Download - Editorial J - número 6 - junho de 2012

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Ninguém se importa

com as bibliotecasInstituições públicas estão fora do foco dos governos estadual e municipal, enfrentam pouca atualização de seus acervos e o limitado interesse da população, levando à pergunta: ainda há espaço para a literatura impressa na era digital? /6 e 7

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Eduarda Alcaraz

A arte de eleger políticos

CADERNO ESPECIAL

Marqueteiros revelam as técnicas empregadas para colocar candidatos no foco das atenções durante o período eleitoral, um dos segredos para levá-los à vitória nas urnas

As histórias do andarilho Jonathan Dunham, o homem que saiu dos EUA em 2005 e, com seu burro, cruzou as Américas, passou pela Famecos e pretende chegar à Patagônia

/4 e 5

Você não sabeo quantoeu caminhei

Moradores e campanha imobiliária propagam o orgulho de viver no que chamam de Zona Show

Bairrismoao sul da Capital

/3

Arquivo pessoal

No dia 6 de julho, começa

a campanha eleitoral dos

candidatos a prefeito e

vereador em todo o Brasil.

pesquisas de opinião, os estrategistas

de marketing produzirão impressos,

programas de televisão e rádio, websites

e outros materiais com propostas que

apelem diretamente a anseios, medos e

esperanças dos eleitores. Todavia, a escolha

de um candidato não deve ser baseada

apenas em sentimentos, emoções, mas

principalmente em razões. E, nos últimos

anos, as campanhas políticas têm oferecido

argumentos muito pobres e propostas com

pouca base na realidade.

Um grupo de alunos do Editorial J

decidiu oferecer aos eleitores informações

os problemas das

campanhas políticas e suas possíveis

soluções. Durante este primeiro semestre,

eles estão produzindo reportagens não

com políticos, mas com técnicos e com

a população, sobre temas de campanha

escolhidos com base em uma pesquisa de

opinião realizada em abril.

expediente

Jornal mensal da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Avenida Ipiranga, 6681, Porto Alegre (RS).

Reitor: Ir. Joaquim ClotetVice-­reitor: Ir. Evilázio TeixeiraPró-­reitora de Graduação: Solange Medina Ketzer

FAMECOS

Diretora: Mágda Rodrigues da CunhaCoordenador do curso de Jornalismo:

Vitor NecchiCoordenador do Espaço Experiência: Fábian Chelkanoff Thier

Editor: Fabio CanattaCoordenadora de produção: Ivone CassolProjeto gráfico: Luiz Adolfo Lino de SouzaProfessores responsáveis: André Pase, Caroline de Mello, Eduardo Lorea,Fabio Canatta, Flávia Quadros, Geórgia Santos, Ivone Cassol, Marcelo Träsel, Marco Villalobos, Sérgio Stosch, Rogério Fraga e Vitor Necchi.

EQUIPE DE ALUNOS

Editores: Cassiana Machado Martins, Eduarda Alcaraz, Eduardo Bertuol Rosin, Felipe Martini e Igor Grossmann. Repórteres: Alina Oliveira de Souza, Allan de Oliveira, Anahis Vargas, Angela Ferreira, Bruna Cabrera, Bruna Canani, Bruna Essig, Bruno Moraes, Caio Venâncio,

Camila Foragi, Camila Hermes, Camila Salton, Cândida Schaedler, Carime Oliveira, Carla Simon, Carolina Matzenbacher, Caroline Corso, Caroline Rech, Carolina Teixeira, Carolini Zanini, Cassia Sirio, Cristine kist, Daniela Boldrini, Daniela Flor, Daniele Souza, Débora Ely, Dimitria Prochnow, Diogo Puhl Pereira, Emily Mayer, Fernanda Correa, Fernando Lopes, Gabriel Amaral, Gabriela Guadanin, Gabriella Monteiro, Gerson Raugust, Guilherme Tubino, Gustavo Becker, Gustavo Frota, Ian Linck, Janaina Marques dos Santos, Jean Pereira, Jéssica Mello da Rosa, Jéssica de Souza Barbosa, João Vitor Araújo, José Luiz Dalchiavon, Juliana Prato, Juliana Vencato, Julian Schumacher, Karine Flores, Kimberly Winheski, Laís Flores, Larissa de Bem, Larissa Lofrano, Liege Ferreira, Lúcia Feijó Vieira, Manoela Ribas, Manuela Ferreira, Marcela Ambrosini, Maria Eduarda Sinigaglia, Mariana Amaro, Mariana Caldieraro, Mariana Ramos, Mariana Soares, Martina Jung, Maya Lopes, Milena Haas, Muriel Porfiro, Muriell Krolikowski, Natacha Gomes, Priscila Vanzin, Rafaela Masoni, Rafael Grendene, Rafael Ribeiro, Ramiro Macedo, Renan Sampaio, Renata Paiva Dias, Roberto Stone, Rodrigo Sartori, Shaysi Melate, Stéfano de Souza, Tiago Rech, Thiago Netto, Vanessa Pacheco, Vinícius Velho, Virgínia Miranda, Vitória Di Giorgio, Yasmine dos Santos. Impressão: Apoio Zero Hora Editora Jornalística

Laboratório convergente da Famecos

www.pucrs.br/famecos/editorialj

editorial J

O ano era 1776. A Suécia se

tornava o primeiro país

a estabelecer uma lei

de acesso à informação

pública. Séculos se

passaram, muitos aspectos da cidadania

mudaram e, 90 países depois, o Brasil,

enfim, começou a mostrar que o Estado

pode ser transparente ao administrar os

bens públicos.

No dia 16 de maio deste ano, com a

instauração da Lei 12.527 de 2011, o país

deu um passo à frente para a evolução do

poder democrático. Numa nação onde a

corrupção é notícia das mais frequentes,

a lei surgiu no momento adequado para

estimular a fiscalização da população

sobre os detentores de mandatos e as

máquinas administrativas que conduzem.

Além de beneficiar a sociedade em

geral, que pode obter informações antes

sonegadas por pura falta de boa vontade

ou por medo de abastecer críticas, a

imprensa e os jornalistas também ganham

com a disponibilidade de mais matéria-­

prima para reportagens. O brasileiro

sentia falta do que era seu -­ o direito e o

dever de cobrar do Estado o que é feito

com o dinheiro da sociedade, entregue à

gestão pública através de impostos.

Considerando que há exemplos

anteriores de leis que demoraram anos

para serem efetivamente cumpridas, é

preciso ter cautela antes de celebrar os

efeitos benéficos da nova regra. Podemos

relembrar a Lei da Ficha Limpa, como

ficou conhecida a Lei Complementar

135/2010. Mesmo aprovada, foi

questionada judicialmente e acabou não

tendo validade no pleito daquele ano. As

ações foram promovidas por políticos

que teriam sua posse vedada, mas

encontraram uma maneira de conseguir

adiar a execução da proposta.

Como o acesso à informação ainda

é muito recente, é cedo para saber se

perdurará a tranquilidade no atendimento

nos Serviços de Informação ao Cidadão

(SIC) dos órgãos públicos. Será que

esta lei terá os efeitos pretendidos por

seus defensores? Será que os brasileiros

perceberam a grandeza deste projeto?

Dúvidas que serão respondidas com o

tempo e com a averiguação dos brasileiros.

Agora que todos têm o poder de fiscalizar,

basta estar atento e saber cobrar -­ esta

ação, antes concentrada principalmente

na imprensa, foi descentralizada e

transformada em dever da nação.

Esperamos, assim, comemorar

com segurança este que pode ser um

grandioso, mesmo que atrasado, passo

para a transparência e o controle social

da democracia brasileira.

JUNHO DE 2012 / PÁGINA 2

papo de redação

Texto: Eduardo Bertuol (6º sem.)

Acesso à informação: umdireito e dever dos brasileiros

Jornalismo a serviço do voto esclarecido

Prof. Marcelo Träsel

Em ensaio fotográfico produzido por Eduarda Alcaraz (7° sem.), os alunos Rodrigo Bestetti (8°, de gravata vermelha) e Felipe Martini (6º, de gravata preta) encarnaram personagens da política e encenaram situações típicas do período eleitoral

QR Codes

Nesta edição do Editorial J, também

passamos a usar o recurso dos Quick

Response Codes para direcionar os leitores

ao nosso material extra na web. É preciso

ter um software de leitura de QR-­Codes

instalado em seu tablet ou celular, para

Os dados levantados nessas reportagens

serão transformados numa plataforma de

campanha eleitoral ideal, sustentada por

informações de quem realmente lida com os

problemas de Porto Alegre em seu cotidiano.

O suplemento especial encartado no

jornal é o primeiro produzido por esta turma.

Os alunos Larissa de Bem e Renan Sampaio

entrevistaram atores da política local para

tentar responder a uma questão essencial

para a democracia: por que as propostas de

todos os candidatos se parecem?

Outras reportagens estão disponíveis em

http://editorialj.eusoufamecos.net/pagos. Leia, comente, colabore no incentivo ao voto

consciente.

Caderno produzido por estudantes procura desvendar o porquê de os candidatose suas propostas parecerem todos iguais durante a campanha eleitoral

usar este recurso. É possível

encontrar uma lista de

aplicativos para diversas

marcas de aparelhos no site

http://reader.kaywa.com.Use o código ao lado para

acessar o site do Editorial J.

Lago Guaíba, símbolo da Zona Sul, é famoso por seu pôr-­do-­sol

bairrismo

A zona sul de Porto Alegre, ZS para os íntimos, imprime em seus moradores uma per-­sonalidade própria. Os mais bairristas, orgulhosos de um

pedaço da cidade banhado pelo Guaíba e onde há mais casas do que prédios e mais verde da natureza do que cinza do con-­

a trocariam por lugar algum na cidade. Também chamam os residentes do lado Norte da cidade pelos apelidos deprecia-­tivos “zenil” ou “zena”.O ufanismo local ganhou mais evidência

depois que uma imobiliária, na onda da expansão da construção civil, começou a distribuir um adesivo com os dizeres “A Zona Sul é tudo de bom”. A campanha se tornou popular e hoje pode ser vista na traseira de diversos carros na Capital. Redes sociais também reunem os fãs da região -­ a página da campanha no Face-­book tinha 909 curtidores até 13 de junho.Se, por um lado, a descrição

de calmaria interiorana gera paixões, quem prefere o estilo de vida urbano faz divertidas provocações com a caricatura da Zona Sul -­ em tom de piada, a nomeia como zona rural e sede campestre. “Não se pega ônibus de linha para a Zona Sul, se embarca na rodoviária”, ou “na Zona Sul não se mora, se esconde” são algumas das frases jocosas mais comuns.Para o sociólogo do Departamento

Municipal de Habitação de Porto Alegre (Demhab) Aldovan Moraes, a cidade tem uma relação com a Zona Sul que não é igual à estabelecida com outras regiões. “Na linguagem popular só existe Centro, Norte e Sul, a Zona Leste é esquecida. Apesar de ser uma região de muitos morros, há uma ligação quase que automática com o Guaíba, que se deve ao passado da ci-­dade”, destaca o sociólogo, lembrando que,

quando as águas do lago eram balneáveis, a região abrigava casas de veraneio.Outro aspecto sociológico é destacado

por Moraes. “Pelo menos desde 1808, o imaginário brasileiro de qualidade de vida é a Zona Sul. No Rio de Janeiro, por exem-­plo, a Zona Norte é onde se encontram as empresas, o Centro é uma região que já teve importância comercial e decaiu e a Zona Sul é o lugar em que as pessoas com maior poder aquisitivo moram. A província sempre tenta imitar a capital, e a Zona Sul é a representação desse estilo de vida dese-­jado”, argumenta.

Ex-­presidente da Associação de Moradores de Ipanema, Astélio José Bloise Santos, 68 anos, escolheu, em 1983, o bairro dono de uma das vistas mais bonitas da cidade para ser seu lar. Ele é

habitam as margens do Guaíba. “Depois que eu me aposentei, o meu limite é o Shopping Praia de Belas. Dali, eu não passo, a não ser por necessidade. Seguramente, faz uns 12 anos que não caminho na Rua da Praia”, garante.Seu Astélio, como prefere ser

chamado, tem um jeito calmo e conciso de falar. É representante

do estilo de vida parecido com o do interi-­or, em que todos se conhecem e as compras são anotadas em cadernetas. Acompanhado do cachorro Pereba, um

vira-­lata que achou na beira do lago, Astélio mostra a casa em que moram e as re-­cordações de um tempo em que a área era mais preservada. “Mesmo com a condição natural que Ipanema tinha não sendo mais a mesma, o movimento de veículos tendo aumentado e o rio, que era razoavelmente limpo, estar uma imundície, ainda assim eu considero a Zona Sul o melhor lugar para se morar. Somos bairristas, mas não excludentes. Pessoas de outros lugares são sempre bem-­vindas quando visitam a Zona Sul”, argumenta.

Texto: Cassiana Martins (2º sem.) e Camila Salton (1°)Foto: Eduarda Alcaraz (7º)

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Até a década de 1970, o “rio” Guaíba -­ posteriormente designado como lago -­ tinha condições para o banho, e bairros como Ipanema eram área de veraneio de Porto Ale-­gre. Apenas em 1973, quando a Free Way (BR-­290) foi inaugurada, facilitando o acesso ao litoral norte do Rio Grande do Sul, a atração pela região nas férias diminuiu e, por outro lado, tornou-­a opção de vida permanente de muitos moradores.

por 22 bairros, abrangidos nas regiões do Orçamento Participativo 8 (Restinga), 11 (Cristal), 12 (Centro-­Sul), 13 (Extremo-­Sul) e 15 (Sul). Alguns desses bairros, como Belém Velho, Lami e Lageado, são considerados áreas rururbanas, um híbrido entre zonas urbana e rural. Para parte da população, bairros como Menino Deus e Praia de Belas, que tecnicamente fazem parte do Centro, também constituem a ZS.Outra curiosidadade é que o bairro Tristeza, tido como pólo comercial da região,

ganhou esse nome em homenagem ao seu morador mais antigo, José da Silva Guima-­rães. Seu semblante sem expressão de alegria primeiro virou apelido, depois, sobre-­

Adesivo pode ser visto em carros

O apego ao estilo de vida de bairros como Ipanema e Tristeza

é propagado por moradores e por campanha de imobiliária

Texto: Ian Linck (6º sem.)

Não houve muito planejamento.

A decisão foi do tipo “ok, é

isso que eu estou fazendo

agora, vai ser interessante e

me ajudará a me concentrar

nas coisas que acho importantes”. Assim,

sem mais, nem porquê, Jonathan Dunham

começou sua jornada. O bioquímico norte-­

americano de 39 anos iniciou, há cerca de

uma década, uma travessia que o levou

desde Portland, estado de Oregon, nos

EUA, até a América do Sul.

Percorreu todo o trajeto a pé, na

companhia de seu burro, Judas. Fazendo

uma média de 25 quilômetros por dia, cruzou

14 países, incluindo México, Venezuela,

Colômbia e Paraguai, onde atravessou a

fronteira para o Brasil. Ele pretende seguir

viagem até a Patagônia. Em terras brasileiras,

já passou pelo Paraná, Santa Catarina e Rio

Grande do Sul. O acaso acabou o trazendo

a Porto Alegre, onde conversou com uma

equipe do Editorial J em uma sexta-­feira

ensolarada, dia 27 de abril, na Famecos.

Dunham é um sujeito simpático e

inteligente, de fala mansa. O bioquímico se

conta que a solidão na estrada o agrada, pois

dá tempo de ler, escrever e se concentrar

no mundo moderno, sempre tem algo

acontecendo na TV, no rádio, no celular e na

internet, nunca estamos sozinhos. Aprender

A viagem de Jonathan Dunham só foi

possível graças à bondade de estranhos que

o encontram no caminho, e à ajuda do seu

burro. O animal foi recebido como doação,

assim como suas roupas. “Às vezes estou

bem vestido, às vezes, não, pois dependo das

peças que me dão. As pessoas são bastante

generosas e, ao mesmo tempo, é uma lição

de humildade. Muitas vezes, tentamos nos

expressar através da escolha das nossas

roupas. Eu não tenho essa possibilidade,

visto apenas o que me foi dado”, raciocina.

O destino, então, o levou até Porto

Alegre. Logo ele, que sempre evitava cidades

grandes por causa do burro. Na Capital,

foi hospedado durante alguns dias por

Oziel Alves, funcionário da PUCRS. Parte

da família de Oziel vive no município de

Caçapava do Sul, e foi lá que os dois se

conheceram. No mesmo dia da entrevista, os

dois irmãos do caminhante desembarcaram,

vindos dos EUA, para visitá-­lo pela primeira

vez no Exterior.

Sobre o Rio Grande do Sul, ele diz que

recebeu muito mais atenção da mídia do que

em outros lugares -­ apesar de que uma busca

no Google revela que ele já saiu até no New

York Times. Por aqui, involuntariamente,

se tornou uma espécie de celebridade em

cidades interioranas gaúchas, gerou mais

reportagens em pequenos jornais e era

reconhecido facilmente ao caminhar à beira

JUNHO DE 2012 / PÁGINA 4

A viagem, até esse ponto, foi tão longa

que Jonathan Dunham não sabe dizer ao

certo se está há nove ou 10 anos na estrada.

que teve de fazer ao longo do caminho, pois,

por duas vezes, voltou à sua casa para ver a

retomou a viagem. A trajetória começou no

Oeste dos Estados Unidos, que cruzou num

ano, até chegar à fronteira com o México.

Inicialmente, não queria entrar no país, pois

tinha medo da região da fronteira e sequer

falava espanhol.

seguiu viagem ao sul. Após duas semanas,

conheceu uma família no norte do México

que o acolheu em sua fazenda, onde viveu

por um ano ajudando na lida do campo.

No período, aprendeu a andar a cavalo, a

ordenhar vacas e a falar espanhol.

No México, Jonathan também ganhou seu

companheiro, o burro Whothey, que com um

nome de pronúncia difícil para falantes de

espanhol, acabou virando Judas. Ao contrário

do personagem bíblico, o burro nunca o

traiu e ainda o ajudou de várias maneiras:

carregando seus mantimentos, livros e

roupas, fazendo companhia e contribuindo

para fazer amizades durante o caminho.

pela estrada com um burro ao seu lado,

certamente chama atenção e atrai curiosos

por onde passa. “Burros não são mais usados

hoje em dia, são coisa do passado. Para os

mais velhos, é algo nostálgico, enquanto que

os mais jovens nunca viram um e perguntam

‘isso é uma vaca’? (risos). Então, como eu

sou um cara tímido, o burro me ajudava a

conhecer pessoas”, confessou. Um verdadeiro

quebra-­gelo sobre quatro patas.

O caminhante detalha que o burro

ainda era capaz de pressentir o perigo,

ou pressentindo a aproximação de outros

animais perigosos. Infelizmente, as terras

gaúchas trouxeram má sorte. Judas morreu

no dia 15 de março de causas desconhecidas

em Caçapava do Sul, no interior do Estado.

Até o fechamento desta edição, Jonathan

estava em Cruz Alta se preparando para

seguir viagem com outro burro, oferecido

por um criador de animais do interior

paulista. De São Paulo, o animal será

transportado até Santana do Livramento,

onde Jonathan cruzará a fronteira com o

Uruguai para seguir na jornada, por

não ter conseguido renovar

seu visto de permanência

no Brasil. O novo

animal ainda não

tem nome.

Um Judas do bem

Jonathan Dunham é muito grato ao antigo companheiro Judas, o burro que morreu no Rio Grande

aventura

O homem e o burroFOTOS: Arquivo pessoal

“A parte mais compensadora

da viagem não é chegar ao

por causa de tudo que se passou

antes. Para mim, aprender

sobre as pessoas e suas vidas é

muito mais interessante do que

poder dizer que caminhei 20 mil

Mesmo depois de tanta

conversa, ele admite que não

respondeu à pergunta. Talvez

Jonathan não precise de um

o que faz. Basta a vontade de

seus pensamentos e conhecer

lugares e pessoas novas ao longo

do caminho.

Talvez o bioquímico procure

um sentido, queira se isolar do

mundo ou esteja fugindo de

alguma coisa. Ou talvez nem

saiba ao certo o que busca.

Mesmo depois de tantas linhas

escritas a seu respeito, ninguém,

até agora, conseguiu entender

“É como perguntar ‘o que você

aprendeu em quatro anos de

faculdade? É difícil de explicar.

Uma coisa que gostei da cultura

latina em geral, seja na América

do Sul ou Central, é que as

pessoas têm outros valores.

Eles valorizam a família muito

mais e nós [americanos] não.

Por outro lado, acho que os

americanos têm uma ética no

trabalho muito forte e os latinos

nem sempre. Então há coisas

boas e ruins. Só de falar com as

pessoas e tentando incorporar

o que eles acreditam dentro do

que eu acredito. A vida é uma

interpretação. Você pega as suas

experiências vividas e tenta fazer

sentido delas. Mas Jonathan

aparentemente não faz questão

de ser compreendido. Ele apenas

segue em frente.

JUNHO DE 2012 / PÁGINA 5

A pergunta mais difícil

Longe do materialismo

Mas como a viagem se conecta

a isso? Estaria Jonathan Dunhan

existência humana em suas andanças?

“Eu não acho que esteja procurando

parte, para me separar da cultura

moderna, que tipicamente acha

Eu acho que há de haver algo, além

das nossas vidas, e isso seria Deus”,

sustenta o caminhante.

Como exemplo do materialismo

da sociedade americana, ele conta

que muitas pessoas consideram

sua viagem ridícula e uma perda de

tempo. “Mas se eu escrevesse um

livro e ganhasse dinheiro e fosse

bom”, complementa. Tudo estaria

dólares com essa jornada.

Sobre a caminhada, Jonathan

admite que a iniciativa não é nada

viagens muito maiores que

a minha, mas muitas

nunca aprendem

uma língua, não

têm contato com as

pessoas. Escrevem

livros contando

quantos quilômetros

caminharam, que

tipo de calçado

usaram. São coisas

interessantes, mas

meu livro, caso

escrevesse um, não

seria sobre isso, e sim

sobre o que aprendi

com as pessoas,”

especula.

O homem e o burroEntre a fé e a ciência

Afinal, por que Jonathan

Dunham faz essa viagem? É a

pergunta mais comum e também a

mais difícil de responder. Relatos

na mídia já deram conta de que o

bioquímico estaria atrás do sentido

da vida, à procura de Deus ou de si

próprio. Talvez seja um pouco disso

tudo. A mera menção da pergunta

desencadeia uma longa conversa

filosófica que, se não explica bem

Jonathan explica se considera

um cristão, para quem a concepção

budista de Deus, por exemplo, não

explica coisas como o mal, o amor,

entre outros. Já o Deus cristão,

sim. “Eu estudei bioquímica e os

bioquímicos são muito materialistas.

Eles contam a história do Big Bang,

de como tudo se formou. Sob essa

abordagem, a vida é algo aleatório

que se formou ao acaso. Não há

sentido na vida. Um dia tudo vai

acabar e não há significado em

nada do que fazemos. A partir

dessa visão, a pergunta ‘por que

você está fazendo isso?’ se torna

insignificante. Eu poderia responder

‘por que você está fazendo isso?’.

Eu não rejeitaria a parte prática da

ciência, mas sim a filosófica, pois,

segundo ela, não haveria significado.

Para mim, para haver sentido, tem

de haver uma vontade, algo que

escolha, o que tradicionalmente

seria Deus”, explica.

cultura

O vazio das bibliotecas

Texto: Cândida Schaedler (1º sem.) e Janaína Marques (3º) Fotos: Ingrid Flores (7º)

JUNHO DE 2012 / PÁGINA 6

Das sete instituições estaduais e municipais da Capital, três recebem até 20 pessoas por dia cada, em média

A Biblioteca do Estado, que funciona na Casa de Cultura Mario Quintana durante a reforma da sede, recebe bem menos visitas que as de SC e PR

L ocalizada no quinto

andar da Casa de Cultura

Mario Quintana (CCMQ)

enquanto sua sede está

em reforma, a Biblioteca

Pública Estadual (BPE) recebeu

29 mil visitantes em 2011. Em

Florianópolis, cidade que tem

apenas 30% da população de Porto

Alegre, a Biblioteca Pública de

Santa Catarina registrou 42 mil

visitas, quase 50% mais. E, em

Curitiba, a Biblioteca Pública do

Paraná contou 616 mil no mesmo

período. A falta de interesse

governos estadual e municipal. No

Rio Grande do Sul, apenas 0,1%

do Produto Interno Bruto (PIB) é

destinado à cultura, que abrange a

manutenção dos acervos.

Além da frequência limitada,

a diretora da biblioteca gaúcha

Morgana Malcon conta que, desde

1992, não são realizados concursos

públicos para bibliotecários no

Estado, deixando precário o

atendimento. Outro problema

para a BPE é a falta de espaço.

Como a obra no prédio histórico

da biblioteca, na Rua Riachuelo,

se prolonga desde 2009, parte do

acervo foi transferido para a CCMQ.

Porém, o local não tem espaço para

abrigar todos os 240 mil livros.

Para Morgana, uma das razões

deste comportamento é a presença

das novas plataformas de leitura

online, relegando a produção

em papel ao segundo plano. “As

pessoas não frequentam bibliotecas

porque elas realmente não são

atraentes”, admite a diretora.

Reforçando a tese, uma pesquisa do

Instituto Pró-­Livro revela que cerca

de 75% da população brasileira

jamais foi a uma biblioteca.

Para movimentar o lugar,

Morgana criou o Clube de Leitura,

com reuniões quinzenais para

discutir livros. Também é realizada,

ocasionalmente, uma feira de

troca de livros. Segundo a diretora,

as duas ações têm bom público.

abertura de um andar do prédio da

BPE, mas a obra deve ser concluída

daqui a dois anos.

Segundo a coordenadora do

Sistema Estadual de Bibliotecas

Públicas do Estado, Rosana de

Lemos Vasques, ainda neste

ano haverá concurso para

bibliotecários. Ela promete

que todas as instituições

serão modernizadas, e

explica que o governo lança

editais para premiar projetos

propostos pelas bibliotecas.

“O objetivo é fazer com que

elas se empenhem”, afirma.

No entanto, do total de 531,

apenas cerca de 80 instituições

apresentaram projetos.

Pessoas cadastradas: 6.233Frequência média por dia: 50 a 70 pessoasFrequentaram no último ano: sem dadosAcervo da biblioteca: 22,5 mil obrasFaixa etária do público: 20-­70 anos

Romano Reif

Leopoldo Boeck

A Biblioteca Estadual Romano Reif

dispõe de três computadores antigos que,

segundo a funcionária Ana Paula Oliveira,

não estão em condições de funcionamento.

Atualmente, a biblioteca tem um salão

multiuso ocupado pela administração do

Parque Alim Pedro para atividades como

dança e ginástica voltadas à terceira idade. A bibliotecária Édina Fell conta que

diversas atividades culturais eram realizadas na Romano Reif, mas cessaram quando

a funcionária responsável pelas promoções foi transferida. “O pessoal adorava a

hora do conto, até porque tem muitas creches aqui perto. Em torno de 30 a 40

crianças vinham quando esses eventos eram realizados”, relata. A biblioteca tem

projetos para cursos, palestras e seminários, porém sem previsão de realização.

Endereço: Praça Largo da Bandeira, 64 – Bairro IAPI

A Biblioteca Estadual Leopoldo Boeck está equipada com dois computadores

sem acesso à internet. Costumava ser bastante frequentada quando promovia

eventos como palestras e horas do conto. Entretanto, desde que a funcionária Idione

que trabalhou sem ajuda por três anos e, mesmo agora, com novas funcionárias para

auxiliá-­la, as atividades não foram retomadas.

Endereço: Rua República do Peru, 398 – bairro Jardim Sabará

Pessoas cadastradas: 3,3 milFrequência média por dia: 15 pessoasFrequentaram no último ano: sem dadosAcervo da biblioteca: 16 mil obrasFaixa etária do público: todas as idades

Público infantil da Lucília Minssen encontra nas prateleiras clássicos da literatura, mas obras novas chegam somente por intermédio da Associação de Amigos

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Pessoas cadastradas: 905Frequência média por dia: sem dadosFrequentaram no último ano: sem dadosAcervo da biblioteca: 20.987 obrasFaixa etária: infantil

Lucília Minssen

Destinado ao público infantil e

situado no terceiro andar da Casa de

Cultura Mario Quintana (CCMQ), o

espaço tem como objetivo proporcionar

um ambiente lúdico em que as crianças

possam entrar em contato com os

livros desde cedo. A diretora Marília

Sauer relata que há uma desatualização

do acervo, restringindo-­o a clássicos

literários. Novas obras são adquiridas

somente por meio da Associação

de Amigos da biblioteca, composta majoritariamente pelos pais das

crianças que a frequentam. A BLM promove, anualmente, concursos de

contadores de histórias, festivais de poemas infantis e diversas atividades

culturais. No mês de outubro, período em que se realizam estes eventos,

mil crianças, em média, visitam o local.

Endereço: Rua dos Andradas, 726, 5° andar da CCMQ – Centro

Pessoas cadastradas: 11.257Frequência média por dia: 20 pessoasFrequentaram no último ano: sem dadosAcervo da biblioteca: 27.880 obrasFaixa etária do público: 60 anos

Lígia Meurer

A Bilbioteca Municipal Josué

Guimarães é a única informatizada

com código de barra nas carteiras de

associados e está em boas condições.

A prefeitura libera uma verba anual

de R$ 8 mil para a compra de livros

e disponibiliza funcionários, como

eletricistas e engenheiros, para a

manutenção do prédio. Carmem

Thober, bibliotecária e diretora do

espaço, conta que o acervo recebe

livros, jornais e revistas de associados

e outros colaboradores. Assim que novos livros chegam, obras repetidas ou

em mau estado são doados para bibliotecas de bairros. Em 2006, foi enviado à

Secretária Municipal de Cultura um plano de modernização. As solicitações para

instalar rampa de acesso, câmeras de segurança e um catálogo on-­line não

foram atendidas. Segundo a diretora, o catálogo aproximaria o público, pois a

divulgação atual se dá por meio de folhetos.

Endereço: Avenida Erico Verissimo, 307 – bairro Menino Deus. Localizada no Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues

Pessoas cadastradas: 3.518Frequência média por dia: 40 pessoasFrequentaram no último ano: 2 milAcervo da biblioteca: 30 mil obrasFaixa etária: adulto

Josué Guimarães

Ramal 1 RestingaPessoas cadastradas: 1 milFrequência média por dia: 20 pessoasFrequentaram no último ano: sem dadosAcervo da biblioteca: 7 mil obrasFaixa etária do público: todas as idades

Inaugurada em 2001, a Biblioteca

Municipal Josué Guimarães – Ramal 1

Restinga atende a população adulta e

infantil do bairro. Conta com poucos

leitores cadastrados e consegue atender

seu público, basicamente, por meio de

doações. Durante o período letivo, a

movimentação é mais intensa.

Endereço: Rua Antônio Rocha Meirelles Leite, 50 – bairro Restinga Nova

A Biblioteca Estadual Lígia Meurer já teve uma média diária de 200

leitores, quando estava situada na rua Félix da Cunha, em um prédio da

Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Porém, a universidade solicitou

o prédio de volta ao governo do Estado. Comovida com a situação, a

Associação Cristóvão Colombo emprestou parte de seu prédio em 2002.

Localizada neste espaço desde então, o local mais se assemelha a um

“galpão”, segundo a bibliotecária Flávia Faccio. A biblioteca conta apenas

com cerca de 20 frequentadores por dia e amplia seu acervo por meio

de doações de livros, revistas e jornais. O que não é aproveitado pelos

leitores é vendido para empresas de reciclagem ou a um comerciante

que revende o material no Mercado Público. Com o valor arrecadado,

novas obras são compradas em sebos. A instituição tem um computador,

mas sem acesso à internet.

Endereço: Rua Câncio Gomes, 786 – bairro Floresta

Clientes fiéis, como Odilon Nogueira (acima), não perdem a feira um

sábado sequer;; Cristiano Martins (abaixo) gosta de vender abacaxi

“no grito”, impondo seu vozeirão sobre o burburinho das bancas

JUNHO DE 2012 / PÁGINA 8

Um mosaico de cores feira livre

Por mais que as cidades cresçam e se transformem, certas características se mantêm. Entre elas está uma das mais antigas formas de comércio, a negociação direta entre produtor e

consumidor, preservada nas feiras livres.Esses pequenos eventos cotidianos são

um mosaico de cores, cheiros, sabores e personagens. Embaixo de cada tenda e no entorno delas, histórias se cruzam enquanto pessoas trabalham por seu sustento.Não há informações precisas sobre quando

as feiras surgiram. Há relatos de que em 500 a.C. já aconteciam no Oriente Médio, na

Brasil, existem desde o período de colonização e, até hoje, o “fazer a feira” está presente no cotidiano nacional. Em Porto Alegre, são realizadas semanalmente 49 feiras. Apenas nas segundas-­feiras não existe programação.O que motiva os consumidores é a busca por

produtos frescos a preços baixos. Atualmente, a variedade de artigos transcende a tradicional tríade de frutas, verduras e legumes. Carnes,

A variedade não se restringe às mercadorias. Feirantes, biscateiros e ambulantes, cada trabalhador tem seu jeito de oferecer o produto e se relacionar com os clientes. O objetivo é garantir o ganho, mantendo o principal traço desses lugares, o alto astral.

bairro Cidade Baixa, circula com frequência a estudante Andrea Delgado, 23 anos. “Eu reparo sempre na qualidade dos produtos. O que está bom, eu compro. Gosto da feira porque conheço todo mundo, as pessoas são muito gentis”, conta. Ela destaca que uma das grandes vantagens é o fato de tratar diretamente com o produtor, diferente de supermercados.Os feirantes estão lá desde cedo. Antes

mesmo das 6h30min, quando as barracas terminam de ser montadas, os primeiros fregueses chegam e dão início ao movimento frenético que dura cerca de quatro horas,

da feira, quando os preços caem, a negociação

cheias.A feira está longe de ser lucrativa apenas

para os donos das bancas. O local vira um verdadeiro shopping center do comércio informal e de prestação de serviços. De um lado, há o ambulante que vende meias e toucas de lã, antenas de TV e capas de celular. Os taxistas chegam e saem a todo instante, levando para casa aqueles que vieram a pé.A diversidade de personagens e mercadorias

cria um universo único e torna a feira um dos últimos espaços democráticos.

Texto: Gerson Raugust (6º sem.) Fotos: Alina Souza (6º)

Desde 500 a.C., o comércio direto com os produtores atrai fregueses em busca de alimentos frescos e baratos

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