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EDILENE DA SILVA FERREIRA
ENTRE RIOS, CIDADES E FLORESTAS: IDENTIDADES ACREANAS EM A REPRESA – ROMANCE DA AMAZÔNIA E CERTOS CAMINHOS DO MUNDO – ROMANCE DO ACRE
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE 2010
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EDILENE DA SILVA FERREIRA
ENTRE RIOS, CIDADES E FLORESTAS: IDENTIDADES ACREANAS EM A REPRESA – ROMANCE DA AMAZÔNIA E CERTOS CAMINHOS DO MUNDO – ROMANCE DO ACRE
Dissertação apresentada à Universidade Federal do Acre – UFAC, para obtenção do título de Mestre em Letras, junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Identidade, área de concentração: Cultura e Sociedade.
Orientador: Prof. Dr. Henrique Silvestre Soares
Universidade Federal do Acre Mestrado em Letras: Linguagem e Identidade
Rio Branco, 2010
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FERREIRA, E. DA S., 2010.FERREIRA, Edilene da Silva. Entre rios, cidades e
florestas: identidades acreanas em A Represa – Romance da Amazônia e Certos
caminhos do mundo- romance do Acre. Rio Branco: UFAC, 2010. 100f.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFAC
Marcelino G. M. Monteiro – CRB 11ª - 258
F383e Ferreira, Edilene da Silva, 1979-
Entre rios, cidades e florestas: identidades acreanas em A represa – romance da Amazônia e certos caminhos do mundo – romance do Acre / Edilene da Silva Ferreira -- Rio Branco: UFAC, 2010.
100f. : il.; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Letras: Linguagem e Identidade) –
Universidade Federal do Acre - UFAC. Orientador: Prof. Dr. Henrique Silvestre Soares. Inclui bibliografia 1. Amazônia na literatura. 2. Literatura acreana. 3. Narrativa - Literatura.
4. Estudos culturais. 5. Identidade. I. Título.
CDD.: 808.809811 CDU.: 82-3.09(811)
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ENTRE RIOS, CIDADES E FLORESTAS: IDENTIDADES ACREANAS EM A REPRESA – ROMANCE DA AMAZÔNIA E CERTOS CAMINHOS DO MUNDO – ROMANCE DO ACRE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Acre como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Letras: Linguagem e identidade. Orientador: Professor Doutor Henrique Silvestre Soares (UFAC).
Aprovada em 6 de dezembro de 2010.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Prof. Dr. Henrique Silvestre Soares (UFAC) Coordenador
Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelos professores doutores:
_______________________________________________________ Henrique Silvestre Soares (UFAC)
Orientador
_______________________________________________________ Sidney Barbosa Membro externo
________________________________________________________ Simone de Souza Lima (UFAC)
Membro efetivo
Rio Branco, 06 de dezembro de 2010.
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Dedico este trabalho a Deus, aos meus pais, ao meu filho, Ígor, e ao meu orientador, Henrique Silvestre.
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AGRADECIMENTOS
Esta dissertação nasceu devido à contribuição de muitas pessoas, que se
fizeram importantes no momento de sua produção. Por isso, quero expressar minha
gratidão a todos os que me ajudaram nesta tarefa tão árdua:
Agradeço primeiramente a Deus criador de todas as coisas, que com sua
misericórdia me deu forças para chegar até aqui.
à minha mãe e a meu pai, pelo apoio, acompanhamento e orações e também
por me educaram para vencer obstáculos, por maiores que eles fossem;
ao meu filho, Ígor, que, mesmo sem compreender, me deu o tempo que era
dele para que eu pudesse escrever;
aos meus irmãos Christian, Tayane e Tamires, que muito me ajudaram no
que eu precisasse;
ao meu esposo, Ivo, por me ajudar em muitos momentos, com livros e auxílio
quando eu precisava escrever;
à professora Dra. Simone de Souza Lima, minha primeira orientadora, que me
ajudou nos momentos iniciais desta dissertação, com indicação de leituras e atenção
constante, igualmente, na época do Exame de Qualificação pelas valiosas
sugestões;
ao professor Doutor Sidney Barbosa pela gentileza com que apresentou suas
valiosas sugestões no Exame de Qualificação e por vir de tão longe para compor a
banca examinadora desta defesa;
à professora Dra. Maria do Socorro Calixto, pelo apoio no início do mestrado
e por acreditar no meu trabalho;
a todos os meus colegas de turma, em especial àqueles que estiveram
comigo por mais tempo, compartilhando maravilhosas conversas e ideias: Vilma
Rodrigues, amiga incondicional, Célia Pires, que sempre me incentivou a terminar
logo, Evanilde (Eva), Marileize, Flávia, Mauro, Francemilda, Ceildes, Ana Maria,
Joelma.
Aos meus colegas de trabalho na Secretaria Estadual de Educação:
Alessandra, Fabiana, Janisléia, Marilene, Jocicleide, Valfisa, por toda torcida e apoio
em muitos momentos;
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a Vítor, também colega de trabalho, pelo resumo em língua estrangeira e pela
torcida;
à minha chefe, Fernanda dos Santos Alves pelo apoio e por me permitir
ausentar-me mesmo no momento em que tínhamos tantos trabalhos a realizar;
à minha Eleni, minha colega de graduação, pela torcida;
ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Letras:
Linguagem e Identidade por tantas lições dadas;
à Secretaria Municipal de Educação, na pessoa do Secretário de Educação,
Professor Moacyr Fecury, por permitir ausentar-me da sala de aula na ocasião do
cumprimento dos créditos.
à Universidade Federal do Acre pela oportunidade de realizar o curso de
Mestrado.
Ao Professor Orientador e amigo, Henrique Silvestre Soares, pelos anos de
convivência e apoio incondicional desde o início da minha pesquisa, e por acreditar
em mim muito mais do que eu mesma era capaz, trazendo, em qualquer situação,
orientações, ideias, muitos livros e o apoio constante, carregados de atenção e
paciência;
Enfim, a todos os que direta ou indiretamente me ajudaram nesta caminhada,
torceram e me deram apoio.
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O rio é destino. Que os rios se unam na mesma esperança e na mesma vontade que o navegante de rio inteiro amarra ao leme de sua intuição, ou predestinação. No rio abre-se um cenário de terras e de florestas. A Amazônia nasce, desenvolve-se, perdura, segundo o evangelho escrito pelo rio.
Leandro Tocantins
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ENTRE RIOS, CIDADES E FLORESTAS: IDENTIDADES ACREANAS EM A REPRESA – ROMANCE DA AMAZÔNIA E CERTOS CAMINHOS DO MUNDO – ROMANCE DO ACRE
RESUMO
Este trabalho, que pertence à área teórica de estudos culturais, toma como base estudar as identidades acreanas a partir dos romances Certos caminhos do mundo - romance do Acre, de Abguar Bastos, e A represa - romance da Amazônia, de Océlio de Medeiros. Estas duas narrativas apresentam como cenário o Acre desde o momento da constituição do território até a decadência do primeiro ciclo da borracha. Para nortear os caminhos desta pesquisa foram escolhidos teóricos, como Stuart Hall, Tomaz Tadeu da Silva, Zigmunt Bauman, Homi Bhabha, Edward Said, Mikhail Bakhtin, Michel De Certeau, Gastón Bachelard e Carlos Reis. Os teóricos citados guiam as definições acerca da identidade, discurso, teoria da narrativa, noções de tempo e de espaço. Merecem destaque também os estudos de Laélia Rodrigues da Silva, que nos dão suporte na pesquisa acerca da literatura acreana e de seus caminhos ao longo da história. A partir da observação de aspectos que levaram muitos escritores da literatura amazônica a escreverem constantemente sobre temas como a relação do homem com a natureza e seus perigos, são expostas as ideias de que a identidade de um povo é formada a partir da sua relação com o outro, com o espaço e em um determinado tempo. Ela é revelada por meio da cultura, da qual faz parte a literatura. Assim, mostramos nesse trabalho como a identidade de um povo pode ser formada a partir das suas narrativas. Apresenta-se, além disso, a situação da literatura na Amazônia, especialmente no Acre, e como são manifestos, nos textos dos escritores da região, as relações de formação da identidade. Este é um dos aspectos que permeiam a literatura de expressão amazônica. Desta forma, esta pesquisa pretende contribuir para os estudos acerca da literatura na Amazônia.
PALAVRAS-CHAVE: Amazônia; Identidade; Literatura; Narrativa; Estudos Culturais;
Acre.
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ENTRE RÍOS, CIUDADES Y FLORESTAS: IDENTIDADES ACREANAS EM A REPRESA – ROMANCE DA AMAZÔNIA Y CERTOS CAMINHOS DO MUNDO – ROMANCE DO ACRE
RESUMEN
Este trabajo, que pertenece a la área teórica de estudios culturales, tiene como objetivo estudiar las identidades acreanas a partir de los romances Certos caminhos do mundo: romance do Acre, de Abguar Bastos, y A represa: romance da Amazônia, de Océlio de Medeiros. Estas dos narrativas presentan como escenario el Acre desde el momento de la constitución del territorio hasta la decadencia del primer ciclo del caucho. Para nortear los caminos de esta pesquisa, fueron elegidos teóricos como Stuart Hall, Tomaz Tadeu da Silva, Zigmunt Bauman, Homi Bhabha, Edward Said, Mikhail Bakhtin, Michel De Certeau, Gastón Bachelard y Carlos Reis. Los teóricos citados guían las definiciones sobre la identidad, discurso, estudio de la narrativa, nociones de tiempo y de espacio. Merecen destaque también los estudios de Laélia Rodrigues da Silva, que nos dan soporte en la pesquisa acerca de la literatura acreana y de sus caminos a lo largo de la historia. A partir de la observación de aspectos que llevaron muchos escritores de la literatura amazónica a escribir a menudo sobre temas como la relación del hombre con la naturaleza y sus peligros, son expuestas las ideas de que la identidad de un pueblo es formada a partir de su relación con el otro, con el espacio y en un determinado tiempo. Ella es revelada por medio de la cultura, de la cual hace parte la literatura. De ese modo, mostramos en ese trabajo como la identidad de un pueblo puede ser formada a partir de sus narrativas. Presenta, además de eso, la situación de la literatura en Amazonia, especialmente en Acre, y como son expresas, en los textos de los escritores de la región, las relaciones de formación de identidad. De esa forma, esta pesquisa quiere contribuir con los estudios sobre la literatura en Amazonia.
Palabras-clave: Amazonia; Identidad: Literatura; Narrativa: Estudios Culturales; Acre.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................12 CAPÍTULO PRIMEIRO – DISCURSO E IDENTIDADE.............................................15 1.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................................15 1.2 LITERATURA E IDENTIDADE ............................................................................25 1.3 TRAJETÓRIA DOS AUTORES............................................................................29 1.3.2 As obras ..........................................................................................................32 1.4 CONCLUSÃO PARCIAL DO CAPÍTULO PRIMEIRO..........................................46 CAPÍTULO II – UMA LITERATURA NA AMAZÔNIA ..............................................48 2.1 ESPAÇO E VIDA..................................................................................................48 2.2 AS ÁGUAS E A FORMAÇÃO DAS IDENTIDADES.............................................52 2.3 NARRATIVA E FORMAÇÃO IDENTITÁRIA........................................................57 2.4 CONCLUSÃO PARCIAL DO CAPÍTULO II..........................................................73 CAPÍTULO III – FORMAÇÃO DAS IDENTIDADE ACREANAS...............................75 3.1 CERTOS CAMINHOS DO MUNDO E A REPRESA: A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ENTRE A HISTÓRIA E A FICÇÃO......................................................75 3.2 O RIO, A CIDADE E A FLORESTA COMO REFERENCIAIS DE IDENTIDADE AMAZÔNICA..............................................................................................................80 3.3 CONCLUSÃO PARCIAL DO CAPÍTULO III.........................................................91 CONCLUSÕES .........................................................................................................92 REFERÊNCIAS ........................................................................................................95 ANEXOS .................................................................................................................101
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INTRODUÇÃO
Nesta pesquisa pretende-se investigar as narrativas amazônicas, analisando
a partir delas como se dá o processo de formação das identidades acreanas. Para
isso, definimos como corpus as narrativas de dois autores dessa região, um acreano,
Océlio de Medeiros, autor da obra A represa – romance da Amazônia, e um
paraense, Abguar Bastos, que escreveu Certos caminhos do mundo – romance do
Acre. Estes autores foram escolhidos, levando-se em consideração o espaço
apresentado em suas narrativas e a sua relação com o espaço narrado. Suas
narrativas são ambientadas no Acre do tempo de constituição do antigo Território e
têm como foco a apresentação das pessoas da época e as principais dualidades da
cidade nesse período histórico
O interesse em estudar as narrativas amazônicas surgiu após o contato com
diversas narrativas dessa região, o que levou à observação de algumas
peculiaridades nesse tipo de texto, especialmente no que concerne ao espaço
apresentado, às personagens e seus discursos, o que nos fez observar que isso
poderia ser a tentativa de fixar determinadas identidades. Com base nisso, pensamos
em analisar como se dá o processo de busca das identidades acreanas a partir dos
romances desses dois autores. A definição do corpus da pesquisa para dissertação de
mestrado se deu com ao auxílio da Professora Doutora Simone de Souza Lima, minha
primeira orientadora, na ocasião do processo de seleção para o mestrado, e do
Professor Doutor Henrique Silvestre Soares, atual orientador, os quais indicaram as
leituras e orientaram o caminho a ser seguido para que a pesquisa fosse realizada.
Segundo os estudiosos da literatura amazônica, destaquemos Laélia
Rodrigues Silva, grande parte das produções literárias escritas na Amazônia, projeta-
se a partir de uma tentativa de revelar determinada projeção identitária, associada à
temática do isolamento e da relação do homem com seu espaço. A partir desse olhar,
pensamos em analisar como a busca da identidade se dá nessas narrativas. Assim,
interessa pesquisar como os romances desses escritores demonstram as relações do
homem com seu espaço e seu tempo na busca da identidade.
Mesmo diante da importância das narrativas amazônicas, é possível notar que
os estudos sobre tais obras ainda não são tão amplos, por isso é que se faz
necessário um registro acadêmico e também sistemático dessa produção literária,
uma vez que a fonte de pesquisa sobre a prosa acreana corresponde a poucos
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trabalhos, com destaque à já mencionada Laélia Rodrigues, com a obra Acre: prosa e
poesia, 1900 - 1090, cujos estudos serão utilizados para embasar esta pesquisa por
apresentar aspectos relevantes da produção literária no Acre.
A opção por estudar o romance e não outro gênero se dá em face de aquele
abordar de maneira mais evidente o ser humano e suas relações com o espaço e com
o outro, evidenciando determinadas realidades que se destacam e não outras. Para
isso, buscamos verificar, através dos discursos apresentados pelas personagens e
pelo narrador como se dá a tentativa de revelar, nesses discursos, identidades, o que
se torna evidente diante da realidade do homem.
Este trabalho está dividido em três capítulos, os quais foram distribuídos de
acordo com a pesquisa bibliográfica realizada. A distribuição desses capítulos será
apresentada a seguir.
O capítulo primeiro, “Discurso e identidade”, apresenta três partes. Na primeiro
se faz uma explanação dos principais teóricos estudados e que deram base a este
estudo. Aqui são apresentadas as primeiras ideias sobre identidade e a noção de
linguagem apresentada por Bakhtin, teórico que deu suporte aos estudos sobre o
discurso nesta pesquisa. Na segunda parte deste capítulo, apresenta-se a trajetória de
vida dos autores com o intuito de levar o leitor a conhecê-los e situar suas obras no
tempo e no espaço, bem como traçar um perfil do intelectual da Amazônia.
Acreditamos ser importante tal feita, uma vez que esses autores não são conhecidos
de todos e suas trajetórias de vida nos fazem compreender melhor suas obras. Ainda
neste capítulo serão apresentadas as obras com alguns aspectos importantes,
especialmente os que dizem respeito às construções identitárias.
No segundo capítulo, “Uma literatura na Amazônia, serão apresentadas na
primeira parte a relação e a importância do espaço na busca da identidade. Para isso,
serão expostas as principais características da região e relação do homem com seu
espaço e com o seu semelhante. Neste mesmo capítulo serão expostas as categorias
da narrativa, enfatizando a importância dessas categorias na relação com as questões
identitárias. Serão apresentados o tempo, o espaço, o narrador, as personagens e as
suas relações com a história narrada.
No terceiro capítulo, intitulado, “Formação das identidades acreanas”, serão
destacados dois aspectos: o primeiro relaciona-se ao discurso histórico e sua relação
com o ficcional na construção da identidade; o segundo diz respeito à representação
do rio, da cidade e da floresta como referenciais identitários, os quais serão
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apresentados de maneira mais aprofundada, explicando-se a sua relação com as
narrativas. Em suma, será demonstrado como esses espaços são utilizados na
formação das identidades acreanas.
É válido destacar que apesar de analisarmos duas obras paralelamente, não é
nossa intenção fazer comparação delas. O objetivo é usar uma diversidade maior
para se chegar à conclusão esperada: de que há na literatura que expressa a
Amazônia a tentativa de fixar determinadas identidades.
É válido mencionar que é com base nas idéias acerca da identidade que,
procuraremos mostrar como são apresentadas as identidades dos homens que vivem
na Amazônia acreana, suas práticas suas vivências, a partir das narrativas de Abguar
Bastos e Océlio de Medeiros. Interessa-nos pesquisar os romances para demonstrar
como são construídas as identidades a partir das relações do homem com seu espaço
e seu tempo, a partir da sua história e da sua cultura. Complementando essas ideias
lançaremos mão das teorias de Mikhail Bakhtin acerca da linguagem e da(s)
identidade(s).
Portanto, o nosso intuito com este trabalho é contribuir para os estudos que
discutem os projetos identitários, a partir das narrativas de Abguar Bastos e Océlio de
Medeiros, bem como ampliar o repertório de pesquisas sobre a prosa amazônica para
que futuramente outros pesquisadores possam utilizá-lo como fonte de pesquisa.
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CAPÍTULO PRIMEIRO – DISCURSO E IDENTIDADE
1.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O conceito de identidade, como se pode observar nos estudos culturais, é
um conceito recente e apresenta muitas definições. Conforme Stuart Hall, a
identidade é um problema da modernidade tardia. No entanto, ela figura entre as
ideias mais discutidas na atualidade, apresentando definições diversas, muitas
vezes, divergentes a exemplo de expressões como cultura e literatura. Marcada por
meio de símbolos, segundo Tomaz Tadeu da Silva, a identidade expressa a
diversidade das relações sociais, o modo como as pessoas percebem ou veem a si
mesmas e as atribuições que têm na sociedade. Com isso, é possível afirmar que a
identidade, ou melhor, as identidades podem ser analisadas por diversas óticas:
cultura, religião, nacionalidade, gênero, etnia, dentre muitas outras. Isto ocasiona
várias identificações para os indivíduos, as quais ao passo que identificam esses
indivíduos excluem outras identidades, criando significados para ele, ao mesmo
tempo em que definem os seus papéis na sociedade.
Assim, por serem formadas a partir das relações sociais, é possível afirmar
que as identidades, em sua formação, utilizam como material os elementos
fornecidos pelas diversas instituições da sociedade, pela história e pela geografia -
daí a importância de noções como espaço e tempo - pela biologia e pelas memórias
individuais e coletivas.
Pelo fato de as identidades serem formadas a partir das relações sociais,
observa-se que muito das produções da sociedade, expressam essas identidades.
Podemos tomar como exemplo as produções literárias dos mais variados gêneros,
que, de uma forma ou de outra, representam determinada identidade, seja ela social,
cultural ou de outra ordem.
Para Hall (2004. p. 47), no mundo moderno, as culturas nacionais em que
nascemos constituem-se em uma das principais fontes de identidades. Como a cultura
do povo é fonte inesgotável de inspiração, é nela que muitos escritores locais buscam
tais fontes de identidade, o que evidentemente ocorre nas narrativas que expressam a
Amazônia.
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Sempre que uma identidade é posta em pauta, deve-se lembrar que toda
identidade é atravessada por outras identidades. Isto quer dizer que não há
identidades puras, mas sim formadas a partir do cruzamento de várias outras, que
podem ser de caráter social, étnica, de gênero, dentre outras. Todas essas
identidades são formadas a partir das experiências que os indivíduos têm ao longo
da vida, nas suas relações sociais. São elas que estabelecem diferença entre os
sujeitos da sociedade. Isso é importante porque todo discurso da identidade é
sempre focalizado na diferença. Assim, pode-se perceber que a identidade do
sujeito sempre é formada a partir da posição que ele assume em determinado
contexto social.
É assim que a literatura brasileira que expressa a Amazônia, seguindo uma
tendência que vem desde as primeiras épocas da literatura no país, busca
constantemente formar uma identidade que venha representar as particularidades
do universo amazônico, a partir de “elementos de pertença”, como as questões
éticas, simbólicas e o próprio espaço. Daí observarmos que muito da produção da
região gira em torno dessa busca.
Talvez seja por isso que nas obras produzidas na Amazônia, sejam em
prosa ou em poesia, o que se percebe é que se apresenta o homem, a paisagem e a
cultura, representando muitos dos aspectos da região, especialmente o tom e a cor
local sem significar, contudo, que sejam obras regionalistas, pois tais elementos
figuram como elementos que marcam uma relação de pertencimento. A tentativa
de formação identidades locais, especialmente aquelas permeadas de traços
simbólicos, é percebida na narrativa, pois no romance, de uma forma geral, é mais
intrigante entender a vida humana, das mais variadas maneiras, tendo em vista que
nesse gênero são apresentadas as pessoas e seus modos de vida.
Pensando nisso, é que estudar as identidades a partir da narrativa como
fazem muitos dos escritores dos estudos culturais, por exemplo, Edward Said, torna
mais evidente a existência de confrontos identitários, uma vez que isso coloca
diversas identidades num mesmo cenário, agindo sobre determinado mundo social.
É, portanto, um instrumento cultural que age na construção das identidades sociais.
Segundo Luiz Paulo da Moita Lopes, as narrativas, ao apresentarem aspectos da
vida em sociedade e das relações do homem com o outro, criam determinados
sentidos de identidade.
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Lopes (2002, p. 59) afirma que a narrativa apresenta dois aspectos
principais. Vejamos a citação que se segue:
A enunciação da narrativa representa, por um lado, uma exceção ao mundo como ele é, isto é, uma exceção ao cânone cultural, e, por outro, sua natureza dramática, que possibilita vermos as personagens e os interlocutores, por extensão, atuando no drama da vida, na negociação de suas identidades, oferecendo a possibilidade de refletir sobre o mundo social.
Dessa maneira, é que se vê no estudo da narrativa, especialmente do
romance, uma possibilidade de se verificar como se dá a formação das identidades
de um povo, uma vez que é nesse gênero discursivo que se observam as
personagens, na representação da vida do homem atuando em seu espaço social,
pois é nas relações sociais que as questões identitárias são postas em pauta. Sendo
o romance um tipo de organização discursiva é que se percebe nele a possibilidade
de realização desse estudo, buscando enfatizar a relação existente entre o discurso
e a construção das identidades, tendo em vista que a narrativa é uma forma de ação
no mundo por intermédio do discurso. Isso é possível porque o discurso é uma
forma de manifestação social, através do qual, numa relação de alteridade, as
identidades são formadas.
Assim, é possível afirmar que é através das relações sociais e históricas
que os discursos são definidos, o que implica em dizer também que é nessa relação
que as identidades são reveladas, o que nos faz perceber que os indivíduos, nessas
relações sociais, não são homogêneos, daí a complexidade das identidades, pois
estas coexistem no mesmo sujeito e vêm à tona, mediante determinadas práticas
discursivas em que ele atua e de seu posicionamento diante delas.
Pode-se notar, com isso, que nem todas as nossas identidades são postas
em pauta em determinado momento. É importante lembrar também que tais
identidades não são fixas, pois mudam sempre que se faz necessário tornarem-se
compreensíveis para o outro, em determinada relação discursiva, pois se modificam
nos vários contextos em que o indivíduo atua. Além disso, elas também não são
puras, pois se misturam a outras com as interações dos sujeitos em determinadas
situações discursivas. Elas são, portanto, identidades híbridas.
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Sobre a narrativa e a construção das identidades Lopes (2002, p. 64) afirma
ainda que
No processo de construção das identidades sociais, mediado pelo discurso, as narrativas, como formas de organizar o discurso através das quais agimos no mundo social, têm sido entendidas como desempenhando um papel central no modo como aprendemos a construir nossas identidades na vida social. Ou seja, as narrativas são instrumentos que usamos para fazer sentido do mundo a nossa volta e, portanto, de quem somos neste mundo.
Vista dessa maneira é que se compreende a narrativa como um dos
melhores caminhos para a observação de como as identidades são constituídas,
pois apresenta vários contextos sociais, nos quais atuam vários indivíduos em suas
múltiplas identidades, o que nos faz perceber, através das vivências das mais
variadas personagens, quão fragmentadas são essas identidades, principalmente as
que são construídas em vários contextos sociais.
Pensando o romance como uma forma de discurso, é interessante
mencionar a ideia de Tomaz Tadeu da Silva (2000, p. 17), em Identidade e
diferença: “os discursos e os sistemas de representação constroem os lugares a
partir dos quais os indivíduos podem se posicionar”. Dessa forma, podemos dizer
que a narrativa, especificamente o romance, ajuda na formação de determinadas
identidades, sejam elas sociais, de gênero, dentre outras, apresentando o sujeito em
seus vários posicionamentos diante das suas práticas sociais.
Hall (1994, p. 13) afirma que se sentimos que temos uma identidade
unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma
cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora narrativa do eu. Essa
concepção nos faz refletir sobre a idéia de que não há identidade única, o que pode
haver é um convencimento do indivíduo a respeito de uma identidade fixa, que não
significa ser verdadeira. A partir disso é que nesta pesquisa trabalhamos com a
noção de que as identidades não são fixas, mas são formadas ao longo da
convivência do indivíduo na sociedade, isto é, de sua convivência com o outro.
Hall (1994, p. 9) apresenta, ainda, a idéia de que as identidades estão
sendo descentradas. As identidades vão se descentrando a partir da entrada de
novas identidades. Esse processo de descentramento pode ser facilmente
comprovado no romance pelas personagens, mediante as diversas relações que
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elas estabelecem na narrativa. Nas narrativas analisadas nesta pesquisa, podemos
comprovar isso pelo fato de serem ambientadas em uma região de fronteiras: o
Acre. Na fronteira há a possibilidade de entrada e saída de novas identidades, o que
causa esse descentramento. Na narrativa de Bastos podemos observar como isso
ocorre. Vejamos:
Estava provado. A terra não tinha amor ao seu dono. Com as suas florestas desgrenhadas e as suas sombras lascivas, preferia entregar-se ao extrangeiro que vinha do Brasil com o cheiro do mar nas carnes rijas. Cada vez chegava mais gente do Ceará. A terra ali inacessível e áspera. Os rios passavam velozes procurando o leito. Os cearenses também. E a terra parecia mais mansa. (BASTOS, p. 47)
Nessa citação podemos notar a chegada e a saída das pessoas em
decorrência de sua relação com o espaço em que vivem. Observamos, com isso,
que a relação do homem com a terra é de hostilidade. Aquele que outrora era
considerado dono é expulso dela pela chegada de um estranho, que se adapta à
terra.
No romance de Medeiros, A represa, apesar de não vermos essa referência
à fronteira, vemos a exposição das consequências do processo de colonização do
Território, o que também causa descentramento, como vemos na citação a seguir:
É certo que o desbravamento da Amazônia é uma aventura da raça. Mas a sua colonização fulminante é uma obra de saudade. O Território do Acre, a sua parte mais remota, é a saudade da terra distante. Na subida de rios tortos, buscando destinos incertos, os barracões, fincados nas partes mais altas das margens, ostentam nomes evocativos do nordeste. É a presença das serras vestidas de azul, do mar bravio riscado pela vela das jangadas, dos cenários rurais tostados pelo calor infernal; enfim, de toda aquela vida distante, renunciada pelo impulso da conquista que deu ao país a segunda fase das bandeiras. (MEDEIROS, 1942, p. 21)
Os dois fragmentos retirados das narrativas aqui estudadas são amostras
desse descentramento das identidades. São exemplos de que nas regiões de
fronteira as identidades tornam-se fragmentadas pelas mudanças que os indivíduos
sofrem, desencadeadas pela necessidade de entrada ou saída do espaço em que se
encontram.
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Hall desenvolve sua reflexão sobre o descentramento considerando a
fragmentação das sociedades modernas, o que ocasiona uma crise de identidade.
Dessa forma, podemos dizer que as identidades possuem um caráter dinâmico, não
podendo ser compreendidas como algo imutável, tendo em vista que se baseiam na
diversidade. Além disso, é importante tratar a identidade como algo que é produzido
a partir de uma espacialidade e de uma etnicidade, o que faz com que o sujeito
realize diversas interpretações do mundo a partir desse contexto.
As narrativas Certos caminhos do mundo - romance do Acre, de Abguar
Bastos, e A represa - romance da Amazônia, de Océlio de Medeiros, que são aqui
analisadas levam a esse olhar, pois elas não retratam apenas o ficcional ambientado
em um dado momento histórico, mas criam relações, entrelaçam personagens,
identidades e fatos, que dão às narrativas o caráter de romances que buscam
expressar determinadas identidades, reveladas num dado momento histórico e
numa determinada espacialidade.
Quando tratamos desses aspectos estamos também chamando a atenção
para as noções de tempo e de espaço que permeiam tanto a história, quanto a
questão da busca das identidades. Isso se torna válido a partir do momento em que
se tem consciência de que as identidades são constituídas a partir de determinados
posicionamentos do sujeito em seu discurso em relação ao tempo e ao espaço em
que vive, isto é, o contexto histórico.
Ao tratarmos dessas noções é importante levar em consideração que
quando falamos de identidade devemos observar o conceito de diferença que está
imbricado ao primeiro. A diferença permite que sejam aceitas num mesmo contexto
identidades ditas dessemelhantes. Isso permite ao sujeito sua identificação dentro
de um determinado espaço.
Sendo assim, é com base nos conceitos expostos até aqui, que será
analisado como se dá a formação das identidades através do estudo da narrativa.
Para isso, partiremos do princípio de que narrar determinadas histórias é uma
maneira de retratar a realidade de um tempo e de um espaço. É talvez por isso que
se conta determinada narrativa e não outra.
Narrar é uma maneira de nos posicionarmos diante do mundo e como as
pessoas se sentem em relação a determinado contexto ou situação social. Nas
narrativas são apresentadas as personagens em suas relações com outros
participantes das situações de fala. Isto se torna importante, visto que, segundo
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Bakhtin, é na alteridade, nas relações dialógicas, através da voz do interlocutor que
as histórias podem ser confirmadas ou não. Daí dizer-se que, a partir das narrativas,
é possível observar como se dá a formação das identidades, tendo em vista que isso
se dá nas relações sociais.
É importante mencionar que é nos conceitos de Bakhtin acerca da
linguagem que buscamos fundamentação para estudar sobre como ocorre a
representação das identidades numa forma discursiva específica que é o romance, o
qual dialoga constantemente com a sociedade. Para isso, deve-se lembrar das
diversas ideologias que o perpassam, a sua especificidade perante uma situação de
produção específica, observando ainda que não estamos submetendo os discursos
estudados a nenhuma teoria pronta e acabada, uma vez que não se pode perder de
vista sua complexidade. Assim, a interação com o outro no mundo social é
fundamental, pois o ser humano, como já mencionado anteriormente, é constituído
através da alteridade, o que faz com que se perceba no seu discurso o discurso de
outrem. Essa interação com o outro ocasiona uma constante relação de construção
de identidades.
Sendo o gênero textual que apresenta a realidade como deveria ser, a
narrativa atem-se a narrar no presente o que acontece no passado, o que faz dela
um forte instrumento de reflexão acerca da realidade e das identidades. Além disso,
permite ao leitor perceber uma descrição das personagens e do narrador em suas
relações, ações, cenário, o objetivo da narrativa e o conflito apresentado.
Segundo Carlos Reis (p. 81, 82), a narração constitui-se num campo de
reflexão narratológica, implicando desde os mecanismos formais da enunciação até
a ponderação de tipologias narrativas. Afirma também que é possível equacionar a
problemática da narração à luz das teorias bakhtinianas sobre a condição dialógica e
pluridiscursiva da linguagem. Desta maneira concebe também a narrativa como
prática interativa, a partir da relação entre o narrador e o narratário, considerando
que a narração pode ser influenciada por atitudes de valoração, ideologias,
comportamentos éticos, dentre outros, via a subjetividade do narrador, o que acaba
por evidenciar o caráter pluridiscursivo da enunciação narrativa. Nessa perspectiva
surgem diversas possibilidades que são capazes de superar descrições
fragmentárias, que reduzem o processo narrativo. Com isso, é possível fazer uma
análise da narrativa com a perspectiva do discurso, uma vez que, no romance, estão
22
em pauta o modo da narração, o sujeito que a realiza e a perspectiva adotada por
ele.
Não podemos deixar de lado as categorias da narrativa, as quais nos
possibilitam o entendimento de como a narrativa está organizada, tendo em vista
que cada uma delas contribui para a constituição dos discursos e da narração em si.
Além disso, é importante mencionar que a narrativa apresenta também
todas as mudanças que podem ocorrer na sociedade e as influências que esta pode
exercer sobre os fatos. Pensando nisso, estudar as identidades a partir da narrativa
é uma forma de se perceber os diversos caminhos que elas percorrem para serem
formadas.
Na região amazônica a busca das identidades se dá de forma bem
particular, tendo em vista que a base dessa busca está na reafirmação dos
elementos que se destacam na região, especialmente aqueles ligados à relação do
homem com o seu semelhante e com a natureza, a qual é resultado da consciência
que ele tem da realidade.
Na região amazônica, o processo de formação histórica do povo se deu a
partir da miscigenação de vários povos, são eles: o índio, habitante típico da região,
que, muitas vezes, é injustiçado, sendo esquecido, nesse processo; os imigrantes
estrangeiros, como os holandeses, os sírios, libaneses, asiáticos, os bolivianos e
peruanos, da fronteira com o Brasil; e os nordestinos, que vieram em maior
quantidade, em decorrência da necessidade imediata de mão-de-obra nos seringais
para trabalharem na extração da borracha.
Segundo María Verônica Secreto (2007, p.40), a imigração dos nordestinos
para a Amazônia era parte de um plano para alargar o território como antes tinham
feito os bandeirantes, ocasionando um amplo projeto de colonização. A justificativa
eram as secas que atingiam o nordeste. No entanto, o que aconteceu foi bem
diferente do que se propunha. Tendo a borracha tornado-se um produto tão valioso,
em decorrência da Segunda Guerra Mundial, a ideia era prover os seringais de mão-
de-obra barata. Daí, o que antes era um projeto de colonização passou ao
cumprimento de um intenso processo de exploração do homem pelo próprio homem.
Das famílias que viriam inteiras para povoar a Amazônia, vieram apenas os homens,
sozinhos, extrair a borracha e adquirir dívidas infinitas com os donos dos seringais.
Diante desse contexto, que se relaciona à formação do homem da
Amazônia observamos os reflexos causados na literatura, o que dá às obras escritas
23
na Amazônia, ou sobre a Amazônia, características muito particulares como a
tendência à apresentação do homem, da natureza local, dos costumes, etc.
Entretanto, é importante mencionar que embora retrate a realidade local e a relação
do homem com a natureza, muitas vezes, essa literatura nega alguns de seus
elementos, por exemplo, os que compõem a formação do homem dessa região.
Sabendo-se que na formação desse homem estão o índio, os imigrantes
nordestinos, em sua maioria, e os estrangeiros, verificamos a pouca referência ao
elemento indígena, o que se constitui em uma injustiça com esses povos que,
muitas vezes, foram massacrados em decorrência da exploração da borracha.
Essa omissão também pode ser observada nos romances analisados nesse
trabalho: Certos caminhos do mundo – romance do Acre e A represa – romance
da Amazônia, os quais apresentam o homem amazônida como sendo fruto somente
da imigração, negando, com isso, a presença de seu primeiro habitante: o índio, que
é mencionado poucas vezes, dando a impressão de que são somente parte de uma
paisagem local. Essa questão será mais bem discutida adiante nas análises das
obras.
Embora haja essa falha em relação à formação do homem, há uma
descrição realista da Amazônia, a qual não é retratada como um simples cenário.
Algumas vezes ela aparece personificada nas figuras do rio e da floresta, outra
aparece como reflexo do próprio homem, o que torna a relação deste com a
natureza um dos aspectos marcantes da literatura da região, desde os primeiros
textos escritos, sejam literários ou não. Embora A represa e Certos caminhos do
mundo, façam uma referência bastante evidente à cidade de Rio Branco na época
da sua formação apresentam também claramente essa relação do homem com a
natureza.
O cenário visto nas diversas obras da literatura amazônica em geral é a
natureza, definida a partir da dicotomia inferno x paraíso. Ora ela é apresentada
como um lugar hostil, que não permite ao homem viver dignamente, ora como um
eldorado, lugar de esperanças, onde as pessoas pensam encontrar infinitas
riquezas. Essas duas formas de olhar a Amazônia podem ser explicadas a partir de
determinados pontos focos, uma vez que se tratarmos a partir do olhar do
seringueiro, o nordestino, que veio para a região agenciado, com promessas de
condições melhores de vida, veremos uma natureza na qual se encontram muitos
perigos. Por outro lado, se olharmos pelo viés do seringalista, que veio para explorar
24
não só a terra, mas também o próprio homem, veremos um lugar muito promissor e
cheio de esperanças de riquezas.
Essa tendência da literatura amazônica de expressar o tom local é evidente
nas obras Certos caminhos do mundo – romance do Acre e A represa –
romance da Amazônia. Estas duas narrativas de ficção dedicam parte de suas
páginas a expressar a história do Acre, reforçando muitas ideias que foram
apresentadas desde os primeiros textos sobre a região. Nessas narrativas, vê-se a
descrição de um espaço completamente estranho ao homem, o qual sofre toda a
hostilidade do lugar onde habita. Porém, isso também pode ser considerado uma
forma de afirmação da identidade, como se observa na citação a seguir:
[...] sendo minha tese básica a de que as histórias estão no cerne daquilo que dizem os exploradores e os romancistas acerca das regiões estranhas do mundo; elas também se tornam o método usado pelos povos colonizados para afirmar sua identidade e existência histórica própria deles (SAID, 1995, p.12).
Com isso, a partir das ideias expostas por Edward Said, podemos confirmar
a nossa tese de que através das narrativas, das histórias que os povos contam há
uma tentativa de firmar suas identidades, sua existência. No caso da Amazônia, a
história de um povo que por muito tempo foi explorado de diversas maneiras. Dessa
forma, podemos afirmar que o objetivo deste trabalho consiste em investigar como
se dá a busca da identidade amazônica por esses povos que foram hostilizados, que
passaram grandes conflitos, mas que, ainda assim, conseguiram afirmar sua
existência histórica.
Sendo assim, partindo das noções de identidade e discurso apresentadas
ao longo deste trabalho, o nosso fim é expor as principais ideias que as obras
expressam no que diz respeito a discurso e identidade, considerando os modos de
apresentação da realidade. Além disso, levaremos em consideração o fato de os
escritores serem homens que têm determinado conhecimento da Amazônia, pois
nasceram na região e viveram nela, tendo, portanto, conhecimento não só do
imaginário cultural da região, mas também da realidade vivenciada pelo povo da
localidade.
25
1.2 LITERATURA E IDENTIDADE
Sempre que se fala na noção de identidade, pensa-se em algo que
necessita ser recuperado, buscado, construído, resgatado. Assim, pode-se dizer que
identidade é uma busca. É importante lembrar que se fala em identidade quando se
sente a necessidade de comprová-la. No livro A identidade cultural na pós-
modernidade, Stuart Hall discute a questão da identidade cultural no que ele chama
de modernidade tardia, na tentativa de responder algumas indagações,
principalmente no que diz respeito à crise de identidade. Ele questiona se realmente
há uma crise de identidade e quais são as consequências de tal crise.
Essas ideias, frutos dos estudos culturais, podem ser complementadas
pelo pensamento bakhtiniano, o qual afirma que a identidade de um povo nasce das
produções discursivas, fruto de projetos ideológicos. Dessa forma, isso nos leva a
perceber que o povo amazônico possui não uma, mas várias identidades que serão
observadas a partir dos romances A represa – romance da Amazônia e Certos
caminhos do mundo – romance do Acre. Podemos perceber, segundo as idéias
do teórico, que as identidades são construídas a partir de um processo de interação
social que criam um constante movimento de diálogo e alteridade entre
interlocutores.
Segundo Kathrin Woodward, uma das formas pelas quais as identidades
estabelecem suas reivindicações é por meio do apelo a antecedentes históricos.
Levando em consideração a afirmação, é possível dizer que em Certos caminhos
do mundo – romance do Acre, o que o autor faz é tentar estabelecer as identidades
do povo acreano, mediante a explanação de acontecimentos históricos como a
migração dos nordestinos para a região, a rivalidade com os bolivianos e a presença
de personagens históricas. No decorrer das descrições destas personagens,
principalmente dos nordestinos, percebemos que pouco a pouco sua presença vai
sendo incorporada pela população acreana, o que não significa que eles
esqueceram ou perderam sua identidade. Podemos afirmar, ao contrário, que a
identidade do povo acreano é formada também a partir da incorporação da
identidade de outros povos.
É interessante notar que muitos autores acreanos, assim como Abguar
Bastos e Océlio de Medeiros tentam reafirmar a identidade do povo, não só do Acre,
26
mas da Amazônia, buscando suas fontes no passado, o que permite a produção de
novas identidades.
Assim como Abguar Bastos, Océlio de Medeiros faz uso do passado
histórico do Acre de um período semelhante ao descrito na obra de Bastos,
especialmente o período que corresponde ao declínio do primeiro ciclo da borracha
e ascensão do segundo ciclo, porém sua postura também exclui o indígena, embora
grande parte do enredo de A represa se passe no espaço da floresta. Nesse
romance é narrada as angústias dos seringueiros ao lado do Coronel Belarmino,
seringalista que via o seringal Iracema declinar sem nada poder fazer. Em
decorrência disso, todos foram levados a procurar novas formas de sobrevivência. O
narrador mostra o seringal sob o signo da decadência, colocando os seus
moradores, seringueiro e seringalista, num mesmo patamar social, no caso a
decadência social e moral.
Bastos e Medeiros utilizam em suas narrativas momentos significativos,
passados num momento histórico em que a decadência da borracha marca a
oposição entre o seringal e a cidade. Ambas mostram a cidade e a descrevem,
expondo toda a mediocridade das pessoas, os problemas enfrentados, etc. Com
isso, eles descrevem em suas narrativas momentos bem particulares da história do
Acre.
Essa tentativa de formar uma identidade apresentada em grande parte da
literatura que expressa a Amazônia vem acompanhando projetos ideológicos de
vários momentos da literatura brasileira, desde as suas origens até o movimento
modernista e seus desdobramentos. Desde os primeiros textos produzidos no Brasil,
nos tempos ainda da Colônia, observa-se que a literatura segue duas tendências: a
primeira desejava criar uma literatura, cujo princípio era a imitação do que era
produzido na Europa, por se acreditar que os textos produzidos lá tinham uma
tradição literária que levaria nossa literatura a ter o mesmo prestígio. A segunda
tendência preocupava-se em produzir textos que fortalecessem a construção de
uma identidade local, que primasse pelas temáticas da terra. Esta tendência
prevaleceu ao longo de muitos estilos literários, porém foi mais marcante em dois
momentos: no Romantismo, no século XIX, e no Modernismo, no século XX.
No Romantismo a busca da identidade evidenciava-se a partir da expressão
do homem local, de uma linguagem nacional e a exaltação da natureza. O homem
nacional era o índio, uma vez que ele representava, para os escritores, o que havia
27
de mais nacional, porém ele ainda era muito “europeizado”, tendo em vista que as
principais características apresentadas giravam em torno de aspectos corteses,
típicos dos cavaleiros europeus. Outro aspecto interessante, é que a terra era
representada também como símbolo do nacionalismo, sendo objeto de um forte
ufanismo.
Alguns anos depois, já no Modernismo, esse projeto de busca de uma
identidade nacional voltou à tona, com alguns aspectos diferenciadores, apesar de
percebemos que os elementos caracterizadores são também o homem, a linguagem
e a terra. O homem nacional apresentado não é mais o índio, mas um homem
formado a partir das três raças constituintes do homem brasileiro: o índio, o negro e
o branco.
A linguagem dos textos literários escritos nessa época tentava retratar o
cotidiano, os falares dos vários segmentos, das classes sociais e o modo de falar do
povo, no seu dia-a-dia.
Caminho semelhante é observado na literatura que expressa a Amazônia,
que como parte da literatura brasileira, apresenta nas suas diversas formas de
representação, desde as primeiras manifestações, o homem e a cor local, motivo
pelo qual, muitas narrativas amazônicas podem ser usadas como mostruário da
cultura da região que transita entre os discursos sobre inferno e/ou paraíso, cujo
objeto de apresentação quase sempre é a exuberante floresta em detrimento do
homem que nela habita.
Nisso está o diferencial de Abguar Bastos e Océlio de Medeiros que de
maneira singular apresentam os aspectos que dizem respeito à relação do homem
com a floresta e também expõem muitos fatos relacionados à formação das cidades
acreanas.
Segundo Loureiro (1995, p. 33), o sentido de identidade corresponde ao
autoconhecimento, autoestima, consciência do próprio valor, conjugados à
consciência da própria inserção no conjunto da sociedade nacional e, mais
amplamente, na sociedade dos homens. A sociedade amazônica tendo consciência
de si mesma, reconhece-se com relação inter-humana, inter-social e ao mesmo
tempo com a natureza e a história
Na produção literária amazônica, essa busca apresentada por Loureiro é o
que se percebe no modo de ser do homem da Amazônia em face de sua identidade
que é marcada principalmente por uma tradição formal que preenche as concepções
28
sobre a floresta com uma ideologia de paraíso e inferno, como se percebe nas
crônicas e outras criações do primeiro momento, ou a busca pelo reconhecimento
dos elementos que formam a sua realidade cultural e histórica.
A Amazônia é uma terra onde operam milhares de contrastes: ao lado da
riqueza da fauna, da flora e dos grandes rios, vê-se uma grande miséria humana;
pessoas que estão nestas terras muito mais por um acaso do destino do que por
vontade própria. Muitos desses homens tornaram-se frágeis diante da grandeza dos
rios e da floresta.
A Amazônia começa a ser comentada na época em que seus rios
começaram a ser navegados, por volta do século dezesseis, época em que
navegantes europeus, decidiram se aventurar nessa região, em busca de riquezas.
Destaquemos as expedições de Francisco de Orellana, ocorrida em 1542, a qual
ficou conhecida através de Frei Gaspar de Carvajal, cronista da expedição. Essa
expedição pode ser considerada um desdobramento da expedição de Gonzalo
Pizarro, governador da Província de Quito, realizada em 1541. Em 1581, houve a
expedição de Pedro Ursua e Lopo de Aguirre, registrada pelo Capitão Altamirano,
Francisco Vasquéz e Pedrarias de Almesto. Depois desses, muitos outros se
aventuraram pelos rios da Amazônia, os quais são difíceis de navegar e levaram
muitos desses aventureiros à morte.
Desde esse tempo, a hostilidade do local em relação ao homem já se
tornava evidente. Grandes rios, grandes florestas compunham um cenário que se
apresentava imponente a esses homens, particularizando a localidade. Neste
imenso cenário estava o bem e o mal de todos que decidiam se aventurar por essas
terras. Essa Amazônia, palco de tantos sonhos e penúrias, é cenário para uma
literatura ainda em busca de reconhecimento, que tenta firmar sua identidade.
Percebem-se, nessa Amazônia, textos literários voltados para os elementos
da região: homem, floresta, rios difíceis de serem navegados, quem sabe inspirados
na oposição firmada pelo impacto causado pela grandiosidade da floresta em face
da pequenez do ser humano. É salutar mencionar que nessa literatura que expressa
a Amazônia o foco é, em geral, a contemplação da beleza dos rios, da floresta e a
apresentação de um homem local, do qual nem sempre são expressos todos os
elementos étnicos que o formaram.
Como já afirmamos anteriormente, dentre os muitos escritores que usaram
esse imaginário amazônico povoado por grandes rios e magníficas matas destacam-
29
se Abguar Bastos, paraense, e Océlio de Medeiros, acreano nascido na cidade de
Xapuri. As obras escritas por ambos retratam um recorte da vida da sociedade
acreana em um período singular da história que vai desde o primeiro ciclo da
borracha, apogeu e declínio, até a ascensão do segundo ciclo, em decorrência da
Segunda Guerra Mundial. Nessa época, as primeiras cidades acreanas estavam em
formação.
De Abguar Bastos damos destaque a Certos caminhos do mundo –
romance do Acre. A obra apresenta, com riqueza de detalhes, aspectos que vão
desde a Revolução Acreana, à vinda dos nordestinos, destacando-se a queda dos
preços da borracha, mesclados com um plano amoroso, no qual é exposto o
romance de Solon e Rubina, que também será abordado neste trabalho. De Océlio
de Medeiros, destacamos A represa – romance da Amazônia, em que são
narrados fatos num mesmo período histórico, porém, ficção e história fundem-se
num único plano.
1.3 TRAJETÓRIAS DOS AUTORES
Para localizar o leitor no tempo e no espaço da produção das obras
estudadas serão apresentadas neste tópico as trajetórias dos dois intelectuais
amazônicos aqui estudados.
Abguar Bastos (1902-1995), como intelectual que participou ativamente da
construção de um projeto da história nacional e do projeto estético/ideológico do
Modernismo na Amazônia, figura como um dos grandes nomes dessa região, uma
vez que ele foi um dos que tentaram estabelecer uma literatura de expressão
amazônica, o que o levou a escrever diversas narrativas ficcionais. Ele
foi romancista, poeta, folclorista, sociólogo, historiador, conferencista,
teatrólogo, jornalista, tradutor, político, administrador e etnólogo. Com uma vasta
obra literária, destaca-se como um dos maiores nomes da história literária
amazônica. Sobressai-se, ainda, como um autor que encarna uma visão "de dentro"
da Amazônia sem, entretanto, desvincular-se das influências com o modernismo que
tão profundamente marcou o período de formação no contexto cultural da cidade de
Belém.
30
Bastos lançou o manifesto Flaminaçu, que em tupi (flami-n'-assú) significa
"grande chama", sob influência do Manifesto pau-brasil, de Oswald de Andrade. O
objetivo do manifesto, além de combater os representantes do passadismo literário
da região amazônica, era também convocar os intelectuais paraenses para o
movimento renovador iniciado em São Paulo e que na Amazônia deveria ganhar
feições próprias, dadas as peculiaridades da região.
Seu primeiro romance foi Terra de Icamiaba (1931), publicado em 1930 sob
o título de A Amazônia que ninguém sabe, romance de tese, o qual é considerado
um livro de intenções simbólicas e Certos caminhos do mundo: romance do
Acre (1936), também ambientado no Acre. Nesse romance aparecem muitos
aspectos da sociedade acreana, como a rivalidade que existia entre os dois lados de
Rio Branco: Penápolis e Empresa, os problemas sociais da época, além de fatos
históricos, tais como a Revolução Acreana e a migração nordestina para a
localidade, todos os fatos entrelaçados pelo conturbado romance de Solon e Rubina.
Conhecedor da realidade amazônica, por estar inserido nela, Abguar Bastos
possui uma obra riquíssima, que retrata não só a grandiosidade da Amazônia, mas
também retrata o homem e sua relação com a natureza. Nisso, percebemos que sua
narrativa Certos caminhos do mundo: romance do Acre é um retrato desse
cenário, que funciona como uma amostragem da cultura local.
Observamos que Abguar Bastos apresenta, numa mistura perfeita de
história e ficção. Nessa ambientação histórica nos textos do ficcionista, refletem-se
os contornos do imaginário amazônico através de uma evocação da memória
cultural dos antigos habitantes frente ao encontro com o nordestino e o boliviano,
mas não somente isso; enfatiza também a relação do homem com o seu espaço.
Aqui também se faz necessário apresentar a trajetória de Océlio de
Medeiros1. Nascido na histórica cidade de Xapuri, município noroeste do Estado do
Acre no dia 09 de dezembro de 1917. Océlio de Medeiros foi advogado por
imperativo de sobrevivência física e Professor Universitário, pela necessidade de
convivência intelectual. Seus pais são o Major João Felipe de Medeiros e D.
Dulcinéia Duarte Cardoso de Medeiros, integrantes da burguesia latifundiária do
ouro negro que participaram da obra histórica da colonização do Noroeste, com
1 ZANNINI, Iris Célia Cabanelas. Fragmento da Cultura Acreana. São Luís, 1989. p. 139, 140).
31
quartel general em Xapuri. Às vésperas da revolução de 1930, sua família atingida
pela decadência econômica da borracha emigrou para Belém, no Estado do Pará.
Na capital paraense, completou seus estudos primários. Terminou o curso
secundário e pré-jurídico no “Ginásio Paraense”. Diplomou-se como professor
primário pela Escola Normal do Pará. Sob o pavor das perseguições políticas
estudantis que surgiam com o advento do Estado Novo, transferiu-se para o Rio de
Janeiro, permanecendo na antiga Capital da República por apenas dois anos.
Retorna ao Acre, após aperfeiçoar seus conhecimentos pedagógicos, para em Rio
Branco, dirigir o Departamento de Educação e Cultura, presidir o 1º Conselho
Técnico de Educação, lecionar Pedagogia e dirigir o jornal oficial “O Acre”. Implantou
a Escola Ambulante como as de modelos australianos. Permaneceu na terra natal
durante pouco mais de dois anos. Após isso, tentou novamente fixar-se no Rio de
Janeiro, a partir de 1942. Desde esse ano projetou-se escrevendo obras
especializadas de administração e política partidária.
No setor de Serviço Público, de fiscal ingressou na carreira de Técnico de
Administração do DASP. Seu cargo, conquistado em concorrido concurso público de
provas, títulos e defesa de tese, permitiu-lhe o exercício de várias funções de
assessoria, quer no Poder Legislativo, tanto na Câmara como no Senado, quer no
poder Executivo. Transferido do DASP para o Ministério da Fazenda, foi designado
para servir na Delegacia do Tesouro Brasileiro no Exterior, em New York, nos
Estados Unidos, durante quase cinco anos. Matriculou-se na “The Columbia
University” e daí transferiu-se para a “The New York University”. Nesta após
apresentar uma tese sobre o Sistema Tributário Brasileiro, obteve seu “Master’s”
(MPA-NYU-1954).
No setor especializado, escreveu as seguintes obras: Territórios Federais,
Administração Territorial, O Governo e a Administração dos Territórios
Federais, O Governo Municipal no Brasil. Dentre as obras de sua autoria
destacam-se: A Margem do Planejamento Econômico da Amazônia,
Municipalização de Serviços, Problemas Fundamentais dos Municípios. No
campo da literatura, além de A represa, escreveu Fronteira Noroeste e Jamaxi: A
poesia do Acre”.
Exerceu ainda a função de Assessor de Secretário da Secretaria da
Indústria, Comércio e Turismo do Governo do Distrito Federal. Lançou também sua
obra poética completa, intitulada Cantos do Acre, compreendendo os seguintes
32
volumes: Cantos primitivos, Cantos Heróicos, Cantos Diáspora do Espaço
Interior, Tantas Estrofes e a Xapuri. No prelo, as obras: Baladas depois dos
Balanços para Chico Mendes, Só Brasília, Super Quadras, Poemas
Psicodélicos e Poemas Verdes e o Canto Brabo (Autobiografia decanônica do
primeiro amor).
Océlio de Medeiros passou seus últimos dias em Brasília. Ele morreu no dia
quatro de março de 2008, deixando-nos um grande legado. Era um homem de
talentos valiosos, por isso brilhou em muitas das áreas nas quais atuou, mas por sua
irreverência acabou incomodando a muitos e sendo incompreendido. Por sua obra e
por ter sido o primeiro acreano a escrever um romance sobre o Acre merece ser
lembrado sempre.
A partir das trajetórias dos dois escritores, podemos traçar um perfil dos
intelectuais da Amazônia. Longe de serem unicamente romancistas são pessoas que
exerceram, em geral, cargos públicos, foram políticos, historiadores dentre outras
atividades diferentes da literatura, o que nos leva à explicação do motivo que os faz
escrever narrativas com o foco em terceira pessoa e com um teor realista tão forte.
Tanto Abguar Bastos, quanto Océlio de Medeiros são modelos dos
intelectuais da época, os quais geralmente não são apenas romancistas. Contudo,
conhecem a realidade da região e, por conta disso, conseguem retratá-la de forma
realística, o que pode também ser considerado como uma forte marca da literatura
amazônica, na qual a realidade e o imaginário do povo figuram lado a lado.
1.3.2 As obras
Neste tópico será realizada uma breve apresentação das obras analisadas,
de modo a dar conhecimento ao leitor sobre alguns aspectos que se fazem
necessários.
Com um modo particular de narrar, Abguar Bastos apresenta ao seu leitor,
em Certos caminhos do mundo – romance do Acre, um texto que se alicerça na
construção de um projeto de história local que tem por base as vivências e o
imaginário do povo da Amazônia. Ele lança seu olhar sobre o espaço dessa região,
talvez, com a intenção de reafirmar determinados tipos das localidades amazônicas,
em especial o Acre. Além disso, ele traça muitos percursos feitos pelos habitantes,
33
através dos rios, tão difíceis de navegar, o que reforça a situação de isolamento em
que se encontram os povos da região. É a partir disso que podemos pensar como a
apresentação dessa Amazônia permeada de pessoas, com um modo muito
particular de viver, um espaço cheio de perigos e hostilidades, tudo associado aos
fatores históricos presentes, podem ser considerados como uma tentativa de
reafirmação das identidades.
Com o narrador em terceira pessoa, Certos caminhos do mundo –
romance do Acre é uma obra que reflete uma Amazônia mais urbanizada,
especificamente a Amazônia acreana, mas o narrador dedica algumas páginas a
narrar fatos dos primeiros anos da história do Acre, por exemplo, a época da
Revolução Acreana, quando co-habitavam índios, nordestinos e bolivianos.
Podemos explicar isso, a partir da ideia de José Ribamar Bessa Freire (2008).
Segundo ele, o espaço amazônico foi ocupado pelo que ele chama de “povos-
testemunhas”, os quais viveram na Amazônia antes da chegada do europeu, fato
que é encoberto pelos herdeiros dos conquistadores. Isso gera a ruptura da
continuidade espacial entre a sociedade mestiça e o que havia antes.
Quanto à cidade, esta é apresentada com suas formações específicas,
suas gentes, seus modos de vida. Rio Branco, no início do século XX é uma cidade,
que embora ainda modesta, já tem problemas que se tornam maiores à medida que
a cidade vai crescendo e se modernizando. É apresentada também uma natureza
hostil, através de acontecimentos históricos e da descrição da relação do homem
com essa natureza. Dessa forma, podemos afirmar que o narrador faz um paralelo
entre a natureza e a cidade. Esta num plano que podemos chamar de ficcional,
aquela num plano histórico, voltado para a narração das relações entre nordestinos e
bolivianos, no início da constituição do território.
Esses povos são apresentados pelo que se compreende na obra, entre o
primeiro e o segundo ciclos da borracha. Nesse período, segundo o historiador
Carlos Corrêa Teixeira, no livro Servidão humana na selva: o aviamento e o
barracão nos seringais da Amazônia (2009, p. 22), havia na região uma grande
carência de mão-de-obra. Dessa forma, diante da necessidade de se extrair grandes
quantidades de borracha, pensou-se em várias soluções, como utilizar a mão-de-
obra indígena ou estrangeira. Entretanto, a solução veio do Nordeste brasileiro, de
onde foram transferidas cerca de quinhentas mil pessoas em menos de trinta anos.
Tal população, forçada a deixar o Nordeste em função das fortes secas, era
34
formada, em grande parte, por indivíduos que perderam suas lavouras e criações.
Isso os obrigou, desde seus lugares de origem a assumirem dívidas, adiantamentos,
com seus empreiteiros, que os tornariam cativos dos seringais.
A partir desses dados, podemos observar que em Certos caminhos do
mundo: romance do Acre há um retrato bem realista das penúrias sofridas pelos
nordestinos nos seringais amazônicos até a fundação das cidades. Através disso, é
possível afirma que a obra apresenta de forma clara como se dava a relação do
homem com esse espaço, seja rural ou urbano, e também com o outro. Vejamos a
citação:
Entre as doenças do corpo havia uma, que, si não era também do corpo atuava nêle. Não assaltava: insinuava-se, distilava-se, gôta por gôta. Tomava conta da sua vítima, lentamente, como um anestésico. Apresentava-se sem ruído e nem silêncio a pressentia. Era a melancolia da distancia, mal de que sofreram os primeiros degredados da costa brasílica, os soldados portugueses da colonização e os africanos desenterrados da Costa do Ouro. Surpreendendo as trágicas lutas do futuro, o destino armou o cearense com uma qualidade digna de relevo: a resistência. Assim fez para que o esmorecimento não o possuísse, nem a incerteza, nem o langor, nem o desanimo, nada que lhe paralisasse as energias. Resistir. Resistir é que era, reagindo e atacando. Rios diluviais, chuvas coléricas, árvores tentaculares; na frente o paroxismos solar e na retaguarda o estridor das feras, eis o espetáculo inicial de vida do vale do Purus ao vale do Juruá. Para não ser devorado era preciso fincar o pé e não escorregar no devoramento. Por isto, o cearense resistiu. Agüentou o estrépito das intempéries e a sua esqualidez granítica é que assombrou o boliviano, fez a independência e fundou um estado. (BASTOS, p. 53)
Observemos que o narrador exalta as qualidades do cearense e nisto atribui
à sua força a adaptação e resistência na Amazônia. Isso lembra a tese evolucionista
que diz que “só os mais fortes sobrevivem”. O cearense mesmo magro, vencido na
vida, resiste às adversidades e instala-se no território.
Outro aspecto que se faz necessário mencionar é modo como ele descreve
a situação do indígena no território. Ele não atribui ao próprio homem a sua expulsão
da terra, mas aponta como responsáveis os elementos geográficos da região. Prova
disso podemos observar na seguinte citação:
Pouco a pouco o boliviano foi sentindo o desamôr das plagas adúlteras. Cada vez mais a sua taciturna indiferença tornava o vale alheio aos seus
35
carinhos. Pelas veias impetuosas duma gigantesca potamografia as águas arremessavam os índios para o ocidente. O boliviano parecia extrangeiro. O cearense parecia o dono da casa. (Bastos, p. 47)
Podemos observar aqui que com a chegada do cearense, um elemento
novo na terra, os que já habitavam essa região acabaram sendo expulsos pelos
elementos formadores da geografia do lugar: o boliviano pela indiferença da terra, o
índio pelas águas.
Dentro de um processo de formação identitária, é possível perceber que
pela mobilidade, pelas idas e vindas, o sujeito acaba tornando-se descentrado
fragmentado. Os índios sofreram um processo de diáspora, foram expulsos. Os
bolivianos, ao passo que foram colocados na condição de estrangeiros também se
retiraram da terra. Com isso, é possível afirmar que houve um processo de
desestabilização da identidade do indígena e do boliviano. Fora da terra ambos
passaram à condição de estrangeiros. Dessa forma, passam a habitar as margens
dos discursos.
Verifica-se com isso que no discurso do narrador há uma interpretação que
parte de certo etnocentrismo sobre as identidades dos habitantes da Amazônia
acreana. É possível observar que ele de maneira clara, mas não tão simples, narra
diversos fatos, fazendo um percurso que vai da ficção à história, entrelaçando-as.
Nesse caminho, narra acontecimentos, descreve personagens tanto históricas
quanto ficcionais. É muito interessante o modo como o narrador descreve esse
processo de mudança, isto é, essa tomada da terra pelo elemento recém-chegado.
Em Certos Caminhos do mundo: romance do Acre há uma descrição do
que foi a Revolução Acreana, que resultou na tomada do Acre das mãos dos
bolivianos. Nesse conflito seringueiros e seringalistas revolucionários partiram para a
luta em seis de agosto de 1902, na cidade de Xapuri. A luta armada ocorreu até 24
de janeiro de 1903, data em que os brasileiros retomaram o poder e reinstalaram o
Estado Independente do Acre.
No início do século XX, no Acre havia um grande contingente humano, a
maioria deles indígenas, também muitos imigrantes, nordestinos e alguns
estrangeiros, e bolivianos. Entretanto, em seu romance, como já mencionamos,
Abguar Bastos dá mais destaque aos nordestinos e aos bolivianos. Conforme vemos
na citação abaixo:
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Dentro do Acre, os que transpunham suas inacreditáveis fronteiras encontravam, aqui e acolá, homens de côr branca, sujos, magros, um pouco ferozes. Vinham do Brasil e se diziam filhos duma terra muito longe que se chamava Ceará. Os bolivianos não deixavam de comentar a presença desses selvagens e ainda que já parecessem tribus, (tão importantes iam se tornando seus agrupamentos), não sobrava tempo para que fossem examinados seus propósitos. (BASTOS, p. 44)
Observemos a partir dessa citação que os dois povos são apresentados
sem se estabelecer uma relação de pertencimento ao espaço, pois eram ambos
ocupantes de um mesmo espaço, sem serem típicos da região. Com isso, é histórico
que, em decorrência desse grande número de pessoas, a Bolívia não se apossou
das terras acreanas, ou tinha dificuldades para isso, pois muitos brasileiros estavam
aqui com o intuito de trabalhar.
No romance a referência ao indígena, é, em geral, da maneira como já foi
apresentado ou sob a dominação do homem branco e a exploração de que eram
vítimas, como vemos em: “- Tudo é questão de transporte, mas os índios nos
ajudarão. Dois mil ou três mil índios trabalharão para nós, governaremos as tribos.”
(BASTOS, p. 26)
Além disso, faz-se necessário fazer uma referência a um fato histórico:
em 1899, quando já havia um aglomerado considerável de brasileiros em terras
acreanas, a Bolívia instala um posto no vilarejo de Puerto Alonso para que fossem
cobrados impostos pela produção de borracha, que em sua maioria, era enviada
para Manaus e Belém pelos rios de difícil navegação desta parte da Amazônia.
Essas duas cidades é que abasteciam os seringais com os aviamentos, era também
onde muitos iam gastar o dinheiro que ganhavam. Como se observa na obra:
“Enquanto no Pará ou no Amazonas o ricaço do Acre exibe faustosas
prodigalidades, o acreano que o conhece, sorri. (BASTOS, p. 55)
A apresentação de alguns fatos históricos na obra de Abguar Bastos
demonstra que há uma preocupação em expressar um discurso que fixe
determinada identidade, especificamente aquela em que o homem da Amazônia é
tratado como um ser formado a partir, não de uma, mas de várias identidades, uma
vez que são vários os povos que formaram o acreano. Com isso, observa-se que os
indivíduos não são unificados.
Apresentando aspectos de uma narrativa histórica, Certos Caminhos do
Mundo: romance do Acre se sobressai exatamente por ter um modo particular de
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apresentar os elementos de pertença: o tom e a cor local, especialmente no que
concerne à descrição do lugar. Abguar Bastos não apresenta unicamente o
seringueiro ou o imigrante nordestino, o homem simplesmente como rival da floresta,
mas vai deste o momento de chegada de tal imigrante até a formação da cidade.
Aí ele apresenta muito da história da formação do território acreano. Dessa
forma, a trama deixa transparecer um misto de história e ficção, isto é, são
apresentados aspectos históricos do Acre do início do século associados a uma
trama de amores e uma série de intrigas, que, além de prender a atenção do leitor,
enfatizam várias identidades.
Esta ideia de que o homem tem várias identidades está de acordo com o
que expõe Hall (2004), ao afirmar que o sujeito previamente vivido como tendo uma
identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de
uma, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias e não resolvidas, o
próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas
identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático.
Escrito na década de 1930, Certos caminhos do mundo – romance do
Acre apresenta características semelhantes aos romances escritos na mesma
época. Podemos mencionar, por exemplo, o fato de esses romances, escritos na
época da emergência do romance regional nordestino, fizeram perceber que existem
várias realidades nacionais, revelando as diferentes formações discursivas do país,
através das literaturas produzidas em diferentes espaços.
Além da narração desses elementos históricos, na obra Certos Caminhos
do mundo: romance do Acre é narrada a história de Solon, que é mesclada por
uma série de intrigas, e o amor da mulata Rubina. Solon é Filho do coronel João
Gonçalves. Ele herdara uma quantia em dinheiro do pai, porém perde boa parte da
fortuna para o holandês, Ronie, o qual é apresentado a Solon pelo amigo Assunção.
O holandês é descrito como tendo “grandes recursos, homem de trabalho com
ideias largas e planos dignos de atenção”. (BASTOS, p. 19).
Observemos com a presença dessa personagem, a referência a presença
de imigrantes estrangeiros, que também vieram para a Amazônia com o objetivo de
enriquecer. É através de Ronie que Solon sofre profunda e definitiva
desestabilização. Enganado pelo sócio, vê-se sem recursos. Foi enganado pela
ingenuidade e talvez por nutrir certo interesse pela esposa daquele, a senhora
Chandla, que também participou de toda a trama para enganar Solon. Chandla e o
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marido articularam tudo. Ela, demonstrando certo interesse por Solon, consegue
enganá-lo, colocando em prática os planos do marido. Logo que Solon e Ronie
fecharam negócio, este partiu e as notícias que relatavam problemas, “dificuldades
trágicas”, como podemos observar no trecho a seguir:
Chegaram as primeiras notícias. O senhor Ronie dava conta de vários atropelos e surpresas. Falava em “dificuldade trágicas” e “seguras esperanças”. E nada mais adiantava. Solon sobressaltou-se. Lembrou-se da visita e começou a considerar os planos do Sr. Ronie como uma esperteza. Viu-se, de repente, pobre. Não dormiu nessa noite, com uma grande cólera no coração. (BASTOS, p.28)
Como vemos, Solon resolve ir ao seu encontro, mas Ronie dá algumas
desculpas e se faz de ofendido para continuar enganando o sócio. O diálogo entre
os dois revela a falta de caráter do holandês que parece ser capaz de tudo para
alcançar seus objetivos, ao mentir para o sócio e, ainda, fazer-se de ofendido com
sua presença. A ingenuidade de Solon ajuda na empreitada. Vejamos a citação
abaixo:
Quando chegou ao primeiro barracão junto ao morro do Capicpi, o holandês veio recebê-lo. Foi logo perguntando: - Por que veio? Quem ficou em Belém para receber os produtos? Não recebeu minha carta mês passado? - Sim. Mas tive vontade de ver essas coisas com meus próprios olhos. - Está desconfiado de mim? - Não. Nem penso nisso. Você como vai? - Muito bem. (BASTOS, p. 29)
A partir desse diálogo, podemos perceber as intenções nada boas de Ronie.
Mesmo com a presença de Solon, o holandês consegue enganá-lo, uma vez que,
mesmo sendo um estrangeiro, parecia conhecer muito bem os espaços que
percorria.
Após perceber que fora enganado Solon muda completamente suas
atitudes: “tinha os olhos mais duros, a voz mais forte, as atitudes mais enérgicas, o
sorriso mais reservado, parecia um homem de ação.” (BASTOS, p. 42). Essa
mudança expressa também uma mudança da identidade de Solon: de herdeiro do
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rico coronel ele passa a ser o comandante de um navio, passa de senhor a
empregado.
Depois disso, ele passa a guiar pelas águas dos rios amazônicos o navio
República, de propriedade dos irmãos Marinhos. Em uma das suas viagens encontra
Rubina, uma mulher bonita, que fugiu do marido e vive com Fadul, conforme
informações que Solon recebe de um turco.
O narrador apresenta Rubina como uma mulher que não segue regras. Ela,
mesmo sendo mulher, que na época deveria seguir os comportamentos
determinados pela sociedade, não o faz. Ao contrário disso, foge do marido e vive
uma situação condenada pela sociedade.
Solon apaixonou-se por Rubina desde que a conheceu. Entretanto, as
diferenças entre as duas personagens são bem marcantes: ele herdeiro de coronel,
agora comandante de um navio e nascido na virtuosa Penápolis; ela uma mulher
prostituída, fugitiva do marido, amásia de um turco, além de “filha da viciada
Empresa”. As localidades onde cada um nasceu marcam suas identidades, seu
modo de vida, determinam seus comportamentos.
O romance vai muito bem, até que Rubina vicia-se em coca, depois de
reencontrar a “Princesa Negra”, ex-prostituta que agora é modista e também viciada
em coca, o que era comum na época. Sólon para retirar Rubina do vício leva-a a
uma viagem no República, porém na embarcação estava Jorge, que oferece o pó a
Rubina, ela não resiste e acaba indo ao camarote do homem, porém Sólon sabendo
do fato, vai até lá e encontra a mulher tomada pela coca. Ele aponta uma arma para
os dois, mas não consegue atirar. Quando o navio chega a um trecho difícil da
viagem, embora Solon já tenha passado com sucesso por ali, o navio naufraga. Os
dois, Solon e Rubina, terminam em uma praia.
É importante mencionar eu Rio Branco mesmo ainda em formação já sofria
com o problema da droga. Por ser uma região de fronteira a entrada e saída das
drogas acaba por ser facilitado, problema que até hoje é muito comum nessas
regiões.
Outro fato importante é que Solon é sempre apresentado como superior,
tanto por sua condição de homem, como por sua posição social: comandante do
navio, e, além disso, é filho de Penápolis, o que o localiza num espaço físico
privilegiado.
Na obra, a tentativa de revelar a identidade do povo acreano não é
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representada somente pelo romance das personagens, mas também pelos fatos
históricos que marcaram a formação do povo, especialmente a Revolução Acreana e
a vinda dos nordestinos para o Acre, o que já foi mencionado. Esses fatos são
representados num plano que poderíamos chamar de histórico, no qual vemos
narrada também a discórdia que permeava a vida dos moradores de Penápolis e de
Empresa, que hoje correspondem a 1º e 2º Distritos respectivamente.
Divididas não só pelo rio, Penápolis e Empresa são tratadas como opostas
entre si, uma vez que toda a promiscuidade e os vícios são descritos como sendo
típicos de Empresa, e a virtude, de Penápolis. Assim, conforme já foi mencionado,
há dois planos, que são entrelaçados, uma vez que percebemos que no plano
ficcional há uma representação desses dois lados da cidade, representados
simbolicamente pelo romance de Solon e Rubina, o qual é conturbado, pois todas as
vezes que a mulher comete algum deslize, ele faz referência ao fato de ela ser filha
de “Empresa”. Com isso, nessas duas personagens percebemos duas identidades
distintas, marcados pelos mesmos traços que marcam as diferenças entre os dois
espaços: Penápolis e Empresa. Essas diferenças os levam a diversas divergências.
A partir disso, vemos reveladas as várias identidades desses sujeitos.
No discurso de Solon, apresentado a seguir, fica clara a sua opinião acerca
de Rubina. Percebe-se que a seu ver a identidade de uma pessoa é marcada pela
questão do espaço, conforme afirma, uma vez que, segundo ele, o comportamento
de Rubina é da maneira como é porque ela é “filha da Empresa, lugar das diversões,
das festas, das bebedeiras, das perdições. Sendo assim, não haveria nada de
surpreendente em seu comportamento.
Perdida! E como houvesse compreendido, duma vez para sempre, que ela
era uma filha do mundo ingrato e estranho nada se pode roubar sem
castigo, pôs-se, com pena, a alisar-lhe os cabelos.
E carregando-a novamente, foi arrastando-a, arrastando-a, até sumir na
mata pelo caminho dos bichos. (BASTOS, p. 251.)
As personagens são permeadas por marcas identitárias que perpassam as
condições de classes. Especialmente em Empresa, o narrador apresenta os tipos
que habitavam o lugar. Segundo ele, eram os seringueiros, os oficiais de polícia e os
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comandantes de navios. Em torno desses tipos estavam os comerciantes, os agiotas
e as mulheres. Na obra, observam-se também as identidades definidas por questões
de espaço, por exemplo, a já mencionada divergência entre os habitantes da cidade.
Há entre eles muito mais do que um choque no que concerne ao comportamento do
outro. Embora sejam filhos da mesma terra, ambos são de lados diferentes do rio, o
que faz com que suas identidades sejam marcadas por outros elementos típicos do
local onde nasceram. Vemos com isso, a descrição da formação da cidade de Rio
Branco, que dividida pelo rio Acre apresenta identidades distintas em cada lado.
Solon e Rubina são representações disso. Ele procura o que lhe parece certo, ela
não se preocupa com isso. Eles têm, portanto, comportamentos diferentes.
Podemos dizer que aqui temos um belo exemplo de diferença de identidades, uma
vez que o caráter de cada um foi forjado pelos problemas que enfrentaram ao longo
da vida. Solon por ser enganado pelo sócio, Rubina pelos sofrimentos amorosos.
Quanto à obra A represa – romance da Amazônia, esta é dividida em
dezesseis capítulos. O romance de Océlio de Medeiros inicia-se na cidade de
Xapuri, de onde são apresentados fatos do cotidiano da cidade, os moradores
típicos do local, portanto, as primeiras personagens, dentre as quais se destaca
Antonico que vai morar no Iracema, seringal do coronel Belarmino. A narrativa é
marcada, conforme as palavras do próprio autor, como romance propositadamente
descritivo, no qual predomina o registro da ocupação do território acreano. Com isso,
o romance registra em média uns 20 anos da vida do Acre, indo do período de
decadência do primeiro ciclo da borracha, coincidindo com os primeiros anos da
Segunda Guerra Mundial que desencadeou a conhecida batalha da borracha.
No seringal Iracema, Antonico conhece a filha do coronel por quem se
apaixona, porém não é correspondido. O seringal encontra-se em decadência por
causa da queda dos preços da borracha. Para não terem que ir embora, no
momento em que o coronel Belarmino está acertando as contas, os seringueiros
pedem para ficar no seringal e transformá-lo em uma colônia de agricultura, o que é
visto pelo coronel com bons olhos. O coronel, numa atitude desesperada, divide o
seringal em lotes e todos os seringueiros acabam ficando. Nesse intervalo, Antonico
vai estudar em Belém. No início todos estão se dando muito bem com a agricultura,
mas depois de um tempo, as safras não são mais tão boas, porque os seringueiros
não dominam as técnicas de agricultura e o solo é pobre. Com a chegada das
42
chuvas, as coisas começam a ir de mal a pior, até que um repiquete acaba
destruindo o que sobrou no seringal.
Com a alagação, todos são levados para Rio Branco na balsa da prefeitura.
Os moradores do Iracema, mais uma vez enfrentam a desventura, tornam-se agora
flagelados das cheias do Rio Acre. Através disso, evidencia-se a representação da
força da natureza selvagem, especificamente a força das águas. Na cidade, eles são
recebidos pela Comissão de Socorros aos Flagelado das Cheias. Em Rio Branco
aparecem outras personagens, como O Jornalista Amadeu Aguiar, o Manoel Brasil,
o carteiro que lê as correspondências das pessoas da cidade. Dentre eles estava o
chefe de polícia, Donato, que se interessa por Santinha, a qual esta não
corresponde, mas logo se apaixona por Didi, com quem mais tarde se casa.
As coisas na cidade estão indo bem. Porém, na noite do casamento de
Santinha, Donato, responsabiliza Didi pela fuga de alguns prisioneiros e o prende
por isso. Cinco dias após o casamento de Santinha, Antonico chega à cidade, já
formado. Ele compõe uma Comissão de Saneamento. A moça aproveita para pedir-
lhe ajuda para tirar o marido da prisão. Antonico, que ainda está apaixonado por
Santinha pensa em se aproveitar dela, e marca um encontro. Porém, no dia
marcado ela chega com a notícia de que estão todos de volta ao Iracema, pois, com
a Segunda Guerra mundial, os preços da borracha voltam a subir.
A narrativa termina na perspectiva de um futuro melhor para todos os
moradores do Seringal, inclusive para o Coronel Belarmino, que no romance não é
visto como um vilão, ao contrário, percebe-se na obra a ênfase ao pioneirismo do
imigrante, ou melhor, do seringalista, uma vez que se destaca que o coronel
Belarmino veio com os primeiros imigrantes, com Neutel Maia. Com isso, percebe-
se, de certa forma, uma justificativa para a exploração dos trabalhadores, que
parece ser a única maneira de se chegar ao progresso a que o lugar está
determinado.
Em A represa – romance da Amazônia, percebe-se que o que marca a
narrativa é essa destruição que se dá pelas águas. A água funciona como uma
marca de identidade, pois o modo como ela se apresenta determina a maneira de
pensar das pessoas. Em A represa a água tirou a esperança dos moradores do
Iracema, porém traz a esperança com a alta dos preços da borracha. Através
desses deslocamentos, tem-se a superação dos conflitos sociais, das dificuldades,
para a chegada a um patamar superior. Entretanto para que isso aconteça é
43
primordial a força da natureza, que determina o destino das pessoas. Assim, a
destruição do Iracema pelas águas enfatiza a mudança de vida das personagens e
também de suas identidades, tendo em vista que foram seringueiros, agricultores,
flagelados, vítimas das águas repentinas do rio Acre, mas agora têm a esperança de
uma vida melhor. Entretanto foi a partir da ideia de águas represadas, com o sentido
de retenção, de prisão, que possibilitou a mudança desse povo, que foi de uma vida
totalmente desventurada para uma perspectiva de uma vida mais promissora.
Não se percebe na obra intenção de denúncia social. Embora se apresente
aspectos desse tipo, há uma presença forte de aspectos relativos à memória, dando
ênfase mais a um caráter documental, como é declarado no prefácio. Há também
um tom descritivo que se sobressai, porém ao lado disso está a crítica que o autor
faz à sociedade acreana da época.
Toda a narrativa se passa no período entre as duas grandes guerras, que
marcaram a ascensão e decadência dos dois ciclos da borracha. Observa-se,
entretanto, como destaca Laélia Rodrigues da Silva, que o tempo se constrói a partir
das idas e vindas dos habitantes do território, do seringal para a cidade e vice versa.
Ela observa, em seu livro Acre: prosa e poesia, que o tempo histórico na narrativa é
motivado por duas guerras internas, que são motivadas por interesses externos: a
revolução acreana e a batalha da borracha.
Em A Represa esse deslocamento se dá de maneira cíclica, uma vez que
se percebe que as personagens iniciam sua trajetória no seringal, vão para a cidade
em busca de refúgio da cheia, e o romance termina com a perspectiva de retorno ao
seringal, onde uma vida promissora as aguarda.
Observando a narrativa sob o prisma econômico, pode-se perceber que a
narrativa acaba se tripartindo da seguinte maneira: o passado de glória, marcado
pela vitória na Revolução Acreana; o segundo é marcado pelo presente de derrota,
da decadência da borracha. É esse presente que faz com que as personagens
sintam falta do passado; e o terceiro momento é apenas sugerido, aparece na obra
por meio da perspectiva de melhorias pelo início do novo surto da borracha. Essa
divisão da narrativa será mais bem detalhada nos próximos capítulos desta
dissertação.
Observa-se em A represa que fatos históricos são apresentados, porém de
maneira sutil, tendo em vista que estes são incorporados à narrativa e muitos deles
são vivenciados pelas personagens e pela descrição do espaço. Tais fatos como a
44
queda da borracha e os nomes de algumas personagens que fizeram parte da
história do Acre são mencionados, como podemos perceber na citação a seguir:
- Saiba esperar! Olhe que a borracha ainda há de ter bom preço!... - É a única esperança que ainda nos retém aqui. Se não fosse isso, o Acre era novamente deserto... As cidades estão cada vez mais se despovoando... A família do Ramalho baixou para Belém... O Américo Dutra voltou ao Ceará... Cada um juntou o resto do que teve. E Toda a nossa guerra deu em nada. - E onde anda o Zé Galdino? - Está pedindo esmola na porta da Agência do Banco do Brasil em Belém... Foi ele quem financiou tudo... O Coronel Plácido de Castro, que libertou o Acre foi assassinado... Pediu, antes de morrer, que lhe mandassem o coração para a noiva e lhe transportassem os ossos para o Rio Grande do Sul, pois aqui não queria ficar mais nem depois de morto... (MEDEIROS, 1942, p. 15)
O teor mais ficcional da narrativa de Medeiros se dá pelo fato de ele
apresentar os fatos incorporados a personagens também ficcionais. É narrada na
obra a história de Antonico, Santinha, coronel Belarmino e os seringueiros do
Iracema, seringal de propriedade do coronel. A narrativa é dividida em dois espaços:
o primeiro é no próprio seringal, onde todos vivem muitos infortúnios, que vão desde
a decadência da borracha, no primeiro ciclo, à subida dos preços, dando início ao
segundo ciclo. O segundo espaço é a cidade de Rio Branco, no início de sua
formação. Seguindo esse percurso, pode-se perceber que há na narrativa um
espaço que se apresenta de maneira cíclica, tendo em vista que começa no seringal
Iracema, há um período na cidade e termina novamente no seringal, porém este
último fica apenas num plano idealizado, já que não há fatos narrados nesse terceiro
momento, há a perspectiva de um novo tempo, de esperanças renovadas.
Na obra o teor documental se faz presente de maneira muito evidente. Os
fatos são narrados em meio à descrição da cidade e dos tipos humanos que
habitavam a Rio Branco de um período que, pela descrição, vai aproximadamente
de 1920, período em que a extração da borracha já estava em crise, a 1940, início
da Segunda Guerra, quando os preços da borracha sobem novamente.
A partir dos aspectos apresentados nas obras, um fator que merece
destaque e que fica explícito nas obras analisadas é a questão dos deslocamentos.
O ir e vir das pessoas marca suas vidas de modo a lhes fazer mudar de identidade.
Dessa forma, os deslocamentos poderão ser vistos como um significativo movimento
45
que modificará as ações romanescas. Vemos esses deslocamentos tanto em Certos
caminhos do mundo - romance do Acre, quanto em A represa – romance da
Amazônia. Na primeira podemos enfatizar os deslocamentos das personagens,
Solon e Rubina, que mudam diversas vezes de lugares, o que acarreta também
mudanças para suas vidas. Eles vão e vêm pelos rios da Amazônia, mudando com
isso, suas atitudes, portanto suas identidades.
Em A represa ocorre fato semelhante, mas o deslocamento se dá por parte
de todos os moradores do seringal Iracema: primeiro Antonico, que se desloca
sempre em busca de ascensão social, primeiro para Iracema depois para Belém; em
seguida, todos os outros moradores, em decorrência da enchente, que os obriga a
mudar de lugar para sobreviverem.
Esses deslocamentos ocasionam experiências, muitas vezes,
desconfortantes para as personagens que têm que agir de maneira diversa daquele
que estão habituados. O caso mais claro se dá em Certos caminhos do mundo –
romance do Acre, no qual se observa que Rubina precisa esconder seus desejos,
suas vontades para que as pessoas não desconfiem que ela é viciada em coca.
Outra mudança ocasionada pelo deslocamento é a de Solon, que no navio
República não pode demonstrar carinho por Rubina porque ele ocupa uma posição
social mais elevada. Ficam claras também as relações de gênero, que são
construídas pela sociedade. Rubina, sendo mulher deve comportar-se como tal, não
deve tentar colocar-se em num mesmo patamar que Solon.
Com isso, é possível afirmar que, a partir do momento em que as
personagens decidem manter seus comportamentos, elas estão tentando manter as
identidades que as pessoas acreditam que elas têm e não manter suas próprias
identidades. O objetivo disso é fazer com que as pessoas continuem tendo a mesma
visão em relação a elas. Elas querem manter certa ordem, a qual é imposta pela
sociedade. Rubina está na posição de mulher, Solon de capitão do navio, o que
requer que ambos tenham sempre o comportamento esperado pelos outros. Esse
comportamento é determinado pelo espaço social em que se encontram.
A partir disso, podemos dizer que eles estão em lugar hostil, ou segundo a
teoria de Gaston Bachelard (1993), que aborda o espaço a partir do conceito de
topos, o que será mais detalhado adiante, estão num lugar atópico, isto é, um lugar
onde elas não deveriam estar por apresentar perigos, causar-lhes sofrimentos e
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insatisfações, a partir do momento em que proporciona situações desconfortantes e
conflituosas.
É a partir dessa idéia que observamos que as obras em estudo estão
organizadas seguindo esse princípio. Abguar Bastos teve a preocupação de
apresentar não apenas um aspecto, mas vários aspectos marcantes que nos fazem
perceber que a identidade do homem acreano não está voltada para uma identidade
única, mas para as várias identidades que compõem esse povo. O que evidencia
isso é a mudança de espaço, que vai do rural para o urbano sem fragmentar a obra,
enfatizando que essa mudança faz parte de um todo. Além disso, temos as
personagens, por exemplo, os imigrantes que se transformam em seringueiro, mas
há também a presença de pessoas vindas de outras regiões ou de outros países
para tentar a sorte aqui, o enriquecimento fácil.
Ao falar que muitas personagens apresentadas vêm de outros lugares
observamos a ideia de Tomaz Tadeu da Silva e Stuart Hall, que expõem no livro
Identidade e diferença, que as identidades são formadas a partir de outras
identidades, relativamente ao “forasteiro” ou ao “outro”. Observamos isso na obra de
Abguar Bastos, uma vez que os homens apresentados na obra são pessoas vindas
de muitos lugares. São pessoas que vieram com objetivos particulares, mas que
ajudaram a formar a identidade de nosso povo. Isso foi permitido a partir do contato
do homem com o espaço, com os elementos que o compõem e com o próprio
homem.
Em A represa também se observa tal acepção, uma vez que as
personagens descritas vieram, muitas delas, de outras localidades ou que tiveram
que se deslocar por questões de diversa ordem, muitas delas financeiras, como é o
caso de Antonico, que foi viver com o coronel Belarmino para tentar uma vida
melhor, e depois foi para Belém. Até mesmo os moradores do seringal Iracema
efetuaram vários deslocamentos quando foram conduzidos para a cidade de Rio
branco.
1.4 CONCLUSÃO PARCIAL DO CAPÍTULO PRIMEIRO
Neste primeiro capítulo fizemos a apresentação de algumas teorias que
nortearão os caminhos desta tarefa crítica, especialmente os que se referem aos
47
estudos culturais, como os de identidade, espaço, e à linguagem. Iniciamos as
análises das obras, a partir de questões identitárias que se destacam já numa
primeira leitura e pudemos observar que estas estão relacionadas também a
aspectos históricos, ao espaço em que as personagens atuam e a sua relação com
os outros.
No próximo capítulo serão apresentadas algumas informações importantes
acerca da literatura amazônica e procederemos à análise das categorias da
narrativa, enfatizando como esses elementos são organizados nas obras e qual a
sua contribuição no que concerne às questões identitárias.
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CAPÍTULO II – UMA LITERATURA NA AMAZÔNIA
2.1 ESPAÇO E VIDA
A vida das pessoas que ocupam o espaço da Amazônia é um capítulo a
parte no contexto brasileiro. O isolamento, as adversidades naturais são elementos
que marcam essa gente desde épocas remotas. Desde os rios até mesmo a terra
não dão muitas facilidades para o homem amazônida.
A Amazônia é uma região extremamente complexa, cheia de contrastes,
diversidade, longe, portanto, de ser homogênea. Habitar os espaços da Amazônia é
há muito tempo um desafio para o homem, pois em decorrência do já mencionado
isolamento e das dificuldades que isso ocasiona, a vida na região acaba por se
tornar uma dura luta diária, especialmente para aqueles que vivem em áreas mais
distantes. Tudo isso é, portanto, a maior marca das vidas dos homens amazônidas.
Esse isolamento torna-se evidente porque, na Amazônia, a maioria dos rios
“corta” as cidades em vez de dar acesso a elas, devido à planície. Além disso, há
muitos perigos, o que fortalece o caráter que desde tempos antigos foi dado à
região: a de um deserto e um inferno verde, que não perdoam ninguém, consumindo
o homem com enfermidades e perigos de toda espécie. A esse respeito, Laélia Silva
afirma que:
Com estigmas de deserto e de inferno verde, e com uma trajetória histórica acentuadamente marcada pela exploração dos recursos naturais, a cultura amazônica tem sido determinada por dois elementos significativos: o isolamento e a busca da identidade. (SILVA, 1998, p. 17)
Conforme Silva, o isolamento e a busca constante da identidade são traços
que se percebem claramente em muitos textos, literários ou não, que têm a
Amazônia como tema. Esses traços devem ser considerados como uma tentativa de
fixar uma identidade amazônica, através de aspectos culturais, sociais e históricos
que são apresentados pela célebre escritora.
Ainda sobre essa questão do isolamento que vive o homem da Amazônia,
Leandro Tocantins faz uma excelente descrição da situação da população dessa
região especificamente aquela que habita o Acre. Vejamos a citação a seguir:
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Condenados a um terrível isolamento, os habitantes dessas circunscrições durante muitas décadas suportaram as dificuldades irremovíveis da navegação fluvial, único meio de que dispunham para se comunicarem com os centros de interesse social. a despótica via natural roubava-lhe o mais precioso dos bens: o tempo. Arrastavam-se os dias,os meses,os anos, arrebatados pela tortuosidade dos rios, pelos verões inclementes, pelos empeços do paralelismo hidrográfico. [...] Primeiro, é uma decorrência da psicologia social de um povo que se viu insulado do país e da própria comunidade de seu Território, durante meio século. Somente o alto ganho oferecido pela borracha permitiu o povoamento contínuo, o desbravamento heróico operado pelos nordestinos em rincões tão longínquos, onde as comunicações tardias transformavam o sentido do tempo e das coisas. Trinta a quarenta dias de Belém para alcançar um seringal no alto Purus ou no alto Juruá, ou qualquer de seus tributários, indicam, desde logo, o aspecto marcante do Acre no cenário geográfico do país: a sua posição no espaço, submetida à tirania das distâncias. (TOCANTINS, p. 2000, 145.)
Esse cenário de isolamento no Acre tem diminuído com a construção de
estradas e com a aviação. Entretanto, ainda existem localidades onde o acesso é
difícil e a distância alarga as relações entre as pessoas.
É importante lembrar que nas descrições normalmente feitas da Amazônia
são apresentados grandes contrastes: ao lado da descrição de uma floresta
exuberante, árvores frondosas, rios caudalosos, o próprio eldorado ou paraíso, vê-se
uma região marcada pela hostilidade, pelas enfermidades, um inferno verde,
habitado por animais ferozes e homens hostilizados. Vale notar que ao lado da
riqueza da fauna, da flora e dos grandes rios observa-se uma grande miséria
humana; uma grande quantidade de pessoas que sofrem com as dificuldades
materiais da região.
Em muitos textos produzidos na Amazônia percebe-se a tentativa de fixar
determinadas identidades que são enfatizadas a partir da recorrência de um
discurso que se volta para o passado de constituição das cidades da região e da
relação do homem com o seu meio ou de aspectos heróicos dos pioneiros.
Nesse contexto, o espaço amazônico ocupa uma grande importância. No
caso das narrativas, ele se torna determinante da vida das personagens, definindo o
que cada uma será, como agirá, ou que identidade terá ou que rumo sua vida
tomará. Daí importância dos espaços e sua divisão em espaços físicos, sociais ou
psicológicos.
Sobre isso Carlos Reis e Ana Cristina Lopes afirmam:
50
Entendido como domínio específico da história, o espaço integra, em primeira instância, os componentes físicos que servem de cenário ao desenrolar da ação e à movimentação das personagens: cenários geográficos, interiores, decorações, objetos etc.; em segunda instância, o conceito de espaço pode ser entendido em sentido translato, abarcando então tanto as atmosferas sociais (espaço social) como até as psicológicas (espaço psicológico). (REIS e LOPES, 1988, p. 204. Grifo do autor)
Assim, a partir da influência que o espaço pode exercer sobre ações das
personagens, é que ele se torna importante categoria da narrativa, pois não só
explicita o que será determinada personagem, mas também o modo como ela vai
agir em um dado momento, pois tudo depende do lugar onde vive. O espaço pode
ainda propiciar à personagem a realização de ações específicas, mesmo que sejam
ações que não fazem parte de seu caráter ou que não seriam possíveis em outro
lugar. Outras vezes, o espaço é apenas factual. Aparece simplesmente pela
necessidade que tem a narrativa de apresentar uma determinada referência, não
apresentando, por isso, nenhuma ligação simbólica com as personagens. Ele
apenas as situa topograficamente. Entretanto, em outras ocasiões, percebemos uma
ligação forte entre o espaço e o estado de espírito da personagem, seus
sentimentos ou seu comportamento, de tal modo que é possível até mesmo
anteciparmos alguns fatos.
Essa apresentação das funções do espaço torna-se necessária a partir do
momento em que, nas narrativas amazônicas, esse elemento, como acontece em
toda narrativa, é fundamental, uma vez que a relação do homem com seu espaço,
seja urbano ou rural, se dá de maneira intensa e estrutural. Além disso, a
constituição das identidades dos sujeitos se revela também a partir da relação que
eles estabelecem com o seu espaço, passando pela ideia de que espaço é o lugar
onde se passam as ações. Além disso, não podemos esquecer que não é possível
considerar somente o lugar físico, mas também os aspectos já mencionados, como
os sociais e psicológicos.
A partir desses conceitos, é que analisaremos os romances Certos
caminhos do mundo – romance do Acre e A represa – romance da Amazônia.
Nessas duas narrativas observa-se a apresentação de três espaços: o primeiro se
concentra na relação do homem em constante guerra com as leis da selva
amazônica, onde a grande marca é a luta pela sobrevivência, em um ambiente que
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lhe é hostil. O segundo é a cidade, a qual aparece como o lugar onde se busca o
refúgio, o consolo ou o descanso de longas viagens e trabalhos. Esses espaços,
sejam urbanos ou rurais, são interligados através de um terceiro: o rio. Assim, esses
espaços são apresentados de maneira singular e revelam a tendência a se fazer um
registro da realidade acreana do início do século XX, enfatizando as relações do
homem com seu espaço e com o seu semelhante. Em Certos caminhos do mundo
– romance do Acre vemos um exemplo dessa relação:
Ao distender das cartas corográficas, o Território surge, no desconsolo da distância, com um ar indesejável de Clevelândia ou Fernando de Noronha. Um ar de desterro. Um campo de mortes estúpidas. Tem-se a impressão de fugas insólitas, desfiladeiros, caçadas humanas, furnas de conspiradores e criminosos. O Acre não abriga a satisfação. Procura-se-lhe o âmbito, com desespero, em aflição, mesmo sabendo-se das suas riquezas e dos seus ganhos fabulosos. (BASTOS, p. 54)
O mesmo é possível observar em A represa – romance da Amazônia, no
qual as vidas das personagens são determinadas em muitos aspectos pelos
espaços em que elas estão inseridas. Vejamos:
- Estamos perdidos! A crise acabou o seringal. Primeiro foi a borracha sem preço, os homens indo embora, morte do Beneditão... segundo,os bichos, as capivaras, as sauvas, as chuvas inesperadas estragando os roçados. A terra cansada empecando as plantações. Agora, a alagação veio completar a desgraça matando os roçados e levando as barracas. Tudo debaixo do fundo! Que luta,Santo Deus!Puxa! (Medeiros, 1942, p. 103)
Como pudemos observar o espaço tem grande relevância nessas duas
narrativas, tendo em vista que ele não é apenas um lugar, mas faz parte das vidas
das personagens, influenciando seus modos de vida.
52
2.2 AS ÁGUAS E A FORMAÇÃO DAS IDENTIDADES
Quando falamos do espaço nas narrativas amazônicas é importante notar
que o isolamento em que se encontra o homem é marcado muito pelo modo de vida
do lugar. Por isso, em grande parte dessas narrativas o espaço privilegiado está
ligado à importância das águas, tendo em vista que tudo gira em torno delas, na
forma do rio: o povoamento, as fronteiras, a economia e a sobrevivência. Sobre isso
Samuel Benchimol (1995, p. 17) afirma que na Amazônia “a pátria do homem não é
a terra, mas o rio. A terra não tem expressão humana, porque o homem vive em
função dos rios, dos lagos, furos e paranás”. Sua importância vem do fato de
definirem o modo de vida de determinados lugares e de permitirem, apesar das
dificuldades, os deslocamentos das pessoas nesse tipo de espaço
Em decorrência disso, a navegação torna-se elemento importante nessas
narrativas. Os rios da Amazônia começaram a ser navegados já por volta do século
dezesseis, época em que navegantes europeus, decidiram se aventurar por essas
bandas, em busca de riquezas. Desde esse tempo, a hostilidade do local em relação
ao homem já se tornava evidente. Grandes rios, grandes florestas compunham um
cenário que se apresentava a esses homens, particularizando a localidade. Neste
imenso cenário estava o bem e o mal de todos os que habitavam ou passavam pela
região. Essa Amazônia palco de tantos sonhos e penúrias é, em nossos dias,
cenário para uma literatura que expressa um realidade particular e ainda busca
reconhecimento.
Dessa maneira, analisando as obras Certos caminhos do mundo –
romance do Acre, de Abguar Bastos e A represa – romance da Amazônia, de
Océlio de Medeiros, é possível perceber o quanto isso é marcante na vida do
homem da Amazônia. Na obra de Bastos temos um protagonista que vive da
navegação, o que enfatiza o quanto os rios são um espaço relevante, uma vez que é
por ele que as pessoas que habitam a região entram e saem das cidades. No
romance, o rio é o meio de sobrevivência de Solon, uma vez que ele sobrevive
navegando por suas águas. A relação do homem com o rio é tão forte que em
alguns momentos, na obra, é possível verificar que há uma ligação entre os
sentimentos ou o estado emocional das personagens e esse espaço. Solon, por
exemplo, mudou de vida a partir do momento em que passou a ter uma maior
53
ligação com os rios, transformando-se em capitão do navio “República”. O próprio
narrador é quem destaca a sua mudança de personalidade:
Quando lhe perguntavam o que estava fazendo, respondia rispidamente: - Vou para o Acre. Tinha os olhos mais duros, a voz mais forte, as atitudes mais enérgicas, o sorriso mais reservado. Parecia um homem de ação. Para alguma coisa já servira a experiência do Tapajoz. (BASTOS, p. 42)
Solon parece sempre influenciado pelas águas. Em outra ocasião ele
demonstra que suas emoções também mantêm uma forte ligação com o espaço do
rio. Por exemplo, lembrando o paralelismo existente entre natureza e personagem
no romance romântico, o momento em que ele se aborrece com Rubina, coincide
com o momento em eles chegam ao Ajuricaba, uma região onde as águas do rio
Acre são bastante agitadas. Esse lugar é considerado pelos navegantes como um
dos pontos mais difíceis de serem transpostos. Solon e Rubina passaram por essa
região exatamente num momento em que passavam por um conflito interior.
Vejamos um trecho desse conflito:
Solon ia acabar com os dois. Atiraria na cabeça de Jorge. Fuzilaria a mulher pela boca. O braço erguido. O pulso firme. Neste momento a mulher sorriu alheada. De repente, o homem lembrou-se: - ... “Mas, enquanto respirar este ar e dormir sobre estes rios, ah! Não existe nada de mim!... porque este lugar tem febre... e a febre vem...” Vacilou. - Comandante. Ajuricaba à vista! Era a voz do marinheiro. De repente o revólver baixou. ( BASTOS, p. 244) [...] Solon guiava o barco. Ajuricaba aproximava-se. As ondas recochetavam. As vagas subiam e espadanavam. Redemoinhos silvavam na torrente escachoante. (BASTOS, p. 245)
Solon enfrentava os dois piores momentos de sua vida: a decepção com a
amante e a difícil passagem pelo Ajuricaba. Aqui percebemos a relevância do rio
para a personagem. Esse aspecto na Amazônia tem muita expressão não só na
literatura, tendo em vista que é uma questão cultural a valorização dos rios na
54
região. Conforme mencionado anteriormente, mesmo de difícil navegação, eles são
o meio de entrada e de saída das isoladas cidades. Com isso, o rio acaba impondo
certo isolamento para o habitante da região, o que também é uma marca da vida do
homem da Amazônia.
Em A represa as águas, na figura do rio, ocupam também um lugar de
destaque, pois transporta o homem para novas perspectivas de vida, por exemplo,
causar a ida dos moradores do Iracema para a cidade, em busca de condições mais
dignas de vida, pois o seringal totalmente inundado, não permite mais a
permanência no lugar. Vejamos a descrição que o narrador faz do rio no momento
da inundação:
O rio parecia um mar. As chuvas da noite ainda mais o alagaram. As barracas restantes tinham sido arrastadas. As hortas, os roçados, os campos estavam inundados. As criações, galinhas e porcos, continuavam morrendo. Só escaparam três bois, que Coronel Belarmino ainda pôde levar para a terra firme. [...] Só barracão, com a água na porta, continuava a resistir. Não foi sem razão que a firma do seringal o construiu ali, naquele lombo do barranco, no cocoruto da margem. O Rancho e o Armazém, situados em lugares mais baixos, já estavam com água a um palmo do soalho, fazendo os ratos escorridos abandonar os esconderijos, mansos de fome. Os homens do rancho amontoavam-se, olhando a curva do rio. Pedro Marreta foi ver a segunda marca. Nada de a água baixar. [..] - Vamos logo, gente! Não demorem para o embarque! Ainda tenho que socorrer outras pessoas. (MEDEIROS, p. 104)
Observemos que as mesmas águas que conduzem para um novo lugar,
forçando- as pessoas a buscarem rumos diferentes para sua vida devolvem as
esperanças quando as personagens decidem voltar para o seringal, após a nova alta
dos preços da borracha.
Antonico viu Santinha sumir-se no escuro. Ficou olhando para aquele vulto que se perdia na dobra da rua, mergulhada na sobra das mangueiras e no escuro da noite. E horas depois, na cadeia em que se tinha sentado antes, ouviu o barulho do motor, levando o pessoal para Iracema, com a tristeza na alma de um rio que perdeu o seu destino... (MEDEIROS, p. 209)
55
É importante mencionar que no romance A represa o próprio título remete à
água, metaforicamente, pois, conforme consta na própria narrativa, nele se faz
referência às vidas das pessoas que, em condições adversas, tornam-se
represadas. Com isso, podemos observar que o narrador usa uma expressão
própria das águas para expressar o modo de vida das pessoas. Como afirma em: “A
mata espreitando os arrabaldes, em ondas sinistra, avançaria a qualquer descuido
do trabalho de contê-la, para asfixiar, na sua massa compacta, aquelas vidas
represadas.” (MEDEIROS, 1942, p. 9. Grifo nosso). Nessa citação observamos que
até mesmo um elemento da terra firme, no caso a mata, traz ao homem uma
situação que representa as águas e os rios: a represa. Dessa forma, na narrativa de
Medeiros, vê-se igualmente a relevância do rio, especificamente o rio Acre que é
marcante tanto em espaço rural quanto urbano. É ele um dos grandes responsáveis
pela diversidade cultural e identitária, em virtude de ser através do rio que chegam
as pessoas de outras localidades. No Acre, é bem mais do que isso. Ele divide as
concepções e modos de ser das pessoas:
Empresa à margem direita e Penápolis à margem esquerda do rio Acre defrontam-se e formam Rio Branco, capital do Território. (p. 65) Ao contrário de Empresa, Penápolis, da outra banda, é uma cidade tímida. É o lado da Administração, da Justiça e da Igreja. O seu nome é uma homenagem a Afonso Pena. Zona essencialmente morigerada, rescende a jesuitismo e a burguesia, os seus divertimentos não constrangem ninguém. Às dez horas da noite toca a silêncio. Tudo em Penápolis é doméstico, cerimonioso e familiar, (BASTOS, 1963, p. 69)
Como bem se percebe, o rio é muito mais do que um elemento da natureza.
Ele também contribui para a diversidade que apresentamos em nossa cultura. Essa
diversidade é que permite a percepção de várias identidades. Por meio dele,
observamos como o rio é apresentado na narrativa de Bastos e também quão
verdadeiro é o modo como o autor define a sua obra: “Certos caminhos do mundo
é um romance do homem e do rio.” Essa definição esclarece de forma singular o
significado da obra, que representa muito bem a relação do homem com o rio.
Isso se torna relevante ser mencionado, tendo em vista que, segundo
Leandro Tocantins (2000, p. 276), importante estudioso da Amazônia e seus rios, “o
primado social dos rios, trazendo a marca da geografia singular revela-se nos
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múltiplos aspectos da vida amazônica”. Isso revela-nos que o rio faz parte da vida do
homem amazônida de maneira bastante evidente. O mesmo autor afirma que:
[...] o homem, diante do cenário grande demais para a sua pequenez, sente-se impotente, inapto para transformar as energias atuantes no meio em proveito próprio, e lhe avassala o espírito a angústia das distâncias tirânicas que os rio ainda mais aumentam no sinuoso deflúvio. E se torna rendido, senão à terra mas fatalmente ao rio, poderoso gerador de fenômenos sociais. [...] Os caminhos que andam trazem a fortuna ou a desgraça. Quando nas cheias a navegação alcança os sítios mais longínquos, certas vezes as alegrias do feliz acontecimento são toldadas pelas inundações funestas, arrasando culturas agrícolas, tragando barrancos, removendo a pobreza franciscana das barracas, levando o desespero aos lares, e constituindo uma séria ameaça à economia. (TOCANTINS, 2000, p. 276)
Com isso, Leandro Tocantins descreve, em parte, o significado do rio para o
homem da região Amazônica. Esse aspecto pode ser observado tanto em Certos
caminhos do mundo como em A represa. Nessas narrativas o poder avassalador
do rio é um aspecto que se sobressai, uma vez que é a ação do rio Acre que
ocasiona a mudança nas vidas das personagens.
O rio não é tomado apenas enquanto um elemento que corta
geograficamente a cidade, mas enquanto marca das várias identidades que
compõem a região. Dessa forma, os rios na Amazônia comandam a vida2 das
pessoas. Isso se dá porque, como vimos, na região tudo depende dos ciclos dos
rios. As cheias, as vazantes, tudo influencia o modo de vida dos habitantes do lugar.
Tudo gira em torno dele: o povoamento, as fronteiras, a economia, os
deslocamentos e a sobrevivência.
Isso é evidenciado tanto em Certos caminhos do mundo – romance do
Acre, quanto em A represa – romance da Amazônia. Nas duas obras os rios são
um importante caminho seguido pelas personagens, ao ponto de os narradores
usarem expressões que associam a vida das personagens a determinadas
característica dos rios. Medeiros, por exemplo, usa a expressão “vidas represadas”,
conforme mencionado anteriormente.
É importante notar que os rios podem ser considerados como determinantes
da condição das vidas das pessoas, pois representam transitoriedade, por serem
2 Alusão à obra O rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia de Leandro Tocantins.
57
águas em movimento, segundo exposto em A água e os sonhos: ensaio sobre a
imaginação da matéria, por Gastón Bachelard (ano, 1998, p. 11). Essa
transitoriedade das águas faz com que as personagens tenham comportamentos
que lembrem esse princípio, uma vez que há uma ligação forte entre elas e o espaço
que habitam. Em decorrência disso, as identidades também passam por esse
processo de transitoriedade, principalmente no seu processo de construção.
Dessa forma, pode-se dizer que o rio é um importante espaço apresentado
nos romances estudados, e, enquanto elemento da natureza, desempenha um papel
fundamental para o curso do enredo. Nas duas narrativas o rio Acre apresenta-se
com maior destaque, uma vez que é ele que corta a cidade de Rio Branco, cenário
em que se passa a maioria das ações nas duas narrativas. Ele é quem define o
caráter e o modo de vida de cada habitante da cidade, de acordo com o lado do rio
em que habitam. Os moradores de Empresa, por exemplo, são, na sua maioria,
comerciantes e prostitutas, pessoas que aparentemente são mais livres das
convenções sociais, tendo em vista que esse lado do rio é o lugar onde tudo se pode
fazer. Quem desejar um pouco mais de liberdade é para lá que deve ir. Penápolis é
o local em que os moradores são as pessoas de maior destaque na sociedade. Isso
pode ser observado principalmente pela composição do espaço, pois lá é que estão
localizadas a delegacia, a igreja e outras instituições sociais, o que acaba por não
permitir a mesma liberdade aos moradores, uma vez que os indivíduos devem seguir
as convenções sociais, pois as aparências devem ser mantidas e os
comportamentos precisam ser adequados socialmente.
2.3 NARRATIVA E FORMAÇÃO IDENTITÁRIA
Certos caminhos do mundo – romance do Acre (1936) e A represa –
romance Amazônia (1942) são romances que caracterizam muito bem a sociedade
da época em que foram escritas. Abguar Bastos, apesar de dizer no prefácio de seu
livro que sua intenção não é a documentação, apresenta aspectos, fatos e
personagens que transformam a obra em um documento. Isso acontece porque
muito do que foi aí mostrado por ele passou a ser conhecido como elemento
histórico. É o caso, por exemplo, da tomada do território acreano pelos brasileiros.
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Entretanto, é importante mencionar que tudo isso é apresentado com certa
imparcialidade, uma vez que os fatos são narrados por um narrador que vê tudo de
fora, sem expressar opiniões a respeito dos fatos narrados.
A represa apresenta um tom mais crítico, embora no seu prefácio o autor
diga que o livro está “longe de ser um ataque à terra, é uma cinematografia das suas
convulsões sociais”. Ao dizer isso, o autor se sente à vontade para criticar os
moradores e as atitudes das pessoas da sociedade.
Com base nisso, o objetivo deste tópico é fazer uma análise das categorias
da narrativa, percorrendo os caminhos que o narrador faz para apresentar o enredo,
as personagens, o tempo e o espaço e como isso pode expressar determinadas
identidades da amazônica.
Para proceder à análise serão utilizadas as teorias da narrativa,
especialmente as apresentadas por Carlos Reis e as ideias sobre espaço literário de
Gastón Bachelard. Interessam-nos também nesse trabalho os aspectos embasados
nas teorias de Bakhtin acerca da narrativa, referentes à ficção moderna.
A partir desses princípios teóricos, buscaremos analisar
as obras e tentar determinar como esses aspectos estão relacionados aos
processos identitários, verificando como eles contribuem para revelar nas obras uma
identidade que caracterize a Amazônia.
Iniciaremos a análise a partir do foco narrativo, apresentando as relações
estabelecidas entre narrador e leitor e daquele com as personagens. Para isso, é
importante levar em consideração a noção de romance polifônico explicitada por
Bakhtin, o qual afirma que cada um dos elementos que compõem o romance
apresenta suas próprias vozes, o que estabelece a noção de romance polifônico.
Nele cada elemento é dono de consciência própria e de uma visão de mundo que
faz com que gozem de certa autonomia ideológica. Isso tona as personagens donas
de seu próprio discurso e sujeitos de suas trajetórias. A partir desse princípio tem-se
o que Bakhtin chama de romance polifônico, no qual tanto narrador quanto
personagens têm voz própria.
O narrador de Certos caminhos do mundo – romance do Acre, de
Abguar Bastos apresenta um foco em terceira pessoa, com um narrador onisciente,
que tem domínio dos fatos narrados e é capaz de revelar os sentimentos das
personagens, com precisão, embora em alguns momentos ele não faça isso.
Enquanto narrador, ele expõe os fatos, mas permite que as personagens tenham
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voz própria apresentando-os por meio do discurso direto. É assim que o leitor
percebe o que elas pensam, uma vez que seus pensamentos são expressos através
da voz do próprio ator da ação.
Assunção bateu palmas pedindo “gin”. E em seguida: - Não, meninas. Sou proprietário. Tenho as minhas terras e os meus castanhais. O meu lago é do tamanho desta cidade. - Upa!! Fez uma das pequenas, com os olhos querendo pular para a testa. - Ah! Disse a gauchita, admirada. Como é o nome do lago? Não tem nome? Assunção fixou-se em gauchita e perguntou: - Como se chama? - Valquíria. (BASTOS, p. 16)
O narrador, entidade ficcional, que segundo a teoria da narrativa é uma
invenção do autor, entidade real, em Certos caminhos do mundo: romance do
Acre pode ser considerado alter-ego deste. Levando em consideração o fato de o
autor ser historiador, é possível observar que e o narrador, enquanto entidade criada
pelo autor, em muitas partes da narrativa, assume o papel de historiador apenas
relatando os fatos como eles aconteceram. Faz isso em diversos capítulos, nos
quais não há qualquer referência ao ficcional, apenas relatos de acontecimentos
históricos, o que já foi mencionado, como: Revolução Acreana e chegada dos
nordestinos, a expulsão dos bolivianos, dentre outros episódios.
O narrador faz o papel de um historiador em vários capítulos, um exemplo
disso está no capítulo quatro, no qual ele narra todo o processo de colonização do
Acre, desde a chegada dos nordestinos até a expulsão dos bolivianos, as
enfermidades que eram uma realidade constante, etc. Vejamos na citação a seguir
um exemplo disso:
O governo boliviano, então, preparou um golpe mortal. Reduziria aquêle trecho patrimonial a um simples colônia. Aquêles homens que abusavam duma liberdade eu a distancia e as asperezas da terra multiplicavam, passariam, de golpe, para o regime de feudalismo e escravisação. Antes, homens livres, correndo pelas florestas e pelos rios, soltos nas correntezas, donos duma vida privilegiada.agora seriam apenas colonos. E o território foi arrendado ao “Bolivian Syndicate”. (BASTOS, p.49)
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Com a narração desse fato histórico podemos observar que o narrador tem
a preocupação de ser imparcial, assim como um historiador. Ele limita-se a narrar os
fatos como eles aconteceram, ou pelo menos como ele acredita ser, a partir de um
ponto de vista em terceira pessoa.
Em A represa, de Océlio de Medeiros, também há um narrador em terceira
pessoa, que dá voz às personagens e que é onisciente, uma vez que, além de ter
domínio dos fatos, ele apresenta, muitas vezes, os pensamentos ou sentimentos das
personagens. Um dos exemplos disso ocorre quando Antonico chega ao seringal
Iracema e o narrador diz que Araripe, o caixeiro, olha-o com inveja, como se vê a
seguir: “Antonico foi arrumar a bagagem no quarto do caixeiro Araripe. Não demorou
muito. Araripe o observava com inveja. Compreendia que o xapuriense poderia
tomar-lhe o lugar. Falava secamente.” (MEDEIROS, p. 29)
Podemos ver outro exemplo quando fala de Santinha, a filha do Coronel
Belarmino. Vejamos:
Santinha nunca tomou conhecimento de si. Ia à cidade duas vezes por ano, no S.João e no Natal, afim de passar as festas na casa do Dr. Flávio Silveira, inventor de um tal Banco Rural do Acre. Apesar de bem mocinha, ainda não pensava em casamento, ser ter botado o olho em ninguém. Coronel Belarmino não se preocupava com seus passeios a Rio Branco. Tinha a máxima confiança na indiferença de Santinha e na casa do Dr. Flávio, embora todas as filhas deste houvesse casado quando não eram mais de nada. (MEDEIROS, 1942, p. 61)
O fato de o narrador de A represa também apresentar o foco em terceira
pessoa se deve ao fato de que, assim como é o caso de outros escritores da época,
Océlio de Medeiros não era romancista por ofício. Ele mesmo chegou a afirmar, fora
do universo romanesco, que escreveu aquela obra como “vingança” contra a
sociedade acreana. Além disso, a obra tem um declarado teor documental.
A partir dessas reflexões acerca do narrador podemos verificar que se trata
quase de uma lei da literatura acreana esse narrador em terceira pessoa e o caráter
documental de muitas obras. Isso se vê nas duas narrativas aqui analisadas, mas
também em muitas outras narrativas, escritas por escritores em tempos diversos.
É válido ressaltar que o narrador não domina sozinho a narrativa. Ele delega
voz às personagens, por meio do discurso direto. Além disso, muitos fatos são
explicados através das vozes das personagens:
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O Mustafa voltou da visita que fez aos depósitos. Vinha decepcionado. Tirou o maço de notas. Remoeu algumas frases de censura. - O pessoal não trabalha mais! Há dez anos atrás o quintal mostrava mais de quinhentas bolas de borracha! Agora só vi umas quatro peles... E essas contas? Não posso esperar!... Paciência, Mustafá! Na próxima semana, o Lindolfo vai me trazer um carregamento. Com essa borracha, pagareis essas contas!... (MEDEIROS, 1942, p. 28)
O narrador apresenta também fatos históricos, porém estes são
apresentados em meio aos fatos ficcionais, como memória das próprias
personagens, entre os diálogos destas, na descrição dos espaços ou na voz do
próprio narrador. Entretanto, não podemos esquecer que, segundo Carlos Reis
(1988, p. 62), o narrador enquanto entidade criada pelo autor pode ter projetadas
sobre ele certas atitudes ideológicas, éticas, culturais, históricas. Vejamos um
exemplo:
O desânimo continuou por muito tempo na planície. A Amazônia não podia livrar-se da derrocada. Em Rio Branco, Manaus e Belém, - as metrópoles da borracha, - os homens do governo procuravam uma solução de emergência. A castanha e a madeira, em alguns rios, amparavam a situação. Verdadeiras massas humanas abandonavam os seringais improvisando a população das cidades amazônicas ou retornando ao Ceará. Dezenas de casas aviadoras abriram falência. Fecharam-se muitas companhias de navegação. Os seringalistas não obtinham créditos. A crise estava no auge. E muitos seringais foram desaparecendo: Humaitá, Catuaba, Floresta, Porvenir, Boa Esperança, Novo Axioma, Califórnia... (MEDEIROS, p. 34)
O narrador descreve, com muita clareza, o processo de decadência pelo
qual passaram muitos seringais do Acre, ocasionado pela queda dos preços da
borracha. Ele descreve as dificuldades que as pessoas enfrentaram nesse período.
No fragmento a seguir é apresentado outro fato histórico de grande relevância para
o Acre:
Desde esse momento começou a lavrar a conspiração. Falava-se em revolução e um brasileiro chamado Plácido de Castro desceu nos rios, fomentando a revolta. Em Caquetá reuniam-se muitos conspiradores. Porém, o centro das operações seria o Xapuri, no Alto Acre. O grosso do movimento seria no Baixo Acre. Os coronéis dos seringais reuniam-se e discutiam. Os cearenses desciam dos “centros”. (MEDEIROS, p. 9)
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O narrador não só apresenta as ações das personagens, mas insere-as
num espaço que é típico da região amazônica, permeado por florestas imensas, rios
caudalosos, perigos de todas as espécies. Esse espaço, muitas vezes, é hostil ao
homem, que sofre com as dificuldades ocasionadas por perigos iminentes.
Quanto à noção de espaço nas narrativas, este será estudado à luz das
teorias de Gaston Bachelard (1993), que analisa o espaço na narrativa a partir da
noção de topos (lugar). Para ele, há três tipos de espaços. Os espaços podem ser
tópicos, quando estão associados à ideia de conforto; podem ser atópicos quando
associados à idéia de desconforto, da insatisfação e podem ser utópicos quando
constituem espaços de desejo. É a movimentação desses variados espaços no
enredamento que desencadeia uma rede de significações. Um mesmo espaço pode
ser, ao longo do enredo, tópico, atópico e utópico. Em A represa, por exemplo, o
seringal tem essa representação, uma vez que as personagens, moradoras do
seringal Iracema, vivem em um lugar que inicialmente pode ser considerado tópico,
seguro. Quando começam os problemas, os baixos preços da borracha e a
enchente, por exemplo, esse espaço passa a ser atópico, um lugar sem segurança.
À medida que isso acontece, os moradores começam a desejar um novo espaço
para substituir aquele, que seria, no caso, a cidade de Rio Branco, a qual se
transforma em um espaço utópico, isto é, desejado. A partir do momento em que
eles saem do seringal Iracema e passam a morar na cidade, o espaço utópico é o
próprio seringal, espaço que é alcançado somente no final da narrativa. Toda essa
movimentação contribui para o processo de construção das identidades das
personagens, especialmente Santinha e sua família, que adquirem uma nova
identidade, diferente daquela que apresentavam outrora, mas isso será aprofundado
em momento oportuno.
Em Certos caminhos do mundo – romance do Acre, o tratamento dado
ao espaço também pode ser definido da mesma forma. Neste romance os espaços
mais frequentes são a floresta, a cidade de Rio Branco e o navio República. A
floresta torna-se mais evidente quando são narrados os fatos históricos. Este espaço
pode ser considerado atópico, pelos perigos que a floresta representa para aquela
população. A cidade de Rio Branco pode ser considerada em determinados
momentos como um espaço tópico, uma vez que representa o lugar de segurança, a
realização do para romance de Solon e Rubina. Porém, este mesmo espaço torna-
se atópico quando Rubina vicia-se em coca e destrói sua relação com ele. No navio
63
o espaço é inicialmente tópico para Rubina e para Solon. Porém, após Rubina ceder
ao vício esse mesmo espaço torna-se atópico, pelos perigos que apresenta ao
casal.
Os espaços, nos dois romances, são sempre descritos da maneira o mais
verossímil possível, sendo isso um aspecto marcante nas ações das personagens
que povoam essas duas narrativas. Elas se apresentam como reflexos do espaço
em que vivem ou agem. Muito mais do que um simples lugar de localização, o
espaço exerce nas narrativas a função de auxiliar na construção da identidade dos
moradores da cidade de Rio Branco. Dessa forma, pode-se dizer que a identidade
das pessoas é constituída também pelo espaço em que vivem.
Esse fato chama a atenção tanto no romance de Bastos quanto no de
Medeiros, nos quais é ressaltada a relação do comportamento do homem com o
espaço em que vivem. É importante mencionar que a narrativa de Abguar Bastos
apresenta o espaço, seguindo a orientação dos planos em que está dividida.
Percebemos que no plano histórico o espaço de destaque é a floresta. Já no plano
ficcional o espaço predominante é a cidade e o navio conduzido por Solon pelos rios
amazônicos. A citação a seguir é um exemplo do espaço retratado no plano
histórico:
Estava povoado. A terra não tinha amor ao seu dono. Com suas florestas desgrenhadas e suas sombras lascivas, preferia entregar-se ao extrangeiro que vinha do Brasil com o cheiro do mar nas carnes rijas. Cada vez chegava mais gente do Ceará. A terra ali estava ali mais inacessível e áspera. Os rios passavam velozes procurando o seu leito. Os cearenses também e a terra parecia mais mansa. (BASTOS, p. 47)
O narrador descreve com bastante clareza a hostilidade do espaço da
floresta com relação ao homem que a habita. Ele descreve aqui o processo de
colonização do então Território do Acre, para isso apresenta a forte relação do
homem com o seu espaço, seja esta de amor ou de desamor, de virtude ou de
perdição. Vejamos:
Em se olhando Empresa e Penápolis, é o mesmo que ver o Vício desafiando a Virtude. Quando anoitece os maridos hipócritas e os filhos onanistas abandonam apressadamente as ruas de Empresa, atravessa o rio e somem-se em
64
Penápolis, onde moram. É uma forma de serem bom moços, “paradigmas da distinção, da moralidade e da ordem”. Mas os maridos alegres, o celibatários, os rapazes felizes e as mulheres duvidosas, ao cair da noite, saem de Penápolis e desaparecem nos becos de Empresa. (BASTOS, p.70)
Em na citação vemos como é evidente essa relação do homem com o
espaço, uma vez que este é um determinante do comportamento que cada indivíduo
deve ter ou pelo menos aparentar. Observemos que na citação que aqueles que
querem a diversão vão para Empresa ao cair da noite, o lado onde tudo é liberado.
O narrador, não deixa, porém, de destacar o mau caráter das pessoas por viverem
de aparências.
No romance de Océlio de Medeiros, A represa, são apresentados também
dois espaços: um urbano e um rural, interligados pelo rio. Na obra, o narrador
apresenta primeiro a cidade de Xapuri, depois o Seringal Iracema e, por último, a
cidade de Rio Branco, parte que mais se destaca na narrativa, pois é ali que se
observa a mudança no modo de ser das personagens, o que, por consequência
modifica suas identidades. Por exemplo, a formação da cidade o narrador afirma:
“Rio Branco já estava acostumada com essas chegadas. Foram essas chegadas,
nas diversas fases da decadência, que transformaram o seringal em cidade”.
(MEDEIROS, 1942, p. 115). O narrador apresenta aqui a ideia de que foi a partir das
mudanças das pessoas para os lugares mais urbanizados que as cidades se
formaram. Isso nos faz observar que tanto a ação da natureza, quanto as questões
econômicas influenciaram na formação de cidades, o que é natural tendo em vista
que as pessoas sempre buscam melhores condições de vida como se vê narrado
nos romances analisados neste trabalho.
Em A represa essa mudança de espaço faz com que as personagens
sintam-se, muitas vezes, hostilizadas pelo meio em que vivem. Elas vivem sob uma
tensão que as faz sentirem-se inseguras. Nesse ambiente hostil é que acontece
grande parte das ações, tendo em vista que nessa narrativa os perigos não cessam
nem com a mudança de espaço. O espaço tópico, lugar de segurança, parece não
ser atingido, parece estar fora do alcance das personagens. Assim, cabe-lhes
apenas se conformarem com a sua situação. Isso só muda no final da narrativa, na
qual se tem a perspectiva de mudanças quando ocorre a histórica alta dos preços da
borracha.
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A partir dos espaços apresentados nessas duas obras, é possível observar,
que nelas emerge um Acre organizado discursivamente em dualidades: a primeira,
mais geral, porém não menos definida desde o aspecto político-social, é aquela que
estabelece um contraponto entre Empresa e Penápolis, definindo o caráter dos
moradores de cada uma dessas duas localidades. Esta situação é permeada
também por elementos históricos que se destacam. A segunda aparece no plano
ficcional no qual aparecem as personagens com suas ações. Essas dualidades
estão expressas a partir dos espaços apresentados, uma vez que qualquer mudança
destes ocasiona uma diferença na trama.
É importante que se faça a apresentação de como esses espaços aparecem
nos romances, tendo em vista que as mudanças tanto de espaços quanto de
comportamentos das personagens são aspectos essenciais para a sua constituição.
Podemos dizer que em Certos caminhos do mundo o cenário sempre modifica a
condição das personagens. Além disso, como já pudemos observar nesta obra, as
personagens Solon e Rubina, representam a divergências existentes entre
Penápolis e Empresa. A sua relação é tão conturbada quanto à relação dos
habitantes da cidade de Rio Branco. Vejamos a citação abaixo:
- E escolheu justamente o meio mais provável de me afastar... É boa! Não! Estou decidido: ou acaba com o vício ou não quero mais vê-la. - Naturalmente está caído por outra mulher. Os homens são assim. Bem me disse Adélia. - Então vá atrás da Adélia. - Por que me quis? - É a segunda vez que faz a pergunta. Quis porque quis. Agora, fique sabendo, que não quero mais! Aliás, não devia admirar-me. Você é filha de Empresa. - Eu também não devia estranhar. Você é de Penápolis. (BASTOS, p. 186)
Observemos que a divergência que existe na cidade, aparece como parte
da discussão do casal, o qual faz questão de mencionar a origem de cada um como
motivo para os comportamentos desagradáveis vistos no outro. Neles percebemos
duas identidades distintas, marcadas pelos mesmos traços que marcam as
diferenças entre as duas terras: Penápolis e Empresa. Essas diferenças, oriundas
de suas ligações espaciais com a cidade as levam paralelamente a muitas
66
divergências. Com isso, no temperamento dos dois também está o modo como
conviviam os moradores da cidade de Rio Branco, naquela época.
Outro aspecto que se faz necessário mencionar é que muito do que se vem
elegendo sobre personagens e espaço pode ser comprovado sinteticamente em
Rubina. Ela é a personagem que mais muda de comportamento, que não se importa
com as convenções.
Algumas mudanças também podem ser observadas em A represa, pois a
partir do momento em que os moradores de Iracema passam a morar na cidade de
Rio Branco, verifica-se a descrição de um espaço que também se mostra a partir da
dualidade entre Penápolis e Empresa. Além da oposição desses dois espaços, há as
divergências políticas entre os moradores da cidade representados por alguns tipos
locais, como políticos, religiosos e poetas. O narrador descreve algumas
personagens. Observemos a citação abaixo:
Rio Branco fica dividida ao meio pelo Acre. No lado esquerdo estão o Palácio do Governo, a Matriz, o Fórum, a Polícia, o Obelisco e o busto de João Pessoa. Aí moram as principais famílias. Esse lado lembra o menino de colégio de padre, cheio de bons costumes, religioso e moralista. No lado direito, em verdadeira contradição, estão as lojas dos sírios gananciosos ocupando quase toda a rua da frente, com fazenda de amostra nas fachadas de madeira das casas baixas, o Pavilhão, as pensões, as casas de jogo, o beco do meretrício, o Hotel Madri e o poeta Juvêncio. Faz lembrar, nos contrastes da terra, o menino perdido, o menino de rua. O rio, separando os dois temperamentos, parece uma permanente censura, um velho experiente, de barbas compridas, que gosta de dar conselhos às crianças. (MEDEIROS, p. 109)
Em A represa é essa representação dual da cidade de Rio Branco que
caracteriza os comportamentos urbanos identitário, os quais são descritos com a
mesma divisão e discórdia que existe entre Empresa e Penápolis. Para isso, o
narrador usa a metáfora do “menino bom” e do “menino mau”, que são
respectivamente Penápolis e Empresa. “O menino bom é sempre quem procura o
menino mau”. (MEDEIROS, p. 110). Dessa forma, a cidade, enquanto um todo
organizado e estruturado, traz à tona seus sentidos de identidade para as
personagens e para o coletivo, isto é, o social.
Segundo De Certeau, “o espaço é o efeito produzido pelas operações que o
orientam, circunstanciam-no, temporalizam-no e o levam a funcionar em unidade
67
polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais.” (1998, p. 202).
Ainda segundo De Certeau, o espaço é o lugar em movimento. Com as mudanças
de lugar operadas pelas personagens das duas narrativas aqui estudadas temos a
ideia de constituição dos espaços e de seus sentidos apresentados nas obras.
Dessa forma, podemos observar que o espaço é o lugar praticado, ou seja,
é onde as ações são realizadas. Bem mais do que o marco geográfico onde se
passam as ações, o espaço é responsável pela mudança de comportamento
daqueles que realizam essas ações. Ele faz com que as personagens demonstrem
sempre o que deveriam ser e não o que realmente são e vice-versa. Em outras
palavras, eles criam uma realidade a partir de padrões pré-estabelecidos.
Em Certos caminhos do mundo o espaço representado pelo rio, adquire
grande importância, uma vez que muitas das ações se passam dentro do navio
República. Entretanto, o rio não é só o elemento que transporta as pessoas que
habitam a região, funciona também como meio de sobrevivência da personagem
Solon. Como já mencionamos anteriormente, os rios na Amazônia apresentam uma
realidade extraordinária, tendo em vista que deles depende tudo nessa região: a
formação e a destruição das terras, a inundação, a seca, a economia, o comércio e
até mesmo a destinação de vida e de morte.
Portanto, o que podemos perceber é que o romance de Abguar Bastos
mostra-nos as várias identidades que temos na Amazônia acreana. Embora não
tenha nascido no Acre, pelo fato de pertencer a uma realidade semelhante a nossa,
Belém do Pará, o autor é capaz de apresentar perfeitamente como se deu a
formação desse povo. Além disso, sua obra faz-nos constatar que a constituição de
nossas identidades se deu estruturalmente a partir da diversidade e da diferença. É
bom ressaltar que o modo particular como ele compõe a sua obra, quase poético,
faz-nos ver que Certos caminhos do Mundo não é um simples romance sobre
nossa terra. O seu valor está na expressão apresentada por ele, mostrando que
nossas identidades não estão apenas em quem nós somos, mas têm forte ligação
com o lugar em que vivemos e com os elementos que o compõem esse espaço.
Na intenção de compreender as marcas identitárias presentes nas obras
Certos caminhos do mundo – romance do Acre e A represa – romance da
Amazônia, traçaremos agora um perfil das principais personagens desses dois
textos literários, expondo as características que compõem suas marcas identitárias,
68
destacadas pelos constantes deslocamentos através dos rios da Amazônia, sua
relação com o espaço e com os outros seus conterrâneos.
As personagens da obra Certos caminhos do mundo podem ser
consideradas representações de tipos locais. São pessoas que poderiam muito bem
ter habitado realmente a região amazônica. São os moradores do Acre desde a
época da alta da borracha, dos grandes empreendimentos, das uniões duvidosas,
como foi a de Solon e de Ronie. Muitas das personagens podem ser consideradas
representações de toda a gente que historicamente habitou essa região. Muitas
delas são representantes de personagens históricas que viveram realmente na
época da formação do antigo Território do Acre. Percebemos na obra personagens
que se destacam pelo grupo ao qual pertencem, como é o caso dos cearenses e dos
bolivianos que aparecem várias vezes na narrativa tanto como representações
individuais quanto coletivas. Vejamos um exemplo de como o narrador descreve
essas personagens:
Dentro do Acre, os que transpunham suas inacreditáveis fronteiras encontravam, aqui e acolá, homens de côr branca, sujos, magros, um pouco ferozes. Vinham do Brasil e se diziam filhos duma terra muito longe que se chamava Ceará. Os bolivianos não deixavam de comentar a presença desses selvagens e ainda que já parecessem tribus, (tão importantes iam se tornando seus agrupamentos), não sobrava tempo para que fossem examinados seus propósitos. (BASTOS, p. 44)
Vemos aqui a descrição um tanto naturalista dos grupos que habitavam
o Acre na época. Esses grupos representam os povos que compuseram a formação
das identidades acreanas. Embora sejam forasteiros, adaptaram-se, isto é,
aprenderam a viver na terra. É o que vemos na citação a seguir:
Os bolivianos passavam com a mochila rangendo e a água do cantil de hora em hora se renovando. Muitos estacavam no limite do Antimari, outros rodavam para o norte até Sena Madureira. Mesmo aí não deixava de ser surpreendente a presença daqueles homens do Ceará que, de machadinha em punho, vigiavam ferozmente as seringueiras. Enquanto esses exquisitos homens nômades aí permaneciam, os bolivianos, cobertos de pó e feridas, roídos pelos mosquitos e descarnados pelas febres, retrocediam e, aos pares, reapareciam nas estradas de Cobija. Era o regresso. (p. 44, 45)
69
Ao longo da narrativa, o narrador apresenta essas personagens, dando
ênfase aos protagonistas: Solon e Rubina, descrevendo também personagens
menores, os quais aparecem ao longo da narrativa. Dessa forma, a partir da
apresentação das personagens, o narrador demonstra uma tendência a expor os
sujeitos que fizeram parte da composição do povo acreano. Isso pode significar uma
tentativa de revelar determinada identidade desse povo, que foi formado a partir de
caracteres de vários espaços e de várias formações.
Em A represa também observamos a presença de personagens, que de
acordo com a teoria da narrativa poderiam ser caracterizadas como personagens
tipo, denominadas no romance como seringueiros, fofoqueiras, o coronel, etc.
Entretanto, mesmo sendo representantes de um grupo, essas personagens têm
nome e realizam ações importantes para o curso da narrativa. Por exemplo, no início
da narrativa o narrador descreve alguns tipos que habitavam a cidade de Xapuri,
apresentando de início os pais de Antonico, o major Isidoro e D. Candinha, e o
Mustafa, que é mencionado muitas vezes na narrativa como o único interessado em
comprar borracha. No final da história ele é o primeiro a enriquecer com a alta do
produto. Do seringal Iracema são descritos os moradores do local, que são, em sua
maioria, seringueiros. Citemos alguns nomes: Lindolfo, Raimundo Quinto,
Possidônio, Pedro Marreta, Maneco Brabo, Candunga. Aparecem também D. Zinha,
a mãe protetora de Santinha, e o coronel Belarmino, que é descrito com maior
riqueza de detalhes. Belarmino é o coronel falido que no auge da borracha teve
muitas riquezas e tenta pelo menos manter o seringal, mas não consegue devido
aos baixos preços da borracha. É importante destacar que ele não é descrito com a
típica “maldade” da figura que representa, no caso os coronéis que eram sinônimos
da maldade e da injustiça, ao contrário ele passa pelas mesmas adversidades, sem
no entanto,ser considerado melhor por isso. A personagem passa de coronel a
seringalista flagelado, porém sem perder o respeito de todos e pode continuar
usufruindo dos benefícios que o “título” lhe confere. O seu modo de vida é alterado,
sem que ele perca o poder que a figura do coronel representa naquele momento
histórico.
A filha do coronel Belarmino, Santinha, é a protagonista da narrativa. Nela
podemos ver a representação das transformações que a mudança de lugar pode
operar na vida dos sujeitos. De moça ingênua do seringal, ela passa a ser a mulher
desejada, capaz de fazer qualquer coisa para realizar o que quer. Percebem-se
70
mudanças físicas, mas também alterações na sua personalidade. Notamos isso,
quando ela, a todo custo tenta tirar o marido da cadeia. Ela demonstra ser a mulher
destemida que não mede esforços para alcançar seus objetivos.
Antonico é o típico mocinho de seringal, que vai morar no Iracema para
tentar uma vida melhor. Entretanto ele muda totalmente de perspectiva, quando se
apaixona por Santinha, tornando-se uma “ameaça”, pois o Coronel Belarmino, talvez
por simpatia pelo rapaz, manda-o para Belém para que ele estude e tenha um futuro
melhor do que aquele que ele poderia ter se permanecesse no seringal. Antonico
estuda e transforma-se num homem respeitado. Quando volta ao Acre vai para a
cidade de Rio Branco, onde agora estão todos os moradores do seringal. Ele volta
formado, acompanhando uma Comissão de Saneamento, após o casamento de
Santinha e a prisão de Didi. Após esses acontecimentos, Antonico muda de vida e
também de identidade, isso pode ser observado no momento em que ele chega à
cidade de Rio Branco. Ele deixa de ser o Antonico e passa a ser o Dr. Antônio
Saraiva, respeitado por todos pelo cargo que ocupa, não é mais o menino do
ingênuo, mas um homem estudado. A mudança de identidade, marcada pela
variação de condição social, pode ser percebida até mesmo no modo como as
pessoas o tratam: de menino de seringal, que representava um perigo, na
concepção de D. Zinha, passa a ser considerado um bom partido. Vejamos a citação
a seguir:
O carteiro Manoel Brasil espalhou por todo mundo que o Antonico iria regressar à terra. Era agora o Dr. Antônio Saraiva. Tinha concluído em Belém o curso de Agronomia e Veterinária. Antonico voltaria trabalhando numa Comissão de Saneamento. Antonico jamais esquecera a terra. Sempre mandava notícias suas e um artigo para “O Acre”, que o Amadeu publicava em destaque. Aparecendo uma oportunidade para rever o Acre, e rever também Santinha, era uma felicidade aproveitá-la. Foi o que fez Antonico. No outro número, o “hebdomadário” confirmou a notícia. Fez um comentário sobre os acreanos que triunfam fora. (MEDEIROS, p. 175)
Com esta citação comprovamos o que afirmamos antes, que Antonico
mudou de identidade, especialmente no que diz respeito a sua condição social, pois
ele deixou de ser o menino sem perspectiva nenhuma de vida e passa ao importante
Dr. Antônio Saraiva. Isso demonstra que a identidade também pode sofrer
mudanças com a mudança de espaço, o que já mencionado anteriormente.
71
No que se refere às personagens em geral e ao modo como elas são
apresentadas ao leitor, tanto em Certos caminhos do mundo quanto em A represa
elas são vistas como presas fatalmente a essa terra, capazes de enfrentar quaisquer
sofrimentos, pois mesmo inseridas em um lugar tão inóspito, não conseguindo sair,
como se estivessem exiladas, têm a capacidade de enfrentar as mais variadas
situações. O narrador de Certos caminhos do mundo a esse respeito afirma:
O Acre é a bravura, a inclemência, o sangue mais ardente que vasa no labirinto arterial do Brasil. - Estive no Acre! Quando alguém pronuncia estas palavras, está definido. É capaz de todos os sofrimentos e com isto nada mais há em que experimentá-lo. Fonte secular, com tão grandes sinais da providência, não será o Acre a terra da experimentação? (BASTOS, p. 64)
Fazendo alusão ao conceito de exílio apresentado por Edward Said,
podemos dizer que essas personagens foram exiladas de sua terra natal, pois o
Acre era considerado um espaço inóspito, outra nação. Said faz uma associação
entre exílio e nacionalismo. Ele afirma que o nacionalismo é uma declaração de
pertencimento a um lugar, a um povo ou a uma cultura, e, a partir disso, o estudioso
opõe-se ao exílio, afirmando que ele causa prejuízos ao indivíduo ou à coletividade.
Todo nacionalismo desenvolve-se a partir de uma situação de separação. E aí, a
partir de uma fronteira que existe entre o exilado e os outros, há o perigoso território
do não-pertencer, do estar deslocado geográfica e culturalmente O exílio é
fundamentalmente um estado de “ser descontínuo”.
É possível perceber isso quando são apresentadas as personagens tanto
bolivianas quanto nordestinas em Certos caminhos do mundo. Elas se encontram
precisamente nessa condição do não-pertencer. Em Ambos os casos, eles estão
num ambiente hostil, que lhes causou danos, pois não pertencem àquela terra. NO
romance o Acre parece não pertencer nem aos bolivianos nem aos nordestinos. Daí
a relação de não-pertencer dessas pessoas, as quais poder, por essa razão, serem
considerados exilados. Em A represa, esse exílio pode ser visto com relação aos
moradores do seringal Iracema, quando são obrigadas a sair de sua terra por conta
da enchente e têm que ir para Rio Branco. Pelo fato de estarem represadas, estão
também exiladas, fazendo alusão ao conceito de Said.
72
Said chama a atenção ainda para a necessidade de o exilado construir uma
nova identidade. Como ele está vivendo em um novo contexto, longe de seu
nacionalismo, ele deve ter consciência de si mesmo enquanto ser. Como “o exílio é
a vida levada fora da ordem habitual”, o indivíduo exilado deve criar, a partir disso,
sua nova ordem, levando em consideração que está em outro meio. Isso pode ser
observado claramente em Certos caminhos do mundo:
Ninguém busca o Território com intenção de sobreviver. A perspectiva é sempre a de suicídio. As cidades vão desvendando ao forasteiro os seus refinamentos precavidos. O refugiado resolve ficar, mas sujeita-se à adaptação, sob pena de ser esquecido pela terra que o esqueceu. (BASTOS, p. 57)
Esses indivíduos ao passo que precisaram construir novas identidades,
fizeram parte da constituição da identidade do grupo de moradores locais, já
formado por pessoas de vários lugares, que, de uma forma ou de outra, foram
exiladas, como é o caso dessas personagens. Os seringueiros eram, em sua
maioria, nordestinos que viajaram para a Amazônia com o objetivo de encontrar uma
vida melhor. Ao contrário disso, deparam-se com uma floresta que, devido à
exploração do seringalista, “agrediu-os” e “aprisionou-os”, impedindo-os de voltar à
sua terra. Além disso, foram deixados à mercê de doenças e animais ferozes que
havia por aqui. Esses homens tornaram-se exilados em seu próprio país, sofrendo
transformações em suas identidades e em seus comportamentos.
De uma maneira mais generalizada, ao longo da descrição dessas
personagens, percebemos, no discurso do narrador, uma mudança na perspectiva
delas. De fato, ocorre a mudança de identidade: o boliviano passa de dono da terra
a estrangeiro, ao passo que o cearense passa a ser considerado o dono dessa terra:
As tropas começaram a dispersar-se. Os homens voltaram lentamente ao trabalho, até que, pelos tratados, aquele trecho de conquista passou a chamar-se Território do Acre, incorporando-se ao patrimônio nacional do Brasil. O cearense, agora, era o dono da terra. Estrangeiro, era o boliviano. (BASTOS, p.51)
73
Por serem romances ambientados em determinados tempos históricos, o
tempo da narrativa em ambos os romances pode ser considerado cronológico, isto
é, histórico, tendo em vista que os fatos são narrados de maneira linear, havendo
apenas alguns flashbacks para situar determinadas situações, justificar fatos ou
apresentar personagens. A linearidade do tempo se dá porque os fatos são
narrados, em sua maioria, na ordem em que aconteceram, quase não havendo
passagem, em nenhuma das narrativas, paradas ou cortes no enredo.
Essa análise das categorias da narrativa torna-se importante a partir do
momento em que nos possibilitam verificar as construções identitárias das
personagens, relacionando-as com as pessoas que fizeram parte da história. Tais
aspectos são mais perceptíveis por meio das ações das personagens que agem de
modo a demonstrarem como suas identidades são construídas ao longo da
narrativa. Sabendo que a identidade do indivíduo é formada a partir das relações
dele com o espaço em que habita, é que se verifica como as personagens mudam
de personalidade e de comportamento. Seu modo de ser altera-se denotando uma
mudança na identidade. De modo geral, ambos os romances buscam demonstrar
como se dá a busca das identidades acreanas, que ainda estão em formação,
demonstrando que os aspectos que já foram estruturados deram-se a partir das
relações do sujeito com o espaço em que vive e nas relações desse mesmo sujeito
com o outro, numa relação dinâmica de alteridade.
Percebe-se, assim, que Certos caminhos do mundo: romance do Acre e
A represa: romance da Amazônia buscam no passado histórico do Acre, via a
literatura, os elementos que fizeram parte da construção da identidade do povo
Acreano e da Amazônia.
2.4 CONCLUSÃO PARCIAL DO CAPÍTULO II
Foram apresentadas neste capítulo algumas ideias acerca da literatura na
Amazônia, expondo-se, além disso, alguns elementos, que tornam bem evidente a
complexidade da região. Foram analisadas algumas categorias da narrativa nos
romances, expondo-se como essas categorias podem aparecer nos dois romances,
74
enfatizando o processo de determinação de novas identidades nesses outros
contextos.
Dessa forma, a partir do que foi apresentado, podemos dizer que as
produções literárias que têm a Amazônia como tema, sejam elas histórico-
documentais ou de caráter ficcional. Tanto as do século XIX, quanto as de meados
do século XX, contribuíram sobremaneira para o processo de constituição discursiva
da identidade dessa região. Esse processo é representado pela linguagem que
reflete a realidade amazônica, expressa por meio dos referenciais da natureza,
como elementos que refletem a imagem dessa região. O Acre segue a mesma linha
de representação do restante da região, tendo em vista que a Amazônia apresenta,
desde os primórdios, características comuns em toda a sua extensão, seja no que
concerne ao processo de exploração ou povoamento, seja na caracterização da
natureza ou na literatura produzida.
No capítulo seguinte serão apresentadas as relações do discurso histórico e
do discurso ficcional, bem como a sua relação para a busca de referenciais
identitários. Além disso, analisaremos os espaços descritos, tratando-os enquanto
referências para a formação das identidades acreanas.
75
CAPÍTULO III – FORMAÇÃO DAS IDENTIDADES ACREANAS
Nosso foco na primeira parte deste capítulo centra-se na apresentação das
identidades acreanas apresentadas nas duas obras estudadas a partir dos discursos
histórico e ficcional, demonstrando em que aspectos a busca pelas formações
identitárias se evidenciam tanto na história, como na ficção. Para isto, será feita uma
análise de partes dos romances que apresentam fatos históricos, sejam de forma
explícita ou implícita, ressaltando-se os fatos ficcionais, nos quais se percebe a
busca de uma referência identitária. Neste mesmo capítulo, discutiremos a respeito
dos três espaços evidentes na narrativa, tratando-os enquanto referenciais de
identidades: o rio, o espaço urbano, representado pela cidade, e o espaço rural, no
caso, o seringal.
3.1 A BUSCA IDENTITÁRIA: ENTRE A HISTÓRIA E A FICÇÃO
Giddens (2002, p. 54 ) afirma que a identidade supõe a continuidade no
tempo e no espaço. Com isso, é importante pensar a sua representação através das
narrativas que permitem que sejam apresentados em um só lugar fatos históricos ao
lado de fatos ficcionais sem estabelecer limites entre eles. Refletindo acerca dessa
afirmação, chegamos ao ponto em que se faz necessário discutir como os discursos
apresentados nas obras contribuem para revelar determinadas identidades e
trabalhar os diversos espaços apresentados como referenciais de identidade.
Conforme mencionamos nos capítulos anteriores, as obras ora analisadas
são permeadas por discursos que vão da história à ficção. Essas narrativas
apresentam, em maior ou menor grau, fatos históricos que são documentos da vida
do povo amazônico, especificamente do povo acreano, ligados à narração de fatos
ficcionais que são o ponto forte dos dois romances. Devido ao nosso foco não ser
estabelecer comparações entre as duas obras estudadas, mas verificar em que
medida elas representam uma constituição identitária que realmente aconteceu,
serão feitas análises distintas para cada uma delas.
76
Observamos nos estudos sobre identidade, que esta não é imutável.
Segundo Hall (2004, p. 13), a identidade unificada, completa, segura e coerente é
uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e de
representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade
desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais
poderíamos, a nosso turno, identificar-nos – ao menos temporariamente.
Podemos observar, por exemplo, que as identidades de um povo não são
fixas, elas se modificam na medida em que novos contextos e novos espaços vão
sendo ocupados e incorporados pelos sujeitos. A partir disso, é importante pensar e
repensar uma identidade amazônica a partir dos diversos tipos que compõem a sua
sociedade. Dessa forma, vemos nas obras analisadas que se manifestam diferentes
identidades que mesmo fragmentadas, como diz Hall (2004, p. 9), complementam-
se, refletem-se, como um só povo formado por várias identidades. Ele afirma ainda
que aceitar essa identidade que se move e se faz a todo instante, é começar a
dialogar com o mundo, com o outro e com nós mesmos, para construir e não para
destruir.
Nos texto analisados neste trabalho, observa-se a busca, no passado, de
elementos que constituíram a cultura amazônica para justificar o homem como
sujeito que atua na história de maneira a revelar a sua própria identidade. Nelas,
observa-se o narrar da história por quem parece estar fora dela, apenas observando,
recontando e reconstruindo os fatos do passado a partir de um ponto de vista
diferente. O narrador da obra de Abguar Bastos, talvez pelo fato de este ter sido
também historiador, dá mais ênfase aos fatos históricos, registrando esse discurso
de maneira evidente, à medida em que entrelaça-o às histórias de Rubina e de
Solon. Entretanto, história e ficção são partes de planos distintos, pois ora são
narrados fatos da trama ficcional, ora fatos históricos. Vale ressaltar que no plano
ficcional os aspectos históricos aparecem somente na descrição do cenário e dos
tipos locais que habitam a cidade de Rio Branco.
Em A represa observa-se a presença de um discurso histórico que se
apresenta de maneira sutil, isto é, funciona somente como pano de fundo e não
como ação que interfere diretamente na vida das personagens. Ele se dá de forma a
revelar ao leitor apenas alguns aspectos da história acreana, apresentados a partir
da memória dos antigos moradores da cidade de Xapuri. Com isso, é possível
afirmar que a história na obra é demonstrada a partir da situação do Acre por
77
ocasião da decadência da borracha, das migrações a que foram submetidos os
moradores dos seringais e do fato de muitos seringueiros terem sido obrigados a
viverem da agricultura por não haver outro modo de subsistência possível à época.
É o que se observa na citação a seguir:
Os trabalhadores de Iracema passaram da vida de seringueiro para a vida de agricultor. As manhãs, no alarido das asas acordadas, vinham encontrá-los no cabo da enxada. Dois meses depois, onde havia touceiras brabas para esconderijos dos jacarés traiçoeiros, viam-se barracas novas naquele longo trecho do rio, debruçadas no lombo do barranco vermelho. (MEDEIROS, p.75)
Vemos claramente que o modo de vida dos moradores do seringal mudou
muito com a decadência da borracha. Muitos seringueiros viveram essa experiência
de se transformarem em agricultores. Esse fato só se tornou possível devido à
decadência do seringal, como se vê em muitos relatos de seringueiros, pois na alta
da borracha, os donos de seringais não permitiam os roçados, pois além de exigirem
total esforço do seringueiro para produzir mais, tudo tinha que se comprado no
barracão. No livro Servidão humana na selva: o aviamento e o barracão nos
seringais da Amazônia, Carlos Corrêa Teixeira (2009, p. 85) revela a entrevista de
um seringueiro que afirma:
Os patrões [...] não queriam que o sujeito plantasse. Tudo era importado do Pará ou de Manaus (...), tudo, a farinha, o tabaco, o arroz... (Eles) não queriam que o sujeito trabalhasse na roça (...) o sujeito só cortava seringa... Naquela época não havia nem castanha.
Essa realidade revelada por esse seringueiro foi vivida por muitos que
moravam nos seringais da Amazônia. A vida de servidão e as dificuldades
enfrentadas por essa pessoas tornavam a situação ainda mais difícil.
É importante mencionar que em A represa o discurso ficcional é mais
evidente, a história aparece como pano de fundo. A preocupação na obra é
descrever o cenário de modo a fixar determinada documentação histórica. Como já
foi mencionado anteriormente, há a presença de personagens como o coronel, que
marcam bem essa intenção documental, visto que o coronel Belarmino, apesar da
decadência é um representante fiel do vilão mais conhecido da história dos
78
seringais. Porém, não se pode deixar de mencionar que na figura do coronel não se
pretende fazer nenhuma denúncia, uma vez que o narrador não o descreve como o
causador dos sofrimentos. Nessa narrativa, o que mais se destaca é a narração de
determinados episódios da história do Acre e a formação da cidade, por meio de um
discurso que se apresenta muito mais por meio do ficcional, ligadas à memória e às
ações das personagens. As lembranças do Coronel Isidoro e do Seu Lúcio, ambos
moradores de Xapuri, ilustram bem essa ideia:
[...] Os hinos patrióticos, cantados na Escola, davam vida à fumaça. Os combates passaram na imaginação dos dois amigos. Telheiros... Bom Destino... Benfica.... Volta da Empresa ... Xapuri de outros tempos pintava-se na fumaça, com o porto cheio de navios e o dinheiro correndo de mão em mão. Seu Lúcio tinha saudade desse tempo. Nesse tempo o Acre era Acre! Xapuri tinha de tudo! E hoje é a terra do já teve... [...] E agora ninguém tem mais nada!... [...] O Coronel Plácido de Castro, que libertou o Acre, foi assassinado. (MEDEIROS, p. 14-15)
Esse ressentimento faz parte da memória coletiva dos moradores, que
sentem falta da glória de outrora. Depois do passado de riqueza resta agora o
retrato da decadência material e moral vivida por todos. Essa decadência afetou até
o Coronel Belarmino, que apesar do título, compartilha a mesma desventura dos
demais moradores sem nenhuma revolta: “O coronel Belarmino, como todos os
seringalistas vencidos, longe de ser um revoltado, é a resignação em pessoa. Um
saudosista apenas.” (MEDEIROS, p. 23). Essa representação da decadência é fruto
da histórica baixa na produção de borracha, que se iniciara já no início do século XX,
e que por volta de 1914 a crise já deixa evidente.
Nesta obra, embora não sejam tão explícitos, esses elementos históricos
revelam a identidade de um povo que, mesmo tendo um passado cheio de lutas e
glórias, acredita que nesse passado estão suas identidades, pois aquelas pessoas
felizes são agora os saudosos do passado sem nenhuma perspectiva de vida
melhor. Resta-lhe apenas lembrar o tempo em que tudo era bom. Esse discurso faz
também parte dessas identidades e da vontade de sobrevivência.
É importante levar em conta que no que concerne à identidade deve-se
enfatizar o fato de que os discursos identitários, estão relacionados à invenção e à
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reinvenção da própria história do sujeito. Percebemos, assim, que essas questões
identitárias são também marcadas por elementos do passado. Daí a importância do
discurso histórico para se revelar e confirmar as identidades de um povo.
Dessa forma, vemos que tudo isso faz com que as identidades estabeleçam
ligação entre o presente, o passado e o futuro, criando um movimento positivo de ir
e vir, como uma trajetória. Dessa forma, de acordo com as palavras de Moita Lopes
(2002), vistas como trajetórias, as nossas identidades, são, portanto, constituídas
historicamente.
Com isso, a formação das identidades apresentadas nas obras se dá na
exposição das coletividades. Podemos dizer que os autores valem-se também da
memória para expor como se deu a construção das identidades amazônicas. É a
partir de narrativas que apresentam fragmentos de coletividade, que eles ressaltam
momentos históricos importantes para a consolidação do antigo território do Acre.
Em Certos caminhos do mundo, por exemplo, o narrador vale-se de momentos
históricos, descrevendo-os à maneira de um historiador que expõe os fatos
conforme eles aconteceram realmente. Suas narrativas são permeadas de fatos
históricos porque este autor não era somente romancista. Ele foi um historiador e
etnólogo, exercendo muitas outras funções ao longo de sua vida. Isso pode explicar,
de certa forma, a trajetória de muitos intelectuais da Amazônia. Já Medeiros traz à
tona todos os fatos que poderiam causar danos à imaculada sociedade acreana do
início do século, mencionando acontecimentos do cotidiano da cidade de Rio
Branco, que podem ter acontecido, mas não são tidos ideologicamente como fatos
históricos. Muitos desses fatos são apresentados com tom de crítica, descrevendo,
também, questões políticas do então Território. Como observamos, isso pode ser
constatado nas citações a seguir:
Não havia água encanada, nem tampouco serviços de esgotos, pois as latadas eram transportadas da Fonte da Independência no costado dos jumentos e as águas podres tinham saída pelas valas das ruas. Mas via-se um belo palácio de alvenaria, o Palácio Rio Branco, onde se instalam os serviços da administração pública. (MEDEIROS, p. 126) Os partidos tradicionais, o que sonha com a autonomia do Acre e o que prevê a união popular, ambos servindo a fins ridiculamente impossíveis, dividiram as famílias, envenenando a alma dos homens. Os autonomistas moram do lado direito, representados pelo comércio, e os unionistas moram do lado esquerdo representados pelos funcionários públicos. Um lado da cidade
80
vive em rivalidade com o outro. O farmacêutico Nilo Bezerra, único unionista que morava do lado autonomista, sempre teve essa idéia: - O lado direito é Beiruth, é de sírios... O lado esquerdo é Acre, é de brasileiros... O melhor é conceder-se independência a Beiruth, instalando um consulado em minha casa, ou então declarando-lhe guerra de morte... (MEDEIROS, p. 144)
O fato de estarem ambientados nesse período histórico, os romances nos
fazem observar que muito do que se revela das identidades acreanas está ligado a
essa primeira metade do século XX, momento no qual a cidade estava sendo
formada e os sujeitos que habitavam esse espaço estavam em busca de suas
identidades, as quais são reveladas quando se apresentam as lutas que houve em
torno da nacionalidade do então território do Acre. Assim, em um único espaço
emergem várias identidades. Através disso, podemos observar que muito do que é
revelado das identidades acreanas perpassa o discurso histórico, tendo em vista que
grande parte do que é apresentado nos romances em tela surge disso.
3.2 O RIO, A CIDADE E A FLORESTA COMO REFERENCIAIS DA IDENTIDADE
AMAZÔNICA
Ao longo deste trabalho nossa preocupação tem sido apresentar, através
das narrativas Certos caminhos do mundo – romance do Acre e A represa –
romance da Amazônia, como são discutidos os processos de formação das
identidades amazônicas, especificamente a acreana. A partir daqui
desenvolveremos a análise dos elementos espaciais que compõem o processo de
formação das identidades. Para isso, utilizaremos algumas ideias já expostas nos
dois capítulos anteriores, especificamente algumas teorias sobre a identidade e a
reapresentação dos espaços das narrativas, tendo em vista que estes são tomados
como elementos formadores de identidade nas duas obras estudadas. Isto será
possível a partir do princípio de que é também na relação do homem com seu
espaço que as identidades são reveladas.
Os espaços apresentados nas duas narrativas são especialmente a cidade,
a floresta e o rio. Este último, enquanto elemento fluido, representante de
81
transitoriedade estabelece a perfeita ligação entre os dois espaços anteriores,
conforme análise sobre a importância das águas do rio realizada no capítulo
anterior.
Já afirmamos com Hall (2004), que as identidades não são fixas, imutáveis.
Em contrapartida elas são resultados de processos transitórios de identificação, o
que explica as contidas transformações sofridas por elas, daí dizer que as
identidades não são sólidas nem permanentes. Por isso, estamos sempre em busca
de novas identidades. Estas são fortemente ligadas às noções de tempo e de
espaço e, por conseguinte, dependem de determinados sentidos que estes tomem.
Dessa forma, nossas identidades estão em constante transformação, requerendo
sempre novas interpretações e definições.
“A Amazônia muitas vezes é vista como sendo a última fronteira, onde
parece existir uma natureza intocada”. (Gonçalves, 2001, p. 16). Entretanto, a visão
da Amazônia vai além dessa idealização, uma vez que por trás de tudo isso há uma
realidade muito dura vivida por muitos. Esses discursos são, muitas vezes,
apresentados também na produção literária de diversas épocas. Esses aspectos são
em geral apresentados através de imagens que se tornam consagradas, como
aquelas que definem a Amazônia como sendo o local que abriga riquezas
incalculáveis. Segundo Gonçalves (2001, p. 20):
A imagem mais comum do que seja a Amazônia é a de que se trata de uma imensa extensão de terras, onde o principal elemento de identificação é uma natureza pujante, praticamente indomável que a história nos legou intocada.
Na modernidade essa ideia tem sido difundida ao lado de um discurso que
deságua em questões ecológicas, que se tornaram comuns ou quase estereótipos.
Ao lado desses elementos têm aparecido as questões relacionadas ao discurso de
das identidades de caráter amazônico que têm sido muito discutidas.
A relação do homem com o espaço é relevante para a construção de suas
identidades, uma vez que através desse espaço há uma reunião de diversidades
que são arrastadas a uma unidade de entrelaçamentos. Vemos nos dois romances
analisados que há uma preocupação em revelar a relação do homem com o espaço,
apresentando, muitas vezes, os sentimentos das próprias personagens, criando
82
determinadas imagens que refletem suas emoções. Nessas obras há uma forte
apresentação do espaço que faz um contraponto entre o espaço rural, natureza, e o
espaço urbano, a cidade de Rio Branco nos primeiros anos de sua formação,
momento em que se consolidava a sociedade e eram estabelecidas as primeiras
relações entre os moradores.
Vemos tanto em Certos caminhos do mundo, quanto em A represa, que
essa preocupação com o espaço dá-se em função do momento em que se passam
os enredos. Por isso, estudar o espaço é primordial para se compreender como se
estabeleceram as primeiras relações sociais. Essa preocupação acaba por solicitar a
descrição de uma paisagem, que nessas narrativas se confunde com as noções de
lugar, que de acordo com De Certeau (1998, p. 201), “é uma configuração
instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade”. Por isso, criar um
espaço urbano, uma cidade, torna-se algo fundamental a partir do momento em que
as pessoas se aglomeram por qualquer razão que seja.
As narrativas aqui analisadas, como já mencionamos, são organizadas em
torno de três espaços: o primeiro concentra-se na relação do homem em constante
luta com as leis da selva amazônica, onde a grande marca é a busca pela
sobrevivência em um ambiente hostil; o segundo é a cidade, a qual aparece como o
lugar onde se busca o refúgio ou o descanso de longas viagens; o terceiro, como já
foi dito, é o rio. Esses espaços apresentados de maneira singular revelam a
tendência a se fazer um registro da realidade acreana do início do século XX. Assim,
a partir das relações do homem com seu espaço e consigo mesmo, é possível
evidenciar uma série de aspectos que aparecem de maneira clara nas obras. Dentre
eles figuram a descrição do homem, do trabalho que executa, do espaço e dos
relacionamentos que estabelece com os seus semelhantes.
Quando nos referimos aos discursos elaborados em torno da Amazônia,
notamos que, de uma maneira geral, eles têm ligação, com a floresta, mas
especialmente com as navegações e os rios da região. Dessa forma, é possível
afirmar que a identidade do homem da Amazônia está diretamente ligada a esse
elemento da natureza tão importante para o homem. Ana Pizarro no livro El rio tiene
voces chama a atenção para isso:
Los discursos que han contruido a La Amazonía tienen, respecto del resto de los de América Latina, la especificidad de lo fluvial. Son discursos
83
muchas veces conducidos por la navegación, como em caso de los descobridores, o el agua aparece como instancia previa y se intercala em ellos, como em el de los exploradores cintíficos. Son textualidades que reposan sobre el decurso, que se despliegan em uma Maraña de furos, igarapés, lagunas, tributários, cachuelas, pongos, em una geografia de águas que cuando no lo invade todo se hace presetir em su cercania, en su permanência, em su ritmo. Son los discursos de una nación de águas. Nación em el sentido figurado de um área cultural formada por ocho países que tienen referetnes comunes, com centro em el rio y em la selva
3.
A partir dessa citação, podemos observar o que há muito se vem falando: o
homem da Amazônia tem forte ligação com a água, especialmente a do rio, e com a
selva, portanto, com seu espaço. Assim, florestas, cidades e rios são elementos
fundamentais quando a ideia se liga à identidade desse povo. Entretanto se faz
necessário lembrar que, embora seja o rio o ponto de referência para o homem da
Amazônia ele não favorece totalmente o fluxo das pessoas em todos os lugares. Na
Amazônia, especialmente no Acre grande parte dos rios é de difícil navegação, o
que faz com pequenas distâncias sejam percorridas em muito tempo. Nos lugares
onde o único acesso se dá via fluvial é notória a dificuldade que as pessoas têm
para se deslocar. Mesmo assim, as águas permanecem como sendo o único
caminho viável para elas.
A busca da identidade pode ser percebida nesses fatos, uma vez que não
vemos um só olhar, mas vários deles que nos fazem refletir sobre as diversas
formações que tivemos e as modificações pelas quais passamos até chegarmos
onde estamos. Sabemos que nossa identidade não é única, muito menos
permanente. Daí acharmos interessante valorizar as obras de Abguar Bastos e de
Océlio de Medeiros, tendo em vista que mesmo tendo escrito seus romances há
muitos anos, não os limitaram a apenas mais duas obras que retratam o homem da
Amazônia em uma guerra sempre igual contra a natureza. Nelas se vê uma visão do
homem que é muito mais que uma simples visão da história, é uma apresentação
singular desse do homem.
Nessa relação de diferença, podemos observar que o espaço, dividido pelo
rio Acre, determina a identidade do homem que nela habita, tendo em vista que o
que marca a vida das pessoas de Penápolis em relação aos de Empresa é a
diferença social. entretanto, segundo consta em A represa, a própria topografia da
cidade enfatiza essa diferença: “A própria topografia do lugar localizou os
3 PIZARRO, Ana. Amazonía: el rio tiene voces. Chile, 2009. p. 15
84
sentimentos dos dois lados: o lado esquerdo da cidade, o do menino bom, é alto, e o
direito,o do menino mau, baixo”. (MEDEIROS, 1942, p. 111). Lembremos que
conforme já foi mencionado, “menino bom” é Penápolis, ao passo que “menino mau”
é Empresa. Porém, apesar das diferenças sociais as pessoas dos dois lados da
cidade têm identidades semelhantes.
Se o espaço privilegiado nas narrativas amazônicas é em geral o rio, em
Certos caminhos do mundo - romance do Acre e A represa – romance da
Amazônia, o rio apresentado é o Acre. Esse rio é o que assume maior importância
para o Estado do Acre por banhar a capital, Rio Branco. Ele nasce no Peru,
atravessa o território acreano no sentido Sul/Norte e deságua no rio Purus, no
município de Boca do Acre, Estado do Amazonas, percorrendo um trajeto de
aproximadamente 1.190 quilômetros, representando o limite natural com os dois
países vizinhos do Acre: Bolívia e Peru. Cerca de cinquenta e seis por cento da
população acreana habita o vale do rio Acre4, que é a região mais desenvolvida e
habitada do estado. A relevância do rio Acre no cotidiano dos acreanos é
incontestável, especialmente para o ribeirinho e para parte da população para quem
as águas do rio constituem base fundamental para muitas atividades, inclusive o
transporte. Assim sendo, o rio pode ser símbolo da realidade local, e com isso,
reforça a formação de uma identidade acreana que, ao lado da floresta, representa o
referencial identitário na construção de imagens da tradição histórica e literária
amazônica.
Em Certos caminhos do mundo – romance do Acre percebemos esses
referenciais identitários, representados de duas maneiras: no plano considerado
histórico se sobressai muito a relação do homem com o espaço terrestre,
especialmente a floresta, uma vez que com a expressão de um evolucionismo, no
qual só o mais forte sobrevive, apresenta-se a floresta com maior destaque em sua
estreita relação com o homem que nela habita. Já no plano ficcional, o espaço que
mais aparece é o próprio rio. Essas relações podem ser vista na seguinte citação:
Sob a tutela dos gênios metafísicos, os milagres irrompem de toda a costa humana da superfície e os fenômenos estalam nas fendas cósmicas, iluminando a zona vasia, que se multiplica entre o chão e o céu.
4 Com base em dados do IBGE 2007.
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O homem que chega é triturado. Dessa amálgama fôfa renasce o homem que póde ficar. Ele reaparece trasladado da consciência original para o objetivismo total que o absorveu. Antes era causa, agora é o produto. Fez-se a imagem da terra, com todos os seus defeitos. Deixou-se fundir e abroquelar, pois só assim póde pertencer a grei, que o recebe com entusiasmo na hora suprema. Então não mais o tipo inferior, o homem ordinário do passado. Conseguiu a tremenda integração. Deixemos que ele cumpra o seu destino. O seu coração está fechado. Os seus olhos estão sêcos. A sua vida é uma avalanche. É o homem fenomenal. (BASTOS, p. 57)
Como se observa, neste fragmento, Bastos exalta o homem de modo a
revelar a mudança de identidade sofrida por este sujeito que, a partir do contato com
a terra, teve que se adaptar a ela para poder sobreviver. Ele afirma que o homem
não é mais o ser inferior ele é o homem que se tornou tão forte como a terra que
habita. Essa relação à oposição terra versus homem fez com que surgisse um novo
homem, constituído a partir de uma nova identidade, a qual irrompe desse contato.
Observemos, porém, da mesma forma que o lugar em outros momentos foi
apresentado como hostil, como perverso aos olhos do homem. Entretanto, tudo isso
lhe tornou mais forte.
Neste plano histórico emerge um Acre ainda no início de sua formação com
a apresentação dos primeiros contatos entre os diversos habitantes da região, na
época da conquista. Nesse cenário emerge uma floresta hostil ao seu habitante, seja
ele local ou estrangeiro. Observemos a citação:
Estava provado. A terra não tinha amor ao seu dono. Com as suas florestas desgrenhadas e as suas sombras lascivas, preferia entregar-se aos extrangeiro que vinha do Brasil com o cheiro do mar nas carnes rijas. (BASTOS, p. 47)
Aquela visão da floresta enquanto inferno verde vem à tona mais uma vez.
O homem precisa adaptar-se a ela para sobreviver. No entanto, é importante
mencionar que essa floresta não é expressa apenas como paisagem e sim como um
território, tendo em vista que ali ocorreu uma disputa por sua ocupação, por sua
posse. Em Certos caminhos do mundo, todas as vezes que essa floresta é
descrita, ainda no momento de formação do Acre tem-se essa ideia de que há uma
disputa entre os seus habitantes. Falamos isso não pelo fato de se mencionar a
86
tomada das terras acreanas das mãos dos bolivianos, mas porque a relação do
homem com esse espaço é estabelecido a partir dessa ideia de disputa, seja entre
os sujeitos, seja destes com a floresta.
Em Certos caminhos do mundo, o espaço urbano também é privilegiado.
De Certeau (1998 p.172) discute o conceito de cidade, afirmando que ela foi
instaurada pelo discurso utópico e urbanístico definida, dessa forma, pela
possibilidade de uma tríplice operação: a produção de um espaço próprio; o
estabelecimento de um não-tempo, e por último a criação de um sujeito universal e
anônimo que é a própria cidade. Supõe-se, com isso, que a cidade seja um espaço
organizado. A cidade apresentada nas narrativas que analisamos emerge dessa
maneira, uma vez que nelas, como já foi dito, Rio Branco está organizada em torno
de dualidades. É uma cidade que ainda está em formação e nela muito dos
elementos rurais ainda aparecem. Entretanto, já apresenta as organizações típicas
de uma cidade mais modernizada.
Nesse romance, o narrador, muitas vezes, descreve elementos que nos
fazem ver que embora ainda modesta já há uma organização desse espaço, no qual
vemos destacarem-se diversos símbolos do urbanismo e de civilidade tais como a
igreja, a delegacia, a presença de intelectuais, representados pela figura do poeta
Juvenal, vistos ao mesmo tempo em que são descritas as paisagens do local.
Porém, mesmo diante da descrição de um espaço urbano, vemos uma cidade que
emerge em meio à floresta, guardando ainda muitos resquícios desta e mantendo
uma forte relação com ela. O próprio narrador, ao descrever Empresa, afirma que
parte dos habitantes são seringueiros, habitantes típicos do seringal. Com isso, a
dicotomia floresta x cidade parece fundir-se num só elemento.
Nesta obra, como se percebe, a cidade de Rio Branco aparece logo no
início de sua formação, época em que as redes de relações se entrelaçam e
compõem uma história múltipla de enredos e tensões dramáticas formadas a partir
de fragmentos de outras histórias. O narrador apresenta uma cidade que, embora
ainda pequena e habitada por personagens típicas recém-chegadas de áreas rurais,
como os seringueiros, já apresenta problemas de cidade grande, dividida, como já
foi mencionado, em dois espaços, evidenciando a dualidade permanente do lugar,
sendo representada pelas pessoas que neles se fazem presentes.
A partir da leitura de Certos caminhos do mundo, percebemos a cidade de
Rio Branco, a terra firme, como um lugar de passagem. O rio apresenta-se como
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mais um local de permanência. Isto parece ocorrer pelo fato de Solon, o
protagonista, destacar-se através dos rios. Enquanto comandante de navio, ele está
na cidade apenas de passagem. Na cidade de Rio Branco as identidades das
personagens se destacam, tendo em vista que nela Solon é reconhecido por ser o
capitão de um navio, tendo até alguma influência no lugar. Já Rubina apresenta o
que realmente é. Sendo uma filha do espaço dos vícios, ela, na sua estada em
Empresa, deixa-se vencer pela fraqueza da coca e acaba entregando-se a ela.
Através dela, o narrador apresenta um problema que é típico dos espaços urbanos:
as drogas e suas consequências perniciosas aos sei usuários. Isso se torna mais
evidente pelo fato de ser o Acre uma região de fronteira, lugar propício para a
manutenção do tráfico.
O terceiro espaço e, diga-se de passagem, o que mais se destaca nas
construções identitárias apresentadas nas narrativas aqui estudadas, é o rio. Como
já fizemos uma análise deste no capítulo anterior, resta-nos confirmá-lo agora como
uma referência de identidade, ao lado dos outros espaços já apresentados. O rio,
como bem se observa no romance, estabelece um elo entre a cidade, a floresta e
até com outras cidades., tendo em vista que é um elemento bastante característico
da paisagem amazônica e aparece na obra como um forte referencial identitário.
Podemos afirmar isso, porque o rio é a via de acesso das pessoas, com suas
diferentes concepções e, historicamente falando, foi importante no processo de
conquista do solo acreano. Por isso, ele pode ser considerado como a maior
referência de identidade do acreano. Daí, podermos fazer uso da afirmação de
Leandro Tocantins (2000), segundo o qual o habitante da Amazônia é filho do rio e
nunca da terra ou da cidade.
Em A represa – romance da Amazônia observamos a presença dos
mesmos espaços: o rio, a cidade e a floresta, esta representada pelo seringal.
Neste, as identidades das pessoas são definidas a partir da função que cada
personagem exerce: o coronel, os seringueiros, a filha, a mulher do coronel, o
guarda livros, dentre outras.
O outro espaço, a cidade de Rio Branco, é apresentado já com formação
social bem definida na qual se verificam várias tensões sociais em que os diversos
setores da sociedade se contrapõem movimentando a vida urbana. O narrador
descreve a cidade, apresentando os principais tipos que a compõem: os
comerciantes, o chefe de polícia, o prefeito, o jornalista, o poeta, o padre, as
88
fofoqueiras, etc. A cidade, como podemos verificar, só é apresentada depois da
chegada dos moradores do seringal, quando passa a ser vista como o lugar de
transformações e apropriações, de acordo com a ideia apresentada por De Certeau.
Desta maneira, a cidade funciona como uma referência de identidade, porque
observamos que o contato com ela opera transformações imediatas na vida das
personagens. Nela rapidamente os seringueiros se apropriam da vida da cidade e
são assimilados pela sociedade, tornando-se habitantes do bairro Capoeira.
Santinha também logo começa a participar da vida da sociedade e casa-se
com Didi. O coronel Belarmino mantém-se respeitado. É interessante notar que na
obra, esse espaço da cidade é apresentado a partir da ideia da decadência de seus
habitantes, que são apresentados mediante metáforas e comparações que estão em
geral relacionadas ao rio. Na citação a seguir vemos um exemplo disso ao serem
mencionadas as cidades amazônicas e as pessoas que são definidas como rios:
As cidades amazônicas são obra de decadência. Os rios humanos, nos primeiros tempos da borracha, saindo do nordeste, foram correndo Amazônia a dentro, divididos em centenas de braços.rios malucos sem rumo certo, que vieram do Atlântico, em sentido contrário aos rios de água, como que para desaguar no Pacífico, cavando na sua corrida pela mata, o próprio leito. O que foi mais longe, rio porocante de cearenses brabos, chegou até o Território do Acre, nos domínios da Bolívia e do Peru. Só não foi mais longe porque esbarrou na muralha dos Andes. (MEDEIROS, p. 108)
Em A represa – romance da Amazônia, esse mesmo rio com o qual se
identificam as pessoas também aparece como espaço privilegiado. Podemos dizer
que a maior referência de identidade é ele, tendo em vista que ele é a via de acesso
das pessoas do seringal para a cidade e vice-versa. O título da obra pode ser
explicado a partir de uma metáfora relacionada ao rio: a partir do momento em que o
seringal Iracema desaparece, engolido pelas fortes e violentas águas da enchente
do rio Acre, a cidade fica represada e com ela as pessoas que foram obrigadas a
tomar outros rumos e formar novas identidades. As vidas dessas pessoas têm,
dessa forma, uma forte relação com as águas. A citação a seguir pode exemplificar
essa afirmação:
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Rio Branco com seu igapó de homens, numa região onde ninguém pensou em edificar uma cidade, é por isso um rio que perdeu o seu destino. Dá a ideia de uma represa. Uma enorme represa humana, onde se agitam, num drama de isolamento, os recalques e as paixões. Trabalhando pelas piores remanescências, o grosso da sociedade sofre na sua contensão, buscando uma saída, buscando um fim que nunca chega. (MEDEIROS, p. 109)
Observamos que as marcas identitárias presentes nas obras estudadas
estão ligadas, de maneira mais geral, aos espaços em que se passam as ações, os
quais podem representar referências identitárias. Na obra, verifica-se efetivamente o
valor que se dá a esta relação. O homem e o rio estabelecem uma ligação
intrínseca, na qual ambos são interdependentes.
Por isso, pode-se observar que o rio é muito mais que um elemento da
natureza, ele contribui também para a diversidade que se apresenta na cultura do
povo acreano. Por meio do modo como ele é apresentado nessas narrativas,
observamos que em Certos caminhos do mundo – romance do Acre, os
caminhos seguidos pelo homem estão nos rios. Em A represa o próprio título da
obra remete ao rio, ou a uma condição dele, fazendo alusão à situação desse
elemento ao descrever o modo de vida das pessoas.
O rio não é tido apenas enquanto um elemento que corta geograficamente a
cidade, mas enquanto marca e veículo das várias personagens que a povoam,
portanto, também de identidades. Observa-se nas obras que esse elemento é o
responsável pelas construções identitárias, tendo em vista que, através da divisão
que ele ocasiona na cidade de Rio Branco dos primeiros anos, proporciona a
diversidade que há nessa sociedade. Dessa forma, é possível afirmar que as
identidades são frutos dessa diversidade. O rio na cidade de Rio Branco separa
muito mais do que a terra, separa também as maneiras de pensar, o que, como já
mencionamos, evidencia diversas identidades.
Portanto, o que podemos observar é que o romance de Abguar Bastos
mostra-nos as várias identidades acreanas, embora este autor não tenha nascido no
Acre. Além disso, sua obra nos faz constatar que a constituição de nossas
identidades deu-se a partir da diversidade e da diferença. É bom ressaltar que o
modo particular como o autor compõe a sua obra faz-nos ver que Certos caminhos
do Mundo não é um simples romance sobre nossa terra, o seu valor está na
expressão apresentada por ele, mostrando que nossas identidades não estão
90
apenas em quem nós somos, mas têm uma intensa ligação com o lugar em que
vivemos e com os elementos que o compõem.
O mesmo pode ser afirmado a respeito de A represa, romance no qual se
evidenciam as várias identidades e espaços que são fortalecidos pela ideia dos
deslocamentos. O espaço para as personagens é tão transitório quanto as suas
identidades. Essas constantes mudanças de lugar resultam em identidades híbridas
e dinâmicas.
A partir disso, verifica-se que as narrativas analisadas são marcadas pela
busca de uma identidade local resultante de uma forte ligação do homem com seu
espaço, seu tempo e sua realidade. Isso revela a relação do homem com a
natureza, com o espaço urbano, com o rio e, por consequência, com a relação dos
homens entre si. Essas relações demonstram com a realidade é instaurada.
É importante notar que nas obras analisadas as identidades e as escolhas
das personagens estão sempre vindo à tona e se ligam aos espaços que ocupam.
Em Certos caminhos do mundo, vemos as escolhas de Solon e de Rubina. Em A
represa essa mudança de espaço nem sempre é realizada devido a uma escolha
das personagens. De fato, elas não têm muitas escolhas. Saem do seringal porque
são obrigadas pelas circunstâncias. Quando fazem determinada escolha, esta se
processa porque eles não têm alternativa. Podemos citar como exemplo os
seringueiros do Iracema, que, para sobreviver, deixaram de ser seringueiros e
passaram a ser agricultores, embora não tivessem muita habilidade para isso. O
importante para o processo de formação identitário é que eles se adaptaram à sua
nova condição.
Os trabalhadores de Iracema passaram da vida de seringueiros para a vida de agricultor. As manhãs, no alarido das asas acordadas, vinham encontrá-los no cabo da enxada. Dois meses depois, onde touceiras brabas para esconderijo dos jacarés traiçoeiros, viam-se barracas novas naquele longo trecho do rio, debruçadas no lombo do barranco vermelho. (MEDEIROS, p. 75)
Observe-se que os seringueiros mudam sua condição, mudam também
suas identidades. Dessa forma há uma nova condição de vida para esses sujeitos.
Não são mais vistos os seringueiros e sim os agricultores. Essa nova forma de vida
demonstra o que já foi mencionado antes, que os homens da Amazônia talvez pelas
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adversidades do início de sua história têm um forte poder de superação e
adaptação.
É importante verificar que a identidade de um povo pode ser revelada a
partir de diversos aspectos. Nas narrativas aqui analisadas nota-se que as questões
identitárias são muito fortes, especialmente pelo fato de os acontecimentos narrados
em ambas estarem ambientados no Acre dos primeiros anos, em especial aqueles
em que havia a disputa entre os lados da cidade: Penápolis e Empresa.
3.3 CONCLUSÃO PARCIAL DO CAPÍTULO III
Neste capítulo foram apresentados, vários aspectos que dizem respeito a
questões identitárias. Alguns foram apenas retomados como a questão dos espaços.
Aqui, demos destaque à oposição existente entre os discursos históricos e ficcionais,
demonstrando sua contribuição para revelar determinadas identidades.
Preocupamo-nos também em expor os diversos espaços expressos nas narrativas:
rio, cidade e floresta, enquanto referenciais de identidade. Apresentamos cada um
desses elementos, enfatizando a relevância do rio para os processos identitários.
Ressaltou-se a relevância desse elemento nessa construção, tendo em vista que os
romances analisados enfatizam a importância dos rios e a relação deste com o
homem, daí com as identidades. Devem-se levar em consideração os próprios títulos
das obras, uma vez que Certos caminhos do mundo representa perfeitamente isso
porque os caminhos referidos nada mais são do que os próprios rios. Já A represa
ressalta uma condição da água, que é o fato de ela estar presa. Assim, podemos
afirma que essa reunião de história, ficção, rios, cidades e florestas constitui-se em
elementos que se sobressaem na formação da identidade do povo acreano. Essa
situação impõe-se tanto na história quanto na literatura estudadas.
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CONCLUSÕES
A guisa de conclusão, podemos afirmar que ao longo desta pesquisa, na
qual nos propusemos a analisar as narrativas Certos caminhos do mundo –
romance do Acre de Abguar Bastos e A represa – romance da Amazônia de
Océlio de Medeiros, pudemos observar que essas narrativas foram organizadas
discursivamente de modo a serem utilizadas como projeto de busca das identidades
acreanas. Trata-se de um procedimento estético que vem, ao longo dos anos,
fazendo-se presente em muitas produções literárias da região amazônica.
Pudemos observar que há nas obras muitos aspectos que levam à tentativa
de formação de determinadas identidades coletivas. No entanto, isso se revela não
só nas narrativas, uma vez que através das leituras realizadas para fundamentar
esta pesquisa, foi possível observar que essa inquietação de se tentar revelar
determinadas identidades faz parte da vida do homem moderno. É que ele busca
fazer-se visto na sociedade da qual faz parte, com todas as diferenças que o tornam
um sujeito inquieto. Ele busca constantemente firmar-se como sujeito de sua própria
história, com sua identidade definida, apesar das adversidades que se lhe
apresentam nessa caminhada.
Além disso, podemos afirmar que falar sobre identidade faz lembrar o fato
de que toda questão identitária envolve uma determinada organização discursiva,
seja ela política ou social, tendo em vista que existem várias maneiras possíveis
para expor as diferenças entre os sujeitos, os quais podem mudar de posições
dentro de determinada sociedade e de uma sociedade para outra. Assim, se se
muda de posição, efetua-se igualmente uma mudança identitária.
A partir disso vimos emergir nas narrativas analisadas neste trabalho o
homem apresentado como ser que possui não uma, mas várias identidades as quais
surgem diante das diversas posições que este homem enquanto um sujeito social
ocupa. Diante disso, torna-se importante reconhecer os diferentes discursos
apresentados por ele em cada uma dessas posições. Fala-se em discurso, porque
de acordo com as ideias bakhtinianas, apresentadas ao longo desta pesquisa, as
identidades também são formadas a partir da interação entre os sujeitos, a qual se
dá por meio dos discursos apresentados por eles.
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As obras literárias aqui estudas são exemplos de narrativas amazônicas que
apresentam como tema a Amazônia do tempo em que já se estava constituindo as
cidades, e Rio Branco se destaca nelas. Ambas as narrativas orientem-se para a
apresentação das dualidades desse local, uma vez que essas narrativas apresentam
as personagem de modo que elas representem os típicos moradores da cidade. Os
autores fazem isso através da exposição das dualidades que perpassam as
fronteiras geográficas e seguem até as questões morais, sociais e discursivas, o que
nos leva a observar que várias identidades são reveladas por meio dessa
representação.
Escolhemos trabalhar com as narrativas porque acreditamos que a
organização discursiva deste gênero permite observar com clareza determinadas
realidades que emergem no enredo de cada uma delas. Dessa forma, acreditamos
ter contribuído com os estudos acerca do romance acreano e das questões
identitárias de nossa região, embora de maneira modesta.
Logo no início desse estudo, quando apresentamos uma fundamentação
teórica, na qual apresentamos as principais teorias que deram suporte a essa
pesquisa, expusemos as ideias acerca da identidade. Já aí iniciamos a exposição de
pontos das obras em que se percebem marcas identitárias. Foi com isso, que
observamos que ambas são verdadeiras representações das identidades do povo
acreano.
Ao escrever os demais capítulos, essas identidades reveladas nos
romances foram tornando-se mais evidentes, tendo em vista que os discursos que
se revelavam demonstravam a presenças de muitas marcas identitárias. Assim,
diante das análises das obras, podemos afirmar que por meio delas surge a imagem
de um homem, ou melhor, de um sujeito que se revela em constante diálogo com o
rio. No caso dessas narrativas, o rio Acre é o que se apresenta com maior destaque.
Essa relação do sujeito com o rio é tão forte que é a posição geográfica dele,
dividindo Rio Branco em duas partes distintas, faz várias identidades virem à tona.
Isso nos faz reconhecer o habitante da Amazônia como um ser que busca nas
margens e no leito do rio identidades que se revelam em sua própria história de vida.
Vemos nisso um espaço que se constrói como marca de identidade. Entretanto, não
podemos esquecer que nas obras abordadas emergem outros espaços como a
cidade e a floresta, que entrelaçadas pelo rio constituem-se verdadeiros referenciais
identitários.
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Certos caminhos do mundo – romance do Acre é uma narrativa na qual
o discurso histórico apresenta-se com destaque, o que nos leva a observar que é
também no passado histórico que os sujeitos buscam parte de suas identidades.
Esse romance revela um escritor que conhece a Amazônia de perto, sua história,
sua geografia, hidrografia e seu habitante. Delineiam-se, com isso, questões sociais,
culturais e econômicas da realidade acreana, o que foi vivenciado por vários sujeitos da
Amazônia.
A represa – romance da Amazônia, traz à tona também um Acre organizado
discursivamente em torno de dualidades que se revelam da mesma forma pela divisão
da cidade de Rio Branco pelo rio Acre. Aqui há um destaque para esse aspecto, uma
vez que todas as mudanças apresentadas na obra têm o rio como responsável:
enchentes, mudança das personagens para a cidade e retorno ao seringal. O que é
importante destacar na narrativa de Medeiros é a sua apresentação crítica dos fatos e
de algumas personagens, o que já foi destacado no corpo desta pesquisa.
Observamos, com isso, que os romances aqui analisados podem ser
considerados mostruários do que pode ser uma literatura que expressa as Amazônias,
tendo em vista que o modo como estão estruturadas, como as personagens são
apresentadas, o espaço em que se passam as ações, o retorno a um determinado
tempo histórico, que revela ora a decadência, ora a prosperidade do povo, revelam
muito do que se tem em muitas narrativas sobre a região, desde os primeiros escritos.
Finalmente devemos reconhecer que as obras aqui analisadas refletem,
enquanto produtos sociais, o tempo histórico e o espaço em que são produzidas, no
caso a Amazônia. Porém, temos que destacar que os sujeitos nelas apresentados,
embora representem homens de determinada época, podem ser considerados
representantes do homem da amazônida de todas as épocas.
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ANEXOS
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