DECLARAODECLARAODECLARAODECLARAO
Nome: ANA ISABEL MARTINS TEIXEIRA DE MELO
Endereo electrnico: [email protected] Telefone: 960188563 / 252921715
Nmero do Bilhete de Identidade: 11273350
Ttulo dissertao: Emoes no perodo escolar: estratgias parentais face expresso
emocional e sintomas de internalizao e externalizao da criana Tese: Mestrado
Orientador: Professora Doutora Isabel Soares
Ano de concluso: 2005
Mestrado: Mestrado em Psicologia Clnica
1. AUTORIZADA A REPRODUO INTEGRAL DESTA TESE/TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;
Universidade do Minho, ___/___/______ Assinatura: ________________________________________________
ii
AGRADECIMENTOS
Um primeiro agradecimento devido Professora Doutora Isabel Soares por to
gentil e prontamente ter aceite orientar-me e por toda a disponibilidade sempre
demonstrada.
Graa Martins, ao Paulo Melo, Cludia Albergaria e Isabel Vitorino pelo
apoio na reviso do texto.
Agradeo ainda minha famlia e, em particular, ao meu pai e amigos por todo o
suporte com que me brindaram nas alturas mais atarefadas e pela compreenso sempre
demonstrada no tempo que no lhes dediquei.
Um ltimo agradecimento vai para todas as famlias que aceitaram participar no
estudo e para as escolas e professores que colaboraram na recolha de dados e sem cujo
auxlio a investigao no teria tido lugar.
iii
EMOES NO PERODO ESCOLAR: ESTRATGIAS PARENTAIS FACE
EXPRESSO EMOCIONAL E SINTOMAS DE INTERNALIZAO E
EXTERNALIZAO DA CRIANA
RESUMO
O estudo das emoes e a sua relao com o temperamento da criana tem vindo
a suscitar o interesse de vrios investigadores, desde h algum tempo, sendo hoje
indiscutvel o seu papel central no funcionamento humano, quer adaptativo, quer
desajustado. A sua relao com a psicopatologia infantil comea tambm a merecer
destaque especial e sobre ela, e sobre o contributo fundamental da socializao das
emoes na famlia, que nos debruamos neste trabalho. O estudo da relao das
emoes com o ajustamento da criana tem vindo a fornecer contributos importantes
para o desenvolvimento de intervenes preventivas em sade mental, que procuram
no s desenvolver a competncia emocional das crianas, como desenvolver
competncias nos pais para que consigam, mais eficazmente, ajudar as suas crianas a
nomear, diferenciar e regular as suas emoes e compreender as emoes dos outros, a
favor de um mais equilibrado e ajustado funcionamento intra e interpessoal.
O estudo 1 incidiu na avaliao das propriedades psicomtricas de instrumentos
de avaliao, j amplamente utilizados na investigao internacional, relativos s
reaces parentais face expresso emocional negativa da criana e avaliao de
dimenses temperamentais da criana. No mbito deste estudo desenvolveram-se novos
instrumentos relativos avaliao das reaces parentais face expresso emocional
positiva da criana e avaliao de problemas de comportamento disruptivo. Os
resultados relativos s propriedades psicomtricas dos instrumentos so apresentados e
discutidos tendo em conta a sua adequao investigao e avaliao de programas de
preveno. O estudo 2 foca-se no desenvolvimento emocional da criana em contexto
familiar, examinando-se as reaces parentais perante as emoes negativas e positivas
da criana, tendo em conta agrupamentos emocionais especficos. Este estudo
relacionou as reaces parentais perante distintas emoes positivas e negativas,
diferentes dimenses do temperamento e algumas expresses sintomatolgicas da
criana. As relaes encontradas sugerem a possibilidade das diferentes emoes
negativas terem funes diferenciadas no funcionamento da criana e das emoes
positivas poderem estar, igualmente, implicadas no ajustamento do indivduo, tal como
as reaces parentais perante as mesmas emoes. Os resultados so discutidos tendo
em conta as suas implicaes para a investigao e avaliao de programas de
preveno em meio familiar.
iv
EMOTIONS DURING CHILDHOOD: PARENTAL COPING WITH CHILDRENS
EMOTIONS AND CHILDRENS EXTERNALIZING AND INTERNALIZING
SYMPTONS
ABSTRACT
The study of emotions and its relation with temperament has long started to
interest researchers. Nowadays it is accepted that emotions play a central role in human
development, either adjusted or pathological. In this work we focus on its relationship
with child psychopathology, and the fundamental contribution of the emotions
socialization, a field that has been receiving great attention in recent years. The study of
the link between emotion and child adjustment has been providing important
contributions to the development of prevention programs in mental health that seek not
only to promote childrens emotional competence but also to promote parental
capability to help children name, differentiate and regulate their emotions, in pursuit of
a more adjusted intra and interpersonal functioning.
Study 1 attempted to make the adaptation to Portugal of some instruments,
largely used in international research on the influence of parental coping with childrens
emotion on childrens psychosocial adjustment and temperament, and also of an
instrument designed to tap temperament in early childhood. Some new questionnaires
were developed to evaluate parental coping with childrens positive emotions, and
disruptive behaviour problems. The results regarding the psychometric properties of the
instruments are discussed considering their suitability for research and prevention
programs evaluation.
Study 2 is focused on emotional developmental in family context and examines
the relations between parental coping with childrens negative and positive emotions
considering specific groups of emotions. This study has related parental reactions to
different categories of positive and negative emotions, several temperamental
dimensions and some psychopathological symptoms in children. The relations found
suggest that different negative emotions might have distinct functions in child
development, and that positive emotions might also be involved in child adjustment, as
well as parental reactions to the same emotions. The results are discussed considering
their implications for future research and family-based prevention program evaluation.
v
NDICE
Agradecimentos
Resumo
INTRODUO..viii
PARTE I- ENQUADRAMENTO TERICO E EMPRICO DA
PROBLEMTICA DAS EMOES NO PERODO ESCOLAR
CAPITULO 1- Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia
1. Teorias das emoes: um primeiro enquadramento..11
2. Caractersticas das emoes negativas e positivas....18
3. Emoes e regulao emocional23
4. Temperamento e emoes..26
5. Marcos do desenvolvimento emocional: desenvolvimento da competncia
emocional e papel das emoes no desenvolvimento29
5.1. Desenvolvimento emocional dos 0 aos 12 meses.31
5.2. Desenvolvimento emocional dos 2 aos 5 anos.33
5.3. Desenvolvimento emocional dos 6 aos 12 anos...34
6. Desenvolvimento emocional e psicopatologia na criana...37
6.1. Perturbaes de externalizao, emoes e dificuldades no
desenvolvimento emocional.40
6.2. Perturbaes de internalizao, emoes e dificuldades no
desenvolvimento emocional.43
7. Sntese final..46
CAPITULO 2- Desenvolvimento emocional das crianas e influncias parentais
1. Introduo....48
2. Temperamento, emoes na famlia e adaptao da criana...50
3. Socializao das emoes: estratgias e reaces parentais face expresso
emocional das crianas54
4. Implicaes para a investigao futura e para o tratamento e preveno da
psicopatologia..66
5. Sntese final.69
vi
PARTE II- INVESTIGAO SOBRE EMOES NO PERODO ESCOLAR:
CONTRIBUIO METODOLGICA E ESTUDO DAS ESTRATGIAS
PARENTAIS FACE EXPRESSO EMOCIONAL DA CRIANA
CAPTULO 3- Introduo....72
CAPTULO 4- Estudo 1: Contribuio metodolgica
1. Objectivos..74
2. Mtodo...75
2.1. Participantes..75
2.2. Procedimento....76
2.3. Instrumentos.77
3. Resultados82
4. Discusso.96
CAPTULO 5- Estudo 2: Estratgias parentais face expresso emocional da
criana, temperamento e sintomas de internalizao e externalizao na criana no
perodo escolar.
1. Objectivos.....101
2. Mtodo..102
2.1. Participantes...102
2.2. Procedimento..104
2.3. Instrumentos...104
3. Resultados..108
3.1 Temperamento e sintomatologia da criana.....108
3.2 Estratgias parentais face s emoes negativas, temperamento e
sintomatologia da criana .111
3.2.1. Estratgias parentais face a diferentes agrupamentos de emoes
negativas, temperamento e sintomas de internalizao e externalizao da
criana. ......112
3.3. Estratgias parentais face s emoes positivas, temperamento e
sintomas de internalizao e externalizao da
criana118
vii
3.3.1. Estratgias parentais face a diferentes agrupamentos de
emoes positivas, temperamento e sintomas de internalizao e
externalizao da criana ......120
4. Discusso...126
Referncias Bibliogrficas..141
Anexos...155
Listagem de tabelas
Tabela 1- Distribuio da amostra de crianas e progenitores por sexo, idades, anos de escolaridade e categoria profissional dos
progenitores
Tabela 2 -Medianas, mnimos, mximos para relatos dos progenitores nas sub-escalas do CCNES
Tabela 3-Soluo factorial final e saturao nos factores do CCNES
Tabela 4-Soluo factorial final, saturao nos factores e fidelidade das sub-escalas do QCEP-P
Tabela 5 -Medianas, mnimos, mximos para relatos dos progenitores nas sub-escalas do QCEP-P
Tabela 6- Soluo factorial final, saturao nos factores e fidelidade das sub-escalas do CBQ-short form
Tabela 7 -Medianas, mnimos, mximos para relatos dos progenitores nas sub-escalas do CBQ-short form
Tabela 8- Fidelidade das sub-escalas do CBQ-short form: relatos dos progenitores em funo da idade da criana
Tabela 9-Soluo factorial, saturao nos factores e ndices fidelidade das escalas da ECD
Tabela 10- Medianas, mnimos e mximos para relatos dos progenitores nas sub-escalas da ECD
Tabela 11-Soluo factorial final, saturao nos factores e ndices fidelidade das escalas da ERC
Tabela 12- Fidelidade do CDI em funo da idade da criana
Tabela 13 -Medianas, mnimos, mximos para relatos da criana do CDI em funo da idade
Tabela 14-Soluo factorial, saturao nos factores e ndices de fidelidade das escalas da CMAS-R
Tabela 15- Fidelidade do CMAS-R em funo da idade da criana
Tabela 16 -Medianas, mnimos, mximos para CMAS-R em funo da idade da criana
Tabela 17- Distribuio da amostra de crianas e progenitores por sexo, idades, anos de escolaridade e categoria profissional dos
progenitores
Tabela 18 - Medianas, mnimos e mximos das variveis de temperamento e sintomatologia da criana
Tabela 19- Correlaes entre variveis de temperamento e sintomatologia da criana
Tabela 20- Medianas, mnimos e mximos das reaces parentais face s emoes negativas expressas pela criana
Tabela 21- Correlaes entre as reaces parentais face s emoes negativas, temperamento e sintomatologia da criana
Tabela 22- Medianas, mnimos e mximos das reaces parentais face a agrupamentos de emoes negativas expressas pela criana
Tabela 23- Ordem mdia das reaces construtivas face a diferentes emoes negativas em funo do sexo dos progenitores
Tabela 24- Ordem mdia das reaces construtivas das mes face diferentes emoes negativas
Tabela 25- Ordem mdia das reaces negativas das mes face diferentes emoes negativas
Tabela 26- Ordem mdia das reaces construtivas dos pais face diferentes emoes negativas
Tabela 27- Ordem mdia das reaces negativas dos pais face diferentes emoes negativas
Tabela 28- Correlaes entre as reaces parentais face diferentes agrupamentos de emoes negativas, temperamento e sintomas de
internalizao e externalizao da criana
Tabela 29 - Medianas, mnimos, mximos das respostas parentais face s emoes positivas expressas pela criana
Tabela 30- Correlaes entre as respostas parentais face s emoes positivas, temperamento e sintomatologia da criana
Tabela 31- Medianas, mnimos e mximos das reaces parentais face a agrupamentos de emoes positivas expressas pela criana
Tabela 32- Diferenas nas respostas parentais em funo das emoes positivas expressas pela criana
Tabela 33- Correlaes entre respostas parentais face diferentes agrupamentos de emoes positivas e temperamento da criana
Tabela 34- Correlaes entre respostas parentais face diferentes agrupamentos de emoes positivas, e sintomas de internalizao e
externalizao da criana
Listagem de anexos
Anexo 1-CCNES-estudo1
viii
Anexo 2-QCEP P-estudo1 Anexo 3-CBQ-estudo1 Anexo 4-ECD-estudo1 Anexo 5-E R C-estudo 1 Anexo 6- Correlao entre sub-escalas ccnes Anexo 7- Constituio das escalas da emotion regulation checklist conforme proposta dos autores (Shields & Cicchetti, 1995, 1997) Anexo 8- CCNES-estudo2 Anexo 9- QCEP P-estudo 2 Anexo 10- ECD-estudo 2
ix
INTRODUO
As emoes apresentam-se como processos centrais no funcionamento humano,
ocupando um lugar de destaque como organizadores no desenvolvimento cerebral e em
vrios domnios do funcionamento psicolgico e social, influenciando-os e sofrendo
influncias de vrias dimenses do desenvolvimento, bem como das diferentes
experincias de vida a que o indivduo vai sendo exposto. medida que o ser em
desenvolvimento, equipado com uma srie de mecanismos neurolgicos pr-
programados, se vai envolvendo em novas experincias e interagindo com os diferentes
elementos que constituem o seu universo relacional, os sistemas emocionais vo-se
complexificando e criando novas e mais ricas conexes com outros sistemas, como
sejam o cognitivo ou o lingustico. Nos ltimos anos, vrios investigadores tm-se
dedicado ao estudo do papel das emoes e da regulao emocional no desenvolvimento
e ajustamento da criana. Muito embora vrias questes permaneam por responder,
tem sido possvel apurar a importncia que a emocionalidade temperamental e a
capacidade de regulao emocional assumem em vrias dimenses e facetas do
comportamento da criana, inclusivamente no que diz respeito ao desenvolvimento de
psicopatologia ou competncia social e emocional. As prticas parentais, relacionadas
com a reaco dos pais expresso das emoes negativas da criana tm sido
estudadas como forma de melhor se compreender os factores e mecanismos que
contribuem para o desenvolvimento destas caractersticas e capacidades. nesta linha
de orientao que este trabalho, dividido em duas partes, se insere.
Na primeira parte, procura-se reflectir sobre alguns conceitos e formulaes
tericas chave acerca do desenvolvimento emocional da criana, em particular na idade
escolar, bem como sobre alguns mecanismos de socializao emocional em contexto
familiar, com destaque para o papel das estratgias parentais perante a expresso
emocional da criana relativamente ao seu ajustamento psicolgico e caractersticas
temperamentais. O primeiro captulo dedicado reviso e discusso de alguns
conceitos e teorias das emoes, dos principais traos caracterizadores de diferentes
emoes positivas e negativas e dos mecanismos de regulao emocional. Aborda-se
igualmente a temtica das emoes de um ponto de vista temperamental, para
posteriormente se discutirem as principais tarefas do desenvolvimento emocional na
infncia. Termina-se o captulo revendo alguns estudos que abordam a relao entre
emoes e desenvolvimento emocional e as perturbaes de internalizao e
externalizao na criana. O captulo dois dedica-se discusso e reviso de alguns
x
estudos que abordam o desenvolvimento emocional em contexto familiar, destacando o
papel das reaces parentais expresso emocional da criana e a sua relao com o
temperamento e ajustamento da mesma. Aborda-se, igualmente, as implicaes do
conhecimento que tem vindo a ser construdo pela comunidade cientfica para a prtica
clnica, em particular para o desenvolvimento de intervenes de preveno em sade
mental junto de crianas em idade escolar e suas famlias.
Na segunda parte, descrevem-se dois estudos empricos, com amostras
independentes, que pretendem oferecer alguns contributos para o aprofundamento do
conhecimento cientfico sobre o desenvolvimento emocional, da criana em idade
escolar, em contexto familiar. Deste modo, no captulo quatro, discutem-se os
resultados de um estudo de adaptao, para a populao portuguesa, de instrumentos de
avaliao do temperamento e das reaces parentais expresso emocional negativa da
criana, pensando-se na sua utilizao em estudos sobre o temperamento e socializao
emocional na famlia, bem como na avaliao de programas de interveno preventiva.
Discutem-se ainda os resultados e implicaes, para a investigao e prtica, da
construo e estudo das propriedades psicomtricas de um novo instrumento de
avaliao das estratgias parentais de confronto com a expresso emocional positiva da
criana e de um instrumento de avaliao de sintomas externalizadores na criana em
idade escolar. O captulo cinco dedicado descrio e discusso dos resultados de um
estudo exploratrio acerca da relao entre as estratgias parentais perante as emoes
negativas e positivas da criana, bem como das mesmas estratgias ante diferentes
agrupamentos emocionais especficos com a emocionalidade temperamental, regulao
emocional e sintomas de externalizao e internalizao em idade escolar. Os resultados
deste estudo so discutidos atendendo s implicaes para o desenvolvimento de
intervenes de preveno em meio familiar e a linhas de orientao para investigaes
futuras.
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 11
PARTE I- ENQUADRAMENTO TERICO E EMPRICO DA
PROBLEMTICA DAS EMOES NO PERODO ESCOLAR
CAPTULO 1- DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL E (IN)ADAPTAO NA
INFNCIA
1. Teorias das emoes: um primeiro enquadramento
As emoes so alvo do estudo e interesse humano e cientfico desde h longa
data, em diferentes reas do saber. A Filosofia, por exemplo, h muito que demonstra
interesse no seu estudo (Solomon, 2004; Strongman, 1996) e na definio das suas
contribuies para o desenrolar da vida humana e mecanismos de construo do
conhecimento. A Antropologia, por seu lado, tem estudado a ligao entre as emoes e
a dimenso cultural das sociedades e a Histria tem desenvolvido esforos no sentido de
descrever o curso do interesse pelas emoes, enquanto que a sociologia se tem
preocupado em perceber a relao entre o funcionamento emocional e a pertena a
grupos sociais (Kemper, 2004).
Na rea das cincias da vida o papel bsico e adaptativo das emoes no
desenvolvimento humano h muito que realado, tendo sido mesmo mencionado por
Darwin na formulao da sua teoria da evoluo das espcies (cf. Oatley & Jenkins,
1996).
Tambm as neurocincias tm demonstrado um interesse crescente pelas
emoes e pelos contributos nicos dos sistemas emocionais na caracterizao do
funcionamento humano (e.g. Damsio, 1999, 2003). Deste modo, ao mesmo tempo que
o crebro hoje reconhecido como o centro de comandos fundamental das emoes,
explicando a sua base fisiolgica, comea a ser tambm consensual que afectado e
alterado ao longo do desenvolvimento pelas diferentes experincias e acontecimentos de
vida, bem como pelo desenvolvimento emocional do indivduo (Shore, 1994). De facto,
no s diferentes reas cerebrais, de que so exemplo vrias zonas do crtex como o
pr-frontal ventro-medial, orbitofrontal, anterior cingulado e insular, a amgdala ou o
hipocampo (Davidson, 2000) parecem ser responsveis pelas manifestaes emocionais
do indivduo, como as emoes, em contrapartida, interferem com o desenvolvimento
cerebral, operando como um organizador central (Siegel, 1999, p.4). O
desenvolvimento emocional e os circuitos cerebrais das emoes tm sido mesmo
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 12
apontados como mecanismos que evidenciam bastante bem a plasticidade e capacidade
de transformao do crebro (Davidson, 2000; Davidson, Jackson & Kalin, 2000).
Na psicologia tm sido desenvolvidos vrios modelos das emoes e do
desenvolvimento emocional, sendo comum a praticamente todas as teorias actuais o
reconhecimento da funo adaptativa das emoes no desenvolvimento humano.
Mas a que nos referimos quando falamos de emoes? No dia-a-dia comum
ouvirmos as pessoas falarem do que sentem, do que as faz emocionar-se, de como
acham que os outros se esto a sentir, de como acordaram com uma sensao estranha,
ou de como sentem um n na garganta de que no se conseguem livrar. Estaremos a
falar sempre de emoes em todas estas experincias? As emoes so uma rea to
central da vida humana e esto to embrenhadas no discurso corrente que todos
assumimos saber o que so emoes, sem termos necessidade de as definirmos para nos
fazermos entender. Mas se o cidado comum no necessita, na maioria das ocasies, de
definir o que uma emoo para comunicar eficazmente, o mesmo no acontece a nvel
cientfico, sendo necessrio procurar construir uma plataforma conceptual a partir da
qual os investigadores possam discutir os seus estudos.
Mesmo assim, e ainda que o papel central das emoes no funcionamento
psicolgico humano parea ser assumido por vrios autores, nem sempre a sua definio
clara ou consensual, variando consoante o nfase dado pelas diferentes teorias s suas
funes especficas e componentes (Fridja, 2004), ao peso de factores genticos,
constitucionais, ambientais e relacionais, ou mesmo sua relao com outros sistemas
como o cognitivo, lingustico ou motor. Por tudo isto no raro verificar-se alguma
confuso terminolgica entre sentimentos e emoes, dois termos que podem significar
processos relacionados, mas distintos, e que so frequentemente usados de forma
equivalente levando-nos a no sabermos exactamente o que est a ser estudado quando
lemos os resultados de um estudo. O estado actual da cincia psicolgica das emoes
necessita de encontrar pontos de convergncia e clarificar o seu objecto de estudo de
modo a que os conhecimentos adquiridos possam ser integrados num todo coerente.
Procuraremos, de seguida, rever algumas das definies oferecidas por alguns
dos autores mais proeminentes no campo de estudo das emoes, apresentando as linhas
mestras das suas propostas.
Segundo Damsio (2003), o sistema neurobiolgico humano est preparado para
lidar com os desafios da adaptao, apetrechando-se com sistemas de diferentes
complexidades que so integrados de forma hierrquica. Nos nveis mais primitivos de
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 13
regulao da vida encontramos os processos metablicos, os reflexos bsicos e o
funcionamento do sistema imunitrio, para num nvel seguinte podermos falar de
comportamentos associados dor e ao prazer e num estdio um pouco mais complexo
de motivaes e instintos. Seria em nveis superiores de organizao que
encontraramos, por ordem de complexidade, as emoes genunas (Damsio, 2003,
p. 28) e os sentimentos. Damsio fala de emoes como aces ou movimentos, muitos
deles pblicos, visveis para os outros na medida em que ocorrem na face, na voz, em
comportamentos especficos (Ib.). De acordo com esta perspectiva, de fundamento
neurobiolgico, uma emoo activada como reaco automtica a um estmulo
emocionalmente competente (Ib., p.53) e caracterizada por um conjunto de reaces
qumicas e neuronais especficas, o que advoga a favor da teoria das emoes discretas
de que falaremos adiante. A activao de uma emoo, tendo como objectivo a
preparao do organismo para se adaptar e para atingir nveis de bem-estar satisfatrios,
tem consequncias imediatas na alterao do estado corporal e nas estruturas cerebrais a
que corresponde. Algumas das componentes das emoes, ou a sua vertente expressiva,
so visveis e observveis facilmente a olho nu, enquanto que outras, como as
manifestaes psicofisiolgicas, seriam mais difceis de detectar. De acordo com o autor
poderamos falar de algumas emoes bsicas como o medo, a raiva, a surpresa, a
tristeza, a felicidade ou a averso/repugnncia, caracterizadas por uma programao
inata, e de emoes algo mais complexas, designadas de emoes sociais, de que so
exemplo a simpatia, o embarao, a vergonha, a culpa, o orgulho, a inveja, a gratido, a
admirao e o desprezo. num ltimo nvel superior de organizao que Damsio
coloca os sentimentos, definindo-os como a percepo de um certo estado corporal
juntamente com a percepo de um certo modo de pensar e de pensamentos com
determinados temas (Ib., p. 86).
Muitas das perspectivas psicolgicas das emoes apresentam pontos de
convergncia com o modelo de Damsio, mas encontramos mais explicitamente outras
componentes e a adio de diferentes tonalidades na definio de emoo e,
principalmente, das suas funes.
O modelo de Gray (1987), de teor mais comportamental, define emoes como
estados internos provocados por acontecimentos externos ao organismo, por
contingncias. A emoo organizar-se-ia governada por trs sistemas distintos baseados
na relao entre estmulos ou reforos positivos e negativos e respostas: o Sistema de
Abordagem/Aproximao (com predomnio do estmulo reforador para a recompensa
ou no punio), o Sistema de Inibio Comportamental (em que predomina o estmulo
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 14
condicionado para a punio ou no recompensa) e o Sistema de Luta ou Fuga (em que
prevalece a punio incondicional ou a no recompensa).
Gross (1998), por seu lado, fala-nos de, pelo menos, trs componentes-chave da
emoo, designadamente a expresso comportamental, a experincia subjectiva e as
respostas fisiolgicas perifricas, componentes estas estudadas em diversos modelos. A
componente expressiva das emoes, a que Darwin (1872) reconheceu funes de
comunicao social e regulao das experincias emocionais, tem sido atribuda ao
funcionamento de regies cerebrais distintas responsveis por diferentes expresses
faciais, tidas como universais e assumidas por alguns autores como marcadores
importantes da presena e activao de uma emoo (e.g. Keltner & Ekman, 2004).
Tambm Silvian Tomkins (1962, 1963), nos anos 60, defendeu que activao
das emoes estaria dependente da activao de clulas do sistema nervoso central. O
seu modelo defende a existncia de emoes inatas, admitindo, no entanto, influncias
do ambiente e do processo de aprendizagem no funcionamento do sistema emocional.
Tomkins apontou a existncia de oito emoes bsicas: gozo/alegria, surpresa,
perturbao/angstia, raiva, vergonha/humilhao e medo/terror. As emoes variariam
de intensidade consoante a fora da taxa de disparo das clulas nervosas. Tomkins falou
ainda de quatro tipos de organizaes emocionais, ou teorias do afecto, como lhe
chamou (Tomkins, 1962/1963), que definiriam diferenas individuais ao nvel da
experincia emocional. As organizaes emocionais monopolistas caracterizar-se-iam
pelo domnio de uma emoo sobre as outras, enquanto que nas organizaes intrusivas
uma emoo, com menos peso na personalidade do indivduo, emergiria insistentemente
em contextos especficos. Indivduos com organizaes competitivas apresentariam uma
emoo em constante competio com outra componente, influenciando a leitura da
realidade. Por fim, as organizaes integradoras caracterizariam indivduos com uma
personalidade equilibrada, em que nenhuma emoo tendia a predominar.
A Teoria das Emoes Diferenciais (TED) de Carroll Izard dos modelos de
emoes mais proeminentes no campo de investigao psicolgica das emoes,
destacando-se por sublinhar o carcter inato das emoes, as suas funes motivacionais
bsicas (Izard & Ackerman, 2004; Izard e col. 2002; Izard 2002) e a relao prxima
entre emoes e personalidade (Abe & Izard, 1999). Pressupe, semelhana de outros
modelos, trs nveis bsicos ou componentes das emoes nomeadamente, uma
dimenso neuronal, expressiva e experiencial. De acordo com esta teoria, as emoes
so pr-programadas, ainda que sejam admitidas algumas influncias ambientais (Abe
& Izard, 1999b), e formam um sistema independente de outros sistemas, como o
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 15
cognitivo. , no entanto, postulado que ao longo do desenvolvimento os diferentes
sistemas, ainda que independentes, vo estabelecendo diferentes ligaes entre si. A
Teoria das Emoes Diferenciais assume a existncia de vrias emoes bsicas, com
caractersticas distintas, defendendo que os sistemas emocionais podem operar de modo
independente do processamento cerebral cortical e contribuir para a organizao da
percepo, cognio e comportamento (Izard & Ackerman, 2004; Izard e col. 2002). A
vertente comunicativa das emoes, nomeadamente as expresses faciais, tambm
estudada de forma aprofundada nesta teoria (Sroufe, 1995; Abe & Izard, 1999).
De entre as emoes bsicas propostas na TED constam o interesse, a satisfao,
a surpresa, a tristeza, a raiva, a averso, o contentamento, o medo, a vergonha e a
timidez (Izard, 1972, 1977, 1991), cada uma com efeitos distintos no sistema cognitivo
e comportamental (Izard e col. 2002), activadas quer por informao advinda do prprio
organismo, ou informao sensorial como a sensao de dor, quer pelas expresses
faciais, por acontecimentos neuronais e bioqumicos, como a mudana de temperatura
sangunea cerebral, ou ainda por processos cognitivos (Izard & Harris, 1995). Como se
v, para esta perspectiva, a activao emocional pode ocorrer de diferentes formas e no
est necessariamente dependente da cognio.
Posies diferentes apresentam autores de linhas mais cognitivistas como
Lazarus (Lazarus, 1991) para os quais a componente de avaliao cognitiva de um
estmulo, que desencadeia respostas emocionais, central. Outros, como Fridja,
valorizam igualmente a componente avaliativa e definem as emoes como mudanas
na tendncia ou prontido para aco (Fridja, 2004, p. 63).
Michael Lewis um dos autores que refuta a defesa de emoes inatas
destacando, ao invs, os processos desenvolvimentais e a relao entre a diferenciao
progressiva de estados emocionais com a maturao dos sistemas neurolgicos, o
desenvolvimento cognitivo e com os processos de socializao (Strongman, 1996), bem
como o desenvolvimento do self (Saarni, 1999). Para Lewis, quando se fala de emoo
tem que se referir um conjunto complexo de acontecimentos desencadeadores,
comportamentos, estados e experincias (Lewis, 2004). Segundo o autor, os
desencadeadores das emoes correspondem aos estmulos internos e externos capazes
de despoletarem mudanas no estado do organismo e, no negando o desempenho de
processos automticos, o autor salienta o papel da aprendizagem neste processo,
enquanto que os estados emocionais, por seu lado, so apresentados como constelaes
de mudanas na actividade somtica e/ou neurofisiolgica (Lewis, 2004, p. 267),
alegando-se que so despoletados prioritariamente por processos cognitivos (ainda que
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 16
no seja descartada a possibilidade de os estados emocionais no existirem por si s e
de se poder falar antes de processos cognitivos que levam a emoes especficas). De
acordo com esta posio, os estados emocionais desenvolvem-se ao longo da vida
partindo de uma condio de relativa indiferenciao e de dois estados base, positivo ou
negativo, para uma progressiva diferenciao com base na activao emocional, e
portanto nas experincias do indivduo. Tambm em relao expresso emocional
Lewis salienta o contributo dos processos de socializao, afirmando no poder ser
peremptoriamente afirmada uma relao directa entre expresso emocional e emoo
experienciada. A terceira grande componente das emoes a que o autor se refere diz
respeito experincia emocional. aqui fortemente evidenciado o cunho cognitivo do
seu modelo e a nfase na interpretao e avaliao pelo indivduo dos seus estados
emocionais e expresses percebidas (Lewis, 2004, p. 272). Segundo Lewis, esta
avaliao altamente dependente do sentido de self construdo e dos processos de
socializao.
Adoptando uma linha clnica desenvolvimental Bowlby (1969, 1973, 1980,
1988) foi dos primeiros a chamar a ateno para o papel relacional e adaptativo das
emoes na procura de segurana e na luta pela sobrevivncia do indivduo e a salientar
a funo da expresso emocional como mecanismo de regulao das relaes entre o
prestador de cuidados e beb, e o seu papel na consequente construo do self e no
ajustamento do indivduo. Na sequncia das formulaes de Bowlby, vrios autores tm
estudado as emoes privilegiando um enfoque relacional.
Para Sroufe, a emoo vista como uma reaco subjectiva a um acontecimento
saliente, caracterizada por mudanas fisiolgicas, experienciais e no comportamento
aberto (Sroufe, 1995, p. 15) melhor entendida como um processo dinmico e um
sistema organizado ao redor de componentes interdependentes que, ao longo do
desenvolvimento, vo dando lugar a diferenas individuais na forma de experienciar e
abordar as emoes. Privilegiando a referida perspectiva relacional aqui defendido que
cada emoo tem um papel prprio e um significado relacional nico. Segundo o autor,
que tem estudado aprofundadamente o desenvolvimento emocional nos primeiros anos
de vida, as funes das emoes passam pela comunicao com os outros significativos
acerca dos estados internos do indivduo, pela promoo de competncias para
explorao do meio ambiente e pela preparao do organismo para responder de modo
adaptativo em situaes de crise ou emergncia.
A noo de emoo, encarada como processo, comum a vrios autores, entre
os quais Cole, Martin e Dennis (2004) para quem as emoes, determinadas
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 17
biologicamente, preparam o indivduo para a aco. Os autores partilham algo da
posio de Fridja definindo emoes como estados de prontido avaliao-aco (p.
320).
Outros modelos, frequentemente apelidados de funcionalistas, salientam
igualmente a dimenso relacional e a vertente de interaco do indivduo com o seu
ambiente, sublinhando o carcter funcional das emoes nestas transaces.
Dispensando a discusso acerca da existncia ou no de emoes bsicas, os tericos
funcionalistas atribuem um peso maior dimenso de construo de significado (e.g.
Campos, Campos & Barrett, 1989; Campos, Frankel & Camras, 2004; Saarni, Mumme
& Campos, 1998). O revestimento funcionalista destas perspectivas advm do seu
enfoque na aco e nas consequncias dos estados emocionais (Saarni, Mumme &
Campos, 1998) em termos de aco. As emoes, processos que aqui se assumem como
estabelecendo ligaes prximas com os sistemas cognitivos, perceptivos e auto-
regulatrios, so definidas como a tentativa da pessoa ou prontido para estabelecer,
manter ou alterar a relao entre a pessoa e o ambiente em questes significativas para
essa pessoa (Ib., p. 238). Para estas formulaes os significados que o indivduo atribui
aos acontecimentos, intrinsecamente relacionados com os processos emocionais, advm
no s dos objectivos da pessoa num determinado momento, mas tambm das sensaes
de dor ou prazer experienciadas, das caractersticas da comunicao emocional, das
reaces expressivas despoletadas no seio das relaes e ainda das caractersticas de
experincias passadas que condicionam o posicionamento do indivduo perante um
determinado evento. A posio funcionalista fala ainda da relao entre sentimentos e
emoes alegando que os primeiros emergem da avaliao que o indivduo faz das
situaes e das emoes, da avaliao dos comandos motores centrais orientados para
um objectivo, da avaliao das sensaes corporais e da percepo directa das
expresses emocionais na face, voz e gestos dos outros (Ib.).
Saarni (1999), baseada em grande parte no trabalho de Lewis e Michalson,
descreve cinco componentes essenciais das emoes. Menciona, por um lado, as
circunstncias que precedem a experincia de uma emoo, ou se quisermos os
desencadeadores emocionais, sublinhando o papel da socializao das emoes neste
campo e do contexto especfico em que as emoes so activadas e, por outro, de todas
as estruturas de componente biolgica, baseadas nos sentidos ou variveis
temperamentais, que operam como receptores emocionais e nos permitem reagir a um
determinado estmulo. Para a autora, com base nestas duas primeiras componentes, os
desencadeadores e os receptores emocionais, que emergem as mudanas corporais e
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 18
neurofisiolgicas que definem os estados emocionais e do lugar experincia
emocional do indivduo, uma componente, de acordo com a autora, mais dependente da
linguagem e do desenvolvimento cognitivo. A ltima componente, segundo Saarni,
sofre tambm grandes influncias dos processos de socializao e das normas
interiorizadas e refere-se expresso e aos diferentes modos de expresso emocional.
Numa tentativa de integrar perspectivas aparentemente divergentes acerca da
natureza social versus inata das emoes, alguns autores defendem poder falar-se de
algumas emoes bsicas inatas, como a felicidade, tristeza, raiva ou medo e de
emoes mais complexas, dependentes da cultura e dos processos sociais de construo
de significados, como o orgulho, a vergonha, a indignao ou a culpa/remorso
(Johnson-Laird & Oatley, 2004). A relao entre emoes bsicas e influncias culturais
encontra um bom enquadramento quando se ponderam as circunstncias em que uma
emoo bsica activada, um processo, segundo os autores, amplamente dependente da
avaliao cognitiva e atribuio de um significado definido nas experincias e
interaces sociais. Nesta linha de pensamento, Oatley e Jenkins (1996) propem que a
emoo despoletada por uma avaliao consciente ou inconsciente de um
acontecimento e que a valncia da emoo despoletada seria definida pela avaliao que
o indivduo desenvolve sobre as probabilidades de conseguir alcanar os seus objectivos
num determinado momento. A noo de emoo como uma tendncia e estado de
prontido para a aco tambm ponderada numa definio de trabalho de emoo que
os autores propem, sublinhando que as emoes so experienciadas como estados
mentais distintos e que reflectem mudanas corporais, expresses e comportamentos
especficos. Aos padres de avaliao e de resposta a um estmulo Jenkins e Oatley
(1998, p. 46) chamam esquemas emocionais.
2. Caractersticas das emoes negativas e positivas
O debate acerca das caractersticas das emoes e a procura de definies que
desenhem fronteiras claras com outros fenmenos psicolgicos e sociais fez-se
acompanhar de vrias tentativas de diferenciar emoes e de clarificar as suas
caractersticas, funes e tendncias de aco. Ainda que as diferentes perspectivas
variem no peso que atribuem s diferentes componentes emocionais, ao carcter mais
inato ou aprendido, interno ou relacional das emoes, relativamente aceite que os
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 19
fenmenos emocionais tm processos de base que explicam a sua emergncia,
expresso e funes. H igualmente acordo de que as emoes no tm todas
exactamente as mesmas caractersticas e que existem alguns traos distintivos que as
permitem categorizar. Procuramos de seguida sintetizar e integrar os contributos das
diferentes perspectivas para uma viso mais completa do fenmeno das emoes e uma
melhor compreenso de cada grande agrupamento emocional.
Neste sentido, apresentaremos de seguida um resumo das caractersticas de
algumas das emoes mais estudadas, negativas e positivas, partindo da reviso da
literatura e em particular dos contributos de Saarni, Mumme e Campos (1998), Oatley e
Jenkins (1996), Izard e col. (2002), Izard e Ackerman (2004), Lewis (2004b) e Rozin e
col. (2004). Centramo-nos essencialmente nas funes e objectivos das diferentes
emoes, no tipo de aces que tendem a desencadear, na apreciao que o indivduo
faz do estmulo com relao ao seu self e no impacto relacional da expresso emocional.
Relativamente s emoes negativas, o medo certamente uma das emoes
mais estudadas. O seu objectivo e funo principal parece ser o de proteger a
integridade fsica e psicolgica do indivduo motivando-o para se libertar ou fugir de
situaes potencialmente ameaadoras. Alguns autores defendem que a activao do
medo implica que o self percepcione algum tipo de ameaa. Uma vez activada, a
principal tendncia de aco associada a esta emoo parece ser a fuga ou retirada,
enquanto que a sua expresso pode despoletar comportamentos de proteco por parte
dos outros. Durante a activao do medo o indivduo tende a ter toda a sua ateno
concentrada no estmulo ameaador e na necessidade de se proteger, pelo que h um
estreitamento ou uma relativa limitao dos processos atencionais e comportamentos do
indivduo.
Outra das emoes mais estudadas a raiva, cujo grande objectivo parece ser a
persecuo de um objectivo atravs da mobilizao de uma grande quantidade de
energia e esforos para o alcance desse objectivo. Na raiva h uma tendncia para a
aco em frente, um movimento impulsionador no sentido de se conquistar o desejado.
comum o indivduo percepcionar algum tipo de obstculo ou entrave persecuo dos
seus objectivos para a raiva ser activada. Quando tal acontece, h tendncia para se
verificar uma grande activao motora. Embora possa estar associada com a agresso, a
raiva est tambm associada ao estabelecimento de uma posio de dominncia numa
relao e mesmo preveno de comportamentos agressivos quando funciona como um
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 20
sinal regulador para a forma como as relaes esto a ser estabelecidas, podendo
permitir alterar os seus padres de funcionamento.
Se a raiva tende a ser uma emoo caracterizada por grande activao motora, a
activao da tristeza tende a estar associada a uma inibio e um abrandamento da
actividade cognitiva, podendo reflectir-se em retiradas passivas ou estagnao. O
objectivo da tristeza pode ser o de assinalar que um objectivo ou um estado que se
desejava alcanar no foi atingido, ou funcionar como sinalizador da existncia de
algum problema que envolve o indivduo. O self tende a percepcionar algum tipo de
fracasso ou impedimento para a activao da tristeza. Esta emoo pode levar o sujeito
a avaliar as fontes de problemas, a procurar suporte social e a favorecer o estreitamento
das relaes com os outros, na medida em que se podem desencadear nestes
comportamentos de ajuda. A tristeza aparenta ser uma emoo chave para o
desenvolvimento da capacidade de empatia, provavelmente porque a inibio
comportamental e a lentificao que a acompanham favorecem e do espao para que o
indivduo se coloque na perspectiva do outro.
Outras emoes negativas, como a vergonha, tendem a ter um carcter mais
social. A vergonha implica, normalmente, uma avaliao negativa do self de si mesmo e
a sua principal funo parece ser a preservao do respeito e apreo do indivduo por si
prprio, chamando a ateno para as suas falhas e os pontos em que pode tentar
melhorar e evoluir. Esta emoo pode assumir funes relevantes na regulao das
relaes e na interiorizao e adopo de padres e normas sociais, na medida em que
tende a promover a conformidade social e a aceitao das responsabilidades pelos actos
pessoais.
Tambm a culpa tem um cariz predominante social, ajudando o indivduo a
procurar atingir os padres de comportamento estabelecidos numa relao ou sociedade.
A activao desta emoo pode conduzir o indivduo a desenvolver esforos para
reparar os seus erros ou desvios dos padres socialmente estabelecidos, a corrigir-se ou
desculpar-se perante os outros. A acompanhar a culpa est normalmente a percepo do
indivduo de que pode ter cometido um erro ou violado alguma regra importante.
Por seu lado, a averso, uma outra emoo negativa, tende a estar na base do
afastamento, remetendo o indivduo para longe de objectos ou pessoas potencialmente
perigosas. Em termos relacionais e sociais pode contribuir para a manuteno da ordem
social.
Quando se pensa em emoes positivas, normalmente a alegria ou felicidade,
destacam-se de imediato. Estas emoes tendem a favorecer uma maior abertura do
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 21
indivduo s experincias que o rodeiam. Atravs das expresses de alegria as pessoas
podem comunicar abertura no relacionamento com os outros e alimentar uma maior
aproximao. A alegria, por norma, recompensa os esforos do indivduo e as suas
conquistas, facilita a resoluo de problemas e a criatividade e tende a amortecer os
efeitos do stress.
Relativamente ao interesse, uma outra emoo positiva, a tendncia de aco
que se destaca a explorao do ambiente fsico e social que rodeia o indivduo,
necessria ao seu desenvolvimento. A activao de processos de ateno selectiva, que
caracteriza o interesse, pode direccionar e facilitar a explorao do meio em que o
sujeito se encontra ou direccion-lo para outros contextos.
O orgulho pode ser considerado uma emoo social positiva que tem como
principal objectivo ou funo a manuteno do respeito e valor prprio e que assenta
numa avaliao positiva que o indivduo faz de si mesmo. Aquando da sua activao
verificam-se tendncias para a elaborao de movimentos voltados para fora do
indivduo e o reforo das aces desenvolvidas.
Foram descritas as emoes que tm sido mais estudadas. Podemos dividi-las
em emoes negativas e positivas, podendo-se facilmente constatar que o rol das
emoes positivas mais restrito do que o das emoes negativas. Na realidade, a
investigao tem-se dedicado muito mais ao estudo das emoes negativas que das
emoes positivas (Strongman, 1996), ainda que, recentemente, o estudo das emoes
positivas tenha sofrido um novo impulso, muito na sequncia dos trabalhos
desenvolvimento no campo da Psicologia Positiva (Seligman & Csikszentmihalyi,
2000).
Formulaes recentes sobre as caractersticas e funes das emoes positivas
tm salientado a inadequao da transposio da leitura utilizada para analisar as
emoes negativas para as positivas. O trabalho de Fredrickson (Fredrickson, 2001,
2000; Fredrickson e col. 2000) nesta rea particularmente saliente e significativo. A
investigadora defende que quando se fala de tendncias de aco aplicadas s emoes
positivas fica-se com a sensao de estas tendncias serem muito mais vagas, difusas e
inespecficas do que as das emoes negativas. Repare-se alis na descrio acima
elaborada das caractersticas de umas e outras emoes. Fredrickson defende que as
emoes positivas so distintas, ainda que complementares, das emoes negativas e
que apresentam mesmo manifestaes psicofisiolgicas bastante diferentes,
caracterizando-se, por exemplo, pela falta de reactividade autonmica (Fredrickson e
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 22
col. 2000) que define as emoes negativas ou por uma relao privilegiada com a
resilincia-trao do indivduo, em detrimento das emoes negativas que no parecem
ter uma relao directa (e.g. Tugade & Fredrickson, 2004). A autora tem vindo a
desenvolver um modelo distinto de explicao da actuao das emoes positivas
denominado expandir e construir (broaden-and-build, Fredrickson, 2000, 2001),
onde inclui o estudo de emoes como a alegria, o interesse, o orgulho, o contentamento
ou o amor. Esta teoria postula que as emoes positivas, ainda que tenham traos
distintivos entre si parecem ter em comum a capacidade de expandir os repertrios
momentneos pensamento-aco das pessoas e construir recursos duradouros, desde
recursos fsicos a recursos sociais e psicolgicos (Fredrickson, 2001, p. 219). De
modo geral, e ao contrrio das emoes negativas que tendem a restringir os
comportamentos das pessoas, direccionando-as para actuaes muito especficas, as
emoes positivas teriam a qualidade de alargar a abertura das pessoas s experincias
que as rodeiam e a manifestar os seus efeitos a longo prazo, pelo desenvolvimento de
competncias e recursos pessoais que fortalecem o indivduo e o preparam para mais
eficazmente lidar com os desafios da adaptao. As competncias assim desenvolvidas
teriam um carcter duradouro e persistente. Sabendo-se que no desenvolvimento a
competncia precoce tende a gerar competncia posterior (Cicchetti & Cohen, 1995,
p.6) e assumindo que as emoes positivas facilitam o envolvimento do indivduo em
actividades que podem enriquecer os seus recursos pessoais, faz sentido assumirmos a
posio da autora e aceitar os efeitos a longo prazo das emoes positivas. Alm disso,
Fredrickson tem conseguido reunir dados preliminares de algumas investigaes que
suportam o seu modelo e que demonstram que indivduos mais propensos a emoes
positivas tendem a ser mais criativos, mais flexveis, resilientes e mais capazes de
gerarem mltiplas formas de lidar com um problema e ainda de que as emoes
positivas parecem conseguir anular os efeitos das emoes negativas, nomeadamente a
nvel cardiovascular (Fredrickson, 2001, 2000; Fredrickson e col. 2000; Tugade &
Fredrickson, 2004). Estudos anteriores, nomeadamente o trabalho de Alice Isen a partir
dos anos 70, tinham j demonstrado o impacto das emoes positivas na organizao,
flexibilidade cognitiva e num processo de tomada de deciso mais capaz (Isen, 2004).
Mas a investigao sobre as emoes positivas escassa e est a dar os primeiros
passos, pelos que os dados disponveis so ainda limitados.
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 23
3. Emoes e regulao emocional
Falar de emoo e desenvolvimento emocional na criana conduz-nos, quase
inevitavelmente, a falar de um conceito muito prximo, ou, segundo alguns, mesmo
intrnseco prpria emoo (Hoeskma, Oosterlaan & Shipper, 2004) e largamente
abordado na literatura destes ltimos anos: a regulao emocional. Se as emoes so
activadas com consequncias no comportamento do indivduo, se so definidas por
mudanas nos estados fisiolgicos e nas tendncias de aco, como que so reguladas,
direccionadas e moldadas estas manifestaes, e quais as consequncias? Foi um pouco
este o trajecto que a investigao percorreu e estas as questes a que procurou
responder. Depois de terem comeado a perceber em que consistiam as emoes e quais
as suas funes e componentes, os investigadores comearam a questionar-se acerca de
como os indivduos geriam as suas emoes e os fenmenos subjacentes. O termo
regulao emocional comea a ser utilizado por volta dos anos 80 (Gross, 1999) mas,
novamente, se verificou uma grande confuso e excessiva abrangncia de aplicao do
conceito, com muitos estudos a dispensarem uma definio clara e precisa do fenmeno
que pretendiam estudar (Bridges, Denham & Ganiban, 2004; Cole, Martin & Dennis,
2004). Recentemente, tendo em vista uma maior preciso e clareza dos dados, os
investigadores tm feito vrias tentativas de clarificar o conceito e de esclarecer os
mecanismos implicados na regulao das emoes.
Segundo Koop (1989), pode falar-se de regulao a vrios nveis. Os nveis mais
bsicos incluiriam estratgias biologicamente programadas, tpicas da espcie humana.
Num segundo nvel, a regulao emocional poderia ser conseguida pelo recurso a
estratgias cognitivas bsicas e de aprendizagem essencialmente associativa, para num
nvel de complexidade superior se poder falar da utilizao de estratgias de
planeamento, orientadas para objectivos e largamente assentes na capacidade de
utilizao da linguagem.
Para Bridges, Denham e Ganiban (2004) o cerne da regulao emocional est na
flexibilidade e capacidade de o indivduo se conseguir ajustar s circunstncias do
momento pela modulao das suas emoes e envolve a iniciao ou manuteno de
estados emocionais positivos tal como a diminuio dos negativos.
Do mesmo modo, autores como Gross (1999) acentuam que a regulao
emocional pode envolver a diminuio das emoes negativas em circunstncias em
que determinada emoo deixa de ser til, quando activada desnecessariamente por
estmulos enganosos ou quando surge conflito entre diferentes tendncias de aco
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 24
despoletadas. Por outro lado, Gross afirma que a regulao emocional tambm til
para a activao das emoes ou para aumentar a sua intensidade quando necessrio
impulsionar algum comportamento, visto que a emoo funciona como fora activadora
da aco, ou ainda quando necessrio substituir experincias emocionais que se
revelam desajustadas. De qualquer forma, a regulao emocional parece implicar
mudana seja na componente experiencial, comportamental ou nas manifestaes
fisiolgicas das emoes.
A noo de mudana perpassa vrias definies de regulao emocional. Cole,
Martin e Dennis (2004) consideram que est associada a mudanas na natureza da
emoo, na sua intensidade e na durao e afirmam poder falar-se de dois tipos de
regulao: aquela em que a prpria emoo que est a ser alvo de mudana e aquela
em que a emoo parece regular outros processos (cognitivos, comportamentais,
relacionais) defendendo que, nesta ltima situao, a emoo no deixa de estar a ser
tambm regulada. Relativamente regulao pela emoo, os autores, semelhana de
Garber e Dodge (1991), falam de processos de regulao intradomnio (aspectos das
emoes que afectam outras componentes das emoes) e interdomnio (quando as
respostas emocionais influenciam outros sistemas, como as respostas ou relaes sociais
regulando-as). Tambm na regulao da emoo esta distino aplicada, referindo-se
ora a mudanas que ocorrem dentro do indivduo ora a mudanas que ocorrem entre
indivduos e que contribuem para a regulao das emoes a nvel individual.
Para outros autores bem claro que a distino entre emoo e regulao
emocional apenas terica e deve ser elaborada somente com o objectivo de facilitar os
procedimentos de investigao. Campos, Frankel e Camras (2004) afirmam que emoo
e regulao emocional andam de mos dadas e contrariam a posio frequente de
perceber a regulao emocional como fenmeno que se segue activao emocional,
defendendo, pelo contrrio, que a regulao pode ser concomitante activao
emocional ou mesmo preced-la, por exemplo, pelo evitamento ou procura de situaes
potencialmente activadoras de emoes, fenmeno designado de nichepicking (Ib. p.
381).
A regulao emocional , assim, distinta do controlo das emoes, na medida em
que o controlo implica restrio ou inibio e a regulao definida pela modulao
(Southam-Gerow & Kendall, 2002; Saarni, Mumme & Campos, 1998).
Garber, Braafladt e Zeman (1991) descrevem, numa ptica cognitivista e
baseados nas teorias de processamento da informao, uma srie de competncias
implicadas num processo de regulao emocional eficaz, nomeadamente o
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 25
reconhecimento da activao de uma emoo e da necessidade de a regular, uma
interpretao do que pode ter provocado a activao emocional e a criao de vrias
respostas possveis, seguida de uma avaliao da possvel eficcia dessas respostas e por
fim da implementao da resposta escolhida, ou tomada de deciso. Neste processo, a
regulao pode envolver a utilizao da cognio e o recurso a diversas estratgias
centradas no indivduo ou nas relaes e nos outros (Garber, Braafladt & Weiss, 1995).
Para Thomson (1994), a regulao das emoes pode ser conseguida de
diferentes formas, entre elas a gesto de respostas e comportamentos, a induo de
alteraes neurofisiolgicas, a alterao e controlo dos processos atencionais e
atribuies cognitivas ou pelo acesso a diferentes recursos de coping.
Saarni, Mumme e Campos (1998), salientam o papel das circunstncias
contextuais e relacionais e o seu papel regulador das emoes reforando, no s a
funo da regulao como condio para um adequado funcionamento social, como o
potencial regulador das relaes. Para alm dos contributos da ateno e do
temperamento, sublinham ainda a necessidade de se terem em conta as diferentes
componentes das emoes (fisiolgica, expressiva, e experincia subjectiva) e
enquadram-nas nas dimenses a regular.
Recentemente, Eisenberg e Spinrad (2004), numa tentativa de contriburem para
a clarificao do conceito de regulao emocional defenderam, tal como outros, a
necessidade de se distinguir entre emoo reguladora e emoo regulada. No entanto,
afirmam que a noo de regulao emocional deve ser reservada regulao das
emoes e no regulao de outros sistemas pelas emoes. Da mesma forma, alegam
ser clarificador separar a auto-regulao iniciada pela criana de tentativas de regulao
iniciadas externamente criana, por exemplo por um adulto. Uma terceira distino
pertinente respeita ao carcter intencional versus o carcter no voluntrio das tentativas
de regulao das emoes. Os autores defendem fazer mais sentido falar de regulao
emocional enquanto processo intencional e consciente.
Parece-nos particularmente elucidativa e completa a definio, que nos guiar
doravante, de auto-regulao relacionada com emoes, avanada por estes autores,
pelo que terminamos esta breve introduo ao tema com a definio oferecida e que
operacionaliza a regulao emocional como o processo de iniciar, evitar, inibir,
manter ou modular a ocorrncia, forma, intensidade ou durao de estados de
sentimentos internos, fisiolgicos, relacionados com emoes, processos atencionais
e/ou concomitantes comportamentais das emoes ao servio de uma adaptao social
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 26
ou biolgica relacionada com o afecto ou atingir objectivos individuais (Eisenberg &
Spinrad, 2004, p. 338).
4.Temperamento e emoes
Uma discusso sobre emoes e regulao emocional estaria incompleta se no
se abordasse o contributo do temperamento na forma como condiciona ou molda a
experincia emocional, a reaco aos estmulos desencadeadores de emoes e a
regulao das diferentes componentes das emoes. Os fundamentos mais
constitucionais da criana funcionam como uma espcie de alicerces, a partir dos quais
a experincia vai sendo construda e o indivduo se vai desenvolvendo, oferecendo
tonalidades de base diferentes nas quais as experincias emocionais se diluem. Se esses
alicerces podem sofrer remodelaes ao longo da vida, moldam em grande parte a
forma das construes que se seguem.
As bases constitucionais do indivduo so, pelo menos em parte, responsveis
pela natureza das experincias emocionais do indivduo, pela velocidade ou intensidade
com que uma emoo activada, pela apresentao da sua expresso fsica e pela
capacidade do indivduo em regular eficazmente as suas emoes, pontuando, deste
modo, diferenas entre indivduos na tonalidade afectiva e na qualidade e
operacionalizao da gesto das emoes, com tradues comportamentais distintas.
O temperamento pode ser deste modo entendido como diferenas individuais
de base constitucional na reactividade emocional, motora e atencional e auto-
regulao (Rothbart & Bates, 1998, p. 109).
A reactividade do indivduo, includa na definio de temperamento, prende-se
com os limiares de activao das emoes e com a natureza e intensidade das respostas,
bem como os tempos de recuperao que se lhes seguem (Rothbart, Ahadi & Hershey,
1994). A incluso da reactividade na definio de temperamento, por parte de Rothbart
e colaboradores, tem subjacente uma definio abrangente que inclui quer questes
muito especficas como a reactividade cardaca, quer componentes mais gerais como a
emocionalidade negativa (Rothbart & Putnam, 2002). Falando de emocionalidade, esta
componente da personalidade do indivduo parece ter que ver com diferenas de base
nos sistemas neuronais que so responsveis pelas emoes negativas e positivas
(Derryberry & Rothbart, 2001). Por outro lado, por auto-regulao entende-se os
processos relacionados com a regulao da reactividade do indivduo, nomeadamente a
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 27
regulao da ateno e dos comportamentos de aproximao ou afastamento,
implicando ainda o controlo inibitrio do comportamento e a capacidade do indivduo
se auto-confortar ou acalmar (Derryberry & Rothbart, 2001). Daqui se percebe o papel
central do temperamento no estudo das emoes, do desenvolvimento emocional e das
diferenas individuais registadas em termos de emocionalidade e regulao emocional.
As caractersticas temperamentais da criana so influenciadas por uma
enormidade de factores, desde os genticos, que lhe conferem o seu carcter
constitucional (Rothbart & Bates, 1998), aos factores de maturao do sistema nervoso
central, desenvolvimentais e de aprendizagem. Embora exista uma tendncia para as
caractersticas temperamentais serem relativamente estveis ao longo do tempo, de tal
modo que diferenas precoces no temperamento podem reflectir-se em diferenas
futuras, em termos de desenvolvimento emocional e da personalidade (Derryberry &
Rothbart, 2001), h desenvolvimento ao longo do tempo (Rothbart & Putnam, 2002).
Sucessivas investigaes nestes ltimos anos procuraram mapear a estrutura do
temperamento desde a infncia idade adulta, descortinando uma srie de dimenses
fundamentais. O temperamento aparece nestes estudos como estando relacionado com
comportamentos de retirada e adaptao mudana, com a irritabilidade do sujeito e os
nveis de raiva e frustrao experienciados, bem como com a emocionalidade positiva,
os nveis de actividade ou ainda de ateno e persistncia (Rothbart & Bates, 1998).
A construo e os estudos desenvolvidos volta do Children Behaviour
Questionnaire (CBQ, Rothbart e col., 2001), destinado a estudar variveis de
temperamento em crianas entre os 3 e o 7 anos, vieram ajudar a definir uma estrutura
do temperamento infantil de crianas em idade pr-escolar e nos primeiros anos de
escolaridade, repetidamente validada em estudos independentes, ao mesmo tempo que
as investigaes do campo das neurocincias foram apresentando o suporte
neurobiolgico das variveis e factores encontrados na investigao mais psicolgica.
O CBQ d conta de trs grandes factores de temperamento nas crianas entre os
3 e os 7 anos. Um primeiro factor, que os autores denominam de
impulsividade/extroverso, est muito relacionado com a afectividade positiva e os
sistemas de abordagem/aproximao descritos por Gray, enquanto que um segundo
factor aparece como mais relacionado com a emocionalidade negativa e um terceiro, de
grande importncia, a que os autores chamaram controlo por esforo (Rothbart, Ahadi
& Hershey, 1994; Rothbart & Bates, 1998; Derryberry & Rothbart, 2001, Rothbart e
col. 2001), com a auto-regulao.
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 28
O primeiro factor, Impulsividade/Extroverso, contm prioritariamente as
escalas de abordagem/aproximao, prazer de elevada intensidade, e a contribuio
negativa da timidez. Este factor tem ainda relao com a antecipao positiva e
riso/sorriso, ou emoes como felicidade (Rothbart e col., 2001) e tende a apresentar
alguma estabilidade durante os anos escolares, embora tambm se registem casos de
dissociao (Derryberry & Rothbart, 2001). Esta dimenso est muito relacionada com
comportamentos de aproximao e abordagem, ou a quantidade de antecipao positiva
e excitao relacionada com a expectativa de actividades agradveis (Rothbart, Ahadi &
Hershey, 1994, Rothbart, 1996), ainda que a aproximao/abordagem tambm contribua
para a emocionalidade negativa e principalmente para a agressividade (Derryberry &
Rothbart, 2001). Deste factor fazem ainda parte comportamentos abrangidos na escala
riso/sorriso, definida como a quantidade de afecto positivo expresso, como resposta
intensidade, taxa, complexidade e incongruncia dos estmulos (Rothbart, 1996). A
investigao tem vindo a demonstrar uma associao entre a actividade neuronal do
hemisfrio esquerdo em particular do crtex pr-frontal esquerdo e a afectividade
positiva e comportamentos de abordagem/aproximao (Derryberry & Rothbart, 2001;
Davidson, Jackson & Kalin, 2000).
Por seu lado, o factor de Emocionalidade Negativa compreende as escalas de
desconforto, medo, raiva/frustrao, tristeza e de forma negativa a capacidade de se
acalmar (Derryberry & Rothbart, 2001). uma dimenso muito relacionada com o
sistema comportamento de luta ou fuga definido por Gray e que tende a responder a
estmulos condicionados que produzem respostas de ansiedade (Derryberry & Rothbart,
2001). A dimenso do medo parece ser particularmente estvel durante os primeiros
anos escolares e da adolescncia assumindo funes inibitrias importantes. no crtex
pr-frontal direito que se parecem encontrar prioritariamente os circuitos cerebrais
associados com comportamentos de retirada e com as emoes negativas (Davidson,
Jackson & Kalin, 2000).
Uma terceira dimenso chamada de Controlo por Esforo, por contraposio
com os processos mais automticos relacionados com a reactividade relacionada com o
medo e no voluntrios (Derryberry & Rothbart, 2001), definida pelo controlo
inibitrio, focagem da ateno, prazer de baixa intensidade e sensibilidade perceptual
(Rothbart e col. 2001). O controlo por esforo pode implicar a capacidade de adiar ou
abrandar a actividade motora, suspender ou iniciar uma actividade, direccionar a
ateno voluntariamente, ou mesmo ser capaz de baixar o tom de voz (Kochanska,
Murray & Harlan, 2000).
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 29
So estes processos regulatrios, para os quais os mecanismos de regulao da
ateno contribuem significativamente, que permitem ao indivduo modular e regular a
sua reactividade (Rothbart & Bates, 1998). A capacidade de controlo por esforo est
largamente dependente do desenvolvimento dos sistemas cerebrais executivos como o
sistema atencional anterior, e em particular, a regio anterior cingulada do lbulo frontal
que permite controlar o sistema posterior de cariz mais reactivo e as tendncias de
aproximao/abordagem, ou ainda de forma mais indirecta a agressividade (Derryberry
& Rothbart, 2001; Hoeskma, Oosterlaan & Schipper, 2004). As medidas de tom vagal
tm permitido avaliar o funcionamento dos sistemas reactivos e as capacidades auto-
regulatrias, associadas ao sistema nervoso parassimptico. (Hoeskma, Oosterlaan &
Schipper, 2004). O controlo por esforo, em particular da ateno, porque permite
mudanas rpidas nas actividades que envolvem reas cerebrais especficas, tem sido
apontado como um dos mecanismos responsveis pela plasticidade cerebral (Posner &
Rothbart, 2000).
Pelo exposto pode-se verificar que a propenso da criana para experienciar
determinado tipo de emoo e a capacidade para a regular eficazmente tm um fundo
fortemente disposicional que deve ser levado em considerao quando se estudam as
emoes nas crianas.
5. Marcos do desenvolvimento emocional: desenvolvimento da competncia
emocional e papel das emoes no desenvolvimento.
Aps uma reviso dos conceitos base de emoo e regulao emocional e do
contributo das variveis temperamentais, no seu estudo, cabe-nos indagar acerca das
tarefas-chave do desenvolvimento emocional normativo e perceber o processo de
desenvolvimento emocional ao longo da vida, e em particular, nas crianas em idade
escolar. Novamente nos deparamos com modelos que atribuem uma nfase maior a uma
ou outra dimenso do desenvolvimento emocional e variam na relao que estabelecem
por exemplo entre emoo e cognio.
Alguns autores tm sublinhado a centralidade do desenvolvimento emocional no
desenvolvimento e organizao do self (e.g. Guidano, 1991) e chamado a ateno para o
contributo que esta rea especfica do desenvolvimento oferece na compreenso de
outras dimenses do desenvolvimento humano (Sroufe, 1995).
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 30
Campos, Frankel e Camras (2004) defenderam uma abordagem epigentica no
desenvolvimento da emoo e da regulao emocional, afirmando que as conquistas
desenvolvimentais de uma fase particular da vida do indivduo vo facilitar ou dificultar
as prximas. Para os autores, o desenvolvimento emocional influenciado pelas
mudanas que ocorrem noutras reas, como a motora ou lingustica e cognitiva, ao
mesmo tempo que se constitui fonte de influncia, por exemplo, para o desenvolvimento
social e a construo de relaes.
Outros autores acrescentam que aquilo que est em causa no desenvolvimento
emocional uma maior capacidade de envolvimento e intimidade com os outros, pois o
aperfeioamento da capacidade de comunicao de estados emocionais vai
contribuindo, significativamente, para a construo de intimidade e porque ao longo do
desenvolvimento o indivduo vai sendo aculturado em formas socialmente desejadas de
se comportar em relao s emoes (Dunn & Brown, 1994).
Tambm as variveis temperamentais parecem desenvolver-se ao longo da vida,
sendo possvel registar alteraes na reactividade e na regulao emocional do
indivduo, ainda que as maiores transformaes e os principais marcadores de mudana
paream verificar-se em idades mais precoces (Rothbart, 1994).
Izard e Malatesta (Izard e col., 2002; Ackerman & Izard, 2004, Malatesta, 1990),
reforam igualmente os contributos indispensveis do desenvolvimento neurolgico
para o desenvolvimento emocional e afirmam, uma vez que defendem a existncia de
emoes pr-programadas, independentes das cognies, que aquilo que se desenvolve
so, acima de tudo, as interligaes entre o sistema emocional e outros sistemas
desenvolvimentais, como o cognitivo, para alm de alteraes no s no tipo de
acontecimentos capazes de desencadear emoes, como na expresso das mesmas
emoes, ou no desenvolvimento do conhecimento emocional, uma componente que
pode beneficiar do desenvolvimento cognitivo e da linguagem.
Greenberg e colaboradores (Greenberg, Kusche & Speltz, 1991), por seu lado,
prope um modelo ABCD (affective-behavioral-cognitive-dynamic) que, apesar de no
ser assumido como uma teoria do desenvolvimento emocional, procura fazer uma
leitura de integrao desenvolvimental dinmica das emoes, das manifestaes
comportamentais, capacidades lingusticas e comunicacionais para alm da
compreenso cognitiva, na compreenso do desenvolvimento da competncia social e
da patologia. Neste modelo, pressupe-se uma ligao prxima entre as crescentes
competncias emocionais da criana e o desenvolvimento lingustico e cognitivo que,
segundo os seus proponentes, facilita a capacidade de coping das crianas, a gesto que
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 31
faz das emoes, o conhecimento emocional, no sentido em que expande as
propriedades comunicacionais das emoes e oferece criana uma maior diversidade
de meios e recursos para se poder relacionar eficazmente com os outros, partilhando das
experincias dos seus interlocutores e dando a conhecer aos outros o seu mundo interno.
Na verdade, alguns dados da investigao sustentam a hiptese de uma relao estreita
entre o desenvolvimento lingustico e emocional. Bohnert, Crnic e Lim (2003)
constataram, numa amostra com crianas do quarto ano de escolaridade, que nveis
maiores de fluncia verbal estavam significativamente associados com uma melhor
compreenso emocional e um vocabulrio emocional mais rico.
Alguns modelos do desenvolvimento emocional falam da competncia
emocional, uma noo que consideramos particularmente interessante. Parece-nos de
sublinhar este conceito que, pelo seu carcter integrador, permite no s estabelecer um
ponto de encontro entre os diferentes modelos tericos, como abarcar as principais
componentes das emoes. Definido por Gross como a capacidade de saber como usar
as emoes para uma vantagem plena (Gross, 1998, p. 287) ou por Saarni como
referindo-se ao facto de emergimos de um encontro despoletador de emoes com a
sensao de termos conseguido o que nos tnhamos proposto fazer (Saarni, p. 3)
parece estar relacionada com a evoluo de todas as componentes das emoes,
revestindo-se de um carcter relacional que julgamos ser particularmente til, e que nos
ir auxiliar na discusso que se seguir, em pontos e captulos posteriores sobre a
relao entre emoes, prticas de socializao, psicopatologia e competncia social. Os
contributos e implicaes da competncia emocional para o ajustamento psicolgico e
social podem ser facilmente compreendidas se pensarmos que est, como Saarni (Ib.)
props, intimamente relacionada com a resilincia da criana e a sua percepo de auto-
eficcia.
Procuraremos, de seguida, dar conta dos principais marcos do desenvolvimento
emocional at ao incio da adolescncia, ensaiando uma sntese possvel entre os
contributos de diferentes perspectivas e investigaes e aprofundando com maior
cuidado o perodo dos 6 aos 12 anos.
5.1 Desenvolvimento emocional dos 0 aos 12 meses
possvel detectar-se manifestaes de emoes positivas e negativas e
diferenas individuais muito precocemente. O sorriso, por exemplo, aparece poucas
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 32
horas aps o parto. s cinco semanas so j detectveis vocalizaes semelhantes ao
riso e aos dois meses so visveis manifestaes de raiva e frustrao no beb (Rothbart,
1994).
A confirmar a precocidade do aparecimento das expresses de algumas emoes
bsicas, e o possvel carcter inato das emoes bsicas, Abe e Izard (1999) relatam que
mais de 95% das expresses faciais apresentadas pelo beb parecem ser de alegria,
tristeza e raiva.
Os primeiros comportamentos de evitamento, por seu lado, comeam a emergir
entre os 4 e os 6 meses e a partir desta altura possvel observar-se comportamentos de
aproximao/abordagem relativamente estveis at aos 13 meses (Rothbart, 1994).
Tambm a frustrao e o medo parecem revestir-se de alguma estabilidade no primeiro
ano de vida. Rothbart (1994) afirma ser possvel detectar por volta dos 4 meses a
emergncia da capacidade do beb deslocar a sua ateno de estmulos aversivos, uma
competncia embrionria do desenvolvimento posterior do controlo por esforo. pelo
final do primeiro ano de vida que se comea a desenvolver o sistema atencional anterior
que vai ser largamente responsvel pelo desenvolvimento da capacidade de auto-
regulao voluntria, ou por esforo (Derryberry & Rothbart, 2001).
Na realidade, uma das principais tarefas nestas idades prende-se com o incio da
modulao das experincias emocionais (Izard e col., 2002). neste perodo que a
criana, atravs da exposio s expresses emocionais dos outros, comea a apreender
as relaes existentes entre emoes e comportamento e a ser capaz de se envolver em
interaces didicas sincronizadas (Izard e col., 2002). A maior coordenao nas
interaces com os adultos prestadores de cuidados contribui para o desenvolvimento da
capacidade do beb de se auto-regular e acalmar (Abe & Izard, 1999; Saarni, 1999). Ao
mesmo tempo, a emergncia de emoes positivas vai contribuindo fortemente para um
saudvel desenvolvimento fsico e mental da criana. medida que as semanas e os
meses vo passando, vai emergindo uma maior acuidade na discriminao e
reconhecimento de expresses faciais que, juntamente com uma maior preciso nos
comportamentos expressivos, cada vez mais bem emparelhados com circunstncias
especficas, facilita a comunicao pais-filhos e aproxima-os (Saarni, 1999), o que
sustenta a tese defendida por Dunn e Brown (1994) de que o desenvolvimento da
intimidade acompanha o desenvolvimento emocional.
Componentes de expresses como o sorriso, ou a manifestao de emoes de
interesse, tristeza ou raiva alimentam uma das tarefas desenvolvimentais gerais destas
idades: a construo de relaes de vinculao (Abe & Izard, 1999).
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 33
Tambm o jogo comea a fazer parte das relaes afectivas mais prximas e nele
comea a ser visvel uma capacidade crescente, por parte da criana, de manipular as
suas expresses emocionais com o objectivo de regular o comportamento dos adultos,
por exemplo, quando finge comear a chorar (Saarni, 1999).
5.2 Desenvolvimento emocional dos 2 aos 5 anos
Aos dois anos, aproximadamente, h um grande aumento da capacidade da
criana para nomear emoes. Se aos dois anos a criana parece ser j capaz de usar
rtulos emocionais, aos trs comea a falar das experincias emocionais dos outros e
aos quatro capaz de perceber que as reaces emocionais podem variar de pessoa para
pessoa (Abe & Izard, 1999). O conhecimento emocional fortemente acelerado neste
perodo, comeando a estabelecer-se ligaes entre o sistema emocional e cognitivo que
facilitam a compreenso dos outros, o estabelecimento de relaes sociais empticas e a
internalizao de normas sociais pela observao das expresses faciais das figuras de
socializao (Izard e col. 2002).
Por volta dos 3 anos a criana tem j conhecimento de todas as emoes bsicas
(Ackerman & Izard, 2004; Oatley & Jenkins, 1996) e nesta altura que tendem a
aumentar os comportamentos de raiva e de oposio. Enquanto que, para alguns autores,
estas emoes facilitam o desenvolvimento de uma maior autonomia e da conscincia
de um self autnomo (Abe & Izard, 1999; Dunn & Brown, 1994), para outros, a
emergncia de um sentido de self contribui para o aparecimento de expresses
emocionais fortes e para o aparecimento das chamadas emoes sociais, como a culpa
ou a vergonha (Saarni, 1999). Por esta altura, aproximadamente metade das conversas
entre mes e filhos so sobre as causas das emoes e sentimentos (Dunn, Brown e
Beardsall, 1991). Um estudo exploratrio longitudinal (Lagattuta & Wellman, 2002)
com uma pequena amostra de pais e crianas, entre os 2 aos 5 anos, constatou que o
vocabulrio emocional de pais e filhos parecia ser mais rico para emoes negativas do
que para emoes positivas, e que pais e filhos tendiam a conversar mais sobre as
causas das emoes negativas do que das emoes positivas. De qualquer forma, entre
os dois e os cinco anos aumentavam significativamente as conversas entre pais e filhos
com contedo emocional.
A partir dos dois anos e meio as crianas comeam tambm a ser capazes de
simular a sua expresso emocional e a perceber que os outros podem fazer o mesmo, o
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 34
que contribui significativamente para o seu entendimento das relaes sociais (Saarni,
1999), para uma gesto mais eficaz das interaces interpessoais e para a emergncia da
capacidade de empatizar com os outros (Ib.)
A emergncia das emoes sociais por volta do segundo e terceiro ano de vida
(Dunn & Brown, 1994) tende a facilitar a adopo de comportamentos pr-sociais e um
melhor ajustamento das aces da criana em concordncia com o que o seu meio social
espera dela (Abe & Izard, 1999). No entanto, estas emoes ainda no esto bem
interiorizadas e dependem da presena de um adulto ou de outra pessoa por perto para
se manifestarem. Segundo a teoria das emoes diferenciais (Ib.) medida que as
emoes sociais, com cariz auto-avaliativo, se vo repetindo, a criana vai sendo capaz
de estabelecer ligaes mais apuradas entre sentimentos, comportamentos e
consequncias das suas aces. As outras emoes bsicas continuam a ser
fundamentais e, por exemplo, a alegria tende a promover comportamentos de jogo e a
interaco com os pares e a tristeza a aproximao social e suporte emocional.
Com o tempo regista-se um progressivo aumento das capacidades de auto-
regulao da criana, com alguns estudos a apontarem para uma grande acelerao neste
processo entre os 18 e 49 meses de idade (Rothbart & Bates, 1998).
5.3 Desenvolvimento emocional dos 6 aos 12 anos
Sabe-se que o temperamento caracterizado por alguma estabilidade durante
este perodo e por uma relativa continuidade das caractersticas anteriores, havendo, no
entanto, refinamento do sistema atencional anterior e consequentemente da capacidade
de auto-regulao da criana (Derryberry & Rothbart, 2001).
A entrada na escola assinala um perodo de grandes mudanas. Os padres de
comunicao recproca, e em particular uma comunicao aberta com os pais, so de
grande importncia para o desenvolvimento da auto-regulao da criana, da avaliao
que faz de si mesma e do desenvolvimento de competncias sociais (Cummings, Davies
& Campbell, 2000). As grandes tarefas com que as crianas destas idades se defrontam
passam pelo desenvolvimento de um sentido de auto-eficcia e de confiana em si
mesma, pelo desenvolvimento de relaes de amizade e pela adaptao ao meio escolar
(Cummings, Davies & Campbell, 2000).
A capacidade de resolver problemas aumenta como consequncia do
desenvolvimento dos recursos cognitivos, o que obriga os adultos a alterarem os seus
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 35
padres de comunicao com a criana e adaptarem-se sua crescente autonomia e
capacidade de raciocnio mais elaborado (Collins, Harris & Susman, 1995). Estas
competncias vo ser essenciais para uma melhor compreenso das regras do mundo
social e das interaces com agentes sociais mais diversificados.
As crianas passam agora, em geral, mais tempo longe dos pais e participam
mais activamente noutros sistemas sociais onde, no s se espera que sejam capazes de
manter um relacionamento adequado e pr-social com os pares, como de apresentar
resultados em termos de aprendizagem e desempenho acadmico. Por tudo isto, os
desafios tambm aumentam bem como a exposio crtica social e fontes de
perturbao. imperativo que as crianas desenvolvam estratgias mais diversificadas e
eficazes para lidarem com o stress e que desenvolvam competncias para dar conta do
aumento de situaes de risco a que esto expostas (Collins, Harris & Susman, 1995).
Espera-se que os pais consigam auxiliar a criana a integrar estes novos acontecimentos
e a expandir o seu repertrio de estratgias de auto-regulao. Esta tarefa dificultada
por um lado, pelo facto de as crianas nestas idades exprimirem menos abertamente as
suas emoes, exigirem mais dos pais e se desiludirem mais facilmente com a sua
incapacidade de dar resposta a todas as suas necessidades e preocupaes, enquanto
que, por outro lado, os pais esto agora tambm um pouco mais afastados e distantes da
criana (Collins, Harris & Susman, 1995).
Este um perodo-chave para o desenvolvimento do auto-conceito e da
percepo de competncia social, muito alimentada pela comparao com os outros. A
emergncia de emoes sociais facilita este processo de comparao social e as
experincias afectivas contribuem significativamente para a criao de uma imagem de
si mesmo (Abe & Izard, 1999). Dadas as novas exigncias sociais, o desenvolvimento
da empatia e de comportamentos de cooperao torna-se imperativo. Emoes do foro
da internalizao, quando moderadas, podem contribuir para o desenvolvimento da
empatia. hoje sabido o papel de emoes como o medo, culpa ou vergonha e da
capacidade de controlo por esforo na diminuio da agressividade da criana e no
desenvolvimento de comportamentos empticos (e.g. Rothbart, Ahadi & Hershey, 1994;
Kochanska e col. 2002; Miller & Janserop de Haar, 1997).
Alm do mais, a emergncia de emoes em contexto de relacionamento com os
pares e a discusso e comunicao sobre essas emoes podem contribuir largamente
para o desenvolvimento da capacidade de tomada de perspectiva social (Abe & Izard,
1999). As mesmas interaces sociais podem despoletar e ser ao mesmo tempo
motivadas pela activao de emoes como a alegria ou o interesse.
Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 36
exigido s crianas que aprendam a lidar mais eficaz e independentemente
com as suas experincias emocionai
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