MIRANDA; OLIVEIRA & COELHO (2017)
A REFORMA DO ENSINO MÉDIO (LEI 13.415/2017) E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NATAL, RN – 24 A 27 DE JULHO DE 2017 – CAMPUS NATAL CENTRAL -‐ IFRN
POLÍTICAS EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: O PAPEL DOS INTELECTUAIS E O DIREITO À EDUCAÇÃO
Emmanuella Aparecida Miranda Lilian Aparecida Carneiro Oliveira
Edgar Pereira Coelho
RESUMO
Este trabalho busca refletir sobre os impactos das políticas públicas no campo da educação profissional, em especial o papel da atual política de cotas e seus efeitos no curso técnico integrado em Agroecologia. Nesse processo de análise, consideramos o papel dos intelectuais e o direito à educação como pontos de partida para a compreensão das mudanças que se
colocam à realidade da educação profissional no cenário brasileiro. O método de pesquisa baseou-‐se na imersão bibliográfica e documental. Contamos com a Análise de Discurso de Fairclough (ADC) para análise das falas que persistem no cotidiano escolar sobre direito, educação, formação profissional, sucesso e fracasso escolar.
PALAVRAS-‐CHAVE:Educação Profissional; Política de Cotas; Intelectuais.
ABSTRACTThis work seeks to reflect on the impacts of public policies in the field of professional education, especially the roly of the current quota policy and its effects on the integrated technica course in Agroecology. In this process of analysis, we consider the role of the intellectuals and the right to education as starting points for understanting the changes that
are placed in the reality of professional education in the Brazilian scenario. The research method was based on bibliographical and documentary immersion. We have the Fairclough Speech Analysis (ADC) for the analysi of the speeches that persist in the school everyday about law, education, professional formation, success and school failure.
KEYWORDS: Professional education; Quotas policy; Intellectuals.
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1 INTRODUÇÃO
Proliferam as pesquisas sobre desempenho de estudantes cotistas em cursos superiores. Os resultados apresentados, até então, refutaram as ideias conservadoras de que haveria queda na qualidade da educação caso o processo de ingresso nos cursos de graduação não mantivesse o rigor da seletividade meritocrática. Muitos desses argumentos, contrários à política de cotas, defendiam a necessidade de maior investimentos na educação básica como forma para alcançar a “justiça” no processo de entrada nos cursos superiores das universidades mantidas com recursos dos cofres públicos (desconsiderando, assim, origem social, questões étnico-‐raciais e pessoas com deficiência, condições econômicas ou proveniência escolar).
No entanto, por mais que as pesquisas realizadas sobre sucesso e fracasso escolar no contexto da política de cotas tenham sido apresentadas de modo a desconstruir o pessimismo acerca do desempenho de estudantes cotistas, ainda nos resta questionar se o mesmo acontece com a etapa que antecede a entrada dos estudantes nos cursos de nível superior. Ou seja, a ideia de que o sucesso acadêmico só pode ser alcançado através de rigoroso processo seletivo se sustenta quando nos referimos ao ingresso de estudantes no ensino médio? A relevância científica e social deste trabalho se pauta tanto na pertinência de análise do processo de acesso e permanência de estudantes cotistas quanto na necessidade de refletirmos criticamente sobre as falas presentes no cotidiano escolar que ainda insistem no risco da perda da qualidade da educação mediante o sistema de reserva de vagas definido pela Leis 12.711/2012 e 13.409/2016.
Ao investigarmos se essas impressões fatalistas procedem acabamos por estabelecer algumas conexões entre os possíveis efeitos da Lei 13.415/2017, que institui a reforma do ensino médio, e os dilemas que nos apontam o “Programa Escola sem Partido” -‐ projeto de lei 867/2015. Nesse âmbito, verificamos que algumas ideias que circulam nos corredores escolares guardam interfaces ideológicas com com outras questões políticas e sociais que não se limitam a uma única política educacional, antes, orbitam conforme o panorama político que define e é definido por interesses de classes.
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A escola é um espaço educacional eminentemente político, uma vez que se constitui como “locus” privilegiado para a congregação das diversas ideias que circulam na sociedade, sejam elas reproduções de uma ideologia dominante (repercussões do senso comum), sejam formas críticas de reflexão contra
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hegemônica. “É com esse entendimento que compreendemos a escola como campo permanente de aprendizagens diversificadas, de conflitos, de disputas de ideias, posições, crenças, opiniões e orientações” (TAVARES; SILVA, 2012, p. 53). Dessa forma, não podemos nos furtar aos debates que surgem no meio educacional, menos ainda sob a justificativa de que a escola não seria o espaço correto para a reflexão de temas que vão surgindo ou reverberando nos corredores institucionais. Daí o primeiro impasse ao Programa Escola sem Partido, haja vista que é na escola que o senso comum deve ser considerado como ponto de partida para a análise dos discursos e posteriormente tratados de forma a possibilitar a reflexão científica que, por sua vez, favorecerá a ruptura com as ideologias que se escondem por trás desses falares aparentemente “inconscientes”.
Portanto, a escola apresenta não só o papel educacional, mas político e social, uma vez que para si convergem várias refrações da questão social. Nesse sentido, para além de ser a escola transbordante apontada por Nóvoa, também exerce importante função no campo das batalhas ideológicas, nas quais cotidianamente empenham-‐se os intelectuais, orgânicos e tradicionais, a desvelar o sentido da educação: quer seja para além do capital (como nos instiga apensar István Mészáros), quer seja como campo de estreita margem de liberdade (como nos indica Bourdieu). Entre messianismo e fatalismo, preocupamo-‐nos em encontrar o sentido necessário para a recomposição das forças às massas, às camadas populares, que buscam na escola os saberes necessários para a superação das condições amorfas em que se encontram.
Assim sendo, parece-‐nos, à primeira vista, ser incontestável o direito à educação. “Afinal, a educação escolar é uma dimensão fundante da cidadania, e tal princípio é indispensável, para políticas que visam à participação de todos nos espaços sociais e políticos e, mesmo, para reinserção no mundo profissional” (CURY, 2002, p. 245). Esse tema tem sido reiterado por vários documentos nacionais e internacionais que aportam na educação as bases para a cidadania na modernidade. Portanto, tratar do direito à educação para todos não é uma novidade, mas uma necessidade que precisa ser reiterada cotidianamente, haja vista que o acesso universal e em todas as instâncias de ensino ainda não se constitui como realidade.
Uma das frentes de inclusão apontadas pelos movimentos sociais é a reserva de vagas por meio da política de cotas, legalmente instituída através das leis 12.711/2012 e 13.409/2016. Ao destinarem, para todos os cursos de graduação e ensino técnico de nível médio das instituições federais de ensino, um mínimo de cinquenta por cento das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas, essas leis alternam a questão da meritocracia para o direito. Ou seja, os debates sobre direitos e educação passam a questionar as ideias dominantes que retroalimentam a lógica do sistema contraditório e antagônico que caracteriza a sociedade de classes.
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Nesse contexto, não só a reserva de vagas a egressos de escolas públicas entra em voga, mas a garantia de que o percentual mínimo deve atender, prioritariamente, estudantes de acordo com os critérios de condição econômica, autodeclarados pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. No entanto, o debate não se restringe apenas à garantia do acesso à diversidade ou aos grupos historicamente marginalizados, mas sobretudo, compreender que as políticas públicas não são meras concessões dos que detém o poder político e econômico. São, antes, resultados de lutas das classes populares para apropriação do quinhão que lhes é devido na produção material da vida.
É preciso considerar que as leis e políticas públicas são frutos da pressão social das classes em conflito. Em outras palavras, a legitimidade das reivindicações dos grupos subalternizados é o que impulsiona os movimentos contra-‐hegemônicos à ordem estabelecida. Nesse ponto, destacamos o caráter político-‐pedagógico dos intelectuais tradicionais e daqueles que estão ligados organicamente às classes a que se associam.
De acordo com Gramsci (2001), o papel dos intelectuais é preponderante para a manutenção ou ruptura com o pensamento dominante. Isso porque
todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político (GRAMSCI, 2001, p. 15).
Nesse sentido, a pedagogia revolucionária torna-‐se possível uma vez que, estando em contato com os membros dos grupos oprimidos, os intelectuais podem intervir em prol do acesso à educação de qualidade (qualificada tanto pela capital cultural que congrega em si, quanto pelo poder advindo da crítica a respeito da realidade e da percepção das estruturas que geram e mantém firmes as correntes da alienação). Assim sendo,
as batalhas devem ser travadas inicialmente no âmbito da sociedade civil, visando as conquistas de posições e de espaços (“guerra de posição”), da direção político-‐ideológica e do consenso dos setores majoritários da população, mas como condição para o acesso ao poder de Estado e para sua posterior conservação (COUTINHO, 2014, p. 147).
Nesse aspecto, o papel dos educadores não deve se restringir a programas e conteúdos pré-‐determinados por políticas de governo, que nada mais objetivam que a garantia da preservação da ordem. Antes, profissionais da educação devem se instrumentalizar para a leitura do real que só é possível com a contínua investigação dos
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fatos e análise das ideias que circulam na sociedade. Daí a necessidade de ser o profissional também pesquisador.
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-‐fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p. 14).
Com relação aos assuntos que perpassam o campo escolar, é preciso estar atento à forma como essas ideias são tratadas: meramente repetidas – e assim garantida a preservação da ordem; pois “as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes” (MARX; ENGELS, 2009, p. 67) – ou problematizadas? A intervenção do intelectual através da pesquisa – que qualifica o ato de ensinar – o instrumentaliza ao debate, por conseguinte, possibilita o despertar do educando para a própria reflexão. Assim sendo, é inegável que o papel dos intelectuais (tradicionais ou orgânicos, docentes ou não) está ligado à percepção dos direitos historicamente negados ao conjunto da classe trabalhadora e aos diversos grupos discriminados que a compõe, bem como à conscientização das classes subalternizadas através da revolução cultural.
No campo dos embates ideológicos, no que diz respeito à conquista de direitos, verificamos que as lutas das classes populares estão marcadas por reviravoltas políticas, ora pendendo a favor dos vulnerabilizados, trabalhadores, e suas formas de enfrentamento à opressão dominante, ora a favor dos detentores do poder econômico e político. Nesse ínterim, a escola, enquanto aparelho privado de hegemonia exerce importante papel na formação da classe trabalhadora, quer seja para moldá-‐la aos interesses do capital, quer seja para incutir-‐lhe o espírito de subversão ao domínio imposto pelo sistema vigente. É nesse contexto de lutas que verificamos o papel da educação como meio de emponderamento e como recurso de controle social.
De acordo com Enguita (1980), a escola, esteve, desde suas bases, interligada aos interesses da classe dominante: tanto para a formação da mão de obra (a serviço da manutenção do mercado da força de trabalho, resultante da relação inversamente proporcional aos salários e a reposição do número de integrantes do exército de reserva), quanto para a manutenção de uma pedagogia que garantisse a docilização da classe trabalhadora. Por outro lado, o antagonismo e a contradição que permeiam o sistema capitalista também lhe garante a antropofagia. Ou seja,
somos também forçados a considerar que tudo isso cria para a classe trabalhadora oportunidades – bem como perigos e dificuldades -‐, precisamente porque educação, flexibilidade e mobilidade geográfica, uma vez adquirias, ficam mais difíceis de ser controladas pelos capitalistas (HARVEY, 2015, p. 175).
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Nestes termos, podemos compreender que a educação apresenta sua face revolucionária uma vez que a entrada e a permanência podem ser meios de acessar conhecimentos para além dos interesses imediatos do capital. Daí o embate: uma escola que toma partido nas causas sociais e interesses gerais é particularmente perigosa aos planos da pequena burguesia. Uma escola que se abre a um público historicamente segregado de seus direitos educacionais, é sem dúvida uma ferramente revolucionária. Daí a emergência do capital por reformar, para retornar os eixos dominantes ao estado de controle: um ensino médio que segregue por conhecimento e não mais por acesso. As frentes de luta se proliferam: muda-‐se de tática para manter o domínio, migra-‐se o foco da discussão do “direito” para a “qualidade”, apela-‐se para a argumentação de que as cotas podem interferir na qualidade da educação e busca-‐se com isso angariar público que ingenuamente (ou não) repassam através do senso comum retóricas que buscam desclassificar a entrada de alunos de escola pública – e desse conjunto, frações destinadas ao atendimento de pessoas autodeclaradas pretas, pardas, com deficiência ou indígenas; com renda superior ou inferior a um salário mínimo e meio -‐. Na guerra de posições, a escola se torna o alvo dos ataques de políticas que buscam amenizar o potencial contestador da educação, ao mesmo tempo em que camufla suas intenções ao imprimir reformas em nome da “qualidade”.
3 METODOLOGIA
A metodologia adotada situa-‐se nos marcos da pesquisa qualitativa, uma vez que essa abordagem pauta-‐se na análise e contextualização do objeto de estudo considerando a realidade como um campo dinâmico e de muitas interações. Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 49), “[…] a abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo”. Assim sendo, a escolha por essa abordagem, além de permitir a maior aproximação entre os sujeitos, possibilita a interação do pesquisador com seu objeto de análise, buscando compreender as múltiplas faces que ele apresenta no contexto social, isso porque
trabalhamos com os fatos de forma a poder aprofundar tanto quanto possível a análise, e não para conhecê-‐los apenas de uma forma sumária, a partir de uma primeira apresentação. Nesse sentido, priorizamos não os fatos épicos, os fatos de grande dimensão, mas aqueles que estão mais próximos dos sujeitos e que repercutem diretamente na sua vida (MARTINELLI, 1999, p. 22).
Por isso optamos pela pesquisa qualitativa, uma vez que ela possibilita ouvirmos as questões do cotidiano expressas nas falas dos diversos atores que atuam no espaço educacional. Ao invés de consideramos os discursos que proliferam no meio escolar como meras falas, buscamos compreender o porquê de suas emergências, o que os fundamenta ou que os fazem persistir.
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Através da imersão bibliográfica buscamos conferir a cientificidade necessária à compreensão do objeto em questão. Nestes termos, o pesquisador ao se apropriar do universo científico ao seu redor, “com um olhar comparativo, alimentado por várias pesquisas bibliográficas, ele consegue distanciar-‐se de seu próprio universo para constitui-‐lo em termos sociológicos e culturais” (FONSECA, 1999, p. 61). Além disso, valemo-‐nos da análise documental (diários, dados do Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica – SISTEC -‐, Projeto Pedagógico do Curso, Registros Acadêmico e pasta de alunos) com vistas à complementação de dados levantados na revisão bibliográfica, buscando confrontar as práticas discursivas com as diversas formas de registros acerca de desempenho dos estudantes cotistas. Assim, aproximarmos a realidade local ao que é explanado em termos mais abrangentes.
De acordo com André e Lüdke (2015), a análise documental reúne uma série de vantagens, dentre elas a condição de fonte estável e segura; fonte de evidências que confirmam as avaliações feitas pelo pesquisador; ancoram contextualização da pesquisa; são fontes de baixo custo; e “finalmente, como uma técnica exploratória, a análise documental indica problemas que devem ser mais bem explorados através de outros métodos” (p. 46). A partir da análise documental, procuramos compreender o papel dos institutos federais (sobretudo do Sudeste de Minas Gerais, Campus Muriaé), além do levantamento de dados sobre acesso e permanência dos estudantes egressos dos cursos integrados ao ensino médio, particularmente quanto ao Técnico Integrado em Agroecologia (CTIA).
O emprego metodológico da ADC, enriquece a análise dos dados uma vez que o pesquisador, ao estabelecer o diálogo investigativo, passa a acompanhar os discursos mediatizados pela fala presente nas práticas sociais, assim como lhe é possível compreender a interligação entre práticas sociais e discursos:
Nessa perspectiva, o discurso é visto como um momento da prática social ao lado de outros momentos igualmente importantes – e que, portanto, devem ser privilegiados na análise, pois o discurso é tanto um elemento da prática social que constitui outros elementos sociais como também é influenciado por eles, em uma relação dialética de articulação e internalização (RESENDE; RAMALHO, 2014, p. 38-‐39).
O emprego da ADC é um método de análise que leva o pesquisador a captar as manifestações de poder contidas nas falas dos sujeitos, pois as práticas discursivas podem revelar a conformação dos atores sociais às condições sociais vigentes ou mesmo a subversão ao poder instituído no contexto social. Dessa forma, conceitos como direito, direitos sociais, cidadania, políticas sociais, política de cotas, educação de qualidade, igualdade, justiça e democracia podem tanto revelar a prevalência de uma consciência crítica como a persistência de uma in(consciência) social conservadora. Para Fairclough (2016), o conceito gramsciano de hegemonia coaduna com sua concepção de discurso, uma vez que as relações de poder presentes na sociedade são expressas na luta pela conquista de consensos. Ou seja,
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Tal concepção de luta hegemônica em termos de articulação, desarticulação e rearticulação de elementos está em harmonia com [...] a concepção dialética da relação entre estruturas e eventos discursivos […]. Pode-‐se considerar uma ordem do discurso como a faceta discursiva do equilíbrio contraditório e instável que constitui uma hegemonia, um marco delimitador na luta hegemônica (FAIRCLOUGH, 2016, p. 128-‐129).
Para desenvolvimento dessa pesquisa, situamos nossas análises no CTIA do IF Sudeste MG Campus Muriaé. Tomamos como ponto de partida estudantes ingressantes no primeiro ano de vigência da Lei de Cotas. A escolha dessa turma levou em conta a condição de curso integrado -‐ que ao associar o conteúdo propedêutico à parte profissionalizante de nível médio, amplia, sobremaneira, a finalidade da educação básica: “art. 22 – […] desenvolver o educando, assegurar-‐lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-‐lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (LDB 9394/96). A escolha do curso se deu por sua anterioridade à lei de cotas, o que nos permitiu avaliar o desempenho estudantil dos cotistas em comparação aos alunos que ingressaram antes do advento legal.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir das considerações acima, voltamo-‐nos para o papel dos intelectuais que atuam no IF Sudeste MG Campus Muriaé e a política de cotas. O mérito ainda é um ponto defendido para a manutenção do status da instituição, que por sua vez é medido pelo resultado do IF no ranking do Enem e pelo número de aprovações dos estudantes em cursos de graduação de instituições públicas.
A tabela que segue demonstra a visibilidade do Campus Muriaé a partir dos resultados no Enem. O IF teve sua primeira participação no exame através da primeira turma concluinte do Curso Técnico Integrado em Agroecologia (CTIA). Até então, as escolas particulares de Muriaé detinham as primeiras colocações e as melhores resultados, fazendo disso um argumento para divulgar a “qualidade” do ensino da rede particular. Ou seja, a qualidade estava (e ainda está) fortemente atrelada à competição, à conquista do consenso em favor dos resultados -‐ em detrimento dos meios e da realidade socioeconômica dos sujeitos participantes (o que por si só é um risco porque ao desconsiderar a realidade e toda a gama de complexidade que cerca os atores sociais, faz-‐se referência apenas aos resultados individuais, levando a crer que independente das condições de vida, “todos” têm a mesma condição de superar suas adversidades, bastando para isso empenho e dedicação por parte do estudante. Isto é, o sucesso ou o fracasso passam a ser vistos como produtos individuais).
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Com a mudança de colocações, o IF despontou e despertou a atenção do público para o ensino público federal de nível médio e, passou ao longo dos anos a atrair mais estudantes da cidade e região circunvizinha (e até mesmo de lugares mais distantes) para o processo seletivo.
Tabela 1 – Ranking geral do Enem (2011-‐ 2015).
Nº Escola 2011 2012 2013 2014 2015
Nacional Municipal
Nacional Municipal
Nacional Municipal
Nacional
Municipal
Nacional
Municipal
01 Colégio Cidade de Muriaé
871º 1º 1.046º 2º 533º 2º 915 2º 559º 1º
02 Colégio Santa Marcelina
1.187º 2º 1.416º 3º 1.725º 3º 2.643º 4º 1.258º 3º
03 Escola São Paulo 3.091º 3º 1.604º 4º 2.107º 4º 1.761º 3º 2.608º 4º
04 IF Sudeste MG Campus Muriaé
-‐ -‐ 981º 1º 496º 1º 570º 1º 985º 2º
Embora a competição tenha aumentado, havia o temor de que os candidatos cotistas aprovados fossem interferir negativamente na visibilidade do IF, uma vez que a ausência de nota de corte aliada à política de cotas “facilitaria” a entrada de “alunos menos qualificados”, o que, por sua vez, impactaria nas notas no Enem e a perda do status que traz a 1ª colocação.
Podemos verificar na tabela acima que os estudantes ingressantes em 2013 (e que concluíram o curso no período regulamentar de três anos) participaram do Enem em 2015. Justamente nesse ano o IF saiu da primeira colocação e ficou em 2º lugar no ranking. Isso seria sinal de que a qualidade da educação estaria sendo afetada pela entrada de estudantes cotistas? Para que se compreenda melhor essa situação, há que se levar em conta que no ano de 2015 participaram do Enem três turmas: os terceiros anos de Agroecologia, Informática e Eletrotécnica. Até então, as notas resultantes do processo avaliativo do Enem dizia respeito somente ao curso de Agroecologia, pois somente em 2013 foram abertos novos cursos.
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Assim, tornou-‐se necessário comparar as notas resultantes da participação dos estudantes do curso de Agroecologia dos anos anteriores com a nota em separado dos estudantes de Agroecologia que participaram do Enem/2015.
Tabela 2 – Ranking geral das notas das escolas no Enem (2011-‐ 2015)
Nº Escola 2011 2012 2013 2014 2015
Média Geral
Municipal
Média Geral
Municipal
Média Geral
Municipal
Média Geral
Municipal
Média Geral Municipal
01 Colégio Cidade de Muriaé
603,6 1º 615,05 2º 657,10 2º 635,40 2º 620,00 1º
02 Colégio Santa Marcelina
593,6 2º 609,00 3º 633,00 3º 613,40 4º 595,50 3º
03 Escola São Paulo 550,0 3º 585,90 4º 624,20 4º 612,21 3º 566,80 4º
04 IF Sudeste MG Campus Muriaé
-‐ -‐ 628,05
(Agro.) 1º
660,05
(Agro.) 1º
662,00
(Agro.) 1º
603,72
(Agro. +
Info. +
Eletro.)
2º
Os dados obtidos no INEP revelaram que participaram do Enem/2015: 27 estudantes de Agroecologia; média das questões objetivas 592,94 pontos; média geral da redação 716,15 pontos; Media Geral da turma do terceiro ano do CTIA, 654,545 pontos.
Comparando os dados da Tabela 2 com a Media Geral da turma do CTIA em 2015, verificamos que no que se refere ao curso analisado, o Campus Muriaé manteria a primeira colocação, tendo a terceira maior média em relação aos próprios resultados durante os anos de 2012 à 2015.
A tabela a seguir apresenta os dados de todos os ingressantes no CTIA a partir da lei de cotas e a progressão dos estudantes em cada grupo de concorrência: Grupo A (subgrupo Apa e subgrupo Apu), B, C, D e E:
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Tabela 3 -‐ Progressão anual dos grupos A (Apa e Apu), B, C, D e E do CTIA.
Grupo Processo seletivo
(2012)
Matrícula (2013)
Ano 2013 Ano 2014 Ano 2015 Ano 2016 Ano 2017
Inscrito/Vagas
Matriculados/Nota de ingresso (Prova = 60 pontos)
Aprovados/Coeficiente
Rendimento
Aprovados/ Coeficiente Rendimento
Aprovados/Coeficiente Rendimento
Egressos (03 anos de curso)
Egressos (04 anos de curso)
A 31 20 Apa: 11*
Apa: 26,78
Apa: 07
Apa: 75,29
Apa: 07
Apa: 74,84
Apa: 07
Apa: 75,80
Apa: 03 UF + 04 Cursinho
Apa: 01 UF
Apu: 10
Apu:
21,90
Apu: 05
Apu: 76,68
Apu: 04
Apu: 75,36
Apu: 04
Apu: 76,83
Apu: 02 UF + 01 FP + 01 Estudando em casa
Apu: 01 FP
B 12 05 05 22,37 04 78,31 04 77,52 04 78,42 02 UF + 01 FP + 01 Cursinho
01 UF
C 30 05 06 26,50 04 79,95 04 80,09 04 80,23 03 UF + 01 FP -‐
D 12 05 05 26,75 02 83,12 02 81,07 02 82,25 01 UF + 01 FP -‐
E 07 05 04 23,75 01 69,42 01 76,43 01 75,68 01 UF -‐
Analisando a Tabela 3, associando os resultados às falas do cotidiano escolar, compreendemos que expressões do tipo “alunos de escola pública” ou “cotistas” trazem em si estigmas relacionados ao baixo desempenho estudantil, risco da queda da qualidade da educação, culpabilização das famílias pelo descomprometimento dos filhos com os estudos (“preguiça, ausência do hábito de estudo”). No entanto, os resultados acima chamam a atenção para: 1 – as notas de ingresso, em geral, são inferiores a 50% da nota da prova para todos os grupos (o que independe de origem escolar), porém os resultados mais baixos são de estudantes egressos de escola pública. Nesse ponto, esse dado poderia corroborar com a ideia inicial de que os estudantes cotistas contribuiriam negativamente para a manutenção do padrão de qualidade da educação do IF, isso em termos de visibilidade no ranking do Enem. 2 –
MIRANDA; OLIVEIRA & COELHO (2017)
A REFORMA DO ENSINO MÉDIO (LEI 13.415/2017) E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NATAL, RN – 24 A 27 DE JULHO DE 2017 – CAMPUS NATAL CENTRAL -‐ IFRN
No desempenho escolar, verificamos que os coeficientes de rendimento referentes aos estudantes cotistas superam os coeficientes dos estudantes de ampla concorrência. 3 – O coeficiente de rendimento do subgrupo Apu supera em todos os anos os estudantes do subgrupo Apa. 4 – Quanto ao prosseguimento dos estudos em nível superior, os estudantes cotistas são os que mais acessaram vagas em universidades federais, inclusive em faculdades particulares. 5 – Em relação ao número de concluintes, 22 estudantes terminaram o curso no prazo previsto, sendo 11 de ampla concorrência e destes 04 são provenientes de escola pública, totalizando 15 estudantes concluintes de escola pública e 07 de escola particular.
5 CONCLUSÕES
Os resultados finais deste trabalho apontam para o equívoco do proclamado “risco da perda da qualidade educacional” devido à entrada de estudantes cotistas no ensino médio técnico integrado. Verificamos que o que um dos motivos que leva parte da comunidade escolar a subestimar estudantes cotistas é o fato de entenderem a educação “de qualidade” apenas como resultado e não como processo.
Salientamos que a forma de conceber a educação como projeto imediatista não é somente reflexo de uma postura alienada, mas de um processo de formação que precisa ser questionado, bem como melhor compreendidos os significados da educação para as classes populares e o papel das políticas públicas na sociedade de classes. É preciso romper com o que Lahire (1997) cunhou de “mito da omissão parental”, que relega às famílias todo o “peso” da educação escolar de seus filhos, afinal a educação é “um direito de todos, dever do estado e da família” como nos afirma a atual Constituição Federal. Portanto, os resultados apresentados nos permitem ponderar sobre as relações sociais que estabelecemos no campo educacional. Somente conscientes de nosso papel na sociedade podemos compreender a extensão de nossas ações na vida do educando; bem como a função dos intelectuais frente à análise das politicas educacionais que são, por um lado, frutos dos movimentos sociais e, por outro, imposições da autocracia burguesa. A não participação nesse processo de desvelamento é por si só uma marca contundente da omissão política, ou pior, do partidarismo à “Escola sem Partido”, ao aceite ao reformismo pela simples desculpa de que não nos cabe tomar partido.
6 REFERÊNCIAS
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MIRANDA; OLIVEIRA & COELHO (2017)
A REFORMA DO ENSINO MÉDIO (LEI 13.415/2017) E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NATAL, RN – 24 A 27 DE JULHO DE 2017 – CAMPUS NATAL CENTRAL -‐ IFRN
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