Download - ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Transcript
Page 1: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, trata da questão do enriquecimento ilícito dos agentes públicos no

ordenamento jurídico Angolano, A problemática do enriquecimento ilícito dos agentes públicos,

no nosso ordenamento jurídico, constitui o objecto do nosso estudo abordando os seus

aspectos preventivos, estudo centra-se especificamente no âmbito do direito civil a

identificação das oportunidades para prática de actos de enriquecimento ilicito criados por

alguns diplomas legais e as limitações da componente penal. Na componente preventiva é

analisada a problemática do conflito de interesses, área cuja regulamentação ainda é pobre, o

que constitui uma janela aberta para a prática de actos de corrupção e abuso de funções

públicas. Em relação à declaração de bens, o sistema de fiscalização é meramente formal, não

havendo possibilidades para uma fiscalização incisiva sobre as mesmas, dadas as

competências viradas para o Tribunal de contas, as quais não permitem que este órgão faça

uma fiscalização concreta das declarações. Por outro lado, o acesso às declarações

patrimoniais é restrito a meia dúzia de governantes, não havendo publicidade das mesmas.

Não existem sistemas institucionalizados para se fazer a gestão de ética na função pública.

Quanto à componente penal, a legislação não criminaliza práticas como o enriquecimento

ilícito, mas deve referir-se que o quadro legal nacional é complementado por convenções

internacionais que o estado ratificou nomeadamente a convenção da União Africana (UA),

convenção das Nações Unidas (ONU) e o protocolo anti-corrupção da comunidade para o

desenvolvimento da África Austral( SADC), mas nem uma nem outra, tem tido o devido

tratamento através da sua incorporação na legislação Angolana, em todo o caso, a ideia de

criminalizar o enriquecimento ilícito não tem sido pacifico por duas razões a saber:

É visto como uma contradição ao princípio constitucional de presunção de inocência (Artigo 67º

n.2 CRA) e o crime pode implicar a inversão do ónus da prova.

Entre nós, para analisar esta questão é preciso ter em conta que tratando-se de titulares de

cargos públicos e pelas funções que estes exercem nomeadamente a gestão de fundos que

resultam das contribuições dos cidadãos, os princípios em causa devem ser ponderados, aliais

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de

Direito inerente a qualquer sociedade.

O trabalho esta dividido em seis (3) capítulos dos quais no primeiro capítulo trataremos do

enriquecimento ilícito. Neste abordaremos de modo particular um breve historial do

enriquecimento ilícito, seus requisitos e as suas possíveis causas. No segundo capítulo

trataremos do enriquecimento ilícito no ordenamento jurídico Moçambicano e sua

contextualização. Neste abordaremos em primeiro lugar a noção legal da corrupção, o conflito

de interesses na gestão da coisa pública, Regulação de conflito de interesses para membros

1

Page 2: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

do executivo, regulação de conflito de interesses para membros do legislativo, fraqueza da

legislação actual e fraqueza do sistema judicial, e a independência das instituições de controlo.

No terceiro capítulo trataremos da componente preventiva do enriquecimento ilícito,

concretamente sobre a declaração de bens, Órgãos abrangidos pelas declarações, Extensão

da declaração a outras pessoas,

2

Page 3: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

AGRADECIMENTO

A Deus que esteve sempre ao nosso lado e nos fez um ser vivente, capaz de usufruir estes

momentos por ele concedidos;

Ao Estimado professor, que com a sua perspicácia nos dá a oportunidade de nos debruçarmos

sobre este tema, o nosso muito obrigado.

3

Page 4: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

ÍNDICE

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 1

CAPITULO 1

1.O ENRIQUECIMENTO ILICITO ……………………..................................................................6

1.1. Breve Historial do Enriquecimento ilícito ………………….................................................... 6

CAPITULO 2

O ENRIQUECIMENTO ILICITO NO ORDENAMENTO JURIDICO ANGOLANO: SUA

CONTEXTUALIZAÇÃO……………………………...…………..................................................... 13

2.1.Definição legal de enriquecimento sem causa ....................................................................

13 2.2.Conflito de interesses na gestão da coisa

pública................................................................ 14

2.3.Regulação de conflito de interesses para membros do executivo........................................

14

4

Page 5: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

CAPITULO 3

COMPONENTE PREVENTIVA DO ENRIQUECIMENTO ILICITO ....................22 3.1.A

declaração dos Bens….............................................................................. 22 3.2.Órgãos

abrangidos pelas declarações......................................................... 23

5

Page 6: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

3.3.Extensão da declaração a outras pessoas ................................................. 25 3.4. Local de

depósito das declarações e sua fiscalização....................................... 25 3.5.Confidencialidade e

acesso às declarações ....................................................... 28 3.6.Sobre os códigos de conduta

e gestão de ética pública ..................................... 31 CAPITULO 4

4.OPORTUNIDADES DE CORRUPÇÃO EM ALGUNS DIPLOMAS LEGAIS ......... 34

CAPITULO 5

DA PROVA DO ENRIQUECIMENTO ILICITO ……................................................... 39

5.1.Aspectos gerais.................................................................................................... 39

5.2.Conceito de prova................................................................................................. 39

5.3.Objecto da prova................................................................................................... 40

5.4.Ónus da prova....................................................................................................... 41

5.5.Inversão de ónus da prova em processo civil..........................................................42 5 .6. O

principio da investigação ou da verdade material em processo criminal.......... 43 5.7.Principio

da presunção de inocencia ..................................................................... 44 5.8.Presunção de

inocência VS Supremacia do interesse público .............................. 45 5.9. A Inversão do Ónus

da prova quanto ao enriquecimento ilicito ............................ 47 5.10.Dispensa de prova do facto

presumido ................................................................ 50 5.11.Das Presunções em

geral..................................................................................... 50 5.12. A presunção do

enriquecimento ilicito ..................................................................52

CAPITULO 6

O ENRIQUECIMENTO ILICITO NO DIREITO COMPARADO ....... 54

6.1.Caso do Brasil .................................................................................................. 54 6.2.Caso

de Portugal............................................................................................... 56

CONCLUSÃO.......................................................................................................... 58

RECOMENDAÇÕES .............................................................................................. 60

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 62

CAPITULO 1

1.O ENRIQUECIMENTO ILICITO

6

Page 7: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

1.1. Breve Historial do Enriquecimento ilícito.

A teoria do enriquecimento sem causa foi construída sob o alicerce das condictiones,

presentes no direito Romano, de onde surgiram os conceitos fundamentais. Segundo

WASHINGTON DE BARROS, os Romanos já consagravam o pagamento indevido como

modalidade de enriquecimento ilícito. Os requisitos para a configuração do pagamento indevida

nesta época, eram: ser o pagamento devido, o solvens ter agido com erro e quem recebeu, ter

recebido de boa-fé. Os Romanos tentaram, com base na equidade, desenvolver princípios

relacionados com a teoria do enriquecimento indevido, porém não conseguiram, cabendo aos

legisladores contemporâneos a evolução e o aprimoramento do instituto. Nesta época surgem

as condictiones, através das quais as pessoas podiam reaver o prejuízo por pagamento

erróneo. O objectivo dos romanos, com as condictiones, era justamente combater situações

injustas, que não eram amparadas por lei, entre elas o enriquecimento ilícito. Desta forma,

aquele que locupletasse com a coisa alheia seria obrigado a restitui-la a seu dono. Os

contractos, em Roma, possuíam uma forma abstracta e para diminuir o rigor desse

abistratismo, surgem formas técnicas para evitar o enriquecimento sem causa. É nesse

momento que entra o papel do pretor. Quando um caso particular era merecedor de protecção,

segundo HENZ o pretor concedia

A condictio indebiti, A condictio indebiti era a principal e mais antiga condição do direito

Romano. Era a condictio que sancionava a obrigação resultante da indebiti solutio (pagamento

indevido). Ela ocorria quando alguém pagava alguma coisa por erro, porém sempre com a

intenção de liberar-se de uma obrigação, que na verdade não existia. Configurava-se a

condictio indebiti quando houvesse a presença dos seguintes requisitos :

a) A que tenha havido o cumprimento de uma obrigação que era suposta pelo sujeito (uma

solutio), isto é, o cumprimento de prestação para extinguir uma suposta relação obrigacional;

b) Que essa solutio fosse indevida, ou seja, que entre solvens e accipiens nunca tivesse

existido relação obrigacional, ou se já existiu, que já estivesse extinta; ou ainda, que a

prestação realizada não fosse objecto da relação obrigacional existente;

c) Que o cumprimento da obrigação ocorresse erro de facto escusável;

d) O accipiens deveria estar de boa-fé. Se estivesse de má-fé a acção seria outra (condictio

furtiva);

e) Que a solutio não se referisse a uma obrigação que embora não existisse, a acção, em

caso de o réu falsamente negar a dívida, fosse o dobro do valor que realmente se devia, ou a

obrigação fosse eliminável por meio de exceção perpétua;

7

Page 8: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

f) Como a boa-fé era uma exigência, o acipiente (accipiens) só responderia pelo que

efetivamente enriqueceu com o pagamento indevido. Condictio causa data non secuta Outra

forma de condictio que era aplicada visando a restituição de coisa dada em troca de outra coisa

que não o foi, ou em troca de um serviço e esse não foi executado5. Por exemplo, alguém

recebia uma quantia em dinheiro "dote", mas o casamento não se realizava.

Condictio ob injustam causam Esta condictio era aplicada aos casos em que alguma coisa era

concedida por uma causa contrária ao direito, como, por exemplo, cobrança de juros além do

estipulado ou então a restituição de uma coisa recebida com violência. Em ambos os casos a

finalidade era a restituição. Condictio ob turpem causam Visava a restituição quando alguma

pessoa recebia uma prestação com final imoral. Por exemplo, uma pessoa que recebesse uma

quantia para matar outra pessoa. Esta condictio era concedida mesmo que o accipiens tivesse

executado a prestação imoral. Condictio sine causa Era utilizado naqueles casos em que uma

pessoa dava à outra uma quantia em dinheiro ou coisa para a obtenção de finalidade que não

existia ou que não se podia realizar, ou, ainda, para objectivo que viesse a falhar..Noção do

enriquecimento ilícito O Enriquecimento ilícito verifica-se nas situações em que alguém

apresenta bens e valores desproporcionais aos seus rendimentos e cuja origem não pode

provar6. Segundo o Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, diz-se do

enriquecimento ilícito ser "o acréscimo de bens que, em detrimento de outrem, se verificou no

património de alguém, sem que para isso tenha havido fundamento jurídico.

Para ACQUAVIVA enriquecimento ilícito é o "aumento de património de alguém, pelo

empobrecimento injusto de outrem. Consiste no locupletamento à custa alheia, justificando a

acção de in rem verso" Segundo ANA PRATA, enriquecimento ilícito é enriquecimento de uma

pessoa, relacionado com o empobrecimento de uma outra, quando o desequilíbrio do

património não se justifica por uma razão jurídica, embora o facto ou o acto de que deriva o

enriquecimento não seja ilícito9 há enriquecimento ilícito quando não há um facto dessa

natureza, que o justifique, ainda que tenha anteriormente existido ou quando a deslocação

patrimonial tivesse tido em vista um efeito que se não verificou.

E o acto ou facto jurídico lícito, onde deriva para alguém um enriquecimento a custa de outrem

e que por tanto o direito faz nascer a obrigação de restituir Requisitos do enriquecimento ilícito

A doutrina identifica alguns requisitos para que se configure o enriquecimento ilícito a saber:

a) Dolo do agente: vontade livre e consciente de enriquecer-se ilicitamente.

b) Conduta comissiva: só existe enriquecimento ilícito mediante uma acção indevida do

agente;

c) Obtenção de vantagem patrimonial pelo agente: o património do agente não precisa

necessariamente aumentar, basta que ele receba uma vantagem pecuniária indevida.

8

Page 9: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

d) Ilicitude da vantagem obtida: ressalta-se que o agente público é enriquecido licitamente

todos os meses quando recebe sua remuneração.

e) Existência de um nexo causal entre o exercício funcional e a vantagem indevida: ( nexo de

oficialidade) não há improbidade quando vantagem indevida decorre da actuação do agente

publico como particular.

Falta de prestação de contas as instituições: devido a inoperância e fraqueza dos mecanismos

e instituições de prestação de contas no sector público assiste-se a tendência de abuso do

poder público para fins pessoais13. Fraqueza dos mecanismos do controle e supervisão: a

insuficiente capacidade das inspecções administrativas financeira e técnica do sector público

incluindo as inspecções no sector da legalidade e justiça permitem a sustentação dos três

factores básicos da corrupção:

CAPITULO 2

O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NO ORDENAMENTO JURIDICO ANGOLANO: SUA

CONTEXTUALIZAÇÃO

2.1.Definição legal de enriquecimento sem causa.

No ordenamento juridico angolano, o enriquecimento sem causa vem consagrado no artigo

473º do Código Civil.

9

Page 10: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Tendo em conta que dentre outros, pretendemos identificar as fragilidades da legislação anti-

corrupção, faz sentido que seja apresentada a noção legal ou definição penal de corrupção

avançada pelo legislador angolano, sem nos esquecermos de que o conceito de corrupção,

fora do aspecto estritamente legal é mais amplo e abrange realidades que não são

necessariamente captadas pela definição legal. O código penal já a bastante tempo

criminalizou o crime de corrupção, define a corrupção em dois(2) sentidos a saber:

Artigo 318º Corrupção passiva - é a solicitação de vantagem patrimonial ou não patrimonial por

funcionários ou agentes do Estado para realizar ou omitir acto contrário ou não contrário ao

dever do seu cargo.

Artigo 321º Corrupção activa - é o oferecimento de vantagem patrimonial ou não patrimonial a

funcionário ou agente do Estado para realizar um acto contrário aos deveres do seu cargo.

Vamos conferir o código de procedimento administrativo, no seu artigo 19º fala dos casos de

impedimento, este preceito, no nosso parco conhecimento de leis, so reforça a ideia de que

mesmo existindo leis reguladoras sobre o enriqueciemnto ilicito ainda paira no nosso pais o

sentimento de impunidade aos agentes publicos.

A lei anti-corrupção veio apenas reforçar um enquadramento penal que já existia mas que foi

completamente ignorado. Em termos de formas de corrupção patentes nesta noção, apenas

ressalta a solicitação e o oferecimento do suborno, como vemos nesta definição não cabe a

figura do enriquecimento ilícito.

10

Page 11: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

2.2.Conflito de interesses na gestão da coisa pública.

O conflito de interesses surge quando um indivíduo com uma responsabilidade formal para

servir o público participa duma actividade que põe em perigo o seu juízo profissional,

objectividade e independência. Geralmente essa actividade ( como uma actividade de negócio

privado , primariamente serve os interesses pessoais e pode potencialmente influenciar

objectivos dos deveres dos oficiais individuais). Em Angola não existe a Lei específica que

regula o conflito de interesses. A legislação contém, de forma dispersa, aspectos ligados a

esta matéria, estabelecendo impedimentos para o envolvimento de altos funcionários do

Estado em actividades remuneradas dentro das suas áreas de responsabilidade como

podemos ver em Código de Procedimento Administrativo no seu artigo 19º alinea a) .

2.3.Regulação de conflito de interesses para membros do executivo.

A legislação angolana refere-se, de uma forma precária, a situações de conflito de interesses

para membros do executivo, nomeadamente: o exercício de actividade remunerada sem prévia

autorização; ser administrador ou gestor de qualquer empresa, salvo quando tal se faça por

determinação ou por delegação do Estado; executar para outrem actividades de carácter

profissional relacionadas com a sua esfera de decisão, mesmo que não remuneradas. No caso

de o titular for sócio accionista, administrador ou proprietário de qualquer empresa, a gestão da

propriedade e das partes sociais deverão ser confiadas a outrem. Por sua vez, a Lei 21/90 de

22 de Dezembro, (LEI DOS CRIMES COMETIDOS POR TITULARES DE CARGOS DE

RESPONSABILIDADE), estabelece que os titulares dos cargos governativos nomeados, não

podem exercer actividades remuneradas, administração e gestão de negócios; actividades,

ainda que não remuneradas, mas relacionadas com a esfera de decisão do cargo que ocupam.

Também no Decreto-Lei 16_A/95 de 15 de Dezembro, (que aprova as Normas de

Funcionamento dos Serviços da Administração Pública), estão regulados impedimentos

as condutas aplicáveis aos titulares de cargos governativos: direitos e deveres.

11

Page 12: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

e suspeições, nos quais se limita o titular de cargo público de intervir em decisões em que

tenha interesse directo ou indirecto, ou interesse de pessoas que lhes sejam próximas em

virtude de laços de parentesco ou afinidade, Também no caso da Lei nº 3/10 de 29 de Março,

(LEI DA PROBIDADE PUBLICA), proíbe ainda o gestor público de exercer outras actividades

profissionais quer sejam remuneradas ou não, refere-se a uma série de impedimentos a que

estão sujeitos os funcionários que intervenham em negocios onde estejam envolvidas pessoas

com quem tenham relação de matrimónio, parentesco e afinidade com o mesmo, e sempre que

o funcionário tenha interesses junto da entidade fiscalizada; em caso de violação desta

proibição, os funcionários prevaricadores incorrem em processo disciplinar

21. A respeito das normas acima referidas, a regulação do conflito de interesses para os

membros do Governo é limitada; não tem efeito sobre o período pós-executivo. Isto permite

que um membro do Governo faça do seu período de exercício do cargo público, o tempo ou

fase para procurar emprego ou firmar negócios com efeito no período pós-exercício. Com

efeito, a lei não impede que um agente publico se empregue num projecto que ele próprio

criou, depois de deixar o cargo publico, ou de tornar-se accionista ou funcionário executivo de

uma empresa que ele próprio licenciou ou privatizou. Esta permissividade pode afectar de

maneira substancial na motivação ministerial, uma vez que proporciona um forte incentivo para

intervir em situações susceptíveis de gerar para si oportunidade de emprego no período pós-

executivo .

12

Page 13: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Encontramos muitas zonas de penumbra que não estão devidamente regulamentadas em sede

de conflito de interesses e que podem constituir uma janela de oportunidade para a prática de

crimes de corrupção ou crimes conexos, pelas razões que abaixo se indicam:

1) Não encontramos nenhuma norma que impeça o titular de cargo público de exercer

actividade conexa com a sua anterior função, durante certo lapso de tempo, depois de cessar

as suas anteriores funções, Por exemplo a Lei Portuguesa estabelece que: os titulares de

órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de três

anos, contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas

que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado, desde que, no período do

respectivo mandato, tenham sido objecto de operações de privatização ou tenham beneficiado

de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza

contratual .

2) Também não se proíbe que os antigos titulares de cargos públicos utilizem informações que

tiveram acesso em virtude do exercício do seu cargo;

3) Igualmente, não encontramos normas que impeçam o titular de cargo público de aceitar o

cargo de administrador ou conselheiro ou estabelecer vínculo profissional com pessoa física ou

jurídica que desempenhe actividade relacionada com a área de competência do cargo ou

emprego que ocupara;

4) Não encontramos normas que impeçam o titular de cargo público de celebrar, com órgãos

ou entidades do poder executivo, nomeadamente: contratos de serviço, consultoria, assessoria

ou actividades similares vinculadas (ainda que indirectamente) ao órgão ou entidade em que

tenha ocupado o cargo ou emprego;

5) Não encontramos normas que impeçam o titular do cargo público de intervir, directa ou

indirectamente, em favor de interesse privado perante órgão ou entidade em que haja ocupado

cargo ou emprego;

22

13

Page 14: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

PORTUGAL; Lei n° 64/93, de 26 Agosto, regula Sobre as Incompatibilidades e Impedimentos

dos Titulares de Cargos públicos

16

14

Page 15: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

6)

Não encontramos na legislação a atribuição a um órgão em concreto, da competência de

fiscalizar e controlar a ocorrência de situações de conflito de interesses; 7) Não encontramos

na legislação nada que impeça uma empresa ou sociedade participada em determinada

percentagem por titular de cargo público de contratar com o Estado, nomeadamente em

concursos de fornecimento de bens ou serviços, em contratos com o Estado e demais pessoas

colectivas públicas. Igualmente não encontramos nenhuma norma que impeça as empresas e

sociedades participadas pelo cônjuge, descendente, ascendente ou colateral, ou afim do titular

do cargo, de contratar com o Estado. O Regulamento sobre procurement público aprovado pelo

Decreto n.º 54/2005, de 13 de Dezembro, não se refere especificamente a este aspecto; 8)

Não encontramos normas que proíbam os titulares de cargos governativos de participarem em

decisões que envolvam a contratação de empresas em que tenham tido alguma percentagem

ou em que tenham sido membros dos órgãos sociais24. 9) Com excepção das situações

previstas no artigo 4 da Lei n.º 7/98 e no Decreto n.º 30/2001, sobre os impedimentos e

suspeições, não encontramos normas que se debrucem, com a devida acuidade, sobre as

situações que deviam configurar como constituindo conflito de interesses, quer durante quer

depois do exercício do cargo público. 2.4. Regulação de conflito de interesses para membros

do legislativo Em relação aos órgãos do poder legislativo, o legislador é completamente omisso

no que se refere a eventuais conflitos que possam existir entre a função de deputado e os

interesses das pessoas eleitas para o cargo de deputado. O Estatuto do Deputado25 não se

refere a nada relacionado com impedimentos dos deputados nem sobre o conflito de

interesses. Em Moçambique não há regras de conflito de interesse que acautelem quaisquer

oportunismos por parte de deputados da AR. Os deputados da AR podem ter, ao mesmo

tempo,

23

No Brasil, o ante projecto da Lei sobre o conflito de interesses, de 2006, apresentada pela

controladoria Geral, estabelece que compete a comissão da Ética pública, instituída no âmbito

do poder executivo federal, fiscalizar a ocorrência de situações de conflito de interesse. 24 Cfr.

art. 9 da lei n°64/93 de 26 de Agosto, que regula as incompatibilidades e impedimentos dos

titulares de cargos públicos. PORTUGAL. 25 REPUBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n o 3/2004

de 25 de Janeiro aprova o estatuto dos deputados.

17

15

Page 16: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

16

Page 17: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

participações em empresas e votarem leis que lhes beneficiem. Ou seja, a legislação não

regula o conflito de interesses de parlamentares em relação ao sector privado: os deputados

podem servir interesses sem restrições; não há impedimentos ou condicionamento à ocupação

por estes de cargos de confiança em empresas privadas, incluindo em lugares de

Administração. O deputado pode dirigir ou ser membro de uma comissão que estuda e elabora

uma lei susceptível de ter efeito sobre uma empresa de que é responsável; isto será ainda

mais grave se o deputado em questão representar uma empresa que, ainda que moçambicana,

seja dominada por capitais estrangeiros. Por outro lado, a lei não dispõe de nenhum

mecanismo que impeça que o deputado faça lobbies para adiar ou impedir a aprovação de

uma Lei, ou assegurar que a Lei seja elaborada de modo a não ferir os interesses da sua

empresa. Sendo a empresa de que o deputado é responsável dominada por capitais

estrangeiros, este pode servir interesses estrangeiros. A regulamentação desta matéria

reveste-se de capital importância se tivermos em conta que é a AR que aprova as Leis e, não

havendo balizas que definam com rigor o campo de acção do deputado, podemos ter situações

em que os deputados da AR aprovem leis específicas para beneficiar os seus interesses

pessoais ou empresariais, subvertendo o objectivo para o qual foram eleitos, que é a defesa

dos interesses dos moçambicanos. Em nenhuma parte da legislação nacional encontramos

normas que impeçam o deputado26 de: 1) Ser membro de órgão de pessoa colectiva pública e,

bem assim, de órgão de sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos, ou de

concessionárias de serviços públicos; 2) Ser membro de órgãos sociais de empresas públicas,

de empresas de capitais públicos ou maioritariamente participadas pelo Estado e de institutos

públicos; 3) Exercer cargos de nomeação governamental sem autorização da Assembleia da

República; 4) No exercício de actividade de comércio ou indústria, directa ou indirectamente,

com o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, por si ou entidade em que

detenha participação relevante e designadamente, superior a uma determinada percentagem

(% ex. 10%) do capital, celebrar contractos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito

público, participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, empreitadas ou

concessões, abertas pelo Estado e demais pessoas colectivas de direito público, e, também

26

CENTRO DE INTEGRIDADE PUBLICA: Op. Cit pp. 16

18

17

Page 18: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

por sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou por concessionárias de

serviços públicos27; 5) Tomar parte em contratos em cujo processo de formação intervenham

órgãos ou serviços colocados sob sua influência directa. Para a verificação, controlo e

fiscalização de situações de conflito de interesse que afectem parlamentares, alguns países

criaram Comissões Parlamentares de Ética, as quais aplicam sanções aos deputados que

infrinjam a legislação sobre a matéria. As penas vão desde a perda do mandato até à

obrigação de reposição das quantias recebidas pelo deputado, desde o início da situação de

impedimento28. Em Moçambique, o Estatuto do Deputado não obriga o deputado a declarar

previamente a existência de interesse particular29 quando está em debate uma Lei que

potencialmente o possa beneficiar directamente ou a pessoas que lhe sejam próximas, nas

seguintes situações: 1) Serem os deputados, cônjuges ou seus parentes ou afins, ou pessoas

com quem vivam em economia comum, titulares de direitos ou partes em negócios jurídicos

cuja existência, validade ou efeitos se alterem em consequência directa da lei ou resolução da

Assembleia da República. 2) Serem os deputados, seus cônjuges ou parentes ou afins, ou

pessoas com quem vivam em economia comum, membros de órgãos sociais, mandatários,

empregados ou colaboradores permanentes de sociedades ou pessoas colectivas cuja

situação jurídica possa ser modificada por forma directa pela Lei ou resolução a ser adoptada

pela Assembleia da República. É pois urgente que se reflicta sobre a necessidade de

introdução de impedimentos das situações de potenciais conflitos de interesse que possam

existir durante o mandato do deputado, para que este represente de forma íntegra e

transparente os interesses do povo.

CENTRO DE INTEGRIDADE PUBLICA:. Op. Cit. pp 17 Cfr. art. 21 n° 8, da Lei n° 7/93 de 1 de

Março, que aprova o Estatuto de Deputado, PORTUGAL 29 Cfr. Art. 27 do Estatuto do

Deputado de Portugal, lei no 7/93 supracitada.

27 28

19

18

Page 19: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

2.5. Fraqueza da legislação actual e fraqueza do sistema judicial A legislação actual é omissa

em muitos aspectos. Alguns actos de corrupção como o enriquecimento ilícito, não têm

cobertura legal30. Nestes termos será difícil perseguir um funcionário público que escolheu a

pior oferta num concurso público pois não há legislação que ofereça critérios de avaliação de

ofertas, este pode ser um factor de enfraquecimento do esforço em certas áreas. No

concernente a ao sistema judicial, este em Moçambique é extremamente lento. Ele é assim por

falta de recursos31. isto é onde devia ter recursos não tem, e onde não precisa de recursos

tem em excesso. O excesso representa sempre o estorvo do sistema. Tornam as marcações

de audiência, verificação de provas ou visitas ao arguido um pesadelo. As obstruções aos

processos são sempre inúmeras e fáceis de criar. Os inimigos do combate a corrupção estando

infiltrados em todo o sistema, terão infinita latitude para fazer boicotes. Este é sem duvida um

desafio monumental, pois não se adoptando uma estratégia eficaz de contorno aos estorvos e

obstruções processuais, a tramitação poderá levar uma eternidade e desacreditar

completamente os programas. 2.6. Independência das instituições de controlo Em qualquer

contexto democrático a corrupção no sector publico combate-se ou controla-se com a

existência de acountability efectivas32 são varias e vão desde o enquadramento penal aos

códigos de conduta para circunstancias especificas, passando pelas comissões de inquérito,

sistemas de controlo, instituições superiores de auditoria que sejam independentes do governo,

como o poder de inspeccionar, regular e reportar sobre aspectos de gestão do bem público e a

sua respectiva fiscalização interna. Em Moçambique, a inspecção geral do Estado e o tribunal

administrativo, tem a responsabilidade de realizarem as auditorias internas e externas do

sector público respectivamente.

30 31

ÉTICA Moçambique: estudo sobre a corrupção, Moçambique, 2001 pp.130. Idem, pp. 131 32

MOSSE, Marcelo: Corrupção em Moçambique: alguns elementos para o debate Maputo, 2003.

PP. 24

20

19

Page 20: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Mas de acordo com o relatório da SCANTEAM33 sobre a gestão das finanças públicas em

Moçambique, ambas não tem capacidade suficiente. O tribunal administrativo tem o dever legal

de fazer uma auditoria `a conta geral do Estado que é anual mas estas são apresentadas a

Assembleia da Republica vinte (20) meses após o término do ano fiscal. Para a Scanteam,

uma das grandes lacunas presentes é que as auditorias do TA são fornecidas apenas aos

doadores e não ao público moçambicano. O relatório realça que este dever de o TA auditar as

contas do Estado parece ser aceite por todas as instituições relevantes do Estado,

considerando-se uma operação fundamental e inteiramente indispensável para que o apoio dos

doadores ao Orçamento Geral do Estado permanece. Mas a operação continua a ser lenta. A

compilação que o Ministério do Plano e Finanças faz à CGE só termina um ano depois do ano

em análise; e o TA leva um tempo substancial depois desse ano posterior ao ano em análise.

Há evidências que apontam que as deficiências no exercício da fiscalização prévia ( no caso de

contratos e decisões de execução orçamental e não no caso da Conta Geral do Estado) por

parte do Tribunal Administrativo não dependem apenas das suas fragilidades, mas da falta de

uma cultura de prestação de contas por partes das entidades sujeitas a essa fiscalização. É

consensual34 que uma auditoria externa de alta qualidade é um requisito essencial para que

haja transparência no uso dos fundos públicos.

33 34

SCANTEAM: avaliação do risco de fiduciário Moçambique, projecto de relatório Oslo. Maputo,

2004 MOSSE, Marcelo: Corrupção em Moçambique: alguns elementos para o debate. Op. Cit

pp 25.

21

20

Page 21: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

CAPITULO 3 COMPONENTE PREVENTIVA DO ENRIQUECIMENTO ILICITO

3.1.A declaração dos Bens O princípio da declaração de bens tem em vista permitir que se

verifique até que ponto o património de um titular de cargo público varia entre o momento da

sua tomada de posse e o momento em que cessa funções, ou seja, é um instrumento que

expõe a variação patrimonial dos seus bens enquanto servidor público. As declarações visam

garantir a transparência na gestão do bem público, através da verificação e controlo da

evolução do património dos dirigentes. Tendo em conta que os titulares de cargos públicos

fazem a gestão de recursos do erário público, faz todo o sentido que sobre eles onere a

obrigação de declararem o seu património e os seus rendimentos, para que dúvidas não

pairem sobre a integridade e transparência da sua gestão. A declaração de bens em

Moçambique encontra-se regulada em legislação dispersa, existindo leis que se sucedem no

tempo com igual conteúdo, não havendo ainda um critério de revogação expressa da

legislação predecessora. A Lei n.º 4/90 (que estabelece as Normas de Conduta, Direitos e

Deveres dos Dirigentes Superiores do Estado), refere-se à obrigatoriedade da declaração de

bens por parte dos titulares dos cargos governativos.35 Esta lei proíbe o envolvimento de altos

funcionários do Estado em actividades remuneradas dentro das suas áreas de

responsabilidade; também estabelece a obrigação da declaração de bens e fontes de

rendimento para essas mesmas entidades. A mesma lei estabelece a obrigatoriedade de os

dirigentes declararem os seus activos patrimoniais, passivos, cargos sociais que exercem ou

exerceram em empresas privadas e públicas, indicação de rendimento complementar bruto,

para efeitos de dedução fiscal, declaração de património dos cônjuges, actualização anual do

património activo36 . O nº 5 deste artigo

35

Cfr. art 7 da lei 4/90 de 26 de Setembro, regula normas de conduta, deveres e direitos dos

dirigentes superiores do Estado. 36 Cfr. art. 3 da lei 4/90 de 26 de Setembro, normas de

conduta, deveres e direitos dos dirigentes superiores do estado.

22

21

Page 22: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

estabelece que

a não apresentação culposa das declarações previstas ou a sua inexactidão

indesculpável, determina a aplicação de sanções, incluindo a pena de demissão . 3.2.Órgãos

abrangidos pelas declarações A Lei n.º 7/98, que estabelece as Normas de Conduta dos

Titulares de Cargos Governativos, indica os entes que estão abrangidos por ela e,

consequentemente, sujeitos à declaração de bens, mas exclui judicial. A Lei n.º 4/90, vai um

pouco além em relação aos órgãos abrangidos, referindo que estão sujeitos à declaração de

bens o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro Ministro, os membros da Comissão

Permanente da Assembleia da República, os Ministros, Vice-Ministros, Inspectores do Estado,

Governadores Provinciais, Secretários de Estado, Embaixadores, Cônsules Gerais,

Administradores de Distrito e Chefes dos Postos Administrativos. Estão também abrangidos

pela Lei o Governador e Vice-Governador do Banco de Moçambique, Reitores de

universidades públicas e de Institutos Superiores de ensino.38 A obrigatoriedade da declaração

de bens em relação ao Presidente da República só foi estabelecida mais tarde, nomeadamente

com a aprovação da Lei n.º 21/92, de 31 de Dezembro (que fixa os Direitos e Deveres do

Presidente da República em Exercício). O nº 1 do artigo 7 desta Lei estabelece o seguinte:«O

Presidente da República tem o dever de depositar anualmente, junto do Conselho

Constitucional, uma declaração indicando o seu património e demais rendimentos». A Lei Anti-

Corrupção tenta ser ainda mais abrangente no que diz respeito aos dirigentes a fazerem a

declaração de rendimentos pois, embora não seja muito específica na indicação de alguns

titulares de cargos públicos sujeitos ao processo, alarga a esfera para aqueles que exercem

funções públicas com competência decisória nas instituições do Estado, Autarquias Locais,

Empresas Públicas, Institutos Públicos e empresas de economia mista.

37

o Presidente da República e os órgãos do poder legislativo e

37

Cfr. art 1 no 2 da lei 7/98 de 15 de Junho ,regula normas e condutas aplicáveis aos titulares de

cargos governativos, direitos e deveres. 38 Cfr. art 1 no 1 da lei 4/90 de 26 de Setembro,

normas de conduta, deveres e direitos dos dirigentes superiores do estado.

23

22

Page 23: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

23

Page 24: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Assim, a Lei Anti-Corrupção39, no seu nº 1 do art. 4, estabelece que a posse e o exercício de

funções públicas com competências decisórias no aparelho de Estado, na administração

autárquica, nas empresas e instituições públicas, assim como a posse dos representantes do

Estado nas empresas privadas participadas pelo Estado, são condicionados à apresentação de

declaração de bens e valores que compõem o património do empossado, a fim de ser

depositada em arquivo próprio do serviço . Um dos problemas encontrados nesta formulação é

que não está explicitado até que níveis de decisão a lei se refere, deixando campo para

interpretações diversas. Outra questão que se levanta é a de saber porque é que o legislador

não abrangiu também os órgãos do poder legislativo, nomeadamente os deputados. Como foi

referido acima, quer a Lei n.º 4/90 quer a Lei n.º 7/98 estabelecem de forma taxativa os órgãos

sujeitos à declaração de bens. No entanto, pela interpretação literal do n 1 do artigo 4 da Lei

Anti-Corrupção, desta obrigação estão excluídos os órgãos do poder legislativo e do judiciário.

A definição de órgãos com competência decisória devia ser mais específica. Por exemplo,

ficamos sem saber se os órgãos do poder legislativo têm competência decisória strictu sensu

ou não, e se estão incluídos no âmbito da declaração de bens da referida na lei, o mesmo

acontecendo com os órgãos do aparelho judiciário. A maioria dos nossos entrevistados crê que

não se pode usar o artigo 4 da Lei n 6/2004 para se incluírem magistrados do Ministério

Público e Judiciais neste dispositivo. O que significa que estamos perante uma lacuna, pois

aqueles magistrados que ocupam posições de proa nas várias magistraturas e na Polícia não

estão obrigados a declarar os seus bens. Outra lacuna da legislação sobre a declaração de

bens é que ela é omissa em relação aos deputados da AR. Aliás, o próprio Estatuto do

Deputado40 também não faz qualquer menção a regras de declaração de bens. Parece que

nunca houve preocupação dos legisladores e do Governo em se abranger esta classe de

políticos. Analisando as actas da comissão da Assembleia da República encarregue da

elaboração da Lei 6/2004 (Comissão dos Assuntos Jurídicos e Legalidade) percebe-se que

esta nunca debateu a possibilidade de se abranger os deputados neste conjunto de regras.

39

Cfr. Art. 4 n o1 da lei 6/2004 de 17 de Junho regula o combate a corrupção. 40 Cfr. Lei 3/2004

de 25 de Janeiro que aprova o Estatuto do deputado de .Moçambique.

24

24

Page 25: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Nos parlamentos de outros países41 existem normas que exigem que os deputados façam a

apresentação da declaração de renda e bens e as regras de transparência e conflito de

interesses aplicam-se a todas as classes de políticos e agentes do Estado 3.3.Extensão da

declaração a outras pessoas A Lei anti-corrupção no 6/2004 de 17 de Junho e respectivo

regulamento, procuram aprofundar o sentido de declaração dos bens em Moçambique, mas

não trouxeram mudanças significativas. Esta lei estabelece que regras específicas podem

estender a declaração de bens aos cônjuges ou companheiros, filhos e outras pessoas que

vivam sob dependência económica do declarante. Provavelmente o legislador estava distraído

ao introduzir esta referencia na lei anticorrupção, porque a lei 7/98 anterior a aquela no seu

artigo 3 no 2, já estabelecia que esta obrigação também é extensiva ao cônjuge, caso o regime

de casamento seja de comunhão de bens ou adquiridos, ou se tratando de união de facto, aos

filhos menores e incapazes e outros dependentes legais de que o titular do cargo seja tutor.

Mas, como foi acima referido, pelo facto da Lei n.º 7/98 ser restritiva no que diz respeito ao

âmbito dos órgãos que a ela se sujeitam, pode levantar-se a questão de saber se, para o caso

dos órgãos do poder legislativo e judiciário, também se lhes aplica a extensão prevista na Lei

6/2004, quanto às pessoas obrigadas a fazer a declaração de bens? Esta é uma questão que

deve ser resolvida pelo legislador porque poderá causar dúvidas em face da omissão da Lei ou

falta de clareza. Contudo, a referência feita pela Lei AntiCorrupção em nada é prejudicial, pois,

como diz um adágio latino, quod abundant no nocet , isto é, o que é demais não prejudica, não

é nocivo. 3.4. Local de depósito das declarações e sua fiscalização Apesar de ter sido

aprovada em 1990, a legislação sobre declaração de bens só viria a ser regulamentada 8 anos

mais tarde, através da Lei 7/98, a qual diz no seu n° 2 do artigo 7 que os

41

Argentina, Brazil, Portugal e Africa de sul, a lei estabelece expressamente que os órgãos do

poder executivo, legislativo e judicial, estão sujeitos a declaração de bens junto das comissões

da ética.

25

25

Page 26: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

registos patrimoniais devem ser depositados em lugar específico, nomeadamente no Conselho

Constitucional (CC), que tem também competências de fiscalização

42

.

A Lei 7/98 tentou fazer um avanço na regulamentação destas matérias, mas os avanços foram

poucos no que diz respeito aos deveres e obrigações dos titulares abrangidos. Estabeleceu um

regime sancionatório, no caso de um dirigente violar as normas, e clarificou que a competência

na matéria é da alçada do Conselho Constitucional. Fez um enquadramento penal sobre a

corrupção, sobre a violação da legalidade orçamental e sobre a utilização abusiva de

informações, mas não deu poderes específicos ao Conselho Constitucional para que este

órgão pudesse fazer uma fiscalização efectiva das declarações. Aliás, também a Lei Orgânica

do Conselho Constitucional (Lei n.º 6/2006) era omissa a este respeito, não conferindo poderes

ao Conselho Constitucional para averiguar a legitimidade da procedência dos bens e rendas

acrescidas ao património dos titulares de cargo público. Também a Lei Orgânica do CC é

omissa quanto à obrigatoriedade de os órgãos sujeitos à declaração de bens apresentarem

uma declaração anual de rendimentos ao Conselho Constitucional. A questão que se pode

levantar é a de saber qual é a vantagem, em termos práticos e de funcionalidade, de as

declarações serem depositadas junto do Conselho Constitucional., um órgão cuja função

central é analisar a constitucionalidade dos actos legislativos e normativos emanados pelos

órgãos do Estado e dirimir conflitos de natureza eleitoral43, ou seja, sem poderes efectivos

para monitorar o património das entidades abrangidas pela obrigatoriedade da declaração de

bens. Esta questão ganha maior relevância se atendermos que a acumulação do património

por parte de titulares de cargos públicos pode resultar de actos ilícitos e de improbidade

administrativa praticados no exercício de funções públicas, por exemplo ao nível da execução

orçamental do Estado, através da realização de despesas sem observância de regras

orçamentais e a prática de desvios de dinheiros do erário público e pagamentos indevidos, o

desvio de aplicação, as

42

MOÇAMBIQUE, Lei n° 6/2006 de 2 de Agosto no seu n°3 art. 6, conjugado com o artigo 3 n °1

da lei 4/90 de 26 de Setembro, (normas de conduta, deveres e direitos dos dirigentes

superiores do estado). e n° 1 art. 7 da lei 21/92 de 31 de Dezembro (que fixa os Direitos e

Deveres do Presidente da República em Exercício). 43 MOÇAMBIQUE, Lei no 6/2006 de 2 de

26

Page 27: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Agosto, lei Orgânica do Conselho constitucional, no seu artigo 6 que trata das competências do

conselho constitucional.

26

27

Page 28: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

sobre-facturações, a violação a regras de procurement público44 com vista à cobrança de

comissões e gratificações indevidas e a celebração de contratos sem submetê-los à

fiscalização do Tribunal Administrativo (TA). Tendo em conta que as declarações de bens

estão ligadas à evolução do património do titular do cargo público e levando em consideração

que este património pode aumentar mediante a violação de regras orçamentais por parte do

mesmo titular, faz sentido que as declarações devam ser depositadas numa instituição que, por

atribuições, tenha acesso directo a informações ligadas à execução orçamental do Estado,

como é o caso do Tribunal Administrativo. Num quadro como o que se propõe, se um titular de

um cargo público, seu cônjuge e descendentes apresentarem declarações de bens

manifestamente superiores às dos períodos anteriores, e recaindo sobre os mesmos suspeitas

de prática de infracções financeiras conexas a actos de corrupção detectadas pelo TA no

exercício das suas funções de fiscalização externa, o TA estaria em condições de agir com

celeridade na investigação das suspeitas, dado que teria acesso directo às declarações

patrimoniais dos suspeitos. No actual contexto moçambicano, onde a comunicação inter-

sectorial, dentro do sector da Justiça, sobre as matérias ligadas à corrupção é extremamente

deficiente, o depósito das declarações num organismo como o TA abriria portas para uma

fiscalização eficaz. Outra solução seria reforçar as competências do CC sobre a matéria,

nomeadamente para que este órgão passe a fazer uma fiscalização concreta, determinando,

por exemplo, se existe proporcionalidade entre os bens que acresceram ao património do titular

do cargo público, seu cônjuge e descendentes, e os rendimentos por ele auferidos no ano em

causa, e na eventualidade dos bens acrescidos serem desproporcionais, isto é,

manifestamente superiores aos rendimentos anuais declarados sem que se prove a licitude da

proveniência dos mesmos, possa levantar um juízo de suspeição sobre o cometimento de um

acto de improbidade administrativa, eventualmente ligado a uma prática de corrupção. Esta

seria uma das formas de reforço dos mecanismos de transparência em Moçambique45. No

actual quadro legal, entendemos que o depósito das declarações de bens no CC não passa de

uma situação formal e protocolar, não sendo qualquer mais-valia nas medidas

44 45

MOÇAMBIQUE, Lei no 54/2005 de 13 de Dezembro, regula as regras do procurement público .

CENTRO DE INTEGRIDADE PUBLICA: legislação Anti-corrupção em Moçambique. Op. Cit

pp.10

27

28

Page 29: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

preventivas para o combate à corrupção. O CC apenas recolhe as declarações e deposita-as,

mas não faz qualquer fiscalização de fundo sobre o conteúdo material das mesmas, limitando-

se a verificar se os órgãos abrangidos cumprem o legislado no que diz respeito ao depósito; e,

nos casos em que se detecta que as mesmas não foram depositadas, o CC alerta os titulares

para agirem em conformidade. Os depósitos das declarações no CC é pois meramente

emblemático. O CC nem tem sequer a prerrogativa de trocar informações com outras

instituições como por exemplo a Autoridade tributária, sobre os rendimentos auferidos por

titulares de cargos públicos. o cenário descrito aponta para a necessidade de as declarações

de bens deverem passar a ser depositadas numa instituição diferente, mas uma tal mudança

deve emanar do legislador nomeadamente da AR ou do governo. Entre as instituições

recomendáveis que podiam ser consideradas como depositárias das declarações de bens

encontram-se o TA e o Gabinete Central de Combate a Corrupção (GCCC)46. O primeiro pelas

razões já referidas. O segundo porque tem competência específica para investigar delitos de

corrupção. Por isso, ambas estariam em melhores condições de fazerem a fiscalização e

controlo das declarações de forma mais efectiva, tanto mais que Moçambique ainda não possui

programas específicos de gestão de ética pública, os quais implicariam a existência de

instituições vocacionadas para procederem à fiscalização, monitoramento e controlo das

normas sobre a ética na função pública. 3.5.Confidencialidade e acesso às declarações Outra

questão problemática na legislação moçambicana liga-se ao facto de as declarações de bens

feitas junto ao CC não serem públicas, sendo regidas por rigorosas regras de

confidencialidade47. O nº 5 do artigo 7 da Lei n.º 7/98 estabelece que as declarações de bens

estão cobertas pelas normas do segredo de justiça, sendo a sua divulgação indevida

sancionada nos termos da Lei.

46

Em Portugal, os titulares de altos cargos públicos devem depositar na Procuradoria Geral da

Republica dentro de 60 dias posteriores a tomada da posse. Nos termos da lei n°64/93 de 26

de Agosto, lei sobre as incompatibilidades e impedimentos dos titulares dos cargos públicos. 47

Cfr. art 7 no 5 da lei 7/98 de 15 de Junho,( regula as normas e condutas aplicáveis aos titulares

de cargos governativos: direitos e deveres).

28

29

Page 30: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Este mesmo artigo estabelece que um número restrito de governantes tem acesso às

declarações, designadamente: o Presidente da República, a Assembleia da República, o

PrimeiroMinistro e a Procuradoria-geral da República. Em suma, elas não são públicas, o que

significa que os meios de comunicação social e as organizações da sociedade civil que

pretendam investigar de forma independente alegações de corrupção envolvendo titulares de

cargos públicos não tenham acesso a esses registos, coarctando-se assim o exercício da

fiscalização. A lei também alista vários deveres mas não diz qual é o seu conteúdo (por

exemplo fala de deveres de lealdade, de isenção, mas não explica o que isso é) e não

estabelece como é que a fiscalização das declarações de bens deve ser feita. A publicidade

das declarações de bens é um requisito de transparência em democracias modernas. Esse

princípio permite que os cidadãos se defendam de determinados actos de corrupção que

tenham lugar, por exemplo, nas suas municipalidades. No caso de Moçambique, e na

eventualidade de uma regulamentação da Lei da Acção Popular48, os cidadãos estariam em

melhores condições de propor acções com vista, por exemplo, à anulação de actos lesivos ao

património do Estado que sejam praticados por titulares de cargos públicos através do abuso

das suas funções. Por isso é que entendemos que as declarações devem ser publicitadas com

vista a se conferir maior transparência à gestão da coisa pública e abrindo mais portas para a

fiscalização aos membros do executivo. Mas a ideia de publicidade das declarações de bens

não é unânime. Um dos juízes conselheiros do Tribunal Supremo numa entrevista realizada

para a elaboração desta monografia, mostrou-se céptico em relação à publicidade sem

restrições do teor das declarações de bens. O juiz em causa entendia que a publicidade sem

controlo do teor das declarações poderá constituir uma invasão à privacidade dos titulares de

cargos públicos. Defendeu que é necessária uma cultura de privacidade em relação ao acervo

patrimonial dos titulares de cargos públicos, sob pena de se expor a sua vida privada.

48

Cfr. art. 81 da Constituição da Republica de Moçambique, plural editora 1ªEdição, Maputo 2005

in República

mas ainda não foi produzida

de Moçambique, Boletim da Republica, imprensa Nacional I serie n°5 ano 2004, legislação

especifica sobre acção popular.

29

30

Page 31: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

31

Page 32: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Para outros entrevistados, continua a existir em Moçambique uma tendência de se devassar a

intimidade e a vida privada dos titulares de cargos públicos, principalmente por pessoas de má-

fé, as quais usam indevidamente informação obtida licitamente para a realização de fins ilícitos,

o que poderá fazer com que se perca o sentido de Estado. Isso explica a resistência, que ainda

existe, por parte de titulares de cargos públicos em aceitarem que o teor das declarações seja

público. Essa resistência tem aliás contornos demasiados severos, como se viu no início de

2005, quando o Governo de Armando Guebuza tomou posse e o actual Ministro das Finanças,

Manuel Chang, teve a iniciativa de divulgar publicamente a sua lista de bens. Em Março de

2005, o ministro foi solicitado por um jornal (Embondeiro) a declarar os seus bens e ele não

hesitou, tendo entregue ao jornal a cópia da declaração que tinha enviado ao Conselho

Constitucional. Antes de Chang, o Ex- ministro das Obras Públicas e Habitação, Felício

Zacarias, havia publicado, em Setembro de 2004, através do jornal Savana, a lista dos seus

bens. Na altura, Zacarias era ainda governador da Província de Sofala. Após a iniciativa de

Chang, gerou-se alguma inquietação no seio de figuras políticas, algumas das quais

argumentaram que a opinião pública podia ficar escandalizada ao ver a riqueza de alguns

ministros49. A reacção de alguns membros do então novo Governo de Guebuza foi mista. A

Ministra do Trabalho, Helena Taípo, disse que só aqueles que tinham algo a esconder é que

ficariam desconfortáveis com a publicação dos seus bens. Ela, que também entregara a sua

declaração de bens ao CC, referiu que não ficaria preocupada se os seus bens fossem

publicados. Outros ministros não estavam nada satisfeitos. Cadmiel Muthemba, Ex -Ministro

das Pescas, e actual ministro das obras públicas e habitação, disse que não via nenhuma

vantagem em se publicar a declaração de bens. Se quiserem investigar a minha vida que

investiguem, mas nunca vou publicar a minha lista de bens , disse ele. Outro Ministro que não

concordou com a publicação da declaração de bens foi António Munguambe, que na altura

dirigia a pasta dos Transportes e Comunicações. Ele disse que a sua propriedade era uma

questão de vida privada e nada tinha a ver com o público.

49

FERNAMDO Sumbana, Ministro do turismo, em declaração a agência de informação de

Moçambique, em 10 de Fevereiro de 2005

30

32

Page 33: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

3.6.Sobre os códigos de conduta e gestão de ética pública50

Se os funcionários públicos são mal pagos comparativamente aos restantes sectores de

actividade, eles se tornam mais propensos em aceitar os subornos, diferentemente dos oficiais

melhor pagos ou que recebem um salário competitivo. Isso leva a um clima de tolerância da

corrupção que é difícil de combater, com relação aos primeiros. Num contexto desses, aqueles

funcionários que conseguem construir casas com largos montantes de dinheiro proveniente da

corrupção são vistos pelos outros como gente com sucesso; também pode haver uma atitude

de simpatia relativamente àqueles que aumentam os seus salários com os subornos que

recebem, ou pelo uso de recursos públicos, como viaturas, para fins privados. Os funcionários

públicos representam o Estado na sua interface com o sector privado e a sociedade civil. No

aspecto central da sua posição para o correcto funcionamento do Estado espera-se que os

funcionários públicos possam levar `a cabo acções e tomar decisões que afectem a vida dos

cidadãos. E espera-se também que eles não abusem dos poderes e recursos postos à sua

disposição, assim como evitem os conflitos entre os seus interesses particulares e os seus

deveres públicos. A existência de Códigos de Conduta são importantes para guiar a actuação

dos funcionários em casos de tomada de decisões sobre aspectos éticos complicados e

fornecem a base para o entendimento que os utentes do Serviço Público têm sobre os

standards básicos de comportamento que podem esperar por parte dos funcionários do sector

público. O estabelecimento de Códigos de Conduta, escritos, formais que vincam a é

responsabilidade, a probidade, a legalidade e a igualdade na acção dos funcionários públicos

muito frequente na administração pública moderna. Os Códigos de Conduta estabelecem, em

termos amplos, valores e princípios que definem o papel profissional do funcionário público

como a imparcialidade, integridade, clareza e responsabilidade - ou podem dar apenas ênfase

na aplicação prática desses princípios.

50

CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA: legislação Anti-corrupção em Moçambique. Op. Cit pp.

17

31

33

Page 34: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Os códigos podem ser aplicados ao sector público no seu todo ou desenhados para reflectirem

os desafios éticos num sector específico e, nesse sentido, podem conter os procedimentos e

sanções a serem aplicados nos casos de comportamentos desviantes. Independentemente do

seu estatuto, estilo e âmbito, os Códigos de Conduta para a Administração Pública podem

jogar um papel importante numa Estratégia Anti-Corrupção51. Essencialmente preventivos na

sua essência, os Códigos de Conduta têm um enorme potencial de evitar a corrupção e a má

conduta na administração antes que ela ocorra. Bons Códigos de Conduta não apenas

identificam claramente os standards de comportamento na administração pública, incluindo

consequências aplicáveis em caso de desvios, mas também estabelecem um quadro para a

remoção ou regulação de conflito de interesses, reduzindo assim o número de oportunidades

de enriquecimento ilícito dos funcionários públicos à conta do Estado. Ao mesmo tempo, os

Códigos de Conduta fornecem declarações incisivas de intenção, direccionadas para dentro e

para fora da Administração Pública, referindo que os comportamentos anti-éticos não serão

tolerados. Apesar de existir legislação dispersa relativa às normas que devem orientar o

comportamento e a conduta do funcionário público52, em Moçambique não existe um Código

de Conduta específico para os funcionários do Estado. O Estatuto Geral dos Funcionários do

Estado e as Normas Éticas e Deontológicas do Funcionário Público, aprovadas pela Resolução

n.º 10/97, de 20 de Julho, pelo extinto Conselho Nacional da Função Pública, referem-se a

aspectos ligados à conduta geral que deve orientar o comportamento dos funcionários do

Estado. Mas não existe um Código de Conduta propriamente dito para a Função Pública.

Algumas entidades da administração pública tem, no entanto, tentado estabelecer códigos de

conduta. Um exemplo notável foi dado pelas Alfândegas de Moçambique, que no âmbito da

sua reforma e modernização, introduziu, em 2005, um Código de Conduta, o qual teve a

particularidade de ser o primeiro instrumento do género estabelecido numa instituição do sector

público em Moçambique. Outra tentativa foi levada a cabo pela Organização Nacional dos

Professores (ONP), com o apoio do Centro de Integridade Pública. Nos finais de 2006, a ONP

finalizou o seu Código

MOSSE, Marcelo: Corrupção em Moçambique: alguns elementos para o debate; Op, Cit pp..18

Exemplo lei 30/2001 de 15 de Outubro (e regula normas do funcionamento dos serviços da

administração publica.)

51 52

32

34

Page 35: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

de Conduta, depois de debates participativos realizados em todo o país. Em 2008, o Conselho

Municipal da Cidade de Maputo (CMCM) também divulgou um projecto de Código de Conduta

dos funcionários para enquadrar o seu comportamento em relação aos utentes da autarquia.

Outra experiência marcante é a da Associação Comercial e Industrial de Sofala (ACIS), que

também dispõe de um código de boas práticas para os seus membros. Estas são as únicas

experiências que se conhecem em Moçambique. Para além de códigos de conduta

propriamente ditos, alguns países mais avançados na reforma da Administração Pública, com

vista a conferir maior grau de integridade e ética na sua actividade administrativa, criaram

aquilo a que chamaram de modelos de gestão de ética pública, os quais lidam com a conduta

ética ao nível da Função Pública, coordenando e administrando programas de ética

governamental na Administração Pública. Das instituições existentes em Moçambique, não

encontramos nenhuma vocacionada a fazer a gestão específica de programas de ética pública,

com vista à prevenção de práticas de corrupção, cuja tarefa fundamental seria regulamentar,

coordenar e supervisionar programas de ética pública, o que passaria pela elaboração e

fiscalização do cumprimento dos Códigos de Conduta. Este facto denota uma fragilidade ao

nível da legislação moçambicana na componente preventiva dos actos de corrupção. É

imperioso que o Governo adopte com urgência um Código de Conduta para os funcionários

públicos, definindo aspectos ligados à integridade, transparência, prestação de contas, conflito

de interesses, gestão financeira e compras governamentais, acesso à informação

governamental entre outros aspectos. Além de um Código de Conduta geral, é necessário que

sejam adoptados códigos de conduta a nível sectorial.

33

35

Page 36: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

CAPITULO 4 4.OPORTUNIDADES DE CORRUPÇÃO EM ALGUNS DIPLOMAS LEGAIS

Nos capítulos anteriores, salientaram-se algumas das fragilidades da legislação anticorrupção,

na componente preventiva, onde foram identificadas áreas da legislação moçambicana que

necessitam de ser revistas no contexto da luta contra a corrupção. A presente secção aborda a

outra face da mesma moeda: as oportunidades de corrupção oferecidas por alguns dos nossos

diplomas legais. Estas oportunidades são criadas de várias formas e em leis que não são

especialmente dedicadas à luta contra a corrupção; leis que têm por objectivo regulamentar

vários aspectos da nossa vida, em especial a actividade financeira do Estado ou, em geral, a

actividade económica. No entanto, muitas vezes, essas leis, pela sua ambiguidade,

disposições contraditórias, incongruências, lacunas, pela permissão excessiva advinda do

poder discricionário que cabe na esfera jurídica de alguns órgãos do Estado ou pelas

excepções criadas a certas proibições ou obrigações, criam oportunidades para a corrupção.

Vamos nos referir a três grandes grupos de casos: a) O primeiro grupo respeita a leis que

impõem o cumprimento de certas regras ou contêm proibições, mas, entretanto, contêm

disposições legais que autorizam que aquelas regras não sejam cumpridas ou abrem

excepções às proibições. b) O segundo grupo, muito próximo do primeiro, respeita a leis que

concedem amplos poderes discricionários a um órgão ou agente da Administração Pública. c)

O terceiro grupo respeita a leis que contêm disposições legais contraditórias ou ambíguas. Às

vezes, estas disposições legais contraditórias ou, pelo menos, não harmonizadas, coexistem

na mesma lei, outras vezes, constam de leis diferentes, mas relacionadas com o mesmo

grande tema. O nosso objectivo é chamar à atenção para estas situações e, por isso, não nos

iremos alongar em grandes desenvolvimentos teóricos sobre o assunto. Mas, consideramos

importante dar alguns exemplos de cada um dos grupos que referimos para termos consciência

que não são meras questões teóricas, mas sim, deficiências bem reais existentes em algumas

das nossas leis.

34

36

Page 37: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Em relação ao primeiro grupo, o das leis que permitem o não cumprimento de certas regras

importantes que podem evitar a corrupção, o melhor exemplo é, sem dúvida o constante na Lei

n.º 13/97, de 10 de Julho que estabelece o Regime Jurídico da Fiscalização Prévia das

Despesas Públicas pelo TA, pela sua importância para a transparência da utilização dos

dinheiros públicos. são leis que por um lado, contêm normas de cumprimento obrigatório,

normas estas que têm especial importância para prevenir práticas corruptas no sentido mais

amplo do termo, mas, por outro lado, contêm disposições que, por vezes, sem muita precisão,

permitem que essas mesmas normas de cumprimento obrigatório, não sejam cumpridas. Em

seguida apresentamos alguns exemplos ilustrativos: A Lei n.º 13/97 prevê uma série de actos,

contratos e mais instrumentos jurídicos geradores de despesa pública, praticados ou

celebrados pelas instituições e órgãos do Estado sejam sujeitos à fiscalização prévia do TA, ou

seja, antes de se realizar a despesa, a proposta da mesma deve ser submetida ao TA para

aprovação53. É importante notar a redacção do n.º 1 do artigo 3: «São obrigatoriamente

sujeitos à fiscalização prévia...». No entanto, a alínea f) do artigo 4 e o artigo 9 abrem

excepções, permitindo que sempre que haja urgente conveniência de serviço, determinados

actos e contratos possam ter efeitos na data em que foram celebrados, mesmo sem terem sido

submetidos à fiscalização prévia. A alínea d) do número 1 do artigo 9 vai mais longe ainda, ao

conceder esta possibilidade a «contratos de qualquer natureza decorrentes de caso fortuito ou

força maior». Como se isto não bastasse, o n.º 3 do artigo 9, continua na mesma senda de

proibir com uma mão e com a outra permitir. Reza o n.º 3 deste artigo o seguinte: «Os

processos em que tenha sido declarada a urgente conveniência de serviço devem ser enviados

ao Tribunal Administrativo nos trinta dias subsequentes à data do despacho de autorização,

sob pena de cessação dos respectivos efeitos, salvo motivos ponderosos que o Tribunal

avaliará». Ou seja, apesar de ser obrigatório submeter-se a despesa à fiscalização prévia,

ainda se dá um prazo de (30) trinta dias para o assunto ser apresentado ao TA e também a

possibilidade da violação da norma de cumprimento obrigatório e a falta de cumprimento do

prazo não ser passível de qualquer sanção. Por outras palavras, obriga-se por um lado, mas

logo de seguida permite-se a

Cfr. art 3 da lei 13/97 de 10 de Julho ( estabelece o Regime Jurídico da Fiscalização Prévia das

Despesas Públicas pelo Tribunal Administrativo).

53

35

37

Page 38: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

excepção, sem que estejam muito bem fixados os critérios que norteiam esta excepção, já que:

urgente conveniência de serviço , caso fortuito ou caso de força maior apresentam-se como

situações imprecisas e muito abstractas. Acresce ainda que, a violação das normas desta lei,

só acarretará responsabilidade financeira dos autores da mesma, caso seja lesiva do

património e dos interesses financeiros do Estado, segundo dispõe o artigo 13 do mesmo

diploma. Talvez seja por isso que, o artigo 3 desta Lei seja a disposição legal mais violada na

execução do orçamento do Estado. Só na execução do orçamento de 2005, o Tribunal

Administrativo julgou que o artigo 3º da Lei n.º 13/97 foi infringido em mais de 15 vezes. Assim,

de nada vale proibir ou impor certas condutas se, verificada a infracção, nada acontece ao

infractor. No caso da Lei n.º 13/97, por exemplo, desde que o TA iniciou à análise da Conta

Geral do Estado, tem sido notada a violação da regra que impõe a fiscalização prévia, sem que

algum infractor tenha sido sancionado por isso. É claro que o não cumprimento do artigo 3 da

Lei n.º 13/97 não é, só por si, indicativo de ocorrência de corrupção, nem estamos a dizer ou a

insinuar sequer que os casos de violação deste artigo apontados pelo TA foram casos de

corrupção. O que queremos demonstrar com este exemplo é a porta aberta à corrupção que a

excepção prevista pela lei criou, sendo certo que é importante prever-se a excepção. Essencial

é que o regime excepcional, na sua essência e na sua amplitude não implique a derrogação da

regra geral, sob pena de tornar a excepção em regra. Um outro exemplo é o constante na Lei

n.º 10/99, de 12 de Julho, a lei conhecida como Lei das Florestas e Fauna Bravia. Estipula o

artigo 10 desta lei que há zonas de protecção que são destinadas à conservação da

biodiversidade e de ecossistemas frágeis ou de espécies animais ou vegetais. O n.º 2 do artigo

11 desta lei enumera as actividades cujo exercício é interdito nestas áreas, a não ser por

razões científicas ou por necessidades de maneio. Mas, a mesma lei refere que:

54

«Por razões de necessidade, utilidade ou interesse

públicos o Conselho de Ministros pode, excepcionalmente, autorizar o exercício de certas

actividades nas zonas de protecção referidas na presente Lei». Esta é mais uma excepção à

proibição. Nem sequer refere quais são as actividades que poderão ser autorizadas. Parece

que

54

Cfr. art 8 da lei 10/99 de 12 de Junho (regulamento das florestas e fauna bravia)

38

Page 39: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

36

39

Page 40: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

todas, estando isto sob alçada da discricionariedade do poder público. Não se define ou limita

ou precisa em que deve consistir essa necessidade , utilidade ou interesses públicos . Não se

dão quaisquer critérios nem se obriga a uma fundamentação. Pode ser mais uma porta aberta

à prática de actos de improbidade administrativa. É evidente que poderá e terá que haver

excepções. Mas a questão que se coloca é a de saber se todas as excepções que existem nas

nossas leis são necessárias, bem como se e quando o são, e se não deveriam ser limitadas e

precisar-se melhor quando e como estas excepções poderão ocorrer. Por outro lado, também,

seria importante que o não cumprimento de certas normas obrigasse a uma fundamentação e

justificação, plena e pública, por parte do respectivo órgão ou agente ou funcionário da

Administração Pública. O segundo grupo, que queremos anotar, é o respeitante a leis que

contém amplos

poderes discricionários dados a um órgão ou agente da Administração Pública. A Lei de

Florestas e Fauna Bravia que há pouco referimos: o amplo poder dado ao Conselho de

Ministros de permitir actividades proibidas em zonas de protecção. Um outro exemplo é o

constante do Código dos Benefícios Fiscais. Este Código determina os vários benefícios e

incentivos fiscais ao investimento. Duma maneira geral, os benefícios são fixados sem grande

margem de manobra por parte da Administração Pública. No entanto, no caso dos Projectos de

Grande Dimensão, o Conselho de Ministros está autorizado a conceder incentivos

excepcionais. O terceiro grupo que queremos referir respeita às leis que contêm disposições

legais incongruentes, contraditórias ou ambíguas. A propósito das leis que contêm as

excepções às proibições ou às obrigações, referimos o caso da Lei de Florestas e Fauna

Bravia. Os mesmos artigos servem como exemplo de contradições e ambiguidades existentes

na nossa lei que podem criar oportunidades de corrupção. De facto, naquele caso concreto,

fica-se sem se ter a certeza se a permissão excepcional dada pelo 55 n.º 8 do artigo 10 de

autorizar actividades em zonas de protecção abrange mesmo as zonas de protecção total, tal

como as referidas no artigo 11 (parques nacionais) e as actividades que neste artigo são

expressamente proibidas. Como outro exemplo, ainda, dentro deste terceiro grupo de leis que

contêm contradições e ou ambiguidades, podemos referir o caso respeitante à propriedade de

prédios

55

Lei no 10/99 de 12 de Junho( regulamento das florestas e fauna bravia).

37

40

Page 41: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

41

Page 42: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

urbanos. Tanto a Lei de Terras56, como o seu Regulamento, como o recentemente aprovado

Regulamento do Solo Urbano, referem que os estrangeiros residentes há menos de cinco anos

em Moçambique, não podem ser titulares do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra, a

menos que seja no âmbito dum projecto de investimento estrangeiro. Mas, nenhuma lei proíbe

os estrangeiros não residentes ou residentes há menos de cinco anos de serem proprietários

de imóveis, assim como não os proíbe de serem proprietários de quaisquer outros bens.

Parece que os estrangeiros não residentes poderão ser proprietários de apartamentos em

propriedade horizontal, já que nestes casos nenhum dos proprietários dos apartamentos é, por

si só, titular do Direito de Uso e Aproveitamento da terra onde está implantado o imóvel. Mas,

já não poderão ser proprietários de vivendas , já que com a transmissão destas se transmite o

Direito de Uso e Aproveitamento da Terra, o que é proibido a um estrangeiro.

56

Lei no 19/97 de 1 de Outubro lei de Terras in Republica de Moçambique Boletim da República

serie no 40, 3o suplemento .

38

42

Page 43: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

CAPITULO 5 DA PROVA DO ENRIQUECIMENTO ILICITO 5.1.Aspectos gerais

A norma jurídica é um comando abstrato que tem como objetivo regular o comportamento

humano para que a vida em sociedade seja organizada e, neste sentido, incidirá apenas

quando um facto da vida se adequar a ela. Assim, mediante a necessidade de intervenção

jurisdicional, o processo será o instrumento hábil para buscar a tutela estatal. Todavia, para

que o juiz proceda ao julgamento da lide é necessário que ele tenha conhecimento dos factos

que se amoldam à norma. Provar, na sistemática do processo civil, diz respeito à atividade

desenvolvida pelas partes no processo, com o objetivo de trazer para os autos informações

que demonstrem a veracidade de suas alegações. Trata-se de uma investigação limitada a

saber se certo número de afirmações são ou não verdadeiras. A investigação processual não é

uma actividade de descoberta da verdade sobre certo evento ou complexo de eventos, mas

uma actividade de confirmação ou prova de um certo numero de afirmações previamente feitas

sobre mesmos eventos, não se destina a aquisição de conhecimentos novos mas a

demonstração da verdade dos factos já alegados em juizo e que resta só confirmar a prova.57

5.2.Conceito de prova Nos termos do artigo 2404 do cod. Civ. de 1867, define demonstração

da verdade dos factos alegados em juizo.58 A luz do codigo civil vigente em Moçambique, reza

que: as provas têm por função a demonstração da realidade de um facto59 . a prova como a

57

MENDES, João de Castro: processo civil; editor AFDL, vol. II, Lisboa 1987, pp. 442. Idem

pp..442 59 Cfr. Art 341 do código civil vigente em Moçambique

58

39

43

Page 44: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Esta definição tem caracter subjectivo, pois trata-se de convencer o tribunal a formar nele uma

convicção acerca de cada facto quesitado60( vide no 1 do art. 655 in fine do CPC). O termo

prova pode ser usado em três61 sentidos a saber: 1) Como actividade destinada a demonstrar

a verdade dos factos alegados em juizo- melhor se dirá então actividade probatória. 2) Como

resultado final, consiste em a verdade dos factos alegados em juizo ficar demonstrada esse é o

sentido mais curial do termo em doutrina e aquele em que este é usado em expressões como

fez-se prova. 3) Como cada um dos meios de natureza diversa que se usam para investigar da

verdade ou falsidade de factos alegados em juizo, nesse sentido se dirá que um documento é

uma prova, cremos ser o sentido da palavra prova no artigo 341 do codigo civil. 5.3.Objecto da

prova Correntemente diz-se que o objecto da prova são os factos; em rigor deve-se antes dizer

que o objecto da prova são afirmações ou alegações de facto, estas é que são dadas como

verdadeiras ou falsas. Objecto da prova, são os factos alegados pelas partes que interessam a

discussão da causa, segundo as varias soluções plausiveis da questão de direito62, 63. Feita

esta prevenção, seguir-se-a a terminologia largamente corrente e usual, e grosso modo

correcta. Diremos que o objecto de prova são factos64. Em cada processo será objecto da

prova um número limitado de factos a saber: 1. So devem ser objecto da prova factos

pertinentes que interressem a solução do pleito. Mesmo porém, entre factos pertinentes, o juiz

só pode servir-se para decidir o pleito, dos articulados pelas partes( vide art.664 CPC) factos

60 61

Cfr. no 1 do art. 655 in fine do código do processo civil MENDES, João de Castro: processo

civil OP. Cit. PP. 443. 62 ALVES, João; GERALDES, António, SANTOS Jorge: Direito civil e

processo civil; Tomo II, Editor Instituto nacional de Administração(INA), Portugal, 2007 pp. 150.

63 Cfr. no 1, do art. 511 do código do processo civil 64 MENDES, Joao de Castro: Op.Cit. pp.

443

40

44

Page 45: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

2.

factos que o tribunal tenha conhecimento por virtude do exercicio das suas funções que hoje

nos parecem ser limitarem-se aos factos que se passaram no tribunal ou perante ele. Estes

não carecem de alegações, mas quando o tribunal se socorre destes factos deve fazer juntar

ao processo documentos que a comprove processo civil).

65

(vide artigo 514 no 1e 2 do codigo do

5.4.Ónus da prova É a condição imposta a certa pessoa, de uma vantagem concedida pela lei.

66 O problema resulta da circunstancia de a lei ter de admitir quanto aos factos que se chegue

a um resultado de dúvida irredutivel ou insanavel. E uma das formas possiveis de resolver o

problema da duvida insanavel acerca dos factos é o sistema do ónus da prova. O sistema

aparece-nos da seguinte forma: a lei impõe a cada uma das partes o ónus de provar um certo

numero de factos dos necessarios a decisão da causa, e impoe-lhe se não cumprir esse ónus,

a desvantagem de ver o juiz fundar a sua decisão na afirmação, sem prova de facto contrario.

Esta é uma tecnica subjectivista de resolver o problema: considerar imposto a cada parte um

ónus de provar um certo numero de factos sem o que ela verá tomar como base da decisão os

contrarios. Na realidade julgamos mais curial uma tecnica objectivista: numa questão de facto

de que dependa o julgamento, a lei da sempre a uma das afirmações alternativas que a

compõem o caracter privilegiado de ser tomada como base da decisão em dois casos: se for

provada em si ou em situação de duvida irredutivel. A afirmação contraria só será tomada em

conta se for provada. A principal dificuldade que aqui surge é a de resolver o problema da

distribuição do ónus de prova. A norma fundamental sobre esta materia é a do art. 342 do

codigo civil sub a epigrafe justamente de ónus da prova : 1. aquele que invocar um direito cabe

fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

65 66

REIS, José Alberto dos:Codigo do processo civil anotado, in MENDES, João de Castro : Op.

Cit. PP..445 Idem, pp. 446

41

45

Page 46: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, compete

aquele contra quem a invocação é feita. 3. Em caso de duvida, os factos devem ser

considerados como constitutivos de direito E o artigo 516 do CPC, conjugado com a parte final

do artigo 346 do Cod. civ, estabelece que este jogo de regras do ónus de prova resolve o

problema da duvida irredutivel. Sob a rubrica principio a observar em caso de duvida , o artigo

516 do codigo do processo civil,

diz: a duvida sobre a realidade dum facto e sobre a repartição do ónus de prova, resolve-se

contra a parte a quem o o facto aproveita . Em certos casos, o ónus da prova compete a parte

que segundo a repartição normal dele estaria liberada. Esta evenualidade pode suceder por

força da lei ou por vontade das partes. 5.5.Inversão de ónus da prova em processo civil As

regras do onus da prova acima enunciadas, acabam por se intervir nos seguintes casos 67, 68:

1-Quando há presunção legal( incumbe a parte que dela não beneficia a elisão da presunção,

mediante prova em contrario). 2-quando há dispensa ou liberação de ónus de prova( Ex. no

caso do art.458 no 1do codigo civil que estabelece a presunção da existencia de

causa( relação fundamental) quando hája promessa de uma prestação ou o reconhecimento de

uma divida atraves de documento); 3-quando há convenção valida que dispense ou libere uma

das partes do ónus de prova( inaplicaveis no caso de direitos indisponiveis ou quando a

inversão torne muito dificil o exercicio do direito69; 4 -Quando a lei o determine; 5-Quando a

parte contraria tiver culposamente tornado impossivel a prova do onerado70.

67

Cfr. art 344 do código civil ALVES, João; GERALDES, António, SANTOS Jorge: Direito civil e

processo civil. Op. Cit. PP. 153 69 Cfr. o art. 345 do código civil. 70 por exemplo a parte

contraria destrói o objecto que ia ser apreciado pelos peritos, recusa a prestar informações, e

entregar documentos a ser sujeito a exame)

68

42

46

Page 47: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Para a prova de factos negativos, não é de se socorrer da inversão de ónus de prova, mas sim

de um grau de exigencia e de compreensão pela dificuldade de a parte produzir prova71. 5 .6.

O principio da investigação ou da verdade material em processo criminal O tribunal, não esta

limitada pela prova dos factos aduzida pela acusação e defesa, mas antes tem o poder-dever

de investigação oficiosa: definido o objecto do processo pela acusação e delimitado

consequentemente o bjecto do julgamento, o tribunal deve procurar a reconstrução historica

dos factos72, deve procurar por todos os meios processualmente admissiveis alcançar a

verdade histórica73 independentemente ou para além da contribuição da acusação e da

defesa, contrariamente ao que sucede no processo civil, não existe o ónus de prova em

processo penal. O tribunal pode e deve ordenar oficiosamente toda a produção da prova que

entenda por necessaria ou conveniente para a descoberta da verdade. Este poder-dever do

tribunal, poder-dever de procurar oficiosamente a verdade, é geralmente justificado pela

necessidade de procurar a verdade, pois que ao processo penal não bastaria uma verdade

formal, ou seja a reconstrução dos factos feita apenas com base de contribuição probatoria das

partes, mas a verdade histórica ou verdade material.a intenção do principio é primariamente

criar bases de decisão, por tanto amateria das provas( vide a reunião dos artigos 226 a 228,

330 ambos do codigo do processo penal conjugado com o artigo 34 do Decretolei 35007 de 13

de outubro de 1945). Neste principio da-se duas (2) possibilidades perante o acto inicial da

promoção de qualquer processo: 1- em uma delas, as partes disporão do processo como coisa

ou negocio seu. 2- Na outra será o tribunal a investigar independentemente das contribuições

das partes, para assim construir autonomamente as bases da sua decisão. Deste modo

opoem-se dois (2) principios a saber:

71 72 73

ALVES, João; GERALDES, António, SANTOS Jorge: Op Cit pp. 153 Cfr. art. 34 do decreto lei

no 35007 de 13 de Outubro de 1945 SILVA, Germano Marques Da: curso do processo penal;

Editor Verbo, 3ª Edição, vol. I, Lisboa, 1996. PP. 78.

43

47

Page 48: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

De um lado o principio despositivo de contradição ou discusão, ou da verdade formal e do outro

lado o principio da investigação instrutoria, inquisitoria ou da verdade material que rege o nosso

processo. A sua luz, terá o juiz de considerar como provados todos os factos que apresentados

por uma das partes não sejam contraditorias pela outra, por isso se diz que a sentença procura

e declara a verdade formal. Na base deste principio é diversa a posição do juiz 74( vide artigo

9, 330, 332 §único, 440§ 1o , 425§ 3o , 443 § 1o e 3o , 467,533 e 539 ambos do codigo do

processo penal). 5.7.Principio da presunção de inocencia o principio de presunção de inocencia

consagrado no art.59 n° 2, da constituição da Republica de Moçambique, assenta no

reconhecimento dos principios do direito natural, como fundamento da sociedade, principios

que aliados a sociedade do povo e ao culto de liberdade constituem os elementos essenciais

da democracia. Nas suas origens, o principio teve sobre tudo o valor de reação contra os

abusos do passado e o significado juridico juridico negativo de não presunção da culpa. No

presente, a afirmação do principio quer nos textos constitucionais quer nos documentos

internacionais, ainda que possa tambem significar reaçcão aos abusos do passado mais ou

menos proxima, representa sobre tudo um acto de fé no valor ético da pessoa, proprio de toda

a sociedade livre75. Esta actitude politico-juridico tem consequencias para toda a estrutura do

processo penal que assim há-de assentar na ideia-força de que o processo deve assegurar

todas as necessarias garantias praticas de defesa do inocente, e não há razão para não

considerar inocente quem não foi ainda solene e publicamente julgado, culpado por sentença

transitada. Do principio resulta ainda entre muitas outras consequencias, a inadimissibilidade

de qualquer especie de culpabilidade por associação ou colectiva e que todo o acusado tenha

o direito de exigir prova da sua culpabilidade no seu caso particular a extreita legalidade,

subsidieriedade e excepcionalidade da prisao preventiva76; a informação ao acusado, em

tempo util, de todas as

74

Cfr. Art. 9; 330; 332 §único, 440§ 1o , 425§ 3o , 443 § 1o e 3o , 467,533 e 539 Ambos do

codigo do processo penal em vigor na República de Moçambique . 75 SILVA, Germano

Marques Da: curso do processo penal; Op. Cit. Pp. 75 76 Idem pp. 75

44

48

Page 49: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

provas contra ele reunidas, a fim de que possa preparar eficazmente a sua defesa e o dever do

Ministerio publico apresentar em tribunal todas as provas de que dispunha, sejam eles

favoraveis ou desfavoraveis à a cusação. A limitação a recolha de provas em locais de caracter

privado, a estrita legalidade das atribuições da Policia e do Ministerio Público e bem assim das

entidades de guarda dos detidos e presos. Do exposto, resulta que o principio que ora

abordamos e que tem valor constitucional, não tem reflexos apenas num ou noutro instituto

processual, mas se há-de projectar no processo penal em geral na organização e

funcionamento dos tribunais, no direito penitenciario e até por ventura no direito penal77.

5.8.Presunção de inocência VS Supremacia do interesse público

O princípio da presunção de inocência foi legalmente previsto, pela primeira vez, no artigo 9º

da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão78, em 1789, na França, como segue: Art.

9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável

prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente

reprimido pela lei (FRANÇA, 1789). Em Dezembro de 1948, o princípio da presunção de

inocência atingiu o cenário mundial após a Assembléia das Nações Unidas editar a

"Declaração Universal dos Direitos do Homem". Considerada um dos documentos básicos da

Organização das Nações Unidas, esta declaração prevê o princípio em questão no artigo XI,

ipsis litteris: Artigo XI. 1. Todo ser humano acusado de um acto delituoso tem o direito de ser

presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em

julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua

defesa. (FRANÇA, 1948) Por sua vez, o princípio da Supremacia do interesse público tem o

objetivo de promover o bem-estar coletivo, pois, a partir do final do século XIX, após um

período de transformações sociais, econômicas e políticas, o Direito passou a ser visto como

instrumento de garantia dos direitos colectivos e meio apto para a concretização da justiça

social.

77

SILVA, Germano Marques Da: curso do processo penal; Op. Cit. Pp. 75 Cfr. art. 9 da

declaração dos direitos do homem e do cidadão, in PINHEIRO Rui, MAURICIO Artur, A

Constituição e o processo penal, 2a Edição, Lisboa , pp .121 e seguintes.

78

45

49

Page 50: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

50

Page 51: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

O individualismo que até então predominava deu lugar a um Estado activo e garantidor das

necessidades colectivas79. O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse

privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua

existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que

inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele, Afinal, o princípio em causa é

um pressuposto lógico do convívio social. Os interesses sociais encontram-se acima dos

estatais, pois são anteriores a este. O interesse público propriamente dito, ou primário, "é o

pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o

interesse que a lei consagra e entrega à competência do Estado como representante do corpo

social". 80 No Direito contemporâneo, os princípios deixaram seu caráter subsidiário para

assumir papel de norma de aplicação imediata à resolução de conflitos. Os princípios são

norma jurídica, ao lado das regras o que converte norma jurídica em gênero, do qual são

espécies os princípios e as regras jurídicas". O princípio da presunção de inocência é um dos

direitos fundamentais garantidos pela Constituição, e como tal, assegura a liberdade e a

dignidade humana e deve ser respeitado pelo ordenamento jurídico, como forma de diminuir o

poder estatal e evitar a condenação de pessoas inocentes. Deste princípio decorrem algumas

consequências, tais como: direito a ampla defesa, duplo grau de jurisdição, direito ao

contraditório e inviolabilidade. Nesse sentido, o princípio da presunção de inocência, como

corolário das Constituições Democráticas de Direito, foi inserido na nossa Constituição81, com

o objetivo de proteger os indivíduos do arbítrio do poder estatal. A supremacia do interesse

público sobre o particular impõe limites aos actos abusivos praticados pelos administradores e

tem como razão de ser, a dignidade da pessoa humana, pois o fim visado pelo Estado é o

bem-estar da colectividade.

79

MELLO Meirelles: o principio de supremacia do interesse publico; 2006, pp. 103, Disponível em

www.Google.com.br. http://jus.uol.com.br/revista/texto/18607, Acessado em 6 de março de

2011. 80 MELLO Meirelles: Op.Cit pp. 104 81 Cfr. art. 59 n o 2 Constituição da Republica de

Moçambique, plural editora 1ªEdição, Maputo 2005 in República de Moçambique, boletim da

republica, imprensa Nacional I serie n°5 ano 2004.

46

51

Page 52: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

A presunção de inocência é uma garantia que não se limita à esfera penal. Embora

historicamente vinculada ao processo penal, também irradia os seus efeitos, sempre em favor

das pessoas, contra o abuso de poder e a prepotência do Estado, projectando-se para esferas

processuais não criminais, em ordem a impedir, dentre outras graves conseqüências no plano

jurídico ressalvada a excepcionalidade de hipóteses previstas na própria Constituição, que se

formulam, precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais fundados em situações

juridicamente ainda não definidas (e, por isso mesmo, essencialmente instáveis) ou, então, que

se imponham ao réu, restrições a seus direitos, não obstante inexistente condenação judicial

transitada em julgado. Dessa forma, os princípios que prescrevem a protecção tanto do

interesse público quanto do interesse privado devem ser ponderados por meio de um terceiro

princípio: da proporcionalidade. Somente assim será possível alcançar resultados satisfatórios

em face de um caso concreto82. Os princípios jurídicos são concretizados conforme as

condições fácticas e jurídicas, portanto, um mesmo princípio terá diferentes graus de aplicação

na resolução de situações da vida quotidiana. O valor conferido a determinado princípio, em

uma dada situação fáctica, poderá ser diverso em outro caso, podendo até ter sua aplicação

afastada em determinadas situações. Cabe ao julgador a aplicação da proporcionalidade a

cada caso concreto, uma vez que a ponderação entre os princípios será feita mediante a

argumentação jurídica das partes e a análise dos interesses pleiteados. O uso da ponderação

faz com que o raciocínio jurídico do julgador, frente aos argumentos das partes, o leve à

resolução do caso concreto mediante a prolação de decisão razoável e coerente com o sistema

normativo constitucional, decisão esta capaz de fortalecer e conferir legitimidade à atuação do

Poder Judiciário. 5.9. A Inversão do Ónus da prova quanto ao enriquecimento ilicito Em casos

específicos, a responsabilidade pela produção da prova poderá recair sobre a parte

determinada por lei ou, até mesmo, sobre aquela que tiver mais facilidade ou melhores

82

Silva: presunção de inocência Acessado em 6 de março de 2011.

2002 in www.Google.com.br. http://jus.uol.com.br/revista/texto/18607,

47

52

Page 53: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

condições para produzi-la. A inversão do ónus da prova torna-se, por conseguinte, um

importante instrumento para a solução de determinadas lides. Existem situações de direito

substancial que exigem que o convencimento judicial possa se formar a partir da

verossimilhança do direito sustentado pelo autor83. Da mesma forma que a regra do ônus da

prova decorre do direito material, algumas situações específicas exigem o seu tratamento

diferenciado. Isso pelo simples motivo de que as situações de direito material não são

uniformes. A suposição de que a inversão do ônus da prova deve estar expressa na lei está

presa à idéia de que qualquer incremento do poder do juiz deve estar definido na legislação,

pois de outra forma estará aberta a possibilidade de o poder ser utilizado de maneira

arbitrária84 Segundo o entendimento de MARION E ARENHART85, quando se inverte o ônus,

é preciso supor que aquele que vai assumi-lo terá a possibilidade de cumpri-lo, pena de a

inversão do ônus da prova significar a imposição de uma perda, e não apenas a transferência

de um ônus. Nessa perspectiva, a inversão do ônus da prova somente deve ocorrer quando o

réu tem a possibilidade de demonstrar a não existência do facto constitutivo. O autor estará

obrigado apenas a demonstrar a desproporção entre o patrimônio e a renda do agente público.

Ou seja ao acrescentar que "após a prova da aquisição de bens cujo valor seja

desproporcional à evolução patrimonial do réu, caberá a este a demonstração da licitude do

seu enriquecimento"86. A inversão do ônus da prova, para esta segunda corrente funda-se na

dificuldade que tem o autor da acção, nestes casos, de provar a visível desproporção do

patrimônio e a renda do agente. Argumentam que entendimento diverso tornaria letra morta o

dispositivo, uma vez que, se fosse necessário provar também o facto específico de corrupção

que originou a vantagem indevida, esta modalidade já estaria certamente prevista em algum

outro dispositivo da lei.

83

MARION A inversão do ónus de prova in PAIÉ, Karline dos Santos Nascimento: Presunção de

enriquecimento ilícito na Lei de improbidade administrativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 16,

no. 2800, 2 de Março. 2011. Disponível em: . Acesso em: 6 mar. 2011. 84 Idem 84 SAMPAIO,

Gomes: inversão do ónus da prova; editora Atlas, 2ª Edição São Paulo. Pp.. 267-268. 85 Idem.

Pp. 272 86 SAMPAIO, Gomes, Op. Cit Pp. 274

48

53

Page 54: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Estará o autor da acção obrigado a demonstrar apenas a desproporção entre patrimônio e

renda do funcionário, é a partir desse ponto que se inverte o ônus da prova"87. De acordo com

o entendimento de Medeiros, a inversão do onus de prova, em momento algum afronta a lei

mãe ou seja Norma normarum

88

A Constituição não veda a

previsão de inversão do ônus da prova, tanto que no Direito do Consumidor a matéria

encontra-se pacificada, não se tendo conhecimento de discussões sérias acerca de sua

constitucionalidade. Na verdade, não há qualquer inversão do ónus da prova em matéria penal.

Os rendimentos licitamente obtidos por titulares de cargos públicos são perfeitamente

verificáveis. A verificar-se a existência de património e rendimentos anormalmente superiores

aos que são licitamente obtidos tendo em conta os cargos exercidos e as remunerações

recebidas, ficará preenchido o tipo de crime se tal desproporção for provada. A demonstração

de que o património e os rendimentos anormalmente superiores aos que seriam esperáveis

foram obtidos por meios lícitos excluirá obviamente a ilicitude. Aliás, ao Ratificar a Convenção

das Nações Unidas contra a Corrupção, através da Resolução da Assembleia da República n.º

31/2006 de 29 de Dezembro, a Convenção da união africana contra a corrupção através da

resolução n.º 30/2006, de 2 de Agosto e o protocolo da SADC contra a corrupção ratificada

pelo conselho de Ministros pela resolução no 33/2004 de 9 de Julho, o Estado Moçambicano

assumiu o dever de introduzir o crime do enriquecimento ilícito no seu ordenamento jurídico.

Com efeito, dispõe os artigos 20.º da Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, que

sem prejuízo da sua Constituição e dos princípios fundamentais do seu sistema jurídico, cada

Estado Parte deverá considerar a adopção de medidas legislativas e de outras que se revelem

necessárias para classificar como infracção penal, quando praticado intencionalmente, o

enriquecimento ilícito, isto é o aumento significativo do património de um agente público para o

qual ele não consegue apresentar uma justificação razoável face ao seu rendimento legítimo.

Entre nós, esta disposição da Convenção das Nações Unidas não contraia qualquer princípio

constitucional e não pode permanecer letra morta em Moçambique.

87

FERRAZ E BENJAMIM : Inversão de ónus da prova in PAIÉ, Karline dos Santos Nascimento:

Presunção de enriquecimento ilícito na Lei de improbidade administrativa. Jus Navigandi,

Teresina, ano 16, n. 2800, 2 de Março. 2011. Disponível em: . Acessado em: 6 de março de

54

Page 55: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

2011. 88 Interpretação literária latina significa Norma das normas, designação dada a

constituição da Republica, lei mãe de um Estado.

49

55

Page 56: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

De acordo com o aludido, é difícil para o autor da acção por improbidade comprovar a origem

de recursos utilizados no aumento ilícito de patrimônio pessoal. Por isso, é necessário

autorizar, expressamente, o juiz a inverter o ônus da prova. 5.10.Dispensa de prova do facto

presumido89

Embora o sistema de valoração da prova no processo civil contemporâneo seja o do livre

convencimento do juiz, existem algumas orientações, de caráter abstrato, que limitam essa

liberdade. Uma dessas orientações diz respeito às normas que estabelecem presunções

relativas. Estas isentam a parte de produzir prova do facto presumido e dispensam o juiz de

examinar a veracidade de sua afirmação,( Ex. no caso do art.458 no 1do codigo civil que

estabelece a presunção da existencia de causa( relação fundamental) quando haja promessa

de uma prestação ou o reconhecimento de uma divida atraves de documento); excepto quando

há possibilidade de a parte contrária produzir a respectiva prova.

5.11.Das Presunções em geral Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um

facto conhecido para firmar um facto desconhecido90 as presunções podem ser legais e

judiciais 91. Segundo Feriani presunção é uma maneira de raciocinar que parte de um fato

provado para a constituição de outro que realmente interessa para a decisão do conflito92

Presunção é um processo racional do intelecto, pelo qual, do conhecimento de um facto infere-

se com razoável probabilidade a existência de outro ou o estado de uma pessoa ou coisa. A

experiência pessoal do homem e a cultura dos povos mostram que existem relações

razoavelmente constantes entre a ocorrência de certos factos e a de outros, o que permite

formular juízos probabilísticos sempre que se tenha conhecimento daqueles. Daí por que o

homem presume,

SAMPAIO, Gomes, Op. Cit Pp. 278. Cfr. Artigo 349 do código civil em vigor na Republica de

Moçambique 91 Cfr. artigos 350 no 1 e 2 e 351 ambos do Código civil 92 FERIANI, L. A.

Manual de Direito Processual Civil. Editor Bookseller, Campinas 2000.pp. 54

89 90

50

56

Page 57: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

apoiado na observação daquilo que ordinariamente acontece. O momento inicial desse

processo psicológico é o conhecimento de um fato-base, ou indício revelador da presença de

outro facto. Seu momento final, ou seu resultado, é a aceitação de um outro fato, sem dele ter

um conhecimento directo. As presunções não são privilégio dos juristas. Também o homem

comum faz suas ilações e comporta-se voluntariamente de acordo com elas, a partir da

experiência comum e observação daquilo que ordinariamente conhece. São da sabedoria

popular certos pensamentos reveladores dessa realidade, como onde há flano há fogo, ou

quem cala consente. Todos sabem que se de algum lugar emana uma fumaça, é porque

provavelmente ali está em curso alguma combustão; quando alguém não nega algo afirmado

ou proposto por outrem, é bastante provável que esteja de acordo.93 A presunção de um fato

tem por objetivo facilitar a produção da prova, seja em razão de previsão legal ou a critério do

magistrado. No entanto, presunção alguma tem fundamento em um juízo de certeza, pois, a

probabilidade existente entre o fato-base e o presumido é apoiada em confiança razoável, e

não absoluta. São duas as espécies de presunção: presunção absoluta (juris et de jure) e

presunção relativa (juris tantum). A primeira tem força tal que, o facto presumido desconsidera

qualquer prova contrária. Mas, tanto no direito material, quanto no processual, as presunções

absolutas são todas legais, ou seja, não são admitidas as presunções absolutas estabelecidas

pelo juiz. As presunções relativas são aquelas que, dispensam a prova do fato presumido, mas

podem ser anuladas em razão da produção de prova contrária. Partindo de um indício de

veracidade, o interessado não tem a obrigação de provar o facto relevante para o processo.

Estas podem ser de ordem legal ou judicial. Enquanto a presunção legal encontra-se expressa

na lei e é aplicada em todos os casos que se enquadram em suas previsões, a segunda

(presunção judicial) decorre de um raciocínio humano, pois parte de um indício para um facto

relevante.

93

DINAMARCO, C. R.: Instituições de Direito Processual Civil; 2ª Edição, Malheiros Editores,

Volume III, São Paulo 2002. Pp.113.

51

57

Page 58: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

Todas as espécies de presunção constituem processos de raciocínio dedutivo que levam à

conclusão de que determinado facto ocorreu, quando se sabe que outro haja acontecido. 5.12.

A presunção do enriquecimento ilicito

Antes demais torna-se necessario clarificar que o simples facto de desproporção patrimonial do

agente, não pode ser considerada uma espécie de ilícito insuscetível de prova em contrário. Na

primeira hipótese (aquisição de bens desproporcionais à evolução do patrimônio), a aquisição

de bens não se justifica pela variação patrimonial, ou seja, o agente não consegue demonstrar

que a aquisição de bens originou-se com valores obtidos na alienação de outros bens que já

integravam o seu patrimônio. Neste caso, se o agente adquiriu bens com sua renda legítima ou

com o resultado da alienação de outros bens já integrantes do seu patrimônio, estará

justificada a sua variação patrimonial. Já a segunda hipótese (aquisição de bens

desproporcionais à renda do agente público), diz respeito ao agente público que, no exercício

de mandato, cargo, emprego ou função pública, adquire bens ou direitos de qualquer natureza

sem que possua rendimentos de origem comprovada que possam justificar essas aquisições.

Como o agente não tem justificativa financeira para a aquisição dos bens pressupõe-se que os

seus recursos são de origem ilícita. 94 De fato, se não se prova a prática, ou a abstenção, de

qualquer acto de ofício do agente público que enriqueceu ilicitamente, satisfaz o ideário de

repressão à imoralidade administrativa provar-se que seu patrimônio tem origem inidônea,

incompatível, desproporcional, sendo manifestamente insólito à normalidade da evolução de

sua riqueza e absolutamente incongruente com a sua disponibilidade financeira, porque foi

construído a partir das vantagens proporcionadas pelo exercício de sua função pública, ou

seja, da condição de agente público, bem conhecido o dado sociológico da estrutura das

relações do poder político e da autoridade. A presunção do enriquecimento ilícito do agente

público tem como fundamento a observância do princípio da moralidade administrativa, pois, "é

razoável que sobre os agentes públicos pese esse

94

BARBOSA, M. A. de : O Controle da legitimidade do enriquecimento dos agentes públicos.

Editor Escola de administração fazendária, São Paulo 2009. Pp.36

52

58

Page 59: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

encargo de comprovar a origem lícita de seu patrimônio"95. Sendo assim, deve o servidor

saber, desde o momento em que ingressa no serviço público (momento em que fará sua

primeira declaração de bens), que a relevância e a responsabilidade de suas funções dele

exigirão comportamento exemplar, assim como o ônus de, ao longo de sua vida funcional,

demonstrar a licitude da eventual evolução de seu patrimônio. Deve ele saber que se

presumirá obtido por meios ilícitos qualquer acréscimo patrimonial que não possa justificar de

modo transparente. É o mínimo que se pode exigir de quem está investido numa função

pública, zelando pelo interesse social e lidando com o patrimônio de toda a coletividade. Se

todas as pessoas devem, em respeito à lei, formar seu patrimônio de forma lícita, com maior

razão ainda o funcionário público, que além disso deverá estar sempre apto a demonstrar a

regularidade da aquisição de seus bens. Se os acréscimos forem efetivamente lícitos,

nenhuma dificuldade enfrentará o funcionário em fazê-lo 96. É desnecessário que o autor da

ação de improbidade demonstre qual o acto praticado pelo agente que originou o acréscimo

patrimonial desproporcional, portanto, não há que se falar em inversão do ônus da prova, pois,

a dissonância entre a evolução patrimonial do agente e a contraprestação que lhe é paga pelo

Poder Público é indício veemente de enriquecimento ilícito. Resta ao agente demandado o

ônus de provar os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos da pretensão do autor e a prova

pelo agente de que os bens adquiridos têm origem lícita trata-se de fato impeditivo da

pretensão do autor97 Presume-se a existência de enriquecimento ilicito, bastando que o autor

da acção, demonstre que houve uma evolução patrimonial não justificada pelo agente, em

razão deste não possuir rendimentos suficientes ou outras rendas que legitimem essa

evolução, pois ninguém aumenta o seu patrimônio sem a obtenção de alguma espécie de

recurso98.

95

FERRAZ, A. A. M. de C.; BENJAMIN, A. H. de V. E. A inversão do ônus da prova na Lei da

Improbidade Administrativa Lei n. 8.429/92.Editor Associação Paulista do Ministério Público.

Teses aprovadas no 10° Congresso Nacional do Ministério Público. Cadernos Temas

Institucionais, São Paulo, 1995. Pp.21. 96 FERRAZ, A. A. M. de C.; BENJAMIN, A. H. de V. E.

A inversão do ônus da prova na Lei da Improbidade Administrativa Op. Cit. Pp 22. 97 GARCIA,

E.; ALVES, R. P. Improbidade administrativa. Editor Lúmen Juris, Rio de Janeiro 2002.pp. 17.

98 BARBOSA, M. A. de : O Controle da legitimidade do enriquecimento dos agentes públicos;

Op. cit pp. 28

53

59

Page 60: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

60

Page 61: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

CAPITULO 6 O ENRIQUECIMENTO ILICITO NO DIREITO COMPARADO 6.1.Caso do Brasil

Brasil é um dos paises que adoptou e ratificou a convenção das Nações unidas contra a

corrupação e tipificou o enriquecimento ilicito como uma das formas de corrupção na lei de

improbidade administrativa99. Constitui acto de improbidade administrativa importando

enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do

exercício de cargo, mandato, função, emprego ou actividade nas entidades mencionadas no

art. 1° desta lei, e notadamente100: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou

imóvel, ou qualquer outra vantagem económica, directa ou indirecta, a título de comissão,

percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, directo ou indirecto, que

possa ser atingido ou amparado por acção ou omissão decorrente das atribuições do agente

público; II - perceber vantagem económica, directa ou indirecta, para facilitar a aquisição,

permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades

referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado; III - perceber vantagem económica,

directa ou indirecta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o

fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; IV - utilizar, em

obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza,

de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei,

bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas

entidades; V - receber vantagem económica de qualquer natureza, directa ou indirecta, para

tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de

contrabando, de usura ou de qualquer outra actividade ilícita, ou aceitar promessa de tal

vantagem;

99 100

lei n° 8.429/92 de 2 de Junho lei da improbidade administrativa. Brasil Cfr. Art. 9 da lei no

8.429/92 de 2 de Junho ,lei da improbidade administrativa. Brasil

54

61

Page 62: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

VI - receber vantagem económica de qualquer natureza, directa ou indirecta, para fazer

declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou

sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens

fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; VII - adquirir, para si ou

para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer

natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do património ou à renda do agente

público; VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer actividade de consultoria ou

assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse susceptível de ser atingido

ou amparado por acção ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a

actividade; IX - perceber vantagem económica para intermediar a liberação ou aplicação de

verba pública de qualquer natureza; X - receber vantagem económica de qualquer natureza,

directa ou indirectamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja

obrigado; XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu património bens, rendas, verbas ou

valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; XII -

usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial

das entidades mencionadas no art. 1° desta lei. Independentemente das sanções penais, civis

e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo acto de

improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou

cumulativamente, de acordo com a gravidade do facto. Na hipótese do art. 9°, perda dos bens

ou valores acrescidos ilicitamente ao património, ressarcimento integral do dano, quando

houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos,

pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de

contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, directa

ou indirectamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio maioritário,

pelo prazo de dez anos; Na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos

bens ou valores acrescidos ilicitamente ao património, se concorrer esta circunstância, perda

da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa

civil de até duas vezes o

55

62

Page 63: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos

fiscais ou creditícios, directa ou indirectamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da

qual seja sócio maioritário, pelo prazo de cinco anos; Na hipótese do art. 11, ressarcimento

integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a

cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo

agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais

ou creditícios, directa ou indirectamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual

seja sócio maioritário, pelo prazo de três anos. No seu Parágrafo único. Na fixação das penas

previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito

patrimonial obtido pelo agente. 6.2.Caso de Portugal

A maneira de Moçambique, Portugal também enfrentou serias dificuldades para tipificar o crime

de enriquecimento ilícito, mas por imperativos legais, acabou por tipificar através do projecto de

Lei n.º 25/XI-1ª proposta pelo partido comunista português nos seguintes termos: Artigo único

(Aditamento ao Código Penal) É aditado ao Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º

400/82, de 3 de Setembro, com as alterações que lhe foram posteriormente introduzidas, um

novo artigo na secção I (Da corrupção) do capítulo IV (Dos crimes cometidos no exercício de

funções públicas) com o n.º 374.º - A, com a seguinte redacção: «Artigo 374.º-A

Enriquecimento ilícito 1 - Os cidadãos abrangidos pela obrigação de declaração de

rendimentos e património, prevista na Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, com as alterações

introduzidas pelas Leis n.º 38/83, de 25 de Outubro e n.º 25/95, de 18 de Agosto que, por si ou

por interposta pessoa, estejam na posse de património e rendimentos anormalmente

superiores aos indicados nas declarações anteriormente prestadas e não justifiquem,

concretamente, como e quando vieram à sua posse ou não demonstrem satisfatoriamente a

sua origem lícita, são punidos com pena de prisão até três anos e multa até 360 dias. 2 O

disposto no número anterior é aplicável a todos os cidadãos relativamente a

quem se verifique, no âmbito de um procedimento tributário, que, por si ou por interposta

pessoa,

56

63

Page 64: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

estejam na posse de património e rendimentos anormalmente superiores aos indicados nas

declarações anteriormente prestadas e não justifiquem, concretamente, como e quando vieram

à sua posse ou não demonstrem satisfatoriamente a sua origem lícita. 3 O disposto no n.º 1 é

ainda aplicável aos cidadãos cujas declarações efectuadas

nos termos da lei revelem a obtenção, no decurso do exercício dos cargos a que as

declarações se referem, de património e rendimentos anormalmente superiores aos que

decorreriam das remunerações correspondentes aos cargos públicos e às actividades

profissionais exercidas. 4 O património ou rendimentos cuja posse ou origem não haja sido

justificada nos

termos dos números anteriores, podem, em decisão judicial condenatória, ser apreendidos e

declarados perdidos a favor do Estado. 5 A Administração Fiscal comunica ao Ministério

Público os indícios da existência

do crime de enriquecimento ilícito de que tenha conhecimento no âmbito dos seus

procedimentos de inspecção da situação dos contribuintes.»

57

64

Page 65: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

CONCLUSÃO

Dos aspectos identificados no desenrolar deste trabalho, constata-se que sem embargo de

existir um quadro regulatório em Angola relativo a prevenção e a punição dos delitos de

corrupção ainda existem zonas de penumbra cuja falta de regulamentação legal, pode propiciar

a ocorrência de práticas de corrupção. Quanto a componente preventiva, constata-se que não

existem mecanismos eficazes para que se possa fazer uma fiscalização incisiva sobre as

declarações de bens dos titulares de órgãos públicos, sendo o teor destas ainda marcado pelo

secretismo o que não se compadece com a transparência que deve nortear a actividade

administrativa do Estado. Constata-se ainda que em relação ao conflito de interesses, não

existe na legislação nada que impeça o titular do cargo público de exercer durante algum

tempo actividade conexa com o seu antigo emprego no sector público. Por outro lado, a lei é

completamente omissa em relação ao conflito de interesses. No que respeita ao poder

legislativo, não existe por exemplo a obrigatoriedade de os deputados declararem quando a

discussão de uma determinada lei que tem interesses em relação a matéria a ser objecto de

discussão e como tal encontrarem-se na situação de impedidos de participar na sua discussão;

a lei não impede os deputados de exercerem cargos de direcção em empresas públicas,

concessionarias em empresas públicas ou participadas do Estado. Por outro lado não existe

uma comissão de ética para lidar com os aspectos ligados ao conflito de interesses, com vista

a aplicar sanção aos deputados prevaricadores. A legislação não sanciona convenientemente o

enriquecimento ilícito. Não parece que o cepticismo em relação a este tipo legal de crime,

relativamente ao facto de ir contra a presunção de inocência e implicar a inversão do ónus de

prova, deve obstaculizar a sua consagração legal tendo em conta o bem jurídico superior ou

seja o interesse público que se pretende salvaguardar com a sua consagração. O princípio da

supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente

a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em

dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem

manifestações concretas dele, Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do

convívio social. Os interesses sociais encontram-se acima dos estatais, pois são anteriores a

este. O interesse público propriamente dito, ou primário, é o pertinente à sociedade como um

todo, e só ele pode ser

58

65

Page 66: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à competência do

Estado como representante do corpo social. A supremacia do interesse público sobre o

particular impõe limites aos actos abusivos praticados pelos administradores e tem como razão

de ser, a dignidade da pessoa humana, pois o fim visado pelo Estado é o bem-estar da

colectividade. Dessa forma, os princípios que prescrevem a protecção tanto do interesse

público quanto do interesse privado devem ser ponderados por meio de um terceiro princípio:

da proporcionalidade. Somente assim será possível alcançar resultados satisfatórios em face

de um caso concreto . Os princípios jurídicos são concretizados conforme as condições fáticas

e jurídicas, portanto, um mesmo princípio terá diferentes graus de aplicação na resolução de

situações da vida cotidiana. O valor conferido a determinado princípio, em uma dada situação

fáctica, poderá ser diverso em outro caso, podendo até ter sua aplicação afastada em

determinadas situações. Aliás,

ao Ratificar a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, através da Resolução da

Assembleia da República n.º 31/2006 de 29 de Dezembro, a Convenção da união africana

contra a corrupção através da resolução n.º 30/2006, de 2 de Agosto e o protocolo da SADC

contra a corrupção ratificada pelo conselho de Ministros pela resolução no 33/2004 de 9 de

Julho, o Estado Moçambicano assumiu o dever de introduzir o crime do enriquecimento ilícito

no seu ordenamento jurídico.

59

66

Page 67: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

RECOMENDAÇÕES

Em razão da previsão de modalidade de improbidade decorrente do enriquecimento

desproporcional do agente em comparação com as suas rendas, torna-se necessário o uso de

mecanismos que visem a um melhor monitoramento da evolução patrimonial dos agentes

públicos. Desta feita, cumpre-nos deixar algumas recomendações ao estado, concretamente

aos órgãos legislativos, ao governo e outras conexas, relativas ao tema nos seguintes termos:

1. Necessidade de se definir com clareza ao nível da legislação, o crime de enriquecimento

ilícito e indicar as práticas que a este se ligam. 2. Apela-se a aprovação de mais leis que

tipifiquem especialmente as situações de enriquecimento ilícito e que permitam o alargamento

dos tipos legais de crimes já existentes e previstos na lei penal vigente

3. Obrigatoriedade da apresentação e atualização anual da declaração de bens que compõem

o patrimônio do agente público, sob pena de demissão a bem do serviço público. 4. A posse e

o exercício de agente público devem ficar condicionados à apresentação de declaração dos

bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de

pessoal competente. 5. A declaração deve compreender a: imóveis, móveis, semoventes,

dinheiro, títulos, acções, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no

País ou no exterior, e, quando for o caso, abranger os bens e valores patrimoniais do cônjuge

ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do

declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico 6. A declaração de bens

deve ser anualmente atualizada até na data em que o agente público deixar o exercício do

mandato, cargo, emprego ou função. 7. Puni-los com a pena de demissão, a bem do serviço

público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar

declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.

60

67

Page 68: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

8. a declaração dos bens dos orgãos da administração pública, devem passar a ser publicos e

não secretos como acontece na actualidade e devem passar a ser depositados no Gabinete

Central do Combate a Corrupção. 9. Que o Tribunal administartivo, Autoridade tributaria e

outras estruturas competentes, realizem inspecções Rigorosas na administação Publica no

sentido de impulsionar ao cumprimento das legislações em causa. Finalmente, com estas

recomendações, esperamos que algo poderá vir a mudar no futuro, relativamente ao

tratamento legal do enriquecimento ilicito e que haja pressão ao nosso legislador para que

reforme e aprove mais leis claras e concretas que formarão o quadro legal da corrupção no

ordenamento juridico Moçambicano.

1

Enriquecimento sem causa. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n°. 60, 1 de novembro de 2002 ,

Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/3416. Acessado em 26 Março de 2014.

68

Page 69: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.docx

69