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ilustradaEF

Domingo, 5 DE outubro DE 2014 E1

MÚSICAFunkmais lento,rasteirinha ganhaas pistas de SãoPaulo e do exteriorPág. E5 h

GESTÃOPÚBLICAErro de avaliaçãofaz obras demuseu ficarem60%mais carasPág. E6 h

SILAS MARTÍDE SÃO PAULO

“Estou tentando fazer queelaparedesorrir”,dizÉderOli-veira, dando uma pinceladana boca da presidente DilmaRousseff queacabadepintar.Ele não quer que nenhum

dos presidenciáveis líderesnas pesquisas tenha cara desantinhoouretratodecampa-nha.Ospolíticos forampinta-dosnasededaFolha, emSãoPaulo,apedidodo jornal,pa-ra ilustrar a cobertura eleito-ral no dia do primeiro turno.“Não podiam estar sorri-

dentes”, diz o artista. “Quisdescontextualizar essa ima-gem projetada do político.”Ele conta que, por ser dal-

tônico—Oliveiranãopodedis-tinguir entre verde e verme-lho—, sua paleta de cores émais reduzida, quase semprevariações sobre um tom.Nocasodospolíticos, oar-

tista pintou cada candidatodeumacor—azulparaAécioNeves, do PSDB, laranja pa-raMarinaSilva,doPSB,ever-melho, para Dilma Rousseff,do PT— seguindo as coresadotadas para cada um emgráficospublicadosnojornal.Também tentou neutrali-

zar qualquer leitura préviasobre os candidatos usandoimagens não oficiais. Ou se-ja, usou retratos feitos semqueeles soubessemqueesta-vamsendofotografadosetro-cou o figurino da campanhapor uma simples camiseta.

Revelaçãoda atual Bienal deSP com retratos de presidiários, o daltônicoÉderOliveira pinta presidenciáveis apedidodaFolha

sobre políticosEssa,aliás,éaprimeiravez

queOliveira,artistadeTimbo-teua, no Pará, e revelação daatualBienaldeSãoPaulo,pin-ta rostosmais conhecidos.

caboclo amazônicoEmBelém,ondevive, o ar-

tista passou os últimos dezanospintandomuraispelaci-dade. Só quatro deles sobre-viveram, mas todos têm emcomumomesmo tipodeper-sonagem, que o artista cha-made“caboclo amazônico”.“Sempre retratei pessoas

anônimas”, diz Oliveira, 30.“Souquaseumretratista porofício,masnuncaquispintaralguém. Fui buscar o anôni-

mo na classe popular, na ba-sedapirâmide,ocabocloquetemtraçosdonegro,do índioe do colonizador branco.”Mas não é qualquer retra-

to. Oliveira diz buscar ima-gens“impuras”,nuncaposa-das. São flagras que denun-ciamaomesmo tempo a raçaeacondiçãosocialdehomensàsmargens da sociedade.“Quando comecei a pro-

curar essas imagens, acabeiencontrandonaspáginaspo-liciais”, dizOliveira. “Aspes-soas que aparecem ali estãomais livres da vaidade, nempensam na lembrança queelas têm do espelho.”Nesse ponto, seus murais

retomam a técnica panfletá-ria para refletir sobre a natu-reza da fotografia em temposdesuabanalizaçãototal.Lon-ge do status que um retratoposadodavaaalguémnospri-mórdiosda fotografia,Olivei-ra trata a imagem em seu ní-velmaisprosaico,ourasteiro.

autorretratoEnquanto em Belém o ar-

tista sópintavaorostodos re-tratados, as imagens que fezna Bienal de São Paulo dei-xammais claroocontextodeonde surgiram. São homensdepelevermelhacomosbra-ços para trás, todos fotogra-fados no momento em que

eramalgemadospelapolícia.“Essa é uma imagemmui-

to comum, é sempre o mes-mobiotipo, amesmahistóriadevida”,dizOliveira. “Eumeidentificocomaspessoasqueeu retrato. Também vivo naperiferiae temoshistóriaspa-recidas. Isso que eu faço éumaespéciedeautorretrato.”Oliveira diz que nunca foi

preso, mas que tem amigosnessa situação, inocentes ounão, e diz saber que a cidadegrande “não tem espaço pa-ra todo o mundo”, o que, naopiniãodele,geraumquadrode pobreza e violência.Mas isso não fica tão ex-

plícito emsuas imagens.Em-

bora fale de exclusão e demarginalidade, Oliveira lan-çamãode estratégias da pu-blicidade ao criar imagensapelativas, que remetem àlinguagemdosoutdoors edorealismo socialista, movi-mento ancorado numa ico-nografia a serviçodoEstado.“Tentodarvalorà imagem,

melhoraroqueelaé”,dizOli-veira. “Esse contraponto depegaralgoruimedeixarmaisbonito éoqueme interessa.”Nesse sentido,Oliveirapa-

rece estar em sintonia com aretomadade reflexões antro-pológicas sobre a naturezadas relações raciais no Bra-sil, assunto que ressurgiu naacademia eaparece cadavezmaisnaartecontemporânea.Em seus retratos, a cor da

pele, quase sempre morena,domina as composições co-moumfatordeexotismoeaomesmotempoumaexaltaçãoàs vezes sensualizada da ra-ça, algo latente que, nas pa-lavrasdoartista, “extravasa”até a superfície da pintura.Um grau de ambiguidade,

ele diz, também transparecenos retratos dos políticos.“Existe um vício cultural

de achar que todo político éladrão”,dizOliveira. “Masdomesmo jeito que tento des-montaracarademaudosho-mens que retrato, tentei des-fazera imagemsimpáticaqueos políticos tentam passar.”

Veja o making of do muralfolha.com/no1526241

emarginaisRahel Patrasso/Xinhua

Mural do artista na Bienal de São Paulo

Éder Oliveiradiante de seumural na Folha

Lalode

Almeida/Folhapress