar o professor e o aluno a estabelecer
o vínculo entre os dois gêneros. O Avançando insiste em trabalhar a
conceituação de versos, estrofes, ritmo poético e métrica, pretendendo que os
seus interlocutores analisem a linguagem poética na configuração entre
forma, estilo e tema.
Dessa maneira, no tratamento do gênero é preciso considerar que letra de canção e
poema são originados em processos distintos, como lembra Padilha (2005); portanto, não
devem ser tratados da mesma maneira no processo de ensino. Para a autora, é importante
―conceber a canção como gênero do discurso e a partir daí explorá-la em suas dimensões
discursivas, dando relevo à compreensão e reflexão sobre os espaços de circulação e recepção,
bem como o diálogo do material lingüístico com as condições de produção‖ (PADILHA,
2006, p. 104). Dessa maneira, acreditar que o aluno dominará o gênero com atividades
identificadoras de elementos da organização interna do texto e marcas linguísticas é mais um
equívoco.
Embora no AP esteja materialmente representada a tentativa de construção de objetos
de ensino para auxiliar o professor-cursista em suas tarefas didático-pedagógicas,
principalmente respondendo minimamente ao objetivo da seção, nos questionamos sobre a
relevância desse tipo de proposta em materiais de formação continuada. Em nosso
entendimento, faltam subsídios teóricos para que o professor tenha referenciais suficientes
para tratar o gênero canção, inclusive a partir das diferentes condições de produção. Além
113
disso, a atividade requisita outros conhecimentos não tratados na seção, como por exemplo,
―traço lingüístico que marque o destinatário da canção‖ (BRASIL, 2008b, p. 75).
Não estamos com isso desconsiderando a competência docente em criar situações que
ampliem o proposto pela atividade, mas para assegurar autonomia desse profissional no
processo de ensino dos pressupostos em questão – gêneros ─ é preciso garantir embasamento
teórico-conceitual integrado às estratégias, com reflexões sobre os aspectos elencados. Ou
seja, é preciso estabelecer um diálogo de intimidade com o professor sobre as questões
tratadas, com indicação, inclusive de publicações sobre o assunto. Precisamos lembrar que o
estudo dos Cadernos é solitário ou em pequenos grupos na escola, como sinalizado pelo Guia
Geral (BRASIL, 2008a, p. 52): ―na maior parte do tempo, você está estudando em casa, com o
material impresso do curso‖. Isso é razão suficiente para que o material de formação seja
diferente, principalmente dos livros didáticos.
4. 2. 3 AP de Ingrid – Mix (Unidade e Oficina)
Designamos de mix a proposta escolhida pela professora, pois ela ignora todos os AP
da unidade e organiza uma própria, composta de três atividades. As duas primeiras (5 e 6) são
encontradas na Unidade 11, ―Tipo Textuais‖ ─ Seção 1 ―Sequências tipológicas: narração e
descrição‖ ─ enquanto que a terceira é uma sugestão contida na Oficina 5.
A apresentação da unidade 11 é feita pela autora, indicando, após anunciar o título,
que a linguagem será tratada pelo viés do trabalho, orientada por objetivos
sociocomunicativos, adequados a cada situação ―para comunicar e agir no mundo‖ (BRASIL,
2008b, p. 97). Desse modo, nas seções, o foco é o tratamento interno do texto, com destaque
para as palavras e estruturas sintáticas organizadoras da materialidade dos gêneros, enquanto
que na seção 1 o foco recai sobre a abordagem das tipologias clássicas do ensino: narração e
descrição. Ao final, a autora externa o desejo de que a distinção entre tipo e gênero textual
contribua para que os alunos utilizem estratégias adequadas a cada gênero.
Nessa unidade, fica demarcado que a abordagem recairá sobre as tipologias textuais,
direcionando as análises para dentro do texto. Isso parece contradizer a concepção do
Programa, que elege a linguagem como interação e o texto com produto sócio-histórico,
concretizado em situações interativas (BRASIL, 2008a, p. 36). O tratamento dado às
sequências textuais, opção feita pela autora por valorizar a predominância de determinada
tipologia, está a serviço da construção do texto e, consequentemente, do gênero. Para nós,
114
essa proposição destoa de pressupostos atuais de ensino e encontra respaldo, apenas, em
práticas didáticas escolares dos anos 1980, período em que ―o texto entra menos como
produtor de sentidos e mais como suporte de análises gramaticais, (...) como se o mero
conhecimento das estruturas e tipos textuais, regras e normas pudesse fazer circular o
diálogo‖ (ROJO, 2008, p. 89).
O objetivo da seção 1, da Unidade 11, é ―caracterizar seqüências tipológicas
descritivas e narrativas‖ (BRASIL, 2008b, p. 98) e são sugeridos alguns textos para a
identificação dessas características, com notas e questões para reflexão sobre as tipologias
abordadas. Os dois primeiros textos ─ ―Drama da geada‖, de Monteiro Lobato, e ―Marina, a
intangível‖, de Murilo Rubião — ambos contos — são apresentados com a finalidade de
identificar a presença entre narração e descrição na composição dos gêneros em estudo.
Observando o tratamento dispensado aos textos, percebemos que o objetivo da Seção,
limitado à identificação da formas linguísticas dos textos, está perfeitamente alinhado ao
enunciado da apresentação, objetivos e conteúdos da unidade. Dessa maneira, as atividades
são construídas para que o professor-cursista perceba a evidência da narração e descrição nos
textos sugeridos. A nossa preocupação recai exatamente na proposta da seção e da unidade
como um todo, por tratar as sequências como definidoras da constituição do gênero. Nesse
sentido, Bazerman (apud Bunzen 2006, p. 155) adverte: ―a definição de gêneros como apenas
um conjunto de traços textuais ignora o papel dos indivíduos no uso na construção de
sentidos‖.
Partindo desse pressuposto, haveria necessidade de elaborar uma unidade para abordar
exclusivamente sequências tipológicas no Caderno? As tipologias textuais, de alguma forma,
são um conteúdo presente na formação do professor de LP e até nas práticas pedagógicas,
conforme já apontamos. Os gêneros, por outro lado, são assumidos pelas muitas propostas
curriculares de ensino, porém trabalhados ainda de maneira incipiente e insuficiente em sala
de aula. Logo, vemos muitos motivos para enfatizar o tratamento a ser dado aos gêneros,
observando seus aspectos temáticos, estilísticos e composicionais, o que também inclui as
formas linguísticas, mas na perspectiva do enunciado.
O enunciado, conforme Bakhtin (2003 [1952-53]), é parte da cadeia da comunicação
discursiva; portanto, possui autor com posição ativa, que aprecia valorativamente a situação e
espera responsividade do interlocutor. Para isso, faz as escolhas estilístico-temático-
composicionais para compor o seu discurso e atingir seus objetivos na interação. A partir
disso, vemos uma riqueza conceitual-teórica desconsiderada na unidade, assim como no
115
Caderno, e que merecia ter sido posta em diálogo com o professor no material destinado à sua
formação, por meio das atividades propostas. Dessa maneira, a inovação teórico-metodológica
anunciada no material seria, em alguma medida, concretizada, diferenciando-se dos livros
didáticos, alguns dos quais, embora apresentem concordância com pressupostos atuais do
ensino da LP, ainda apresentam lacunas na didatização dos conteúdos (LEMES, 2009).
O texto ―Fuga‖, de Graciliano Ramos, escolha de nossa professora-autora, é
apresentado seguido de 5 questões e comentários sobre cada parágrafo para orientar o
professor na sua abordagem em sala de aula.
Figura 22: AP Mix – Texto 1 (BRASIL, 2008b, p. 105-107)
116
No excerto motivador da atividade, antecedendo ao texto, há indicação de que o
fragmento em questão será utilizado para, exclusivamente, localizar tipos descritivos e
narrativo, numa tentativa de demonstrar como estão interligados nesse exemplo. Embora a
autora escolha tipo (narrativo ou descritivo) para anunciar essa atividade, no início da seção
destaca que, em razão da inexistência de única tipologia nos textos, optará por sequências:
―vamos chamar de seqüências tipológicas os trechos de um texto que apresentam um certo
padrão de organização das estruturas lingüísticas a ponto de identificá-lo como um dos tipos
da classificação‖ (BRASIL, 2008b, p. 99).
Para um docente formado nos moldes tradicionais e normativos do ensino da língua, a
orientação é suficiente para responder a um currículo escolar, respaldado na gramática. Aliás,
essa sugestão pode ser motivo para que o professor sinta-se assumindo uma postura inovadora
de ensino, uma vez que está desvencilhando-se dos ―velhos‖ exercícios de fixação e usando o
texto, mesmo como pretexto para tal objetivo. Essa difusão do discurso de práticas
―inovadoras‖ pelos docentes é justificada se considerarmos que o material assim se
autoqualifica.
Esclarecemos que não estamos, com essas reflexões, incentivando o abandono dos
aspectos linguísticos dos textos, em nome da inovação no ensino. Entretanto, questionamos a
forma como os conceitos são formulados nos materiais de formação, apropriados pelos
professores e reproduzidos no processo de ensino, a partir de programas oficiais, como o
GESTAR II de LP. Quanto ao ensino da gramática, Padilha (2008) defende a importância de
sua inclusão nos currículos de LP, ressaltando que,
[...] em algum momento da aprendizagem de uma língua, é necessário o
ensino da gramática. Isto é, em nossa opinião, um fato incontestável.
Entretanto, na utilização de textos somente como pretexto de ensino
gramatical, a questão que colocamos é: quem está a serviço de quem, a
gramática da língua a serviço dos autores em suas criações, ou os textos a
serviço da gramática, para sua exemplificação e conseqüente distorção?
(PADILHA, 2008, p. 40).
Considerando essa citação, concordamos que temos um longo caminho a ser
construído nos espaços de formação no tocante ao incentivo de posturas investigativas quanto
ao tratamento normativo da língua. Nesse sentido, defendemos que, quando o produtor do
discurso tem, entre outras coisas, clareza dos objetivos da interação, visualiza o interlocutor,
presume, de certa maneira, sua responsividade, tem elementos para a construção do
enunciado, ancorado em escolhas de ordem temática, composicional e estilística. Seguindo
esses procedimentos, torna-se procedente a defesa de uma gramática, mas em funcionamento
117
(SILVA e TAVARES, 2010), levando em consideração os sujeitos reais, a esfera em que
estão inseridos e seus projetos discursivos, aspectos, infelizmente não contemplados nas
propostas para o texto ―Fuga‖, anteriormente apresentado.
As atividades formuladas para o estudo do texto reafirmam os objetivos da Seção e,
novamente, em nada se diferenciam dos exercícios de fixação contidos em muitos livros
didáticos. Das 5 questões sugeridas, em 4 são solicitadas apenas a identificação de trechos –
sublinhe (questões 1 e 2) e destaque (questões 3 e 4). Esses exercícios, em nosso entender,
não promovem nenhuma reflexão produtiva acerca do texto em questão, muito menos para a
compreensão da razão das escolhas feitas pelo autor no contexto de produção do gênero
tratado. O que interessa é a contribuição desses trechos – narrativos ou descritivos – na
construção dos sentidos. Tendo desconsiderado esse aspecto, entendemos que ―a reflexão
posta é a metalingüística‖ (LEMES, 2009, p. 159).
Complementando, o material apresenta, no ícone ―Indo à sala de aula‖, alguns
conselhos sobre o cuidado com tentativas de identificação rigorosa das tipologias nos textos, o
que pode culminar numa certa artificialidade. Essa recomendação é um tanto contraditória,
porque a estrutura adotada no Caderno leva à valorização das marcas linguísticas ─ narração e
descrição ─ em detrimento de um tratamento dialógico do gênero. Na mesma parte, o leitor-
cursista é preparado para a atividade seguinte, que figura na esfera jornalística; trata-se de
uma notícia transposta, com outras finalidades, para a sala de aula. Vejamos a proposta:
118
Figura 23: AP Mix – Texto 2 (BRASIL, 2008b, p. 108)
A atividade acima se inicia com o convite à reescrita da notícia, destacando seu espaço
de circulação e situando-a temporalmente. No entanto, ao prosseguir a leitura, percebemos
que o gênero anunciado como notícia tem características que se assemelham à crônica, por
retratar situações do cotidiano, com uma organização que permite visualizar os
acontecimentos, bem como identificar as escolhas feitas pelo autor para provocar sensações
no leitor. A notícia tem, entre outras, a finalidade de informar, tanto quanto possível,
objetivamente os fatos. Barbosa (2001) nos ajuda nesse entendimento, destacando algumas
singularidades desse gênero da esfera jornalística. Para essa autora, ―as proposições essenciais
da notícia dão conta de transformações (da ordem do fazer), deslocamentos (da ordem do ir)
ou enunciações (da ordem do dizer)‖. Nesse sentido, o ―universo da notícia‖ se constrói a
partir das ―aparências e não [d]o conhecimento essencial ou teórico (objeto das ciências e
afins), a não ser que se necessite aplicar esses conhecimentos para explicar ou contextualizar
fatos‖. Nesse caso, a ―estruturação geral visa, entre outras coisas, ‗mastigar‘ para o leitor a
informação, tentando tornar a notícia mais compreensível e mais fácil e rápida de ser lida‖
(BARBOSA, 2001, p. 186-187).
Essas descrições não se aplicam ao gênero do Caderno, denominado de notícia. Um
indicativo é que as vozes introduzidas parecem direcionar a exposição dos fatos, enquanto que
na notícia ocorre um movimento contrário: falas confirmam fatos detalhados.
A terceira atividade escolhida pela cursista pertence à Oficina 5, que retoma a Unidade
10 e aparece na Parte III – proposta de atividade – momento de organização dos professores
em duplas ou trios para planejamento de atividades concernentes à leitura, interpretação e
119
produção de textos, a partir de duas sugestões contidas no caderno. No caso da professora em
questão, a escolha foi a do texto 1.
Figura 24: AP Mix – Texto 3 (BRASIL, 2008b, p. 192)
120
Essa atividade, indicada para que os professores elaborem, em grupos, propostas para
o ensino da leitura, interpretação e produção, é uma estratégia benéfica do ponto de vista da
autonomia docente, uma vez que esses profissionais contam com saberes interconectados
advindos da formação acadêmica, profissional e em serviço durante a carreira. No entanto, o
objetivo esvazia-se quando rememoramos a estrutura adotada pelo Caderno, com toda a
didatização dos conceitos alinhada para a apreensão das sequências tipológicas e dos gêneros,
sendo estes últimos de forma textualizada.
Na ânsia de aproveitar as sugestões do Caderno e acreditando nos pressupostos
inovadores anunciados pelo GESTAR II, certamente os professores retrataram48, na
elaboração da proposta de ensino, abordagens metodológicas semelhantes às apresentadas
pelo TP3, fato que não nos surpreende, uma vez que ―a superficialidade teórica com que os
conceitos-chave foram tratados não proporciona subsídios apropriados‖ (SOCORRO, 2009, p.
140) para instrumentalizar o docente no trabalho com gêneros, conforme os pressupostos
bakhtinianos da linguagem.
4. 3 As orientações contidas na TP 3 para a prática do gênero RPP
Escrever, por mais que permeie a vida docente, é motivo de dificuldades para muitos.
Essa dificuldade é justificada se nos reportamos aos antigos modelos de ensino, nos quais o
ensino da gramática orientou as experiências de muitos dos professores hoje em atuação,
resultando, muitas vezes, em reproduções de modelos oferecidos nas aulas. Isso compromete
sobremaneira a instauração de práticas de ensino que viabilizem a proficiência autoral dos
alunos da educação básica.
É consenso, nos dias atuais, que a aprendizagem dos textos envolve ensino e
acompanhamento. Isso derruba discursos impregnados sobre a capacidade de escrever estar
vinculada à inspiração ou ao dom, porque sabemos que, de acordo com os pressupostos
bakhtinianos da linguagem, o fato de dominar alguns gêneros não significa que o autor
conseguirá produzir todos os solicitados a ele. Isso implica, naturalmente, na exigência de
ensino do maior número possível de gêneros em todos os níveis escolares. Geraldi (2010)
alerta que é preciso criar condições favoráveis para a efetivação da escrita; por isso, ―um
sujeito somente escreve quando tem o que dizer, mas não basta ter o que dizer, ele precisa ter
razões para dizer o que tem para dizer‖ (GERALDI, 2010, p. 98).
48
A análise do relato da professora que escolheu esta atividade, apresentado mais adiante, nos autoriza a fazer
essa afirmação.
121
Assim, a função da escola é preparar o aluno para, progressivamente, produzir
competentemente (oralmente e por escrito) gêneros diversos importantes para seu
desempenho na sociedade atual, tendo o professor como ―co-autor de seus alunos‖
(GERALDI, 2010, p. 99). Nesse sentido, Petroni (2008, p. 10), indica:
Uma exposição sistemática a diferentes enunciados, ou seja, a gêneros do
discurso socialmente constituídos é, ou parece ser, uma boa alternativa para
aproximar o aluno das diferentes formas de relacionar texto/discurso, uma
vez que o trabalho com gêneros discursivos torna possível estimular a
postura crítica do aprendiz ao desvelar as relações de forças presentes em
diferentes esferas da atividade humana, condicionantes do processo
interlocutivo.
Com isso, fica demarcada a responsabilidade do professor em promover situações de
aprendizagem favoráveis ao desenvolvimento da autoria dos alunos. Nesse contexto, surge a
questão: foram os professores preparados, na formação inicial, para tais exigências?
Em meio às múltiplas responsabilidades atribuídas aos docentes do século XXI, dentre
elas a apropriação competente de diferentes gêneros para favorecer o ensino em sala de aula, a
formação continuada configura-se como política de apoio aos educadores, visando suprir
algumas lacunas formativas, instrumentalizando-os, também, para a autoformação, uma vez
que neste universo, consoante Rafael (2001, p. 158), ―o professor constrói em sua prática,
conceitos, que já não são mais exatamente aqueles previstos pela teoria lingüística e/ou obras
de divulgação, mas são objetos próprios da situação de ensino‖.
No contexto da formação continuada, o GESTAR II, tendo a figura do professor como
principal agente de transformação, propõe o registro de suas experiências pedagógicas,
parametrizadas pelos AP. Dessa maneira, no TP3 o professor é incentivado a produzir dois
relatos, nomeados como ―Lição de casa‖, retratando a experiência em sala de aula com uma
das atividades sugeridas nos AP das unidades pares, as quais serão retomadas nas Oficinas 5 –
Unidade 10 – e 6 – Unidade 12, do mesmo Caderno. Na apresentação do Caderno do
Formador, há a seguinte orientação: ―o professor escolherá uma das atividades de uma das
unidades estudadas, as adaptará e aplicará em sua sala de aula, de acordo com o andamento
das turmas, e trará o relato para as oficinas, compartilhando-o em discussão com os colegas‖
(BRASIL, 2008c, p. 7).
Assim, na Parte II do TP3, as orientações para a produção do relato são apresentadas.
122
Figura 25: LC 1 e 2 (BRASIL, 2008b, p. 185 e 187)
Notemos que as indicações para a produção do gênero limitam-se a registrar a
experiência vivenciada, aspectos facilitadores e dificuldades encontradas (professor e alunos),
assim como a sugestão de manter a sinceridade no relato. Pensando na complexidade que
envolve os gêneros escritos, as orientações nos parecem insatisfatórias para um público
inabituado com registros vinculados ao fazer pedagógico. Não estamos negando, com isso, as
formas de escrita conhecidas e exercitadas pelos professores na formação acadêmica, que são
muitas, algumas das quais lembradas por Fiad e Silva (2009, p. 123):
A Universidade comumente valoriza e promove, entre os estudantes, a
escrita entendida como crítica, objetiva, impessoal e rigorosa. Uma escrita,
via de regra, vinculada à pesquisa, à leitura, à dissertação ou argumentação
sobre um tema, um autor, uma idéia qualquer. Em função disso, estão mais
comumente presentes no cotidiano acadêmico textos como o resumo, o
fichamento, a resenha, o relatório, o comentário crítico, o ensaio e a
monografia.
123
Na realidade, esses gêneros eram solicitados sem um tratamento que garantisse a
aprendizagem de suas especificidades, muitas vezes nomeados tendo por referência as
tipologias clássicas: narração, descrição e dissertação. Isso culminava, na maioria dos casos,
em aprendizagem quase autônoma dos textos solicitados, porque o discurso corrente na
universidade sinalizava para um conhecimento a ser adquirido na Educação Básica. Portanto,
se considerarmos que as experiências de produção desse momento da escolarização de grande
parte dos egressos do Ensino Médio foram semelhantes às externadas por Pereira (2009),
compreenderemos as razões da brevidade verificada em muitos registros docentes.
Quando penso nas atividades de produção textual desenvolvidas em sala de
aula, recordo-me imediatamente das aulas de Língua Portuguesa onde me
eram solicitados textos que invariavelmente passavam por narrar algum
acontecimento (pessoal ou da atualidade), re-contar uma história lida ou
ainda elaborar um conto com personagens previamente definidos pela
professora. Embora gostasse de escrever, essa tarefa apresentava-se para
mim sempre como um fardo, ao mesmo tempo em que me preocupava
sempre em estabelecer um padrão que tinha como intuito o de agradar à
minha única leitora: a professora (PEREIRA, 2009, p. 242).
Diante desse quadro de escrita sem finalidade na Educação Básica e de produções
(quase) autônomas na academia, não estranhamos o fato de os professores se sentirem
inseguros diante da solicitação de escrita dos gêneros próprios da esfera de sua atuação. Isso,
de alguma maneira, delega aos programas de formação continuada a responsabilidade pelo
ensino dos gêneros requeridos em suas propostas, oferecendo aos docentes instrumental para
a competente produção daqueles solicitados pelo órgão responsável. Dito de outro modo,
significa que, além de prepará-los para ―um trabalho que propicie aos alunos o
desenvolvimento de habilidades de compreensão, interpretação e produção dos mais
diferentes textos‖ (BRASIL, 2008a, p. 34), conforme explicitado no Guia Geral – GESTAR II
– deverá promover o ensino, pelos menos, dos gêneros exigidos dos cursistas, consolidando
assim os objetivos do Programa para os docentes, na ―busca de valorização profissional e
pessoal do professor, destacando as suas características e histórias particulares, a sua visão de
sociedade, de relações e de compromissos com ela‖ (BRASIL, 2008b, p. 34). Dessa maneira,
acreditamos que os docentes terão condições de elaborar seus RPP, projetando seus discursos,
revozeando contextos, situações e particularidades demarcadoras das escolhas constantes nos
registros, imprimindo neles marcas próprias de um sujeito circunscrito em ―determinado
horizonte espacial, temporal, temático e valorativo‖ (SILVA, 2009, p. 83).
124
4. 4 Condições de produção do relato no universo implementado
No contexto mato-grossense, o TP3, mesmo não sendo o primeiro da coleção, foi o
Caderno inicial a ser estudado pelos cursistas, seguindo orientações da equipe da UnB,
responsável pela formação dos formadores do Programa. No entanto, sobre o gênero relato,
apenas esclarecimentos superficiais foram dados pelos formadores vinculados à Universidade
da capital federal aos professores, responsáveis diretos pela condução dos trabalhos nos
municípios. Na realidade, o grande foco dos consultores nos encontros formativos realizados
na capital do Estado, momento em que todos os formadores designados para trabalhar com o
GESTAR estavam presentes, foi a apresentação dos Cadernos, com estudos de algumas
unidades para conhecimento dos conteúdos. Com isso, cada formador criou as suas estratégias
para facilitar a produção dos relatos, embora muitos desconhecessem o gênero como forma
estudada e exercitada na academia e nos programas ou projetos de formação continuada dos
quais participaram.
No polo de Juara, a formadora do Programa sugeriu um modelo, de acordo com o
conhecimento intuitivo que tinha do gênero, para orientar os cursistas na elaboração do relato.
A estrutura abaixo evidencia a tentativa de oferecer orientações, em meio à carência teórica
do material.
Quadro 11: Orientações para a escrita do relato (Acervo do CEFAPRO de Juara – MT)
A formadora, mesmo desconhecendo o processo de produção do gênero solicitado aos
cursistas, apresenta dicas mais demarcadas do que o material. Na realidade, podemos afirmar
ESTADO DE MATO GROSSO
SECRETARIA DO ESTADO DE EDUCAÇÃO
Centro de Formação e Atualização dos Profissionais
da Educação Básica do Estado de Mato Grosso
Pólo de Juara-MT
Gestar II Língua Portuguesa
Prof.cursista: ............................ Município: ............................ Turma: ...........
RELATÓRIO AVANÇANDO NA PRÁTICA TP:............... Unidade: ...................
Atividade desenvolvida: ex. Elaboração da Autobiografia p.25
Fase e ciclo/ano: ex. 3ª fase do II ciclo/6º ano
Relatar a experiência: Por que escolheu a atividade, procedimentos, recursos utilizados, envolvimento
dos alunos, aspectos facilitadores, dificuldades encontradas, resultado do trabalho, suas observações e
sugestões.
125
que as orientações contidas no TP3 figuram mais como ilustrativas do material do que
facilitadoras da produção do relato.
Observando a estrutura elaborada pela formadora, notamos que a orientação é
resultante da união da experiência pedagógica com alguns elementos contidos na Lição de
Casa, do TP3. A experiência da professora-formadora está explicitada em termos como os
delineados a seguir, presentes, comumente, nos planos de aula e nos projetos de ensino
desenvolvidos nas escolas:
- Por que escolheu a atividade, corresponde aos objetivos;
- Procedimentos, representam as etapas do trabalho a serem desenvolvidas em sala;
- Recursos utilizados, demonstram os materiais utilizados para desenvolver a proposta;
- Envolvimento dos alunos, figura como avaliação dos processos de ensino.
A voz do Caderno ─ Lição de casa ─ é identificada nas seguintes expressões:
―aspectos facilitadores, dificuldades encontradas, resultado do trabalho, suas observações e
sugestões‖. Além disso, a preocupação com aspectos composicionais dos RRP direcionaram a
formadora na criação de uma estrutura com dados identificadores da atividade escolhida pelo
cursista: cabeçalho com dados institucionais, menção ao Programa, nome do cursista,
município de origem, turma, explicitação do gênero (Relatório Avançando na Prática), TP,
unidade e nome da atividade desenvolvida e respectiva página.
Confirmando a influência de gêneros academicamente valorizados na esfera de
atuação profissional, a formadora denomina a exigência escrita de ―relatórios‖, sem atentar
para o discreto termo ―relato‖, suscitado apenas na ―Lição da casa 2‖. Aliás, ela, munida de
responsabilidades frentes às orientações nebulosas para a produção do gênero, ―revela uma
atitude autoral de aproximação a discursos de prestígio nesta esfera e, portanto, a procura de
um lugar de inclusão para o próprio dizer‖ (SARTORI, 2008, p. 87), referendado em suas
experiências profissionais e acadêmicas.
Conforme comentamos, a proposta para o desenvolvimento do Programa seria de um
ano no Estado, porém o trabalho foi reduzido a sete meses (de abril a novembro), fator que
comprometeu significativamente a qualidade da formação, uma vez que o seu
desenvolvimento exigia, além das oficinas (encontros presenciais), momentos individuais,
para estudo dos TP, realização de atividades dos AP com os alunos e produção do relato. Com
essas mudanças, a formadora de Juara fez alguns ajustes, principalmente quanto aos relatos.
Dessa maneira, optou por exigir os dois relatos do resultado da aplicação dos AP, de acordo
126
OFICINA
5
Unidade 10
OFICINA
6
Unidade 12
com o previsto no Programa, porém sendo um oral e outro por escrito, este último para
compor o portfólio dos inscritos no curso.
Essa atitude foi positiva, porque a socialização oral deixou os professores mais livres
para apresentarem suas experiências com o desenvolvimento dos AP e a troca de saberes
práticos era muito valorizada por eles, porque representava um momento de exposição de seus
sucessos, suas angústias, seus fracassos e suas dúvidas. Todavia, o compartilhamento dessas
situações sinalizava para a construção de novas estratégias de ensino, a partir da experiência
dos outros, de busca de outros saberes para responder às suas demandas de aprendizagem e de
―conforto‖ de situações tidas como problemáticas em sala de aula, requisitando alternativas
pedagógicas diferenciadas.
O esquema49 abaixo ilustra a organização contida no Programa: TP3 formado por 4
unidades – 9,10, 11 e 12 – 2 Lição de Casa, contendo orientações para a produção do relato e
2 Oficinas, cada uma contemplando duas unidades.
Figura 26: Estrutura do TP3
49
Construído com base na organização do TP 3.
Unidade 9
Unidade 10
Unidade 11
Unidade 12
127
Na realidade, os RPP representaram uma comprovação burocrática de que os AP
foram desenvolvidos em sala de aula; o foco da proposta centrou-se no estudo dos Cadernos –
5h para estudo individual e a distância ─ e execução de duas atividades das unidades
estudadas. Isso limitou, consideravelmente, qualquer tentativa do formador de trabalhá-lo,
propondo, inclusive reescritas. Aliás, a proposição de reescrita também ficaria fragilizada
nesse contexto, se considerarmos que o formador sequer foi orientado sobre o funcionamento
do gênero pelos consultores responsáveis pela sua formação. Além disso, no próprio material
não há espaço dedicado para estudo de tal gênero, como já mencionamos.
A seguir, faremos a análise dos relatos, demonstrando como as professores, em
circunstâncias particulares de ensino, constroem seus objetos de ensino e os retratam por
escrito.
4. 5 Análise dos dados gerados: desvelando os Relatos de Prática Pedagógica
Para situar os relatos, relembremos que a sua produção está ancorada em algumas
situações, a saber:
o GESTAR II de LP é um programa de formação continuada semipresencial –
MEC/UnB ─ com o propósito de melhorar o processo ensino e aprendizagem;
o Programa, em 2009, foi desenvolvido em todo o Estado de Mato Grosso;
os Cefapros, juntamente com as Secretarias Municipais, tornaram-se os principais
difusores dessa ação de formação;
participaram do Programa professores de LP, habilitados ou não, atuantes no último
ano do II ciclo e no III ciclo (ou 6º ao 9º ano do EF);
o TP3 foi o primeiro Caderno estudado, focando gêneros e tipos textuais, momento em
que ocorreu o primeiro ensaio do relato escrito;
dentre as propostas metodológicas do Caderno – AP – duas deveriam ser escolhidas
para aplicação em sala de aula e apresentadas como relatos das experiências pedagógicas
realizadas;
no polo juarense, optou-se por exigir apenas um relato escrito, devido à restrição
temporal para desenvolvimento das ações do Programa;
a formadora do Programa entregou, no primeiro encontro, um modelo com algumas
orientações para a produção do relato; todavia, desconhecia as especificidades do gênero, uma
vez que o mesmo sequer foi abordado na formação oferecida pelos consultores da UnB.
128
Esses aspectos interferiram, em boa medida, na escrita dos textos, evidenciando,
singularmente, como o sujeito inscreve seus dizeres sobre objetos de ensino, em contextos
particulares e mediados por interlocuções próprias da esfera da formação continuada, na
interface com a escolar.
Apesar da constituição autoral singular de cada professora escolhida por nós, o
aligeiramento do processo de formação no Estado (7 meses), a dissonância entre as
concepções anunciadas pelo GESTAR II e o real tratamento teórico-metodológico, a ausência
de orientações para a elaboração do relato comprometeram significativamente não só o
desenvolvimento das atividades em sala de aula, como também os registro desse processo.
Na sequência, apresentaremos a análise dos relatos, evidenciando de que maneira, as
professoras, mesmo submetidas a essas condições de produções, elaboram seus registros,
estabelecendo diálogos com vários outros interlocutores.
4. 5. 1 RPP 1: Letra de canção
Ludmila se pronuncia, no primeiro parágrafo, localizando a unidade, mencionando que
fez a leitura do TP designado e escolhendo, dentre as alternativas, abordar a música. Para
justificar tal opção, destaca alguns vocábulos mobilizados pela relação escrita/sonoridade,
como interesse, prazer e reflexão.
Tendo como referência o AP letra de canção, denominada no Caderno de letra
musicada, apresentamos o relato produzido pela professora Ludmila.
129
Relato 1: Letra de canção
A professora autora revozeia, na sua opção didática, o que, intuitivamente, todos
sabemos: a presença constante da música na vida das pessoas. Nesse sentido, Jourdain (1998,
p. 334) enfatiza que somos bombardeados diariamente por diferentes gêneros musicais em
vários espaços e que a música está ligada às nossas experiências, porque ela ―expressa coisas,
conta uma história‖. Padilha (2005, p. 91) assegura que
[...] a presença da canção na vida dos povos possuiu e ainda possui
significado bem longínquo de quaisquer abstrações a que possamos nos
apegar na modernidade, tem natureza antropológica, fez e faz parte
integrante e essencial da vida de todo dia, do ritmo de trabalho, da
interpretação das fases a que estão submetidos os membros dos diversos
grupos sociais. Pensemos, dessa forma, nos cantos de trabalho, nos cantos de
guerra, de colheita, de semeadura, de vindima, de amor, de luto.
130
Nessas considerações, percebemos a forte influência da música em diferentes tarefas e
etapas da evolução humana. O certo é que, de uma maneira ou de outra, transmutando-se ou
mantendo raízes, as canções mantiveram-se presentes na vida das pessoas, como componente
muitas vezes da própria corporeidade. Na educação brasileira, a música, muito mais a letra de
canção, é inserida nos currículos com as mudanças ocorridas na década de 1970,
principalmente com a Lei de Diretrizes e Base 5.692/71, momento em que houve uma
reconfiguração do ensino e, consequentemente, outros gêneros, diferentes dos canônicos,
adentraram os espaços escolares.
Observando todo este cenário e retomando a proposta da seção 2, da Unidade 10,
notamos que a professora dialoga como os enunciados apresentados pela autora, para abordar
o gênero letra de canção, exemplificado pela composição de Chico Buarque: Construção.
Talvez nesse momento, ela, movida por propósitos educacionais de aproveitar as
possibilidades didáticas do gênero, observe as preferências dos alunos por sons, para
introduzir melodias com teor distinto daquele apreciado por eles, porém com a finalidade de
oferecer outros estilos. Isso, de alguma forma, atesta a intenção declarada de Ludmila nas
partes finais, do parágrafo, ao comprovar as razões de sua escolha, no caso, música: chama à
atenção por exercer interesse, despertar prazer e reflexão nas pessoas.
No trecho seguinte, a professora seleciona a letra de canção, marcada pela
pessoalidade da forma verbal escolhi. Ao fazer isso, assume a responsabilidade por tal ação e
enumera os argumentos se tal escolha, destacando a díade conteúdo tematizado na música e a
variedade linguística utilizada.
RPP 1 – trecho 1
Notamos que a professora ―respeita‖ a orientação inicial contida na atividade, que
indica a escolha da letra baseada em sua percepção do que é atraente para os alunos,
respondendo ativamente ao proposto. Ao se responsabilizar pela seleção da letra, conforme o
AP propõe, elenca vários motivos de ordem curricular-pedagógica no ensino de LP. Neste
caso, temos materializado o alerta emitido na análise do AP, no item 4. 2. 2, deste capítulo,
quando apontamos fragilidades na sugestão de escolha baseada em preferências docentes, a
131
qual pode comprometer o trabalho com gênero, uma vez que os interesses musicais dos
adolescentes são distintos dos gostos da maioria dos professores. Não estamos, com isso,
afirmando que não haverá resultados favoráveis à aprendizagem; no entanto, acreditamos (e
nossa experiência já comprovou isso) que incluir os alunos nesse processo de seleção é o
melhor caminho para promover as reflexões sobre o gênero, encaminhando as análises no
contexto das interações escolares.
Diante de tal situação, consideramos pertinente que o Caderno tivesse mobilizado o
conceito de ZPD, formulado por Vygotsky (1998 [1930]), para a identificação de conceitos
construídos pelos alunos e daqueles que ainda requeriam intervenções do professor. Com o
mapeamento dessas aprendizagens, o docente, em sua função mediadora, tem elementos para
decidir sobre as melhores abordagens e estratégias para atingir objetivos de ensino esperados
para aquele momento da escolarização. Por essa via, a proposta de ensino da letra de canção
seria ressignificada no diálogo entre alunos/AP/professor, sendo este último responsável pela
elaboração de novos objetos de ensino no contexto de sua atuação.
A música ―Asa Branca‖, interpretada por Luiz Gonzaga e composta pelo músico em
parceira com Humberto Teixeira, escolha de Ludmila, tem um teor saudosista, carregado de
termos próprios da oralidade, como: ―oiei, preguntei, fornaia, prantação, farta, inté, pra mim,
pro, óio, espanhar, vortarei‖. Expressões dessa natureza sempre foram objeto de desprestígio
na educação brasileira, porque contrariam princípios da variedade padrão eleita como a única,
agravando-se a partir do momento em que a ―massa‖ teve o direito à escolaridade assegurado
pela legislação brasileira. Com isso, o discurso da sociolinguística ganha notoriedade nos
espaços educacionais, conferindo status à variedade, e redireciona reflexões no sentido de
entender os fenômenos da variação para, assim, tratá-la de maneira pertinente no ambiente
escolar. Talvez a escolha da professora represente o que Lemes (2009, p. 141) detecta ao
analisar o discurso autoral em dois livros didáticos do Ensino Médio: ―em certa medida,
trabalhar as variantes numa perspectiva que leve os alunos a terem outro olhar para sua
língua, observando seus diferentes usos em diferentes contextos‖.
Adentrando o relato de Ludmila, ela menciona com qual turma desenvolveu a proposta
e as etapas do trabalho com a letra de canção.
132
RPP 1 – trecho 2
Em uma rápida comparação com o AP escolhido pela professora, notamos que ela não
o segue fielmente, todavia mantém o discurso oficial do livro didático e da experiência
profissional, referendada, em boa medida, pela formação inicial. Mesmo que tente demonstrar
inovações no tratamento do gênero, Ludmila deixa transparecer em suas escolhas a tensão
entre as vozes: GESTAR II x formação continuada x experiência pedagógica.
O quadro abaixo é uma tentativa de demonstrar similaridades e distanciamentos da
proposta do AP.
AP – Letra de Canção Experiência da professora
1. Leve aos seus alunos uma letra
musicada - que você considere atraente para
a idade deles – e cante com eles,
acompanhando a música e seguindo a letra
por escrito.
... escolhi Asa Branca de Luiz Gonzaga por
apresentar um conteúdo riquíssimo para
análise.
... apresentada a música digitada, pedi que
fizessem a leitura do texto.
2. Faça com eles uma interpretação do
texto, em termos de tema, autor/leitor/ouvinte,
formas de expressão, aspectos da construção
dos sentidos, ideias sugeridas e/ou explícitas,
e tudo o mais que achar interessante e
pertinente – inclusive as razões por que os
alunos gostam, ou não, da canção.
Após a leitura solicitei para que os educandos
falassem sobre o que compreenderam, para
que pudéssemos identificar o tema.
3. Compare com algum outro texto que
tenha sido trabalhado sobre o mesmo tema,
ou com o mesmo aspecto formal (poesia).
Para introduzir a explicação sobre as
características desse gênero textual chamado
música, solicitei que observassem a estrutura
do texto, os educandos fizeram as seguintes
observações: o texto apresenta estrofes e 4. Provoque uma reflexão sobre a
compatibilidade entre oralidade e escrita e
133
sobre o fato de que alguns gêneros podem ser
realizados pelas duas modalidades enquanto
outros só ocorrem oralmente.
versos, compararam com o poema, também
literário.
Após vários comentários, solicitei que
respondessem um questionário para que
melhor analisássemos a música.
5. Identifique com eles quem é o autor
(ou autores) e quem são os ouvintes/leitores a
que se destina o texto-canção.
6. Identifique algum traço linguístico
que marque o destinatário da canção, como,
por exemplo, gírias ou terminologias
específicas.
Perceberam o vocábulário dito ―incorreto‖,
dando abertura para a explicação sobre este
recurso que foi utilizado pelo autor.
7. Leve-os, sobretudo, a reconhecer que
os gêneros textuais estão em toda parte, não
apenas na escola.
Quadro 12: AP versus experiência docente
O AP sugere um roteiro para o tratamento do gênero, todavia a professora autora lhe
dá tom próprio ao excluir algumas etapas e desenvolver um percurso próprio, mesmo não
apresentando inovação. Socorro (2009, p. 113) lembra que é comum, nos espaços educativos,
na ânsia de melhorar sua prática, grupos de professores se apropriarem das ―propostas de
inovação da atual pedagogia para língua materna e comete[re]m equívocos ao relacioná-las
com o trabalho tipológico e estrutural dos textos a que estão habituados‖.
Quando Ludmila afirma: “escolhi Asa Branca de Luiz Gonzaga por apresentar um
conteúdo riquíssimo para análise”, embora devesse considerar interesse dos alunos, nessa
situação específica, ela dá voz à professora, licenciada, com experiência na educação,
revestida de ―autoridade‖ de uma profissional consciente das escolhas no universo descrito,
que as faz mediadas pelos anos de atuação em sala de aula, respaldadas também no processo
vivenciado na graduação.
Ao descrever o percurso de análise da letra de canção, a professora evidencia um
tratamento focado na estrutura composicional do gênero, verificado nos seguintes trechos:
solicitei que observassem a estrutura do texto; o texto apresenta estrofes e versos;
compararam com o poema, também literário. Obviamente, a autora reproduz abordagens
verificadas nos livros didáticos, voltadas para aspectos formais e, muitas vezes, como pretexto
para estudos gramaticais, o que, em tese, faz com que a ―atividade se esgote nela mesma‖,
consoante Padilha (2008, p. 35). Na realidade, além de revozear particularidades da vivência
profissional, inclusive com o livro didático, ela parece dar visibilidade à forma como esse
conteúdo fora trabalho no período de sua escolarização. É como se o dizer da professora fosse
orientado pelo ―já dito‖, constituindo-se como réplica de enunciados anteriores.
134
Ainda Padilha (2005), ao analisar o tratamento didático dispensado ao gênero letra de
canção no processo de ensino, questiona a abordagem feita pelos livros didáticos e lembra
que, muitas vezes, o roteiro segue a audição e leitura das letras das músicas. E as abordagens
posteriores? Será que envolvem um ―trabalho que explore o gênero como pertencente a um
espaço discursivo, que leve o aluno a se informar e/ou refletir sobre esses espaços e suas
formas de produção, circulação e recepção?‖ (PADILHA, 2005, p. 95).
Percebemos, ainda, no trabalho com a letra de canção feito por Ludmila, o quanto os
resquícios do ensino normativo direcionam as suas práticas pedagógicas, mesmo quando a
perpectiva assumida é a dos gêneros. Nesse sentido, concordamos com Magalhães (2004), ao
apresentar algumas constatações advindas da própria experiência com a formação de
professores. Para essa autora,
[...] os modos como a linguagem vem sendo enfocada nos contextos de
formação nem sempre possiblitam aos participantes a descontrução de
representações tradicionais que têm uma sólida base em uma pedagogia que
entende ensino-aprendizagem como transmissão e devolução de
conhecimentos e está apoiada em um conceito estruturalista da linguagem
(MAGALHÃES, 2004, p. 47).
Para romper com construtos teórico-metodológicos oriundos de uma formação de
cunho estruturalista, é consenso entre estudiosos da formação a necessidade de viabilizar
condições para que o profissional consiga, com relativa segurança, autonomia na prática
pedagógica. Esse discurso tem se configurado como o marketing dos programas de formação
continuada, inclusive do GESTAR II de Língua Portuguesa50. Todavia, nas constatações de
Socorro (2009, p. 140), ―a preocupação maior do material sempre recaiu sobre a forma
composicional (especificamente, os aspectos estruturais)‖, impedindo avanços significativos
no tocante ao trabalho com gêneros nas escolas. Essa constatação pode ser observada naquilo
que Ludmila relata como tendo sido sua prática no desenvolvimento do AP.
Bunzen (2006) alerta que, nesse contexto de inseguranças vivido pelos professores no
tocante ao ensino inovador, é preciso atenção. Tomamos por empréstimo suas palavras para
justificar que ―corremos o sério risco de enfatizar muito mais uma metalinguagem no nível
do texto, perdendo de vista os efeitos de construção de sentidos‖ (BUNZEN, 2006, p. 152),
em nome de uma mudança apenas no plano do discurso.
50
Essa afirmação se torna particularmente fundada ao verificarmos que o Programa tem como objetivo principal
a melhoria do processo ensino-aprendizagem, articulando teoria e prática, na perspectiva dos gêneros discursivos
(BRASIL, 2008a).
135
Voltando ao relato, atentamos para o seguinte enunciado: Perceberam o vocabulário
dito “incorreto”, dando abertura para a explicação sobre este recurso que foi utilizado pelo
autor. Neste caso, a professora indica que os alunos constararam a ―irregularidade‖ linguística
no texto, propiciando esclarecimentos sobre tal fenômeno. Mais um vez, um posicionamento
docente, de alguma forma, próximo a concepções de que a escola deve privilegiar a norma
padrão, invisibilizando as demais variedades. Essa afirmação encontra respaldo nas escolhas
lexicais de Ludmila quando usa o termo ―dito‖ e cita ―incorreto‖ entre aspas. É como se ela
concordasse com as teorias defensoras da contemplação dessa variedade na escola, porém
ainda se encontra pressionada pela supremacia da norma culta, apregoada como bem maior
das instâncias educativas. Nesse caso, podemos dizer que ao se posicionar, o falante revela
―ideologias que permeiam o conteúdo vivido nas esferas discursivas‖ (FARACO, 2003 apud
SILVA, 2009, p. 28).
Outro aspecto, a nosso ver relevante, foi o fato de constar um questionário a ser
respondido pelos alunos como condição para ―melhor‖ analisar a música. Mais uma vez,
vemos referendada a presença do livro didático nas etapas de trabalho com o texto. É como se
a tradição ainda determinasse a forma de abordar o conteúdo que se tornará conhecimento,
com medidas próprias de um ensino baseado na memorização de conceitos. Nesse sentido,
apropriando-nos das considerações de Lemes (2009, p. 148), concordamos que a professora
―não desconstruiu, plenamente, a abordagem tradicional. Talvez a refutação não tenha se dado
completamente, porque seu discurso está atravessado pelo discurso da tradição‖.
Chamou-nos a atenção também o fato de que, embora o trabalho tenha ocorrido em
três turmas diferentes – O texto foi trabalhado na 1ª fase do III ciclo – 7º ano, em três turmas
distintas – o relato sugere que as reações dos alunos foram semelhantes. Sabemos da
impossibilidade de tal situação. Partindo do pressuposto de que os sujeitos são únicos,
certamente os enunciados serão singulares e irrepetíveis, e com compreensões responsivas
distintas. Para Sobral (2009, p. 24), ―todos os atos têm em comum alguns elementos: um
sujeito que age, um lugar em que esse sujeito age e um momento em que age‖.
Apenas no paragráfo final, a professora sinaliza a presença significativa de um dos
parceiros da comunicação discursiva — a aluna nordestina — e confere a ela status superior,
ao citar sua contribuição na aula. No dizer de Ludmila: Durante as atividades, surpreendeu-
me o fato de uma das alunas, que é nordestina, tecer ricos comentários sobre o autor Luiz
Gonzaga.
136
Nesse sentido, Paes de Barros (2008, p. 29) lembra que, ―em seu planejamento, o
professor deve observar as necessidades de aprendizado e as possibilidades de ensino de cada
conteúdo a ser trabalhado‖. Assim, é possível prever os saberes já consolidados pelos alunos e
aproveitar conhecimentos deles para enriquecer o tratamento dos conceitos, de maneira
organizada. No caso descrito, a docente, desconhecendo o domínio da aluna a respeito da
realidade estudada, perde a oportunidade de possibilitar a construção de habilidades, além da
costumeira conversa espontânea, e de exercer seu papel mediador no processo de ensino,
conforme sugere a perspectiva vygotskiana (1998 [1930]).
Notamos, na tessitutura do relato de Ludmila, uma tentativa apressada, objetiva e até
distanciada de apresentar a sua experiência. Pressupomos uma forma de responder às
exigências do Programa, produzindo o relato, sem necessariamente se expor em demasia e
denunciando, em meio a tantos fatores condicionantes do processo educativo, duas situações:
a falta de domínio do gênero e o tempo reduzido destinado às atividades extraclasse, como,
por exemplo, a produção docente.
Em relação à exposição profissional, Sartori (2008) questiona a razão de tamanho
silenciamento no tocante às experiências pedagógicas e sugere que uma das possíveis causas é
a culpabilização docente, recorrente na sociedade, pelo fracasso escolar. A mesma autora
ainda indica outra situação:
Escrever sobre a própria prática exige expor-se, mostrar-se ao outro. Falar
sobre a prática pedagógica é também falar de si mesmo. Narrar o que
acontece é mostrar ao outro as próprias convicções, os acertos, os erros. Não
é tarefa fácil escrever sobre a prática pedagógica porque, ao fazer isso, as
contradições entre o que se pensa e o que se faz podem deixar-se à mostra no
discurso para o outro (SARTORI, 2008, p. 130-131).
Além disso, ―olhar‖ para a própria prática, registrando-a, certamente não fez parte da
formação acadêmica da maioria dos professores, justificando os resquícios evidentes de
outros gêneros da esfera acadêmica presentes no relato de prática, como, por exemplo,
relatórios de estágios e TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), marcados pela objetividade e
impessoalidade, resultando também na inabilidade concernente à produção do gênero relato,
fato constatado no estilo empregado por Ludmila e agravado pela ausência de orientações no
TP3.
Podemos entender, ainda, que a generalização adotada pela professora-autora pode
representar a falta de tempo docente para as atividades extraclasse, uma vez que, no Estado de
Mato Grosso, os docentes efetivos, com jornada de 30 horas semanais, contam com 10 horas-
137
atividades para planejamento de aulas, atendimento aos alunos com dificuldades e
participação na formação continuada51. Em tese, isso gera ansiedade nos profissionais que,
muitas vezes, respondem às exigências institucionais sem as reflexões desejadas e necessárias,
culminando em resultados semelhantes aos presentificados no relato de Ludmila.
4. 5. 2 RPP 2: Mix textual
Tendo como parâmetros várias atividades (unidade 11 e oficina), denominadas por nós
de Mix textual, Ingrid inicia seu relato reacentuando a citação clássica do educador Paulo
Freire – a leitura do mundo precede a leitura da palavra – dando-lhe status de mestre. O uso
das aspas demarca visivelmente a palavra do outro, neste caso o educador de renome
internacional, deixando evidente um posicionamento de confiança, aceitação reverente e
concordância com o discurso escolhido (BAKHTIN, 2003 [1952-53]). Isso implica no
discurso objetivado, abertamente citado, marcado dialogicamente como ―a enunciação de uma
outra pessoa‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929]).
No segundo parágrafo, a professora cita a leitura como fator importante no processo de
aquisição do conhecimento, elegendo a diversificação de gêneros, para, finalmente,
mencionar que fará a apresentação do trabalho, especificando a turma.
Retomando o período introdutório desse parágrafo, a afirmação de Ingrid – sabemos
que a leitura é a base para apreensão do conhecimento ─ pressupõe seu envolvimento com
os defensores de tal pressuposição. De alguma maneira, ela dialoga com outras instâncias que
pesquisam o assunto, demonstrando concordância com pressupostos de que a leitura é um dos
sustentáculos do ensino de LP.
Observemos o relato produzido por Ingrid.
51
Essa situação está amparada pela Lei Complementar nº 50, de 1º de outubro de 1998, alterada pela Lei
Complementar nº 104, de 22 de janeiro de 2002, Art. 38, § 1º, p. 74.
138
Relato 2 – Mix textual
139
Notemos que a estrutura adotada nos dois primeiros parágrafos se assemelha à
introdução dos gêneros da esfera acadêmica, quando ocorre a exposição de conceitos teóricos,
aliados aos interesses de pesquisa, e explicitação do teor do texto, por meio da apresentação
do formato do desenvolvimento. Essa escolha, de alguma maneira, no dizer de Sartori (2008,
p. 87), ―revela uma atitude autoral de aproximação a discursos de prestígio nesta esfera e,
portanto, a procura de um lugar de inclusão para o próprio dizer‖, já que o TP 3
desconsiderou, explicitamente, a importância de orientações concernentes ao gênero a ser
produzido.
140
Após mencionar que apresentará “resultado das atividades realizadas como os
alunos”, a professora descreve as quatro atividades trabalhadas sem, contanto, detalhar
resultados, conforme anunciado.
Para facilitar a análise, retomamos os trechos do relato. A primeira atividade está
subdividida com a finalidade de garantir a proximidade das reflexões ao texto da autora.
Atividade 1 – trecho 1
No excerto, Ingrid situa a atividade no TP, embora não dê outros detalhes, como se o
leitor compartilhasse do contexto mencionado. A esse respeito, Bakhtin/ Voloshínov (1926)
atestam que o contexto extraverbal compartilhado pelos participantes da interação é
fundamental para a construção dos sentidos. Dessa maneira, ―o horizonte espacial comum
entre os interlocutores; o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos
interlocutores‖ (BAKHTIN/ VOLOSHINOV, 1926, p. 5) corroboram a compreensão do(s)
não-dito(s). Podemos dizer que a professora autora se apoiou no conhecimento que ambas (ela
– produtora do enunciado – e a formadora do Programa – interlocutora imediata) possuíam do
material para dispensar especificações técnicas da atividade.
Ainda no trecho anterior, a docente apresenta os objetivos da proposta: um ligado ao
universo literário, outro de cunho normativo, representando conceitos do planejamento
bimestral da escola de origem. Embora haja intenção de valorizar aspectos literários da obra,
Ingrid é ―subjugada‖ pela proposta da seção52, formatada para a identificação dos tipos
descritivos e narrativos no texto, e não deixa evidente se promoveu apreciação artístico-
literária do texto. Neste caso, permanece a velha máxima: o texto como pretexto para ensino
da gramática.
52
Consideramos importante relembrar que a Unidade 11 aborda ―Tipos Textuais‖, portanto todas as
atividades das seções (três, neste caso) abordarão as sequências tipológicas, como: narração, descrição,
injunção, predição, exposição, argumentação/dissertação.
141
Atividade 1 – trecho 2
Nesse apontamento, a professora apenas revela que o conhecimento do autor do texto
em questão foi obtido mediante a leitura da fonte ofertada pelo TP 3, um tanto limitada no
nosso entendimento, pois restringe-se a citar dados de nascimento, morte e obras principais.
Demonstra ainda, a forma de abordagem preparatória para a leitura do fragmento textual,
deixando dúvidas quanto aos procedimentos adotados para motivar os alunos e estimular seus
interesses.
Atividade 1 – trecho 3
Nesse enunciado, a autora evidencia a apresentação do tema do texto aos alunos;
todavia, percebermos que as reflexões centraram-se na busca do assunto, uma vez que o
material não trabalha com a ideia de conteúdo temático ou tema, conforme concepção
bakhtiniana da linguagem, constatação feita por Socorro (2009) em sua análise. A partir de
então, o estudo dos parágrafos ganha finalidade estrutural, com a localização de recorrência
do objeto de estudo da seção: narração e descrição.
A atividade subsequente, embora designada de produção textual pela autora-criadora,
é definida como ―reescrita‖ pelo Caderno de Teoria e Prática, o que não alterou
significativamente a abordagem feita pela professora, considerando-se, mais uma vez, sua
preocupação com ―o tratamento estrutural em detrimento do fator enunciativo-discursivo das
formas textuais‖ (SOCORRO, 2009, p. 115).
142
Atividade 2
As duas atividades – 5 e 6 – trazidas até o momento, demonstram como a autora do
relato se apropria de sugestões contidas no Caderno para seu processo formativo, como
cursista, e as inclui no planejamento de suas aulas, objetivando responder também às
exigências institucionais pedagógicas. Nossa afirmação justifica-se pelo seguinte enunciado:
um dos conteúdos planejado para o bimestre.
É notória a crença nos pressupostos inovadores anunciados pelo material, tanto que
Ingrid revozeia os enunciados das atividades no registro que faz, deixando evidências nos
trechos repetidos das atividades. Para confirmar essa constatação, elencamos no quadro a
seguir as atividades descritas, da forma como aparecem no relato e a estrutura apresentada na
Unidade 11, seção 1 - TP 3.
Ativ. Proposta do TP 353
Evidência no relato
1
1. Sublinhe com um traço reto (ou azul) as
sequências descritivas no texto acima.
2. Sublinhe com um traço ondulado (ou
vermelho) as sequências narrativas do trecho
acima.
3. Destaque, no texto, algumas palavras e
classes gramaticais que indicam as sequências dos
eventos nos trechos narrativos.
4. Destaque, no texto, algumas palavras e
classes gramaticais que indicam as sequências dos
eventos nos trechos descritivos.
... estudo detalhado dos parágrafos
identificando as sequências narrativas e
as sequências descritivas, bem como
palavras e classes gramaticais que
indicam a sequência dos eventos nos
trechos narrativos e descritivos
2
... inserir adjetivos para descrever a passageira.
... reescreveu o texto acrescentando
adjetivos para descrever a passageira e o
ambiente.
Quadro 13: AP versus Relato
Percebemos, nos exemplos, a convergência de vozes entre a professora-autora e o
material didático, como numa estilização, uma forma de incorporar o discurso alheio sem
demarcações explícitas, consoante Fiorin (2008).
53
Para encontrar as propostas na íntegra, sugerimos consulta ao item 4. 2. 2 deste capítulo.
143
A terceira atividade desenvolvida pela professora autora tem como base o AP da seção
em questão; todavia, tem um tom próprio, representando a tentativa de alcançar a autonomia
autoral em relação à proposta do TP 3.
Atividade 3
Embora a proposta textual esteja centrada na compreensão das sequências descritivas,
há uma estratégia distinta das escolhidas pela professora até o momento, pois, neste último
caso, é notória a liberdade dos alunos para descreverem a situação projetada em sala de aula e
participarem do momento da leitura – enquanto um lia outro reorganizava os objetos de
acordo com a disposição lida.
Segundo nosso olhar, a autora-criadora levou em consideração sua experiência
pedagógica e as características do grupo de estudantes para criar a situação de aprendizagem.
Neste caso, temos presentificado, minimamente, o conceito de mediação (VYGOTSKY, 1998
[1930]), pois a professora criou situações em que os alunos se tornaram copartícipes do
trabalho pedagógico, a partir de seus saberes no contexto de sua atuação e da sala de aula.
Para Tardif (2002, p. 64),
[...] os professores utilizam constantemente seus conhecimentos pessoais e
um saber-fazer personalizado, trabalham com os programas e livros
didáticos, baseiam-se em saberes escolares relativos às matérias ensinadas,
fiam-se em sua experiência e retêm certos elementos de sua formação
profissional.
Outro aspecto a considerar é que, pela primeira vez no texto, Ingrid apresenta sua
apreciação valorativa da situação descrita, mencionando interações significativas ocorridas a
144
partir da atividade realizada, explicitadas em alguns trechos como: essa atividade foi bastante
participativa; alunos ficaram atentos; a maioria conseguiu realizar toda a atividade. Nesse
momento, temos também a evidência de que a atividade foi de alguma forma, comprometida
pela falta de tempo. Essa limitação de tempo pode ser advinda da matriz curricular, que ainda
mantém uma rigidez organizacional sobre a quantidade de aulas e sua distribuição, e da
estrutura do GESTAR II, com prazos para cada TP, limitando a exploração dos AP, em
consonância com a realidade dos alunos de cada professor-cursista. Isso fez com que os
participantes se limitassem a responder apenas às exigências do Programa, resultando em
relato de um processo colado às propostas dos Cadernos.
A última atividade, esta uma proposta contida na Oficina 5, do TP 3, revela como a
professora, a partir das sugestões criadas em grupos no encontro presencial, desenvolve um
percurso particular de abordagem do gênero, observando ainda, significativamente, algumas
dicas contidas no Caderno.
Atividade 4
A cursista situa o texto, focando o gênero sem, obrigatoriamente, detalhar
unidade/seção/oficina ou página, confirmando a afirmação anterior de que essa incidência se
deve ao fato de haver compartilhamento da situação pelos interlocutores imediatos da
145
situação discursiva. Depois, assumindo os pressupostos educacionais, apresenta o objetivo da
atividade, situando-a no universo literário, deixando explícito que abordará características
artísticas que ultrapassam as significações objetivas da realidade.
No parágrafo seguinte, a professora cita o tratamento inicial dado ao texto,
estimulando a participação dos alunos na discussão, a partir de um assunto depreendido no
poema — trabalhadores brasileiros — lembrando que ―trabalho‖ é o eixo temático condutor
dos conteúdos do Caderno.
Outra situação trazida, endossada pelas dicas contidas no Caderno, foi a exploração
dos lugares citados no texto de Manuel Bandeira. Com isso, Ingrid centra a atenção na
abordagem do texto representada pelo enunciado: identificar o tema do poema, o modo de
organização do discurso e os recursos linguísticos utilizados.
A proposta de produção, de alguma forma, reafirma as orientações do TP3 que, ao
longo das unidades apresentou sugestões em que os gêneros podem ser aprendidos,
observando as regularidades textuais, e situações em que o mesmo assunto pode gerar vários
gêneros, como se isso fosse suficiente para dominá-los em sua plenitude. Lembramos que a
professora-autora ainda tenta demonstrar a composição da notícia de jornal para a apropriação
de recursos estilístico-composicionais, com a finalidade de preparar os alunos para a re-
elaboração do poema, transformando-o no gênero jornalístico.
Mesmo com os esforços empreendidos pela docente para a produção da notícia,
notamos certo desconforto de Ingrid ao relatar que nem todos conseguiram a esperada
produção, porque alguns ―emitiram opinião ou comentário sobre a personagem”, aspectos
não esperados no gênero.
Salientamos que, em boa medida, embora a professora rejeite as propostas dos AP do
Caderno, criando a sua proposta, faz isso seguindo as orientações das atividades escolhidas,
com poucas modificações. Nesse sentido, todas as atividades realizadas, de alguma maneira,
respondem às exigências oficiais do Programa protocoladas para cada unidade, demonstradas
em vários trechos do relato.
Identificamos nessa situação o GESTAR II de LP interpelando a ―inovação‖, todavia
condicionando o professor-cursista a seguir integralmente as sugestões de atividades, sem
conseguir uma posição exotópica necessária às reflexões aprofundadas. Analogamente,
podemos dizer que é como se essas vozes influenciassem significativamente o cursista na
manutenção do discurso do Programa, mantendo ―as coisas juntas, unificadas, iguais‖
(CLARK e HOLQUIST, 2008, p. 35), sem interferência na aplicação das propostas.
146
Na realidade, os ―docentes sabem o que devem fazer para melhorar a qualidade do
ensino que é ofertado, mas, obviamente, existe uma diferença entre conceber e realizar uma
prática diferenciada de fato‖ (PETRONI e SOCORRO, 2009, p. 223). Essa dificuldade de
tradução de práticas os coloca na condição de grandes disseminadores das propostas de
formação continuada, em nome da inovação do ensino, sem, muitas vezes, compreender os
fundamentos de tais propostas. Na contramão, em razão da falta dessa clareza conceitual pelos
professores, grandes projetos ou programas de atualização ―morrem‖ assim que finalizam,
porque os participantes não construíram autonomia suficiente (e o material nem sempre tem
essa preocupação) para contemplar aspectos de um currículo em movimento.
Em se tratando de relato, constatamos a apropriação de alguns elementos importantes
desse gênero, próprio da esfera da formação continuada, como marcas de sequencialidade dos
fatos, recorrentes em praticamente quase todos os parágrafos: a primeira atividade (3º §),
inicialmente (4º §), em seguida (5º §), outra atividade (7º §), terminada a escrita (8º §), no
segundo plano de aula (9º §), a leitura do texto foi precedida (10º §), após as discussões (11º
§).
No texto, a professora-autora assume sua voz no plural, numa espécie de
compartilhamento de responsabilidade pelos enunciados proferidos, observados em algumas
marcas, como: sabemos e apresentamos (2º §), desenvolvemos (4º §), trabalhamos (9º §). Ao
citar os dois termos, contidos no segundo parágrafo, Ingrid parece dialogar com possíveis
leitores de seu relato; já quanto aos vocábulos do quarto e do nono parágrafos, parecem
demonstrar a forma como aconteceram as atividades, explicitando interações com os alunos,
na sala de aula: desenvolvemos a leitura da biografia do autor; trabalhamos com o gênero
poema.
É notória também a evidência de distanciamento entre a autora e seus interlocutores,
em expressões como: foi feita a leitura integral do texto (5º §); realizou-se o estudo detalhado
dos parágrafos (5º §); foi realizada a leitura de outro texto (6º §); a professora dispôs vários
objetos (7º §), foram realizadas atividades (11º §). As escolhas denotam a não participação da
professora nas atividades enunciadas, como se assumisse sua onipresença na situação, sem
envolvimento explícito. No sétimo parágrafo, ela sai, efetivamente, de cena e assume a
terceira pessoa ─ a professora dispôs vários objetos ─ negando sua participação no processo.
Pela análise desse relato é possível concluir que, mesmo com as escolhas de propostas
de ordem formativo-pessoal, excluindo sugestões dos AP, a professora manteve um processo
autoral colado nas atividades do TP 3.
147
Na sequência, analisamos o terceiro relato, produzido por Larissa.
4. 5. 3 RPP 3: Biografia
Larissa, em seu texto, tem uma atitude responsiva, assumindo sua voz, por meio de
escolhas linguísticas representativas de uma postura autoral criadora. Neste caso, usa,
frequentemente, a primeira pessoa do singular para falar de si, de suas experiências naquele
universo de interações únicas, no qual a responsividade dos alunos, de alguma maneira,
determinou o tratamento dos conceitos propostos na atividade escolhida do TP 3.
Relato 3: Biografia
148
No início de seu relato, a professora-autora situa a atividade escolhida, tendo como
referência as propostas de estudo contidas na Seção 1, da Unidade 9. De alguma maneira,
Larissa, a partir de sua responsividade e imprimindo seu estilo, se apropria da metodologia da
Unidade e faz uma abordagem particular dos assuntos. Assume o seu discurso na primeira
pessoa, demonstrando que suas escolhas estão ancoradas em um universo enunciativo-
discursivo real. O primeiro parágrafo, novamente transcrito, demonstra como isso acontece
nas primeiras palavras da autora-criadora.
Exemplo 1:
Diante de tantas sugestões de gêneros textuais iniciei a aula apresentando diversos
cartazes confeccionados por mim com vários gêneros textuais (receitas, poemas, fabulas,
propagandas, cartas, bilhetes, avisos, convites, biografias, provérbios, piadas, trava –
línguas, história em quadrinhos, verbetes e manchetes) e expliquei a finalidade de cada
um, onde é utilizado e o tipo de informação que nos são transmitidas.
149
Neste trecho, a professora-autora demonstra ciência da diversidade de gêneros
existentes e faz algumas escolhas, citando vários deles, comuns nos livros didáticos adotados
pelas escolas. Utiliza uma metodologia de estímulo visual – cartazes – e, oralmente, apresenta
algumas características de cada gênero, aproximando os conceitos tratados à realidade de
aprendizagem dos alunos.
O percurso metodológico adotado por Larissa naturalmente contém vozes da unidade,
principalmente da seção na qual se localiza o AP escolhido para a construção de objetos de
ensino. Essa concordância se expressa na quantidade de gêneros escolhida para apresentar aos
alunos e na ciência do seu caráter ilimitado. Temos, neste caso, um diálogo presumido que,
segundo Bakhtin/Volchínov (2010 [1929], p. 156), permite ―ao autor infiltrar suas réplicas e
seus comentários no discurso de outrem‖, em função de seus objetivos comunicativos.
Outro aspecto importante nesse contexto é que Larissa, ao formular seu procedimento
metodológico, considerou os participantes da interação: alunos, com determinada faixa etária,
com interesses próprios da fase de desenvolvimento e conhecimentos distintos de mundo. A
atitude da docente encontra respaldo em Bakhtin (2003 [1952-53], p. 302), ao assinalar que,
no processo de comunicação discursiva, naturalmente,
[...] ao falar levo sempre em conta o fundo aperceptível da percepção do meu
discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação, dispõe de
conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação; levo
em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu
ponto de vista), as suas simpatias e antipatias – tudo isso irá determinar a
ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele.
Observando o início do segundo parágrafo, percebemos a participação dos alunos não
apenas na leitura do material, mas com questionamentos e exposição de saberes sobre o
assunto. O curioso é que Larissa evidencia a sua postura profissional na condução da leitura:
foi feito(a) a leitura dos cartazes por mim inicialmente e alguns alunos se dispuseram a ler.
Todavia, os alunos, sentindo-se parte do processo, chamam para si a responsabilidade e
participam ativamente, reafirmando considerações de Bakhtin (2003 [1952-53], p. 271), ao
dizer que ―toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera
obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante‖. Percebemos, também, nesse episódio, o
fenômeno da alternância dos sujeitos, uma vez que a palavra (da professora) é transferida ao
outro — aos alunos — a partir da consolidação da compreensão ativamente responsiva. Mais
uma vez, o compartilhamento do horizonte espacial, o conhecimento da situação e a avaliação
150
comum da situação (Bakhtin/ Voloshínov, 1926) corroboram essas trocas. Além disso,
certamente a entonação empregada na leitura foi fundamental para que o outro tomasse para si
a palavra, porque temos ainda na escola a predominância da voz do professor, revestido de
autoridade acadêmico-profissional, o que não parece nessa interação específica.
Ainda no segundo parágrafo, a primeira avaliação das interações tem como
endereçamento o interlocutor/leitor do texto.
Exemplo 2:
Percebi que as apresentações dos cartazes motivaram os alunos, pois todos se
mostraram receptivos, curiosos e interessados à leitura e a aprendizagem. (...) com o
incentivo e exposição do material para a leitura, notei bastante entusiasmo.
Temos nesse trecho a evidência de resposta positiva aos recursos utilizados para
desenvolver a proposta do AP: biografia. Algumas palavras ilustram as reações dos alunos:
motivados, receptivos, curiosos, interessados, entusiasmados, comportamentos visíveis em
situações em que a interação é propiciada. Além disso, Larissa deixa marca explícita de que
os fatos delineados são resultantes de sua posição autoral, de sua percepção sobre como se
deram as interações, exemplificados pela escolha de alguns verbos: percebi, notei. Podemos
entender que essas escolhas revelam comprometimento com os acontecimentos descritos no
relato, que se repete ao longo do texto.
Outro aspecto citado pela professora ainda nesse parágrafo foi o seguinte:
Exemplo 3:
Muitos gêneros já eram conhecidos por eles, mas pouco divulgado(s) ou trabalhado(s).
Com essa afirmação, Larissa retoma os discursos oficiais de trabalho com os gêneros,
ressaltando sua presença nos livros didáticos, todavia com tratamento aquém do desejado
pelos defensores da teoria enunciativo-discursiva da linguagem. Lemes (2009, p. 166), após
examinar dois livros didáticos do Ensino Médio, focalizando a análise linguística, concluiu
que há ―discursos tensos, dissonantes em torno do ensino de Língua Portuguesa‖, porque os
autores, mesmo acreditando nos pressupostos inovadores, ainda mantêm o discurso da
tradição para garantir sua permanência no mercado editorial, uma vez que os professores, a
maioria fruto de formação normativa, escolhem seus livros referendados por essa formação.
151
Partindo desse percurso, a professora autora chega ao primeiro item sugerido pelo
Avançando: ―biografia de Carlos Drummond de Andrade, ou de outro autor cujos textos já
tenham sido trabalhados em sala de aula‖ (BRASIL, 2008b, p. 25). Contudo, deixa claro que
sua escolha, além de respaldada na perspectiva adotada até aquele momento, tem objetivos
definidos, considerando a realidade sócioeducativa: trabalhar a Biografia de início, pois
percebi (ser) atrativo para eles conhecer a história de pessoas importantes e instigar eles a
escrever a sua própria história. Com isso, ela parte do canônico para incluir saberes da
massa, promovendo o diálogo entre as culturas, em consonância com questões próprias do
ensino. Nesse sentido, Geraldi (2010) pondera sobre o ensino de língua materna, ressaltando a
importância de conceber o ensino como projeto; no entanto,
[...] o projeto como um todo tem de estar sempre voltado para as questões do
vivido, dos acontecimentos da vida, para sobre eles construir compreensões,
caminhos necessários da expansão da própria vida [e isso inclui] muito mais
aprender a aprender do que aprender o já sabido e definido (GERALDI,
2010, p. 100-101).
Larissa surpreende, no quarto parágrafo, ao mencionar que apresentou sua
autobiografia aos alunos e permitiu a leitura em voz alta por uma aluna, mesmo diante do
misto de risos e interesse demonstrado pelos alunos. Ela, com essa atitude, instaura o diálogo
entre os textos canônicos, dos literatos brasileiros, da professora, com certo status na escola, e
dos alunos, ainda embrionários.
Figura 27: Diálogo entre textos
Textos canônicos
Texto da professora
Texto do
aluno
152
O esquema revela que o texto do aluno está em diálogo com o da professora e com os
dos literatos brasileiros apresentados naquela circunstância interativa. Isso equivale a dizer
que ―o enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e não pode ser separado dos
elos precedentes que o determinam tanto de fora quanto de dentro, gerando nele atitudes
responsivas diretas e ressonâncias dialógicas‖ (BAKHTIN, 2003 [1952-53], 300).
Ainda nesse parágrafo, a professora autora traz para a superfície textual o discurso do
outro, alunos neste caso, demarcando-o explicitamente com o uso das aspas: “Que legal vou
escrever sobre eu, o que eu já fui e sou...”. Esses indícios de dialogia presentificados no texto
demonstram a importância desse enunciado para a autora, que recorre às falas dos alunos para
elucidar o resultado da exposição de sua história de vida, como alternativa de ensino.
Larissa declara ainda que a produção de autobiografia não foi concluída em sala,
porque os alunos pretendiam elaborar um texto completo e rico em dados. Notamos, nesse
trecho do relato, a significativa influência da estratégia utilizada sobre os alunos. Isso pode ser
confirmado com a afirmação de Sobral (2009, p. 33): ―o sujeito que fala o faz levando o outro
em conta não como parte passiva mas como parceiro‖. Dessa maneira, podemos depreender
que, além de promover a situação de ensino, a professora criou vínculos suficientes para
garantir a aprendizagem, numa relação de simultaneidade: ambos aprendendo, professora e
alunos. Nesse sentido, a professora fixa seu papel mediador, visualizando conceitos não ainda
construídos pelos alunos – acionando a ZPD ─ e propõe estratégias desencadeadoras de novas
aprendizagens.
No quinto parágrafo, a autora do relato apresenta o processo de correção e refacção
dos textos, externando que a aula foi proveitosa, houve troca de leitura e boa participação, e
lembrando que o texto foi entregue com as adequações sugeridas e com foto para ilustrar a
produção. No momento da leitura e exposição dos trabalhos no mural, Larissa constata:
Exemplo 4:
[...] notei que gostaram de escrever, mas alguns estavam com vergonha de ler oralmente,
bem como, expor a produção no mural, portanto a leitura foi feita por alguns e não
houve exposição da escrita no mural da sala de aula em respeito àqueles que queriam ser
preservados, pois na turma há alunos de todas as idades como de 12 a 42 anos.
Nesse excerto, a professora percebe que todos respondem ativamente à proposta de
produção textual, de maneira criativa. Entretanto, quando é feita a proposta para a leitura e
exposição, alguns resistem. Imediatamente, Larissa, a partir de sua avaliação da situação,
mediante respostas dos interlocutores, reelabora sua estratégia didática e coloca em
153
movimento novos encaminhamentos, permitindo liberdade para a oralização do texto ou o
silenciamento, naquele momento. Esse episódio nos direciona para o conceito de forças
centrífugas que, consoante Clark e Holquist (2008, p. 35), ―compelem ao movimento, ao devir
e à história; elas aspiram à mudança e à vida nova‖.
No parágrafo sexto, presenciamos uma nítida apreciação valorativa de Larissa sobre o
processo interativo estabelecido com os alunos no contexto da sala de aula, assumindo uma
posição exotópica.
Exemplo 5:
Esse trabalho ajudou a resgatar a vontade de produzir textos e levantar a auto – estima
de alguns que se sentiam desmotivados. Contando a própria história, alguns sentiram –
se valorizados e importantes, pois puderam conhecer a história do outro, comparar a sua
e perceber que há colegas na sala de aula que já passaram por dificuldades, tiveram que
abandonar a escola e hoje estão lutando, se esforçando para construir a sua a
aprendizagem e ingressando a (na) escola aos 42 anos estão vencendo desafios, pois no
passado não tiveram oportunidade de estudar.
No trecho acima, a professora deixa transparecer o resultado positivo de seu trabalho,
observado nas reações dos alunos. Muito mais que ensinar conteúdos, ela demonstra que
promoveu interações significativas para a vida de todos eles. Isso só foi possível porque, ao
longo do processo, a professora considerou a dialogicidade dos episódios e, mediante a
responsividade, muitas vezes presumida, dos interlocutores, redirecionou suas propostas,
considerando as réplicas dos parceiros. Dessa maneira, nos apoiamos em Bakhtin (2003
[1952-53], p. 276) para afirmar que ―essas relações só são possíveis entre enunciações de
diferentes sujeitos do discurso‖, ao mesmo tempo em que ―pressupõem outros (em relação ao
falante) membros da comunicação discursiva‖.
No último parágrafo, Larissa responde ativamente ao Programa, representado pela
figura do formador no município, enunciando da seguinte maneira:
Exemplo 6:
Trabalhei também outros gêneros e continuarei durante o decorrer do ano aprofundando
os diversos os gêneros e tipos textuais, para que os alunos adquiram o conhecimento
intuitivo e dominem a competência linguística e a competência sócio–comunicativa,
sabendo decifrar a leitura e a escrita dos gêneros e tipos textuais.
154
Nesse excerto, a professora-autora sinaliza que trabalhou com outros gêneros, porém
não os detalhou nesse texto. Evidencia ainda o compromisso de continuar o trabalho
anunciado pelos TP, do GESTAR II de Língua Portuguesa, reafirmando alguns dos
enunciados presentes no Caderno 3, como conhecimento intuitivo, parte do título da Unidade
9 ―Gêneros textuais: do intuitivo ao sistematizado‖, competência linguística e sócio-
comunicativa, presente no item ―Resumindo‖, da mesma unidade (p. 25), gêneros e tipos
textuais, recorrentes em todo o TP 3.
Observando o relato, em sua completude, constatamos que, estruturalmente, Larissa
mantém parágrafos longos, contendo mais de 5 linhas, e assume uma postura autoral
participativa nos eventos ocorridos em sala de aula. Discorre detalhadamente sobre os
conceitos tratados, as estratégias metodológicas selecionadas, os recursos escolhidos e as
interações ocorridas durante o processo, respondendo, de certa maneira, às orientações
elaboradas pela formadora do Programa no polo, para a produção do relato. Em seu percurso
de autora-criadora, adota um estilo particular para enunciar-se a partir da esfera de sua
atuação, consolidando a postura de Bakhtin (2003 [1952-53], p. 279) de que
o autor de uma obra – aí revela a sua individualidade no estilo, na visão de
mundo, em todos os elementos da idéia de sua obra. Essa marca da
individualidade, jacente na obra, é o que cria princípios interiores específicos
que a separam de outras obras a ela vinculadas no processo de comunicação
discursiva de um dado campo cultural: das obras dos predecessores nas quais
o autor se baseia, de outras obras da mesma corrente, das obras das correntes
hostis combatidas pelo autor, etc.
Dessa maneira, a produção de Larissa se torna única e singular, porque carrega marcas
individuais, consagradas a partir da realidade em que está inserida, das experiências pessoais e
profissionais e do esforço de responder ativamente à proposta dita inovadora do material do
GESTAR II. Conforme observa Sobral (2009, p. 30), ―cada sujeito ocupa um lugar ímpar,
peculiar, irrepetível, insubstituível no mundo‖.
No tratamento dos conceitos, embora tendo como referência uma estrutura sugerida
pelo AP, a professora-autora transcende os limites do material, consolidando os conselhos de
Paes de Barros (2008, p. 23) sobre a pertinência do ensino de leitura e escrita por meio dos
gêneros: ―no trabalho com os gêneros discursivos como ferramenta de ensino, [o professor]
tem a possibilidade de criar, nas aulas de Língua Portuguesa, espaços onde os discursos
circulem e as opiniões possam ser debatidas, mas, principalmente, pode dar voz aos alunos‖.
155
4. 5. 4 Os três relatos em síntese
A escrita de textos científicos comumente fez parte dos espaços acadêmicos, no
entanto com teor objetivamente distanciado, sem envolvimento do autor com qualquer
particularidade da situação descrita. Nas últimas décadas, entretanto, mudanças significativas
ocorreram nas universidades, em relação às exigências dos textos acadêmicos, com destaque
para produções em que o autor pode assumir-se como tal e propor reflexões a partir de
experiências, aliando saberes da realidade ao canônico e de prestígio.
No bojo dessas transformações, o relato surge com várias adjetivações, alinhado às
intenções dos pesquisadores que o denominam em função de seus objetivos. No nosso caso,
optamos por relato de prática pedagógica (ZELMANOVITS, 2010), porque representa
melhor as situações em foco na nossa análise, e o incluímos no grupo dos gêneros
catalisadores (SIGNORINI, 2006), por configurar-se como um ―novo‖ gênero nas esferas
vinculadas ao fazer docente (acadêmica, escolar e da formação continuada), portanto
ressignificado em função de novas interlocuções, principalmente as ocorridas em sala de aula.
Nesse sentido, o gênero escolhido contribui significativamente para que o docente exponha
seus saberes, suas experiências, seus conflitos, seus desafios, suas dificuldades, funcionando
como um espaço linguístico-discursivo propício para dar voz aos professores (SIGNORINI,
2006; SILVA, REGO, 2009).
Para nós, os RPP em contexto de formação continuada emergem também como gênero
propício para a construção de objetos de ensino pelo professor, mesmo que ele não tenha
clareza disso. Nesse contexto, a função mediadora desse profissional como o identificador de
potencialidades do aluno, levando em consideração as intervenções necessárias para
consolidação de aprendizagens – ZPD – são fundamentais para desencadear estratégias de
ensino, oriundas da conjugação de vários saberes docentes.
Após análise cuidadosa de cada RPP e comparando os três examinados, percebemos
algumas distinções entre eles, em razão da singularidade de cada professora-autora,
principalmente quanto às escolhas para evidenciar o processo de elaboração de seus objetos
de ensino. Essas distinções mais evidentes foram categorizadas, para fins didáticos, em razão
da análise, considerando a sua predominância; todavia, são integradas à constituição docente.
No quadro abaixo, delineamos as categorias identificadas:
156
RPP Professoras Classificações
1 Ludmila Autoria alinhada à formação profissional
2 Ingrid Autoria espelhada na formação continuada
3 Larissa Autoria autônoma
Quadro 14: Classificações autorais - RPP
Ludmila se destaca pela ―autoria alinhada à formação profissional‖, porque deixa
evidente na composição de seu texto uma forma metodológica de tratamento do gênero
sugerido pelo AP, semelhante à vivenciada no curso superior, na condição de graduanda, e
reforçada por muitos livros didáticos que, embora anunciem adequações aos pressupostos
educacionais atuais, não didatizam conceitos conforme prometem. Assim, ela escolhe uma
música, dentro da idealização de importância para o ensino, apresenta a letra, solicita leitura,
incentiva a discussão (nesse momento há um deslocamento da classificação atribuída por
nós), explica as características do gênero, focando a estrutura e o preenchimento de um
questionário, como condição para analisar melhor a música. Outro aspecto que justifica a
denominação dada é o fato de que as escolhas dos objetivos estão sempre centradas nela,
mesmo quando se trata de música, conceito de interesse dos alunos, sem observar as atuais
orientações curriculares de alguns documentos oficiais, que propõem a criação de
mecanismos para a identificação das necessidades de aprendizagem dos estudantes e, a partir
desses dados, planejar as atividades.
Ingrid apresenta-se no grupo da ―autoria espelhada na formação continuada‖,
representado pelo TP3, na situação descrita, por vários motivos. Primeiro, ela se posiciona
com relativo domínio de gêneros da esfera acadêmica, introduzindo a citação de um educador
brasileiro de renome, na parte inicial do texto, similar à introdução de relatórios/artigos
científicos. A partir daí, incorpora quase que integralmente as sugestões de atividades
escolhidas por ela para aplicação em sala de aula, respondendo às propostas de trabalhar com
a narração e descrição. Apenas nas duas últimas atividades, Ingrid se distancia do Caderno
para construir uma metodologia mais próxima de sua realidade; contudo, continua
reproduzindo, na maioria das vezes, o discurso do Programa de Formação Continuada.
Na contramão, Larissa constrói um processo mais livre dos condicionamentos
presentes nos AP. Partindo de uma atividade com poucos itens, ela reinventa uma
metodologia respeitadora das individualidades dos alunos. Prova disso é que, muitas vezes, a
professora, atenta à responsividade da turma, inclui novos direcionamentos, não-previstos,
157
mas promotores de participação de todos, à sua maneira. Por isso, intencionalmente,
conferimos à sua posição valorativa a redundante ―autoria autônoma‖.
Essas classificações autorais foram obtidas levando em consideração vários aspectos
educacionais vinculados ao processo de formação descrito, os quais interferiram
significativamente na elaboração do gênero solicitado pelo Programa – GESTAR II de LP –
inclusive o fato de não conter orientações nos Cadernos para escrita do relato.
As professoras-autoras, em contexto de produção específico, mobilizaram episódios
ocorridos em sala de aula com turmas de alunos específicas, mediante a utilização de
estratégias didáticas, neste caso, apoiadas nas sugestões dos AP. Essas estratégias estão
sempre em consonância com a proposta curricular da escola e são modificadas em razão da
necessidade externada pelos alunos ou em virtude do posicionamento do profissional no
espaço de sua atuação. As escolhas metodológicas das docentes revelam conhecimentos
teórico-metodológicos oriundos de diversas fontes, ligadas à esfera educacional, e cumprem o
objetivo de consolidar aprendizagens de conceitos importantes para aquele momento da
escolarização dos alunos.
Para explicitar essas experiências práticas exigidas pelo Programa, em forma de relato,
cada professora, apoiada em seus saberes docentes, evidencia participação nos fatos retratados
de formas distintas: a) inclusão no processo descrito, descrevendo objetivamente as etapas da
atividade, importantes para a agência formadora; b) oscilações nas escolhas linguísticas
denotadoras de participação nos fatos (ora presente pela 1ª pessoa do plural, ora se
distanciando pelo uso de verbos impessoais), evidenciando o trabalho desenvolvido, com
indicativo de proximidade com o currículo escolar; c) participação nas ações relatadas,
incluindo as interações dos participantes da comunicação discursiva, inclusive dando-lhes
voz, e (re)elaborando a proposta didática em função disso.
As reflexões que permeiam o gênero RPP aparecem explicitamente em alguns, com
apreciação valorativa da autora, em menor proporção em outros, às vezes quase
imperceptíveis, em razão da objetividade adotada pela(s) professora(s).
Esse percurso analítico revela que, mesmo em condições desfavoráveis ao pleno
exercício da escrita do gênero requerido pelo Programa, as professoras se apoiam em seus
saberes para demonstrar suas práticas, constituindo, dessa maneira, formas autorais de
construção de objetos de ensino para suas aulas.
158
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A palavra do outro coloca diante do indivíduo a tarefa especial de
compreendê-la (BAKHTIN, 2003 [1970-71], 379).
Findamos este trabalho mobilizadas pela responsabilidade de compreender a palavra
do outro/professoras/autoras/cursistas, representantes de tantos outros participantes de
interações específicas nas escolas e em contextos de formação continuada. Em razão disso,
focamos a análise nos RPP de professoras-cursistas do Programa GESTAR II ─ Língua
Portuguesa ─ identificando a forma como elas constroem seus dizeres, nesse gênero
específico.
Tal opção exigiu um percurso de buscas para a compreensão do atual paradigma de
ensino da LP e, consequemente, da função do professor dessa disciplina, modificada em
função do atual estágio de desenvolvimento em que a sociedade se encontra. Nessa direção, a
formação continuada desponta como alternativa para a melhoria do ensino, e os Centros de
Formação são fortalecidos em Mato Grosso para subsidiar as práticas pedagógicas dos
professores, por meio da criação de projetos ou execução de Programas, como o GESTAR II.
No universo de nossas escolhas, lançamos mão da teoria sócio-histórica e cultural,
pilar de nossa investigação, representada por Bakhtin (e seu Círculo) e Vygotsky num
constante ir e vir para responder ativamente às questões postuladas para a pesquisa. O
resultado pode ser verificado na trama discursiva constante no capítulo 2 desta dissertação.
Ainda amparadas pela mesma fundamentação teórica, optamos pela pesquisa qualitativa,
assumindo nossa posição exotópica na condução do ―olhar‖ para a análise dos relatos das
professoras. Por fim, a análise dos RPP desvelou um conjunto dialógico de vários conceitos
imbricados, mobilizados conjuntamente para a constituição dos dizeres das professoras que
enunciam especificidades de suas práticas pedagógicas.
Desse modo, os fios dialógicos tecidos em cada capítulo nos encaminham para
responder às questões de pesquisa. Passemos ao exame da primeira.
1. Quais orientações sobre o gênero relato são apresentadas no Caderno de Teoria e
Prática 3 (TP 3), do GESTAR II de LP, para que o professor em formação
continuada o elabore, considerando as especificidades do referido gênero
discursivo?
159
No capítulo 4, voltamos nosso ―olhar‖ para a Parte II – Lição de Casa – do TP3, na
ânsia de localizar orientações que indicassem caminhos e trouxessem segurança para que o
cursista produzisse seu relato. Infelizmente, nos deparamos com a brevidade de 7 linhas,
distribuídas em 2 parágrafos (LC1) e 6 linhas dispostas em um único trecho (LC2), com
alguns indicativos de como deveria ser a escrita. No LC1, há algumas evidências: ―... registre
por escrito, toda a sua experiência, desde os aspectos facilitadores até os aspectos que você e
seus alunos encontraram mais dificuldades. Registre também suas observações e sugestões a
respeito‖. No LC2, limita-se a dizer: ―... fazer um relato por escrito (...). Seja franco a respeito
das dificuldades e das facilidades encontradas‖.
Diante dessa constatação, folheamos cuidadosamente o TP3, porque esperávamos
encontrar algumas propostas alinhadas às orientação fornecidas para a produção do relato,
partindo do pressuposto de que a forma sintética de apresentação das dicas pressupunha
conhecimento prévio do gênero pelo leitor. Infelizmente, não encontramos nenhuma
indicação de didatização do gênero, muito menos nos outros cadernos da coletânea. Dessa
maneira, temos elementos suficientes para afirmar que as orientações fornecidas pelo TP3
para a produção do relato são inconsistentes, insuficientes e, de certo modo, negam a proposta
do material no tocante ao ensino dos gêneros.
No nosso entendimento, um material que se propõe a desenvolver pressupostos teórico-
metodológicos acerca dos gêneros, deveria criar, minimamente, um item para abordar o
solicitado ao professor. Por isso, acreditamos que o tratamento desse gênero específico deve
contemplar uma abordagem sócio-histórica, levando em consideração os aspectos
composicionais, estilísticos e temáticos, conforme demonstrado no capítulo 2, na interface
com espaços de produção, circulação e recepção. Além disso, é importante que esse
tratamento inclua propostas de reescrita do gênero para que o formador do Programa,
previamente preparado e ainda contando com a consultoria frequente da IES responsável,
conduza o trabalho de formação continuada visando ao aperfeiçoamento das capacidades de
escrita dos cursistas. Dessa forma, é possível que estes últimos levem essas experiências para
suas práticas em sala de aula, resguardando as devidas adequações.
Para respondermos à questão 2,
Como o professor em formação continuada constrói seu dizer sobre objetos de ensino
para as aulas de Língua Portuguesa, no gênero relato, proposto como atividade no
Caderno de Teoria e Prática 3 (TP 3) do Programa Gestar II?,
160
tendo por base, também, as conclusões referentes à pergunta anterior, entendemos que cada
professora-cursista, respaldada em suas experiências múltiplas, especialmente acadêmicas e
profissionais, elabora competentemente os textos exigidos pelos programas e projetos de
formação continuada, mesmo desconhecendo a teoria dos gêneros discursivos, que sugere
enunciados com ―conteúdo temático, organização composicional e estilo próprios
correlacionados às condições específicas de cada esfera de atividade (FARACO, 2009, p.
126). Cada uma, à sua maneira, traça um percurso dialógico e singular, participando
responsivamente do processo no quadro da educação escolar, inclusive (re)elaborando objetos
de ensino para suas aulas de LP. Observando as particularidades discursivas na constituição
de dizeres, identificamos três formas autorais evidenciadas nos RPP: Autoria alinhada à
formação profissional, Autoria espelhada na formação continuada e Autoria autônoma.
Chamamos de autoria alinhada à formação profissional o relato construído por
Ludmila, que deixa marcas evidentes de uma metodologia muito próxima daquelas
vivenciadas no curso superior. Ingrid desenvolve um processo metodológico muito similar às
propostas do TP 3, tanto que na descrição de sua experiência repete muitos dos enunciados
das atividades escolhidas por ela. Isso nos fez chegar ao conceito de autoria espelhada na
formação continuada. Por último, designamos de autoria autônoma o percurso feito por
Larissa que, apesar de ter o planejamento orientado pelo AP, demonstra liberdade na
produção de mecanismos didáticos adequados à realidade dos alunos.
Salientamos que essas classificações autorais foram feitas com base nos dizeres das
professoras, contidos nos RPP, considerando evidências de proximidade com as esferas
vinculadas às práticas docentes, ou distanciamento delas, observando as condições de
produção, principalmente a primeira experiência de relatar por escrito no curso, tempo
limitado para estudo de cada TP e ausência de orientações sobre o gênero. Todavia,
acreditamos na impossibilidade desses tipos de autorias encontrados serem representativos,
isoladamente, do perfil profissional docente, funcionando como uma marca ou um estigma.
Ocorre, na realidade da prática pedagógica, um movimento autoral em que as autorias
perpassam a ação do professor, numa espécie de constituição identitária dialógica desse
profissional.
Nossa análise, mesmo com foco nos três RPP, exigiu exame de todas as unidades do
TP3. Isso, de certa maneira, desvelou como se deu a didatização dos conceitos pelo Caderno
e a influência das estruturas dos AP na construção de objetos de ensino pelas professoras-
cursistas. Esse processo de (re)elaboração, ancorada na prática em curso, está referendado nas
161
autorias mencionadas. Em outras palavras, equivale a dizer que os objetos de ensino estão
agregados à constituição autoral docente, vinculados ao continuum de sua ação pedagógica.
Quanto aos AP contidos no Caderno, reconhecemos que representam tentativas
explícitas de demonstrar aos professores formas de didatização de conceitos, tendo os gêneros
como norteadores. No entanto, o professor estaria mais bem preparado para dar continuidade
pós-curso à proposta em sua prática, caso o foco se desvencilhasse dos aspectos estruturais do
gênero, enfatizados em detrimento da sua dimensão sócio-histórica. Nesse sentido, Costa
(2009) alerta para o fato de que ―o professor ao explorar o gênero, o fará de acordo com o seu
letramento. Fica sempre a interrogação, quais [são] os letramentos desse professor? (2009, p.
6)‖. Nesse caso, se o material não cumprir a finalidade de oferecer subsídio teórico-
metodológico para que o docente crie objetos de ensino para suas aulas, de acordo com as
atuais concepções, é provável que se tenha um trabalho prático dissonante da perspectiva
teórica assumida.
No nosso entendimento, essas fragilidades poderiam sem minimizadas com o
consenso teórico entre a proposta curricular de LP anunciada no Guia Geral - gêneros
discursivos ─ e o TP3 - gêneros textuais. Aliás, a equipe que formulou os guias e manuais
difere da que produziu os Cadernos. Pressupomos que essa situação advém da indefinição
temporal para a produção do material ou da emergência, comprometendo a qualidade e
coerência de uma proposta produzida, realmente, por muitas ―mãos‖. Outro aspecto
importante, que sempre deveria ser observado na escolha de equipes para a elaboração de
materiais para qualquer tipo de formação, mas em nosso caso específico, para a formação
continuada, é a filiação teórica dos componentes dessas equipes e sua produção científica, que
deve ser relevante na área e sobre o assunto, para formular propostas condizentes com os
pressupostos requeridos pelas políticas educacionais vigentes.
Não se trata de fazer a crítica pela crítica, mas de chamar à responsabilidade
profissionais e autoridades envolvidos nesse importante delicado processo de propor
alternativas metodológicas e fundamentação teórica para sanar o problema do ensino,
especialmente de leitura e escrita, que se torna cada vez mais agravado. Não temos a ilusão de
que resolveremos os problemas educacionais brasileiros, mas temos a obrigação de contribuir
para a reflexão sobre o quadro atual e a busca de alternativas viáveis e coerentes com os
próprios documentos oficiais.
Nesse universo pesquisado e de posse das reflexões delineadas, salientamos que, num
momento histórico de valorização de saberes docentes, as políticas públicas de formação
162
continuada precisam insistir em projetos e programas de apoio ao professor durante e pós-
curso. Os avanços nos programas/projetos de formação continuada são notórios,
principalmente quanto às tentativas de apresentar o tratamento dos aspectos teórico-
metodológicos articulados à execução de propostas de ensino, formato híbrido de oferta e
registro dessas práticas. Em contrapartida, argumentamos a favor do compromisso da gestão
pública, principalmente, com: a) tempo destinado à execução dos programas/projetos
suficiente para respeitar, minimamente, o potencial docente na elaboração de seus percursos
identitários profissionais, autônomos e contínuos; b) formador bem preparado pelas IES
responsáveis e com tempo para atender às especificidades de sua demanda; c) material teórico
e didaticamente preparado para subsidiar os professores em suas práticas, de maneira que
construam objetos de ensino para suas aulas, ancorados nos pressupostos de ensino em voga
no momento.
Reiteramos o posicionamento de Silva e Rego (2009, p. 203) quando afirmam que
―compreender como se dá a mobilização de saberes na formação docente pode ajudar no
planejamento das formações de professores‖. Dessa maneira, e levando em consideração os
aspectos mencionados, a formação continuada deve cumprir o papel de fornecer subsídios ao
professor, para que ele construa sua autonomia profissional frente ao ensino, otimizando suas
práticas. Isso resulta, principalmente, em melhoria da proficiência leitora e autoral dos alunos,
pois, em tese, todo projeto/programa de atualização docente tem por objetivo transformar os
processos específicos de sala de aula.
Nesse contexto, defendemos também que, no caso do GESTAR II de LP, o desafio de
propor outras reflexões sobre o material é devolvido ao CEFAPRO, principal órgão
implementador do Programa no Estado. Consequentemente, na condição de formadora de um
Centro de Formação, nos sentimos interpeladas a criar estratégias para que os docentes de LP
se apropriem criticamente das propostas do material, uma vez que os Cadernos estão
presentes nas escolas. Sendo assim, percebemos que os Centros de Formação de Mato Grosso
deverão desenvolver suas propostas, produzidas a partir de necessidade formativas levantadas,
ou disseminando os programas nacionais, oriundos de parcerias institucionais, com um olhar
mais crítico.
As universidades estão pesquisando essas práticas e aquelas desenvolvidas nas
escolas pelos professores, mapeando a realidade educacional; todavia, é preciso promover o
encontro dos pesquisadores com os espaços pesquisados, para que as mudanças se consolidem
163
e tenhamos uma transformação efetiva na educação. Que nossos gestores nos ouçam e
fomentem esse diálogo.
164
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