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6
o COMERCIO
DE
PELES
Ate
0
final
do
seculo XVI as frotas ibericas dominavam
0
Atlantico restrin
gindo a expansao de outras potencias europeias na America do Norte.
A
medida que
se desvaneceu
0
poderio espanhol os estabelecimentos europeus situados
ao
norte
ao longo do litoral prosperaram rapidamente e com essa prosperidade desenvol
veu-se
0
comercio de peles. Na busca da riqueza por parte dos europeus as peles
nao eram artigos de maior prioridade. a ouro a prata 0 a
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A EUROPA E OS POVOS
S M
HIST RlA
glaterra (Jones, 1968: 1 6 1 - 1 6 ~ : No inicio do seculo X, os vikings rus vendiam peles
de zibelina, esquilo, arminho, raposa branca e preta, marta e castor, alem de'escravos,
aos bulgaros dos meandros do rio Volga. No ana de 922 0 arabe Ibn Fadlan descreveu
graficamente a viagem dos mercadores rus, que desceram 0 Volga com zibelinas e
escravas destinadas aos mercados do Levante isHlmico. Apos os vikings, a Liga Ran
seatica, do Norte da Alemanha, criou dificuldades ao comercio de peles nas regioes
setentrionais. A part ir de urn posto de trocas situado em Bergen, eles exploraram im
piedosamente os noruegueses, fon;;ando-os a entregar e limpar grandes quantidades
de peles e peixes como
r e t r i b u i ~ a o
a pagamentos adiantados, realizando assim uma
especie de servidao internacional por dfvidas (Wallerstein, 1974: 121).
No que hoje e a Russia, as
o p e r a ~ e s
dos vikings rus promoveram
0
desenvol
vimento de Kiev e Novgorod, nos seculos IX e X. Para esses Estados, bern como para
seus sucessores, as peles tornaram-se 0 mais valioso artigo de comercio desde os pri
meiros tempos ate
0
final doseculo XVIII e para alem dessa data (Kerner, 1942: 8).
Com efeito, toda a trajet6ria da expansao russa tern sido retratada como uma busca pro
longada no sentido de dominar as sucessivas bacias hidrogr::ificas por meio do controle
do transporte que se realizava entre elas, sendo a velocidade da expansao determinada
pela e x t i n ~ a o
dos animais em cada bacia (Kerner, 1942: 30). Os russos, a exemplo de
Ottar antes deles, coletavam
s
peles por meio do tributo
iasak)
imposto as
p o p u l a ~ o e s
nativas como urn todo e de urn dfzimo sobre todas as peles obtidas por indivfduos. Es
sas peles constitufram mais tarde urn item de grande importancia nos rendimentos do
Estado russo, passando de 3,8% de todas as rendas obtidas em 1589 para 10% em 1644.
Somente quando Pedro,
0
Grande pas a Russia no caminho
da i n d u s t r i a 1 i z a ~ a o
e que
o tributo sobre as peles diminuiu de importancia. Ainda assim, ele continuou sendo a
principal c o n t r i b u i ~ a o da Siberia para a economia russa ate 0 seculo XIX.
comercio de peles nao era, portanto, urn fenameno norte-americano, mas in
ternacionaL A l i g a ~ a o entre 0 Velho e 0 Novo Mundo se dava por meio da Compa
nhia das fndias Ocidentais, sediada na Rolanda. Ate a conquista inglesa do Canada,
Amsterda recebeu uma elevada porcentagem de peles obtidas na America do Norte
e reexportou pele de castor para a Russia a tim de que fosse mais bern curtida, como
parte de seu comercio de
e x p o r t a ~ o e s
para
0
Baltico. A rede internacional de reexpor
t a ~ 6 e s impedia frequentemente a superabundancia nos mere ados europeus, sobretudo
durante as guerras travadas no seculo XVII, e manteve os p r e ~ o s estaveis atraves do
sistema internacional (ver Rich, 1955). No seculo XIX, a pele de castor tornou-se me
nos importante e foi substitufda pela lontra marinha e pela foca, exportadas sobretudo
da America do Norte
para
a China. A Russia tambem perdeu seu papel dominante
no metcado europeu de peles ao findar
0
seculo
XVII
e procurou escoadouros para
suas peles na hina e em outros pafses da Asia (Mancall, 1971: 12).
2 2
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o COMERCIO
E
PELES
Pequena effgie de castor, em cobre, procedente da bafa de Hudson, usada como marca no infcio
do
co
mercio de peles. Seu valor equivalia a uma pele de castor (foto cedida pelo Museum
of
the American
Indian, Heye Foundation).
o principal alvo do comercio norte-americano era 0 castor, sobretudo ap6s 0
decl1nio desse animal na Europa, no final do seculo XVI. Ele era procurado nao s6
pela pele como tambem pOI uma camada de Ia composta de pelos crespos e macios
que crescem pr6ximo da pele e que tinha de ser separada da pele propriamente dita
e de outros peios mais compridos e rijos. Essa
Ia
era entao transformada em feltro,
usado para a confeq:ao de chapeus e tecidos. 0 emprego da la de castor para chapeus
tornou-se especialmente importante. Na Ingiaterra, pOI exemplo, os imigrantes espa
nh6is e holandeses popularizaram
0
hiibito de usaI' chapeus em vez de capuzes de la
j no
inicio do seculo XVI. A partir de entiio, nenhuma legislagao sobre a suntuliria
conseguiu deter 0 declfnio da confecgao de capuzes. Usa-los tornou-se a marca que
distinguia as classes mais baixas. Para os de status mais elevado,
0
formato e
0
tipo
de chapeu passou a ser um barometro das filiag5es polfticas. Os Stuarts e seus par-'
tidarios deram preferencia ao castor espanhol , chapeu de copa alta, abas largas e
formato ligeiramente quadrado. Os puritanos introduziram
0
chapeu em formato de
cone, de feitro ou de castor. No perfodo da Restauragao tornou-se moda 0 chapeu de
abas largas, levemente achatado, desabado, usado na Corte frances a, enfeitado com
uma pluma. A Revolugao Gloriosa langou a moda do chapeu clerical , de abas lar
gas e reviradas, de copa baixa, cedendo lugar ao chapeu de tres pontas. Esse estilo
durou ate a Revolugao Francesa, que produziu 0 chapeu de copa alta . Apenas no
inicio do seculo XIX chapeu de peio de castor caiu de moda em favor dos chapeus
feitos de seda e outros materiais.
2 3
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EUROP E OS POVOS SEMHIsr RIA
Inicialmente, porem, nan foi a procura das peles, mas a do peixe que levou os
marinheiros europeus a navegar nas aguas
do
AtHlntico norte. 0 peixe era urn dos
ar-
tigos comerciais estrategicos na Europa medieval. Depois de seco e salgado, fornecia
as proteinas essenciais durante aqueles dias de preceitos religiosos obrigat6rios e rigo
rosos invernos. Nosseculos. XV e XVI a pesca do arenque no Baltico dedinou e
os
pescadores come9aram a explorar. os abundantes cardumes de bacalhau, ao largo das
costas do Labrador, Terra Nova e Nova Inglaterra. Os pescadores portugueses foram
talvez os primeiros a apresentar reivindicagoes oficiais sobre todo 0 litoral, embora nao
conseguissem sustenta-Ias diante do mimero crescente de competidores da Normandia,
Bretanha e Oeste da Inglaterra. No infcio os pescadores ancoravam esporadicamente
suas embarca90es no litoral e voltavam para
os
portos natais com peixe fresco pronto
para ser vendido
no
mercado. Mais tarde, porem, comC9aram a passar 0 verao na costa,
remendando suas redes e preservando 0 peixe, secando-o e defumando-o. Assim, as
praias do litoral da Terra Nova tornaram-se os acampamentos regulares e sazonais de
uma comunidade pesqueira resistente, cosmopolita e independente (Parry, 1966: 69).
o
comercio norte-americano de peles teve infcio quando esses pescadores co
me9aram a fazer permutas com os algonquinos locais. A possibilidade de explorar
as terras novas em busca de peles nao deixou de interessar os agentes da Coroa
e os colonos que exploravam litoral
da
America do Norte. A coloniza9ao efeti
va da cOsta pelos europeus do Norte, entretanto, teve de aguardar declfnio da
hegemonia maritima iberica no AtHintico, que sobreveio com a morte de Filipe II,
em 1603. Logo depois estabeleceram-se varias colonias: Jamestown, fundada em
1603 pela Virginia Company, sediada na Inglaterra; Quebec, base
da ompanhia
da Nova Fran9a, implantada nesse mesmo ano; Forte Nassau, em Albany (1614)
e Nova Amsterda (1624), ambas fundadas pela Companhia das fndias Ocidentais,
sediada na Holanda; New Plymouth (1620) e Massachusetts Bay (1630).
Entre esses estabelecimentos, Quebec e Nova Amsterda haveriam de exercer urn
papel primordial no crescimento do comercio. Cada uma dessas cidades localizava-se
nos dois lados de uma import ante estrada que ia ate a regiao das peles,
no
interior, onde
estavam as grandes riquezas. Quebec controlava 0 curso do rio Sao Louren90, que levava
it cadeia dos Grandes Lagos e seus sucessivos varadouros. Nova Amsterda controlava
rio Hudson, em dire9ao a Albany, e 0 trajeto para oeste, a caminho de Oswego, no lago
Ontario. Assim, a rota setentrional foi controlada durante muito tempo pelos interesses
franceses, enquanto acesso meridional foi mantido primeiramente pelos holandeses
e
ap6s 1644, pelos ingleses. Desde 0 infcio, portanto, 0 comercio de peles
foi
praticado
no contexto da competi9ao entre duas na90es. Ela afetou nao apenas os comerciantes
europeus mas tambem as popula90es indfgenas que Ihes forneciam peles.
Uma das principais caracteristicas do comercio foi seu nipido deslocamento
2 4
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o OMER IO
DE
PELES
para 0 oeste
it
medida que sucessivas p o p u l ~ o e s de castores eram
c ~ d s
e exter
minadas; os c ~ d o r e s
de peles tinham de penetrar cada vez mais
no
interior it pro
cura de novas regioes habitadas P f esses animais. Isso significava inevitavelmente
que
as
pessoas que sentiram 0 primeiro impacto
do
comercio de peles foram deixadas
para tras ap6s esse acontecimento enquanto novos grupos procuravam participar
dele. Em todos os lugares 0 advento do comercio teve consequencias ramificadoras
para
as
vidas de seus participantes. Ele desarranjou r e l a ~ o e s sociais e habitos cul
turais tradicionais e promoveu a f o r m ~ o de novas
r e a ~ o e s
tanto no plano interno
na vida cotidiana dos varios povos quanta no plano externo nas
r e l a ~ 6 e s
entre eles.
medida que os comerciantes solicitavam peles a sucessivos grupos pagando por
elas com artefatos europeus cada grupo repadronizava
os
seus habitos e m f u n ~ o das
manufaturas europeias. o mesmo tempo as
s o l i c i t a ~ o e s
dos europeus em torno das
peles aumentaram a
c o m p e t i ~ o
entre
os
grupos indfgenas
c o m p e t i ~ o
por novos
territ6rios de c ~ para satisfazer it crescente demanda europeia e tambem compe
t i ~ a o por acesso aos bens europeus que em breve haveriam de tornar-se nao apenas
componentes essenciais da tecnologia dos nativos como tambem signos de urn
status
diferenciado. 0 comercio de peles modificou assim
0
carater da guerra entre
as
po
p u l a ~ o e s amerfndias e aumentou sua intensidade e alcance. Levou ao extermfnio de
povos inteiros e ao deslocamento de outros que abandonaram seus habitats anterio
res. s peles nao eram 0 unico artigo fornecido pelos indios. 0 crescente comercio
de peles tambem exigia
0
fornecimento de alimentos e
it
medida que se expandiu
para
0
oeste alterou e intensificou
os
padroes mediante os quais
0
alimento era pro
duzido para os cagadores e comerciantes.
Vma reBexao sobre
0
comercio de peles como urn todo engloba portanto va
rias dimensoes. Os franceses e os ingleses interagiram entre si e com varios grupos
indigenas. Sucessivas p o p u l ~ o e s amerindias por sua vez se viram sob pressao para
fazer novos ajustamentos aos europeus e entre si mesmas. 0 alvo detodos esses con
Bitos e ajustamentos era 0 lucro a ser obtido quando se peg ava em uma armadilha
urn
animalzinho peludo que pesava cerca de meio quilo.
Povos do Nordeste
Abenaki
Entre
os
primeiros povos indfgenas com que
os
europeus mantiveram urn co
mercio de peles prolongado estavam os abenaki do Leste de fala algonquina e que
habitavam
0
litoral do Maine. Seu exemplodemonstra dois efeitos recorrentes de se-
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milh s
Rotas do comercio de pele norte americano.
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o
COMERCIO E PELES
melhante contato.
Urn
deles foi a vertiginosa
d i m i n u i ~ a o da o p u l a ~ a o
nativa.
0
outro
foi uma m u d a n ~ a na c o m p o s i ~ a o das atividades econ6micas praticadas pelos grupos
indfgenas e as
m u d a n ~ a s em
suas
r e l a ~ o e s
sociais que daf resultaram. Nos primeiros
anos doseculo XVII, os abenaki do Leste ocupavammais de vinte aldeias, cada qual
com urn chefe e uma
o p u l a ~ a o
total de
10
mil indivfduos. Em 1611 apenas 3 mil de
les sobreviviam; os demais sucumbiram as d o e n ~ a s trazidas pelos europeus, as quais
os nativos nao eram imunes. Os sobreviventes passaram a a dedicar-se cada vez mais
Ii
c a ~ a aos castores para fazer trocas
com
os europeus. Continuaram a plantar algum
milho, mas devido acurta epoca de crescimento e ao fracasso frequente das colheitas
eles se dispuseram cada vez mais a t rocar peles por alimentos, como fizeram com a
Plymouth Colony ap6s 1625.
Abandonaramo
litoral, onde anteriormente pescavam
e
c a ~ a v a m
aves marinhas, e se refugiaram
em
territorios de
c a ~ a
no interior, onde
habitava urn pequeno mlmero de
fammas.
A
c a ~ a
para essas
fammas,
tornou-se
principal esteio de seu novo ajustamento (Snow, 1976).
Nessa
m p l a n t a ~ a o
do territ6rio de
c a ~ a da
famma, os abenaki de modo algum
estavam
s6s.E
bern possfvel que antes da chegada dos europeus os c a ~ a d o r e s nativos
favorecessem determinados territ6rios de
c a ~ a
onde a praticavam durante inverno.
No entanto territorio
de c a ~ a
mantido e defendido exclusivamente
por
pequenos
grupos familiares contra outros possfveis usuarios, foi uma consequencia
da
nova e
individualizada e l a ~ a o de trocas entre
0
c a ~ a d o r de peles e
0
comerciante (ver Lea
cock, 1954). Os missionarios catolicos que vieram depois dos primeiros exploradores
tambem se beneficiaram dessa dispersao dos grandes grupos, pois ela facilitava sua
conversao na medida
em
que cada familia
se
assenhoreava
de
seu proprio territo
rio de
c a ~ a
sem seguir
rumo
tornado
por
seus vizinhos
Relat6rios dos Jesuitas,
1632,cit.
em
Bailey, 1969: 89).
Huron
Subindo rio Sao
o u r e n ~ o
os exploradores e comerciantes franceses logo es
tabeleceram
r e l a ~ 5 e s com
os huron,
de
fala iroquesa. Os huron (derivado do termo
frances hure, que querdizerdesgrenhado, briguento, selvagem) se autodenominavam
wendat e formavam
uma o n f e d e r a ~ a o de
20 a
30 mil
individuos com ml11tiplas ori
gens,
organizada
talvez
ja
no infcio do seculo XV. Dedicados primitivamente
Ii
agri
cultura, haviam se estabelecido na orIa
da
Georgian Bay, no Iago Huron, e puseram-se
a comerciar
com
os
c a ~ a d o r e s
e coletores que habitavam ao norte. Trocavam milho,
fume e canhamo indfgena
por
peles, c a m u r ~ a peixe, cobre e equipamentos de
c a ~ a
e
viagem.Os
huron encontravam-se, assim, numa
p o s i ~ a o
estrategica para expandir
ocomercio
de
peles, fazendo-o chegar aos habitantes das fiorestas setentrionais.
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EUROP EOS POVOS SEM HlST RIA
A medida que aumentava a dedicas;ao ao comercio, seu envolvimento com a
horticultura diminuiu e eles recorreram a urn fornecimento cada vez maior de milho
por parte de seus aliados, os petuns (tiontati), que habitavam a oeste, e os neutros
(attiwandaron, que significa aqueles que falam uma lingua ligeiramente diferente ),
moradores da faixa de terra situada entre os lagos Ontario e Erie. Dos habitantes das
florestas do Norte eles recebiam a eficiente canoa feita com a casca
da
betula, que se
tornou meio preferido de transportar grandes quantidades de pele rio abaixo para
as feiras anuais de Montreal. m certa epoca a lingua huroniana tornou-se a lfngua
franca dos Altos Grandes Lagos e de certas regioes do Canada. Ate serem dizimados
pelos iroqueses em 1648, os huron foram os principais agentes e beneficiarios do co
mercio frances com
0
interior e
0
principal suporte das operas;oes militares frances as
empreendidas na regiao:
Houve varios motivos que explicam 0 sucesso dos huron nesse papel. Eles ocu
pavam uma regiao estrategica para as trocas, situada entre a zona bi6tica ao suI, que
favorecia cultivares como milho, feijao, a ab6bora e furno, e a zona ao norte,
ocupada pelos cas;adores e pescadores. Tais trocas antedataram de varios seculosos
contatos
com
os europeus, remontando talvez ao estfmulo proporcionado pela hor
ticultura praticada por volta do ana 1200 de nos sa era (McPherron, 1967). Quando
o comercio de peles penetrou na regiao,
ja
existiam mecanismos que permitiam e
facilitavam as trocas de mercadorias, as quais se poderia acrescentar a pele do cas
tor e de outros animais. a padre Jean de Brebeuf, escrevendo em 1636, afirmou que
certos circuitos de troca eram dominados por determinadas linhagens familiares e
tinham de ser ativados
por
urn mestre , cujo papel era hereditario.
Transas;5es de todos os tipos foram acompanhadas por trocas
de
presentes como
sinais de amizade. Tais dtidivas faziam parte das cerimonias de cura e das festas di
plomaticas (ver Wright, 1967). a mais notavel
e
que a troca de presentes em grande
escala acompanhava a
Festados
Mortos, realizada mais ou menos a cada decada, com
o objetivo de enterrar os restos dos que tinham morrido desde a ultima festa. Nessas
ocasioes eram empossados os sucessores dos chefes mortos e nomes destes transferidos
para aqueles.
s
rituais serviam assim para garantir a continuidade
da
liderans;a dos
grupos locais de descendencia e ao mesmo tempo proporcionavam a oportunidade de
trocar presentes entre os chefes desses grupos. Eles enfatizavam a identidade e
0
que
havia de caracterfstico nesses grupos, ao mesmo tempo em que estabeleciam simulta
neamente las;os de alians;a entre eles. Nessas ocasiOes poderiam juntar-se membros de
diferentes grupos lingtiisticos e polfticos, a exemplo da festa presenciada pelo missiona
rio frances Lalemant
em
1641
em
Georgia Bay, quando os nipissing 10cais convidaram
duas mil pessoas procedentes de regi5es remotas (Sault, no extremo oeste, e Huronia,
no extrema leste). Foi consideravel a quantidade de bens ofertados: peles, indumenta-
2 8
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o
COMERCIO E PELES
ria, contas e mi((angas, armas. Nessa ocasiao,diz Lalemant, so os presentes que os
nipissirianos deram as outras na 5es teriam custado na Fran((a quarenta ou ate mesmo
cinqlienta mil francos (cit. em Hickerson, 1960: 91). Essa troca de presentes, que en
carnava la os de alian((a e reconhecimento do status de chefia, tornou-se amplamente
difundida e concomitante ao comercio de peles, a medida que este avan((ava para as
regi5es do interior, por iniciativa dos huron. Adotada primeiramente pel9s povos de
fala algonquina dos Grandes Lagos, chegou ate os cree, a oeste do lago Superior,e dos
cree passou para as Grandes Planicies no final do seculo XVII (Nekich, 1974).
Jroqueses
Os
holandeses de Nova Amsterda e os ingleses que lhes
sucederamem
1644
encontraram, na bacia de drenagem do rio Hudson, outros povos horticultores que pas
saram a ser conhecidos dos europeus pela designayao de iroqueses , versao francesa
de urn termo algonquino que significa serpente verdadeira . Os iroqueses estavam
organizados em uma confederayao que eles denominaram Ganonsyoni ( A cabana de
extensao longitudinal ). As cinco na((5es ou conjuntos de matrilinhagens que inte
gravam essa confederayao eram as seguintes: os mohawk (de Uma palavra algonquina
que designa
0 canibal ), os quais se autodenominavam ganiengehaga ou povo
da
pederneira ; os oneida; os onondaga; os cayuga e os seneca, termo derivado de
sin-
neken a equivocada interpretayao holandesa de uma versao mahicana do termo iro
ques que designava os oneida. Logo no inicio do seculo XVIII os oneidapermitiram
o ingresso dos tuscarora na ~ o n f e d e r a a o . Para os de fora, a confeder 0 pas sou a
ser conhecida como as SeisNa((oes , embora os tuscarora jamais tivessem direito
de participar de seus conselhos. Os dados disponiveis indicam que os iroqueses ti
nham residido havia muho naquela regiao. m epocas historicas, cada uma das cinco
nayoes controlou seus proprios agrupamentos, campos, florestas e territorios de cal(a.
Embora ligadas por uma organizayao politica, havia entre elas diferenl(as culturais e
lingiiisticas. As linguas dos varios aglomerados eram mutuamente ininteligiveis, e os
neg6cios da confederal(ao eram conduzidos unicamente por chefes poliglotas.
A confedera((ao iroquesa surgiu provavelmente no seculo XV, como
um
meio
de reduzir conflito e a guerra entre os vlirios agrupamentos.
m
breve, porem,
crescente comercio de peles proporcionou a esses agrupamentos urn interesse con
vergente que se sobrepunha a tudo. Embora castor nao fosse comum no territorio
iroques e tenha se tornado cada vez mais raro, como real(ao ao
aumentoda
caya, os
iroqueses em breve se deram conta de que seu futuro, separado e coletivo, dependia
daquele animal. A fim de aumentar seu proprio acesso as peles, entretanto, eles tive
ram antes de mais nada de reduzir ou eliminar a competiyao deseus vizinhos. Apoia-
209
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A EUROPA E OS POVOS SEM HlST RlA
dos pe10s holandeses e, mais tarde, pelos ingleses,promoveram uma serie de guerras
dizimadoras contra seus rivais, apoiados pelos franceses. Depois que uma epidemia
de variola debilitou os huron em 1640,
os
iroqueses atacaram e destrufram Huronia
como entidade separada em 1648.
m
1656 arrasaram a
Nalao
Neutra e os erie.
m
1675 os
mowhak atacaram a confederalao dos algonquinos, formada para se opor aos
colonos ingleses da Nova Inglaterra. Nesse mesmo ana os seneca, coligados aosco-
lonos ingleses de Maryland e Virgfnia, puseram fim as amealas dos susquehannock,
que controlavam 0 vale central da Pensilvilnia. Em 1680 as Cinco Naloes declararam
guerra aos illinois, visando impedir-lhes os contatos com os franceses.
Apesar da escala das operaloes militares dos iroqueses, 0 mlmero de guerreiros
envolvidos nessas
aloes
nao era muito elevado.
m
1660 um sacerdote jesufta estimou
que os mohawk podiam mobilizar quinhentos guerreiros, os oneida menos de cem, os
onondaga; trezentos, os cayuga, trezentos e os seneca menos de mil cit.
em
Trelease,
1960: 16). 0 que possibilitou a capacidade militar dos iroqueses foi 0 acesso cada
vez maior as armas de fogo, comerciadas com
des
principal mente pelos ho1andeses
e ingleses. Em
1660 cada guerreiro provavelmente tinha seu pr6prio mosquete, e 0
poder de fogo superior, juntamente com 0 recurso a proezas individuais nas guerras
de guerrilha, garantia-lhe superioridade sobre seus vizinhos Otterbein, 1964)
. 0
ingresso no comercio de peles e a guerra intensificada provocaram outras
mudanlasna ecologia e na organizalao social dos iroqueses. A base economica da
vida iroquesa antes do crescimento do comercio de peles era a horticultura e a
cala
A primeira estava sobretudo nas maos das mulheres, embora os homens ajudassem
a limpar 0 lCrreno durante 0 cicIo das queimadas. Ate hoje se desconhece qual a
composilao social desse grupo que preparava 0 terreno, mas outras tarefas ligadas
ao cultiyo eram desempenhadas pelo conjunto das mulheres
da aldeia, guiadas pela
principal matrona da linhagem dominante; as matronas de outros ramos da linha
gem agiam. como suas auxiliares imediatas. Os direitos ao uso da terra, bem como
os implementos empregados no cuItivo e no processamento dos alimentos, eram her
dados
atravesda
linha feminiria. Do mesmo modo, a distribuilao da produlao estava
nas maos das mulheres. 0 peso desses papeis econ6micos conferia as mulheres uma
autoridade considenivel, ja que podiam usar sua capacidade de fornecer alimentos e
mocassins para vetar as atividades guerreiras que nao aprovassem Randle, 1951: 72).
Esse peso tambem lhes conferia 0 exercfcio da hospitalidade por ocasiao dos festejos,
atividade considerada importante para solidificar alianlas entre os agrupamentos fa
miliares Brown, 1975: 247-248; Rothenberg, 1976: 112). Alem do mais, as mulheres
eram
as proprietarias das cabanas onde residiam varias famflias
eexerciam 0
direi
to de nomear conselheiros que participavam do Conselho das Cabanas Compridas.
cala
e a guerra competiam aos homens; e essas atividades se tornaram cada
21
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11/42
o OMER IO
E
P L S
vez
mais importantes a medida que
os
iroqueses se
envoIvi
am mais profundamente
no comercio de peles e ficavam cada
vez mais dependentes dele. As mercadorias que
faziam parte do comercio europeu, presumivelmente trocadas por peles, surgiram nas
localidades iroquesas
j
em
1570,
e um seculo mais tarde
os
iroquesesapoiavam-se
quase completamente no comercio e nas dadivas diplomaticas a fim de obter armas,
artefatos de metal, panelas, roupas, j6ias e bebidas alc06licas. Por volta de
1640
0
castor
j
estava quase extinto no territorio iroques, e foi necessario penetrarcada vez
mais nos territorios dos vizinhos e de seus inimigos para obter os recursos que lhes
permitiriam pagar as
commodities
europeias ou entao para guerrear com 0 fim de
recompensar as dactivas diplomaticas que Ihes eram feitas. A
s e p a r a ~ a o
dos papeis
masculinos e femininos aumentou com 0 crescimento do comercio de peles e a inten
s i f i c a ~ o
dos envolvimentos dos estrangeiros; freqtientemente os homens ficavam fora
durante anos, a procura de peles e inimigos, enquanto as mulheres permaneciam rnais
fortemente ligadas a suas
r o ~ a s
E possivel que os iroqueses se tenham tornado cada
vez
mais matrilocais ap6s 0 infcio do seculo XVII (Richards, 1957), como
r e a ~ a o
a
esse crescente b i f u r c a ~ a o
de
atividades.
Tambem parece provavel, segundo Richards, que as mulheres assumissem gra
dualmente 0 direito de adotar cativos nas matrilinhagens locais,
f u n ~ a o
que se tornou
vital a medida que os iroqueses procuravam substitutos para os homens mortos na
guerra. Em
1657
dizia-se dos seneca que eles abrigavam mais estrangeiros do que
naturais da regiao . Em
1659
jesuita Lalemant escreveu: Se alguem computasse
o
lI mero
de iroqueses de sangue puro, teria dificuldade de encontrar mais de
1 200
deles em todas as Cinco N a ~ 5 e s pois em sua maioria eles sao apenas um agregado
das diferentes tribos que conquistaram . Dois t e r ~ o s dos oneida eram algonquinos
e huronianos em 1669. Os jesuftas chegaram a queixar-se de que se tornara diffeil
pregar aos iroqueses em sua propria lingua (Quain,
1937: 246-247).
Esse fato tem algumas notaveis
i m p l i c a ~ 5 e s .
Ele aponta para a possibilidade de
que, ao longo do comercio de peles e quando as guerras aumentaram, as formas de
f i l i a ~ a o
relativas ao parentesco permaneceram as mesmas, porem seu significado e
f u n ~ a o
passaram por grande
m u d a n ~ a .
Quando os europeus chegaram a America,
0
Conselho das Cabanas Compridas constituia basicamente uma liga de grupos locais
que cuidavados interesses locais no que se referia as terras cultivadas e a outros re
c u r s ~ s bem como impedia que as disputas locais se transformassem em rixas e em
guerra.
No
entanto, cada vez mais a
c o n f e d e r a ~ a o
dos iroqueses se viu atuando como
uma
a s s o c i a ~ a o
de comerciantes de peles e de guerreiros, algumas vezes de.origens
muito diferentes,
em
r e l a ~ a o aos imperativos translocais do comercio de peles e
as
lutas politic
as
entre sistemas de Estado europeus e rivais. William Fenton referiu-se
a Liga como um Estado baseado no parentesco , ligando assim dois conceitos fre-
2
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
12/42
A EUROPA E OS POVOS SEM HIST RIA
qiientemente tratados como incompatfveis. A c o n f e d e r ~ o dos iroqueses talvez se
caracterizasse melhor como uma
s s o c i ~ o
que tentou usar as formas de parentesco
tendo em vista
u n ~ o e s
associativas. Poderia inclusive ser encarada como
um
paralelo
indfgena
a
estrutura das companhias de comercio europeias, que tambem combinavam
f u n ~ o e s
economicas com u n ~ o e s polfticas. Quanto a essa caracteristica, os iroqueses
podem ser comparados aos aro, habitantes da regiao do baixo Niger na Africa ociden
tal, que tambem utilizavam os mecanismos de parentesco e
0
ritual para organizar
e dominar tnlfico de escravos local ver Cap. 7). A exemplo dos aro, os iroqueses
nao formavam um Estado, mas uma
s s o c i ~ o
baseada em f i l i ~ o e s de parentesco
que se desenvolveu como
r e ~ o
a pressoes polfticas e economicas translocais.
A continua base de parentesco da confederaC ao era a fonte de sua forC a e tambem
de sua fraqueza. Vimos que as iroquesas detinham
0
direito de nomear os membros
masculinos de suas matrilinhagens para o s i ~ o e s no Conselho, entre os onondaga. Essas
posiC oes
estavam associadas a cinqiienta titulos ou nomes que eram controlados pelos
ramos maternos. E mportante notar que os conselheiros sempre foram grandes porta
vozes dos interesses e sentimentos locais. Quando falavam no Conselho faziam-no nao
em seu
proprio nome, mas no interesse dos que eles .representavam com base no paren
tesco. AconfederaC ao, portanto, nao
era
jamais um instrumento polftico monolitico.
Ela funcionava sobretudo para reduzir os conftitos internos e as rixas entre conjunto
de aldeias e obteve alguma u r i s d i ~ o em se tratando das negociaC oes com os embai
xadores e agentes estrangeiros. Ela podia declarar guerra no interesse da confederaC ao
como
um
todo, porem as decisoes Hnham de ser unanimes. Um caso em torno do qual
houvesse desacordo tinha de ser posto de lado e resolvido pelas aC oes de uma ou outra
aldeia. Muitas das atividades da confederaC ao eram cerimoniais, como os conselhos
de condolencia, quando os conselheiros mortos eram pranteados e se nomeavam novos
conselheiros.
GraC as
a esses rituais os titulos e a unidade do Conselho eram perpetu
ados no plano ideologico, mesmo quando interesses divergentes passavam a dividir os
representados em
r e l ~ o
a questoes economicas, sociais, polfticas e religiosas.
As dissenC oes no Conselho aumentavam
a
medida que a guerra se intensifica
va. Como observou Quain,
quando a guerra, sob 0 estfmulo do contato europeu, tomou-se parte da rotina diaria, os Jfderes guerreiros
transformavam a popularidade militar em uma vantagem poiftica que os beneficiava e assumiam 0 principal
papel governamentaL 0 equilibrio do poder entre os caciques e os chefes guerreiros, que, anteriorruente,
parece ter pes ado fortemente a favor dos primeiros, foi alterado de tal modo que os intuitos de cooperas;ilo
do governo dos caciques deixaram de ser significativos 1937: 267).
Em ultima
analise nao
existiu mecanismo algum que cancelasse uma dissiden
cia real ou potencial. Assim eque as e l ~ o e s entre os mohawk, habitantes do Leste,
2 2
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
13/42
o OMER IO
E
PELES
e os seneca, do Oeste, eram freqiientemente tensas, a tal ponto que quase eclodiu
uma guerra entre as duas
nar.:cles
em 1657. Os seneca e
os
onondaga muitas vezes
se rejubilavam com os ataques dos franceses aos mohawk
eestes
por sua vez,abs
tinham-se de ajudar
os
seneca e
os
cayuga em suas guerras contra os susquehanna.
Ocasionalmente urn
ou outro grupo de aldeias assinava com os representantes fran
ceses e ingleses acordos em separado que nao inclufam as demais aldeias. S6 rara
mente havia uma agao unificada por parte daconfederagao, e por esse motivo ela
nao conseguiu formar uma frente comum que se dispusesse a romper 0 equilfbrio
dos franceses, que lutavam contra os ingleses. Como observou Allen Trelease (1960:
342), a dificuldade estava no fato de que os conselheiros nao tinham nem a deci
sao nem poder de provocar coerentemente essa ruptura . A mesma incapacidade
de formular e seguir uma polftica comum tamMm prejudicou os iroqueses durante a
Revolu9ao Americana. Os mohawk e
os
onondaga dividiram-se internamente; alguns
deram apoio aos rebeldes americanos e outros aos anti-separatistas pr6-ingleses. Os
cayuga e os seneca foram a favor dos ingleses, enquanto os oneida e os tuscarora
ajudaram os american os, apesar da declara9ao oficial de neutralidade.
Convem portanto nao superenfatizar a unidade politica
da
confederagao iro
quesa ou imputar-Ihe qualquer estrategia de monop6lio do comercio de peles. II
claro que
0
acesso ao castor era de importancia primordial para
os
iroqueses, mas
eles obtiveram esse acesso ou ocupando os territ6rios de caga de seus vizinhos ou
se apoderando das peles coletadas e transportadas por outros, Embora despojassem
os huron de seu papel de intermediarios no comercio de peles,
os
iroqueses foram
incapazes de impedir a transferencia desse papel para
os
ottawa, vizinhos dos huron
ao oeste. Seu potencial militar era consideravel, mas talvez nilo tivesse sido suficiente
para frear uma invasao europeia caso
os
franceses e os ingleses nao compartilhassem
urn interesse comum em permitir que os iroqueses desempenhassem 0 papel de urn
amortecedor entre eles. Ao armar os iroqueses, os ingleses podiam impedir
0
acesso
dos franceses aos ottawa e aos territ6rios
e
caga dos Grandes Lagos. Por sua vez,
os
franceses perceberam que era de seu interesse enfraquecer os iroqueses, mas
nao ve-Ios inteiramente derrotados , como declarou
0
barao de Lahontan por volta
de 1700 (cit. em Trelease, 1960: 246, n. 44). 0 relacionamento entre os franceses e
os iroqueses era extremamente paradoxal na medida
em
que, embora
os
iroqueses
constitufssem a maior ameaga economica e militar ao Canada, eram tambem 0 unico
fator que impedia Albany de estabelecer
urn
relacionamento direto com
os
ottawa e
assim, impossibilitar
0
comercio canadense de peles (Trelease, 1960: 246).
Com efeito, se acaso tivesse sido aberto urn caminho direto entre Albany e 0
Oeste, a Nova Franga poderia ter competido com Nova York. Os ingleses tinham
a vantagem de contar com custos mais baixos no que se referia
a
manufatura e ao
213
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
14/42
EUROPA
E OS POVOS SEMHIST6R A
despacho de mercadorias, taxas mais baixas de impostos, mercadoria de melhor qua
lidade e aces so ao rum
barato procedente das fndias Ocidentais.
m
1689
eram
ne
cessarias cinco peles de castor para obter
uma
espingarda em Montreal, mas apenas
uma delas para obter a mesma arma em Albany; duas peles de castor para conseguir
urn cobertor vermelho ou branco em Montreal, mas apenas uma em Albany. Uma
pele de castor vendida em Albany rendia seis litros de rum indfgena, ao pas so que
em Montreal, com 0 produto da venda dessa mesma pele, nao se poderia comprar
nem mesmo urn litro de conhaque (Trelease, 1960:
217
n. 27). 0 mesmo diferencial
ainda se fazia notar no seculo XVIII, quando Cadwallader Colson 0 resumiu dizendo
que os comerciantes de Nova York podem vender suas mercadorias nos territorios
dos indios
por
metade do
p r e ~ o
que povo do Canada vende, e seu lucro e duas
vezes maior (ver Washburn, 1964: 153). A p r e s e n ~ a dos iroqueses protegia assim 0
comercio com 0 Oeste, apesar de eles serem habitualmente inimigos.
Por outro lado, os iroqueses podiam jogar os franceses e os ingleses uns contra
os outros. No entanto esse jogo diplomatico raramente ocorreu no nivel da confedera
~ a o . m vez dis so, alguns grupos apoiavam ora os franceses, ora os ingleses. Apenas
os mohawk se mostraram coerentemente solidarios com a causa inglesa. Outros, como
os seneca, chegaram a lutar pelos franceses no seculo
XVIII
e, apoiados por estes,
tomaram parte do lev ante de Pontiac, direcionado contra os ingleses (1763-1764).
Esses diferentes envolvimentos com os estrangeiros acabaram prejudicando a
unidade dos iroqueses. A Guerra da Independencia jogou urn grupo contra outro. As
f a c ~ 6 e s no interior de cada grupo, tambem opunham parentes entre si. Isso deixou
a
c o n f e d e r a ~ a o
debilitada e dividida; ela prosseguiu em uma base cerimonial, mas,
com a vitoria americana, perdeu suas principais
f u n ~ e s
militares e polfticas. Os
iroqueses partidarios dos ingleses mudaram-se para Canada, onde seus descen
dentes ainda vivem.
A confederayao dos iroqueses revelou assim suas fraquezas essenciais. la foi
capaz de dirimir os conflitos entre os grupos enquanto eles nao se tornavam insu
peraveis. Revelou-se capaz de opor uns contra os outros os interesses das potencias
estrangeiras rivais, juntamente com seus aliados indios, mas nao conseguiu desenvol
ver
uma
estrategia conjunta diante do adversario dominante. Os layos que a ligavam
eram os do parentesco e do cerimonial. Ao promover
0
ritual dos conselhos de con
dolencia, a confederayao recorria ao padrao, difundido entre as tribos vizinhas, de
comemorar a morte dos chefes e anunciar seus sucessores. Para os huron, a Festa
dos Mortos atendia ao mesmo objetivo, colocando os participantes
em uma
relayao
de alianya. Reencontraremos esse padrao entre. os ottawa e os grupos aliados. m
casos
como
esse, a coesao
era
criada por mei.Qs rituais. 0 ritual podia engendrar
layos polfticos viaveis enquanto os interesses polfticos atuassem
em
uma direyao
214
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
15/42
o COMERCIO E
PELES
comum. Nao podia, entretanto, fornecer a esses povos, envolvidos nas c o n t r a d i ~ o e s
do comercio e da politica, quaisquer mecanismos que tornassem 0 consenso tempo
nirio algo que os unisse. Sofisticados como eram em questoes ligadas ao conselho e
a
guerra, os iroqueses nao conseguiram criar urn Estado
e
ao competirem com en
tidades politicamente mais centralizadas, viram-se em desvantagem.
as
Povos dos Grandes Lagos
Embora jamais conseguissem monopolizar 0 comercio de peles a oeste do bai
xo
rio Sao L o u r e n ~ o os iroqueses exerceram enorme influencia sobre os povos que
habitavam a regiao dos Grandes Lagos.
Os
huron que nao foram mortos U absorvi
dos pelos iroqueses fugiram em
d i r e ~ a o
ao oeste. Os iroqueses tambem expulsaram
de suas terras os potawatomi, os sauk,
os
fox os kickapoo, os mascouten e parte
dos illinois, todos eles habit antes das pradarias e plantadores de milho. Esses povos
foram deslocados da regiao do baixo Michigan e Ohio, ao norte do rio Ohio, para
o lado ocidental do lago Michigan. Ali eles ingressaram no comercio de peles por
meio e intermediarios potawatomi e ottawa, no posto comercial frances estabelecido
em Green Bay em 1634. Nenhum desses povos era nativo daquela regiao, e nenhum
deles, como se sugeriu, se fixou ali para se aproveitar basicamente da ocorrencia
do
arroz silvestre. 0 ima que os atraiu para Green Bay
foi
0
comercio de peles;
a f o r ~ a
que os expulsou de seu habitat original foram os iroqueses (Wilson,
1956).
o
papel de intermediarios, desempenhado pelos huron, passou sobretudo para
os ottawa, assim denominados a partir do termo algonquino adave. Esse termo, fa
miliar para muitos individuos de fala algonquina e de f i l i ~ o e s diversas, serviu de
camuflagem para muitos grupos de fala algonquina que abandonaram suas proprias
atividades de subsistencia em favor do comercio de peles, mudando-se para
0 oeste
em busca de territorios de c a ~ a e chegando em
1660 a
ongfnqua bafa de Chequame
gon. Em
1683,
dois
t e r ~ o s
de todas as peles que chegaram aos franceses passaram
pelas maos dos ottawa (Peckham,
1970:
6).
Outros grupos tambem c o m e ~ a r a m a se deslocar para 0 oeste em busca das
peles.
J6
em 1620, grupos de indivfduos de fala algonquina, que usavam nomes de
animais como Urso ou Grou, c o m e ~ a r a m a convergir para 0 rio Sault Sainte Marie,
que liga 0 lago Huron ao Superior por meio de cachoeiras. Os franceses chamavam
essas cachoeiras de
sault
e os habitantes da regiiio,
saulteursou salteaux.
Essa re
giiio era 0 ponto de encontro ideal para os comerciantes de peles, ja. que fornecia
recursos alimentares abundantes e de facil aces so, tais como peixes. Em breveaos
grupos de saulteur juntaram-se fugitivos dos iroqueses e contingentes de indivfduos
215
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16/42
A EUROPA E S POVOS SEM HIST6RIA
identificados de modo variavel como potawatomi, cree, algonquino e winnebago. Aos
poucos
0 termo
saulteurs
foi sendo substitufdo pelo nome de urn dos grupos locais,
outchibous
ou ojibwa.
Essas fus6es e mudanr;as de identidade sao casos ilustrativos de urn processo
mais geral desencadeado pela intensificar;ao do comercio de peles na regiao do Leste
subartico. Pequenos grupos locais, com nomes localizados,
deslocaram-se, a maioria deles em
dire
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
17/42
o COMERC1 DE PELES
reproduzia, em cada aldeia,
0
poder da a s s o c i a ~ a o como urn todo. o mesmo tem
po, mito fundador d associat;ao proclamava que ela havia side formada antes dos
emblemas ou totens do grupo de descendencia e, assim, tinha priori dade sobre qual
quer grupo de descendencia locaL A associat;ao baseava-se em uma graduat;ao, e os
membros passavam de graus mais baixos a graus mais elevados e dos nfveis mais
baixos aos nfveis mais altos do conhecimento sagrado mediante pagamento a indi
viduos devidamente autorizados.
A riqueza era assim urn pre-requisito para a promot;ao na associat;ao. A desig
nat;ao para a liderant;a implicava e s f o r ~ o s bem-sucedidos na guerra e no comercio
de peles. Alem do mais, a sociedade era translocaL Seus lfderes e sacerdotes eram
ao mesmo tempo os portadores do mais elevado tipo de conhecimento sagrado e os
arbitros das r e l a ~ o e s sociais e juridicas
nag
aldeias recem-implantadas. TamMm tra
tavam com os forasteiros - comerciantes, funcionarios do governo e missiomrrios. Na
esteira do comercio de peles, os sfmbolos caracterfsticos dos grupos de descendencia
apoiavam-se assim no desenvolvimento de uma igreja translocal, fornecendo urn
mecanismo para controle social e ideo16gico de grandes populat;oes agregadas que
se reuniam durante os meses de inverno.
A Expansao para Oeste
Ate ultimo tert;o do seculo XVII as peles da America do Norte chegavam
a
Europa basicamente atraves das rotas dos rios Sao
o u r e n ~ o
e H u o ; ~ Em 1668,
porem, abriu-se nova rota de comercio, dessa vez pelo norte, quando a The Governor
and Company and Adventurers of England, que desenvolvia suas atividades comer
ciais na baia de Hudson, construiu urn estuario no rio Rupert, que desagua na bafa
de James. 0 forte passou a ser conhecido como Rupert's House, e a companhia como
a Hudson Bay Company. Seguiram-se rapidamente outros postos, que atrafram
os
cree os assiniboin, de fala dos sioux. Num perfodo anterior eles estavam em guerra
com os cree, mas agora se aliavam a eles contra seus pr6prios parentes, os yanktonai.
A grande atrat;ao oferecida pela Hudson Bay Company eram as espingardas, sendo
que mais de quatrocentas foram comerciadas anualmente entre
1689
e
1694
(Ray,
1974: 13). Muito embora os armamentos fornecidos se revelassem inuteis depois de
quebrar, sua posse conferiu aos cree e aos assinibon uma vantagem declarada sobre
seus competidores, os sioux dakota ao sui,
os
gros ventres e
os
blackfoot a sudoeste
e os grupos de fala atabasca ao norte.
Os franceses, que agora receavam ser vftimas de urn cerco, procedente nao
s6
d
baia de Hudson como tambem de Nova York e da Nova Inglaterra,iniciaram
217
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
18/42
EUROP E OS POVOS SEMHIsr RIA
uma guerra feroz pel a posse dos fortes situados
ao
longo da baia e tentaram jogar
os dakota contra os postos de comercio ingleses. Em
1713
porem 0 Tratado de
Utrecht concedeu a baia Inglaterra. Equipados com armamento ingles os cree e
os assiniboin aumentaram sua pressao sobre os dakota. Os franceses por sua vez
c o m e ~ a r a m
a abrir postos de comercio e miss5es religiosas no oeste e a estabelecer
contatos diretos com as
p o p u l a ~ 5 e s
indigenas dos novos territ6rios de
c a ~ a
numa
tentativa de contrapor-se ao a v a n ~ o da Hudson Bay Company ao norte bern como
o v i m e n t a ~ a o dos comerciantes da colonia de Louisiana ao suI. Assim agindo os
franceses simples mente despertaram as suspeitas dos ojibwa de que estavam pres
tes a perder seu papel de intermedilirios para os dakota. Os ojibwa inc1uindo os de
Chequamegon uniram-se aos assiniboin e aos cree em uma guerra sanguinolenta
contra os dakota expulsando-os das regi5es que ocupavam em Minnesota e no Norte
de Wisconsin. Os cree e os assiniboin por sua vez expandiram-se no territ6rio dos
atabasca chegando ao rio Churchill ate que a abertura do Forte Churchill em 1717
possibilitou a estes liltimos
0
acesso a armas pr6prias.
Os conflitos entre os dakota e os ojibwa cree e assiniboin nao eram simplesmen
te disputas entre povos indigenas mas uma
m a n i f e s t a ~ a o
norte-americana do conflito
global entre a r a n ~ a e a Inglaterra. Na India a Companhia das Indias Orientais fran
cesa e a Companhia das Indias Orientais inglesa travavam uma guerra nao-dec1arada
ate que a i r r u p ~ o da Guerra dos Sete Anos em 1756 acarretou urn confronto direto
entre as duas potencias e seus aliados. 0 Tratado de Utrecht garantia Inglaterra a
posse da baia de Hudson mas no intervalo entre
1713
e 1756 os franceses haviam
fortalecido
i>ua
p o s i ~ a o solidificando a 1 i a n ~ a s com grupos indigenas fundando Nova
Orleans para abrir 0 rio Mississipi a v e g a ~ a o pelo mar e construindo 0 Forte Du
quesne em Pittsburgh a fim de consolidar 0 seu dominio sobre Ohio. A tentativa dos
ingleses em
1775
de tomar 0 forte fracassou totalmente. Durante
s
sete anos de
guerra que se seguiram os ingleses derrotaram decisivamente
os
franceses em tres
continentes. Na India Clive pos os franceses e seus ali ados em debandada em 1757.
No ana seguinte os ingleses se apoderaram do Forte Duquesne mudando seu nome
para Forte Pitt em homenagem ao primeiro-ministro ingles. Em 1759 a marinha in
glesa causou pesados danos marinha frances a
ao
largo do litoral da F r a n ~ a . Em
1760 os ingleses tomaram a cidade de Quebec. Com 0 Tratado de Utrecht em
1763
a
F r a n ~ a entregou 0 Canada aos ingleses e a regiao do alto Missouri aos espanh6is.
Mudanfas no Comercio de Peles
Ao longo da segunda metade do seculo XVIII 0 comercio de peles difundiu-se
na regiao drenada de Saskatchewan. Isso acarretou uma serie de m u d a n ~ a s todas elas
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o COMERCIO E PELES
interligadas. Houve uma modificas;ao da logistica do comercio e em conseqiiencia,
mudans;as na estrutura intern a dos grupos indfgenas nele envolvidos e m u d a n ~ a s no
relacionamento entre comerciantes e
c a ~ a d o r e s
Antes dessa epoca, as rot as
do
co
mercio de peles haviam seguido as linhas naturais de penetras;ao, partindo do litoral
leste ate os rios, ao longo das cadeias de lagos e atravessando os mares interiores.
Os
principais fortes e entrepostos comerciais foram implantados nas cabeceiras dessas
rotas mariti mas ou ftuviais. Agora se faziam esfors;os no sentido de abrir certas rotas
que ultrapassassem a linha divis6ria situada entre as regioes drenadas do Atlantico
e
do
Pacifico. Essas tentativas tambem deixaram para tnis as bases de suprimento
do baixo rio Sao
L o u r e n ~ o
bern como os territorios de pesca e as areas onde se cul
tivava milho, nas margens dos Grandes Lagos, para penetrar em uma regiao que
exigia novos meios de transporte.
Juntamente com essas novas exigencias ecologicas, houve m u d a n ~ a s na organ -
z a ~ a o do comercio. Ate meados
do
seculo XVIII, as companhias de comercio haviam
se contentado, no que dizia respeito a entrega das peles, em apoiar-se na cooperas;ao
dos intermediarios indfgenas. Essa cooperas;ao, entretanto, satisfazia somente em
parte as necessidades das companhias, pois enquanto os grupos de intermedhirios
fossem aut6nomos as companhias poderiam exercer apenas urn controle marginal
sobre suas relas;oes politicas e sociais, incluindo suas
alianSfas
e conflitos. As com
pan hi as procuravam assim descartar-se dos intermediarios, estabelecendo contato
direto com produtor basieo, isto e os caSfadores e coletores de peles. Assim, os
comerciantes penetraram cada vez mais diretamente no interior para controlar
for-
necimento de peles em sua fonte.
Revolta
e
Pontiac
Essas mudans;as no comercio, coincidindo com a Guerra Franco-inglesa, re
sultaram em uma grande rebeliiio indfgena, a revolta de Pontiac, em
1763.
Pontiac
era urn indio ottawa, membro
do
principal grupo de intermediarios da regiao dos
Grandes Lagos. Em meados do seculo XVIII os ottawa passaram a depender enor
memente dos comerciantes europeus, tendo em vista 0 prosseguimento de seu papel
como intermediarios e fornecimento das manufaturas europeias. Ao mesmo tempo,
a
penetraSfao
direta
do
interior pelos comerciantes de pele europeus estava
ameaSfan-
do
sua posiSfao privilegiada. Tornava-se cada vez mais claro que os europeus tinham
chegado para ficar, nao mais como hospedes dos indfgenas, mas como moradores
permanentes, prontos para apoderar-se da morada inteira. Esse dilema , dependen
cia em r e l a ~ a o aos pr6prios agentes que tambem estavam minando suas possibili
dades de sobrevivencia, produziu vigorosas correntes
e
resistencia ideo16gica entre
219
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20/42
A EUROPA E OS POVOS SEM
HlST RlA
os p V S
indigenas das regioes de floresta do Leste. Profetas pregavam a reforma
moral, juntamente com apelos para expulsar os colonizadores intrusos. 0 levante de
Pontiac foi
ao
mesmo tempo uma
r e a ~ a o
mfstica a mensagem do Senhor da Vida e
uma
e a ~ a o
militar a decisao dos ingleses de que os ottawa, dali por diante, teriam de
sustentar suas farrn1ias por meio de 'urn meio industrioso de vida', sem qualquer outra
assistencia (Jacobs, 1972: 81; ver tambem Peckham, 1970; Wallace, 1970: 120-121).
Arevolta aderiram os shawnee, os ojibwas, os huron, os miami, os potawatomi e os
seneca. Apos os triunfos iniciais, 0 movimento fracas sou quando os rebeldes nao con
seguiram apoderar-se dos principais fortes ingleses em Detroit, Niagara e Pittsburgh.
Insuficientemente abastecidos de armas e
m u n i ~ a o
abandonados pelos franceses, que
celebraram uma paz
em
separado com a Inglaterra naquele ano,
os
rebeldes se viram
as voltas com dissidencias e d e f e c ~ 6 e s internas
Os Atabascas o Noroeste
Enquanto grupos de intermediarios estavam sendo exc1uidos de seu papel estra
tegico no comercio de peles, novas
p o p u l a ~ 6 e s
que moravam a oeste da baia de Hu
dson ingressaram diretamente nesse comercio. Os comerciantes de peles contataram
os
chipeweyan, de fala atabasca, entre
0
Forte Churchill e os lagos Great Slave e
Atabasca. Os bandos de chipeweyan, agora armados com espingardas,
c o m e ~ a r a m
a expulsar as
n a ~ 6 e s
beaver e slave da regiao
do
lago Atabasca e
do
rio Slave e a
apoderar-se das peles dos yellowknife e dos dogrib, que habitavam ao norte. Houve
tambem atritos entre os chipeweyan e
os
cree da floresta, ao
suI
e a leste. Os cree,
que atuavam anteriormente como intermediarios, agora perdiam essa o s i ~ a o . Alguns
bandos de cree e assiniboin aos poucos mudaram-se para a regiao limitrofe entre a
floresta suba.rtica e a pradaria, onde c o m e ~ a r a m a c a ~ a r
0
bisao. Adquiriram cavalos
ap6s
1730
e desde entao tornaram-se pastores amplamente especializados.
Os comerciantes de peles tentavam agora levar 0 comercio ate os
c a ~ a d o r e s ,
em
vez de deixa-los adotar a atitude contraria. As exigencias de pescar e
c a ~ a r 0
caribu
entravam em conflito com a tarefa de aprisionar castores. Em vista disso, os comer
ciantes de pele tentaram cada vez mais transformar os comedores de caribu em
carregadores
d i s t i n ~ o e s
estabelecidas pelos chipeweyan), fornecendo em adianta
mento alimentos, armas e
m u n i ~ o e s
armadilhas, roupa, cobertores, bebidas a1co6li
cas e fumo aos chefes e aos indivfduos. Durante
0
seculo XVIII
0
fornecimento de
determinados generos, como a farinha,
0
toicinho e
0
cM, levou a urn declfnio das
atividades autonomas de
c a ~ a
das
p o p u l a ~ 6 e s
que se dedicavam ao apresamento de
animais de pele. medida que as pessoas
c o m e ~ a r a m
a depender cada vez menos da
c a ~ a ao caribu em larga escala e a pesca em grupo,
0
grande homem a quem todos
22
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
21/42
o COMERCIO
E
PELES
nos seguimos , que organizava os grandes bandos de c ~ ao caribu, perdeu sua fun
~ a o . Agora os comerciantes de pele contratavam
c ~ d o r e s
para fornecer carne a seus
fortes ou tratavam com chefes comerciantes , que
tinh m
l c n ~ d o certo grau de
infiuencia sobre seus seguidores, recorrendo a adiantamentos em equipamentos de cava
e alimentos, ambos fornecidos pelos entrepostos comerciais. Alguns grupos baseados
no parentesco c o m e ~ r m a c ~ r e a comerciar por conta propria, sobretudo quando
a c o m p e t i ~ o entre os comerciantes de peles multiplicou 0 mimero de chefesansiosos
por estabelecer a l i a n ~ a s com eles, bern como
0
confiito entre esses chefes. Assim,
0
relacionamento entre
0
comerciante e
0
c ~ d o r de peles tornou-se individualizado,
favorecendo a o r m ~ o de pequenos bandos baseados em pares conjugais interligados,
em detrimento dos grandes agregados de c ~ d o r e s das epocasanteriores.
Novas Companhias
Em 1797 a Hudson Bay Company enfrentou urn novo competidor: a Northwest
Company, patrocinada para remover de Albany os mercadores de pele que haviam per
manecido leais
a
Coroa inglesa durante a Guerra da Independencia. Ela se constituiu
a partir
d
experiencia adquirida pelos comerciantes de peles franceses e empregou
sobretudo voyageurs franco-canadenses e veteranos de guerra escoceses que haviam
lutado por ocasiao da conquista inglesa do Canada ou da luta contra os americanos.
A nova companhia promoveu a
e x p l o r ~ o
e
0
comercio com grande vigor em todos
os lagos e varadouros situ ados nas regioes que se estendiam ate as Montanhas Ro
chosas e para alem delas. Seus homens foram muitas vezes os primeiros europeus a
pisar
os
novos territorios do interior do Noroeste.
A expansao para
0
oeste das duas companhias baseadas no Canada a t i ~ o u a
c o m p e t i ~ o
dos americanos, que queriam garantir
0
controle do continente para a
republica recem-formada. Em 1803 os Estados Unidos adquiriram
0
territorio da Lou
isiana, e em 1804-1806 Lewis e Clark exploraram 0 Oeste no interesse do Congresso
americano. Em 1808 John Jacob Astor incorporou a Companhia Americana de Peles
com a p r o v ~ o tacita do presidente Jefferson, e em 1811 a companhia construiu
0
Forte Astoria na foz do rio Columbia. Embora Astoria caisse nas maos dos ingleses
dali a dois anos, a American Fur Company conseguiu desalojar as companhias fran
cesas mais anti gas que operavam fora de Saint Louis e competir com exito com as
companhias canadenses ate falir em 1842.
Viajantes. Em f r a n c ~ s no original N. do T.).
221
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
22/42
A EUROP E OS POVOS SEM
HIST RIA
Os Pastores Eqiiestres das Planicies
Em todas as regioes a oeste dos Grandes Lagos os comerciantes de peles
apoiaram-se cada vez mais, no que se referia aos alimentos, na carne que Ihes era
fornecida pelos c ~ d o r e s de bUfalos das planicies, que c ~ v m montados em ca
valos. 0 desenvolvimento do pastoreio eqiiestre nessa regiao foi urn acontecimento
hist6rico recente, em seguimento a n t r o d u ~ o do cavalo pelos espanh6is durante a
conquista do Mexico, em
1519.
Os primeiros indfgenas a montar cavalos foram os
chichimecas coletores de alimentos das fronteiras setentrionais da Nova Espanha,
que oscapturavam ou roubavam dos postos v n ~ d o s espanh6is. Sucessivos povos
obtiveram entao cavalos, usando-os para atacar vizinhos mais fracos, aprisionando
os e vendendo-os como escravos para os franceses e espanh6is.
Os
apaches adquiriram cavalos dos chichimecas por volta de
1630;
os ute e os
comanches obtiveram-nos dos apaches em torno de
1700.
Os shoshoni orientais
do
Leste
de Montana e Wyoming, inc1uindo os snakes, adquiriram montarias no primeiro
t e r ~ o
do seculo XVIII; em breve os snake se tornariam os principais traficantes de cavalos e
os
lfderes de aprisionamento de escravos nas planfcies setentrionais. Os shoshoni, por
sua vez, forneciam cavalos aos blackfoot. Outra rota da difusao
do
cavalo se dirigia para
o nordeste. Os comanches, por volta de 1730 os forneceram aos kiowa, que habitavam
mais ao norte. Os kiowa foram provavelmente a principal fonte de abastecimento de
cavalos para os pawnee, arikara, hidatsa e mandan, que se dedicavam
a
horticultura.
o cavalo dotou seus novos proprietarios de maior capacidade militar. Melho
rou tambem sua capacidade de
c ~ r
bUfalo e de transportar equipamentos e pro
visoes. A maior mobilidade, por sua vez, permitiu maior envolvimento nas
redesde
comercio que se alargavam, e em breve comercio permitiu acesso a uma nova
fonte militar, a espingarda.
Os primeiros indfgenas a combinar a caval aria com emprego das armas foram
os dakota. Conforme vimos, os dakota tin ham sido horticultores e c ~ d o r e s pedestres
nas fiorestas e pradarias que se estendiam a oeste
do
Lago Superior ate 1730 quando
tiveram de enfrentar v n ~ o dos cree, assiniboin e ojibwa, abastecidos com armas
fornecidas pela Hudson Bay Company. Os dakota, por sua vez, obtiveram armas dos
franceses, que queriam refrear os aliados dos ingleses. Ainda
ape
eles usaram es
sas armas para repelir ataques vindos do norte, deslocar outros povos, tais como os
cheyenne, e atacar as aldeias que praticavam a horticultura, situadas ao longo do rio
Missouri, para aprisionar seus habitantes e vende-Ios como escravos para os europeus.
Estes, entretanto, que haviam adquirido cavalos dos kiowa,
l n ~ r m
sua cavalaria
sobre os dakota, ate que eles conseguiram obter cavalos dos arikara, por volta de
1750.
Em 1775 os dakotas
ja
eram os senhores das planfcies do Nordeste e se distin-
222
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23/42
o
OMER IO
E
P L S
guiam por ser cavaleiros e detentores de armas. Realizaram t r a n s a ~ 6 e s comerciais
diretas com os mercadores europeus de Saint Louis superando assim os mandans
que haviam a ~ a m b a r c a d o boa parte do comercio realizado entre as planicies e as ci
dades do rio Mississippi. Os dakota derrotaram os cheyenne isolaram os kiowa dos
arikara e interromperam os contatos entre os
crowe
os mandan.
Nas planicies do Noroeste um papel semelhante passou a ser desempenhado
pelos blackfoot. Coletores de alimentos que haviam sido expelidos de seu antigo
ha-
bitat a leste da bafa de Hudson pelo
a v a n ~ o
dos cree e dos assiniboin os blackfoot
obtiveram cavalos por volta de 1730 e armas na segunda metade do seculo XVIII.
Em breve conseguiram superar seus antigos competidores os snake bem como os
kutenai e os flathead nenhum dos quais tinha acesso a armas.
o advento do cavalo nao s6 alterou os padr5es militares e aumentou a mobili
dade; permitiu tambem um acesso muito mais eficaz ao bUfalo que agora podia ser
c a ~ a d o em grande mimero nos arredores das tribos. A a t r a ~ a o exercida pela nova
vida levou muitos povos a se tornarem c a ~ a d o r e s de bUfalos em periodo integral. Os
horticultores marginais abandonaram suas
p l a n t a ~ e s ;
alguns exemplos sao os gros
ventre os dakota os cheyenne e os arapaho. Em outros exemplos grupos dissidentes
separaram-se de povos horticultores como fizeram os crow um ramo dos hidatsa.
Mesmo as aldeias que se dedicavam permanentemente ahorticultura situadas
ao
longo dos rios Missouri e Platte e habitadas pelos mandan arikara hidatsa e pawnee
sentiram impacto dessas novas oportunidades. Essas grandes aldeias baseavam-se no
cultivo do milho praticado pelas mulheres em terras de posse das matrilinhagens. Os
homens faziam a guerra e a ~ a v a m mas 0 plantio e 0 ritual da horticultura dominavam
o ciclo anual que incluia a
c a ~ a
anual ao bisao. As matrilinhagens estavam estratifi
cadas em famflias de elite e de plebeus. Uma linhagem fornecia chefe
d
aldeia e
outra 0 lider cerimonial.
0
chefe da aldeia mantinha a ordem e controlava a guerra; 0
Hder
cerimonial juntamente com outros membros da elite cuidava dos fardos sagrados
das matrilinhagens mantendo-os em uma cabana que ocupava um lugar central em
cada aldeia. A elite retirava excedentes da horticultura altamente produtiva; tambem
recebia presentes oferecidos durante as cerimonias taxas pagas para a admissao nas
a s s o c i a ~ e s de homens hierarquicamente estruturadas e bens dos coletores de alimen
tos vizinhos em troca de produtos horticolas. A riqueza assim obtida era redistribufda
de acordo com status dos receptores. A o n f i g u r a ~ a o geral parece ter-se baseado no
modo de parentesco. Embora a
r e d i s t r i b u i ~ a o
se baseasse no parentescoe na partici
p a ~ a o cerimonial e possivel que ela estivesse assumindo caracteristicas tributarias
a
medida que a elite c o m e ~ o u a usar os excedentes de milho para efetuar trocas cada
vez maiores com os assiniboin - estes comerciavam armas de fogo e manufaturas ob
tidas da Hudson Bay Company - e com os comerciantes europeus.
3
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EUROP E OS POVOS SEMHISr RIA
Mulher nez perce preparando
pa
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o COMERC o
E
P L S
As novas oportunidades para urn empreendimento individual oferecidas pela
ca9a ao bisao tiveram 0 efeitode questionar 0 controle da elite sobre a guerra, as
atividades associativas e a aquisi9ao dos poderes sobrenaturais. Amedidaque os jo
yens guerreiros ou rapazes tentavam ca9ar, comerciar e fazer a guerra por conta
pr6pria, eles come9aram a desafiar a autoridade dos lfderes de suas aldeias. Assim e
que, quando membros da ala jovem da Sociedade dos Caes, pertencente aos pawnee,
roubaram carne sagrada enquanto policiavam a aldeia, eles defenderam sua atitude
dizendo que haviam estado no Oeste, onde todas as pessoas a compartilhavam (Hol
der, 1970: 133). Entre os arikara, rapazes maus , que tomaram 0 partido dos sioux,
tiveram de ser expulsos (Holder, 1970: 129).
o
mais importante de tudo e que 0 aumento dacapacidade de matar bUfalos
forneceu urn novo artigo de grande imporHincia para 0 comercio com os europeus.
Quando 0 comercio de peles se expandiu na bacia do rio Mackenzie, na segunda meta
de do seculo XVIII, os comerciantes de peles puderam obter nova fontes de alimentos
dos pastores equestres. Tratava-se da pa90ca, carne de bisao cortada em fatias, seca
ao sol ou ao fogo, pilada e misturada com gordura derretida, tutano e uma pasta de
cerejas silvestres secas. A mistura era embrulhada em sacos de couro que pesavam
cerca de 45 quilos. Avaliou-se que urn viajante, ao participar do comercio de peles, ne
cessitava de uma media de 750 gramas de pa90ca por dia; assim, cada saco era capaz
de fornecer alimento a urn viajante frances durante sessenta dias (Merriman, 1926:
5 7). Em
1813
a Northwest Company precisou de cerca de 29 mil quilos de pa90ca
ou
6
sacos para abastecer suas 219 canoas (Ray, 1974: 130, 132). Os nomades das
planfcies tornaram-se os principais fornecedores de pa90ca para os postos da Regiao
das Florestas, do Territ6rio das Charnecas e dos povos ribeirinhos dos rios Churchill,
Columbia e Fraser. Tambem come9aram a fornecer-Ihes cavalos, necessarios para 0
transporte no territ6rio setentrional que se estendia para alem do ancoradouro das
canoas,
em
Forte Edmonton.
0
bufalo tambem ofere cia outros produtos. Desenvol
veu-se urn animado comercio com Saint Louis
em
torno de lingua e sebo de bUfalo
e, a medida que 0 castor teve sua importancia diminufda ap6s 0 primeiro quartel do
seculo XIX, mantas de couro de bufalo tornaram-se artigo de grande importancia
no comercio de peles. Entre
1841
e 1870, 20 mil mantas foram recolhidas ao Forte
Benton apenas na regiiio dos indios blackfoot (Lewis, 1942: 29),
Assim, a combina9iio do cavalo e das armas, no contexte das rela90es de co
mercio em extpansao, compos 0 cenario para a emergencia
da
configura9iio dos in
dios das planfcies durante alguns breves anos. Essa configura9ao foi adotada sem
demora por ca9adores, coletores e agricultores que nao dispunham de cavalos. Alem
do mais, essas divers as popula90es passaram a assemelhar-se umas as outras social
e culturalmente, a despeito de suas variadas origens. Alguns dos motivos dessa con-
5
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
26/42
EUROP E OS POVOSS M HISTORI
vergencia eram inerentes
ao
novo modo de
adaptar;;:ao
ecologica. As manadas de bisao
dispersavam-se durante 0 inverno, deslocando-se em pequenos grupos para abrigar-se
nas montanhas; na primavera os animais voltavam para as planicies onde
0
capim
abundava, juntando-se novamente em grandes manadas durante a estar;;:ao
do
acasa
lamento, em julho e agosto. A car;;:a ao bisao tinha de acomodar-se a esse ritmo. As
pessoas dispersavam-se em pequenos bandos ou grupos familiares durante 0 inver
no e depois voltavam a reunir-se para 0 grande encontro anual do veriio. Os lugares
onde se acampava tambem tinham de ser escolhidos para satisfazer as necessidades
de pastagem e
proter;;:ao
das manadas de cavalos.
Outros motivos do desenvolvimento convergente da cultura das planicies de
rivavam dos requisitos apresentados pelos grandes bandos que tinham de unir-se e
manter-se juntos no que se referia a
ar;;:a
e aguerra, embora mantendo a flexibilida
de, ao se adaptarem a solicitar;;:oes sazonais e cambiantes. 0 grande encontro anual
exigia que grupos i s p e r s ~ s e freqiientemente distintos se unissem em um acampa
mento circular e comum. Em resposta a essa
requisir;;:ao
os pastores eqiiestres recor
reram a formas organizativas com funr;;:oes centrfpetas, adotadas pelos horticultores
sedentarios e vizinhos como os mandan e os pawnee. Entre essas formas estavam
as confrarias masculinas, que serviam de elubes de
danr;;:a
associar;;:oes militares e a
polfcia do bUfalo , que coordenava a
car;;:a
anual ao bisao. Outro mecanismo unifi
cador estava no uso de sfmbolos que podiam unir os diferentes bandos, como pa
cote medicinal e tribal dos pawnee, as flechas sagradas dos cheyenne e 0 cachimbo
e rod sagrada dos arapaho. De particular importilncia a esse respeito era a grande
cerimonia anual da Danr;;:a do Sol, que se originou de
nar;;:oes
anteriormente formadas
por horticultores, como a dos arapaho, cheyenne e dakota. Determinados elementos
desse ritual tem prototipos ou analogias entre os mandan, arikara e pawnee, mas,
em sua ador;;:ao pelos pastores eqiiestres, as funr;;:oes unificadoras do ritual coletivo
se combinaram com 0 padrao de estruturar;;:ao do merito individuaL Usualmente esse
acontecimento se realizava em
conjunr;;:ao
com a
car;;:ada
anual ao bisao. Centraliza
va-se na autotortura individual, mas invocava uma promessa de renova9ao do mundo
para todos. Esse novo cerimonial espalhou-se das planfcies do Nordeste por virtual
mente todos os povos que se deslocaram para as planfcies.
Enquanto nas aldeias a terra, os privilegios e os pacotes medicinais eram de
propriedade das matrilinhagens ou elas, nas planfcies as unidades corporativas de
parentesco ficaram atenuadas ou desapareceram. A propriedade dos meios de pro
dU9ao
como os cavalos e as armas, bem como 0 direito 't0s pacotes medicinais, aos
dl.nticos, dan9as e nomes, foi individualizada. A terminologia do parentesco, asso
d d a linhas de descendencia, deu lugar a uma enfase mais bilateral, encarecendo
a filia9ao atraves de ambos os pais de um indivfduo. Alem do mais, a aplica9ao de
226
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27/42
o COMERC o
E PELES
termos que design am
0 rm o
a pessoas que niio
eram
parentes fortaleceu a unidade
igualitaria do setor dos guerreiros a expensas
da
unidade das linhas
de
descendencia.
Nas aldeias, a lideran{:a havia sido a prerrogativa hereditaria das famflias
de
elite,
que exigiam obediencia de toda a popula{:ao da aldeia. Entre os pastores eqtiestres,
porem, a lideran{:a passou a depender basicamente dos exitos obtidos na guerra e no
comercio. 0 lfder recebia agora seu principal apoio mais do seu proprio banda do
que do conjunto
da
tribo. Assim, embora recorresse a elementos centrfpetos das al
deias que praticavam a horticultura, a configura{:iio das planicies tambem afrouxou
os
la{:os
do parentesco e
da
autoridade.
A descentraliza{:iio
da
tomada de decisoes e
0
aumento
da
mobilidade, nas pla
nicies, dos grupos mont ados tambem teve suas raizes nos requisitos de urn comercio
em
expansao. A fim
de
obter mais armas e muni{:iio, panelas e artefatos
de
metal,
roup as de
Iii
fumo e bebidas alcoolicas, os pastores eqiiestres tiveram de conseguir
mais pa{:oca e cavalos para os vender aos comerciantes
de
peles. Houve assim
uma
demanda crescente
de
cavalos e urn aumento concomitante do apresamento e do rou
bo de cavalos, 0 que, por sua vez, intensificou a necessidade da posse desses animais
para usa-los
na of
ens va e na defensiva. Aumentou
0
mlmero de cavalos que deveriam
compor urn dote matrimonial, elevando assim a demanda desses animais, ja que 0
acesso a eles permitia aos homens adquirir mais esposas e, portanto, aumentar a for
{:a
de trabalho no preparo
da
pa{:oca.
Quanto maior a quantidade
de
pa{:oca que urn homem pudesse encaminhar
para 0
comercio, maior
sua
capacidade de adquirir as armas e implementos neces
sarios para equipar
uma
expedi{:ao guerreira, e igualmente maior sua capacidade
de
liberar seus parentes e dependentes do sexo masculino para a guerra. Assim,
os empreendedores e chefes mais bem-sucedidos - os que tin
ham
liga{:oes
com
os
postos de comercio - tambem se
tornaram
lfderes guerreiros muito considerados.
o
resultado foi
uma
concentra{:ao
de
cavalos e de bens valiosos nas maos dos que
eram
ricos e bem-sucedidos, produzindo
uma
diferenciac.;ao entre os mais ricos e os
mais pobres, entre os chefes e seus dependentes. 0 modo
de
alcan{:ar
uma
posic.;ao
social era algo que
exigia
uma distribui{:ao generosa da riqueza; 0 pagamento de
taxas para ingresso e promo{:ao
na
associa{:ao,
0
pagamento dos pacotes medicinais
e de prerrogativas quanto i dan{:a e despesas
com 0
dote
da
noiva o acesso aos
cavalos e as armas significavam,
em
ultima analise, sucesso nas rela{:oes sociais
e sobrenaturais. Mesmo
0
desenvolvimento de associa{:oes
entre
os blackfoot, os
arapaho e os gros ventre pode nao ter sido
0
result ado do recurso a antigos ele
mentos das tribos das aldeias. Esse fato provavelmente ocorreu tarde,
por
volta de
1830. A associa{:ao propiciou urn mecanismo ideal para expressar e canalizar a
mobilidade vertical que sobreveio
com
0
aumento
d.a
riqueza (Lewis, 1942: 42).
227
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
28/42
A EUROPA E
OS
POVOS
S M
HIST6R1A
Os Mestir :os do Rio Vermelho
Os indios das planicies nao mantiveram durante muito tempo a sua posi9aO de
fornecedores de
p a ~ o c a
para comercio de peles e nem a sua
a d a p t a ~ a o a
ecologia
foi exelusiva dos indigenas em geral. No inicio do seculo XIX imigrantes escoceses
estabeleceram-se na
regUio
do rio Vermelho em Manitoba e em breve voltaram-se
para a ca9a com a finalidade de complementar uma agricultura precaria. Juntaram
se
aeles os
chamados mesti90s cruzamento de europeus com indios muitos dos
quais foram deslocados enquanto c a ~ a d o r e s e intermediarios na r a c i o n a l i z a ~ a o do
comercio de peles bern como entre os band os de indios cree e ojibwa. Quando a
Northwest Company procurou equipar suas brigadas de Saskatchewan e Atabasca
estas se voltaram para os c a ~ a d o r e s da regiao do rio Vermelho como fornecedores de
p a ~ o c a
Ao
longo do rio Vermelho surgiu portanto urn cielo de atividadesque nao
deixava de assemelhar-se ao dos habitantes das aldeias de Missouri. Os povos do rio
Vermelho viviam em aldeamentos estaveis em cabanas de madeira pr6ximas
as suas
p l a n t a ~ 6 e s
durante a maior parte do ano recebendo adiantamentos das companhias.
Na epoca das
c a ~ a d a s
mudavam-se para tendas perseguiam bUfalo e transportavam
seus despojos em
c a r r o ~ a s
de duas rodas capazes deconter 450 quilos de carne desse
animal. Ocasionalmente lutavam contra os dakota. Durante uma
c a ~ a d a
que durou
dois meses em 1840 os m e s t i ~ o s do rio Vermelho obtiveram quase 5 mil quilos
de carne de bllfalo. Essa carne foi vend ida
a
Northwest Company para saldar divi
das e comprar objetos necessarios as familias. No entanto muitos
c a ~ a d o r e s
tiveram
de c a ~ a r uma segunda ou terceira vez naquele ano para obter carne sufieiente para
alimentar suas pr6prias familias durante inverno. Quando 0 governo canadense
concedeu reservas aos grupos indfgenas e aos seminativos filiados a esses grupos
os
m e s t i ~ o s foram .exelufdos. Sua
i n s a t i s f a ~ a o
resultou em duas grandes rebeli6es
em
1869
e
1885
sob a
l i d e r a n ~ a
de Louis
RieL
o
Litoral do Noroeste
No ultimo quarteldo seculo XVIII abriu-se uma nova fronteira para
come r-
eio de peles
no
litoral noroeste da America do Norte. Os navios do capitao Cook
o
Resolution
e 0
Discovery
fundearam em 1778
no
estreito de Nootka onde foram
adquiridas varias peles de lontra marinha.
Ao
serem vendidasna China as melhores
peles a c a n ~ a r a m 120
d61ares.
As notfeias desse fato se espalharam e em 1792 havia
21
e m b a r c a ~ 6 e s europeias empenhadas em obter mais peles de lontra marinha. 0
comercio maritimo atingiu 0 apogeu entre 1792 e 1812. Logo ap6s 0 seu infcio os
228
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29/42
o
OMER IO E
PELES
comerciantes de peleda Northwest Company chegaram por terra ao litoral, e 0
p r ~
meiro posto de comercio de peles a oeste das Montanhas Rochosas foi estabelecido
em 1805.
No
final da Guerra Anglo-americana de 1812, a Northwest Company exercia
urn controle total sobre a vertente do Pacifico. Somente quando ela se fundiu com a
Hudson Bay Company, em 1812, e que teve intcio 0 comercio sistematico baseado
em terra. Os mais importantes fortes da Companhia foram 0 Forte Simpson, cons
trufdo entre os indios tsimshian, pr6ximo ao grande emp6rio , na foz do rio Nass,
em 1831, e 0 Forte Rupert, implantado entre os kwakiutl, em 1849.
o
Comercio de Peles Siberiano
Quando os europeus penetraram nas aguas do litoral noroeste, seus navios de
dicados ao comercio depararam com
os
russos, que haviam come
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
30/42
A EUROP EOS POVOS SEM HIsr6RIA
feito para Pedro, 0 Grande, em
1673
mostrava a distribui
7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
31/42
o
OMER IO E PELES
de peles de lontra marinha voltou-se desde entao para a costa noroeste da America do
Norte. Esse comercio do qual os ruSSOS foram grandemente excIuidos ficou em sua
maior parte na mao dos ingleses e dos navios americanos cuja base era Boston.
Os Povos d osta Noroeste
Ao chegar ao litoral os europeus penetraram em urn meio arnbiente muito d i ~
ferente do da America do Norte boreaL 0 c1ima e temperado; urn ar umido e quente
desprende-se
d
Corrente Japonesa e condensa-se sob a forma de chuva e neblina nas
cadeias de montanhas vizinhas acosta. A grande r e c i p i t ~ o pluviometrica permite
a forma9ao de espessos bosques de coniferas - varias especies de abeto cedro teixo
e sequ6ia. Os habitantes da costa noroeste eram basicamente pescadores dependendo
em
grande medida do salmao e do arenque e pescando-os durante seus deslocamen
tos anuais rio acima
a
procura da agua fresca onde esses peixes podiam desovar. A
pescaria era complementada pela pesca nas aguas litoraneas pela c a ~ a a aves sel
vagens e pela coleta de moluscos e raizes comestiveis. Urn grupo dos nootka es
pecializou-se na c a ~ a abaleia. Os recurs os alimenticios d costa eram abundantes
embora perfodos de mau tempo e flutua90es anuais no numero de peixes em epoca
de des ova provocassem ocasionalmente a escassez.
o
primeiro encontro que se registrou de navegantes europeus e habitantes do
litoral ocorreu
em
1774
quando a nave espanhola
Santiago
comerciou com urn gru
po de haida dando-lhes roupas mi9angas e contas aIem de facas em troca de peles
de lontra mantas e caixas de madeira esculpida e outros artefatos. Quatro anos mais
tarde as naves do capitao Cook aportararn no estreito de Nootka e ali comerciaram
peles de lontra marinha.
Os recem-chegados em breve se derarn conta de que estavam lidando com par
ceiros comerciais tao astutos e calculistas quanta todos os que tinham encontrado em
suas viagens. Na verdade eles ingressaram em uma regiao de extenso comercio nativo.
Como os recursos da costa noroeste eram freqiientemente localizados ha muito se
praticava comercio entre os ilheus e os habitantes do continente bern como entre
os moradores do litoral e as p o p u l a ~ e s do interior. Uma determinada especie de
peixe existia apenas em areas restritas como Nass e certos rios e enseadas ao lon
go do estreito da Rainha Carlota; as pessoas vinharn de lugares distantes para trocar
suas mercadorias pelo 6leo de peixe monop61io que estava nas maos de grupos com
direitos sobre a pesca. A ca9a aos animais terrestres era especialIIlente importante
para as comunidades nas cabeceiras dos rios. Os tlingit setentrionais faziam mantas
chilkat com la de cabrito montes e tingidas com casca de cedro mas como essas ar
vores nao crescemem seu habitat a casca e a madeira tinham de vir do suL 0 cobre
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7/24/2019 Eric Wolf - O comrcio de peles
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EUROP E OS POVOS SEM
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era transportado da regiao do rio Copper ate os chilkat, e dessa localidade era leva
do para SuI. Os haida e os nootka eram conhecidos sobretudo por suas canoas, de
grande qualidade, e pelas mantas tingidas com a casca do cedro amarelo produzidas
pelos nootka e pelos kwakiutl; as mantas dos salish,
reitas com la de cabrito montes,
pelo de cachorro e verso com penas de aves selvagens, eram comerciadas em toda
a extensao do litoral. Os ilheus abasteciam os moradores do continente com carne
de veado seca, oleo
de
foca, peixe seco, moluscos, certas pedras para fabricac,;ao de
implementos, casca de cedro, cestos tranc,;ados com a casca dessa mesma arvore,
madeira de cedro para artefatos cerimoniais, madeira de teixo para a confecc,;ao de
ftechas e caixas para armazenar generos alimentfcios. Os moradores do continente
forneciam aos ilheus couro e peles, roupas e tecidos, oleo
depeixe
uvas-do-monte,
colheres de chifre, cestos tecidos com rafzes de abeto e mantas chilkat.
Embora as viagens comerciais do