1
2
ELIANA MARIA DE OLIVEIRA SÁ
QUANDO O CURRÍCULO FAZ A DIFERENÇA.... O CURRÍCULO INTEGRADO NA FORMAÇÃO EM SERVIÇO DO
TÉCNICO EM HIGIENE DENTAL / THD
Mestrado
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
OUTUBRO DE 2000
3
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Eliana Maria de Oliveira Sá
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação em Educação
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de concentração: Sociologia e História da Profissão Docente e
da Educação Escolar
Orientadora: Prof. Dra. Rita Amélia Teixeira Vilela
Belo Horizonte, outubro de 2000
4
617.37
S11q
2000
617.37 Sá, Eliana Maria de Oliveira S11q Quando o currículo faz a diferença... 2000 O currículo integrado na formação em serviço
do Técnico em Higiene Dental / THD Belo Horizonte: PUCMG, 2000 167 p. Dissertação (Mestrado) PUCMG 1- Currículo- Higiene Dental 2- Saúde bucal - Currículo I.Título CDD: 617.37 NWL: WV21
5
Dissertação defendida e aprovada em 26 de outubro de 2000, pela banca
examinadora constituída pelos professores:
6
Dedico esta pesquisa aos trabalhadores do SUS,
que, no dia a dia, constroem os sistemas locais
de saúde bucal.
7
AGRADECIMENTOS
Ao meu querido Altair, companheiro e cúmplice dos meus sonhos.
Aos meus amados filhos, Paula, André e Guilherme, inspiração maior para que eu siga os
caminhos da "educação para a liberdade".
À professora Rita Amélia Teixeira Vilela, orientadora desta pesquisa, pela sabedoria, pelo
estímulo e sobretudo pela confiança na minha busca, no meu achado.
À professora Ana Maria Casasanta e ao reitor da PUCMG, Padre Geraldo Magela, pelo
apoio que me deram durante o Curso de Mestrado.
À Cláudia Maria Silva Marques, com quem primeiro troquei idéias e sentimentos acerca
dessa pesquisa.
Aos colegas do SUS, que, de várias formas, contribuíram para que eu ousasse falar da
utopia educacional da formação em serviço. Obrigada a Diana, Nora Nei, Carlos Tenório,
Marly Moysés, Anna Lúcia e Marlene pela prévia leitura deste trabalho e por todas as
sugestões. Obrigada Sandra, Marília, Artur e Lucy pelas preciosas ajudas na montagem
desta pesquisa.
À Mariana Lúcia Ferreira Tavares, atual diretora da ESMIG, e seus antecessores, Cláudio
Romano, Lêda Costa e Eunice Godoi, pelo crédito que deram ao meu trabalho.
À Cida e Alcione, pela disponibilidade e confiança em repassar todo o material referente
ao curso de formação de THD, de Carmo do Paranaíba.
À Roseli, Lourdes e Alicinha, que cuidaram para que eu pudesse ficar mais disponível
para estudar.
À Iara Rosa pela ajuda na construção gráfica.
Aos meus queridos pais, Zezinho e Alice, pelas suas histórias de vida.
À Deus, por mais este trabalho concluído.
8
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES............................................................................................. I RESUMO .......................................................................................................................II ABSTRACT ..................................................................................................................III INTRODUÇÃO ..............................................................................................................1 CAPÍTULO 1: CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS .............................................20 CAPÍTULO 2: OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE BASIL BERNSTEIN ...............32 2.1 Tipos de currículo ............................................................................35 2.2 Classificação e Enquadramento do conhecimento educacional.......37 2.3 Códigos de conhecimento educacional ............................................39 2.4 Socialização gerada pelos códigos educacionais ............................40 CAPÍTULO 3: O CURRÍCULO INTEGRADO DO THD ...............................................46 3.1 A formação em serviço .....................................................................46 3.2 O sistema de avaliação ....................................................................52 CAPÍTULO 4: INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS .............................................55 4.1 As questões relacionadas à Classificação .......................................56 4.2 As questões relacionadas ao Enquadramento .................................58 4.3 Tipologia geral do código integrado do THD ....................................67 4.4 As relações pedagógicas: 4.4.1 Relação ensino-serviço .......................71 4.4.2 Relação aluno-conhecimento .............79 4.4.3 Relação professor-aluno .....................96 4.4.4 Relações afetivas .............................101 CONCLUSÕES .........................................................................................................108 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................117 ANEXOS ....................................................................................................................126
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - A formação em serviço do THD .............................................................. 11
FIGURA 2 – Mapa dos municípios autorizados pelo C.E.E. para a formação do
Técnico em Higiene Dental ..................................................................... 13
FIGURA 3 – Quadro com a distribuição dos alunos nos cursos de THD’s por
municípios, número de matrículas e concluintes - 1997 a 2000 ..............14 FIGURA 4 - Estrutura Básica do Sistema de Mensagem “Currículo” ..........................37
FIGURA 5 - Estrutura Básica do Sistema de Mensagem “Pedagogia”........................38 FIGURA 6 - A Metodologia da Problematização .........................................................51
FIGURA 7 - Tratamento de Conteúdo Curricular ........................................................57
FIGURA 8 - Ficha de avaliação no processo..............................................................63
FIGURA 9 - Os trabalhos escolares e sua ligação com os serviços de saúde ..........77
FIGURA 10 – Foto do THD supervisionando procedimentos coletivos .......................84
FIGURA 11 – Foto do THD executando procedimentos individuais ...........................85
FIGURA 12 – Foto da formatura da turma de THD de Carmo do Paranaíba .............95
FIGURA 13 – O círculo virtuoso na área de Saúde Bucal ........................................107
FIGURA 14 - Os conceitos de Bernstein aplicados nas relações pedagógicas do
Curso do THD .......................................................................................112
10
RESUMO
Foi objetivo deste trabalho analisar as relações pedagógicas estabelecidas no
Curso de Formação em Serviço do Técnico em Higiene Dental (THD), no município de
Carmo do Paranaíba, Minas Gerais, no período de 1998 a 1999.
A opção metodológica escolhida foi o Estudo de Caso qualitativo, utilizando o
discurso dos trabalhadores – educandos, expressos nos registros de avaliação,
elaborados ao longo do curso.
Buscou-se o entendimento da gramática interna do Currículo Integrado utilizado na
formação do THD, aplicando o conceito dos Códigos Educacionais de Basil Bernstein.
Os resultados encontrados indicaram que a proposta do Currículo Integrado do
THD favorece uma formação profissional ampliada, qualificando-o, possibilitando uma
visão crítica da realidade sócio cultural do trabalho e estimulando-o a interferir na
organização local dos serviços de saúde bucal.
As conclusões desta investigação apontam para a aproximação entre os
pressupostos teóricos da integração ensino-serviço e a aplicação prática dessa proposta.
Identificam-se os avanços já alcançados na parceria dos setores de saúde e educação na
formação em serviço e a necessidade de ampliação institucional destes resultados.
Palavras-chave: Basil Bernstein, currículo integrado, formação em serviço, qualificação
profissional, relações pedagógicas, Técnico em Higiene Dental.
11
ABSTRACT
The purpose of this study was to analyse the pedagogical relations established on
the Dental Hygene Tecnician course in Carmo do Paranaíba, Minas Gerais state, from
1998 to 1999.
The method chosen was to analyse qualitatively, using the workers speech-writen
on the evaluation sheets elaborated as the couse went on.
The curriculum grammar was also studied based on Basil Bernstein’s educational
codes.
The results of the study have indicated that the curriculum of the Hygenist course
helps with a wide professional formation, qualfying them and giving them the possibility of
a critic view of the cultural and social situation of this profession and estimulating them to
work at the local organization of the bucal health services.
We have concluded with this study that the ideas of the teaching-service integration
and the pratic al aplication are very close. We could identify a well done work between the
health services and the teaching programs and the necessity of an institutional ampliation
of this results.
Key words: Basil Bernstein, curriculum, in service formation, professional qualifying,
pedagogical relations, Hygenist
12
ANEXO I
Dados de identificação dos THD’s, municípios envolvidos e
demandas de novas turmas
13
OFICINA DE AVALIAÇÃO DAOFICINA DE AVALIAÇÃO DAFORMAÇÃO EM SERVIÇO DOFORMAÇÃO EM SERVIÇO DO
THD EM MINAS GERAISTHD EM MINAS GERAIS
SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE - SESMGSECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE - SESMGFUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS - FUNEDFUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS - FUNEDESCOLA DE SAÚDE DE MINAS GERAIS - ESMIGESCOLA DE SAÚDE DE MINAS GERAIS - ESMIGCENTRO FORMADOR DE RECURSOS HUMANOS PARA A SAÚDE - CFRHSCENTRO FORMADOR DE RECURSOS HUMANOS PARA A SAÚDE - CFRHS
FUNDAÇÃO EZEQUIEL DIAS / FUNEDESCOLA DE SAÚDE DE MINAS GERAIS / ESMIGSECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE / SES/MG
CENTRO FORMADOR DE RECURSOS HUMANOS PARA A SAÚDE / CFRHS
CURSO DE FORMAÇÃO DO TÉCNICO EM HIGIENE DENTAL
Município sede Número de municípiosenvolvidos
Número de alunosmatriculados
Número de alunosconcluintes
Bom Despacho 6 12 12
Brasília de Minas 11 16 14
Carmo do Paranaíba 11 24 23
Juiz de Fora 20 84 77
Nazareno 11 15 Em andamento
Paracatu 12 29 26
Patrocínio 1 6 6
Pouso Alegre 20 28 Em andamento
Santo Antônio do Monte 4 7 7
TOTAL 96 221 165
14
MUNICÍPIO SEDE MUNICÍPIOS ENVOLVIDOSBOM DESPACHOESTRELA DO INDAIÁ
BOM DESPACHO LUZNOVA SERRANAONÇA DO PITANGUIPITANGUICAMPO AZULCHAPADA GAÚCHAIBIRACATÚICARAÍ DE MINAS
BRASÍLIA DE MINAS LONTRALUISLÂNDIAPATÍSSÃO JOÃO DA PONTEUBAÍVARZELÂNDIA
SÃO GOTARDOCARMO DO PARANAÍBACRUZEIRO DA FORTALEZAGUIMARÂNIALAGAMAR
CARMO DO PARANAÍBA MATUTINAPRESIDENTE OLEGÁRIORIO PARANAÍBASANTA ROSA DA SERRATIROSVAZANTE
FORMAÇÃO DO TÉCNICO EM HIGIENE DENTALFORMAÇÃO DO TÉCNICO EM HIGIENE DENTAL
MUNICÍPIO SEDE MUNICÍPIOS ENVOLVIDOSBELMIRO BRAGACORONEL PACHECODESCOBERTOGOIANÁJUÍZ DE FORALIMA DUARTEMARIPÁ DE MINASMATIAS BARBOSAPASSA VINTE
JUÍZ DE FORA PEDRO TEIXEIRAPEQUERIPIAURIO NOVORIO PRETOSANTA RITA DO JACUTINGASANTANA DO DESTERROSANTOS DUMONTSÃO JOÃO NEPOMUCENOSENADOR CORTÊSSIMÃO PEREIRA
FORMAÇÃO DO TÉCNICO EM HIGIENE DENTAL FORMAÇÃO DO TÉCNICO EM HIGIENE DENTAL ((ContCont.).)
15
MUNICÍPIO SEDE MUNICÍPIOS ENVOLVIDOSNAZARENOBARROSOCONCEIÇÃO DA BARRA DE MINASCORONEL XAVIER CHAVESDESTERRO DE ENTRE-RIOS
NAZARENO ENTRE RIOS DE MINASIBITURUNALAGOA DOURADAMADRE DE DEUS DE MINASRESENDE COSTASÃO TIAGO
UNAÍARINOSBONFINÓPOLIS DE MINASBURITISCABECEIRA GRANDE
PARACATU DOM BOSCOFORMOSOGUARDA MORJOÃO PINHEIRONATALÂNDIAPARACATUURUANA DE MINAS
PATROCÍNIO PATROCÍNIO
FORMAÇÃO DO TÉCNICO EM HIGIENE DENTAL FORMAÇÃO DO TÉCNICO EM HIGIENE DENTAL ((ContCont.).)
MUNICÍPIO SEDE MUNICÍPIOS ENVOLVIDOSSANTA RITA DO SAPUCAÍBOM REPOUSOBUENO BRANDÃOCACHOEIRA DE MINASCAMANDUCAIASCAMBUÍCONCEIÇÃO DOS OUROSESPÍRITO SANTO DO DOURADOHELIODORA
POUSO ALEGRE INCONFIDENTESIPUIUNANATÉRCIAOURO FINOPOUSO ALEGRESÃO JOÃO DA MATASÃO SEBASTIÃO DA BELA VISTASENADOR AMARALSILVIANÓPOLISTOCOS DO MOJITURVOLÂNDIA
CLÁUDIOSANTO ANTÔNIO DO MONTE CARMO DO CAJURU
SANTO ANTÔNIO DO MONTE
FORMAÇÃO DO TÉCNICO EM HIGIENE DENTAL FORMAÇÃO DO TÉCNICO EM HIGIENE DENTAL ((ContCont.).)
16
Levantamento de dados de matrícula - THD - 97/98
Sexo Idade Escolaridade Município
FEM MASC -18anos
18 à 20anos
21 à 30anos
31 à 40anos
41 à 50anos
+50anos
II GrauCompleto
II GrauIncompleto
I GrauCompleto
Bom Despacho 11 1 – – 8 3 1 – 12 – –
Brasília deMinas 15 1 1 4 10 1 – –
Carmo doParanaíba
24 – – 3 16 4 1 – 24 – –
Juiz de Fora 68 16 – 3 37 27 16 1 71 3 10
Paracatu 24 5 – 1 20 8 – – 27 – 2
Patrocínio 6 – – – 2 2 2 – 5 1 –
Santo Antôniodo Monte
7 – – – 3 3 1 – 6 – 1
TOTAL 155 23 1 11 96 48 21 1 145 4 13
Levantamento de dados de matrícula - THD - 97/98
S e x o
F e m i n i n o
Mascul ino
Id a d e M e n o s d e 18
a n o s
18 à 2 0 a n o s
2 1 à 3 0 a n o s
3 1 à 4 0 a n o s
4 1 à 5 0 a n o s
M a i s d e 5 0a n o s
E s c o l a r i d a d e
II GrauCo m p le t o
II GrauI n c o m p l e t o
I GrauCo m p le t o
17
MUNICÍPIOS ALUNOS1. Abaeté 152. Araçuaí 153. Belo Horizonte 30 (02 turmas)4. Bom Despacho 155. Brasília de Minas 156. Carmo do Paranaíba 157. Coromandel 158. Curvelo 159. Divinópolis 1510. Francisco Sá 1511. Itabira 30 (02 turmas)12. Juiz de Fora 1513. Manhumirim 1514. Minas Novas 1515. Nazareno 1516. Ribeirão das Neves 1517. Pará de Minas 1518. Paracatu 1519. Patos de Minas 1520. Patrocínio 1521. Ponte Nova 1522. Pouso Alegre 1523. Santo Antônio do Monte 1524. São João Del Rei 1525. Teófilo Otoni 30 (02 turmas)26. Várzea da Palma 15 Total 435
DEMANDA POR MUNICÍPIODEMANDA POR MUNICÍPIO
18
ANEXO II
Relatório final da Oficina de Avaliação da Formação em
Serviço do THD em Minas Gerais
19
A FORMAÇÃO EM SERVIÇO DO THD EM MINAS GERAIS
O Centro Formador de Recursos Humanos para a Saúde (CFRHS), responsável direto
pela profissionalização do Técnico em Higiene Dental em Minas Gerais, iniciou no I
semestre de 1999 um processo de avaliação dos cursos de formação em serviço.
Num primeiro momento, foram relacionados os municípios que participam da
“Concentração” e “Dispersão” dos cursos, totalizando 100 (cem) Secretarias Municipais
de Saúde envolvidas na formação do THD.
Em seguida, a partir de dados coletados na matrícula, foi estabelecido um quadro
descritivo (sexo, idade, escolaridade) dos alunos dos 7 (sete) municípios-sede que já
haviam concluído o curso e de 2 (dois) que estavam com o curso em andamento. Foi
estabelecido o total de alunos matriculados e o número de alunos concluintes. Esse
levantamento de dados permitiu um primeiro delineamento panorâmico estadual da
formação do THD.
Em abril/99, através de uma reunião realizada na Secretaria de Estado da Saúde, com a
participação de técnicos do Ministério da Saúde, Superintendência de Epidemiologia,
Coordenadoria de Saúde Bucal, Superintendência de Recursos Humanos e Escola de
Saúde de Minas Gerais, constatou-se o cumprimento de metas em relação à formação
do THD, discutiram-se as dificuldades encontradas, bem como algumas estratégias para
a abertura de novas turmas. Definiu-se o repasse de recurso financeiro de R$ 3.360,00
(três mil, trezentos e sessenta reais) da Secretaria de Estado para a FUNED, no sentido
de garantir o pagamento de apoio técnico para a continuidade do curso em Nazareno.
Em maio/99, foi realizada, na ESMIG, uma oficina de trabalho envolvendo a
Superintendência de Recursos Humanos e de Epidemiologia da SESMG, o CFRHS,
Diretorias Regionais de Saúde de Juiz de Fora, São Jõao del Rei, Divinópolis, Pouso
Alegre e municípios ( Bom Despacho, Brasília de Minas, Carmo do Paranaíba, Juiz de
Fora, Nazareno, Paracatu, Patrocínio, Pouso Alegre e Santo Antônio do Monte).
Nessa oficina, foram analisados vários aspectos relacionados ao ensino-aprendizagem,
bem como outros relacionados à integração da formação e o serviço. Foram levantados
pontos positivos e negativos referentes a aspectos pedagógicos, administrativos e à
assistência . As conclusões das discussões foram registradas em forma de relatórios.
Uma síntese dos relatórios pode assim ser apresentada:
20
1. Aspectos relacionados à preparação do docente do curso de THD: o curso
ministrado na ESMIG tanto preparou o dentista para a sua nova função de instrutor,
como possibilitou um maior envolvimento desse profissional com os serviços de
saúde do município. O material didático e a bibliografia foram de excelente qualidade.
Os apoios técnicos foram de alto nível e o curso foi um estímulo ao crescimento
pessoal. Coordenação atuante e presente. Foi sugerido que algumas questões de
ordem pedagógica sejam mais exploradas no curso (sistema de avaliação,
recuperação paralela, como lidar com comportamentos indesejáveis, etc).
2. Participação do CD enquanto instrutor e coordenador da formação do T.H.D.:
houve um crescimento pessoal e profissional muito grande. Constata-se uma
valorização do profissional dentista dentro do serviço, bem como sua maior
integração com outros setores da administração pública. Foi rico o relacionamento
com os T.H.D.’s, com os outros dentistas da região. De uma maneira geral os
dentistas avaliam que ficaram sobrecarregados com o processo assumido no
município e região. Houve desgaste em relação a aspectos burocráticos. Foram
unânimes em afirmar que faltaram apoio e supervisão durante o curso. Identificam
aqui um nó crítico e sugerem uma participação mais atuante da ESMIG. Alguns
cursos municipais não foram apoiados ou pouco apoiados pelas DRS.
3. A sensibilização pedagógica dos dentistas instrutores da dispersão: Serviu para
que tivessem uma pequena noção da metodologia usada no curso, criando uma
maior responsabilidade em relação à formação do THD. Provocou uma maior
aproximação entre os dentistas. Há também avaliações pouco positivas; registro de
profissionais que não se envolveram no processo. Dentistas que tiveram seus
contratos suspensos foram substituídos por outros dentistas-instrutores, que
acompanharam THD’s sem terem participado da sensibilização pedagógica.
4. Apoio técnico oferecido ao dentista da dispersão: Em alguns municípios o
processo de educação continuada dos dentistas da dispersão aconteceu
paralelamente ou logo após ao Curso de Especialização da ESMIG. Na maioria dos
municípios-sede, o apoio técnico aos dentistas se dava na mesma semana em que os
THD’s estavam em concentração. Essa parece ser a forma mais adequada. De uma
maneira geral a avaliação é bastante positiva (em relação a conteúdo, material
científico usado). Foi sugerido que a ESMIG forme um Banco de Apoio Técnico em
Saúde Bucal.
21
5. Concentração dos THD’s: Ótimos índices de freqüência, baixíssima evasão, notória
evolução da maioria dos alunos em relação ao envolvimento e compromisso com o
serviço. As avaliações dos THD’s feitas ao final de cada Unidade são, de uma
maneira geral, bastante positivas. Registro de que as discussões foram mais ricas em
turmas onde estavam envolvidos mais municípios (diversidade de situações). As
maiores dificuldades registradas referem-se a questões relacionadas à dispersão
(serviço não organizado para a adequada inserção do THD) que refletiam no
momento de concentração.
6. Dispersão dos THD’s: Reconhecimento do profissional THD pela comunidade,
introdução de melhorias na qualidade do serviço. Aplicação e relação imediata da
teoria com a prática. Na maioria dos municípios envolvidos falta uma maior
organização dos serviços para que o THD desempenhe todas as suas funções.
7. Participação das instituições envolvidas (SMS, ESMIG, CFRHS, DRS’s): Ausência
de representantes da ESMIG / CFRHS nas solenidades de abertura oficial e
formatura. Não houve acompanhamento, orientação e supervisão sistematizada do
curso por parte da instituição formadora. Envolvimento de DRS’s variável (presente
em alguns municípios e ausente em outros). Competências e responsabilidades
pouco definidas ao longo dos cursos.
Conclusões e recomendações:
• A maioria dos municípios envolvidos na formação do THD não está organizada para
uma prática de controle das doenças bucais. Esse desajuste dificulta e, às vezes,
impede que o THD que está sendo formado teste os seus novos conhecimentos na
prática. De uma maneira geral, o serviço está se preparando para funcionar como uma
“sala de aula”, mas há que se buscar uma maior sincronia entre sua reorganização e a
formação do THD. Essa situação remete para a necessidade de um maior ajuste entre
o processo de formação em serviço (ESMIG/CFRHS/SRHSES) e o modelo de
assistência em saúde bucal (Coordenadoria de Saúde Bucal e Auditoria Odontológica
/ SES).
• Uma nova postura institucional que foi repetidas vezes levantada pelos participantes
da Oficina de Trabalho, refere-se a um acompanhamento mais sistemático da
ESMIG/CFRHS em relação aos cursos descentralizados. Foi sugerida supervisão
técnico-pedagógica mais definida. Nesse sentido, já estão sendo agendados
22
encontros de supervisão com os municípios que estão com cursos de formação em
andamento (Curvelo, Nazareno, Pouso Alegre e Várzea da Palma).
• Uma pesquisa qualitativa relacionada ao tema da Qualificação Profissional e da
formação em serviço do THD está em andamento na ESMIG, e será um instrumento a
mais nesse processo de avaliação de cursos.
• Atualmente, a ESMIG participa de atividades junto ao Conselho Regional de
Odontologia através de uma Comissão de Equipe de Saúde Bucal. Essa Comissão
pretende, entre outras questões discutir e propor novas atribuições ao Técnico de
Higiene Bucal. Esta é uma discussão necessária e imprescindível para se dar
continuidade à profissionalização do THD em Minas Gerais. Recomenda-se a
manutenção dessa parceria.
Belo horizonte, 20 de setembro de 1999
______________________________
Eliana Maria de Oliveira Sá
23
ANEXO III
Mapa com a distribuição dos cursos de formação de THD
24
Cursos de formação do THD Cursos de formação do THD Julho 2000Julho 2000
Municípios SedeMunicípios Sede
Municípios EnvolvidosMunicípios Envolvidos
Juiz de ForaPouso Alegre
Nazareno
Ponte Nova
Belo Horizonte
Santo Antônio do Monte
Bom Despacho
Carmo do Paranaíba
Curvelo
Patrocínio
Paracatu
Várzea da Palma
Brasília de Minas
25
ANEXO IV
Instrumento preliminar para coleta de dados
26
ENTREVISTAS Dentista da Concentração: A seqüência de perguntas segue uma ordem temporal dos acontecimentos 1. Identificação: nome, data de nascimento, naturalidade, formação, pós-graduação. 2. Quando iniciou o Curso de Especialização em B.H., você conhecia a proposta de
articulação regional e formação descentralizada de THD’s? 3. Como o curso a preparou para ser instrutora? 4. Quando planejaram o Curso de THD de Carmo do Paranaíba, que profissionais
desejavam formar? 5. De que forma os dentistas da dispersão foram envolvidos e sensibilizados para
acompanharem as THD’s? 6. Como era feito o planejamento da semana de concentração? 7. O “Guia Curricular” do Ministério era seguido o tempo todo ou eram introduzidas
alterações? Porque? 8. Como você constatava o desenvolvimento dos alunos em relação aos novos
conhecimentos? 9. Como agia quando percebia que os novos conhecimentos não estavam sendo
dominados pelos alunos? 10. Como eram avaliados os THD’s? 11. Descreva situações que você entende como ricas/fortes do ponto de vista do ensino-
aprendizagem. (Seguir seqüência de concentrações) 12. Como eram tratados os conflitos do dia-a-dia que o THD trazia do seu local de
trabalho? 13. Caracterize as relações estabelecidas entre os alunos, entre vocês instrutoras e as
relações entre os alunos e vocês. 14. Que modificações no local de trabalho foram realizadas pelos THD’s através do
curso? 15. E no curso, que modificações foram feitas no sentido de adequar a demanda
apresentada pelos THD’s e pelo município? 16. Como foram realizados e quais os objetivos dos trabalhos de dispersão?
27
17. Como os THD’s se comportavam diante desta atividade? 18. Você sabe como estão os THD’s, como trabalham depois de terminado o curso de
formação? C.Dentista da dispersão: 1. Como foi sua preparação para ser instrutor de THD na dispersão? 2. Que elementos novos esta prática exigiu de você? 3. Como você identificava o desenvolvimento do THD ao longo do curso? 4. Na trajetória do curso e após a formatura, que características você nota que foram
incorporadas pelo THD? 5. Que aspectos do comportamento do THD na prática de saúde bucal mais lhe chama
a atenção? Secretário Municipal de Saúde 1. Por que o município Carmo do Paranaíba fez a opção de formar THD? 2. Descreva como aconteceu o Curso de Formação de THD em Carmo do Paranaíba 3. Há diferenças entre o curso de THD e outros cursos profissionalizantes? Quais? 4. Que relatos ou registros foram feitos acerca da organização dos serviços de saúde
bucal, durante ou após o curso de THD?
28
ANEXO V
Roteiro para elaboração de um Memorial
29
ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE UM MEMORIAL
Caro aluno (a)
Este roteiro tem por finalidade organizar algumas informações de sua trajetória
pessoal e profissional antes e durante o curso realizado.
1. Fale de você, dos seus hábitos, da sua família, do seu lazer, da sua cidade, de
outros lugares que morou, de outros cursos que já fez, etc...
2. Fale de sua trajetória profissional. Que outros trabalhos já realizou? Como e por
que resolveu fazer este curso e se tornar um(a) THD?
3. Fale de sua trajetória neste curso. Relembre do início ao fim: as dificuldades, os
desejos, as frustrações, as descobertas, as conquistas, os momentos tristes e
alegres, enfim, os sentimentos que de uma forma ou de outra te impulsionaram a
várias realizações e te fizeram amadurecer e crescer pessoalmente e
profissionalmente.
4. Fale dos resultados que você obteve nos seus períodos de dispersão e que
acredita ter sido positivo para o seu município.
5. Fale o que pretende fazer daqui para frente, o que gostaria de mudar na sua
prática para melhorar o seu trabalho. Quais os seus projetos a curto, médio e longo
prazo?
6. Por último, faça um paralelo da sua vida antes e depois do curso. O que mudou?
Alcione Elisa Ribeiro Garcia
Maria Aparecida de Mendonça Carneiro
Instrutoras do Curso de THD
Comemore! Você chegou ao final do curso, mas não ao final do aprendizado.
Continue estudando, analisando e se aprimorando, pois aprender é rejuvenescer.
PARABÉNS!
30
ANEXO VI
Seqüência de atividades da 1a unidade didática da área I do
Guia para a formação do THD
31
PRIMEIRA UNIDADE
PROPÓSITO
Iniciar, a partir de sua visão de mundo, uma reflexão sobre os problemas de saúde da população e desenvolver a capacidade de observação e comunicação com pessoas e grupos.
Ao mesmo tempo, pretende estimular a percepção da relação existente entre os modos de vida e de trabalho e os problemas de saúde da população, com destaque para as questões de saúde bucal.
OBJETIVOS 1. Identificar os modos de viver do homem e sua relação com os problemas de saúde
geral e bucal. 2. Perceber formas de comunicação com o seu grupo, com a população e entre
profissionais de saúde e usuários. 3. Identificar como as características individuais interferem com os problemas de
saúde das pessoas.
32
PRIMEIRA UNIDADE
CONCENTRAÇÃO SEQÜÊNCIA DE ATIVIDADES ORIENTAÇÃO PARA O INSTRUTOR
I I
1. Discutir as seguintes questões: 1.Dividir em pequenos grupos. Apoiar as discussões dos grupos, estimulan-
Como são as condições de vida e do o relato das vivências e o registro de trabalho das pessoas de sua co- das conclusões. Enfatizar, ainda, du- munidade? rante as discussões, os aspectos re-
ferentes à habitação, alimentação, di- Como elas resolvem seus proble- versão, transporte, uso dos serviços mas de saúde geral e bucal? de saúde, práticas populares, tipo de
trabalho e duração, salário ou outras De que adoecem e morrem estas formas de remuneração. pessoas e porque isto ocorre?
2· Sintetizar os resultados das discus- 2. Trabalhar com todo o grupo, orientando-o sões dos grupos, registrando-as em quanto à classificação das doenças, de acor- cartaz ou outro material visual. do com as categorias transmissível e não - transmissível e quanto às suas causas segundo alimentação, condições de trabalho, micro- organismos, mística, moradia e outras. Classificar as práticas de saúde segundo a natureza: mágicas e/ou religiosas (benzeduras, rezas, despachos, etc.); medicamentos (chás, ervas, remédios em geral, etc.); privação, restrição ou recomendação de alimentos e condições ambientais; busca de ajuda especializada formal (médicos, enfermeiros, outros) e informal (curandeiros, padres, benzedeiras, parteiras, etc.). Classificar o tipo de trabalho de acordo com a atividade econô- mica: agropecuária, industrial, mineração, co- mércio, serviços (educação, saúde, transporte, etc) e informal (bóia-fria, biscateiro, vendedor ambulante, doméstico e outros). Destacar dentro de cada setor as ocupações mais significativas na sua região. 3. Discutir as seguintes questões: 3. Dividir os participantes em dois
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grupos e encarregar a cada um a discus- "A população conhece os seus pro- são de uma das questões e apresentar as blemas de saúde (de quê e porquê conclusões. adoece) e busca formas de resolvê- los". "A população não identifica seus pro- blemas de saúde (de quê e porquê adoece) e não busca formas de resolvê-los". 4. Apresentar as conclusões parciais de 4. Trabalhar com todo o grupo. Ajudar cada grupo. a sistematizar os resultados, buscando extrair as alternativas apresentadas e a importância de testá-las junto à po- pulação. 5. Discutir como as conclusões do gru- 5. Ainda com o grande grupo, levantar po podem ser comprovadas. sugestões das diferentes formas de ouvir a população e orientar na escolha dos instrumentos mais adequados para a obtenção das informações (observação, entrevista, questionário, etc.). Discutir quais e quantas pessoas serão abordadas, o conteúdo e a técnica que serão adotadas. 6. Dramatizar a forma mais adequada de 6. Dividir em pequenos grupos orientan- levantamento de opinião junto à po- do para que cada um dramatize a for- pulação. ma levantada. A partir de cada apre- sentação, registrar elementos a elas relativos (técnica de abordagem e cumprimentos dos objetivos). Condu- zir a discussão, ainda em grupo, para a identificação de questões inadequa- das relativas ao processo de comu- nicação e cumprimento do conteúdo proposto. 7. Realizar o levantamento de opinião 7. Organizar a atividade, de preferência junto à população. em duplas. 8. Apresentar os resultados obtidos no 8. Observar e registrar pontos importan- levantamento. tes referentes à comunicação e aos objetivos da atividade, destacando si- tuações que possam merecer uma nova dramatização que facilite a elucidação e análise dos fatos encon- trados. Trabalhar com todo o grupo na
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montagem de um quadro, agrupando as doenças levantadas segundo as suas causas e as formas de resolução apontadas pela população. 9. Comparar os quadros obtidos nos 9. Estimular a discussão, refletindo so- itens 2 e 8. e bre o porquê das diferenças encon-
10 tradas no perceber e enfrentar os problemas de saúde, associando-os
com os modos de vida da população (moradia, trabalho, questões religiosas e culturais, educação, lazer, etc.). 10. Sistematizar o resultado da discussão. 11. Refletir em torno das seguintes situa- 11. Dividir os treinandos em dois grupos. ções: Cada grupo deve refletir sobre uma das situações, de acordo com o rotei- Numa favela, sem infra-estrutura básica, ro apresentado. muitos de seus moradores (adultos e crianças) desenvolveram um quadro de diarréia de Roteiro para reflexão: origem infecciosa. Ao procurarem um posto de saúde Estimular a discussão, buscando le- mais próximo, algumas pessoas foram vantar pontos que evidenciem a liga- atendidas e obtiveram o diagnóstico ção do modo de vida da população e tratamento para a doença. com a doença manifestada. Enfatizar Entretanto, nem todos puderam seguir questões ligadas a: as orientações do médico. Os vizinhos e amigos, acometidos do mesmo mal, condições de vida referentes ao foram trocando idéias e informações trabalho, renda, consumo (moradia, obtidas sobre o que estava acontecen- alimentação, vestuário, educação, do e as formas de resolver o problema. lazer, saneamento); Quando as autoridades sanitárias detectaram a origem da doença, me- fatores ligados ao aparecimento e didas de controle foram tomadas. propagação da doença; Mas, para uma parcela da população, a enfermidade gerou conseqüências abrangência individual e coletiva do irreversíveis. problema e busca de ajuda formal e informal; persistência ou não do problema e formas possíveis de controle e cura. A caixa d'água de um prédio localiza- do numa área nobre da cidade foi con- taminada. Este prédio possui uma es- trutura física de grande porte (parque
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infantil, sauna, salão de jogos, áreas ajardinadas, etc.). Alguns dos mora- dores, adultos e crianças, iniciaram um processo de cólica intestinal e di- arréia de origem infecciosa que os fez imediatamente procurar um médico para diagnosticar e tratar a doença. Embora essas medidas tenham sido tomadas, o foco de infecção persis- tiu. O porteiro, observando o movi- mento e ouvindo parte das conversas, comentou com o responsável pela ad- ministração que muitas pessoas do prédio estavam tendo o mesmo pro- blema de saúde. Foi buscada ajuda especializada e, através de uma rápi- da investigação foi reconhecida a ori- gem do problema e tomadas atitudes adequadas para solucioná-lo. Roteiro para reflexões: * Quem adoeceu e como estas pes-
soas vivem? * Quais os fatores que levaram essa
população a adoecer? * Quais as formas buscadas para re-
solver o problema e como a ques- tão foi resolvida?
*Quais as conseqüências desse
problema para a população? Registrar as respostas. 12 Apresentar os resultados das discus- 12. Registrar em forma de quadro com- sões. parativo as principais questões levan- tadas em cada grupo. 13 - Leitura e discussão do texto "Processo
Saúde-Doença".
13.Realizar a atividade de leitura em pequenos grupos e solicitar aos grupos que façam o resumo do texto estudado.
14 Discussão referente à leitura do tex- 14 - Acompanhar a to. atividade, esclarecendo dúvidas. 15 - Assistir e discutir ao filme "Ilha das 15 - Apresentar o filme e esti- Flores". mular a discussão, poste- riormente.
2
SEQUENCIA DE ATIVIDADES II 1. Discutir o seguinte caso: Num porão de uma casa antiga funci- ona uma pequena fábrica onde trabalham oito costureiras com uma jornada de 10 a 12 horas/dia, recebendo salário mínimo e o referente às horas-extras. D. Rita, uma das costureiras, casada, mãe de seis filhos, mora numa favela e apresen- tou sintomas de tuberculose (febre, tosse, cansaço), posteriormente confirmado com o exame de escarro. Passados alguns dias, um de seus filhos, alcoólatra, apresentou a mesma doença, embora o restante da família não tenha manifestado o problema. Roteiro para reflexão: Identificar as condições que levaram D. Rita a adoecer. Por que nem todos de seu convívio adoeceram? Registrar as respostas. 2. Apresentar os resultados das discussões. 3 Leitura e discussão do texto: “Mecanismos de Defesa (Noções Básicas)”. 4. Discussão referente a leitura do texto.
ORIENTAÇÃO PARA O INSTRUTOR II 1.Trabalhar em pequenos grupos. Estimular a discussão no sentido de refletir:
condições de vida, jornada e ambiente de trabalho, salário, moradia, alimentação, transporte, lazer, educação, etc.; os fatores que interferem na resistência das pessoas: sexo, enfermidade, estado nutricional, idade, fatores genéticos, condições de imunidade, uso de drogas, álcool etc.. 2. Trabalhar com todo o grupo ajudando a estabelecer o conceito de resistência, relacionadoo com condições de vida. 3 Realizar a atividade em pequenos grupos e
solicitar o resumo do texto estudado. 4. Acompanhar a atividade, esclarecendo dúvidas.
3
SEQÜÊNCIA DE ATIVIDADES ORIENTAÇÃO PARA O INSTRUTOR
III III 1. Discutir as seguintes questões: 1 Dividir a turma em pequenos grupos, estimulando o relato das vivências e Quais são os problemas que apa- o registro das conclusões. recem na boca? Por que as pessoas perdem os dentes? Como as pessoas resolvem seus problemas de saúde bucal? 2. Sintetizar os resultados das discus- 2.Trabalhar com todo o grupo, orientan- sões do item anterior, registrando-os do a listagem das doenças de acordo em cartazes ou outro material visual. com a localização: nos dentes, gengi- vas, língua, lábios, bochechas, etc. e relacionando as causas, segundo: microorganismos, traumas, hábitos de higiene, alimentação, sistêmicas, con- dições de vida, trabalho, fatores cul- turais, acesso ou não à assistência odontológica, às políticas de fluore- tação e à informação, prática profis- sional. Classificar as práticas para re- solver os problemas de saúde bucal segundo. a natureza: mágicas e/ou religiosas (benzeduras, simpatias, re- zas, despachos, etc.); medicamentos (chás, bochechas, pastas dentárias, antissépticos bucais, remédios em geral, etc.); busca de ajuda especi- alizada (dentistas, médicos, farma- cêuticos e outros) e informal (práticos etc.); restrição de alimentos (doces, gelados, etc.); aplicação, de calor e frio; demandas de ajuda institucional (fluoretação das águas etc.). 3. Debater a seguinte questão: 3. Trabalhar com todo o grupo, estimu- lando a discussão livremente. Siste- Os problemas de saúde bucal in- matizar os resultados terferem nas condições de vida das
4
pessoas? Registrar o resultado do debate. 4. Debater: O usuário percebe as ques- 4.Estimular a discussão, o relato de ex- tões discutidas no item anterior da periências e a importância de testar mesma forma que o grupo? os dados junto ao usuário. Registrar as conclusões. 5. Realizar um levantamento de opiniões 5.Orientar o levantamento de opinião junto aos usuários sobre seus proble- com o usuário, com base, entre ou- mas de saúde bucal. tros, nos seguintes aspectos:
a) Quando sente sua boca doente?
b) Quais fatores levam ao aparecimento de doenças na boca?
c) Quais as conseqüências dos
problemas e como são resolvidos?
Discutir como e quando abordar o usuário. Orientar a tabulação das respostas obtidas (agrupamento segundo suas semelhanças e quantificação).
6. Relatar algumas situações vividas na 6. Destacar pontos importantes referen- abordagem ao usuário. tes à comunicação e ao conteúdo da atividade desenvolvida. 7. Apresentar o resultado dos dados le- 7. Analisar e sistematizar as respostas, vantados e tabulados. ressaltando os seguintes aspectos: o valor da doença bucal como im- pedimento para exercer atividades, as dificuldades nas relações pes- soais, etc.; fatores relacionados às questões individuais (cuidado pessoal, resis- tência, alimentação, consumo de açúcar, etc.), às questões sociais (condições de vida e de trabalho, remuneração, consumo, acesso e qualidade dos benefícios sociais; água fluoretada; questões do ser-
5
viço (acesso e qualidade do trata- mento, etc); acesso à informação; conseqüências para a saúde geral e bucal (dor; halitose; processos in- fecciosos e sua repercussão sistê- mica; perda dentária, alteração da fala; estética; hábitos e mastiga- ção; aspectos relativos ao trabalho, às relações pessoais, lazer, etc.); formas de resolução (busca de aju- da formal e informal etc.). 8. Comparar os resultados da discussão 8. Estimular a discussão, refletindo so- do item 4 com as conclusões referen- bre o porquê das possíveis diferen- tes ao levantamento junto ao usuário. ças encontradas, ressaltando a per- cepção do usuário sobre os proble- mas de saúde bucal. Relacionar com a questão de saúde geral. 9. Refletir sobre as seguintes questões: 9.Trabalhar com todo o grupo, solicitan- do a cada aluno que expresse sua opi- Como você se sente diante da si- nião. tuação vivida pelos usuários? Qual é o seu papel, enquanto pro- fissional de saúde e cidadão, dian- te das questões levantadas pelos usuários? 10. Assistir ao filme "TV - Memória Popu- 10. Apresentar o filme e estimular a dis- lar'. cussão, posteriormente.
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PRIMEIRA UNIDADE
DISPERSÃO SEQÜÊNCIA DE ATIVIDADES ORIENTAÇÃO PARA O INSTRUTOR 1 No seu local de trabalho, realizar um 1 Apoiar o trabalho, se possível levantamento de opinião junto à sua e tendo contato direto com a situação comunidade, a cerca de seus proble- 2 observada . Discutir com os alunos as dife- mas de saúde, incluindo a saúde bu- renças de contextos sociais no levanta- cal. mento, estimulando para que sejam feitos os necessários ajustes metodológicos. 2 Registrar suas novas observações sobre a relação entre modos de viver e problemas de saúde. Observação: Esta atividade só deve ser aplicada quando os alunos são procedentes de outras localidades.
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ANEXO VII
Fichas de avaliação
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AVALIAÇAO DO DESEMPENHO FINAL ÁREA CURRICULAR 1
"PREVENINDO E CONTROLANDO O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA BUCAL" Escola Nome do aluno Local/Unidade de Saúde Período: Data de início da Área Data de término da Área
DESEMPENHOS FINAIS CONCEITO
. Desenvolve ações de prevenção e controle das doenças ocupacionais, das doenças transmissíveis de interesse odontológico e das doenças cárie e periodontal, através de:
· Identificação dos riscos ocupacionais ligados ao trabalho odontológico.
. Aplicação de medidas para controle dos agentes físicos, mecânicos, químicos, biológicos e psicológicos que provocam doenças ocupacionais.
. Lavagem, preparação, desinfecção, esterilização e manuseio de materiais e instrumental segundo normas estabelecidos.
· Identificação dos problemas de saúde geral e bucal mais comuns da população, estabelecendo relações entre eles e condições de vida.
. Trabalho educativo com a população considerando suas necessidades e condições de vida.
· Execução de ações específicas de prevenção e controle da cárie e da doença periodontal, a nível coletivo e individual.
. Orientação e acompanhamento dos pacientes e controle de comparecimento.
. Conhecimento e aplicação dos índices mais utilizados em odontologia para a medida da cárie dentária e doença periodontal nas populações.
...................................... de ..................................................... de 19 .................
___________________________________________________ Assinatura do lnstrutor/Supervisor
Observação: a) Esta ficha é o resultado globalizante de todas as avaliações de processo realizadas durante as
Unidades Didáticas da Área Curricular 1 e representa a competência final expressa em conhecimentos, habilidades e atitudes.
b) Esta ficha é a que deverá ser encaminhada à Secretaria Escolar da Escola Técnica de Saúde e/ou
Centro Formador para fins de composição do histórico escolar do aluno.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objeto de análise as relações pedagógicas do
Curso de Formação em Serviço do Técnico em Higiene Dental (THD), programa
institucionalmente desenvolvido pela Escola de Saúde de Minas Gerais / Centro
Formador de Recursos Humanos para a Saúde (ESMIG/CFRHS), para a
qualificação profissional dos trabalhadores do setor.
Essa análise se faz necessária no contexto atual da implementação, tanto da
Reforma Sanitária no setor de saúde, quanto da Reforma do Ensino Médio e
Profissional no Setor Educacional.
A Reforma Sanitária1, enquanto um projeto de ação política que interessa ao
processo de construção da cidadania no país, traz na atualidade uma reflexão sobre a
agudeza e magnitude da abordagem do tema da formação de recursos humanos para
o setor de saúde. Contudo, as preocupações com essas questões de recursos
humanos nos serviços de saúde e especificamente em saúde bucal, já vêm de longa
data. Análises e recomendações a esse respeito podem ser encontradas em
inúmeros registros na história dessas instituições. O crescimento da demanda por
serviços e a incapacidade de resposta do sistema de saúde são fatores básicos na
acumulação do problema. Existe hoje um grande contingente de trabalhadores que
prestam serviços de saúde sem a necessária qualificação profissional.
Essa situação assinala os limites para a implantação de uma política sanitária
com possibilidade de êxito e exige ações para superar esse quadro, dentre elas, um
programa coerente de capacitação e formação profissional para o setor, que tem sido
responsabilidade das Escolas Técnicas de Saúde.
1 A Reforma Sanitária é entendida como um movimento social resultado de muitos anos de luta, que, no final da década de 80, foi apresentado à sociedade brasileira, pelas organizações de ensino, entidades de classe e serviços da área de saúde como o caminho possível para a transformação das condições sanitárias do país.
2
As Escolas Técnicas de Saúde do SUS – Sistema Único de Saúde - no Brasil
são entidades governamentais que atuam no âmbito do setor de saúde e têm como
função principal promover a profissionalização dos trabalhadores nele inseridos, ou
em vias de inserção.
Criadas em sua maioria na década de 80, essas escolas surgiram como
alternativa para o enfrentamento do problema já identificado na época, da não
qualificação da força de trabalho empregada nos serviços de saúde, colocando em
risco a saúde da população usuária. Considerando a inserção e o contexto da prática
real desses trabalhadores, as Escolas Técnicas foram reconhecidas e autorizadas
pelo sistema educacional para funcionarem de forma descentralizada e atenderem às
necessidades do setor2.
Dentro da atual política sanitária, considerando o processo de descentralização
e municipalização dos serviços de saúde, as Escolas Técnicas tornam-se
imprescindíveis e estratégicas para responder às demandas de profissionalização dos
trabalhadores de saúde de nível médio.
Atualmente o país conta com 27 Escolas Técnicas/Centros Formadores em 18
Estados da federação. Em Minas Gerais, existem três Escolas de Formação Técnica
(Norte de Minas, Vale do Aço e FHEMIG/Fundação Hospitalar do Estado de Minas
Gerais) e um Centro Formador de Recursos Humanos para a Saúde/CFRHS que
funciona na Escola de Saúde de Minas Gerais, em Belo Horizonte (TORREZ, 1994).
De acordo com seu regimento escolar, o CFRHS é concebido como um
estabelecimento de ensino oficial do Sistema Único de Saúde, destinado a preparar
profissionalmente, por meio de cursos supletivos e de qualificação profissional,
pessoal de nível fundamental e médio para o desempenho de atividades específicas
2Cada Conselho Estadual de Educação se pronuncia, através de “Parecer”, sobre a criação da Escola Técnica. A autorização de funcionamento da Escola é emitida através da Secretaria Estadual de Educação.
3
do setor de saúde. Foi criado na década de 70 com a denominação de Centro
Interescolar de Saúde de Minas Gerais/CISAMI, mantido pela Fundação Ezequiel
Dias/FUNED. Em 1980 mudou sua denominação (CFRHS) e seu funcionamento foi
autorizado pela Portaria 012/84 de 10/01/84, da Secretaria de Estado da Educação de
Minas Gerais. Sua sede é na Escola de Saúde de Minas Gerais, em Belo Horizonte
(SES/MG, 1996). O corpo docente da ESMIG/CFRHS é constituído de pessoal
legalmente habilitado, segundo as normas do Sistema Estadual de Ensino.
Prioritariamente, os docentes do curso são profissionais que atuam na rede de serviço
do SUS, observada a legislação vigente. O corpo discente é constituído,
prioritariamente, por pessoal já engajado na força de trabalho do SUS (MINAS
GERAIS, 1996).
Os recursos humanos atuantes na área de saúde, denominados de pessoal
auxiliar, compreendem, de uma maneira geral, os servidores de nível educacional
não superior. Esse contingente é constituído de pessoas que, na maioria das vezes,
não tiveram acesso à escola ou dela foram excluídas, seja da parte da educação
geral, seja da parte profissionalizante. Esses profissionais prestam serviços de saúde
à população em atividades e tarefas consideradas adjacentes, mas realizam ações
que demandam capacidade de observação, juízo crítico e decisão, para as quais uma
formação mínima seria desejável, senão indispensável.
Estima-se que existam no Brasil cerca de 400 mil trabalhadores atuando na
área de saúde sem qualificação específica. Exercem funções diversas, desde
administração de serviços gerais até função assistencial nas áreas de enfermagem,
odontologia, nutrição, fisioterapia, meios diagnósticos e vigilância sanitária, e que,
devido à falta de qualificação, não recebem a devida valorização social e institucional.
Representam em torno de 50% dos trabalhadores empregados no setor (PEZZATO,
1999). Várias alternativas já foram implementadas para tentar sanar a situação, que
continua preocupante.
4
Desde 1975, por meio do Parecer 460/75, o atual Ministério da Educação e
Desporto / Conselho Nacional de Educação estabeleceu o perfil, currículos mínimos e
critérios para a formação de pessoal auxiliar odontológico, o Técnico em Higiene
Dental/THD e o Atendente de Consultório Dentário/ACD. Além dessa regulamentação
educacional, os profissionais da área de saúde bucal se submetem ainda a normas
específicas dos procedimentos profissionais regulamentados pelo Conselho Federal
de Odontologia/ CFO. O Técnico em Higiene Dental é reconhecido pelo CFO que
aprovou o exercício dessa profissão com a Resolução 155/84, e alterada pela
Resolução 157/87 (BRASIL, 1994).
Uma discussão que se coloca hoje em relação ao pessoal auxiliar odontológico
é a questão da redefinição do seu perfil profissional, bem como a necessidade de se
utilizar uma nomenclatura mais apropriada ao trabalho que envolve essas ocupações
(CARVALHO, 1999), em função das reformas educacionais e da demanda do sistema
por serviços de saúde bucal.
A reforma em curso, conduzida pelo Ministério da Educação e do Desporto, ao
aplicar a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB - (BRASIL, 1996) e ao
propor a edição do Decreto 2.208/97 (BRASIL, 1997), a Resolução 04/99 (CNE/CEB,
1999) e o Parecer 16/99 (CNE,1999), regulamentando a educação profissional,
favorece esse debate, e exige novas posturas e ações educacionais direcionadas
para a qualificação profissional no setor (BRASIL, 1999).
Aos concluintes de curso de nível técnico, portadores de certificado de
conclusão do ensino fundamental, será expedido pela ESMIG/CFRHS o certificado de
habilitação profissional e, aos portadores de certificado de conclusão do ensino médio
(II grau), será expedido o diploma de habilitação profissional.
De acordo com a LDB, existem duas modalidades de educação formal: a
escolar e a profissional. A educação escolar se divide em dois níveis: a educação
5
básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; e a
educação superior.
A educação profissional recebeu, na LDB, tratamento particularizado (BRASIL,
1997). Ela pode ser desenvolvida em articulação com o ensino regular ou em
modalidades que completem estratégias de educação continuada, podendo ser
realizada em escolas do ensino regular, em instituições especializadas ou nos
ambientes de trabalho. No setor de saúde as Escolas Técnicas já assumem este
papel, mas a atual legislação fortalece sua missão de formadora de trabalhadores
qualificados. As Escolas Técnicas e Centros Formadores são as instituições formais
para qualificar, a nível técnico os profissionais da área, ao mesmo tempo em que se
responsabilizam pela formação das outras modalidades previstas.
A educação profissional compreende três níveis. O primeiro nível, básico, é
destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de trabalhadores,
independentemente de escolaridade prévia. É uma modalidade educacional não
formal, de duração variável e não dependente de regulamentação do sistema
educacional. As instituições que ministram a educação profissional, apoiadas
financeiramente pelo Poder Público, deverão, obrigatoriamente, oferecer os cursos
profissionais de nível básico em sua programação. Nesta categoria enquadram-se,
por exemplo, os treinamentos e qualificação de Agentes Comunitários de Saúde.
O segundo nível de educação profissional é destinado a proporcionar
habilitação de nível técnico profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino
médio. Possui uma organização curricular própria e independente do ensino médio,
podendo ser oferecida de forma simultânea ou em seqüência a este. Para obter o
diploma de técnico de nível médio o interessado deve possuir o certificado de
conclusão do ensino médio. Nesse segundo nível, encaixa-se o Técnico em
Higiene Dental.
6
O terceiro nível, o tecnológico, corresponde a cursos de nível superior na área
tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico. Os cursos de nível
superior, correspondentes à educação profissional de nível tecnológico, deverão ser
estruturados para atender aos diversos setores da economia, abrangendo áreas
especializadas e conferindo diploma de tecnólogo.
A Resolução 04/99 (CNE/CEB, 1999), institui as diretrizes curriculares
nacionais para a educação profissional de nível técnico. Define as áreas profissionais,
suas características, as competências profissionais gerais e as cargas horárias. Para
a área da saúde, a carga horária mínima de cada habilitação é de 1.200 horas.
Nessa conformação do ensino profissional, as Escolas Técnicas de Saúde, os
Centros Formadores de Recursos Humanos para a Saúde e os cursos
tradicionalmente por eles oferecidos, assumem uma nova dimensão na política e nas
estratégias de formação profissional no país. Reformulações e novas propostas têm
sido experimentadas nos últimos anos, procurando enquadrar-se à legislação vigente
e tentando dar respostas adequadas ao setor.
Foi com a carga horária de 1200 horas que a ESMIG/CFRHS formou nos
últimos anos os Técnicos em Higiene Dental. Esse curso foi aprovado em 8/10/96
pelo Parecer 913/96 e Resolução 406/96 do Conselho Estadual de Educação/CEE. O
pedido de autorização para a implantação como experiência pedagógica do Curso de
Técnico em Higiene Dental apresentado ao CEE tem base legal facultada pelo Art. 52
da Resolução CEE 386/91 e disciplinada pela Resolução / CEE 398/95 (CEE, 1996).
Os requisitos referentes à matrícula na ESMIG/CFRHS para esses cursos foram:
idade mínima de 18 anos, conclusão do ensino de II grau e estar inserido (ou em vias
de inserção) na rede do SUS.
No documento apresentado ao Conselho Estadual de Educação (MINAS
GERAIS, 1996), justifica-se a opção pelo curso de THD devido à política do SUS no
sentido de canalizar esforços para melhorar os níveis de saúde bucal no país. Em
7
Minas Gerais, estima-se uma necessidade de 1866 THD’s para garantir a
universalização de procedimentos coletivos de controle da incidência da doença cárie
dentária em crianças e adolescentes de 5 a 14 anos. Tal necessidade aumenta se
considerado o grupo de gestantes, adultos, velhos e crianças de 0 a 4 anos. As
razões epidemiológicas, bem como as necessidades de racionalização da assistência
em saúde bucais à população também respaldam o investimento na formação destes
profissionais.
O Centro Formador de Recursos Humanos para a Saúde (CFRHS) fez a
opção pela formação em serviço do Técnico em Higiene Dental (THD) por meio
da adoção do Currículo Integrado. Essa escolha aponta para uma concepção
educacional que busca resgatar, para os trabalhadores de saúde, o conceito e a
prática da cidadania e permite a reflexão, a crítica e o domínio do conhecimento
indispensáveis à reformulação de sua prática profissional (BRASIL, 1994).
A proposta de profissionalização por meio do Currículo Integrado é anterior à
legislação atual. “A LDB legitimou e consagrou o trabalho de construção e implantação dos
Currículos Integrados” 3.
Em 1994, essa concepção educacional foi analisada em uma dissertação de
mestrado na Faculdade de Educação do Rio de Janeiro. Com seu trabalho intitulado
“Qualificação e trabalho em saúde: o desafio de ir além na formação dos
trabalhadores de nível médio” , a autora explicitou a estratégia político-pedagógica
da formação em serviço dos auxiliares de enfermagem, e os avanços possíveis para
a relação entre qualificação e trabalho em saúde (TORREZ, 1994).
O Parecer 16/99 (CNE, 1999), que estabelece os princípios e a organização da
educação profissional, assinala a necessidade de atualização permanente dos cursos
e currículos. Analisar os currículos orientadores dos cursos em andamento, além de
ser pertinente e necessário para a compreensão das práticas de formação dos
3 Ena Galvão, técnica do Ministério da Saúde. Comunicação pessoal em 17/08/00
8
profissionais da área de saúde, poderá oferecer subsídios para o aperfeiçoamento
constante dos programas de formação profissional do setor de saúde, e em geral.
Autores como MICHAEL YOUNG (1989) afirmam que há necessidade de se
compreenderem as questões curriculares, considerando-as num contexto sócio-
histórico e sugerem a exploração de novas estruturas para o currículo, viabilizando as
possibilidades educacionais no ambiente do trabalho.
MOREIRA (1992), um estudioso das principais tendências do pensamento
curricular no Brasil, defende a idéia de se planejarem currículos que dêem aos
estudantes voz ativa e crítica e que lhes forneçam o conhecimento e as habilidades
necessárias para a sobrevivência e o crescimento no mundo moderno. Essa
concepção está associada à ênfase na necessidade de se trabalhar no sentido de
levar o aluno a desenvolver força de vontade, disciplina, respeito ao trabalho,
constância nos esforços e propósitos. Mas também se pretende formar cidadãos
críticos, autônomos, participantes, ativos e possuidores de conhecimentos e
habilidades que o levem a contribuir para a promoção de melhores e mais justas
condições de vida para todos.
Nessa perspectiva, o que procuramos foi analisar o Currículo Integrado
praticado na formação em serviço do Técnico em Higiene Dental. Algumas
instituições governamentais do setor de saúde vêm promovendo esforços no sentido
de favorecer o processo de educação continuada para o nível superior e a
profissionalização do nível médio por meio dos Currículos Integrados. Assim, já estão
publicados pelo Ministério da Saúde, os seguintes documentos: Guia curricular para a
formação do Auxiliar de Enfermagem para atuar na rede básica do SUS (BRASIL,
1994), Guia curricular para a formação do Auxiliar de Enfermagem: área hospitalar
(SANTOS, 1995), Guia curricular para a formação de Técnico em Higiene Dental para
atuar na rede básica do SUS (BRASIL, 1994), Guia curricular para a formação do
Atendente de Consultório Dentário para atuar na rede básica do SUS (BRASIL, 1998).
9
Ainda não publicados, mas já construídos, estão os Currículos Integrados do
Técnico de Patologia Clínica e Técnico de Farmácia . 4
Para o nível superior, já estão publicados os seguintes documentos:
Desenvolvimento gerencial de unidades de saúde do distrito sanitário - Projeto
GERUS (BRASIL, 1995), Capacitação em desenvolvimento de recursos humanos de
saúde - CADRHU (SANTANA, 1993), Capacitação de enfermeiros em saúde pública
para o SUS (BRASIL, 1994), Capacitação técnica para o cirurgião-dentista atuar na
rede básica do SUS (BRASIL, 1994). Atrelada às capacitações técnicas, há também a
Capacitação pedagógica para instrutor/supervisor da área da saúde (BRASIL, 1994).
O Currículo Integrado para a formação do THD é um plano pedagógico que
articula dinamicamente trabalho e ensino, prática e teoria, serviço e comunidade.
Nesse plano, os problemas e suas hipóteses de solução devem ter sempre, como
pano de fundo, as características socio-culturais do meio em que esse processo se
desenvolve. Tal processo de formação se caracteriza pela concepção pedagógica de
integração ensino-serviço, onde a realidade se torna a referência problematizadora e
as ações educativas consistentes com a proposta da Reforma Sanitária, no sentido de
reorientar e qualificar a prática profissional (BRASIL, 1994).
As avaliações e regulações necessárias a esse processo não se processarão
apenas no espaço interno do curso, mas pelos efeitos que se prolongarem, para além
da ação pedagógica (TORREZ, 1994).
O Currículo Integrado atende aos conteúdos mínimos profissionalizantes
estabelecidos pelo Parecer CFE 460/75 e Resolução CEE 362/87 (BRASIL, 1994).
Os cursos são organizados alternando períodos de Concentração e Dispersão,
observada a metodologia de integração ensino-serviço.
4 Isabel Santos, técnica do Ministério da Saúde. Comunicação pessoal em 17/08/00
10
A Concentração refere-se ao momento do curso destinado ao desenvolvimento
de conteúdos. Todos os alunos encontram-se juntos (concentrados) no “Centro
Formador” que foi descentralizado para um município-sede. Os períodos de
Concentração são caracterizados como momentos de reflexão/teorização da prática
profissional. São considerados como momentos de reconstrução teórica de formas,
princípios mais elaborados e científicos que buscam instrumentalizar e explicitar a
prática profissional. Sob a orientação direta do Instrutor, um cirurgião-dentista da rede
básica do SUS, capacitado técnica e pedagogicamente, os alunos desenvolvem
atividades programadas no Guia Curricular (BRASIL, 1994). São discutidas as
questões referentes a sua prática cotidiana, bem como desenvolvidos novos
conhecimentos e habilidades que objetivam instrumentalizar os alunos para uma
ação profissional diferente.
A Dispersão é o momento do curso destinado ao desenvolvimento das
habilidades práticas. Os alunos estão distribuídos (dispersos) em diferentes unidades
de atendimento do SUS; num posto de saúde ou policlínica dos seus municípios de
origem, onde já trabalham integrados formalmente ao sistema de saúde, normalmente
próximos do município sede onde ocorre a Concentração. Na Dispersão há
orientação, acompanhamento e registro sistemático do desenvolvimento do
educando. Este momento visa a favorecer a reflexão de cada aluno no universo das
funções para as quais está se habilitando. É na Dispersão que ocorre uma nova
sistematização dos conhecimentos e a sua consolidação. Esse momento acontece
após cada período de Concentração ou paralelamente a ele. O instrutor da Dispersão
é o dentista que trabalha na unidade de saúde, na mesma equipe do aluno. Esse
profissional docente (instrutor) também participou de uma atualização técnica e
sensibilização pedagógica, oferecida pelas instituições de saúde (Secretarias
Municipais).
A Figura 1 mostra o esquema de funcionamento dos municípios da Dispersão,
Concentração e destes municípios-sede com o CFRHS em Belo Horizonte.
11
= Dispersão do THD = Concentração do THD
CFRHS = Centro Formador de Recursos Humanos para a Saúde
FIGURA 1: A formação em serviço do THD
Não se distingue um momento específico de “Estágio Supervisionado”. Na
estrutura proposta, a prática é avaliativa e acontece durante todo o processo. Uma
prática contínua, relacionada com a formação teórica e técnica. O processo não
separa a teoria da prática.
O processo de avaliação considera o desempenho do aluno na Concentração e
na Dispersão, fundamentando-se no domínio dos componentes teóricos e das
habilidades técnicas. Preponderam os aspectos qualitativos sobre os quantitativos.
C F R H S B H
MUNICÍPIO SEDE
MUNICÍPIO SEDE
MUNICÍPIO SEDE
MUNICÍPIO SEDE
12
Participam da avaliação todos os dentistas envolvidos no processo ensino-
aprendizagem. Utiliza-se o conceito apto e não-apto para fins de aprovação, bem
como percentual mínimo de 75% de freqüência. O curso tem duração de 30 semanas,
sendo 12 semanas de concentração e 18 de dispersão.
Nos municípios a serem beneficiados pelo projeto, a Superintendência
Regional de Ensino envolvida confirma a existência de instalações, equipamento,
material didático e acervo bibliográfico adequados e disponível para o
desenvolvimento do curso. Nos locais escolhidos, acha-se confirmada essa situação
em relatórios de verificação in loco, elaborados por equipe de inspeção da jurisdição
de ensino regional.
Os cursos estão autorizados a funcionar com sedes descentralizadas em 18
Secretarias Municipais de Saúde. São elas: Araçuaí, Belo Horizonte, Bom Despacho,
Brasília de Minas, Carmo do Paranaíba, Coromandel, Curvelo, Francisco Sá, Itabira,
Juiz de Fora, Minas Novas, Nazareno, Paracatu, Patrocínio, Ponte Nova, Pouso
Alegre, Santo Antônio do Monte e Várzea da Palma. Na página seguinte, o mapa da
Figura 2 permite uma visualização da distribuição destes municípios no Estado de
Minas Gerais.
Desses municípios autorizados pelo CEE a oferecer o curso de formação em
serviço do THD, 11 já abriram turmas e concluíram o processo e 1 município está com
o curso em andamento. O quadro da Figura 3 foi montado a partir dos dados
disponíveis na ESMIG/CFRHS e mostra a abrangência em Minas Gerais do processo
de formação em serviço por meio do Currículo Integrado.
A formação em serviço do THD é uma estratégia que, ao mesmo tempo
em que possibilita ao aluno aprender a partir dos problemas demandados pela
realidade, utiliza-se deles e os transforma, contribuindo assim para a melhoria
da qualidade desses serviços. O ambiente de trabalho, entendido como a “sala de
aula”, é um local para se aprender, mas também para se aprimorar.
13
FIGURA 2: Mapa dos municípios autorizados pelo CEE para a formação do THD
Várzea da Palma
Paracatu
Carmo do Paranaíba
Coromandel
Brasília de Minas
Patrocínio
Nazareno
Pouso Alegre
Santo Antônio do Monte
Bom DespachoBelo Horizonte
Juiz de Fora
Ponte Nova
Itabira
Curvelo
Minas Novas
Araçuaí
Francisco Sá
14
MUNICÍPIO SEDE NÚMERO DE MUNICÍPIOS
ENVOLVIDOS
NÚMERO DE ALUNOS
MATRICULADOS
NÚMERO DE ALUNOS
CONCLUINTES
Belo Horizonte 3 56 Em andamento
Bom Despacho 6 12 12
Brasília de Minas 11 14 14
Carmo do Paranaíba 11 25 24
Curvelo 11 14 13
Juiz de Fora 20 84 79
Nazareno 11 14 14
Paracatu 12 30 26
Patrocínio 1 6 6
Pouso Alegre 22 28 28
Santo Antônio do Monte 3 7 7
Várzea da Palma 4 13 13
TOTAL 115 303 236
Fonte: Secretaria de Ensino do CFRHS
FIGURA 3: Quadro com a distribuição dos alunos nos cursos de THD’s por
municípios, número de matrículas e concluintes - 1997 a 2000
A oportunidade do aluno de participar do cotidiano do serviço, de suas
dificuldades, seus mecanismos políticos e de poder, representa um aporte
pedagógico inesgotável. Pressupõe-se que a formação precede e ultrapassa o âmbito
escolar. Ela continua no mundo do trabalho, mediada pelas instituições de saúde
(BARBOSA, 1998).
A preparação dos docentes que atuam nesse processo é de responsabilidade
da Escola de Saúde. Todo dentista graduado em Faculdades de Odontologia pode
ser o instrutor do THD. Entretanto, na rotina dos serviços do SUS, observa-se que o
dentista que entra ou faz parte do sistema, de uma maneira geral, não está preparado
tecnicamente para assumir os desafios da prática coletiva, muito menos sensibilizado
para o seu papel docente. As contradições colocadas pela realidade dos serviços de
saúde são muito grandes. Na maioria das vezes, apesar de estarem relacionados
15
administrativamente com o SUS, os serviços de saúde e de saúde bucal não se
encontram organizados sob os princípios da Reforma Sanitária. Além de ser
chamado, em equipe, a repensar e reorganizar esses serviços, o dentista é também
desafiado a um novo papel, que na sua graduação não foi priorizado: o de formar
pessoal auxiliar.
Para essa grande demanda, a operacionalização de cursos de capacitação
técnica e pedagógica para dentistas é também uma estratégia para a reorganização
de serviços de saúde bucal e a formação em serviço do THD. É dentro de um
contexto de repensar a realidade e redefinir o modelo de assistência que se insere
também a capacitação de dentistas e a formação de THD. O preparo pedagógico do
profissional de nível superior é, de certa forma, condição preliminar para a viabilização
dos cursos de qualificação do pessoal auxiliar ao qual nos referimos neste trabalho.
Em 1996, aconteceu na ESMIG o I Curso de Especialização em Atenção
Básica de Saúde / Odontologia Coletiva que capacitou 24 dentistas de municípios
mineiros para reorganizarem os serviços de saúde bucal e também exercerem a
função de docentes na composição da equipe.
Em 1997, os dentistas que participaram do curso iniciaram no seu
município de origem a formação em serviço do THD por meio do Currículo
Integrado. Esses dentistas são os responsáveis pela Concentração dos THD’s. Eles
também são responsáveis por deflagrar, na sua região, com apoio da Escola de
Saúde de Minas Gerais, um processo de capacitação e sensibilização pedagógica
dos dentistas que atuarão como instrutores do THD na Dispersão.
Ao elegermos a análise do processo de formação do THD como eixo
deste trabalho, demarcamos também sua abrangência. Interessou-nos estudar a
construção de ordens curriculares alternativas, as visões sociais transmitidas e
a prática como ponto de partida e de chegada.
16
Este trabalho tem significação especial para os trabalhadores que atuam nos
processos educativos no setor de saúde e saúde bucal, e para os educadores que se
ocupam de estudos de currículo de formação em serviço, em diversos setores.
“O objeto desse estudo se vincula ao campo das utopias por justiça social, democracia
e libertação. Não podia ser diferente, em razão do currículo estar no centro da relação
educativa, e estar ligado ao saber, poder e identidade” (Cit. Pág. 121 ROMANO,
1999).
Suas implicações estão no cenário municipal, estadual e nacional. Sua
contribuição se localiza no campo da estruturação dos cursos profissionalizantes, bem
como nos cursos de formação dos docentes de profissionais de nível médio na área
de saúde bucal.
Nossa prática profissional sempre trouxe como desafio a forte ligação da saúde
e educação. Na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais / PUC-MG,
desenvolvendo atividades docentes no Curso de Atendente de Consultório Dentário
(ACD), questionávamos o nosso trabalho como professores, ao mesmo tempo em
que identificávamos os limites daquela formação que estava sendo oferecida.
Perguntávamos: como, a partir dos conhecimentos transmitidos aquelas alunas
responderiam às demandas do mundo profissional?
Enquanto docentes da disciplina de Odontologia Social, também na PUC-MG,
o desafio era sermos educadores dentro de uma estrutura curricular que enfatizava
ações tecnicistas, onde a repetição era o foco maior. Como estabelecer relações
pedagógicas que contribuíssem para que o aluno se tornasse mais crítico e
questionador? Como sensibilizá-lo para o seu papel de ator social?
Mas a motivação maior para este estudo é oriunda da nossa atuação na
área de recursos humanos, como integrante da equipe formadora de
17
profissionais de nível básico e técnico da ESMIG/CFRHS e como instrutora e
coordenadora de cursos de pós-graduação do SUS.
Inquietavam-nos as propostas de inserção do “nível médio” na equipe de saúde
bucal. No final da década de 80, quando fomos convidadas pela Organização Pan
Americana de Saúde para construirmos o “Guia curricular para a formação do Técnico
em Higiene Dental para atuar na rede básica do SUS”, iniciamos um caminho de
tateios e sucessivas aproximações do que viria a ser um Currículo Integrado. Esse
material foi publicado pelo Ministério da Saúde nos anos 90, enquanto proposta
nacional e utilizado em vários estados, inclusive em Minas Gerais.
Construir esse plano pedagógico foi um grande desafio em relação à
organização do seu conteúdo e à compreensão da sua dimensão político-pedagógica.
Mas na época, nosso conhecimento pedagógico não nos permitiu compreender o
poder de regulação dos currículos escolares.
Foi a partir da consolidação da nossa formação pedagógica, através do Curso
de Mestrado em Educação, ao entender as dimensões sociais e práticas do currículo,
é que foi possível perceber a importância de analisar e avaliar a proposta do currículo
em questão.
Esse estudo sobre a formação em serviço do THD, representou uma
possibilidade de resgate da reflexão sobre a dimensão pedagógica e os efeitos do
controle social do Currículo Integrado por nós implementado. Representou também a
desmistificação do conceito de pesquisa, apontando os múltiplos horizontes que a
formação em serviço abre, reforçando a idéia de investigação enquanto descoberta,
criação, diálogo.
Especialistas em educação exaltam a importância da tarefa política de
estabelecer arranjos curriculares que sejam transgressivos da ordem curricular
existente. A construção de ordens curriculares alternativas considera a
18
disciplinariedade como um núcleo a ser atacado em uma estratégia de desconstrução
da organização curricular existente (MOREIRA, 1995).
Que visões sociais estariam sendo transmitidas aos profissionais da saúde
envolvidos nesse plano pedagógico? Que identidades individuais esse currículo
estaria produzindo?
Entendendo o currículo não apenas como implicado na produção das relações
de poder no interior da escola e da sociedade, mas também como histórica e
socialmente contingente, sua área de atuação é vista como uma arena política.
Usando a antiga metáfora, o currículo não será mais uma pista de corrida, mas a
própria jornada (DOLL, 1997). Sabe-se que a corrida começa antes do ponto de
largada da pista (grade curricular) e continua o seu longo caminho após a placa de
chegada. A pista, por si só, não define a corrida. É preciso saber quem corre, como
corre, o que vislumbra a frente. Quem é o técnico dessa corrida? Como é essa
pessoa que também definirá o ritmo a ser impresso? A corrida é uma ação isolada ou
os corredores estão envolvidos em uma atividade coletiva? No correr (apropriação do
conhecimento) predominam as ações de competição ou de cooperação? Enquanto
correm transformam a realidade que os cerca? São estimulados a fazê-lo? Qual é o
“clima” da corrida? Como se comportam as autoridades políticas que optaram por
essa jornada? Depois da linha de chegada, qual é a postura dos corredores? Qual a
dimensão política da ação pedagógica que foi desenvolvida?
O conhecimento não é algo estático, acabado e definitivo, Sua renovação
precisa estar constantemente penetrando a prática, e vice-versa, num movimento
dialético, incessante de realimentação das idéias pelos fatos e dos fatos pelas idéias
(KRAMER, 1989).
Foi com esta concepção que o Currículo Integrado para a formação do THD foi
construído. No entanto, queríamos investigar quais eram os pressupostos da
arquitetura interna do Currículo Integrado. O curso havia contribuído, como se
19
propunha, para possibilitar no processo de qualificação, além de conhecimentos,
atitudes comprometidas com a mudança da situação de saúde da população?
Desde o início do Curso de Mestrado, havia o desafio de definir o objeto de
estudo e, em seguida, enxergar sutilezas, relações ligadas a esse objeto que
permitissem identificar as teorias que o suportavam. Tratava-se de um grande
investimento em, a partir de uma dada realidade, buscar explicações teóricas (ou
construí-las) que possibilitassem uma melhor leitura e entendimento dessa realidade
(BOURDIEU, 1989). Este foi o nosso desafio.
Organizamos esta exposição da seguinte maneira:
• Introdução: exposição do objeto, objetivos da pesquisa, problemática, o
envolvimento com o trabalho, seus limites, importância e a quem se dirige o
estudo.
• Capítulo 1 – Considerações metodológicas: apresentação das condições em que
se deram os trabalhos, os caminhos escolhidos para a efetivação do estudo, os
atores, as questões inquietadoras.
• Capítulo 2 – Os pressupostos teóricos de Basil Bernstein.
• Capítulo 3 - O Currículo Integrado do THD
• Capítulo 4 – Interpretação dos resultados. O caráter educativo da formação em
serviço: discussão acerca do tema Currículo Integrado.
• Conclusões: síntese dos impactos, dificuldades e possibilidades da alternativa
pedagógica de formação em serviço por meio dos Currículos Integrados.
• Referência Bibliográfica
• Anexos
20
CAPÍTULO 1
CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Coerente com o processo que deu forma ao trabalho proposto, a opção
metodológica para analisar e avaliar o Currículo Integrado do THD foi a abordagem
qualitativa, onde o ambiente natural funcionaria como a fonte direta de dados. O
interesse maior era verificar como a situação se manifestava, ou seja, a preocupação
com o processo de realização do curso ou de concretização da proposta do Currículo
Integrado era muito maior do que com o produto, ou seja, com os próprios resultados
do(s) curso(s) desenvolvido(s). Nossa preferência também se baseava no fato de
querermos estudar questões difíceis de quantificar, como postura, sentimentos,
motivações e atitudes (GOLDENBERG, 1998).
O Estudo de Caso foi o recurso metodológico assumido. Esse tipo de
abordagem nos permitiu partir inicialmente de algumas questões ou pontos críticos
que foram sendo explicitados, reformulados ou abandonados à medida que se
mostraram mais ou menos relevantes. Não partimos de uma visão pré-determinada
da realidade, mas procuramos apreender os aspectos ricos e imprevistos que
envolveram uma determinada situação (LÜDKE, 1986). Nosso propósito era retratar
uma unidade em ação: o caso da formação do THD por meio do Currículo Integrado.
Nessa pesquisa, o desafio foi colocar em jogo a teorização de questões ligadas
a uma prática escolar (as relações pedagógicas no curso de formação do THD)
aparentemente irrisória, sem significado.
A experiência de utilização do Currículo Integrado para a formação em serviço
do THD parecia-nos uma alternativa pedagógica viável e que produzia resultados
interessantes e necessários. Ainda que essa idéia fosse partilhada pelos atores
envolvidos e se consolidasse numa avaliação institucional positiva, o nosso
movimento durante todo o tempo foi no sentido de romper com essa representação e
buscar respaldo científico para esse conjunto de constatações.
21
À medida que foi possível estabelecer uma trama teórica que permitiu um
olhar sobre o objeto com mais clareza e distância, foi identificada também a
necessidade de alterações no caminho que inicialmente havia sido traçado.
Ainda que seja comum encontrar nos trabalhos acadêmicos os relatórios finais
descrevendo de forma acabada os caminhos que foram seguidos, é sedutora a idéia
de registrar as primeiras formas, as propostas iniciais de como foi concebida a
pesquisa.
No projeto apresentado ao Colegiado do Curso de Mestrado, sobre a
abordagem metodológica, no item: “dados a serem coletados, os instrumentos e
procedimentos de coleta”, havia a proposta de uma análise preliminar de dados
disponíveis para depois procedermos à coleta de outros dados, por meio da
observação e entrevistas com docentes e autoridades envolvidas. A aplicação de
questionários destinados aos THD’s formados em um município sede escolhido, era
uma tentativa de certificação do que pensavam e refletiam esses atores sobre o seu
processo de formação em serviço. Entretanto, o tratamento oferecido aos dados que
nos serviriam como preliminares, acabaram elevando-os à qualidade de material
empírico para essa dissertação. Adiante falaremos mais detalhadamente sobre esse
material.
Talvez, por já estarmos submetidas a um meio com alto nível de
“contaminação” pela busca de integração entre teoria e prática, seja tão difícil falar do
caminho seguido, sem descrever como foi o caminhar.
A ESMIG/CFRHS, através da equipe coordenadora dos cursos de qualificação
profissional, realizou uma ação diagnóstica para verificar como os instrutores da
Concentração dos cursos de formação de THD avaliavam esse processo em Minas
Gerais. Assim, foram realizadas Oficinas de Trabalho com a participação dos
C.Dentistas de diferentes regiões do estado onde o curso já havia sido concluído,
totalizando, àquela época 7 municípios (Bom Despacho, Brasília de Minas, Carmo do
22
Paranaíba, Juiz de Fora, Paracatu, Patrocínio e Santo Antônio do Monte). Para essa
Oficina de trabalho foram levantados dados de matrícula e identificados os THD’s
(sexo, idade e escolaridade), total de alunos que iniciaram e concluíram o curso e
demanda de formação de novas turmas por município. As informações agrupadas no
Anexo I nos permitiram um primeiro traçado do perfil dos alunos e dos municípios já
envolvidos no processo. Não havia dados disponíveis para um delineamento sócio-
econômico desses profissionais, o que nos possibilitaria um maior conhecimento do
grupo e possíveis integrações com outros trabalhos.
Ainda na Oficina de Trabalho que foi realizada na Escola de Saúde de Minas
Gerais, os Dentistas-Instrutores da Concentração do curso de THD responderam a
um questionário auto-aplicável. A partir da tabulação dos dados colhidos nos
questionários e da Oficina em si, foi elaborado um relatório final. O relatório final
dessa Oficina (Anexo II) foi encaminhado às autoridades setoriais. Também foram
definidas estratégias de condução da política de formação do THD em Minas Gerais.
Esses dados que nos foram disponibilizados permitiu-nos inicialmente
identificar um “Panorama da Profissionalização do THD em Minas Gerais”.
Identificamos o total de municípios envolvidos nesse processo de formação de
THD por meio do Currículo Integrado e projetamos o resultado em um mapa (Anexo
III). Esse mapa revelou-nos uma grande contradição da proposta de formação de
trabalhadores de nível médio para os serviços de saúde bucal no Estado de Minas
Gerais: as regiões mais carentes e necessitadas (Vale do Jequitinhonha e Norte de
Minas), ainda que tivessem instrutores capacitados para iniciar a formação do THD,
não dispuseram de recursos financeiros suficientes para dar continuidade a esse
processo.
No plano pedagógico, foi instituído como rotina, na ESMIG, o acompanhamento
dos coordenadores de cursos de formação de THD, por meio dos Encontros
Pedagógicos. Trata-se de um espaço aberto para a discussão e encaminhamento de
23
questões técnicas e pedagógicas, onde são abordados temas levantados pelos
cirurgiões-dentistas responsáveis pela Concentração do curso. Esses encontros
possuem caráter regular, em regime trimestral, e estão sendo alvo de avaliação
constante pelos atores envolvidos.
Acompanhamos o cotidiano da ESMIG/CFRHS como funcionária da instituição
e, ao mesmo tempo, como pesquisadora. Tentamos olhar para dentro da Escola,
perceber seus problemas, suas precariedades, seus avanços, suas contradições.
Observamos detalhes administrativos e pedagógicos, conversamos informalmente
com técnicos e diretores.
“É um mergulho no empírico, mas não um mergulho desprovido de proteção. Levo
comigo um equipamento rudimentar, mas o suficiente para não me afogar no mar de
fatos aparentemente desarticulados que é a vida diária de uma escola” (cit. Pág. 62
MELLO, 1998).
Pretendíamos, a partir dessa etapa, fazer uma primeira ordenação do material
que estava nos municípios e foi disponibilizado para esse estudo. Pretendíamos, ao
mesmo tempo, verificar alguns pressupostos teóricos, definir o município onde
centraríamos os estudos de campo, bem como os destaques pedagógicos levantados
pelos docentes e que mereceriam maior atenção ao longo das outras etapas da
pesquisa. Após essa primeira sistematização é que definiríamos os roteiros de
entrevistas e as guias de observação.
Como a atenção estava concentrada em fazer uma análise qualitativa do curso,
fizemos uma leitura minuciosa dos registros disponíveis. Deparamo-nos com os
relatórios das inspetoras regionais de ensino e investigamos todos as questões
levantadas.
Agrupando todo o material referente à formação do THD em Minas Gerais,
encontramos um número enorme de registros feitos pelo corpo discente durante o
andamento dos cursos. Eram avaliações feitas ao final de cada semana de
24
Concentração (uma média de registros que variava de acordo com o número de
alunos no município), onde os alunos expressavam opiniões e pontos de vista sobre a
prática pedagógica desenvolvida.
Foi feita uma primeira leitura desse material e constatada a riqueza no
teor dos depoimentos. Percebemos que tínhamos em mãos registros
suficientes para avaliar as relações pedagógicas impressas aos cursos
descentralizados. Isso se tornou essencialmente o material de análise.
Por uma questão de tempo e de método, decidimos focar toda a atenção num
só município que houvesse concluído o curso. Já fora constatado, por meio dos
cirurgiões-dentistas instrutores, que, quanto mais heterogêneo o grupo de alunos e de
experiências que traziam, mais ricas as discussões em grupo.
Assim, Carmo do Paranaíba foi o município selecionado. Sua escolha não foi
no sentido de eleger um subgrupo retirado do universo populacional a ser estudado e
que permitisse fazer uma generalização para todos os outros municípios. A indagação
que poderia ocorrer a partir desse estudo seria a de tentar conhecer o que se podia
aplicar (ou não) desse caso em outras situações de cursos que seguiam a mesma
concepção pedagógica.
A escolha desse município foi baseada em critérios estabelecidos a partir dos
Encontros Pedagógicos (que começaram a acontecer na ESMIG de uma maneira
sistematizada) de avaliação do processo de formação do THD. Dos problemas do
serviço que eram levados para o curso, o mais comum referia-se aos diferentes
estágios em que se encontrava a organização dos serviços de saúde bucal do SUS. A
questão mais polêmica que surgia era o fato da “sala de aula” (serviços locais de
saúde bucal) não estar organizada o suficiente para garantir ao THD uma prática
ajustada à aplicação dos novos conhecimentos adquiridos. Havia uma grande
contradição no processo de formação do THD. A maioria dos municípios possuía um
modelo de atenção à saúde centrado no profissional de nível superior (cirurgião-
25
dentista), de enfoque individual, de caráter curativo e Equipamento/Dependente, ou
seja, com o pressuposto de que a ausência de equipamento odontológico inviabilizava
as ações assistenciais. Ao mesmo tempo estavam investindo na formação de um
profissional que tem como ação primeira o controle da incidência das doenças bucais
(prevenção), e que discutia com freqüência a importância da inversão da lógica de
atenção. No curso, esses profissionais eram formados para o trabalho em equipe e
para a execução de ações coletivas universalizadas.
Se, por um lado, a estrutura do serviço dificultava a inserção do THD, sem
dúvida o fato desse profissional estar em formação e buscar no dia-a-dia a definição
do seu espaço de ação, provocavam conflitos e abria espaços para uma reflexão local
sobre o trabalho em equipe na construção de um novo modelo assistencial.
Outro ponto de estrangulamento referia-se à inexistência, em alguns
municípios, de consultórios disponíveis para o THD trabalhar. É comum encontrar
municípios de pequeno porte equipados com apenas um consultório. Nesse caso, ou
o THD, ou o cirurgião-dentista fazia o atendimento individual. Considerando que
durante a formação profissional do THD necessariamente o cirurgião-dentista tem de
estar presente no local do atendimento, ou um ou outro estaria com atividades
profissionais reduzidas. Essa contradição, relacionada à produção final de serviços
prestados, era motivo de grandes discussões locais.
Essas eram questões que, embora ligadas à assistência, possuíam sérias
implicações pedagógicas.
O critério definidor para a escolha de Carmo do Paranaíba foi então o fato de,
num mesmo curso, conviverem situações de municípios com graus diferenciados de
organização dos serviços de saúde bucal. A heterogeneidade das práticas de saúde
bucal e, conseqüentemente, as concepções diferentes que cada trabalhador
envolvido trazia, faziam com que Carmo do Paranaíba fosse o município eleito.
26
Na nossa hipótese inicial, quanto mais diversas e contraditórias as realidades,
mais polêmicas e ricas as relações de ensino-aprendizagem.
Existia uma intenção explicitada anteriormente no projeto de pesquisa de, a
partir de dados a serem colhidos em campo, identificar as relações pedagógicas que
foram estabelecidas (relação professor/aluno, teoria/prática, ensino/serviço, do
processo de avaliação, dentre outras). Ao longo da análise das informações já
disponíveis, fomos nos deparando com registros em forma bruta que, se lapidados,
aproximar-se-iam das categorias procuradas.
Como NETO (2000), entendemos categoria como o conjunto de elementos ou
aspectos com características comuns ou que se relacionam entre si.
As informações do questionário que pretendíamos coletar dos THD’s, de como
avaliavam os recursos utilizados, a atuação dos docentes, o apoio técnico, a infra-
estrutura do serviço, etc, encontravam-se suficientemente disponibilizadas nesse
material. As percepções dos envolvidos já haviam sido colhidas durante as semanas
de Concentração. Os cursos de formação de THD desenvolvidos na ESMIG traziam
todos essa característica: a de registros sistemáticos de avaliações dos alunos acerca
de questões relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem.
Além disso, os registros nos ofereciam a avaliação temporal do processo.
Consideramos isso mais rico do que uma avaliação a posteriori, o que
pretendíamos captar com nosso instrumento formal de coleta de dados. O roteiro de
entrevistas com dentistas da Concentração e Dispersão que inicialmente seria
utilizado foi anexado ao final (Anexo IV). Com essa escolha, a de utilizarmos os
depoimentos dos educandos já colhidos ao longo do curso, julgamos inclusive que a
avaliação dos envolvidos era mais verídica, mais real, sem contaminações de uma
avaliação feita depois de concluído o curso. Além disso, a quantidade de depoimentos
disponíveis oferecia um material farto e rico, bem maior do que obteríamos através da
aplicação dos questionários anteriormente previstos.
27
Durante o Curso de Especialização dos cirurgiões-dentistas, em Belo
Horizonte, vários instrumentos de avaliação do processo pedagógico foram
apresentados e utilizados. Muitos desses instrumentos foram reutilizados nos
municípios e recriadas novas formas de avaliação durante o Curso de Formação de
THD. Assim, ao final de cada Concentração, era pedido aos THD’s que avaliassem,
sob diferentes aspectos, a semana de trabalho.
Em Carmo do Paranaíba, exceto na primeira unidade, quando os depoimentos
foram orais e o registro feito pelo docente, essas avaliações foram escritas pelos
próprios alunos. Os comandos para a avaliação variavam ao longo das unidades
didáticas. A maioria dos depoimentos estava em folha de papel ofício, com a
orientação de que fossem avaliados os conteúdos trabalhados, a metodologia, o
material bibliográfico utilizado, o desempenho dos instrutores e do apoio técnico.
Esses itens a serem avaliados se repetiam a cada mês. O que variava era a forma de
apreciá-los: uma reta graduada de zero a cinco, seguida de comentários; sinais para
cada tópico (verde: está bom, pode continuar; amarelo: repense e melhore ou
vermelho: pare, está ruim, tem que melhorar) e a justificativa do porquê da
sinalização. Foi também pedido que apontassem pontos positivos e negativos. Numa
das últimas unidades didáticas, havia um comando de que avaliassem dizendo como
se sentiram, o que precisava ser mudado e do que gostaram; e em outra unidade
havia uma pergunta: “Como me sinto diante da perspectiva de me formar?”. Em
algumas Concentrações foi pedida uma auto-avaliação. Questionava-se o
desempenho individual nos trabalhos em pequenos grupos e também no grande
grupo.
O conjunto das avaliações, colhido ao final de cada Concentração, retratava
um período marcante na vida dos educandos dos onze municípios da região de
Carmo do Paranaíba. Os comentários referiam-se a inquietações no plano pessoal,
profissional, emocional e sobretudo relacionado ao processo pedagógico. Embora não
tivéssemos gravações que evidenciassem o tom da voz, os silêncios na fala, as
expressões carregadas de emoção, as expressões escritas eram muito ricas:
28
minuciosas e diversificadas. Encontramos textos revestidos de denúncias, de
sentimentos de abandono e também muitos reforços positivos e críticas sobre o
processo de formação. Frases fortes, às vezes curtas, muitos questionamentos, mas
sempre envolvidos por um caráter de profunda crença de que estavam fazendo sua
história.
Os registros foram utilizados como material empírico da dissertação.
Referia-se a depoimentos de 24 alunos do curso, totalizando 275 registros
escritos manualmente entre fevereiro de 1998 a fevereiro de 1999. A maioria
dessas avaliações não estava identificada, o que impossibilitou nominar cada
declaração utilizada ao longo da pesquisa. Quando os comentários se referiam à ação
docente, normalmente o nome do instrutor estava explicitado. Consultados sobre o
fato de serem citados, nenhum instrutor se opôs ou manifestou preferência de uso do
anonimato.
Como os documentos-fonte foram produzidos independentemente da pesquisa,
procedemos a uma seleção qualitativa do material. Para a constituição desse corpus,
não foi usada qualquer técnica estatística de amostragem. Todo o material foi lido e
interpretado segundo os objetivos desta pesquisa. Procuramos ordená-los em relação
às informações que registravam possíveis respostas às nossas questões.
“Pode-se quase afirmar que é neste ponto – ao desenvolver as categorias, ao definir e
delimitar os tipos de comportamentos anotados – que o estudo de caso exige a mais
cerrada crítica. É nesse estágio que a sistematização da maior parte dos dados
começa, isto é, condensação, cortes, reinterpretações, etc. Os passos nessa
transformação, portanto, devem ser cuidadosamente marcados se o pesquisador
espera que suas conclusões sejam aceitas” (Cit. Pág. 429, GOODE, 1975).
A partir do ajustamento desses depoimentos, foram encontradas novas
categorias relacionadas às relações pedagógicas e agrupadas da seguinte forma:
Relação Ensino/Serviço, Relação Aluno/Conhecimento, Relação Professor/Aluno,
Relações Afetivas.
29
“Se os documentos-fonte susceptíveis de permitir o estudo do problema foram
produzidos independentemente da pesquisa, o analista procede habitualmente a uma
escolha, e dentro do tipo de documentos escolhidos terá ainda muitas vezes que
proceder a alguma seleção, com base em critérios que explicitará. Estes critérios
podem ser de ordem qualitativa ou quantitativa” (cit. Pág. 109 VALA, 1987)
Assim, as referências teóricas de que dispúnhamos orientaram uma primeira
exploração do material. Essa primeira leitura contribuiu para o alargamento da
problemática a estudar.
Parecia-nos através dos depoimentos, que o plano pedagógico seguido na
formação em serviço do THD fora adequado. Mas estava ? Qual a gramática interna e
quais princípios regem o Currículo Integrado? Por quais motivos estaríamos
chegando a esses resultados? Embora fosse confortador perceber que a proposta
pedagógica oficialmente instituída na ESMIG/CFRHS, na habilitação do THD, estava
dando certo, tornou-se inquietador saber explicar tal fato. Descobrir o que estava
escondido nessa aparência de curso bem sucedido passou a ser o grande
interesse deste estudo.
Mas para isto, fez-se necessário um esforço maior no sentido de ir além das
aparências dos depoimentos e buscar explicações para os acertos explicitados.
Buscamos então dar ênfase à análise de conteúdos das comunicações escritas
pelos alunos durante o período do curso de formação; procuramos captar suas
falas, o sentido que deram ao curso.
Sabemos dos problemas de enviesamentos de respostas, pelo menos
potencialmente, decorrentes da consciência que os sujeitos têm de que estão a ser
observados ou testados, dos constrangimentos associados ao papel do entrevistado,
da interação entrevistador-entrevistado, etc.
30
“A análise de conteúdo tem exatamente como uma das suas vantagens o fato de
poder exercer-se sobre material que não foi produzido com o fim de servir a
investigação empírica” (Cit. Pág. 107 VALA, 1987)
Ainda que a ênfase maior nesse estudo tenha sido dada à análise dos
conteúdos das comunicações escritas dos alunos THD’s, analisamos também o Guia
curricular para a formação do Técnico em Higiene Dental para atuar na rede básica
do SUS (BRASIL, 1994), os documentos de Capacitação pedagógica para instrutor
supervisor da área de saúde (BRASIL, 1994) e a Capacitação técnica para o
cirurgião-dentista atuar na rede básica do SUS (BRASIL, 1994). Através desses
documentos oficiais do Ministério da Saúde, foi possível confrontar e complementar
os referidos conteúdos escritos pelos THD’s. Assistimos à fita de vídeo da formatura
dos THD’s. Tivemos acesso aos discursos proferidos pelos instrutores na cerimônia
de encerramento. Foi-nos também disponibilizado o álbum de fotografia de atividades
desenvolvidas ao longo do curso.
Esses registros visuais ampliaram o conhecimento do nosso estudo porque nos
proporcionaram documentar momentos que ilustraram o cotidiano vivenciado. Essas
técnicas de documentação, ao lidar com os planos da imagem e da comunicação,
assumiram um papel complementar ao estudo como um todo (NETO, 2000).
As fichas de avaliação das atividades de Dispersão (totalizando cerca de 700
folhas de registros), também nos serviram de consulta para algumas constatações
acerca do processo de acompanhamento dos educandos.
Os trabalhos escritos pelos THD’s ao final de cada período de Dispersão já
haviam sido conferidos pela inspetora de ensino regional e devolvidos aos alunos.
Isso impediu uma leitura e análise desse material. Também um “Memorial” foi
elaborado pelas THD’s ao final do curso. Tivemos acesso restrito a ele, o que nos
impediu uma exploração maior do seu conteúdo, que, sem dúvida, muito enriqueceria
nossa discussão (vide roteiro em Anexo V). O “Memorial” foi um instrumento usado
31
para organizar informações da trajetória pessoal e profissional do educando. Por meio
dele reforçava-se a idéia de um processo de formação amplo, integral, que
contemplava os vários aspectos da vida do educando.
A escolha de um referencial teórico para embasar nosso estudo recaiu sobre
as teorias de Basil Bernstein sobre Códigos de Colecção e de Integração; o que nos
possibilitou a análise da gramática interna do Currículo Integrado. A literatura
específica sobre Bernstein nos foi disponibilizada, na sua maior parte, em edições de
Portugal, o que nos trouxe alguns problemas com terminologia. Os “Códigos de
Colecção” são, na verdade, no Brasil, traduzidos como “Códigos Seriados”.
A partir do entendimento da organização curricular integrada do Curso de
Formação do THD, foi possível uma reflexão sobre os desdobramentos e desafios
dessa solução encontrada pelos serviços de saúde bucal do Estado de Minas Gerais
e pela ESMIG/CFRHS.
Salientamos que o termo Currículo Integrado, quando aplicado à formação do
THD, não é, na sua concepção, o mesmo cunhado por Basil Bernstein.
32
CAPÍTULO 2:
OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE BASIL BERNSTEIN
O currículo constitui um instrumento utilizado, ao longo dos tempos, por
instituições educacionais de diferentes sociedades. É usado tanto para desenvolver
processos de conservação, como para a transformação e renovação dos
conhecimentos historicamente acumulados. O currículo contribui para socializar as
pessoas segundo valores tidos como desejáveis, como também para criar as
condições necessárias tanto para manter a estrutura social quanto para formatar
mudanças na ordem social e material. As relações entre currículo e a ordem social,
conformam um campo que tem merecido, já faz algumas décadas, considerável
investimento de análise.
Ainda que seja crescente a valorização em torno dessa temática, não há
consenso em relação ao que se deva entender pela palavra currículo. As divergências
ocorrem por ser esse um conceito resultante de uma construção cultural, histórica e
socialmente determinada (MOREIRA, 1997).
A análise histórica sobre a temática currículo, mesmo tendo sido alvo de
nossos estudos, não foi aqui abordada. Não foi objetivo desta pesquisa, discutir o
desenvolvimento de abordagens e de dimensões do campo de currículo, mas, sim, a
partir de uma dimensão apropriada desse campo, analisar a experiência curricular do
Curso de Formação do Técnico em Higiene Dental. A dimensão escolhida nos
orientou para entender as relações entre a estratificação do conhecimento e a
estratificação social, os pressupostos subjacentes aos processos de seleção e de
organização do conhecimento escolar, bem como as relações entre as formas de
organização do currículo e do ensino e as formas dominantes de poder e de controle
social presentes na sociedade. Enfim, entender a educação como lugar de exercício e
jogo de poder.
33
O foco teórico escolhido foi produzido na Inglaterra dos anos 60/70, quando se
abriram novas perspectivas para os estudiosos do campo do currículo. Foram
superadas as análises de caráter limitadamente técnico, até então dominantes, e
surgiram abordagens mais críticas das questões curriculares, conformando assim um
movimento de reforma de pensamento e de práticas no meio educacional.
O postulado de base dessa corrente de reforma considerava o conhecimento
como uma construção social hierarquizada que intervém nas relações de poder ao
contribuir, por sua parte, para a manutenção das relações sociais dominantes. A
publicação de uma coleção de textos (Knowledge and Control) de Michael Young,
Pierre Bourdieu e Basil Bernstein demarcou um movimento conhecido como a “Nova
Sociologia da Educação” (DANDURAND, 1991).
Devido à ênfase que foi colocada na análise dos conteúdos do ensino, esse
período demarcou também a ampliação de perspectiva no campo de currículo,
possibilitando a configuração de uma “Sociologia do Currículo”. (FORQUIN, 1993).
Baseamos nossa análise nos estudos produzidos nesse período por Basil
Bernstein. Esse autor desenvolveu uma teoria buscando entender como o currículo
está estruturalmente organizado. Sua pergunta básica é: como os diferentes tipos de
organização do currículo estão ligados a princípios diferentes de poder e de controle?
“Bernstein não está preocupado com o “conteúdo” propriamente dito do
currículo. Ele não pergunta por que se ensina esse tipo específico de conhecimento e
não outro, nem tampouco por que esse conhecimento particular é considerado válido e
aquele outro não. Ele está mais preocupado com as relações estruturais entre os
diferentes tipos de conhecimento que constituem o currículo”. (Cit. Pág. 71, SILVA,
1999)
Sua teoria aborda a complexidade que existe em torno das relações de classe
no nível da política e da prática educacional e da forma como elas estabelecem
limites sobre aquilo que é possível fazer nas escolas, possibilitando entender melhor
34
as relações de dominação e subordinação predominantes hoje no ambiente escolar,
assim como agir melhor sobre elas.
Partindo do pressuposto que existe uma conexão entre o que é ensinado nas
escolas e a “sociedade mais ampla”, a tarefa é saber quais são essas conexões
determinadas e como elas realmente funcionam na vida cotidiana das escolas. O
desafio da teoria de Bernstein consiste em integrar os níveis micro e macro de
análise (APPLE, 1992).
“O modo como uma sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e avalia os
saberes destinados ao ensino reflete a distribuição do poder em seu interior e a
maneira pela qual aí se encontra assegurado o controle social dos comportamentos
individuais”, escreve Bernstein (Cit. Pág. 85 FORQUIN, 1993).
Dada a extensão da sua obra e a gama de tópicos sobre os quais Bernstein
trabalhou, escolhemos um conjunto limitado de questões diretamente relacionadas ao
nosso objeto de trabalho. Para um melhor entendimento dessas questões,
selecionamos certos pontos importantes da sua teoria . Os conceitos aqui abordados
referem-se aos seus trabalhos originais, escritos no final dos anos 60 e início da
década de 70 e que foram referenciados e discutidos nas obras “A teoria de Bernstein
em Sociologia da Educação” (DOMINGOS,1985), “Reinventando o poder na e pela
educação: utopia e realidade” (COELHO, 1988), “Educação, cultura e poder de
classe: Basil Bernstein e a sociologia da educação neomarxista” (APPLE, 1992),
“Escola e Cultura” (FORQUIN, 1993) e “A estrutura do discurso pedagógico”
(BERNSTEIN, 1996). Algumas obras sobre currículo, especialmente aquelas que
dialogaram com a teoria de Bernstein ou que, com base em sua teoria também
favoreceram o entendimento do currículo e suas dimensões sócio-político-culturais
foram por nós estudadas. Gostaríamos de ressaltar as seguintes: “Globalização e
Interdisciplinariedade: O Currículo Integrado” (SANTOMÉ, 1998) e “Documentos de
identidade; uma introdução às teorias do Currículo” (SILVA, 1999).
35
Os estudos de Bernstein sobre currículo escolar remetem para três dimensões
analíticas da organização do conhecimento e que estão relacionadas à sua teoria de
linguagem. Na primeira dimensão, a estratificação do conhecimento refere-se a como
as diferentes áreas de conhecimento obtêm diferentes avaliações e prestígios sociais.
Na segunda dimensão, define-se a área do conhecimento que se espera seja
dominada por alunos. Na terceira dimensão, refere-se às relações entre os conteúdos
e áreas de conhecimento, caracterizando-se o currículo aberto com disciplinas
fracamente classificadas ou o currículo fechado com disciplinas bem definidas e
separadas pela especificidade. É nessa terceira dimensão que centraremos nossa
discussão. Adiante detalharemos esses tipos de currículo.
Para Bernstein, o conhecimento formal - aquele que as instituições escolares
assumem como sua tarefa produzir e cultuar - é realizado através de três sistemas de
mensagens: Currículo, Pedagogia e Avaliação. O Currículo define o conhecimento
válido, a Pedagogia define a transmissão válida do conhecimento e a Avaliação define
a validação do conhecimento por parte do aluno.
2.1 TIPOS DE CURRÍCULO:
Na instituição educacional, existe uma organização do tempo em “unidades”
(divisão formal do tempo) que são preenchidas por um determinado “conteúdo” (forma
como o período do tempo é usado, ou seja, aquilo que preenche esse tempo).
Analisar a delimitação dos diferentes conteúdos significa considerar a força da
fronteira entre eles. Esta força de fronteira pode ser aberta (fronteiras atenuadas) ou
fechada (fronteiras bem definidas). A partir da forma de relação que os conteúdos
mantêm entre si, podem definir-se dois tipos fundamentais de Currículo – Currículo de
Colecção (compartimentados - conteúdos mantêm entre si uma relação fechada) e
Currículo de Integração (não existem limites bem definidos, mantendo os conteúdos
uma relação aberta entre si).
36
No Currículo de Colecção pode haver uma redução de tipos de conteúdos no
decurso da vida educacional, promovendo um ensino em profundidade. A
especialização vai sendo cada vez maior. Os temas mantêm uma relação fechada e
envolvem uma hierarquia na qual “o último mistério” é revelado muito tardiamente na
vida educacional. O conhecimento é encarado como algo “sagrado”, a que nem todos
têm acesso. Como se fosse propriedade privada, com vários tipos de fronteiras
simbólicas, as pessoas que possuem esse conhecimento aparecem como detentoras
de um monopólio. Cada professor pode (já que o conhecimento está organizado em
conteúdos isolados), dentro de certos limites prescritos, seguir seu próprio caminho.
A teoria pedagógica subjacente é didática (aprendizagem dirigida). Os critérios de
avaliação são independentes, definidos por cada professor. A avaliação repousa
sobre um leque bem definido de conhecimentos e de competências. Sabe-se
antecipadamente o que são boas e más respostas.
No Currículo de Integração, os vários conteúdos estão subordinados a uma
idéia central que, reduzindo o isolamento entre eles, os agrega num todo mais amplo.
Cada conteúdo deixa de ter importância por si só para assumir um significado relativo.
A função de cada conteúdo é determinada e explicitada dentro do todo de que faz
parte. Os conteúdos abertos se inter-relacionam em torno de uma idéia central,
integradora. Os professores encontram-se envolvidos numa tarefa partilhada, o que
conduz a um entrosamento e um estilo de avaliação comum. A prática pedagógica
deve estar centrada no modo como o conhecimento é adquirido e não nos estados do
conhecimento. A teoria pedagógica tende a ser auto-reguladora. Os critérios de
avaliação são comuns. Um Currículo de Integração conduz a um ensino em extensão.
Segundo Bernstein, na década de 70, esse tipo de Currículo apenas existia ao
nível da ideologia e da teoria, havendo um pequeno número de escolas que tinha
tentado institucionalizá-lo.
37
2.2 CLASSIFICAÇÃO E ENQUADRAMENTO DO CONHECIMENTO
EDUCACIONAL
Bernstein faz uma análise dos princípios subjacentes à estruturação de um
currículo dado. Para essa análise, ele se apóia em Marx, que havia demonstrado que
a estrutura das classificações e enquadramentos da sociedade confirmava a
distribuição de poder, e, em Durkheim, que demonstrara os princípios que regem o
controle social.
Classificação e Enquadramento do conhecimento educacional são definidos
em função da força de fronteira. Fronteiras são arranjos sociais, pelos quais domínios
de conhecimento e de experiência são mantidos separados. São utilizadas para
demarcar esferas respectivas do “sagrado” e do “profano” no conhecimento
elaborado.
A Classificação se refere às relações entre os conteúdos, isto é, a natureza da
diferenciação entre conteúdos e entre o conhecimento puro e aplicado. Quando a
Classificação é forte, os conteúdos estão bem isolados uns dos outros por fronteiras
nítidas, assim como são nítidas as fronteiras que separam o conhecimento puro do
aplicado. Quando a Classificação é fraca, os isolamentos entre os conteúdos e a
forma pura e aplicada dos conhecimentos são reduzidos; as fronteiras são atenuadas.
A estrutura básica do sistema de mensagem Currículo está baseado nas
variações da força de Classificação (Figura 4).
Característica Classificação forte Classificação fraca
Disposição dos conteúdos Isolados por fronteiras nítidas Isolamento reduzido, fronteiras
atenuadas
FIGURA 4: Estrutura Básica do Sistema de Mensagem Currículo
38
Uma forte Classificação pressupõe fortes defensores de fronteiras entre
conteúdos e cria um forte sentido de pertencer a uma classe particular (dominante),
ou seja, leva à criação de uma identidade específica.
O Enquadramento refere-se à forma do contexto no qual é feita a transmissão-
aquisição do conhecimento, ou seja, está relacionado à força da fronteira entre o que
pode e o que não pode ser transmitido numa relação pedagógica. O Enquadramento
refere-se ao controle que o professor e o aluno possuem sobre a seleção, ritmo e
organização do tempo do conhecimento a ser transmitido-adquirido na relação
pedagógica.
A estrutura básica do sistema de mensagem Pedagogia é dada pelas variações
na força de Enquadramento (Figura 5).
Características Enquadramento forte Enquadramento fraco
Controle sobre o que é
transmitido
Fronteira nítida demarcando o
que pode e o que não pode ser
transmitido
Fronteira atenuada
Opções disponíveis ao professor
e aluno para o controle do que é
transmitido e adquirido
Opções reduzidas Gama de opções
Relação entre conhecimento
extra-escolar do professor e do
aluno e o conhecimento
educacional
Isolamento entre conhecimento
educacional e conhecimento
comunitário do dia-a-dia
Fronteira atenuada
FIGURA 5: Estrutura Básica do Sistema de Mensagem Pedagogia
Os Enquadramentos fortes reduzem o poder do aluno sobre o que adquire,
como adquire e quando adquire e aumentam o poder do professor na relação
pedagógica.
39
A relação entre conhecimento escolar e não escolar evidencia o controle da
comunidade sobre a escola.
2.3 CÓDIGOS DE CONHECIMENTO EDUCACIONAL
Os sistemas de mensagens (Currículo, Pedagogia e Avaliação), aqui
considerados em conjunto, são modelados por princípios subjacentes que constituem
o Código do Conhecimento Educacional. Código é um conjunto de regras implícitas. A
forma que este código assume depende dos princípios que regulam a Classificação e
o Enquadramento do Currículo, Pedagogia e Avaliação. Sendo um código de
conhecimento educacional um princípio que modela um dado Currículo, a tipologia
dos códigos partirá da distinção entre os tipos de Currículos. Desse modo,
consideram-se dois códigos gerais subjacentes aos dois tipos de Currículo: Código de
Colecção e Código de Integração.
. Código de Colecção: Surge em qualquer organização do conhecimento
educacional que envolva forte Classificação, variando os seus sub-tipos conforme a
força da Classificação e do Enquadramento. O Código de Colecção especializado diz
respeito a um Currículo de Colecção onde o número de conteúdos fechados é
reduzido. O Código de Colecção não especializado refere-se a um Currículo de
Colecção em que existe um número relativamente elevado de conteúdos fechados.
. Código de Integração: Surge em qualquer organização do conhecimento
educacional onde haja uma marcada tentativa de reduzir a força de Classificação,
variando os seus sub-tipos quanto à força dos Enquadramentos relativos ao controle
do professor e do aluno sobre o conhecimento transmitido. Existe a subordinação de
disciplinas ou cursos previamente isolados a qualquer idéia relacional que atenue as
fronteiras entre as disciplinas. O Código de Integração pode estar baseado num
professor que dispõe de um extenso período de tempo com o mesmo grupo de
alunos, ou baseado num grupo de professores que atuam subordinados a uma idéia
relacional que atenue as fronteiras entre os conteúdos.
40
A natureza da Classificação e do Enquadramento afeta a estrutura de autoridade/
poder que controla a seleção e a organização do conhecimento educacional e, por
seu intermédio, entram na consciência e modelam-na.
A questão crucial para Bernstein é entender como se aprendem as posições de
classe. Interessa-lhe conhecer como as estruturas de classe se traduzem em
estruturas de consciência. O código é precisamente a gramática da classe. É o código
que faz a ligação entre as estruturas macrossociológicas da classe social, a
consciência individual e as interações sociais do nível microssocial. Para Bernstein,
classe social é a posição que as pessoas ocupam na divisão social do trabalho (mais
especializada, menos especializada; mais ligada à produção material ou à produção
simbólica). A classe social não é uma categoria apenas econômica, mas também
cultural. Assim, as frações de classe agem não apenas no interior da economia, mas
também nas instituições políticas e culturais.
A posição ocupada na divisão social (entendida como tendo uma base econômica
e cultural) determina o tipo de código aprendido. O tipo de código determina, por sua
vez, a consciência da pessoa, o que ela pensa, os significados que realiza ou produz
na interação social.
Os códigos são aprendidos de forma implícita. Na educação, os códigos se
expressam através do Currículo, da Pedagogia e da Avaliação.
2.4 SOCIALIZAÇÃO GERADA PELOS CÓDIGOS EDUCACIONAIS
Num Código de Colecção, os alunos são socializados desde muito cedo na
convicção de que o conhecimento é privado, mediante o encorajamento ao trabalho
isolado, sem troca de informações ou partilha de tarefas com os colegas. A estrutura
profunda do código especializado manifesta-se numa forte Classificação entre
pessoas através da criação de identidades específicas e de proprietários do
conhecimento. O forte Enquadramento entre os conhecimentos escolar e não escolar
41
socializa muito cedo o aluno num quadro pedagógico que desencoraja conexões com
as realizações da vida do dia-a-dia ou que, pelo menos, filtra cuidadosamente essas
ligações. Quanto mais fortes forem a Classificação e o Enquadramento, mais
hierarquizado e ritualizadas serão as relações sociais, o aluno visto como ignorante,
com baixo estatuto e poucos direitos. Neste contexto, o professor tem o controle ou
vigilância máxima.
À medida que decorre a vida escolar e que vai se dando a especialização, os
alunos vão sendo selecionados de modo a serem eliminados aqueles que não são
capazes de atingir a última etapa da caminhada em que inicialmente todos estavam
envolvidos. Os que avançam adquirem uma identidade educacional que dificilmente
será alterada, enquanto aqueles que não conseguem sentem o conhecimento como
algo doloroso e sem significado. Com a progressão da vida escolar, surge então uma
relação muito estreita entre os membros que possuem o mesmo tipo de identidade.
Essa relação, aliada ao sistema hierárquico do Código de Colecção, irá reforçar o
controle criado pela própria hierarquia. Essa combinação assume o papel de um
poderoso agente de controle. A especialização promove diferenças que reforçam a
identidade educacional criando categorias puras. O conhecimento, enquanto algo
“sagrado” e “misterioso”, engrandece não só o seu significado, mas também o
daqueles que o dominam. O poder está então nas mãos de quem detém o
conhecimento, assumindo-se esse conhecimento como um poderoso meio de
controle.
A “separação das coisas” permite a repetição do passado. A socialização
dentro dessa separação torna essas “coisas” acontecimentos ou práticas tomadas
como certas, não encorajando a busca de uma nova ordem.
Quando o conhecimento é regulado por Códigos de Colecção, a ordem social
emerge da natureza hierárquica das relações de autoridade, da organização
sistemática do conhecimento diferenciado e de práticas de exame explícitas,
geralmente previsíveis.
42
A rigidez das Classificações, bem como a dos Enquadramentos, favorece um
exercício autoritário do poder docente, ao mesmo tempo em que estabelece uma
margem de escolha pedagógica limitada. Ao professor não é permitida muita iniciativa
tanto na escolha dos conteúdos a transmitir quanto nas modalidades da ação
pedagógica. A autoridade do professor sobre o aluno não significa autonomia, já que
esta é de qualquer forma delegada pela instituição para ensinar o que a instituição
quer e como quer. Os discentes são subordinados aos docentes e estes são
subordinados aos diretores ou aos seus chefes de departamento disciplinares, sem
ter muitas relações de trabalho com os colegas do mesmo nível que eles.
Num sistema como esse, de poder oligárquico e compartimentado, a
transparência é muito frágil, o que favorece o descontentamento, a discórdia e o
desenvolvimento de uma concepção conspiratória do funcionamento das
organizações.
O isolamento dos conteúdos curriculares e sua falta de relação são reflexos de
outras separações e hierarquizações no mundo da produção, especialmente a que
separa trabalho manual e intelectual. A realidade cotidiana aparece desfigurada,
baseada em saberes aparentemente sem ideologia e descontextualizados da
realidade. O conhecimento não é considerado um requisito e um instrumento para
entender, analisar, refletir e agir nessa realidade cotidiana e problemática na qual os
educandos vivem. Não são incentivadas atividades que evidenciem que todo
conhecimento é produzido por um contexto social, econômico e político específico,
que o mediatiza e condiciona. O currículo disciplinar favorece mais a propagação de
uma ideologia de neutralidade. As dimensões conflituosas da realidade e da cultura
são ignoradas.
Nesse tipo de currículo corre-se o risco de gerar um modelo de “educação
bancária”, segundo a terminologia do educador brasileiro Paulo Freire, onde o mais
importante é a acumulação somatória dos conhecimentos, não favorecendo a
autonomia e impedindo a possibilidade de uma educação libertadora.
43
Num Código de Integração, a sua fraca Classificação e conseqüente
subordinação dos conteúdos a uma idéia relacional implica numa redução da
autoridade de cada conteúdo. Haverá perturbações nas estruturas de autoridades
existentes, nas identidades educacionais específicas e nos conceitos de propriedade.
A redução do isolamento entre os conteúdos reduz o poder de decisão dos
professores. A integração aumenta o poder de decisão dos alunos promovendo um
maior equilíbrio de poder entre professor e aluno na relação pedagógica. Há um
encorajamento para uma prática de uma pedagogia e avaliação comuns. A orientação
da pedagogia será alterada enfatizando a forma como o conhecimento é criado e não
na aquisição dos estados do conhecimento. Os pormenores de cada assunto tendem
a ser minimizados, enquanto a sua estrutura profunda é valorizada. A via de
conhecimento da relação pedagógica faz-se de uma estrutura de profundidade para
uma estrutura de superfície. As teorias de aprendizagem assumem um caráter auto-
regulador, correspondendo a uma mudança nas relações de autoridade, não só pelo
aumento dos direitos do aluno, como também pelo enfraquecimento da fronteira entre
o que pode e não pode ser ensinado.
O conceito de manutenção de fronteira reflete-se não só na manutenção do
conhecimento educacional como na organização das relações sociais.
Como conseqüência da socialização criada pelo Código de Integração, haverá
um enfraquecimento das fronteiras entre os diferentes membros da instituição. Os
professores estabelecerão relações horizontais de trabalho, resultantes de uma tarefa
educacional partilhada e de cooperação.
Entre os alunos, haverá também fortes lealdades e relações horizontais de
trabalho baseadas na cooperação e interajuda (receber e dar conhecimentos). Há um
encorajamento a comportamentos espontâneos e efervescentes a manifestação das
relações sociais e o seu questionamento.
44
Quando o conhecimento é regulado por Códigos de Integração, a ordem social
será planejada e construída como uma matriz de mudança potencial. Para que essa
ordem criada não se torne problemática, considera Bernstein que é necessário
satisfazer às seguintes condições:
• Haver um consenso relativo à idéia integradora, que deverá estar bem explícita.
• Ser clara e coerente a ligação entre a idéia integradora e o conhecimento que ela
coordena. Os Códigos de Integração exigem dos professores um elevado poder
de síntese e de analogia e grande capacidade para aceitar e explorar a
ambigüidade ao nível do conhecimento e das relações sociais.
• Haver uma definição muito clara de critérios de avaliação. É necessário explicitar o
que vai ser avaliado, a forma como vai ser avaliado e qual o lugar das
competências nessa avaliação. O Enquadramento fraco possibilita que maior
número de comportamentos do aluno seja divulgado, sendo assim possível, em
princípio, um certo grau de diversidade entre os alunos. É possível que os critérios
de avaliação sejam fracos relativamente aos atributos cognitivos, mas fortes no
que se refere às atitudes afetivas (atributos de caráter, conduta e maneira de ser).
A Classificação e Enquadramento fracos criam possibilidades de tornar visível o
interior do aluno. Como resultado, a socialização poderá tornar-se mais intensiva e
penetrante. É porém previsível que ele reaja a estas intrusões no seu íntimo, pela
criação de mecanismos de defesa.
• Haver uma comissão de professores e alunos que constitua um sistema de
retroação sensível e que funcione como outro agente de socialização no Código
de Integração.
É possível que os Códigos de Integração tenham sua origem em significados
profundos. Seu movimento pode significar uma crise nas estruturas de poder e nos
princípios de controle. Assim, o movimento na direção de um Código de Integração
45
representaria uma tentativa de desclassificar e alterar as estruturas de poder e os
princípios de controle e, desta forma, descongelar a estrutura do conhecimento e
mudar as fronteiras da consciência. Deste ponto de vista, os Códigos de Integração
serão sintomas de uma crise moral.
Estudiosos do campo de currículo têm assinalado que os estudos de Bernstein
possibilitam interpretar relações pedagógicas no interior das instituições escolares e
entendê-las como favorecedoras ou não de mudanças das relações sociais de poder.
Dialogando com as implicações sociais da compartimentalização dos saberes
escolares e as formas institucionalizadas de processamento desses saberes,
Bernstein demonstra que “toda espécie de delimitação, quer ela seja material ou simbólica,
supõe e induz, com efeito, relações de poder” (Cit. Pág. 38, FORQUIN, 1992).
Portanto, consideramos que o campo conceitual da teoria de Bernstein é um
referencial adequado para orientar a leitura de experiências curriculares, como
demonstram estudos desenvolvidos anteriormente na Inglaterra, no contexto de
consolidação da Nova Sociologia da Educação (FORQUIN, 1995).
46
CAPÍTULO 3
O CURRÍCULO INTEGRADO DO THD
Uma das questões iniciais deste estudo foi a necessidade de entender o
porquê de uma experiência de qualificação profissional no setor saúde ter sido
desenvolvida por meio da opção por um Currículo Integrado. No Brasil, dentro do
movimento da Reforma Sanitária, diante do caos instalado nos serviços de saúde,
uma das tarefas a ser cumprida era a de denunciar e atuar contra as propostas
educacionais existentes no setor, de reprodução da ideologia dominante. O currículo
por disciplinas poderia ceder lugar ao sonho político a favor de uma prática
pedagógica libertadora? O sonho da reinvenção da sociedade poderia ocupar o
espaço escolar, o espaço institucional para desvendar a realidade que estava
sendo ocultada pelo currículo dominante (disciplinar)?
O sistema educacional, exatamente por causa de sua localização no interior de
uma trama mais ampla de relações sociais, constituiria para o setor da Saúde um
importante terreno, no qual ações significativas poderiam ser desenvolvidas (APPLE,
1989).
3.1 A FORMAÇÃO EM SERVIÇO
A qualificação dos profissionais de saúde, no Brasil, apresentava distorções
relacionadas ao perfil do trabalhador da área, muitas vezes ele mesmo excluído do
processo educacional (sujeito sem escolaridade), inadequação de suas propostas,
além de currículos completamente desvinculados do processo de trabalho e das
características do trabalhador. Adotava metodologias condicionadoras e inculcadoras,
subestimando a capacidade reflexiva do aluno, preparando-o para um exercício
profissional servil e repetitivo. Aplicava procedimentos de avaliação que objetivavam
predominantemente a reprovação, seguindo rigidamente a carga horária, com critérios
de aprovação pré-determinados, sem vinculação com o aluno, seu ritmo de
47
aprendizagem ou a relevância dos conhecimentos frente a sua prática social
(TORREZ, 1994).
Segundo OLIVEIRA (1996), a busca de modalidades que superassem os
limites do utilitarismo, imediatismo e assistencialismo na formação de trabalhadores
da saúde, impulsionou o desenvolvimento de um processo alternativo de qualificação
profissional. Assim, em 1981, foi firmado um acordo entre o Ministério da Saúde (MS),
Ministério da Educação e Cultura (MEC), Ministério da Previdência e Assistência
Social (MPAS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPS), denominado
Projeto Larga Escala (PLE). Os pressupostos pedagógicos do PLE contemplavam:
uma metodologia de ensino na qual o educando é visto como participante ativo do ato
da aprendizagem e da elaboração do conhecimento; um processo educativo
estreitamente ligado aos processos sociais e às transformações políticas e o fato de
que professor e aluno constroem o saber, mediatizados pelas condições concretas de
sua prática profissional. O PLE evidencia a não neutralidade do conhecimento.
Implantado em alguns estados do Nordeste do Brasil em 1982, o PLE passou a
ser difundido nacionalmente em 1984. Em 1996, 1004 municípios já executavam o
PLE (SANTOS, 1996). Seu funcionamento foi autorizado pelo setor educacional como
experiência pedagógica para habilitar e qualificar a força de trabalho existente nos
serviços de saúde.
O PLE assinalava como aspectos relevantes para a qualificação profissional:
• Integração ensino-serviço
• Flexibilização e descentralização na organização dos cursos
• Desenvolvimento de uma percepção crítica em relação ao conteúdo técnico e ao
contexto sócio-cultural do trabalho
• Abrangência da formação
• Construção e execução da proposta do Currículo Integrado
• Avaliação progressiva e constante
• Percepção do aluno como sujeito do processo
48
• Concepção da prática profissional integral (dimensão técnica e política)
• Possibilidade de formação para 25 categorias diferentes, abrangendo os
trabalhadores de nível médio da enfermagem, odontologia, farmácia, apoio
diagnóstico e administrativo (OLIVEIRA, 1996).
Ao longo da década de 80, começaram a ser construídos os Currículos
Integrados para a formação em serviço dos trabalhadores de nível médio da saúde.
Em 1987, três dentistas da rede básica do SUSMG, incluindo a autora deste estudo,
foram indicadas para elaborar o Currículo Integrado para o THD. Sob orientação de
um consultor da OPS, fomos desafiados a construir um instrumento de formação
prevendo que o educando não deveria ser retirado da sua prática de serviço, mas
estimulado a refletir sobre ela e transformá-la à luz de novos conhecimentos
científicos e sociais. Esse trabalho foi concluído em três anos e sua publicação pelo
Ministério da Saúde se deu no início dos anos 90 (BRASIL, 1994).
Dentro do PLE, a apresentação dos Currículos Integrados estava ancorada na
problematização, um método de ensino/aprendizagem no qual o eixo do processo
pedagógico é o movimento ação/reflexão/ação. O educando é visto como participante
ativo do ato da aprendizagem e da elaboração do conhecimento. Tratava-se de um
processo educativo estreitamente ligado aos processos sociais e às transformações
políticas. Ao valorizar as experiências entre os sujeitos, tanto a nível consciente dos
seus conhecimentos como na afetividade do grupo, a problematização adequava-se à
formação de trabalhadores dos serviços de saúde, permitindo os questionamentos
necessários à prática cotidiana. Segundo OLIVEIRA (1996), ao propiciar a conexão
entre educação e estrutura social, essa proposta encaixava-se na corrente de
pensamento didático-pedagógica conhecida como histórico-crítica.
A partir da IX Conferência Nacional de Saúde, realizada em agosto de 1992,
quando existiram grandes esforços no sentido de concretizar o processo de
municipalização da saúde e de se propor caminhos para a efetiva implantação do
SUS, o Projeto Larga Escala adquiriu maior relevância. Essa alternativa político-
49
pedagógica deveria atuar como cunha de contradição necessária, de modo a
transformar a realidade anterior, tanto no plano do conhecimento, quanto no plano
histórico-social. Contribuiria, assim, com as mudanças inadiáveis requeridas pelas
relações sociais existentes, reproduzidas no setor saúde (TORREZ, 1994).
Na formação do THD para atuar na rede básica do SUS, as situações de
aprendizagem eram colocadas de maneira gradual, encadeadas e sucessivas,
formando uma rede de conhecimentos articulados – o Currículo Integrado. Essa
proposta pedagógica apresentava uma combinação entre dois elementos: de um lado,
a realidade dos serviços de saúde, calcada em condições concretas de trabalho, e de
outro a legitimidade do processo, por tratar-se de uma qualificação oficial efetivada
através de centros de formação vinculados às Secretarias de Saúde e com
características da escola aberta.
A dinâmica dessa concepção de ensino-aprendizagem considera
prioritariamente a relação entre um sujeito que aprende e um objeto que é
apreendido. Três categorias conceituais sustentam essa prática pedagógica: os
esquemas de assimilação; padrões culturais e sucessivas aproximações ao objeto
(BRASIL, 1994).
Os esquemas de assimilação são formas progressivas de ação mental ou
material que um sujeito desenvolve para conhecer alguma coisa e fazem parte dos
princípios piagetianos. Os padrões culturais dizem respeito à visão de mundo, mitos,
tradições, estrutura familiar e trajetória profissional. As sucessivas aproximações ao
objeto referem-se ao fato de que a relação sujeito-objeto não se processa de forma
linear, mas através de um movimento de idas e vindas (OLIVEIRA, 1996).
A discussão de como é a montagem de um Currículo Integrado, publicada na
“Capacitação Pedagógica Para Instrutor/Supervisor da Área de Saúde”, editada em
1989 e reimpressa em 1994 pelo Ministério da Saúde/DF (BRASIL, 1984), será aqui
50
abordada com o intuito de esclarecer o processo de construção do Currículo
Integrado para o THD.
A construção do Currículo Integrado para a formação do THD iniciou-se com a
definição de um perfil profissional. As atribuições dessa categoria incluíam, além das
já regulamentadas, outras que deveriam ser absorvidas, no sentido de se ajustar o
trabalho do THD às necessidades dos serviços de saúde bucal. Essas atribuições
foram reunidas em áreas, de acordo com o tipo genérico de atividades.
Nessas áreas, foram identificadas as competências necessárias e os conceitos,
processos, princípios e técnicas para o desenvolvimento dessas competências. Os
conhecimentos comuns a cada competência foram relacionados e hierarquizados.
Desse processo de síntese e classificação dos conhecimentos, resultou uma rede de
estrutura de conteúdos. Os conteúdos, processos ou princípios mais gerais ou
englobadores foram identificados como assuntos ou conceitos-chave.
Cada conceito-chave e sua correspondente rede de conhecimentos teóricos e
práticos deu lugar a uma unidade de ensino-aprendizagem. Cada unidade possuía
uma estrutura pedagógica dinâmica, orientada por determinados objetivos de
aprendizagem, em função de um conjunto articulado de conteúdos e sistematizada
por uma metodologia didática. As unidades guardavam autonomia entre si, ao mesmo
tempo em que se articulavam umas com as outras com vistas à totalização das áreas
de atribuições e do perfil profissional.
Como se pretendia que o aluno construísse o seu próprio conhecimento, a
aprendizagem se daria como resultado da assimilação ativa a partir da própria prática
do sujeito e das sucessivas mudanças provocadas pela informação gradativamente
assimilada.
51
Os objetivos de cada unidade refletiam, então, esta atividade assimiladora do
aluno no processo de sucessivas aproximações ao conhecimento, uma forte relação
prática-teoria-prática.
O Currículo Integrado, pela própria concepção de integração trabalho-ensino,
haveria que ser operado numa profunda mudança no processo pedagógico. Assim,
era planejada uma série encadeada de atividades de aprendizagem que surgiam das
situações do próprio serviço. A partir delas, incentivava-se a reflexão e busca de
conhecimentos que reverteriam em novas formas de ação. Cada unidade de ensino-
aprendizagem percorria o mesmo processo, variando os materiais e estratégias,
integrando o ensino individual e grupal, mas sempre no mesmo sentido.
A Figura 6 mostra o esquema de como funciona essa metodologia. É de autoria
de Maria Cristina Davini, apresentado no texto Currículo Integrado, que está na
publicação da Capacitação Pedagógica para o Instrutor/Supervisor Área da Saúde
(DAVINI, 1994):
TEORIA
REFLEXÃO SELEÇÃO DE PRINCÍPIOS E
MÉTODOS PARA A AÇÃO FUTURA
PRÁTICA / NOVA PRÁTICA
REALIDADE TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE
FIGURA 6: A metodologia da problematização
52
As orientações para o supervisor, assim como as seqüências de atividades dos
educandos, foram explicitadas ao longo de todas as unidades didáticas. Ao supervisor
cabia orientar a reflexão, ouvindo as percepções iniciais dos educandos, estimulando
a observação, a indagação e a busca de respostas. Corrigiria desvios e, junto com os
alunos, avaliaria seus avanços e dificuldades; respeitaria o ritmo de aprendizagem e
os padrões culturais do grupo para que eles produzissem seus próprios
conhecimentos e mudanças necessárias no seu local de trabalho. Estimularia a busca
ativa de conhecimentos e técnicas apropriadas a cada situação.
3.2 O SISTEMA DE AVALIAÇÃO
A avaliação desse processo se iniciava com o acompanhamento sistemático da
evolução do educando na construção do seu conhecimento. Enquanto atividade
permanente e indissociável da dinâmica de ensino-aprendizagem, permitia
acompanhar o avanço dos educandos, detectar a tempo suas dificuldades, ajustar e
reajustar o ensino e suas características aos diferentes contextos, corrigir e reforçar o
processo de ensino. Não se avaliaria para eliminar, mas sim para acompanhar e
recuperar. A avaliação estaria dirigida não somente ao educando, mas ao processo
como um todo, visando a subsidiar a tomada de decisão no sentido de superar
dificuldades de operacionalização e assegurar uma apropriada utilização e
combinação de tempo, recursos humanos e materiais para o alcance dos objetivos
desejados. O processo era avaliado no próprio momento em que acontecia e, assim,
o educando, como parte fundamental desse processo, também estaria sendo
avaliado.
No Currículo Integrado do THD não se preconizava uma avaliação quantitativa de
aprendizado. Deveriam ser usados instrumentos de avaliação que permitiam
resultados cumulativos, com a finalidade de auxiliar o educador no acompanhamento
sistemático do educando-trabalhador, do processo de aprendizagem atrelado à sua
atuação na prática concreta do trabalho. A perspectiva básica seria a possibilidade
53
de acompanhar, analisar e compreender os efeitos do processo prática-teoria-
prática.
Os instrumentos de avaliação utilizados pelo Currículo Integrado são os
seguintes:
• Registro de fato: O instrutor interpreta a evolução do educando por meio de
situações significativas e valiosas. Usado para detectar o grau de avanço ou de
dificuldade do educando em relação ao que aprendeu, em situações que se
apresentam de forma espontânea, sem previsão de padronização. Com base
nesse instrumento de diálogo, o instrutor programa outras situações de
aprendizagem, quando necessário. O registro deve ser sintético, mas claro, de
modo a retratar a situação, o comportamento significativo e o resultado da
entrevista-diálogo.
• Avaliações mediante atividade de papel e lápis: Realizadas mediante
desenhos, croquis, preenchimento de listas, finalizando quadros, etc. Confirmam a
aprendizagem na medida em que através dela se evidenciam progressos ou
dificuldades. Após o diálogo sobre esses progressos e dificuldades, o instrutor
deverá anotar no verso da folha de trabalho do educando sua avaliação do
rendimento observado. Servem de fonte de informação para reajustar as
estratégias de ensino e de acompanhar a evolução do educando.
• Lista de observação: Usada para acompanhar a evolução de tarefas ou
processos que podem ser desdobrados em ações muito específicas, em
procedimentos que podem ser padronizados a priori. Consiste em uma lista de
operações que decompõem o processo de trabalho segundo diferentes técnicas.
O instrutor, observando o comportamento do educando, marcará sua presença ou
ausência de domínio. É fundamental o diálogo educativo sobre cada um dos
pontos de operações, de modo a corrigir, refletir e aprofundar a aprendizagem.
54
• Auto-avaliação: Instrumento usado pelo educando, através do qual são feitos
registros a partir de sua própria compreensão acerca do processo de ensino-
aprendizagem. O educando revela aquilo que aprendeu, de forma original,
pessoal, além de apreciar seu próprio comportamento no processo.
• Avaliação de produtos finais ou desempenhos: Apreciação efetuada pelo
instrutor a partir da análise de todo o material acumulado. A ficha de desempenho
final é o instrumento básico que legitima o aproveitamento do educando.
Dessa forma, na formação do THD havia duas dimensões complementares na
avaliação: uma avaliação de processo, proporcionando informações para
acompanhar e corrigir a ação pedagógica durante cada passo da seqüência, e outra
avaliação de produtos parciais ou desempenhos. Essa avaliação de desempenhos
procuraria determinar o resultado do processo cumulativamente, verificando o
desempenho profissional alcançado na área. A avaliação do produto consistiria no
somatório das avaliações de processo e seria essencialmente legitimadora.
Optamos por apresentar no capítulo seguinte, junto com a discussão sobre
Classificação e Enquadramento os conteúdos do Currículo Integrado e as atividades
desenvolvidas nos serviços de saúde.
55
CAPÍTULO 4
INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
Como já explicitado anteriormente, o termo Currículo Integrado, quando
aplicado à formação do THD não é, na sua concepção, o mesmo empregado por Basil
Bernstein.
O Currículo Integrado de Bernstein refere-se a uma concepção situada no
campo teórico, favorável a um processo não conformador, mas não implantado
plenamente em ambientes escolares. Só pode ser entendido na totalidade de sua
elaboração conceitual ocorrida na década de 70, na Inglaterra.
“Apresenta-se menos como uma descrição de situações ou de mudanças
realmente observáveis do que como uma análise conceitual e “ideal-típica”, onde o
autor interroga-se sobre as implicações possíveis (no plano pedagógico,
organizacional, cultural) de diversos modos de organização do saber escolar definidos
a priori” (Cit. Pág. 87, FORQUIN, 1993).
O Currículo Integrado do THD foi uma proposta construída nos serviços de
saúde e para os serviços de saúde, regulamentada pelo setor educacional e
implementada em vários estados do Brasil, inclusive em Minas Gerais. No seu modelo
é claramente enunciada a proposta de ser favorável à educação de profissionais
comprometidos com uma prática libertadora e traduzida concretamente nas
mudanças a serem operadas no setor de saúde. Sua base de construção não se
apoiou nos trabalhos de Bernstein.
Interessava-nos identificar, na proposta curricular do THD, e no seu
desenvolvimento real, no município de Carmo do Paranaíba, qual seria sua
Classificação, seu Enquadramento, como estas categorias poderiam explicar os
resultados do curso. Esperávamos que o referencial da teoria construída por
Bernstein pudesse confirmar ou não se o modelo de currículo por nós elaborado
56
poderia ser apontado como elemento fundamental para se romper com uma
concepção tradicional de formação profissional do trabalhador na área de saúde. O
Currículo Integrado favoreceria uma formação mais abrangente e mais coerente com
a proposta à qual se vincula a Reforma Sanitária?
“.... Uma concepção educacional que busca resgatar, para os trabalhadores de
saúde, o conceito e a prática da cidadania e permite a reflexão, a crítica e o domínio
do conhecimento indispensáveis à reformulação da prática profissional.......” (BRASIL,
1994)5
O que fizemos foi um exercício, um primeiro olhar de aproximação entre a
teoria de Bernstein e a formação em serviço do THD por meio do Currículo Integrado.
Descreveremos a seguir nossa busca de interlocução entre essas propostas.
4.1 AS QUESTÕES RELACIONADAS À CLASSIFICAÇÃO
Na formação em saúde, os currículos adotados são, normalmente, organizados
com base em disciplinas. Tais disciplinas apresentam-se isoladas, estanques,
justapostas de forma arbitrária e classificadas em científicas e aplicadas (ROMANO,
1999).
O Currículo Integrado do THD prevê um conjunto de atividades pedagógicas
estruturadas em unidades didáticas seqüenciais. A programação apresentada nos
“Guias Curriculares para a formação de Técnico em Higiene Dental para atuar na rede
básica do SUS” (BRASIL, 1994), se agrupa em três áreas distintas, a saber:
Área I: Prevenindo e controlando o processo saúde-doença bucal
Área II: Participando do processo de recuperação da saúde bucal
Área III: Participando do planejamento e administração dos serviços de saúde.
5 Cópia de texto usado na página 7 desta dissertação
57
Conforme o quadro abaixo (Figura 7), essas áreas curriculares, com seus
conteúdos programáticos e respectiva carga horária correspondem às disciplinas
obrigatórias estabelecidas pelo setor educacional e pela regulamentação profissional
do THD.
Currículo Formal Currículo Integrado
Relação de regiões Disciplina Área I Área II Área III
Biologia X X
Química X X
Higiene Dentária X X X X
Técnica Auxiliar de Odontologia X X X
Odontologia Social X X X
Material/Equipamento/Instrumental X X X X
Fundamentos de Enfermagem X X X
FIGURA 7: Tratamento de conteúdo curricular
A dimensão do currículo que reduz o isolamento entre os conteúdos são
os conceitos-chave e a relação ensino-serviço. Trata-se de uma idéia relacional,
um conceito que vai além dos conteúdos, enfocando princípios gerais em alto nível de
abstração. A idéia da integração ensino-serviço age seletivamente sobre o
conhecimento de cada matéria a ser ensinada. As particularidades de cada matéria
passam a ter reduzido significação, enfatizando-se os princípios gerais e conceitos
através dos quais esses princípios são obtidos. Isso remete para uma preocupação
menor em adquirir estados de conhecimento, e maior em enfatizar como o
conhecimento é criado. Em síntese, enfatizam-se as várias maneiras de conhecer.
Os conteúdos correspondentes a cada disciplina, e que se desenvolvem
ao longo de cada área curricular, apresentam força de fronteiras atenuadas, ou
58
seja, não existem limites bem definidos. Os conteúdos estabelecem uma
relação aberta entre si, isto é, sua Classificação é fraca.
Ao analisar minuciosamente cada unidade didática do Guia Curricular (BRASIL,
1994), constatamos tal fato. Por exemplo, nas seqüências de atividades relacionadas
à doença cárie dentária, encontramos quatro disciplinas envolvidas e em torno de dez
conteúdos programáticos diferentes. Não identificamos o conteúdo “puro” das
matérias, por mais técnica que fosse a atividade desenvolvida.
A título de confirmação, anexamos a seqüência da primeira unidade didática
da Área I, onde os conteúdos da disciplina Odontologia Social, relacionados ao
Processo saúde-doença (conceito de saúde-doença, histórico social da doença,
manifestações individuais e coletivas) e Comunicação em Saúde (relação ensino-
aprendizagem, desmonopolização da informação) aparecem diluídos ao longo do
roteiro de discussão (Anexo VI). A unidade didática também abre espaços para outros
assuntos (resistência imunológica, a coleta de dados como instrumento organizante
dos serviços de saúde), que serão retomados ao longo do curso.
4.2 AS QUESTÕES RELACIONADAS AO ENQUADRAMENTO:
O contexto da transmissão do conhecimento: seleção, tempo, ritmo e espaço
Na teoria de Bernstein, o princípio do Enquadramento está relacionado com o
controle social, que regula o processo de comunicação, seja no processo de
produção, seja nos processos de socialização e comunicação pedagógica. Na
comunicação pedagógica esse princípio delimita o que se pode comunicar, quando,
em que contexto, e como se deve comunicar (ETGES, 1979).
A estrutura do Currículo Integrado para o THD é fraca, ou seja, há fronteiras
obscuras entre o que pode ou não ser transmitido. A seleção do conteúdo, ainda que
seguindo o mínimo profissionalizante exigido pela legislação educacional e expresso
59
no Guia Curricular (BRASIL, 1994), pode ser rearranjada de acordo com interesses e
necessidades levantadas a nível local. Assim, é comum a inserção de seqüências e
estudos complementares, ajustando-se as demandas do grupo de educandos,
educadores e as necessidades do próprio serviço ao material básico inicial oferecido
pelo Centro Formador.
Há um tempo demarcado para a formação profissional (cerca de um ano), mas
que é ampliado, de acordo com as necessidades individuais. O ritmo da
aprendizagem dos conteúdos é previamente calculado pelos instrutores locais e
traduzido em forma de um cronograma. As alterações nesse cronograma são
freqüentes e determinadas pelo compasso dos alunos. A organização do tempo
segue a proposta que, ao ser apresentada pelo instrutor, sofre as alterações
sugeridas pelos alunos, ou modificadas pelo próprio instrutor à luz dos
acontecimentos em sala de aula.
Essa dimensão do trabalho foi confirmada nos registros de avaliação do curso,
onde os THD’s oferecem sugestões de rearranjo:
“Deveria ter um tempo determinado para cada trabalho”.
“Às vezes a organização sai um pouco do controle de vocês”.
“Nos grupos, às vezes há muita discussão fora dos assuntos em pauta e no grupão,
acho que não precisa de tantas experiências pessoais”.
Para Bernstein, existe uma evolução nos princípios de integração social em
ação no contexto da educação escolar que se manifesta através de uma “abertura”
maior em matéria pedagógica, cultural, social, organizacional, bem como espacial e
arquitetural. O uso do tempo e do espaço torna-se mais maleável, a organização do
trabalho mais flexível. (FORQUIN, 1993).
O “confinamento” da sala de aula e a definição puramente racional do espaço,
com filas de cadeiras geometricamente dispostas e muitas vezes com lugares
determinados é tido como uma expressão de algo mecanicamente organizado.
60
Referindo-se ainda a uma organização do trabalho mais elástica, Bernstein identifica
mudanças na forma de “sala de aula” , com número de alunos constante, para a
forma de “grupos de trabalho”, com números variáveis de alunos segundo as
atividades (FORQUIN, 1993).
Durante todo o período de formação, o THD se depara com opções diferentes
relacionadas ao espaço físico da sala de aula. De uma maneira geral, trabalha-se
com a disposição interna em círculo, que facilita a comunicação (professor-aluno e
entre alunos). Há o pressuposto de que todos têm o que aprender e ensinar. É
comum uma certa “transgressão de espaço”. Sempre que necessário, cadeiras
mudam de lugar. São amontoadas num dos cantos quando se utilizam dinâmicas
mais movimentadas e que exigem espaços maiores.
ESPÍRITO SANTO (1996) afirma que a idéia de um “universo estático”,
“certinho”, é um obstáculo ao desenvolvimento do aluno e seguramente também a
disposição da classe acaba por influir nesse ponto.
Na formação do THD por meio do Currículo Integrado, o espaço na sala de
aula era fracamente marcado; as regras que regulam os movimentos de objetos,
pessoas, práticas e comunicações menos restritas. A grade espacial estava baseada
na regra “as coisas devem ser reunidas”.
Segundo BERNSTEIN ( 1996), isso encoraja as representações individuais.
No Guia Curricular, nas seqüências de atividades e na orientação para o
instrutor, essa característica aparece explícita:
“Fazer dramatização de uma situação de atendimento no caso de uma extração
dentária, enfocando o processo de esterilização” (Cit. Pág. 164 BRASIL, 1994).
61
No Currículo Integrado do THD, os conteúdos do saber escolar foram
explorados, em primeiro lugar, através da experiência que os educandos adquiriram
em seu meio social e no trabalho. Nas seqüências de atividades, foram convidados a
expressarem o que pensavam e sabiam sobre aquele tema em questão. Era
solicitado aos THD’s que observassem / descrevessem / registrassem as condições
concretas da realidade. Havia o pressuposto de que existiam diferenças na maneira
de compreender o que aparentemente era o mesmo contexto. Essas discussões
aconteceram em pequenos grupos, onde a construção do conhecimento se iniciava.
“É uma metodologia que dá oportunidade de todos colocarem suas experiências e isto
enriquece muito o conteúdo trabalhado”.
“Foi muito organizado, porque em pequenos grupos é mais fácil trabalhar e se um tem
uma dúvida o outro colega pode ajudar”.
“Aprendo muito, trocamos o que sabemos nos trabalhos de grupos”.
Todas as opiniões eram discutidas e muitas vezes o grupo chegava a um
consenso. Sempre era solicitado pelo instrutor um registro das conclusões do grupo
(consensuais ou não). Essa síntese era apresentada pelo integrante do grupo para
toda a turma e confrontada com as conclusões de outros grupos. As contradições que
surgiam, quando não identificadas pelo grande grupo, eram então destacadas pelo
instrutor. A partir dessa produção o conhecimento científico já produzido e
sistematizado era apresentado em forma de textos de apoio. Aprofundando-se no
tema em questão, os educandos confrontavam sua produção inicial com as novas
questões introduzidas. Uma síntese final era feita e, para uma maior fixação do
conteúdo, um professor (apoio técnico) fazia uma exposição teórica. O novo
conhecimento seria então discutido no sentido de aplicá-lo no cotidiano, através das
atividades de Dispersão.
Nessa dinâmica de trabalho reconhecemos o que Bernstein chama de um
conjunto de relações que são as condições para a aquisição da voz pelo sujeito.
Trata-se de uma parte de sua teoria sobre os códigos, suas modalidades e o
processo de reprodução cultural. O que é reproduzido e o processo de sua aquisição
62
sofrem variações, resistências, contestações, oposições e lutas. Segundo o autor,
essas alterações surgem das relações estruturais entre grupos sociais.
“Também argumentamos em favor de um conjunto adicional de relações, que são as
condições para a aquisição da “voz” pelo sujeito. Essas são representadas aqui em
forma de diagrama:” (Cit. Pág. 49, BERNSTEIN, 1996)
Classificação
Regras de reconhecimento
O que pode ser colocado junto
Sintaxe de geração
Transpondo essa teoria para a estrutura curricular integrada do THD, ocorre
primeiramente a apresentação do problema. Em seguida a expressão das percepções
individuais e coletivas. No passo seguinte, o acréscimo do conhecimento já produzido;
e por fim, o novo conhecimento a ser aplicado.
“Para Bernstein há no processo de transmissão/aquisição não apenas vozes
dominantes e dominadas, mas também a possibilidade de mudança nessas vozes,
considerando-se a presença de uma dimensão oposicional, ainda a se constituir como
voz” (Cit. Pág. 236 COELHO, 1988).
No Currículo Integrado do THD era oferecida uma base para os desequilíbrios,
os questionamentos necessários à ordem estabelecida. Essa tensão entre ordem e
mudança favorecia o desejo e a necessidade de imprimir alterações significativas na
organização local dos serviços de saúde bucal. A Figura 8 mostra o modelo da ficha
de avaliação no processo transcrita do Guia Curricular (Pág. 184 BRASIL, 1994). A
atividade é um convite de ruptura com a ordem estabelecida. Essa ficha era
preenchida no momento de Dispersão do curso.
63
“Prevenindo e controlando o processo saúde-doença bucal”
Contaminação no ambiente de trabalho
Área I – Quarta Unidade
Situação relacionada com
contaminação
Possíveis conseqüências Como resolver
Orientação:
Comece a observar em sua Unidade as condições de trabalho que se relacionam com o
problema de contaminação. Verifique, por exemplo:
• Como é eliminado o lixo da Unidade
• Condições de limpeza, inclusive o banheiro
• Fornecimento de água e destino dos dejetos
• Presença de animais, insetos e roedores
• Existência de animais, criadouros de insetos e roedores
• Existência e condições de conservação de material de limpeza, desinfecção e
instrumentos de esterilizar
• Outras condições
Para cada situação observada, procure indicar conseqüências e maneiras de resolvê-la.
FIGURA 8: Ficha de avaliação no processo
64
Nas Concentrações, onde as discussões em pequenos grupos favoreciam a
expressão dos próprios saberes sobre um determinado assunto, ou após a leitura de
um texto de apoio, a dinâmica interna do grupo nem sempre era tranqüila, como
observamos nos registros de avaliação dos THD’s:
“O trabalho em grupo não está sendo realizado como proposto, pois alguns membros
do grupo não querem discutir o assunto para depois registrar a síntese geral, ficando
prevalecendo a opinião do membro que domina o grupo. É uma pressa de ler, não
podendo trocar idéias, contar a experiência vivida. Para a apresentação é um jogo de
empurra, ninguém quer ir à frente enfrentar as próprias dificuldades”.
“Nem todos participam, pois existem os que falam muito e não dão oportunidade para
os demais participantes”.
“Sinal amarelo: os participantes do grupo estão só lendo e não comentando. Um ou
dois fazem a conclusão e apresentam depois no grupão. O grupo não está sendo fiel à
metodologia”.
Esses comentários demonstram, por um lado, o fato de que os trabalhos em
pequenos grupos já estavam incorporados à rotina educacional e, por outro, a crítica
feita aos colegas por não estarem seguindo o que foi preconizado.
Há um pedido para que os docentes se posicionem no sentido de ajudar o
grupo a se auto-regular.
“É uma pena que alguns de nossos colegas não respeitem a fala do outro, a
experiência ou até mesmo o problema que o atormenta e que faz deixar muitas de nós
sem coragem de dizer nada por medo de críticas. Gostaria que vocês olhassem mais
pra esse lado e agissem com mais rigidez; que abordassem esse ponto de modo a
consentir cada um se expressar. Obrigada.”
Numa recente entrevista, quando questionado sobre a prática pedagógica,
Bernstein afirmou que “uma ação pedagógica ideal seria uma ação através da qual os
estudantes estão conscientes desde o princípio de sua própria pedagogia” (ESPANYA,
1998).
65
No Currículo Integrado do THD, os contextos de aprendizagem – as
seqüências de atividades, os textos de leitura, as dinâmicas – serviram como
desencadeadores para os educandos projetarem sua imaginação, para exercitarem
sua curiosidade e favorecer suas explorações no meio comunitário e no trabalho.
“Sinto que serei importante para a promoção de saúde em meu município. Já consigo
ver com clareza a importância do nosso trabalho se realizado dentro das normas e
técnicas que nos foram passadas. Ao contrário do que vinha acontecendo há alguns
meses (meu desânimo diante das grandes dificuldades que enfrentamos), hoje sei que
as mudanças e acertos só acontecem quando realmente queremos. E eu sei que
conseguirei mudar muitas coisas (mesmo que seja apenas no local de trabalho), que
farão significativas diferenças”.
“Sinto que vai ser muito difícil ser THD no meu município, por não termos estrutura
nem apoio; mas me sinto feliz por saber que agora já tenho preparo para lutar por algo
de concreto que realmente poderá ser útil a alguém”.
Segue-se o princípio educacional de trabalhar com o que o educando pode
oferecer. A partir daí, ele é introduzido através de sucessivas aproximações nas
significações universalistas das formas de pensamento utilizadas pelos profissionais
já formados do setor de saúde.
Segundo a terminologia de Bernstein, chama-se Pedagogia Invisível o tipo de
prática usada quando as regras de ordem regulativa e discursiva utilizam critérios
implícitos para hierarquizar, seqüênciar e cadenciar o conhecimento. O adquirente
parece preencher o espaço pedagógico. O foco está em procedimentos internos do
adquirente (cognitivo, lingüístico, afetivo, motivacional). Considera-se que esses
procedimentos são compartilhados por todos os adquirentes, embora sua realização
como texto irá criar diferenças entre eles. Tais diferenças não são usadas como base
para comparação entre eles, mas uma indicação de singularidade.
“As pedagogias invisíveis colocam o foco nos procedimentos ou competências que
todos os adquirentes devem trazer para o contexto pedagógico. As pedagogias
66
invisíveis estão preocupadas em organizar o contexto para possibilitar que as
competências compartilhadas desenvolvam realizações adequadas aos adquirentes.
Assim, no caso das pedagogias invisíveis, são produzidas, através de comunalidades
internas (isto é, competências compartilhadas), diferenças externas não-comparáveis”
(Cit. Pág. 104-105 BERNSTEIN, 1996).
Importante destacar que, o conceito de código pressupõe competências
(lingüísticas/cognitivas) que todos adquirem e compartilham. Não é possível discutir
código com referência às deficiências cognitivas localizadas no nível da competência.
O código refere-se a um processo de regulação cultural específico da realização das
competências compartilhadas.
Entendemos que o Currículo Integrado para a formação do THD usou da
prática de uma Pedagogia Invisível. Adiante retomaremos essa questão.
Os contextos das escolas copiam (muitas vezes) aspectos que estão excluídos
do mundo do trabalho. Quando os educandos se dirigem à escola, entram num
sistema simbólico que não lhes traz ligação alguma com a vida profissional que levam
fora dela (BERNSTEIN, 1985).
Rompendo com a dicotomia teoria/prática, o curso é conduzido no
sentido de refletir sobre a realidade dos serviços de saúde e transformá-la.
“Eu achei bastante interessante, pois o aluno tem mais liberdade de expressar suas
idéias, opiniões e sugestões. Também neste método é colocada a realidade desse
serviço em cada município, podendo cada aluno ou instrutor fazer suas críticas e
sugestões sobre o assunto”.
“Foi um bom módulo, esclareceu dúvidas que tínhamos em relação a nosso trabalho”.
“Aprendemos muitas coisas que irão nos ajudar muito em nossos serviços”.
No plano pedagógico do Currículo Integrado do THD, há o pressuposto de que
a experiência social que o educando possui é válida e significativa e que, essa
67
imagem deve ser devolvida a ele. Para devolvê-la é preciso que ela faça parte da
trama da experiência educativa que criamos. A escola torna-se assim local de
encontro interessante e apaixonante para os educandos e educadores.
“Os assuntos estavam muito interessantes, onde pude expor o que sabia, pude
participar mais e aprender muita coisa nova”.
“Metodologia é inovadora, proporcionando assim melhor entendimento e assimilação.
Trabalho em grupo nos dá chance para tirar dúvidas entre nós e de conhecer novas
realidades”.
“Acho muito interessante esta metodologia, nos dá liberdade de questionar mais e
aprendemos muito com os outros”.
“A metodologia faz com que possamos nos soltar e participar”.
Essa organização do conhecimento educacional para a formação do THD,
envolvendo uma marcante tentativa de redução da força de Classificação e de
Enquadramento, dá lugar ao chamado Código Integrado.
O Código Integrado favorece relações do tipo “horizontal” (concordância,
cooperação e participação) em todos os níveis, tanto entre os alunos quanto entre os
professores. Há um contínuo trabalho de equipe com ajustamento de objetivos,
conteúdos, métodos, modos de avaliação, enfim, um consenso. A explicitação e a
homogeneização da base ideológica dos cursos tornam-se uma necessidade. A
avaliação leva em consideração níveis mais profundos da personalidade, aptidões e
atitudes gerais. A informação circula, a visibilidade social é muito grande, todo mundo
tem o direito de saber e o poder de comunicar (FORQUIN, 1992).
4.3 TIPOLOGIA GERAL DO CÓDIGO INTEGRADO / THD
Segundo Bernstein, podemos encontrar duas modalidades do Código tipo
Integrado: a primeira envolvendo um professor que tem uma extensa quantidade de
68
tempo para estar quase sempre com o mesmo grupo de alunos. Esse professor opera
com vários conteúdos distintos, obscurecendo as fronteiras entre eles.
A outra modalidade envolve mais de um professor. Nesse caso, a integração é
mais difícil em relação à primeira (que envolve somente um professor), por implicar
em uma inter-relação entre eles. O grupo de professores pode ser de uma matéria
comum ou de diferentes matérias (SANTAROSA, 1979).
A tipologia do Currículo Integrado para o THD refere-se a um modelo
intermediário: um professor, que conta com a participação de um apoio técnico. O
apoio técnico é um outro professor (normalmente um especialista na temática
estudada), que é convidado ao final de cada unidade didática a auxiliar a turma a
fazer a síntese final. Não se trata de um docente que chega com a “aula pronta” e
expõe para a turma, mas de alguém que se situa em relação ao grupo, às discussões
que aconteceram ao longo da semana e contribui aprofundando itens que sejam de
interesse do grupo e reforcem a relação ensino-serviço.
A relação estabelecida pelo CFRHS para as atividades de Concentração é de
um instrutor para o máximo de 15 alunos. No curso de Carmo do Paranaíba, foi feita a
opção de abertura de duas turmas (num total de 24 alunos) e a presença constante
de dois instrutores. Isso permitiu um maior número de municípios envolvidos, já que
existia uma demanda acumulada de formação de profissionais de nível médio na área
de saúde bucal. Para as duas turmas, um único apoio técnico (professor especialista)
era convidado a participar do encerramento da unidade didática.
Para os municípios envolvidos na formação do THD por meio da integração
ensino-serviço, o número de alunos por turma é sempre uma questão polêmica. É
comum o reconhecimento do alto custo financeiro da proposta.
BERNSTEIN (1984), ao estabelecer os pressupostos de uma Pedagogia
Invisível (em essência, centrada no aluno e frouxamente controlada), identifica nas
69
questões relacionadas ao espaço um limite de ordem econômica. Um número
reduzido de alunos para que a pedagogia realize seu potencial aumenta
necessariamente o custo do espaço.
De acordo com SANTAROSA (1979), a pedagogia dos Códigos Integrados
tende a enfatizar as várias maneiras de conhecer. Há uma preocupação menor na
necessidade de adquirir estados de conhecimento, e maior em enfatizar como o
conhecimento é criado. Como uma das condições para satisfazer o desenvolvimento
de um Currículo Integrado (segundo a concepção de Bernstein) é a homogeneidade
nos critérios de avaliação, essa autora se dedicou a essa busca. Seu trabalho sobre
integração curricular é uma análise com relação à homogeneidade nos critérios de
avaliação.
Para o curso de formação do THD, esse exercício não pôde ser feito. Os
ajustes e movimentos feitos pelos docentes em direção a uma pedagogia comum,
assim como a tendência a um sistema comum de avaliação não foram objeto deste
estudo. O material necessário a esse tipo de análise teria de ser colhido ao longo do
curso, quando se procuraria identificar os níveis de concordância dos instrutores
acerca do desempenho de cada educando. O fato das fichas de avaliação das
atividades de Dispersão ficarem arquivadas nos onze municípios envolvidos, do
curso já ter sido concluído, dos municípios não terem atualmente um contato
sistematizado com o CFRHS, tudo isso dificultou o agrupamento desse material.
Como já citado anteriormente, as avaliações individuais só foram
disponibilizadas ao final deste estudo. Ainda que os THD’s tenham, em vários
momentos, se referido à participação dos docentes, não dispúnhamos de material
apropriado para focar o índice de concordância que atingiram na avaliação dos
alunos; o que sem dúvida geraria um indicador de aproximação ao Currículo
Integrado proposto por Bernstein.
70
“Todas as modalidades pedagógicas são geradas pelo mesmo conjunto de regras
internas, regras cujas realizações variam de acordo com seus valores de classificação
e de enquadramento” (Cit. Pág 11, BERNSTEIN, 1996).
Pesquisas com o referencial teórico de Bernstein permitem diferentes tipos de
aplicação, que podem variar desde uma análise da escola, do currículo, bem como
dos discursos pedagógicos. Em seu estudo sobre o discurso de sala de aula, CUNHA
(1997) analisa os contextos instrucional e regulador segundo Bernstein.
No estudo desenvolvido em Carmo do Paranaíba, a não disponibilidade de um
conjunto de falas seqüenciais de sala de aula também impossibilitou uma análise de
contextos do discurso pedagógico.
Como nosso objeto de estudo foi a análise das relações pedagógicas
estabelecidas no curso de formação do THD, identificamos nessas relações o modo
como o poder se manifestava (através dos princípios de Classificação) e o modo
como o controle se manifestava (através dos princípios de Enquadramento). Como já
descrito anteriormente, a Classificação (poder) diz o que é legítimo ou ilegítimo incluir
no currículo, o que pode e o que não pode ser falado. O Enquadramento (controle) diz
respeito à forma de transmissão, ou seja, ao ritmo, ao tempo, ao espaço da
transmissão.
4.4 AS RELAÇÕES PEDAGÓGICAS:
A definição geral de códigos, que tinha sido utilizada por Bernstein desde os
seus primeiros trabalhos, enfatiza a relação entre significados, realizações e contexto.
Assim,
“Um código é um princípio regulativo, tacitamente adquirido, que seleciona e integra
significados relevantes, formas de realização e contextos evocadores” (Cit. Pág 143,
BERNSTEIN, 1996).
71
Segue-se dessa definição, que a unidade para a análise de códigos é a relação
entre contextos. O código é um regulador das relações entre contextos. A relação
entre estes cria marcadores de fronteiras. Um contexto é definido por seus valores de
Classificação e de Enquadramento.
Discutiremos a seguir, as relações pedagógicas estabelecidas ao longo do
processo de formação do THD e suas tendências para estabelecerem fronteiras
atenuadas e isolamentos reduzidos.
4.4.1 RELAÇÃO ENSINO-SERVIÇO
Agrupamos nessa categoria as expressões e comentários sobre os serviços de
saúde bucal, os efeitos do trabalho no processo de ensino-aprendizagem e vice-
versa. Identificamos no conjunto dos registros dos THD’s a utilidade do curso para o
cotidiano profissional. São evidentes as melhorias nos processos individuais de
conhecimento do conteúdo e a aplicabilidade local dos procedimentos, técnicas e
novas posturas frente ao trabalho.
Bernstein acentua que um enfraquecimento das compartimentações entre os
saberes pode favorecer a invenção, a criatividade intelectual. Há um convite para o
aluno descobrir e fazer funcionar certas estruturas lógicas profundas dos saberes, por
oposição às divisões e especificações superficiais inscritas na configuração tradicional
das matérias escolares (FORQUIN, 1993).
“Estou saindo daqui com a cabeça cheia de idéias, isto é muito bom para nosso futuro
que nos espera. Fez-nos sentir mais motivados com nossas criatividades”.
“Não tenho palavras para expressar o quanto foi importante para nós esta aula de
hoje, despertou em mim grandes idéias para fazer em meu município”.
72
“Foi ótima a aula expositiva e muito jóia a confecção de brinquedos. São coisas
simples que às vezes não imaginamos que possam ajudar em nosso trabalho.
Excelente idéia”.
“Sinto-me muito feliz, com muitas novas idéias”.
“Criei muitas idéias de como programar a saúde bucal de meu município”.
O Currículo Integrado para o THD considera as peculiaridades sócio-culturais
do trabalho e do trabalhador. O pressuposto é que na unidade educação-trabalho o
educando participe da construção da sociedade e da cultura. É esperado desta
prática pedagógica que o THD seja o protagonista da construção do saber, consciente
do seu papel na transformação da realidade dos serviços de saúde.
Assim, enquanto sujeito histórico e crítico, produz a avaliação do seu
desenvolvimento individual e coletivo através de dois movimentos: do processo do
conhecimento e do produto do trabalho (OLIVEIRA, 1996).
O fazer cotidiano, carregado com suas contradições e limites, é a base do
movimento de ação-reflexão-ação.
“Foi um dos melhores módulos, não sabia nem a metade do que foi dito, aprendi
muitas coisas e espero mudar muito em meu município”
“Aprendi muita coisa nova e também mexeu comigo na criatividade, não acomodar.
Identifiquei, em vários aspectos, situações que já experimentei, veio me confirmar que
estou no caminho certo e novo”.
• O CONTEÚDO E SUA ADEQUAÇÃO ÀS NECESSIDADES DOS SERVIÇOS
“O conteúdo é muito importante para o trabalho”
“É um conteúdo muito rico e amplo que nos possibilitou descobertas importantíssimas
sobre o nosso trabalho”
“Foi muito legal porque nos aproximamos mais da realidade que iremos viver”
“Assunto interessante e de muita validade no dia-a-dia de nossos serviços”
73
“Assunto interessante e de muita importância para a rede pública. Aliás, é
imprescindível”.
“O conteúdo foi ótimo, muita coisinha simples que poderia estar sendo aplicada no
nosso dia a dia; às vezes fazemos errado por falta de esclarecimento”.
“Este módulo como um todo veio resolver todos os meus problemas, pois é o mês que
vamos começar o levantamento epidemiológico” (Grifo nosso).
No último registro, chamou-nos a atenção o fato da aplicação do pronome
pessoal possessivo (meus) para se referir aos problemas relacionados ao
levantamento epidemiológico. Como essa é uma atividade de responsabilidade do
cirurgião-dentista, sendo formalmente definido (pelas atribuições profissionais) o
papel do THD como monitor ou anotador de dados, pode parecer inadequada sua
postura. Teoricamente o planejamento, organização, execução e análise dos
resultados dos levantamentos são feitos pelo profissional de nível superior. Esse tipo
de estudo transversal, muitas vezes não é desenvolvido nos municípios. Tal fato
ocorre por vários motivos; um deles é o fato do cirurgião-dentista desconhecer ou não
valorizar essa atividade. O THD, ao descobrir a importância do diagnóstico coletivo na
organização dos serviços de saúde, assume o desafio de programar o levantamento
epidemiológico e executar grande parte dele. O exame clínico, como requer
conhecimentos de domínio do cirurgião-dentista, justifica o uso do verbo no plural
(vamos), evidenciando a participação desse outro profissional. O educando, ao
conhecer melhor o seu processo de trabalho, reinventa os fatos e faz mudanças onde
trabalha.
Para analisar a natureza da relação entre o código que regula a forma de
educação e o código que regula a forma de produção, Bernstein utiliza os mesmos
conceitos de Classificação e Enquadramento.
“Se a Classificação é fraca, as relações entre os agentes são menos nítidas, existe um
reduzido isolamento entre as suas funções e os agentes são mais intermutáveis entre
as diferentes categorias. .... O Enquadramento será fraco se a unidade primária de
produção for um acto relativamente cooperativo, baseado no grupo, em que há
74
oportunidade de variar as condições e, talvez, a seqüência e a ritmagem de trabalho, e
em que o produto, mantendo uma relação mais direta com o objeto total de produção
(está mais próximo desse objeto), é menos uma fracção desse objeto” (Cit. Pág. 224
DOMINGOS, 1985).
Quanto mais fragmentado ou dividido for o ato, mais forte será o
Enquadramento. Quanto menos fragmentado ou dividido for o ato, mais fraco será o
Enquadramento (BERNSTEIN, 1996).
Levantamos a hipótese de que, no processo de formação do THD, existe
uma tendência de gerar alterações no Enquadramento do processo e na relação
de trabalho em saúde bucal. O mesmo se aplica nas questões de Classificação,
já que há possibilidades do ato primário (da prática da produção) ser resultado
de agentes integrados, de qualificações variadas.
O THD, ao ser formado por meio do Currículo Integrado, torna-se mais
preparado para o trabalho em equipe e assume papéis mais amplos, anteriormente
destinados a profissionais de nível superior. Ao desenvolver atos de produção (ações)
mais integrados, mais o produto final é sua realização, sua conseqüência.
TORREZ (1994), em seu estudo relacionado à qualificação e trabalho em
saúde, afirma ser possível desenvolver nos trabalhadores seu potencial para ações
inteiras, desempenhos completos, e não para fragmentos soltos. A recuperação do
saber integral sobre o processo de trabalho aponta para o resgate da capacidade de
ser ator, tanto da realidade social insatisfatória, quanto daquela que julga mais justa e
necessária.
Ainda que esta seja uma temática que tangencia nossos estudos, não houve a
pretensão de teorizar ou aprofundar nessa análise. Não foi objetivo desta pesquisa
discutir as conexões entre a prática pedagógica e o campo produtivo. Bernstein vem
75
estudando essas questões, analisando as relações presentes entre o campo da
produção, o do controle simbólico e a educação (SANTOS, 1999).
• TRABALHO EM EQUIPE
Várias atividades foram propostas aos educandos no sentido de
desempenharem papéis mais ativos: pesquisas, exposições, observações,
entrevistas, participação de simulações, etc. Ao partilharem experiências por meio da
discussão, do debate, eram-lhes ensinadas a cooperação, a importância do trabalho
em equipe. Aprendiam a ser reflexivos e críticos praticando tais destrezas no dia-a-
dia. Sabiam que tinham voz e que era importante compartilhar o que pensavam e
comparar com os demais colegas. Aprendiam a compartilhar o pensamento
valorizando e respeitando as contribuições que qualquer um pudesse oferecer.
Segundo SANTOMÉ (1998), os conceitos adquiridos através da experiência
vivencial estabelecem fortes elos nos campos emocional e intelectual.
“A metodologia continua muito boa, visto que nos ajuda a trabalhar em equipe, o que é
tão necessário nessa área da Odontologia”.
“Procuro sempre aprender mais e mais, gosto de questionar e esclarecer todas as
dúvidas. As colegas me ajudam muito”.
• COMPROMISSO COM A POPULAÇÃO
Na formação em serviço, a ligação da instituição escolar ao ambiente
comunitário, inspiração histórica no campo educacional, ajudou os educandos
a melhorarem a compreensão de suas realidades e comprometerem-se com os
usuários dos serviços de saúde bucal.
“Sinto-me muito alegre e otimista em poder prestar minha contribuição para a saúde
da população que tanto necessita”.
76
“Me sinto também muito feliz por saber que nós vamos mudar a educação (em saúde)
bucal nos nossos municípios”.
“Aprender coisas novas é sempre muito bom. Principalmente quando através deste
aprendizado se pode ajudar as pessoas que precisam. Espero poder transmitir aos
outros o que aprendi aqui. Foi muito bom!"
“Foi ótimo; abriu a visão para que possamos fazer alguma coisa para a comunidade,
principalmente a mais carente”.
“A calma e dedicação das instrutoras muito me ajuda, me encoraja para continuar
confiante que posso ajudar a minha comunidade; servir bem”.
A proposta do Currículo Integrado atingiu o que SANTOMÉ (1998) coloca
como uma meta educacional: provocar uma preocupação pela condição humana, seja
ela qual for sua raça ou cultura.
• OS TRABALHOS DE “DISPERSÃO”
Ao final de cada Concentração, os educandos eram orientados a
desenvolverem atividades de Dispersão. Eram atividades relacionadas aos conteúdos
trabalhados durante a semana e que seriam repensados no cotidiano das ações dos
serviços de saúde bucal. O educando registrava as situações observadas no local de
trabalho, sua adequação (ou não), as possíveis conseqüências e como resolver os
problemas identificados. Na unidade didática seguinte, a primeira atividade sempre se
referia às dificuldades e facilidades encontradas na rotina do serviço e no
desenvolvimento da atividade de Dispersão. Assim, a Concentração do curso
começava com os THD’s explicitando os avanços (ou estagnações) do serviço.
No Guia Curricular (BRASIL, 1994), as orientações para os trabalhos de
Dispersão sempre eram no sentido de estreitar as relações entre a teoria e a prática,
o ensino e as necessidades do serviço. O quadro a seguir refere-se a uma síntese
dos trabalhos propostos em algumas unidades das áreas curriculares (Figura 9).
77
Área/
Unidade
Atividade de Dispersão Orientação para o instrutor
Área I
Unidade I
No seu local de trabalho, realizar um
levantamento de opinião junto à sua
comunidade, acerca de seus problemas de
saúde, incluindo a saúde bucal.
Discutir com os alunos as diferenças
de contextos sociais no levantamento,
estimulando para que sejam feitos os
ajustes metodológicos.
Área I
Unidade III
Observar e registrar as condições de trabalho na
unidade de saúde na qual você trabalha e propor
alternativas para corrigir as situações que
possam dificultar a aplicação dos princípios de
ergonomia estudados.
Acompanhar o trabalho dos alunos,
retomando as discussões sobre
ergonomia e ajudando-os a encontrar
soluções para os problemas
detectados.
Área I
Unidade IV
Realizar observações sobre as condições
relativas ao processo de contaminação em sua
unidade de origem, apresentando sugestões
para mudar a situação.
Supervisionar a rotina de trabalho dos
alunos, complementando com
informações.
Área I
Unidade V
Discutir formas de aplicação das medidas de
controle de cárie estudadas (controle de placa e
tártaro, uso do flúor, selante e cariostático).
Discutir e propor meios de operacionalizar
atividade de educação em saúde bucal.
Orientar na elaboração e
encaminhamento das propostas,
avaliando o grau de assimilação dos
alunos com relação ao conteúdo
estudado.
Área III
Unidade II
Observar na Unidade de saúde como está
distribuído o espaço físico em relação às
atividades a que está destinado, incluindo as
medidas de biossegurança.
Orientar os alunos na observação
quanto à adequação dos ambientes
(conforto do paciente, condições de
trabalho dos profissionais) em relação
às atividades que desenvolvem.
Área III
Unidade IIII
Realizar, juntamente com outros profissionais
envolvidos, a programação das atividades de
atenção em saúde bucal, em seu local de
trabalho.
Promover esta prática em momento
oportuno.
FIGURA 9: Os trabalhos escolares e sua ligação com os serviços de saúde
Essa “mudança da prática” era observada através dos depoimentos de
secretários de saúde, coordenadores de saúde bucal, cirurgiões-dentistas da
Dispersão, e também através dos registros das avaliações escritas que o THD fazia
78
do curso. À medida que novos questionamentos eram feitos, as contradições da
realidade ficavam mais explícitas, exigindo-se atitudes concretas para problemas
reais. Quando um conteúdo técnico era introduzido, sempre era colocado sob a ótica
de que esse novo conhecimento seria aplicado em uma situação específica, e que os
seus efeitos não seriam “neutros”.
“Foi muito bom, pois participamos mais dos trabalhos em grupo e dentro da sala. E a
forma como foram passados os nossos trabalhos de dispersão também será de
grande proveito.”
“Positiva a apresentação dos problemas dos municípios, procurando soluções viáveis.”
“Não gostei da participação de algumas colegas ao expormos a”dispersão” de nossos
municípios, pois falar dos nossos problemas não é motivo de riso e críticas. Se não
colocarmos aqui os nossos problemas, quem vai nos ajudar?”
“Às vezes, quando são falados os problemas do município, algumas (pessoas) fazem
cara ruim, outras até mandam calar; acham que falamos demais. Se não for possível
colocarmos os nossos problemas aqui, o que está acontecendo de errado em nosso
município, como vamos tentar achar soluções? Onde teremos idéias? Não está sendo
fácil.”
“Notamos a crítica dos colegas quando apresentamos os problemas do município.
Sabemos que muitas vezes pode se tornar cansativo, mas o respeito é essencial, pois
o local onde podemos buscar possíveis soluções é aqui. Se não procurarmos isso
aqui, onde procuraremos?”
O curso de formação foi visto pelos educandos como o espaço legítimo para as
discussões dos problemas da prática dos serviços de saúde bucal. A busca de
soluções criativas e adequadas à realidade local foi o grande desafio colocado.
Enquanto em processo de formação, os THD’s, ao apresentarem a realidade
local e serem convidados a transformá-la, aprendiam as exigências do Sistema Único
de Saúde. Os desafios da construção de um sistema local de saúde bucal
tornavam-se uma meta, que certamente ultrapassaria o limite temporal do
curso. A meta educacional de preparar as pessoas para compreender e intervir no
79
seu meio sócio-cultural, implicava também em torná-las capazes para utilizar a
mesma variedade de recursos à sua disposição nesse meio.
A integração entre ensino e serviço permitiu que, nas avaliações do curso, os
ganhos ficassem atrelados:
“Foi um dos melhores módulos, também nós conseguimos muitas vitórias em nosso
município”.
Numa ficha de avaliação no processo, onde o cirurgião-dentista da Dispersão
comenta o envolvimento da THD no planejamento das ações locais de saúde bucal,
encontramos o seguinte “Registro de Fato”:
“A aluna procurou o Secretário de Saúde para fazer o trabalho sobre”Políticas de
Saúde” e conhecer melhor a política de saúde do município. O Secretário de Saúde
ficou impressionado com o interesse da aluna sobre o assunto”.
4.4.2 RELAÇÃO ALUNO-CONHECIMENTO
Não utilizamos nenhuma unidade de enumeração que nos permitisse contar a
freqüência de uma categoria ou o número de imagens consagradas a um
determinado conteúdo. No entanto, ficou evidente o maior número de registros
relacionando o aluno ao processo de se apropriar do conhecimento. Os educandos
fazem uma avaliação extremamente positiva do curso. Mostram-se revestidos de
uma nova identidade social.
• AS ATIVIDADES EM PEQUENOS GRUPOS
JOYCE (1980) enfatiza que, em relação a assuntos mais sérios, questões
controvertidas, drama e o aperfeiçoamento de habilidades sociais e sócio-intelectuais
exigem atividades de grupo.
80
Na formação do THD, eram freqüentes os trabalhos em pequenos grupos. Os
educandos analisavam os problemas, colocavam em prática idéias e exploravam
valores sociais. O comprometimento do grupo e seus processos interpessoais eram
incluídos como elementos para estudo. O conhecimento dos resultados era coletivo e
emergente. O confronto de idéias criava condições para o desenvolvimento do talento
pessoal e propiciava os efeitos humanizantes da pesquisa cooperativa.
“Se não fosse em grupo eu não teria aprendido nada, teria ido embora no primeiro
dia”.
“É muito bom, porque às vezes uma pessoa não sabe uma coisa e a outra sabe, então
uma tira a dúvida da outra”.
“O trabalho em grupo dá oportunidade a todas de falarem”.
“Todos participam no que são capazes, e no que tem mais facilidade”.
“Gosto dos trabalhos em grupo, apesar dos desencontros, é um meio eficaz onde
todos têm interesse em aprender”.
“Muito bom trabalhar em grupo, enriquece mais o conhecimento de cada um, a gente
tem mais liberdade para perguntar. Nós aprendemos muito mais trabalhando em
grupo”.
• AS SUCESSIVAS APROXIMAÇÕES AO OBJETO
Nos registros dos THD’s, a categoria conceitual sucessivas aproximações ao
objeto, com seu movimento de tateios sistemáticos em direção à apropriação do
conhecimento, aparece registrada, na maioria das vezes, como uma “repetição”.
“Apesar de ser meu primeiro contato com a teoria, achei um pouco repetitivo, o
conteúdo sempre voltava em alguma parte do assunto estudado; porém, para mim foi
positivo”.
“Foi muito esclarecedor, apesar de repetir tantas vezes as mesmas coisas”.
“Gostei, aprendi muito; tive muitas dúvidas esclarecidas, apesar de muito repetitivo”.
“Quanto aos métodos aplicados fica um pouco a desejar, ficaram um pouco
repetitivos”.
81
“O conteúdo: a gente já ouviu falar em tudo isso, mas quando a gente vê e ouve uma
pessoa que entende mais do assunto falar, a gente fica mais responsável ou tenta
ser”.
Ao mesmo tempo em que pontuam sobre a “repetição” como algo negativo,
cansativo, às vezes, (principalmente para aqueles que provavelmente já apresentam
um maior domínio do conteúdo) reconhecem que “repetir” é algo bom, proveitoso.
A relação dinâmica entre o sujeito concreto e o objeto a ser assimilado ocorre a
partir das sucessivas aproximações, alcançadas pela aplicação ativa dos esquemas
de assimilação de que o sujeito dispõe e a partir de sua percepção social inicial. A
aprendizagem requer um tempo no qual o sujeito investigue ativamente, aplicando
suas formas de conhecer e aproximando-se cada vez mais da matriz interna do
assunto, em um processo de idas e vindas de reflexão e ação (BRASIL, 1994).
• AS DIFICULDADES INDIVIDUAIS
Na inovação metodológica do Currículo Integrado, levava-se em conta o fato dos
educandos não possuírem o hábito de discussão, devido ao peso de muitas
experiências anteriores. A timidez e o mutismo de alguns educandos, a incapacidade
de atrever-se a pensar e a comunicar-se com outras pessoas era algo a ser rompido
individualmente, mas com o apoio da estrutura curricular e da construção coletiva.
O curso parece ter conseguido aumentar a confiança dos educandos em
suas próprias habilidades. As dificuldades iniciais, expressas nos registros de
avaliações, foram sendo superadas ao longo do processo de formação.
“Foi bom, mas achei um pouco difícil no início, mas ouvindo o conhecimento de todos
ficou mais fácil de entender”.
“Participei o máximo que podia, só que às vezes não sabia bem o assunto, então não
dava muitas opiniões”.
82
“Tenho dificuldades. Espero estar vencendo essas dificuldades nos próximos
módulos”.
“Enquanto estamos sintetizando, discutindo, participo. Mas a apresentação, tenho
muita dificuldade de expressão”.
“Estou adorando o curso, não participo muito, mas estou entendendo com facilidade
os estudos”.
“Em pequenos grupos todos participam, mas quando chega no grande grupo as mais
espontâneas e que têm facilidade em se expressar é que vão lá na frente”.
“Tenho que melhorar mais, vou procurar ler, fazer resumos e tentar falar um pouco
mais, porque tenho muita dificuldade em falar com tantas pessoas me olhando”.
“Participo muito dos grupos pequenos, mas quando chega no grande eu fico muito
tímida e não falo nada, ou quase nada”.
“Neste módulo tive a oportunidade de explicar um trabalho do nosso grupo, mesmo
tendo dificuldades aprendi muito, tenho que me desinibir mais”.
“Tive oportunidade de apresentar uma parte de um trabalho em grupo; fiquei nervosa
mas tenho que acostumar, foi muito importante”.
“Estou me desinibindo mais e com o apoio da Cida e da Alcione fica mais fácil”.
“Mais pessoas participaram nas apresentações e deram mais comentários
enriquecendo os trabalhos”.
SANTOMÉ (1998) enuncia essa questão, chamando a atenção para o
silenciamento progressivo dos alunos ao longo dos anos escolares.
• RECONHECIMENTO PROFISSIONAL
As principais doenças que acometem a cavidade bucal (cárie e doença
periodontal) são controláveis. No Brasil, ainda que esteja confirmado um declínio na
prevalência da doença cárie, o quadro ainda se apresenta bastante crítico. Tal fato é
observado particularmente nas populações menos favorecidas, onde se pressupõe
existir uma maior dificuldade de acesso a bens essenciais para a sobrevivência, entre
os quais, incluem-se a educação e os serviços básicos de saúde (COSTA, 1999).
83
No Sistema Único de Saúde, o THD tem o papel central de executar um conjunto
de atividades de controle coletivo da incidência das doenças bucais. São ações
descentralizadas e de periodicidade definida. Executam também Levantamentos de
Necessidades em Saúde Bucal, favorecendo a organização do atendimento clínico
individual, que é feito pelo cirurgião-dentista e pelo próprio THD .
A prática cotidiana do THD permite a universalização das ações coletivas de
saúde bucal . Estudos recentes revelam indicadores de serviço monitorados para
verificar o impacto causado pelas mudanças do comportamento das doenças bucais
nas populações expostas a um programa de “inversão da atenção” (LOUREIRO,
1998). Em tais programas, o trabalho do THD é de grande importância.
Entretanto, existem obstáculos para o avanço desse modelo de atenção. As
corporações, os profissionais de nível superior, e às vezes até o gestor local não
estão plenamente convencidos da importância da inversão do modelo assistencial e
do papel do THD.
“Sinto-me desmotivada e sem força pois o mais importante na conclusão de um curso
é ser reconhecida pelo menos a existência de sua profissão como algo de grande
importância pelas autoridades. Apesar de estar sem força, vou trabalhar no sentido
de fazer-me ser reconhecida, não só pelas autoridades mas também pela
sociedade, a quem realmente serei importante” (grifo nosso).
“Dentro de tantas dificuldades encontradas no município, não me sinto tão
entusiasmada quanto deveria estar. Sei da grande importância que represento para o
meu município, e do grande trabalho que irei desempenhar se me derem oportunidade
de fazê-lo”.
A Figura 10 permite visualizar como uma ação simples (higienização bucal
supervisionada) e de grande impacto na redução da doença cárie pode ser
desenvolvida simultaneamente em um grupo de até 10 pessoas.
84
FIGURA 10: Foto do THD supervisionando procedimentos coletivos
• DOMÍNIO DA QUESTÃO TÉCNICA
Usando dos princípios do método de pesquisa, os alunos buscavam
informações para responder as perguntas propostas e usavam a estrutura conceitual
desenvolvida para assimilar novos conteúdos e se apropriarem daquele
conhecimento. Cada unidade didática, ao promover processos de aprendizagem que
favoreceram os educandos a assumirem de maneira reflexiva um sistema de valores,
também motivou e desenvolveu todo um conjunto de destrezas que lhes permitiam
estabelecer novas relações e interações com os conteúdos.
“Sinto-me capaz, segura de realizar procedimentos que me sejam enviados”.
“Sinto-me satisfeita e feliz. Eu achava que sabia muito, mas o que eu aprendi é muito
mais do que eu imaginava. Me sinto segura e otimista quanto ao meu trabalho e
espero ter excelentes resultados nos próximos anos”.
85
“Através de todos estes critérios que vimos e aprendemos com certeza podemos
agora enxergar com mais clareza os recursos que dispomos e as formas e planos que
regem em nosso município”.
“Aprendemos sobre os riscos que estamos correndo em nosso trabalho”
“Foi ótimo conhecer como é feita a programação em saúde e como funciona o SUS”.
“O exercício feito de Epidemiologia foi muito válido. No início estava muito por fora,
depois gostei e achei fácil”.
“Positivo aprender a ter calma diante dos problemas. Aprendemos como podemos
através das ações modificar um sistema deficiente e ineficaz”.
A análise de todos os registros demonstrou o crescente domínio dos
educandos com as questões técnicas. Termos técnicos eram usados gradativamente
com domínio e propriedade. A Figura 11 ilustra o ambiente clínico onde o THD
desenvolve ações individuais de controle das doenças bucais.
FIGURA 11: Foto do THD executando procedimentos individuais
FIGURA 11: Foto do THD executando procedimentos individuais
86
• PERFIL PROFISSIONAL
O perfil profissional do THD, definido pelo Conselho Federal de Odontologia,
conserva uma forte estrutura “fordista”, no sentido de que, atrás dela há uma
concepção de prática semelhante a uma linha de montagem de uma fábrica.
Algumas atribuições profissionais são fragmentadas e voltadas para um modelo de
atenção de cunho cirúrgico-restaurador. Por fazerem parte de uma lógica
assistencial diferente da preconizada pelos serviços de saúde bucal do SUS
(MINAS GERAIS, 1999), algumas atividades não são reforçadas no Guia
Curricular para a formação do THD (BRASIL, 1994). Fazem parte da seqüência de
atividades somente para compor o mínimo exigido pelo setor educacional e pelos
órgãos de classe, mas não são enfatizadas no curso.
Essa contradição é identificada e registrada pelos educandos:
“Não gostei deste conteúdo, achei muito difícil, muito cansativo”.
“Não gostei do conteúdo, pois acho que tem coisa mais importante para fazermos que
ficarmos manipulando material. É claro que é importante conhecer, mas, não me
despertou interesse”.
“O assunto do módulo foi cansativo, os textos não me prendiam a atenção”.
“Seqüência I, não gostei. Acho que é de interesse só do C.Dentista”.
• A AVALIAÇÃO
Uma questão polêmica que surgiu ao longo do curso referiu-se à aplicação de
provas, enquanto um instrumento para aferir a aquisição de conhecimento. Ainda que
tal instrumento não faça parte do processo de avaliação do Currículo Integrado para o
THD, os registros mostram que provas foram aplicadas ao longo de algumas
Concentrações.
O primeiro depoimento sugerindo uma avaliação do tipo “teste” foi encontrado
na unidade didática IV, da primeira área curricular. Tratava-se da “Biossegurança e o
87
Controle da Infecção na prática Odontológica”, um tema amplo, complexo, polêmico e
cujas atividades práticas no consultório eram de responsabilidade direta dos
profissionais de nível médio.
“Não estou acostumado com este método, onde praticamente são os alunos que dão a
aula. Prefiro o método mais tradicional, com um instrutor dando a aula (explicação e
ensinamento) e os alunos sendo submetidos a uma avaliação para teste de
conhecimentos. ... Trabalho em grupo: todo curso deveria adotar este meio. É através
deste trabalho que as pessoas aprendem a se relacionar e é o meio mais fácil de
todos se auto-ajudarem para que possamos fazer um trabalho mais qualificado e
profissional”.
A opinião do educando sobre a metodologia de trabalho mostra claramente a
dúvida, o sentimento dividido entre dois caminhos. No primeiro, o professor ensina,
o aluno aprende e mostra que aprendeu através de testes. No segundo, o
desafio da construção coletiva do conhecimento. Razões para essa situação
poderiam ser um nível elevado de ansiedade ou experiências de fracassos crônicos
no tema.
Para SANTOMÉ (1998), a alternativa da aprendizagem por repetição,
tradicionalmente conhecida, gera, de início, “mais confiança” no meio escolar.
Bernstein sugeria que a evolução em direção a uma escola “mais aberta”
“poderia muito bem provocar uma espécie de sentimento de vertigem tanto entre os
professores como entre os alunos, entre os quais alguns poderiam ser tentados a se
desviar de uma instituição que não lhes ofereceria mais pontos de apoio simbólicos
sólidos, para se voltarem para outras fontes de certeza e de identificação
emblemática” (Cit. Pág. 88 FORQUIN, 1993).
A aplicação de provas era um exemplo.
88
Na unidade didática seguinte, a estratégia de uma gincana parece ter sido a
forma encontrada pelas instrutoras para checar o domínio do conteúdo por parte do
grupo. Esse caminho escolhido teve uma repercussão positiva sobre o grupo.
“Gostei muito, principalmente dos questionários e da gincana realizada, com certeza
não ficou ninguém sem participar”.
“Foi ótima: exige mais concentração, grava melhor principalmente na gincana, deu
para entender bem as dúvidas que não tinham ficado bem esclarecidas, respondendo
os questionários e discutindo foi uma boa idéia”.
“Gosto da metodologia e foi interessante a diversificação de atividade”.
“A metodologia utilizada é muito boa porque está sempre variando as maneiras de
estudo e isso faz com que fixemos as coisas sem nos esforçar muito”.
Nos registros da unidade seguinte encontramos somente um comentário que
se referia ao processo de avaliação, e chamava a atenção a forma objetiva e direta de
expressão.
“Não gosto de fazer avaliação”.
Como esse comentário aparece da mesma forma na unidade seguinte, com a
mesma letra e se referindo às provas, deduzimos que a crítica não se referia ao
processo de avaliação como um todo proposto no Currículo Integrado, mas à
aplicação de provas.
Na Concentração seguinte, unidade didática VI, encontramos o maior número
de críticas e comentários negativos relacionados à prova.
“Negativo: muita tensão com avaliação”.
“Negativo a expectativa para a prova”.
“Não gostei da avaliação, não porque estava difícil, mas porque não gosto”.
“Negativo a ansiedade antes da avaliação”.
“Muita ansiedade no momento antes da prova”.
89
O grupo continuava inconformado no momento seguinte de Concentração. A
prova, um símbolo deixado pelo racionalismo na educação, refere-se a uma visão
fragmentada e não a uma avaliação que diz respeito ao conhecimento do ser humano
integral. A prova carrega (ainda que de forma velada) um ato de julgamento que
desconsidera o corpo emocional do aluno. O grupo sabia disto e usava dos
instrumentos que tinha em mãos ( as avaliações por escrito) para tentar reverter a
relação de força junto às instrutoras.
“Foi muito cansativo, não sei se era eu que estava muito triste por não ter feito uma
prova boa”.
“Questões da prova de difícil compreensão”.
“Confesso que estou muito cansada; e a dispersão está se tornando muito cansativa
com as avaliações. Não sei o que estudo primeiro”.
“Negativo as provas, por causa do nervosismo que a gente fica, eu sabia tudo. Na
hora que as outras estudavam, eu respondia tudo, mas na hora H não fiz nada. Foi
horrível. A dispersão está muito pesada pelos compromissos que já temos e apenas
03 semanas para tudo. As questões da prova estão de difícil interpretação e esse
negócio de exceto faz a gente misturar o que sabe”.
“As questões da prova estão muito difíceis de interpretar”.
“Não gosto da avaliação final, está dando muito trabalho para a dispersão, já temos
muito trabalho para fazer nos consultórios e o tempo está muito pouco para estudar
tanta coisa. Sabemos que é para o nosso bem, só queremos menos trabalho”.
“Cida e Alcione: contrariou demais com essas provas, diziam no início que não havia
prova e agora no entanto furaram a palavra”.
A figura do professor, marcada por um papel de autoridade, ao seguir
programas sem criticá-los, ou ao adotar as posturas de avaliação que se traduziam
em provas e notas, estava, aos olhos do aluno, contradizendo a dimensão daquele
currículo em prática.
Ainda que houvesse comentários positivos sobre a prova, principalmente ao
fato das questões serem discutidas em sala, não percebemos um apoio explícito à
técnica.
90
A “prova” do mês seguinte parecia ter sido mais fácil, o que talvez justificasse
um número menor de comentários.
“Não gosto das avaliações”.
“Não gosto das avaliações, não gosto de provas. Não vejo nesta conduta nada que me
ajude a crescer”.
O último comentário sobre provas aparece na unidade didática II, da Área II.
“Me senti bem, só achei a avaliação difícil e cansativa”.
Segundo Bernstein,
“as regras de avaliação asseguram a reprodução do princípio de classificação básica
da sociedade, ou seja, a distribuição de poder. É pela avaliação que a transmissão e a
aquisição de saber e de habilidades se interrelacionam e que se configura, realmente,
o conteúdo legítimo da prática pedagógica, ou seja, os conhecimentos e competências
em relação aos quais os educandos são posicionados” (Cit. Pág. 254 COELHO,
1988).
Ao optar pela utilização das provas, as docentes mudavam o referencial em
relação à aceitação ou não das respostas dos alunos. Essa forma de medir o
rendimento era diferente do preconizado, onde o que interessava era o esforço real
que o aluno fez (ou não) para alcançar tal resultado, seu comportamento, seu espírito
social.
A avaliação acompanha o processo de aprendizagem e não só um momento
privilegiado (o da prova). Em termos de sala de aula, a avaliação envolve o
desempenho do aluno, do docente, e da adequação da proposta como um todo
(MASETTO, 1997).
No Currículo Integrado, a atmosfera social do modelo de avaliação
proposto enfatiza a independência e a diligência. Os alunos são estimulados a
91
julgar seu próprio progresso e a sentir-se recompensados com ele. Provas não
são adequadas para identificar esse processo.
Os registros dos THD’s e as informações a que tivemos acesso nos levaram a
crer que os instrumentos de avaliação preconizados (registro de fato, lista de
observação, avaliação mediante atividades de papel e lápis) foram subutilizados em
Carmo do Paranaíba. Já as avaliações de desempenho final, por área, foram
adequadamente utilizadas.
No sentido de ir além do fato em si (aplicação de provas), refletimos sobre o
papel da instituição formadora (no caso a Escola de Saúde e o Centro Formador) que,
de acordo com registros institucionais, não acompanhou o trabalho dos docentes que
atuaram nessa experiência de formação do THD. A ausência, naquela época, de um
sistema regular de supervisão deixava os docentes expostos a desvios.
Mas também podemos entender o não acompanhamento dos docentes pela
ESMIG/CFRHS, como uma forma (implícita) da instituição não apoiar o curso.
Identificamos aqui uma negligência interna da escola, já que havia profissionais
(cirurgião-dentista e pedagogo) preparados para assumirem esse papel e não o
fizeram.
Outro contraponto à questão da aplicação de provas, refere-se ao fato de que a
nossa leitura das fichas de avaliação no processo (Modelos em Anexo VII), onde os
THD’s eram avaliados pelos C.Dentistas, indicou a falta de compreensão dos
instrutores da Dispersão quanto aos instrumentos preconizados. As listas de
observação, onde aparecem as operações que decompõem o processo de trabalho
segundo diferentes técnicas, estavam muitas vezes preenchidas parcialmente. As
fichas de registro de fatos, instrumento com inúmeras possibilidades de interação
entre aluno-professor, foram subutilizadas no curso como um todo. Nesse instrumento
de avaliação, poderiam ter sido descritas as situações bem sucedidas, os
acontecimentos, incidentes e fatos significativos da vida diária da sala de aula.
92
Identificamos a importância de um processo de Educação Continuada para os
profissionais de nível superior, onde as questões técnicas e pedagógicas podem ser
retomadas e ajustadas ao movimento de reorganização dos serviços.
Outras pequenas irregularidades foram constatadas nas avaliações mediante
atividades de papel e lápis. Embora as falhas não comprometessem a avaliação como
um todo, entendemos que concorreram para gerar nas instrutoras da Concentração
dúvidas acerca da legitimidade do processo e a busca da alternativa da “prova”. Dito
de outra forma, as dificuldades operacionais dos momentos de Dispersão, influíram
na seqüência de atividades da Concentração, gerando desvios metodológicos. Por
meio de um sistema regular de supervisão, a opção pelo processo de recuperação
paralela (se necessário) poderia ter sido utilizado. Os professores criariam situações
adequadas de acompanhamento paralelo, gerando as experiências necessárias para
que o educando superasse suas dúvidas e dificuldades.
Os instrumentos de avaliação disponíveis no Currículo Integrado ofereciam
indícios de retratação do educando acerca do seu envolvimento no seu campo de
investigação e trabalho. Havia espaço para registro de suas inquietações e perguntas
que permitiam a busca de alternativas adequadas aos problemas reais. As
dificuldades encontradas para se avaliar o que realmente importava, a imaginação
criadora, não deveria ser motivo suficiente para remeter a um rigor com questões que
não são essenciais.
ALVES (1991) defende a importância de se avaliar as inquietações, as perguntas
do cotidiano que fazem a mente vagar muito além das apostilas; a imaginação que
investiga as alternativas dadas, as dúvidas, que serão muito mais reveladoras do
fervilhar do amor e da paixão, pré-requisitos para os vôos da imaginação criadora.
Destacamos a importância dos ajustes institucionais realizados posteriormente,
no sentido de garantir aos instrutores dos cursos descentralizados o
acompanhamento de supervisão, os Encontros Pedagógicos.
93
• OS CÓDIGOS EDUCACIONAIS
Bernstein distingue os significados realizados pelas pessoas por meio do
Código Restrito (“textos”, falas, dependentes do contexto) e Códigos Elaborados
(“textos”, falas, independentes do contexto). A escola, de uma maneira geral,
expressa os valores da classe dominante. Ela utiliza um Código Elaborado (linguagem
falada pelos grupos que têm acesso às posições sociais mais elevadas). Os grupos
da classe média são capazes de distinguir e responder aos dois Códigos, enquanto
os grupos operários têm, em geral, acesso a apenas um deles, o Código Restrito. Um
grupo sem prévia orientação para um Código Elaborado terá de traduzir a linguagem
formal da escola, a fim de que esta adquira algum significado. Se a aprendizagem se
der de maneira mecânica, traduzida num acréscimo de vocabulário, as novas
palavras, vazias de significado social, serão imediatamente esquecidas uma vez que
o grupo abandone a escola. Para que a aprendizagem de um grupo que praticamente
só tenha acesso a um Código Restrito, se dê em termos efetivos, todo o sistema
básico de percepção deve ser alterado. Em outros termos, seria uma ressocialização.
(OLIVEN, 1979).
O trabalho de RASCHE (1979) mostra que crianças da classe média
produzem Códigos mais Elaborados e crianças operárias produzem Códigos
Restritos. Demonstra também que a escola está mais bem preparada para
acompanhar crianças de classe média.
STEFFEN (1980) afirma que é dentro destes Códigos que se processam todos
os dados de relacionamento dos indivíduos. Com base nos dados do Código Restrito,
ou do Código Elaborado, vai se observando, ou mesmo predizendo, uma vasta gama
de atitudes entre grupos e classes sociais.
94
No Currículo Integrado do THD, em que pesem os atropelos da avaliação
realizada, houve respeito em relação aos diferentes “Códigos” inicialmente
expressos pelos alunos. De acordo com Bernstein, houve uma ressocialização.
“Gostei muito do espaço dado para a fala de cada componente do curso, respeitando
a individualidade de cada um de nós em nossos relatos. A preocupação de vocês nas
nossas dificuldades nos ajudando e apoiando é de fundamental importância, o que me
deixou mais segura a partir deste módulo”.
“A metodologia deixa a pessoa à vontade para responder”.
“Gosto da forma como são abordados todos os assuntos; nos trabalhos em grupo,
todos tiveram uma maior participação, inclusive os mais calados, estão aprendendo a
dar a sua opinião. A respeito da forma como vocês instrutoras nos ajudam a entender
melhor todos os temas debatidos, de uma forma bem mais clara e nítida, só temos a
ganhar e agradecer”.
“Metodologia muito boa, com oportunidade de fala para todos”.
“Sempre dinâmico, de modo que force a participação de todos os alunos”.
“É muito boa esta maneira de vocês usarem deixando nós alunas muito à vontade
para aprender”.
“Foi boa a colocação dos problemas e todos chegaram à conclusão que temos que
respeitar a fala do outro”.
Ao final do curso, todos os THD’s freqüentes receberam, dentro do prazo
estabelecido, o conceito APTO para o desempenho das atividades previstas nas três
áreas curriculares. Isso sugeriu que os alunos demonstraram um potencial disponível
para elaborações mais complexas. No curso houve a presença de estímulos que
favoreceram e possibilitaram a expressão de outros códigos. O acesso a um Código
Elaborado não dependeu de características psicológicas dos educandos, mas de um
acesso a posições sociais dentro da estrutura formalmente reconhecida, a escola.
“Estou chegando à reta final de mais uma batalha na minha vida. Estou me sentindo
vitoriosa, estou feliz por ter chegado bem, por ter conquistado novas amizades e
novos conhecimentos”.
95
“Pudemos ampliar nossos conhecimentos e entender melhor pontos que nos foram
colocados ao longo deste ano”.
Um papel extremamente importante que coube ao curso referiu-se ao
desenvolvimento da consciência crítica, da mente aberta, do pensamento flexível e da
possibilidade de apresentar princípios mais universais e códigos mais integrados.
A Figura 12 mostra o momento da formatura de THD’s e docentes.
FIGURA 12: Foto da formatura da turma de THD de Carmo do Paranaíba FIGURA12: Foto da formatura da turma de THD de Carmo do Paranaíba
MEDEIROS (1979), ao discutir o papel da escola no processo de socialização,
enfatiza o seu complexo propósito relacionado ao desenvolvimento da imaginação em
um contexto livre e da tentativa de emparelhar escola e trabalho.
96
“Espero conseguir realizar todos os meus objetivos, que além de promover a saúde
bucal, ajudarão também a promover a saúde geral. Esta é a meta que pretendo
alcançar com os conhecimentos que adquiri durante esses 11 módulos”.
Os instrutores foram partícipes dessa construção, e seu trabalho inúmeras
vezes, reconhecido pelos alunos.
“Vocês foram brilhantes. Conseguiram prender a atenção de todas, de forma que
todas falassem a mesma língua”.
“Falaram em uma linguagem simples, facilitando que todas entendam o assunto.
Apoiavam bem o grupo sempre que necessário”.
4.4.3 RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
De acordo com FORQUIN (1993), em um texto de 1967, “Open Schools –
Open Society?”, Bernstein analisava as transformações pedagógicas, culturais e
organizacionais que têm lugar efetivamente no interior dos sistemas escolares. Na
visão de Bernstein, a ênfase à resolução de problemas, à descoberta autônoma e
menos às aprendizagens operatórias estritas modificava as relações de autoridade
entre professores e alunos.
O Código Integrado gerava entre os THD’s um encorajamento para uma prática
de avaliações comuns, onde o professor também era alvo a ser avaliado pelo aluno.
“Sinal amarelo para Cida e Alcione em relação à pontualidade. Sinal verde nos demais
itens”.
“As instrutoras estavam muito sem paciência”.
“Poderiam mudar um pouco, dar algumas atividades diferentes”.
Pelas avaliações, percebe-se uma grande admiração dos THD’s pelos
docentes da Concentração. De uma maneira geral, esses profissionais se mostraram
97
próximos, pacientes com os alunos em formação. São muitos os elogios e mensagens
de agradecimento ao instrutor. Ainda que não tenha sido objetivo desta pesquisa uma
análise avaliativa com cálculos de freqüência e intensidade das referências positivas e
negativas acerca dos professores, chamou-nos a atenção o número de palavras
idiossincráticas (VALA, 1987). Os textos estão carregados de significações
incontestáveis relacionadas aos docentes: “dedicada, amiga, capacitada, disponível,
esforçada, clara nas idéias, interessada, transmite segurança, prestativa,
compreensiva, muita disponibilidade em todos os aspectos, atenciosa, competente”,
etc. A disposição do temperamento do grupo fez com que se sentissem, de um modo
muito especial, as marcas desses professores.
“Alcione é sem dúvida uma pessoa maravilhosa em todos os sentidos. É amiga de
todas nós e está pronta a esclarecer todas as dúvidas que aparecem”.
“Cida: visão muito abrangente de todos os assuntos facilitando a explanação da
matéria”.
“Achei muito importante o respeito dos professores com os alunos, respeitando suas
dificuldades; porque se não tivesse havido esse respeito eu não estaria aqui, e não
teria a chance de aprender o que estou aprendendo”.
“As instrutoras nos passam boa vontade e carisma de ensinar, com um potencial forte
do que é ser um profissional com praticidade e segurança”.
Se a cultura do professor deve fazer parte da cultura do educando, é preciso
primeiro que a cultura do educando esteja na consciência do educador. O educador
se esforça para compreender os pontos de vista que são expostos em lugar de tentar
deliberadamente mudar as opiniões expressadas (BERNSTEIN, 1985).
“Ela se mostra uma instrutora muito capacitada e consciente, procurando buscar o
conhecimento em nós mesmos e não encucar outros em nossas mentes”.
”Uma profissional que nos induz a procurar o conhecimento”.
98
Quando o professor se aventura numa permissão maior de que o aluno se
mostre por inteiro, a emoção corre solta, afloram-se as emoções menos suspeitadas,
a linguagem se organiza (ESPIÍRITO SANTO, 1996).
“Gostaria primeiramente de parabenizá-las (Cida e Alcione) por terem nos ajudado
com tanto mérito, o que fez de nós profissionais capacitados a irmos agora em busca
de nossos ideais”
“Poder ter vocês, Cida e Alcione, ao nosso lado tantos módulos foi muito bom; adquiri
muita experiência, aprendi e cresci muito (a minha personalidade e o caráter)”.
“Fico grata pelo empenho e preocupação de vocês, Cida e Alcione, em nos ajudar a
conseguirmos nos realizar em nossos locais de trabalho”.
“Maravilhosa foi a convivência com vocês Cida e Alcione. Que Deus esteja com vocês
hoje e sempre”.
Segundo Bernstein, os papéis do professor são também mais variados, mais
diversificados e ao mesmo tempo menos prescritos antecipadamente. De preferência
são construídos e realizados dia a dia, no curso das múltiplas interações que têm
lugar no interior da instituição (FORQUIN, 1993).
“Cida: esforço em estar buscando novos caminhos, novas idéias e recursos para
enriquecer o nosso aprendizado”.
“Cida batalhou muito, parabéns pelo seu desempenho, você é um profissional capaz”.
“Cida soube desempenhar muito bem o seu papel e teve facilidade em superar os
obstáculos impostos pelos imprevistos”.
“Cida conseguiu vencer mais esse módulo”.
“Instrutora foi de grande habilidade pois estava com vários problemas, mas mesmo
assim deu muita atenção a todos”.
A busca da integração entre ensino e serviço remetia a vários desdobramentos
de ordem político/pedagógica, e o instrutor assumia variados papéis. Viabilizar o
curso parece ter sido uma luta, e os alunos reconheciam o esforço do instrutor no
sentido de dar continuidade ao processo.
99
Bernstein notava que essa evolução em direção a uma escola “mais aberta”
inscrita no espírito do tempo, ia encontrar fortes resistências em razão da ameaça que
toda educação aberta parece exercer sobre a ordem estabelecida (FORQUIN,1993).
O Código Integrado favorecia a relação do tipo “horizontal” (a concordância,
cooperação, participação) em todos os níveis, tanto entre os alunos quanto entre os
professores. A democracia parecia se opor ao autoritarismo, a flexibilidade à rigidez, a
participação social à segmentação burocrática, os valores modernos de abertura e
convívio pareciam confrontar os antigos hábitos de isolamento e de manutenção das
distâncias (FORQUIN, 1993). No curso houve um contínuo trabalho de equipe, um
constante ajustamento dos objetivos, dos conteúdos e dos métodos.
“Houve uma união entre Cida e Alcione e todos do grupo para que houvesse um
desempenho maior de todos”.
“Positivo a integração das instrutoras Cida e Alcione com a turma”.
Os THD’s, ao identificarem nas instrutoras pessoas comprometidas com a
prática de ensino e serviço, também nos permitiram indicar que esse processo de
formação em serviço por meio do Currículo Integrado é contra-hegemônico e
está ainda apoiado em instrutores e outros agentes de parceria. Não se trata de
um projeto consolidado como prática e política institucional.
“Tenho receio de que forças externas venham inviabilizar o curso de THD”
A figura do professor inspira apoio e coragem para o enfrentamento dos
desafios dos serviços.
“A calma e dedicação das instrutoras muito me ajuda, me encoraja para continuar
confiante que posso ajudar a minha comunidade”
100
• A EQUIPE DOCENTE
A participação dos professores da equipe de apoio técnico, ao longo das
Concentrações, parece ter sido motivo de grande investimento por parte das
instrutoras. A forma como esses profissionais participaram e foram referenciados
pelos alunos demonstrou um ajustamento entre toda a equipe docente.
“Os apoios técnicos são pessoas muito comunicativas e prestativas, aceitando nos
ajudar de uma maneira tão espontânea e amiga”.
“O apoio técnico reforçou o que vimos durante a semana, foi muito válido”.
“Eleonor é uma excelente profissional e mostrou competência ao passar para a gente
o compromisso que temos como ser humano de saber entender e estar prontas a ter
iniciativas quando deparamos com um imprevisto na nossa área de saúde”.
“A aula da Lilian foi ótima, reforçou os trabalhos feitos durante a semana e valorizou o
trabalho do THD”.
“Dora: com seu jeito extrovertido e animado nos tocou, nos mostrando a importância
do trabalho em equipe e do respeito mútuo”.
“Marisa: Maravilhosa, com ela eu não me canso, nem parece ser professora da
UFMG, por ser muito simples, o que a torna além de muito competente, muito amiga”.
“Carlos: gostei muito de sua forma de explicar a matéria, de uma maneira
descontraída e simples. Uma pessoa que já passou e ainda passa pelos problemas
que enfrentamos. Admiro muito pessoas com força e garra como ele; realmente não
teria pessoa melhor para nos dar apoio”.
O entusiasmo do corpo docente comunicava-se por meio da linguagem verbal.
Uma equipe convencida do que realizava favorecia a que os educandos captassem
se o que estava acontecendo valia a pena ou não, e se posicionassem diante dos
problemas a serem enfrentados.
• A AULA EXPOSITIVA
Para que a aprendizagem aconteça, ela precisa ser significativa para o aluno.
Deve permitir ao aluno relacionar o que está aprendendo com os conhecimentos e
101
experiências que já possui. O que está sendo apresentado deve entrar em contato
com situações concretas de sua vida (MASETTO,1997).
“Uma aula expositiva após leitura dos textos é muito valiosa”.
“A aula foi boa, os slides foram muito úteis para a visualização do que foi visto durante
a semana”.
“A aula foi muito esclarecedora, pois às vezes, quando fazemos a leitura dos textos,
alguns pontos importantes passam desapercebidos. E hoje foi a oportunidade para se
fixar e esclarecer (entender) estes pontos”.
“É sempre bom ter alguém que trabalha na área que estamos estudando para falar no
final do módulo. Esclarece as dúvidas e complementa os textos. Foi muito bom”.
Na formação em serviço do THD, a aula expositiva acontecia de uma maneira
contextualizada, sendo referendada de forma positiva pelo conjunto de educandos.
4.4.4 RELAÇÕES AFETIVAS
As afirmações dos discentes que foram agrupadas sob a categoria “Relações
afetivas”, constituíram um texto forte, onde os conflitos gerados pelas relações
humanas foram muitas vezes explicitados. Os registros mostram que o curso ajudou o
educando a tomar consciência da sua maneira de ser em relação ao outro, como suas
palavras repercutiam nas outras pessoas, quais as barreiras nas comunicações.
“Sinto-me feliz por saber que o curso superou as minhas expectativas, sinto-me
realizada por notar que foi muito engrandecedor. Passei por novas experiências,
amadureci por enfrentar certas barreiras, aprendi a não ser tão dona da verdade, e
não cobrar tanto de mim mesma, aprendi a errar. Sinto-me triste porém em saber que
dificilmente as nossas vidas se cruzarão novamente, em grupo, como aconteceu
durante este ano, mês após mês. Fica aqui um emaranhado de felicidade e tristeza”.
102
Entendemos essa tomada de consciência como um elemento para iniciar uma
mudança de comportamento. Os esforços gerados nesse movimento de, em grupo
discutir, refletir sobre a própria prática profissional favoreceu o trabalho de construção
do conhecimento. Assim, “trabalho em equipe” deixou de ser um referencial teórico e
consubstanciou-se na prática do curso.
“Apesar de haver alguns desentendimentos entre algumas pessoas do grupo, deu
para perceber que existe muita amizade entre o restante da turma e isto facilita demais
o aprendizado. A gente se sente bem à vontade para expressar, principalmente o que
pensamos”.
Por meio desse registro observamos que o educando reconhece o pressuposto
pedagógico de que os trabalhos em grupo favorecem maior interesse dos alunos e,
por conseguinte, maior rendimento na aprendizagem.
Os problemas de relações humanas que surgiram foram motivos de discussão
nos pequenos e no grande grupo. O empenho das instrutoras de obter e conservar a
cooperação e a confiança dos educandos aparece explícito.
“Achei muito boa a interferência das instrutoras no relacionamento da turma”.
“O relacionamento entre os colegas como sempre foi bom, neste aspecto o que mais
chamou a atenção foi a abordagem de nos reintegrarmos com a colega Margarida”.
A utilização de recursos didáticos não convencionais (filmes Holliwoodianos,
notícias de jornais, letras de músicas, reportagens de revistas, textos de reflexão,
dinâmicas) criou possibilidades para aflorarem preconceitos, resistências, moralismos.
Considerava-se importante transgredir o universo fechado e restrito dos chamados
conteúdos técnicos. Havia uma busca de caminhos não-oficiais, sem desprezar, é
claro, os conhecimentos científicos sistematizados.
103
O uso de uma linguagem poética cria oportunidades para que a intuição se
manifeste e, conseqüentemente, seja liberada a emoção retida pelo pensamento
estritamente racional (ESPÍRITO SANTO, 1996).
“As brincadeiras foram maravilhosas, descobrimos talentos que nem a gente mesmo
sabia que tínhamos”.
“Foi ótimo, muito bom, me mostrou muitas coisas, cada dia aprendo mais”.
“Dinâmicas: ajudaram-nos a conhecer um pouco mais as colegas através de suas
experiências; valeu”.
O Guia Curricular para a formação do THD, por meio da sua seqüência de
atividades, favorecia um percurso mais descontraído em direção ao domínio do
conhecimento.
“Dramatizar situações de atendimento onde o usuário é informado dos
cuidados a serem tomados para o controle da cárie dentária” (cit. Pág 259,
BRASIL, 1994).
O uso de dramatizações relacionadas à realidade dos serviços de saúde
permitia que os educandos percebessem suas próprias emoções, favorecendo o seu
autoconhecimento, sua própria identidade. Diante da constatação de sentimentos de
raiva, ciúme, inveja, colocava-se sua mudança para emoções mais ajustadas a um
equilíbrio pessoal. A passagem de situações de dramatizações para a vida real
permitia importante reflexão avaliativa da transformação no comportamento do aluno.
Uma gama de questões rotineiras em sala de aula podia ser trabalhada com largo
proveito para os educandos.
“O que acontece aqui no curso é que quando vamos colocar nossos problemas,
muitas das meninas ficam fazendo cara ruim, mandando a gente calar, não dão a
mínima para o que falamos, se não pudermos falar aqui nossos problemas o que
vamos fazer para encontrarmos uma solução para as nossas dificuldades em nossos
municípios? Fiquei bastante triste e magoada, já viemos tristes por causa dos
104
problemas, agora estamos voltando pior ainda. Mas tem uma solução a partir de hoje,
não apresentaremos nossos problemas para não causar atritos entre o grupo”.
Ao longo de cada unidade didática foi possível identificar as diferenças
encontradas em cada local de trabalho e expressas nas falas dos THD’s. No fórum
educacional da formação em serviço, o propósito foi o de estabelecer um diálogo
voltado, não para a conformidade e o acordo, mas sim para a compreensão, a
tolerância e o respeito das diferenças.
Um diálogo voltado para manter a diferença, não para eliminá-la (MOREIRA,
1997).
• O ALUNO FRENTE AOS DESAFIOS DO TRABALHO
São polêmicas as relações entre o mundo do trabalho e o campo educacional.
FRIGOTTO (1999) defende o papel fundamental da educação de gerar valores éticos,
políticos; o papel de preparar cidadãos para a vida social, cultural, a vida humana. No
processo de construção do conhecimento, há que se relacionar os saberes com a
história e os acontecimentos do dia-a-dia.
Numa Pedagogia Invisível, o controle está quase inteiramente na comunicação
interpessoal. Os educandos são encorajados a tornar públicos aspectos do seu
interior: sentimentos, fantasias, temores (BERNSTEIN, 1996).
“Iniciei o curso com dificuldades que superei. Encontrei limitações no trabalho mas me
senti uma profissional que colaborava para melhoras e imaginava poder fazê-las
melhor após a formatura. Agora, véspera do acontecimento, não sei como me sinto,
pois há muitas decisões que me deixam sem saber como vou trabalhar quando tudo
for decidido. Não contava com tantas mudanças”.
• AS QUESTÕES DE HIERARQUIA
105
Pelos depoimentos dos THD’s, percebemos uma certa “resistência” dos
cirurgiões-dentistas a essa “nova” categoria profissional. Não se tratava de algo
explícito, mas de posturas, de atitudes veladas de controle e rejeição. A prática
odontológica hegemônica do cirurgião-dentista é presa a uma estrutura racionalista,
onde os “conhecimentos científicos” são ajustados a uma lógica formal. Essa lógica
se opõe ao empirismo, que vê no domínio sensorial as fontes do conhecimento. Como
os THD’s são formados numa concepção dialética, situando-os num universo real,
permitindo uma ampla e irrestrita busca e pesquisa do conhecimento, também no
cotidiano, sem restrições culturais ou de outra ordem, os conflitos tornam-se
inevitáveis.
“Sinto vontade de trabalhar e muito frustrada por saber que o THD não é aceito pelo
C.Dentista, e eu dependo dele para exercer, para promover saúde. Que minha posição
é de luta em todos os sentidos. Temo continuar como antes, sem apoio por parte dos
gestores e secretários de saúde. Dependo do querer dos outros. Não vou me
acomodar, porém terei paciência”.
“Me sinto realmente uma THD, compromissada com o paciente, com a saúde bucal.
Quero me dedicar ainda mais a cada dia.”Não ter medo de perguntar o porquê ao
dentista, ir atrás”. Legal”.
Alguns educandos demonstraram ter sido estimulados a enfrentar o abuso do
poder local do cirurgião-dentista. Deixaram transparecer um desejo de mudanças nas
relações onde há uso excessivo da autoridade, ao mesmo tempo em que se
mostraram cuidadosos, conhecedores de que lidam em um campo onde se requer
ousadia e cautela ao mesmo tempo. Sabedores da importância do equilíbrio nas
situações de mudança, já que a radicalização não contribui para o diálogo.
Podemos afirmar que o curso de formação do THD em Carmo do
Paranaíba, abriu amplas possibilidades aos alunos de, após cada unidade
didática, fazerem a crítica da própria instituição em que estudam, do conteúdo
estudado, do método, do papel do docente e dos serviços de saúde onde
trabalham. A mensagem que se tem é a de que, ao criticarem e construírem
106
novas relações pedagógicas estarão, por extensão, comprometidos com a
construção da sociedade como um todo.
O conflito, a inquietação e a dúvida fizeram parte do cotidiano escolar. O
desafio de uma formação ligada aos interesses e necessidades da população (e dos
serviços de saúde) foi assumido na rotina da prática pedagógica.
O Currículo Integrado configurou um avanço na proposta de formação e na
organização dos serviços de saúde.
Houve um ganho real para a população na medida em que as inovações
tecnológicas chegaram mais rápido a ela. Houve a profissionalização do THD. Ele foi
formado com o objetivo claro de responder, junto com a equipe de saúde bucal, as
necessidades de uma determinada população. O cirurgião-dentista instrutor da
Concentração, além de capacitar-se técnica e pedagogicamente (na ESMIG) também
assumiu na prática o novo papel de formador e coordenador da equipe.
Regionalmente foi deflagrado um movimento de atualização técnica e pedagógica
para os profissionais da rede de serviços SUS. Com isso a população também se
beneficiou. Estabeleceu-se na Saúde Bucal um Círculo Virtuoso (Figura 13).
107
SUS
FIGURA 13: O círculo virtuoso na área de Saúde Bucal
Acreditamos que nesse espaço de reflexão e questionamento das contradições
do real vislumbraram-se, ainda que tênues, as perspectivas de transformação.
THD
CD / INSTRUTOR CONCENTRAÇÃO
CD / INSTRUTOR DISPERSÃO
POPULAÇÃO
108
CONCLUSÕES
TIPO DE CURRÍCULO E RELAÇÕES PEDAGÓGICAS
Na concepção de Bernstein, um currículo com fraca Classificação, no qual as
fronteiras entre os diferentes campos são pouco nítidas, não significa ausência de
poder (SILVA, 1999).
No Currículo Integrado para o THD, ficou evidenciado que o plano pedagógico
estava organizado de acordo com princípios diferentes de poder. As relações de
poder (status quo) nesse modelo de formação demonstraram ser igualitárias,
buscando as contribuições de todos os atores para a construção de um modelo
assistencial em saúde bucal inserido no SUS.
Do mesmo modo, a forma didática de realização do curso, na qual os
estudantes apresentavam um poder maior de decisão sobre as diversas dimensões
da pedagogia (ritmo, tempo, espaço) não significava que o controle estivesse
ausente. Estavam em ação outros princípios de controle, mais sutis, mas nem por
isso menos eficazes. A instituição formadora (ESMIG/CFRHS) dispunha de outras
formas de controle: exigência de limite de freqüência, horários definidos, tarefas a
serem cumpridas, padrão de qualidade técnica e outras exigências locais.
Acerca das relações pedagógicas estabelecidas na formação do THD por meio
do Currículo Integrado, baseando-nos em SANTOMÉ (1998), podemos concluir:
RELAÇÃO ENSINO-SERVIÇO
A sala de aula converteu-se em um espaço em que os serviços de saúde (e a
sociedade) puderam ser submetidos a revisão e crítica. Os educandos puderam
desenvolver habilidades imprescindíveis para participar e contribuir para o
aprimoramento da comunidade concreta e específica da qual faziam parte.
109
Houve um esforço educacional para envolver os educandos em debates sobre
a construção do conhecimento, sobre os conflitos do dia-a-dia de trabalho, para que
se sentissem obrigados a identificar suas posições, interesses, ideologias. Os
registros indicaram que os educandos tornaram-se, ao longo do processo de
formação, mais capazes de duvidar, interrogar, aventurar-se a estabelecer novas e
originais hipóteses para as várias situações colocadas.
A formação do THD por meio do Currículo Integrado, ao eleger a prática dos
serviços de saúde bucal como “ponto de partida e de chegada”, aproximou os
interesses, desejos e as preocupações dos educandos à apropriação do
conhecimento necessário e urgente para transformar o cotidiano.
Usando novamente a metáfora do currículo enquanto jornada (DOLL, 1997),
tornou-se possível definir a arena política da formação do THD. A corrida (o processo
de formação) começou antes do ponto de largada (o início do curso) da pista (a grade
curricular), e continua o seu longo caminho após a placa de chegada (formatura).
Correm os trabalhadores do SUS, aqueles já engajados ou em via de inserção no
sistema. Correm como atletas que trocam o bastão, ou seja, sabem que correm em
grupo, numa atividade coletiva. Sabem que o seu bom desempenho é importante,
mas que também dependem do desempenho da equipe. Foram cooperativos.
Vislumbraram a frente o reconhecimento profissional (habilitação), mas também os
benefícios que a prática em saúde bucal iria reverter aos usuários do SUS. O técnico
da jornada (o cirurgião-dentista instrutor) foi alguém da equipe, que se distanciou às
vezes do movimento de correr para assumir o papel de facilitador da jornada. O
cirurgião-dentista desdobrou-se, assumiu novos papéis, tornou-se referência local e
regional. Durante a corrida, todos foram estimulados a transformar a realidade que os
cercava. Foram convidados a assumirem o papel, além de trabalhadores do SUS, de
cidadãos. Durante a corrida, existiram diferentes climas, de acordo com os diferentes
espaços políticos conquistados.
110
O uso da metodologia da problematização serviu para identificar e procurar
soluções para os problemas da vida real. Propiciou visões da realidade nas quais os
educandos apareceram como atores sociais, pessoas criativas e inovadoras . Abriu-
lhes perspectiva de formação de uma consciência crítica, mais aguda em relação à
realidade social.
RELAÇÃO ALUNO-CONHECIMENTO:
Foram criadas situações de ensino e aprendizagem nas quais, por sua
relevância, os conteúdos culturais selecionados no projeto curricular interagiram e
propiciaram processos de reconstrução, junto com o que já existia nas estruturas
cognitivas dos alunos. A partir dos conceitos espontâneos dos educandos, foram
gerados contradições ou conflitos capazes de obrigá-los a substituir ou reconstruir
suas idéias para enfrentar os novos desafios. Os educandos mostraram estar atentos
para detectar, analisar e buscar soluções para os problemas. Por meio da instituição
escolar puderam compreender melhor o mundo no qual vivem, comparando com
outras pessoas suas opiniões e julgamentos, em um clima de cooperação e liberdade.
RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO:
Os professores aproveitaram os conceitos que os alunos traziam e estimularam
o seu desenvolvimento para que se aproximassem de outros referenciais. Como havia
uma fraca compartimentação de conteúdos, foi mais fácil a compreensão dos
educandos, pois a realidade era mais precisa, melhor observada. Os professores
parecem ter assumido o compromisso de não expressar de início suas opiniões, mas
de centrar-se em escutar, resumir, controlar as interrupções, introduzir novos dados,
incentivar os grupos a interpretarem as várias situações, impedindo um consenso
prematuro em torno das questões levantadas. Aproveitaram os erros dos educandos
para revisar o trabalho realizado; criaram as condições para que os educandos
111
identificassem os próprios erros e aprendessem a corrigi-los. Pediram opiniões sobre
suas próprias atuações, abrindo assim melhores condições para o diálogo.
A formação oferecida aos professores (Curso de Especialização em Atenção
Básica de Saúde / Odontologia Coletiva), indicou ter contribuído para que
aprendessem a não interferir e a respeitar as respostas e pontos de vista divergentes
dos diferentes alunos THD’s.
RELAÇÕES AFETIVAS
O Currículo Integrado, ao possibilitar a apresentação do conteúdo sem
fragmentação, possibilitou a inseparabilidade entre o sensível e o intelectual, entre a
memória, a percepção, o conceito, a imagem e a palavra.
As dinâmicas, os jogos educacionais funcionaram como auxiliares para
incentivar o aparecimento de outras atividades que exigiam maior esforço e
perseverança.
OS CÓDIGOS DE INTEGRAÇÃO E O CURRÍCULO INTEGRADO DO THD
Bernstein define as condições para que o conhecimento seja regulado por
códigos de integração (DOMINGOS, 1985). Aplicando essas condições à formação
em serviço do THD, podemos afirmar:
• Havia um consenso quanto à idéia integradora do curso (relação ensino-
serviço), explícita no Guia Curricular e confirmada nos registros dos
educandos.
• A relação ensino-serviço coordenou o conhecimento gerado e apropriado
no curso.
112
• Existiu um sistema de retroação sensível entre professores e alunos que
funcionou como outro agente de socialização no Código de Integração.
• Existia (a priori) uma definição muito clara de critérios de avaliação.
Entretanto, num determinado momento do curso, dificuldades operacionais
geraram uma busca forte de atributos cognitivos. Essa foi a condição que,
talvez, menos tenha aproximado as duas experiências: a teórica, descrita
por Bernstein e a prática, vivenciada no curso de formação de THD em
Carmo do Paranaíba.
O quadro da Figura 14 mostra as categorias de Classificação e Enquadramento
aplicadas nas relações pedagógicas do Curso de THD.
Relações pedagógicas Classificação (isolamento de fronteiras)
Enquadramento (o que pode e como é transmitido)
Ensino – Serviço __ (fraco) __ (fraco)
Aluno – Conhecimento __ (fraco) __ (fraco) + (forte)
Professor – Aluno __ (fraco) __ (fraco)
Afetivas – Grupo __ (fraco) __ (fraco)
FIGURA 14: Os conceitos de Bernstein aplicados nas relações pedagógicas do Curso do THD
Em síntese, o Currículo Integrado do THD aproximou-se do modelo
curricular integrado de Bernstein , gerando Códigos de Integração e
confirmando as hipóteses desse autor. O Currículo Integrado do THD
demonstrou promover diferenças qualitativas no profissional formado.
Em 1999, um outro Currículo Integrado foi analisado em uma dissertação de
Mestrado do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. Com seu trabalho
intitulado “Da reforma curricular à construção de uma nova práxis pedagógica: A
113
experiência da construção coletiva de um Currículo Integrado” , a autora analisa as
possibilidades e limites que o Currículo Integrado traz para a transformação da práxis
pedagógica. Também averigua se a práxis pedagógica está em transformação, na
direção de uma práxis crítica, a partir da construção coletiva do Currículo Integrado da
Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Utilizando-se
inclusive de categorias de análise defendidas por Bernstein (Classificação e
Enquadramento), a autora demonstra as diferenças que o Currículo Integrado
promoveu no corpo docente e discente (ROMANO, 1999).
A articulação entre a concepção pedagógica e a dimensão política da prática
integrada foi confirmada na formação do THD. Além de formar trabalhadores para a
área da saúde, o Currículo Integrado viabilizou inserir, nos serviços locais,
profissionais comprometidos com práticas democráticas. A partir dessa constatação,
uma nova questão que se abre, refere-se ao trabalho que o THD vem desenvolvendo
na sua pós-formação. Continua ele com o mesmo compromisso social demonstrado
ao longo do seu processo de formação? Como responde hoje aos desafios colocados
pelo mundo do trabalho?
TIPO DE AÇÃO PEDAGÓGICA
AS LIMITAÇÕES ENCONTRADAS
Nesta pesquisa, a análise dos códigos à luz dos conceitos de Classificação e
Enquadramento fez surgir novos questionamentos. Os Códigos de Integração podem
ser considerados como matrizes potenciais de mudança destinados a efetuar uma
alteração na distribuição do poder e nos princípios de controle no desenvolvimento de
currículo. Diante da constatação da socialização de Códigos Integrados, quais
seriam hoje as condições para a continuidade do processo de formação de
trabalhadores de nível médio em saúde bucal? Quais seriam as condições de
resistência às mudanças ainda necessárias?
114
Coexistem na ESMIG/CFRHS propostas pedagógicas de diferentes
concepções.
“É preciso ter presente que um bom ensino integrado é muito mais do que a aplicação
de uma determinada metodologia. Pelo contrário, implica em não perder de vista as
razões pelas quais se está optando por essa modalidade curricular, seus princípios
filosóficos. Reconhecer e assumir que educar é uma ação política, não um trabalho
meramente técnico. Implica em repensar a instituição como um todo (...). Implica
também que a Instituição de ensino se constitua realmente em uma totalidade a partir
de uma mesma e clara filosofia” (Cit. Pág. 118 ROMANO, 1999).
Se a instituição escolar não é entendida apenas como o lugar onde é realizada
a reconstrução do conhecimento, mas também como um espaço no qual se reflete
criticamente sobre as suas implicações políticas, qual é a atenção que os setores
envolvidos (Saúde e Educação) conferem a esse processo ?
Outra questão que merece ser melhor refletida é a situação tendenciosa de
regiões e municípios mais desenvolvidos formarem THD’s com recursos próprios,
enquanto regiões menos desenvolvidas continuam sem qualificar seus profissionais
de nível médio em saúde bucal (Ver mapa em Anexo 3). Identificamos a necessidade
de uma política mais definida de financiamento para a profissionalização do THD em
Minas Gerais no sentido de interferir no “Mapa da desigualdade”.
Ao concluir esta pesquisa, constatamos que seguimos caminhos que se
aproximam dos preconizados por estudiosos do campo dos currículos:
“Sugiro, então, em um primeiro momento, que os curriculistas atuem nas diferentes
instâncias da prática curricular, participando da elaboração de políticas públicas de
currículo, acompanhando a implementação das propostas e realizando estudos nas
escolas que avaliem essa implementação. Proponho também que desenvolvam
investigações da prática curricular, com os que nela atuam, de modo a subsidiar a
115
formulação de políticas de currículo, favorecer a renovação da prática e promover o
avanço da teoria” (Cit. Pág. 30-31 MOREIRA, 1998).
Num primeiro momento, atuamos participando da elaboração de instrumentos
públicos de currículo na área de saúde bucal. Acompanhamos a implementação das
propostas em Minas Gerais, avaliando-as. Ao desenvolvermos essa investigação,
acreditamos estar subsidiando a formulação de políticas de currículo, favorecendo a
renovação da prática e promovendo o avanço da teoria.
Apostar nesse profissional significa defender a formação de um novo tipo de
pessoa, mais aberta, mais flexível, solidária, democrática e crítica. Alguém preparado
para a celeridade das mudanças.
116
VERDADE
A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
Só trazia o perfil da meia verdade.
E a segunda metade
Voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta, derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela,
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
Seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drumond de Andrade
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da educação”, Educação e realidade, Porto Alegre, 14 (1): 29-40, jan/jun 1989
126
ANEXO I
Dados de identificação dos THD’s, municípios envolvidos e
demandas de novas turmas
127
ANEXO II
Relatório final da Oficina de Avaliação da Formação em
Serviço do THD em Minas Gerais
128
ANEXO III
Mapa com a distribuição dos cursos de formação de THD
129
ANEXO IV
Instrumento preliminar para coleta de dados
130
ANEXO V
Roteiro para elaboração de um Memorial
131
ANEXO VI
Seqüência de atividades da 1a unidade didática da área I do
Guia para a formação do THD
132
ANEXO VII
Fichas de avaliação
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