UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA
FACULDADE DE ARQUITECTURA
EESSPPAAÇÇOOSS DDEE TTRRAANNSS II ÇÇÃÃOO
PP RR EE SS EE RR VVAA ÇÇ ÃÃOO DDAA PP RR II VVAA CC II DD AADD EE EE EE SS TT ÍÍMMUU LLOO DDOO CCOONN TTAA CC TT OO SSOO CC II AA LL
SIMÃO SILVEIRA BOTELHO
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM:
ARQUITECTURA
ORIENTADOR CIENTÍFICO | DOUTOR DUARTE MANUEL CARVALHO CABRAL DE MELLO
JÚRI:
PRESIDENTE | DOUTOR JOSÉ MANUEL AGUIAR PORTELA DA COSTA
VOGAIS | DOUTOR DUARTE MANUEL CARVALHO CABRAL DE MELLO
DOUTOR JORGE MANUEL FAVA SPENCER
LISBOA | FAUTL | DEZEMBRO DE 2010
I
Espaços de Trans ição | Resumo
I. RESUMO
O objectivo da presente dissertação é abordar questões relativas aos espaços de transição:
a forma como podem tornar‐se decisivos ao incentivo do contacto e coesão social, contrariando a
tendência actual para o isolamento dos cidadãos; enquanto elementos que preservam a privacidade
dos espaços que interligam, controlando a passagem de ruídos, luz ou poluição, assim como
intrusões físicas ou visuais.
São aspectos centrais de análise o espaço público, as relações entre os espaços público e
privado, bem como as articulações espaciais dentro dos edifícios. O enfoque é dado às zonas de
passagem e circulação, frequentemente encaradas de forma simplista e redutora. Propõe‐se que
esses espaços – as ruas, os corredores, os átrios ou as antecâmaras de acesso –, sejam pensados
como locais de permanência de forma a facilitar os contactos inter‐pessoais e a incentivar o sentido
de comunidade, mas também como válvulas que controlam o acesso e a qualidade ambiental dos
espaços privados. Dá‐se especial relevância à hierarquização dos espaços de distribuição ‐ com o fim
de formar grupos de convivência a diferentes escalas e proteger o ambiente privado –, bem como à
apropriação privada dos espaços semi‐públicos enquanto estímulo à responsabilização pelas zonas
comuns e ao sentimento de pertença social.
O estudo é feito através da análise de obras teóricas de referência, de exemplos práticos e
do projecto realizado no âmbito da tese, que engloba um Centro Multifuncional e uma Residência de
Estudantes, em cuja concepção se deu especial atenção aos espaços de transição – as relações entre
varandas e pátios, as ruas de convívio interiores, as antecâmaras de entrada e uma praça.
De entre as principais conclusões a retirar do trabalho há que destacar a necessidade de o
espaço público e os espaços de transição dos edifícios constituírem lugares de convívio e
comunicação capazes de incentivar a vivência social.
PALAVRAS CHAVE | In‐between, Doorway, Doorstep, Limiar.
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Trans i t iona l Spaces | Abstract
III
Trans i t iona l Spaces | Abstract
II. ABSTRACT
The present dissertation focuses on transitional spaces: their imperative role as inductors of
social contact and cohesion, striving against today’s tendency towards personal isolation; their
function as elements that preserve the privacy of the spaces they connect, by controlling the noise,
light or pollution intrusion as well as physical or visual incursion.
The main aspects of analysis are the public space, the relation between private and public
spaces, plus the spatial articulation inside the buildings. The highlight will be given to circulation
zones, frequently considered in a simplistic and reductive manner. These spaces – the streets,
hallways, atriums or access vestibules – are analyzed as permanence places that ease inter‐personal
contact and kindle a community sense, but also as valves that control the access and environmental
quality of private spaces. Special importance is given to the hierarchy of distributional spaces (in
order to form interactive groups at different scales and protect private spaces) and to the private
appropriation of semi‐public areas (as a stimulus to social bonding and to common spaces personal
accountability).
The theme is studied through the analysis of chief theoretical oeuvres, practical examples
and the project conceived in the context of this thesis, which includes a Multifunctional Center and
an Undergraduate Residence. It was designed giving special attention to transitional spaces – the
relations between balconies and courtyards, the enclosed streets devoted to the blooming of
interaction, the entrance vestibules and a square.
This text’s main conclusion is that public space and transitional building spaces are
fundamental as communication and interaction places that prevent social alienation and stimulate
community bonding.
KEY‐WORDS | In‐between, Doorway, Doorstep, Threshold.
IV
Trans i t iona l Spaces | Abstract
V
Espaços de Trans ição | Índ ices
III. ÍNDICE
I. RESUMO
II. ABSTRACT
III. ÍNDICE
IV. ÍNDICE DE IMAGENS
1. INTRODUÇÃO
2. RELAÇÃO PÚBLICO‐PRIVADO E INTERACÇÃO SOCIAL
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.I. A Preservação da Privacidade
2.I.1. Espaços de Transição como Válvulas de Protecção
2.I.2. Privacidade Versus Comunidade
2.II. A Urgência do Comunitário
2.II.1. O Individual, o Colectivo e o Comunitário
2.II.2. Espaços de Transição como Zonas Intermédias
2.III. Hierarquização da Privacidade
2.III.1. Hierarquização dos Espaços de Circulação
2.III.2. Portas, Espaços Válvula, Espaços Intermédios e Desníveis
2.IV. Espaços de Transição como Lugares de Interacção
2.IV.1. Actividades e Movimento de Pessoas
2.IV.2. Uma Razão para Sair de Casa
2.IV.3. Actividades Privadas
2.IV.4. Dar um Passeio
2.V. Lugares Estimulantes e Agradáveis
2.V.1. Visibilidade das Actividades
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VI
Espaços de Trans ição | Índ ices
2.V.2. Protecção e Efeito de Bordo
2.V.3. Assentos
2.VI. Personalização dos Espaços de Transição
2.VI.1. Competência e Desempenho
2.VI.2. Edifício como Instrumento
2.VI.3. Espaços de Transição e Expressão da Individualidade
3. TRANSIÇÃO ENTRE ZONAS PÚBLICAS E PRIVADAS EM EDIFÍCIOS
ANÁLISE DE EXEMPLOS PRÁTICOS
3.I. Espaços Intermédios e Espaços Válvula
3.I.1. Entradas em Quartos ou Apartamentos
3.I.1.1. Lar de idosos De Drie Hoven
3.I.1.2. Residência Documenta Urbana
3.I.1.3. Residência de Estudantes Alfredo de Sousa
3.I.2. Entradas em Salas de Escolas
3.I.2.1. Escola Montessori
3.I.3. Entradas em Edifícios
3.I.3.1. Escola Montessori
3.I.3.2. Fundação Calouste Gulbenkian
3.I.4. Varandas
3.I.4.1. Apartamentos da Rue Des Suisses
3.II. Edifício como Rua
3.II.1. A Rua Pública de Convivência
3.II.2. A Rua Semi‐Pública Interior
3.II.3. Análise de Exemplos
3.II.3.1. Unidade de Habitação de Marselha
3.II.3.2. Cité‐Napoleón
3.II.3.3. Centro de Apoio à Terceira Idade
3.II.3.4. Residência de Estudantes “Bikuben”
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VII
Espaços de Trans ição | Índ ices
4. PROJECTO DE UM CENTRO MULTIFUNCIONAL E DE UMA RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES
4.I. Problemas da Cidade Universitária
4.II. Projecto
4.II.1. Objectivo
4.II.2. Local
4.II.3. Programa Geral
4.III. Gradação da Privacidade
4.III.1. Praça
4.III.2. Centro de Estudantes
4.III.2.1. Espaços de Circulação e Lugares de Convívio
4.III.2.2.Sala de Estudo
4.III.3. Residência de Estudantes
4.III.3.1. Espaços de Circulação e Pátios
4.III.3.2. Espaços Comuns
4.III.3.3. Módulos de Quartos
4.III.3.3.1. Antecâmara de Entrada
4.III.3.3.2. Casas de Banho
4.III.3.3.3. Quartos Duplos
4.III.3.3.4. Varandas
4.IV. O Convívio nos Espaços de Transição
4.IV.1. Praça
4.IV.1.1. Um Lugar Vivo
4.IV.1.2. O Efeito de Bordo
4.IV.1.3. Assentos Principais e Secundários
4.IV.2. Centro de Estudantes
4.IV.2.1. Espaço de Entrada
4.IV.2.2. Zona de Convívio
4.IV.2.3. Relação com a Praça
4.IV.2.4. Rua Interior
4.IV.3. Residência de Estudantes
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VIII
Espaços de Trans ição | Índ ices
4.IV.3.1. Ruas Interiores
4.IV.3.2. Antecâmaras como Zonas Expositivas
4.IV.3.2. Relação entre Varandas e Pátios
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
A1. ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO NA FACULDADE DE DIREITO DA UL
A1.I. Resumo
A1.1. Introdução
A1.2. Contexto Histórico
A1.3. Principais espaços de transição
A1.3.1 Pórtico de entrada como Soleira
A1.3.2 Antecâmara de entrada
A1.3.3 Corredores como ruas
A1.3.4 Pátios
A1.4 Gradação da Privacidade
A1.4.1 Grau de acesso
A1.4.2 Hierarquização de domínios
A1.4.3 Piso 0
A1.4.4 Piso 1
A1.4.5 Piso ‐1
A1.4.6 Piso 2
A1.5 Observação crítica
A1.6 Conclusão
A1.7 Bibliografia
A2. RELATÓRIO DE QUESTIONÁRIO A ESTUDANTES RESIDENTES
A2.1 Introdução
A2.2 Amostra e organização das perguntas
A2.3 Questionário
A2.4 Resultados
A3. CENTRO MULTIFUNCIONAL E RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES – PAINÉIS FINAIS
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IX
Espaços de Trans ição | Índ ices
IV. ÍNDICE DE IMAGENS
Grupo 1:
1.a. Hospital: unidade de Esterilização típica (C. Alexander: Comunidad y privacidad, p.234)
1.b. Hotel: unidade de Habitação típica (C. Alexander: Comunidad y privacidad, p.234)
1.c. Casa com pátio, santuário íntimo (C. Alexander: Comunidad y privacidad, p.234)
Grupo 2: 2.a. Casa com pátio, Harvard / Robert Reynolds e Chermayeff (C. Alexander: Comunidad y
privacidad, p.91)
Grupo 3: Llainfadyn, uma casa de campo do País de Gales reerguida no Museum of Welsh Life, em St Fagans, Cardiff
3.a. Fachada com vão de porta profundo (S. Unwin: Doorway, p.118)
3. b. Corte pela porta de entrada (S. Unwin: Doorway, p.119)
3.c. Planta da casa de campo (S. Unwin: Doorway, p.119)
Grupo 4: O vão de porta como lugar para actividades informais
4.a. Um abrigo para dormir (S. Unwin: Doorway, p.114)
4.b. Um espaço de convívio e bisbilhotice (S. Unwin: Doorway, p.115)
4. c. Um pódio para um espectáculo (S. Unwin: Doorway, p.116)
Grupo 5: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1958 / Porfírio Pardal Monteiro
5.a. Espaço intermédio ‐ Escadaria e pórtico de entrada
5.b. Espaço válvula ‐ Antecâmara de entrada
Grupo 6:
6.a. Lar de Idosos De Drie Hoven, 1964‐74 / Herman Hertzberger (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 131)
6.b. Diagrama de uma zona residencial (J. Gehl: La humanización del Espacio Urbano, p.69)
Grupo 7: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1958 / Porfírio Pardal Monteiro
7.a. Articulação entre átrio, auditório e corredor principal
Grupo 8:
8.a. Escola Stedelijk Dalton, 2003‐08 / Herman Hertzberger (http://www.ahh.nl/)
Grupo 9:
9.a. Ilha de Sporenburg, Amsterdão, Holanda (J. Gehl: La humanización del Espacio Urbano,
p.201)
Grupo 10: Lar de Idosos De Drie Hoven, 1964‐74 / Herman Hertzberger
10.a. Corredor e espaço de entrada nos quartos (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 40)
10.b. Espaço de entrada nos quartos (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 40)
10.c. Planta do corredor e do espaço de entrada nos quartos (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 40)
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Espaços de Trans ição | Índ ices
Grupo 11: Residências Documenta Urbana, 1979‐82 / Herman Hertzberger
11.a. Escada de acesso (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 38)
11.b. Planta geral (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 37)
11.c. Antecâmara de entrada (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 38)
Grupo 12: Residência de Estudantes Alfredo de Sousa, Lisboa / Alberto de Sousa Oliveira e
Júlio Maurice
12.a. Módulo dos quartos
12.b. Antecâmara de entrada nos quartos
12.c. Corredor de circulação
Grupo 13: Escola Montessori, 1960‐66 / Herman Hertzberger
13.a. Planta da escola Montessori | relação entre as antecâmaras de entrada e o
espaço de distribuição (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 153)
13.b. Entrada na sala de aula (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 30)
13.c. Antecâmara da sala de aula, um espaço de trabalho e convívio (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 29)
Grupo 14: Escola Montessori, 1960‐66 / Herman Hertzberger
14.a. Entrada 1 (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 33)
14.b. Planta da entrada 1 (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 33)
14.c. Entrada 2 (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 33)
14.d. Planta da entrada 2 (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 33)
Grupo 15: Fundação Calouste Gulbenkian, 1969/ Alberto Pessoa, Pedro Cid e Ruy D’Atouguia
15.a. Vista a partir da Avenida António Augusto de Aguiar
15.b. Edifício Sede da Gulbenkian e zona de entrada
15.c. Museu Gulbenkian | zona de entrada
15.d. Edifício Sede | Espaço e antecâmara de entrada: zona de intervalo e espaço
válvula
15.e. Museu Gulbenkian | Espaço de entrada: espaço intermédio
Grupo 16: Apartamentos da Rue des Suisses, 1996‐01 / Herzog & DeMeuron
16.a. Fotografia geral do edifício (G. Mack, Herzog & De Meuron 1992‐1996, p.236)
16.b. Planta do conjunto (G. Mack, Herzog & De Meuron 1992‐1996, p.234)
16.c. Corte pelas Varandas (G. Mack, Herzog & De Meuron 1992‐1996, p.235)
16.d. Fotografia do interior de uma varanda (G. Mack, Herzog & De Meuron 1992‐1996,
p.238,239)
16.e. Fotografia da rua arborizada (G. Mack, Herzog & De Meuron 1992‐1996, p.237)
Grupo 17:
17.a. A Rua de convivência (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 48)
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Espaços de Trans ição | Índ ices
Grupo 18:
18.a. Estudo de três ruas de S. Francisco, 1970‐71 / Appleyard e Lintell (J. Gehl: La humanización del Espacio Urbano, p.43)
Grupo 19: Moradias Haarlemmer Houttuinen, Amsterdão, 1982 / Herman Hertzberger
19.a. Corte transversal pela rua (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 50)
19.b. A vida da rua (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 51)
19.c. A rua (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 50)
Grupo 20: Unidade de Habitação de Marselha, 1947‐52 / Le Corbusier
2o.a. Planta do nível do corredor (H. French, Vivienda colectiva paradigmática del siglo XX, p.83)
20.b. Corte transversal, sistema de distribuição
20.c. Fotografia da rua interior (H. French, Vivienda colectiva paradigmática del siglo XX, p.84)
20.d. Corte transversal geral (H. French, Vivienda colectiva paradigmática del siglo XX, p.85)
Grupo 21: Cité Napoléon, 1849‐51 / M.H. Veugni
21.a. Rua interior, último piso (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 39)
21.b. Rua interior, penúltimo piso (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 39)
21.c. Corte longitudinal (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 39)
21.d. Planta da rua interior (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 39)
21.e. Rua interior, penúltimo piso (H. Hertzberger, Lições de Arquitectura, p. 39)
Grupo 22: Centro de Apoio à Terceira Idade, 2002 / CVDB
22.a. Rua interior, segundo piso (ARQ‐A Maio 2008, p. 62)
22.b. Rua interior, terceiro piso (ARQ‐A Maio 2008, p. 62)
22.c. Rua interior, último piso (ARQ‐A Maio 2008, p. 62)
22.d. Planta – Piso de Quartos (ARQ‐A Maio 2008, pp. 62)
22.e. Corte transversal (ARQ‐A Maio 2008, p. 63)
Grupo 23: Residência de estudantes “Bikuben”, 2003‐06 / AART
23.a. Vista exterior (ARQ‐A Maio 2008, p. 55)
23.b. Corte (ARQ‐A Maio 2008, p. 57)
23.c. Esquema conceptual das salas comuns e da rua em espiral (ARQ‐A Maio 2008,
p. 52)
23.d. Planta do piso 3 (ARQ‐A Maio 2008, p. 55)
23.e. Planta do piso 6 (ARQ‐A Maio 2008, p. 55)
Grupo 24: Alguns espaços comunitários da Universidade de Lisboa
24.a. Reitoria da Universidade de Lisboa | Átrio da Aula Magna, Cidade Universitária, 1960 / Porfírio Pardal Monteiro
24.b. Vista aérea da área da Cantina I | Relação com a envolvente urbana
24.c. Cantina I – espaço exterior de estadia
24.d. Cantina I – relação com o parque de estacionamento adjacente
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XII
Espaços de Trans ição | Índ ices
Grupo 25:
25.a. O terreno actual
25.b. Planta de implantação
Grupo 26:
26.a. Axonometria geral do projecto
Grupo 27:
27.a. Planta piso 1
Grupo 28:
28.a. Planta piso 2
Grupo 29
29.a. Perspectiva geral do projecto
Grupo 30
30.a. Perspectiva da rua curva principal vista desde o piso 2
Grupo 31: Sala de Estudo
31.a. Perspectiva da Sala de Estudo desde o piso 1
31.b. Perspectiva da Sala de Estudo desde o piso 2
31.c. Piso 1 ‐ Planta da Sala de Estudo
31.d. Piso 2 ‐ Planta da Sala de Estudo
Grupo 32: Rua interior de acesso aos quartos
32.a. Rua interior residencial – Piso 2
32.b. Rua interior residencial – Piso 1
Grupo 33:
33.a. Pátio central
Grupo 34:
34.a. Planta de um módulo de vivência
Grupo 35:
35.a. Quarto duplo
Grupo 36:
36.a. Pátio c
Grupo 37: Praça
37.a. Planta do piso 0
37.b. Perspectiva interior da praça
37.c. Perspectiva da praça desde a rua
Grupo 38:
38.a. Perspectiva do átrio principal
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XIII
Espaços de Trans ição | Índ ices
Grupo 39
39.a. Varanda do Bar
Grupo 40: Rua curva principal
40.a. Perspectiva da rua curva principal – Piso 1
40.b. Perspectiva da zona de estadia aberta para o átrio ‐ piso 2
40.c. Perspectiva da rua curva principal
Grupo 41:
41.a. Zona de estadia no topo de uma rua de acesso a quartos
Grupo 42:
42.a. Perspectiva do piso 2 de uma rua de acesso aos quartos
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XIV
Espaços de Trans ição | Índ ices
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Espaços de Trans ição | Introdução
1. INTRODUÇÃO
A presente dissertação trata os espaços de transição, um conceito que, reinterpretando
as antigas e amplas galerias, varandas, átrios e corredores, alterou de modo significativo os
modos de pensar e fazer arquitectura. Durante o período moderno, as zonas de passagem e
circulação estiveram em grande parte esquecidas pela teoria e pela prática da arquitectura, mas
hoje percebemos a sua importância decisiva para a equilibrada articulação entre os espaços
construídos. As zonas de transição deixaram de ser encaradas como simples lugares de
passagem, pensados em função de um objectivo único e bem definido, e passaram a ser vistos
enquanto elementos polivalentes, essenciais à preservação das qualidades intrínsecas dos
espaços que interligam, à adaptação psicológica do homem às mudanças de ambiente e à
comunicação e espírito de união entre vizinhos.
Na sociedade actual, o ambiente dos espaços interiores é frequentemente perturbado.
Em primeiro lugar, por ruídos – produzidos pelo tráfego automóvel, pelas pessoas e pelos meios
de comunicação e entretenimento, omnipresentes nas nossas casas, escritórios, locais de
encontro e de lazer –, mas também por constantes intromissões visuais ou físicas, pela poluição
atmosférica que envenena o ar que respiramos, pelo frio que nos gela no Inverno, pelo calor que
abrasa os dias de Verão. Nesse sentido, as zonas de transição desempenham um papel
fundamental, diferenciando espaços de grande movimento daqueles onde precisamos de silêncio
e calma, isolando o interior das nossas casas das agressões do mundo lá fora.
Na grande maioria dos edifícios actuais os espaços de transição constituem ainda zonas
mono funcionais de circulação, sendo esquecida a sua importância enquanto lugares de encontro
informal. É necessário alterar essa realidade, entender o espaço público das cidades, os pátios,
corredores ou átrios dos edifícios como lugares vivos, de permanência e convívio. Só dessa forma
se poderão restaurar as relações de vizinhança que estão na base do espírito de companheirismo
e entreajuda de uma verdadeira comunidade, e com isso evitar o alheamento social.
É este o centro da presente dissertação de mestrado, que tem como objectivo estudar
espaços de transição enquanto elementos que preservam a integridade e privacidade dos
espaços que interligam e enquanto lugares que estimulam o convívio e espírito de união entre
habitantes.
2
Espaços de Trans ição | Introdução
Para atingir os objectivos, foram utilizadas três metodologias: a primeira consistiu no
estudo crítico de obras teóricas de referência; a segunda, na análise de exemplos práticos que
comprovam as teorias estudadas; e a terceira, na realização do projecto de um conjunto de
edifícios que integra um Centro Multifuncional e uma Residência de Estudantes, onde é dada
especial atenção aos espaços de transição.
A dissertação divide‐se em três capítulos, que correspondem às três abordagens
metodológicas: no capítulo 1 faz‐se uma exposição de princípios teóricos; no capítulo 2 são
analisados exemplos práticos de espaços de transição; no capítulo 3 é apresentado o projecto
realizado.
O subcapítulo 1.I.1 debruça‐se sobre o pensamento de Alexander e Chermayeff.
Segundo estes autores, os espaços de transição constituem válvulas que controlam a intrusão (de
pessoas ou animais), a passagem de som, ar e luz, de modo a preservar o carácter próprio dos
espaços que interligam. Este tipo de soluções permite defender a qualidade dos espaços, mas
gera uma grande compartimentação espacial que dificulta a circulação e o encontro. Em 2.I.2 são
propostas alternativas a estas teorias, com base no pensamento de outros autores, mais
extensamente desenvolvido em 2.II.
Partindo da teorização de Buber, Hertzberger e Gehl, em 2.II.1 é focado o problema da
solidão na sociedade moderna (resultante em grande medida da escassez de espaços
comunitários de encontro). Aldo Van Eyck propõe soluções para o contrariar, nomeadamente
espaços de transição correspondentes a zonas de encontro que relacionam os domínios privado e
público ‐ os espaços intermédios, que constituem o tema tratado em 2.II.2.
A importância de hierarquizar claramente os espaços de transição, preservando o
carácter das áreas servidas e gerando zonas de encontro a várias escalas (por exemplo, da
unidade de vizinhança, da comunidade e da cidade) é defendida em 2.III como forma de
estimular o contacto interpessoal e o espírito de união.
Em 2.IV analisam‐se, a partir do pensamento de Gehl, os factores sociais determinantes
para que os espaços públicos e de transição constituam lugares de encontro, estadia e realização
de actividades. Em 2.V, com base na teoria do mesmo autor, referem‐se factores importantes a
ter em conta no desenho de espaços públicos e de transição.
A identificação do usuário com o espaço e a aproximação e intensificação das relações
entre vizinhos podem ser estimulados em maior ou menor grau. Em 2.VI reflecte‐se, a partir dos
3
Espaços de Trans ição | Introdução
conceitos de língua, fala, competência e desempenho (referidos por Saussure, Levi‐Strauss,
Chomsky e Hertzberger), sobre as formas de estimular os habitantes a personalizar os espaços de
transição.
Retomando os princípios de espaço válvula e espaço intermédio definidos no capítulo 2,
em 3.I analisam‐se espaços de entrada em quartos, apartamentos, salas de escolas e outros
edifícios.
Em 3.II é feita uma reflexão sobre a possibilidade de os espaços interiores de distribuição
dos edifícios constituírem ruas de convivência, aproximando vizinhos e estimulando o espírito de
comunidade. São também apresentados e criticados vários exemplos de ruas interiores.
Finalmente o capítulo 4, mais dedicado à análise do desenho dos espaços de transição do
projecto do Centro Multifuncional com Residência de Estudantes na Cidade Universitária, inicia‐
se em 4.I com a apresentação dos problemas específicos dessa área urbana que foram tidos em
conta na elaboração de projecto. Segue‐se, em 4.II, uma descrição sumária dos objectivos, local
e programa de intervenção, clarificando as soluções encontradas para resolver (ou amenizar) os
problemas detectados.
Partindo das reflexões teóricas efectuadas em 2.III e tendo como referência os exemplos
estudados no capítulo 3, no subcapítulo 4.III analisa‐se o modo como a utilização de ruas
interiores, espaços válvula e espaços intermédios permite criar uma hierarquia de espaços que
preserva o carácter de cada zona específica, permitindo, em simultâneo, o encontro e espírito de
união entre usuários.
Tomando como base as teorias e exemplos estudados nos capítulos 2 e 3, o capítulo 4
termina com a análise dos espaços de transição do projecto enquanto lugares de estadia e
convívio.
4
Espaços de Trans ição | Introdução
Espaços de Trans ição | Relação Públ ico ‐Pr ivado e Interacção Soc ia l
5
2. RELAÇÃO PÚBLICO‐PRIVADO E INTERACÇÃO SOCIAL FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2. I. A PRESERVAÇÃO DA PRIVACIDADE
2. I.1. ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO COMO VÁLVULAS DE PROTECÇÃO
“O indivíduo precisa de barreiras para se proteger contra o som e a imagem de inumeráveis
visitantes, entre os quais se encontram […] a rádio e a televisão, trazidos por um ou outro
elemento da família. A família, por sua vez, deve proteger‐se contra as intrusões de todo o tipo
realizadas pelos seus vizinhos imediatos; e este grupo mais amplo deve manter‐se, por sua vez,
firme face à caótica profusão de acontecimentos que se sucedem para além do seu domínio.” 1
No livro de referência Community and Privacy, Christopher Alexander e Serge Chermayeff
fazem uma crítica à sociedade do final do século XX e ao modo como as novas tecnologias e modos
de vida, combinados com uma má gestão do espaço arquitectónico e urbano, geram um ambiente
agressivo para o Homem. Os elementos de contenção espacial e os espaços de transição são vistos
como uma forma eficaz de controlar esse ambiente, permitindo uma separação equilibrada dos
domínios público e privado.
O nível de privacidade (“esse maravilhoso composto de retiro, independência, solidão,
quietude, contemplação e concentração”2) do ambiente doméstico, encontra‐se na actualidade
diminuído, devido essencialmente a duas ordens de problemas: ao conflito de actividades dentro do
espaço privado das habitações; e à invasão do ambiente privado pelo ruído e intromissões
provenientes do espaço público. Segundo Alexander e Chermayeff, o ambiente privado e
idealmente tranquilo da casa está exposto ao ruído e às visitas indesejadas dos vizinhos imediatos,
assim como à poluição urbana, aos ruídos produzidos pelo trânsito automóvel, às visitas não
solicitadas de vendedores de rua ou às intromissões de estranhos. Simultaneamente, dentro do
ambiente familiar, a presença permanente e por vezes agressiva de som e imagem provenientes dos
aparelhos electrónicos (em especial a televisão e o rádio) podem ser muito desgastantes para os que
1 ALEXANDER, Christopher; CHEMAYEFF, Serge ‐ Community and privacy, versão consultada: Comunidad y privacidad – Hacia una nueva arquitectura humanista. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1970; p.75
2 Idem, p.33
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6
a eles estão sujeitos sem o desejarem, impedindo ou piorando as condições de realização de outro
tipo de actividades como conversar, ouvir música, ler, ou simplesmente descansar em silêncio.
“Para despertar uma autêntica variedade, deve permitir‐se que cada tipo de experiência
possa desenvolver‐se por si mesma, em condições especiais, claramente definidas, e inclusive
fisicamente separada das outras experiências.”3
Segundo estes autores, para solucionar os problemas de privacidade da habitação moderna
será necessário que cada zona do edifício tenha o seu carácter específico, a sua integridade, de
modo a “ […] induzir, reflectir e sustentar a actividade para a qual foi desenhada”4. É essencial que
esse carácter seja preservado, protegendo‐se os diversos espaços de intromissões sonoras, visuais
ou físicas, provenientes do exterior ou de outros locais do edifício. Assim, torna‐se necessário que os
elementos de separação entre espaços os isolem fisicamente, e exerçam controlo sobre o grau de
acesso que se pretende existir entre eles.
“A integridade de cada espaço, a preservação das suas características ambientais especiais
e cuidadosamente especificadas dependem dos elementos físicos que subministram a
separação, isolamento, acesso e passagem controlados de um domínio ao outro.”5
De todos esses elementos, o muro (ou parede) é o mais eficaz: impede a passagem de
pessoas e constitui, quando construído com os materiais adequados, uma barreira acústica e visual
de grande eficácia. Mas este muro tem que ser quebrado em zonas específicas para permitir a
entrada de pessoas e objectos nos espaços. Essas zonas de quebra, mais vulneráveis, deverão ser
pensadas de maneira a que não seja retirada identidade aos espaços entre os quais estabelecem
comunicação, evitando a passagem não desejada de seres vivos, luz e sons, e separando o desejável
do que o não é. Alexander e Chermayeff comparam estas zonas com válvulas: “A condição de que a
integridade de cada um dos domínios adjacentes deve ser preservada a todo o momento, apesar do
trânsito que tem lugar entre eles, evoca de imediato a imagem familiar da exclusa que separa dois níveis
de água distintos ou da válvula que permite a passagem entre duas zonas onde a pressão do ar é
diferente.”6 Esta válvula, elemento que permite fluxos controlados entre espaços adjacentes, poderá
corresponder a uma porta, uma antecâmara, um corredor ou mesmo uma sala ou um pátio, se estes
3 ALEXANDER, Christopher; CHEMAYEFF, Serge ‐ Comunidad y privacidad – Hacia una nueva arquitectura humanista; p.124
4 Idem ibidem
5 Idem, p. 229
6 Idem, p.271
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7
forem simultaneamente antecâmaras, interligando outros dois espaços. Assim, todos os lugares
constituem‐se potencialmente como zonas de transição que, para além de protegerem fisicamente
os espaços que interligam, servem como forma de consciencializar o usuário da mudança de
ambiente que ocorre aquando do seu atravessamento.
Em Community and Privacy são apresentados exemplos de unidades de esterilização de
hospitais (1.a.) (onde as antecâmaras existem como forma de impedir a entrada de microrganismos
nocivos), de antecâmaras de entrada em quartos de hotel (1.b.) (que servem de barreira acústica,
protegendo os quartos dos ruídos do corredor), ou de entrada num santuário íntimo (1.c.) (onde
esses espaços de transição servem não só como protecção visual e acústica, mas também enquanto
elementos ritualistas de passagem entre uma zona profana e outra sagrada). Se, no primeiro
exemplo, a antecâmara poderá servir como mera zona de passagem, já nos dois últimos esta poderá
conter uma função específica como, por exemplo, uma zona de vestir. Abarcando estas duas
valências – ser um elemento que preserva o carácter dos espaços e simultaneamente um lugar onde
se realizam actividades –, a antecâmara deixa de ser apenas uma zona passagem, uma transição
secundária entre duas áreas importantes, para se tornar, eventualmente, “tão importante como
qualquer outra zona de actividade.”7
“Os pontos de transição, que ao princípio apareceram como articulações secundárias entre
os domínios, emergem agora como elementos fundamentais por direito próprio. Constituem
7 ALEXANDER, Christopher; CHEMAYEFF, Serge ‐ Comunidad y privacidad – Hacia una nueva arquitectura humanista; p.235
1.b.
1.a. Hospital: unidade de Esterilização típica;
1.b .Hotel: unidade de Habitação típica;
1.c. Casa com Pátio, santuário íntimo.
1.c. 1.a.
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8
entidades cabais e vitais, elementos cruciais do planeamento, adequados a um mundo móvel,
mecanizado e ruidoso.”8
Pode concluir‐se que, em Community and Privacy, os espaços de transição são interpretados
como espaços válvula: elementos que preservam as características específicas dos lugares que
interligam (controlando‐os e isolando‐os ambiental, sonora e visualmente e protegendo‐os contra a
poluição ou intromissões indesejadas) e que podem constituir, eles mesmos, zonas de actividade
onde se realizam funções específicas. Os edifícios só poderão funcionar bem se, através destes
espaços válvula, os diferentes domínios forem hierarquizados de forma clara, desde os espaços mais
públicos aos mais privados, controlando a passagem de pessoas, som, luz e ar entre eles, e tornando
evidente para os usuários o carácter de cada espaço de modo a garantir o seu normal
funcionamento e evitar intrusões equivocadas.
2. I.2. PRIVACIDADE VERSUS COMUNIDADE
Neste capítulo analisar‐se‐ão vantagens e desvantagens da utilização de espaços válvula
como forma de gerir os diversos domínios da unidade habitacional e de isolar a casa em relação às
habitações vizinhas e ao espaço da rua. Discutir‐se‐á também a validade do pensamento de
Alexander e Chermayeff no que diz respeito à organização de conjuntos de vivendas desde as
questões da qualidade ambiental até à vida no espaço urbano.
A organização interna das unidades habitacionais propostas em Community and Privacy está
adequada tanto às necessidades de privacidade de cada um dos elementos da família como das
próprias unidades familiares (2.a.).
8 ALEXANDER, Christopher; CHEMAYEFF, Serge ‐ Comunidad y privacidad – Hacia una nueva arquitectura humanista; p.273
2.a. Casa com pátio, Harvard / Robert Reynolds e Chermayeff
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9
É proposta a separação, em zonas física e acusticamente isoladas, dos domínios das crianças
(os filhos) e dos adultos (os pais) e a existência de pátios privados independentes para cada uma
delas – lugares para desfrutar da natureza (de plantas e de ar puro) em privado. No quarto dos
adultos existe um espaço válvula que o isola acusticamente do resto da casa e serve
simultaneamente de zona de higiene, contendo um lavatório. Os quartos das crianças são também
precedidos por uma antecâmara com as mesmas características. O centro da casa é a cozinha, que
funciona também como sala de estar, onde pais e filhos se reúnem. É, assim, reinterpretada a antiga
tradição de o principal espaço de convívio familiar ser o local onde se cozinha e se come. A sala de
estar pode ser isolada acusticamente do resto da casa, o que lhe confere um ambiente mais
tranquilo, evitando, por exemplo, que o ruído emitido pela televisão da cozinha possa perturbar a
realização de outras actividades como a leitura ou a conversa. Para a zona pública da casa,
composta pela sala de estar e a cozinha, são propostos espaços exteriores que não entram em
conflito com os pátios privados dos quartos e funcionam, em conjunto com os troços de corredor
(fechados por portas), como zonas tampão que isolam o som entre as várias divisões. Separando a
casa do mundo exterior estão os pátios dos pais e o dos filhos, a partir dos quais se pode ter um
acesso reservado a cada uma das zonas privadas.
Segundo este modelo, consegue‐se uma clara hierarquização de domínios,
convenientemente isolados visual, acústica e ambientalmente uns dos outros. Desta forma, podem
ocorrer várias actividades em simultâneo sem que haja uma sobreposição de situações
incompatíveis, e os usuários com interesses distintos (pais e filhos) encontram os seus espaços
privados específicos, evitando‐se assim alguns conflitos desnecessários. No entanto, esta solução
implica uma profusão de portas que impede um trânsito fluido entre espaços.
Alexander e Chermayeff dão prioridade à contenção espacial, o que permite grande eficácia
a nível do isolamento entre áreas distintas, com o quase inevitável sacrifício de soluções formais
visualmente mais ricas e da amplidão espacial, facilitadora da circulação e mais propícia ao
encontro.
No que toca à relação entre a casa e a rua, a utilização de espaços tampão é eficiente
enquanto forma de isolar acústica e visualmente a casa e de a proteger contra eventuais elementos
poluentes trazidos do exterior. No entanto, ao constituírem um entrave a uma possível comunicação
fluida entre interior e exterior, estas zonas tampão poderão isolar demasiado a casa em relação ao
seu bairro e, com isso, diminuir a vida do espaço público e o espírito de comunidade entre vizinhos.
Espaços de Trans ição | Relação Públ ico ‐Pr ivado e Interacção Soc ia l
10
Uma das premissas para o bom planeamento de um aglomerado de vivendas é o controlo
climático. Alexander e Chermayeff defendem que deve estabelecer‐se “um nexo confortável entre o
automóvel ou veículo público climatizados, e a vivenda com clima igualmente controlado”9, para o que
propõem que o percurso entre o automóvel e a vivenda seja o mais curto possível e esteja
climatizado.
Tal premissa constitui uma inibição à vivência do espaço público já que, idealmente, não
seria necessário percorrer nenhuma rua a pé para chegar a casa. Se alargarmos o âmbito da reflexão
aos edifícios públicos e semi‐públicos, então o espaço público seria muito pouco vivido pelos peões,
já que se acederia directamente ao interior de todos os edifícios a partir do automóvel, sem passar
pelas ruas e praças exteriores, com claro empobrecimento da vivência urbana; a vida da rua, a
comunicação entre conhecidos, a possibilidade de conhecer gente e a oportunidade de ver e ser
visto por todos seriam grandemente reduzidas.
Poder‐se‐ia atenuar esta perda ampliando as oportunidades de contacto humano através da
existência de espaço público dentro dos edifícios, em ruas e praças interiores com ambiente
controlado que não constituíssem meras zonas de circulação, mas também de estadia. Este
princípio, hoje extensamente utilizado em muitos centros e galerias comerciais ou edifícios de
habitação, é aplicável a edifícios de média e grande escala com todo o tipo de funções, onde os
átrios e corredores de acesso são pensados enquanto zonas que estimulam a comunicação entre
usuários (é o que veremos de forma mais desenvolvida em 3.II.2, p. 50).
Com o objectivo de proteger a vivenda do ruído local e do ruído dos pátios vizinhos,
Alexander e Chermayeff propõem que todos os espaços privados exteriores (cobertos ou não),
sejam rodeados por muros altos e que a entrada das vivendas contenha um ecrã que a isole tanto
quanto possível do ruído produzido pela circulação local, tornando‐a numa “chegada protegida,
espaço para estar de pé, protector em relação à sujidade que se acarreta desde a rua.”10
Simultaneamente, estas entradas “devem situar‐se de tal modo que as portas de entrada nas vivendas
dos conglomerados adjacentes não se enfrentem.”11
Verifica‐se, por parte destes autores, uma preocupação extrema em relação aos problemas
de ruído e intromissões que, em alguns casos, não serão relevantes (como acontece, por exemplo,
9 ALEXANDER, Christopher; CHEMAYEFF, Serge ‐ Comunidad y privacidad – Hacia una nueva arquitectura humanista; p.162
10 Idem, p.164
11 Idem, p.186
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11
em ruas pedonais pouco movimentadas de países com baixa criminalidade), e um total
esquecimento no que diz respeito aos elementos arquitectónicos que relacionam a casa com a rua
ou com as casas vizinhas, fomentando a comunicação entre os habitantes. Aplicadas de forma literal
e acrítica à elaboração de projectos, as soluções propostas podem afectar negativamente a
comunicação entre vizinhos, as relações de proximidade e a dinâmica do espaço público. Senão
vejamos: para que haja controlo climático entre o carro e a habitação, os habitantes estacionam o
seu veículo praticamente dentro de casa, não percorrendo o espaço do bairro a pé, o que diminui em
grande medida o movimento das ruas e o contacto entre vizinhos; as entradas nas casas encontram‐
‐se separadas da rua por um ecrã, o que impede o seu funcionamento como zonas de estadia desde
onde se observa e comunica com quem passa lá fora; o facto de as entradas de casas diferentes
nunca se disporem frente a frente diminui as possibilidades de comunicação entre moradores de
habitações próximas; o encerramento de todos os espaços exteriores privados por meio de paredes
altas impede totalmente a comunicação entre vizinhos de diferentes unidades habitacionais e
destes com quem passa na rua.
Esta secundarização das questões relativas à vivência comunitária nos bairros contradiz de
algum modo o princípio de protecção contra as intromissões defendido por Alexander e
Chermayeff. Se os vizinhos se conhecerem e estimarem, se existir um verdadeiro espírito
comunitário num conjunto de vivendas, e se as casas estiverem física e visualmente relacionadas
umas com as outras, a segurança desse aglomerado estará em grande medida garantida pela
vigilância dos seus próprios habitantes. Se, pelo contrário, o contacto entre vizinhos for escasso
devido à falta de oportunidades de encontro e as casas surgirem demasiado encerradas sobre si
próprias, a protecção contra intrusos que poderia ser, em grande medida, feita de forma natural pela
comunidade, terá que ser assegurada por elementos construídos como grades ou muros altos (o que
distancia ainda mais o ambiente doméstico do espaço público exterior), e/ou através de sistemas de
alarme, possivelmente menos eficazes do que o controlo natural de um aglomerado de vivendas
com forte sentido comunitário.
Apesar de ignorarem as possibilidades de convívio nas zonas de transição entre o ambiente
privado da casa e o espaço público da rua, estes autores prevêem, no seu projecto para um
conglomerado urbano, várias ideias que podem constituir incentivos à vida comunitária. Sugerem a
“separação entre os peões em movimento e os veículos igualmente em movimento”12; os carros são
deixados na rua de trânsito automóvel e o acesso às casas é feito unicamente através de ruas
12 ALEXANDER, Christopher; CHEMAYEFF, Serge ‐ Comunidad y privacidad – Hacia una nueva arquitectura humanista; p.184
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12
pedonais, protegidas do ruído dos carros através dos edifícios de carácter mais público e de serviço.
Desta forma, o princípio do controlo climático entre o carro e a habitação é esquecido em favor de
um ambiente urbano menos poluído, menos ruidoso e mais seguro, e os habitantes podem
encontrar‐se e conhecer‐se no caminho entre o parque de estacionamento e a entrada das suas
casas. Simultaneamente, a existência de uma “grande variedade de espaços destinados ao descanso e
às brincadeiras”13 nas ruas pedonais poderá aumentar a sua utilização como zona lúdica e de
encontro. A organização das vivendas em conjuntos de 20 unidades poderia ser mais benéfica para a
comunicação e para o sentido de protecção mútua entre os seus residentes se existisse um espaço
comum a partir do qual estes acedessem às suas casas e onde pudessem conviver. Não existindo
estas zonas, consegue‐se em contrapartida aumentar a densidade populacional (128 pessoas por
hectare), alargando o número de pessoas que frequentam espaço público e, consequentemente, a
sua animação.
Esta crítica às propostas de Alexander e Chermayeff não se prende com a organização
interna das habitações, nem com a organização dos conglomerados urbanos, mas sobretudo com a
falta de zonas intermédias entre o lugar privado das habitações e o espaço público que as serve.
Segundo estes autores, para que a privacidade esteja garantida as casas devem fechar‐se sobre si
mesmas, pondo de parte as oportunidades de contacto entre os seus habitantes e a vida no exterior,
esquecendo os espaços da casa onde os habitantes podem ver ou ser vistos desde o exterior tais
como pátios e varandas abertos, ou entradas convidativas que constituam zonas de estadia. A
existência deste tipo de espaços evita o alheamento social e dinamiza o espaço público. Neste
sentido, os contributos de Herman Hertzberger, Aldo Van Eyck e Jan Gehl são particularmente
relevantes, pelo que os próximos dois capítulos se basearão nos seus escritos.
2. II. A URGÊNCIA DO COMUNITÁRIO
2. II.1. O INDIVIDUAL, O COLECTIVO E A COMUNIDADE
Martin Buber, autor referenciado em Lições de Arquitectura, considera que, na sociedade
moderna, existe simultaneamente um profundo individualismo e um marcado colectivismo. Se “o
individualismo vê a sociedade apenas na relação consigo mesmo, […] o colectivismo não vê o homem de
13 ALEXANDER, Christopher; CHEMAYEFF, Serge ‐ Comunidad y privacidad – Hacia una nueva arquitectura humanista;
p.223
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13
maneira nenhuma, vê apenas a sociedade.”14 O colectivismo pressupõe a renúncia à responsabilidade
pessoal em prole de um todo maior, inalcançável, que é a sociedade como um todo – não o conjunto
de personalidades individuais, mas o sistema que os indivíduos formam quando existe interacção
entre eles –, e o individualismo baseia‐se no princípio imaginário de que o homem é capaz de viver e
ser feliz sem o contacto com os outros. O entendimento do mundo a partir destes dois extremos
gera uma falha de comunicação entre indivíduos que leva ao isolamento social.
Segundo Buber, a solução para esse problema reside na libertação do relacionamento através
do comunitário15, um estado intermédio que constitui o espaço de comunicação entre indivíduos.
Para tal, “o primeiro passo deve ser a destruição de uma falsa escolha: a escolha entre o ‘individualismo
e o colectivismo.”16
Herman Hertzberger faz a transposição dos conceitos de colectivo e individual para a
arquitectura, interpretando‐os, respectivamente, como público e privado. A área pública é acessível a
todos em qualquer momento, e a “responsabilidade pela sua manutenção é assumida
colectivamente”17; em contrapartida, o acesso à área privada é restrito, sendo “determinado por um
pequeno grupo ou por uma pessoa que tem a responsabilidade de mantê‐la.”18 A este modelo, de
pólos extremos, falta um terceiro elemento, o do lugar semi‐público ou semi‐privado onde pessoas e
grupos restritos podem comunicar entre si e formar comunidades:
“É sempre uma questão de pessoas e grupos em inter‐relação e compromisso mútuo, i.e., é
sempre uma questão de colectividade e indivíduo, um face ao outro.” 19
Em Life Between Buildings: Using Public Space, Jan Gehl divide os níveis de intensidade de
contactos entre pessoas em cinco categorias, desde os de menor até aos de maior intensidade:
contactos passivos; contactos casuais; conhecidos; amigos; amigos íntimos. Num mundo em que
existe um vazio, um espaço por preencher entre estar só (ou acompanhado por aqueles que nos são
mais chegados) e pertencer a um conjunto imenso e inalcançável de pessoas, a possibilidade de
ocorrerem contactos passivos, casuais e até entre conhecidos reduz‐se substancialmente. Assim,
14 HERTZBERGER, Herman ‐ Lessons for students in architecture, versão consultada: Lições de Arquitectura. São Paulo: Martins Fontes, 2006; p.13
15 Idem ibidem
16 Idem ibidem
17 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura; p.12
18 Idem ibidem
19 Idem ibidem
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14
segundo Gehl, “as variadas formas de transição entre estar só e estar acompanhado desapareceram.
As fronteiras entre o isolamento e o contacto tornam‐se mais nítidas: as pessoas estão sós ou então
com outras a um nível relativamente exigente e rigoroso.”20 Existe, assim, uma fronteira nítida e
dificilmente transponível entre o público e o privado, entre o individual e o colectivo.
Gehl reclama, então, a existência de um espaço de comunicação intermédio, que pertence
ainda ao espaço público: “A vida entre os edifícios oferece a oportunidade de estar com outros de um
modo relaxado e cómodo. […] Não estamos necessariamente com uma pessoa determinada mas, não
obstante, estamos com outros.”21 Pode pensar‐se no exemplo de estar desacompanhado num café ou
numa esplanada: observam‐se as pessoas e os seus modos de agir, ouvem‐se as conversas em redor,
conversa‐se com desconhecidos sobre assuntos da actualidade, encontram‐se conhecidos, fazem‐se
amizades.
Segundo Gehl, a vivência do espaço público local permite estar informado sobre o que se
passa em volta e pode inspirar o homem. É, por outro lado, a forma primordial para o
estabelecimento de novos contactos a um nível modesto (que podem constituir um ponto de partida
para novos relacionamentos) e para a manutenção de relações pré‐existentes (é mais fácil uma
pessoa encontrar‐se com um vizinho que combinar uma saída por telefone com alguém que mora
longe). Será a forma de nos sentirmos integrados no ambiente em que vivemos, de gerar espírito de
comunidade entre habitantes de bairros, aldeias, vilas ou cidades e de consciencializar as pessoas
para a realidade multifacetada do mundo em que vivemos.
O crescente alheamento social da sociedade contemporânea, o “estado existencial de
solidão”22 a que assistimos, advém do errado entendimento dos conceitos de público e privado como
pólos opostos. A maneira como estes conceitos são transpostos para a arquitectura agrava o
problema, gerando espaços privados completamente encerrados e, em oposição a eles, lugares
públicos totalmente abertos, acessíveis por todos. Assim, é esquecida a necessidade de existência
de espaços intercalares semi‐privados que fomentem a comunicação entre grupos intermédios de
pessoas. É aqui que se sentem os efeitos negativos de determinados aspectos do urbanismo
moderno. Embora estejam longe de apresentar todas as características desse tipo de planeamento,
os aglomerados habitacionais propostos por Alexander e Chermayeff articulam‐se com alguns dos
princípios teóricos modernistas, nomeadamente com a separação drástica entre os espaços públicos
20 GEHL, Jan – Life between Buildings: Using Public Space, versão consultanda: La humanización del Espacio Urbano. Barcelona: Editorial Reverté, 2006; p.25
21 Idem ibidem
22 Idem, p.13
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15
e privados. Nas suas propostas para a habitação unifamiliar, a relação entre esses domínios é feita
através de um único elemento – a antecâmara exterior de entrada –, que efectua uma transição
suave entre interior e exterior (através de zonas exteriores cobertas) mas constitui uma barreira
radical entre o espaço público e o privado (isto pressupõe que, para se sentirem em paz consigo
mesmas, as pessoas deveriam apartar‐se do espaço público agressivo e invasor – aquele produzido
pelo urbanismo moderno – o mais rápida e abruptamente possível). Simultaneamente, a
comunicação entre as diferentes habitações é inexistente, encontrando‐se todos os seus espaços
interiores e exteriores encerrados por muros altos.
Em oposição a Alexander e Chermayeff, Herman Hertzberger afirma que “devemos
aproveitar todas as oportunidades possíveis para evitar uma separação rígida entre habitações e para
estimular o que resultou do sentimento de participar em algo que nos é comum.”23 Só restaurando este
espírito de comunidade nos bairros e cidades contemporâneas é que a disciplina da arquitectura
poderá combater os problemas crescentes de alheamento social. Para tal, sublinham‐se dois
aspectos fundamentais: as habitações deverão relacionar‐se entre si e com o espaço público de
forma a possibilitar e suscitar o convívio entre vizinhos; o espaço público deverá ser desenhado com
o intuito de suscitar a convivência entre as pessoas, sendo hierarquizado de forma a criar espaços
com diferentes níveis de privacidade destinados a diferentes tipos de contacto.
2. II.2. ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO COMO ZONAS INTERMÉDIAS
“Aceita um exemplo: o mundo da casa comigo dentro e contigo fora, ou vice‐versa. Há
também o mundo da rua – a cidade – contigo dentro e comigo fora, ou vice‐versa. Entendes o
que quero dizer? Dois mundos em colisão, nenhuma transição. O individual de um lado, o
colectivo do outro. É assustador. Entre os dois, a sociedade em geral coloca muitas barreiras,
enquanto os arquitectos em particular são tão pobres de espírito que providenciam portas de 5
cm de espessura e 1,8 m de altura. Pensa só nisso: 5 cm – ou 5mm, se for vidro – entre tão
fantástico fenómeno – de pôr os cabelos em pé, brutal – como uma guilhotina. Cada vez que
passamos por uma porta como essa somos divididos em dois – mas já não reparamos nisso, e
simplesmente continuamos a caminhar, divididos ao meio. É essa a realidade de uma porta?
Qual é então, pergunto eu, a maior realidade? Bem, possivelmente a maior realidade de uma
porta é o cenário localizado para um bonito gesto humano: entrada e partida conscientes. É
isso que uma porta é, algo que te enquadra ao ir e ao vir, porque é uma experiência vital não só
23 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura; p.54
Espaços de Trans ição | Relação Públ ico ‐Pr ivado e Interacção Soc ia l
16
para os que assim fazem, mas para os que são encontrados ou deixados para trás. Uma porta é
um lugar feito para uma ocasião. Uma porta é um lugar para um acto que é repetido milhões
de vezes no tempo de vida entre a primeira entrada e a última saída.”24
Aldo Van Eyck dá‐nos uma imagem da fragilidade da relação entre os domínios público e
privado quando não existem elementos de transição adequados entre eles. Para que não nos
sintamos “divididos ao meio” devido a uma mudança abrupta de ambiente, será necessário que o
comum vão da porta, de espessura mínima, se dilate e converta num espaço apropriável: “A
arquitectura deve ampliar esses limites estreitos, persuadi‐los a converter‐se generosamente em
domínios intermédios articulados.”25
Tomemos a imagem de um vão de porta numa antiga parede espessa de pedra (3.a; 3.b.;
3.c). Ele permite a passagem entre um lugar e outro, mas gera também um novo espaço que os
intermedeia: como é suficientemente profundo para abrigar uma pessoa, poderá protegê‐la da
chuva enquanto espera no exterior, ou suscitar uma pausa para verificar o estado do tempo ao sair
de casa.26 Este espaço não pertence nem à casa, nem à rua – estando nele com a porta aberta
sentimo‐nos expostos ao movimento, perigos e intempéries da rua, mas também deles protegidos
dado o fácil acesso ao espaço resguardado do lar. Constitui, assim, um “lugar por direito próprio […]
24 SMITHSON, Alison (ed.) ‐ Team 10 primer. Londres: MIT press, 1974; p.96
25 VAN EYCK, Aldo [et. al.] ‐ Aldo Van Eyck. Amesterdão: Stichting Wonen, 1984; p.50
26 Referência a UNWIN, Simon – Doorway. Grã‐Bretanha: The Cromwell Press, 2007; p.119
3.b. 3.c.
Llainfadyn, uma casa de campo do País de Gales reerguida no Museum of Welsh Life, em St Fagans, Cardiff
3.a. Fachada com vão de porta profundo;
3. b. Corte pela porta de entrada;
3.c. Planta da casa de campo: a espessura das paredes confere aos vãos das portas e das janelas o carácter de espaços intermédios
3.a.
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onde dois mundos se sobrepõem em vez de estarem rigidamente demarcados.”27 Esta simultaneidade
espacial não só dá aos usuários consciência da transição entre zonas com diferentes características,
como estimula as suas mentes devido à incerteza e sentido dinâmico que constitui qualquer
mudança de ambiente. Aldo Van Eyck refere‐se a este aspecto quando descreve a relação entre a
casa e a rua como um “ […] fantástico fenómeno – de pôr os cabelos em pé, brutal”28. E dá‐nos uma
outra imagem que clarifica o princípio de simultaneidade espacial que pressupõe este “domínio do
intermédio” (“the in‐between realm”):
“Tira os sapatos e anda ao longo da praia pela última folha de água estreita que se move
em direcção à terra e ao mar. Sentes‐te reconciliado de uma forma que não sentirias se
existisse um diálogo forçado entre ti e qualquer um destes dois grandes fenómenos. Porque
aqui, entre a terra e o oceano – neste domínio do intermédio (in the in‐between realm), algo te
acontece que é bastante diferente da nostalgia alternante do marinheiro. Não se deseja a terra
desde o mar, não se deseja o mar desde a terra. Não se deseja a alternativa – não há
escapatória de um para o outro.”29
Na arquitectura, os espaços que melhor apresentam as características descritas aqui por Van
Eyck são aqueles que podem ser entendidos como o adensamento do espaço de comunicação entre
dois lugares com características distintas: as entradas, os alpendres, as varandas, as galerias. Estes
elementos servem, na grande maioria dos casos, para intermediar espaços públicos e privados a
todos os níveis, tanto na relação entre a rua e o interior como entre espaços internos ‐ por exemplo,
a sala de aula de uma escola e o corredor que lhe dá acesso. Uma das suas principais características é
serem locais de encontro e despedida – são “[…] a tradução em termos arquitectónicos da
hospitalidade.”30 Nestes momentos, a conversa é muitas vezes prolongada durante minutos ou
mesmo horas. Tal situação deve‐se ao carácter informal destes espaços. Neles, podemos apoiar‐nos
onde quer que seja (em muros, paredes, degraus, etc.), já que não existe uma ordem pré‐
‐determinada para a permanência como numa sala de estar ou de jantar. Simultaneamente, a
possibilidade de o diálogo terminar a qualquer momento, o facto de não nos sentirmos obrigados a
pensar em temas de conversa que prolonguem o convívio, leva a que este se possa desenrolar de
uma forma mais livre e espontânea.
27 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura; p.32
28 SMITHSON, Alison (ed.) ‐ Team 10 primer, p.96
29 VAN EYCK, Aldo [et. al.] ‐ Aldo Van Eyck, p.49
30 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura, p. 35
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“Para que o contacto se possa estabelecer espontaneamente, é indispensável uma certa
informalidade, um certo descompromisso. É a certeza de que podemos interromper o contacto
ou retirarmo‐nos quando quisermos que nos encoraja a prosseguir.”31
Conclui‐se, assim, que o espaço de intervalo é um essencial lugar de convívio, que é “tão
importante para o contacto social como as paredes grossas para a privacidade.”32
Este convívio é muitas vezes suscitado por outras actividades informais que se desenrolam
nos espaços intermédios, e que muitas vezes são imprevistas. Em “Doorway”, Simon Unwin fala do
espaço ampliado do vão da porta como: o lugar de encontro entre fumadores (especialmente
quando fumar no interior é proibido); um sítio para passar a noite (4.a.), aproveitando o calor que
provém do interior de um edifício; o lugar onde esperamos por amigos ou nos escondemos para os
surpreender; o espaço onde se fala de bisbilhotices com os vizinhos (4.b.); o sítio onde objectos são
entregues ou deixados para serem recolhidos; o lugar onde se discute com religiosos evangelistas, e
que representa o interface entre a nossa visão e a deles; o espaço onde as senhoras arranjam o xaile
antes de entrar na igreja; um local privilegiado para um músico de rua se evidenciar (4.c.); o sítio
31 Idem, p. 178
32 Idem, p.35
4.c. 4.b.
O vão de porta como lugar para actividades informais
4.a. Um abrigo para dormir;
4.b. Um espaço de convívio e bisbilhotice.
4. c. Um pódio para um espectáculo;
4.a.
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onde se cantam as janeiras; o local onde são deixados bebés abandonados. Relembrando o texto
citado no início deste capítulo, segundo Van Eyck “Uma porta é um lugar feito para uma ocasião.” 33
Herman Hertzberger dá‐nos uma definição de espaço de intervalo que põe a tónica na
possibilidade de este ser usado em simultâneo por usuários de ambos os domínios que intermedeia.
Os espaços de intervalo são zonas que, “ embora do ponto de vista administrativo possam pertencer
quer ao domínio público quer ao privado, são igualmente acessíveis a ambos os lados, isto é, quando é
inteiramente aceitável, para ambos os lados, que o “outro” também possa usá‐lo.”34 No entanto, em
algumas situações não é inteiramente aceitável que o espaço de intervalo seja usado por ambos os
lados, como é o caso dos alpendres de entrada ou nas varandas em vivendas privadas, cuja utilização
como zona de estadia por um estranho que passe na rua é vista como uma intrusão.
A diferença fundamental entre os espaços válvula de que nos falam Alexander e Chermayeff
e os espaços intermédios de Van Eyck e Hertzberger é que os primeiros têm como principal objectivo
a preservação da privacidade e do carácter próprio de cada espaço, encontrando‐se geralmente
encerrados por portas de forma a gerar antecâmaras de protecção ambiental e acústica, enquanto
os segundos se abrem aos lugares circundantes de modo a permitir a consciência simultânea das
realidades que entremeiam. Se os primeiros constituem lugares com uma função específica (zona de
vestir, de higienização, etc.), a funcionalidade dos segundos não se encontra definida a priori,
deixando espaço para o imprevisto, para o contacto humano numa qualquer e indeterminada
ocasião.
Na Faculdade de Direito da Cidade Universitária de Lisboa podemos observar ambos os
tipos de espaço de transição (para uma análise mais desenvolvida, ver Anexo 1). A escadaria e o
pórtico de entrada (5.a.) constituem um espaço intermédio entre o interior do edifício e a rua onde os
usuários da faculdade se encontram, despedem e convivem, aproveitando os degraus e desníveis
como zonas de apoio ou assentos. Embora constitua uma interessante zona de contacto social, este
lugar, totalmente aberto para o exterior, não protege o interior dos ruídos, poluição e temperatura
da rua. Para tal, existe uma antecâmara encerrada, que intermedeia interior e exterior (5.b.). Esse
espaço válvula preserva as características ambientais do espaço mais privado interior – através da
duplicação de portas, o que impede a passagem de ruídos e do ar, assim como da existência de um
tapete para limpar os pés que evita o transporte da sujidade da rua para o interior –, e constitui uma
33 SMITHSON, Alison (ed.) ‐ Team 10 primer. Londres: MIT press, 1974; p.96 34 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura, p. 40
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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1958 / Porfírio Pardal Monteiro
5.a. Espaço intermédio ‐ Escadaria e pórtico de entrada
5.b. Espaço válvula ‐ Antecâmara de entrada
zona de controlo contra eventuais intrusos através de câmaras de vídeo vigilância e da presença de
um segurança.
2. III. HIERARQUIZAÇÃO DA PRIVACIDADE
“Um «ninho seguro» – um espaço conhecido à nossa volta, onde sabemos que as nossas
coisas estão seguras e podemos concentrar‐nos sem sermos perturbados pelos outros – é algo
de que cada indivíduo precisa tanto quanto o grupo. Sem isso não pode haver colaboração com
os outros. Se você não tem um lugar que possa chamar seu, você não sabe onde está!”35
As diversas divisões de um edifício podem comunicar directamente umas com as outras,
como acontece em tantos palácios renascentistas, onde se passa de quarto privado em quarto
privado ou de sala em sala. Neste caso, os espaços são todos simultaneamente estáticos (zonas de
permanência onde se realizam actividades) e dinâmicos (lugares de passagem para aceder a outro
local). No entanto, como forma de evitar a invasão do espaço privado por aqueles que apenas o
pretendem atravessar, na maioria dos edifícios os principais espaços dinâmicos (os diversos
corredores) são independentes dos estáticos (as várias salas). Desta forma, conseguem transformar‐
‐se os espaços privados em lugares mais recolhidos e independentes, acentuando a sua privacidade.
35 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura, p. 28
5.a. 5.b.
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No entanto, o facto de a circulação se realizar fora dos espaços estáticos não implica que quem os
habita não possa ser incomodado por ela: o ruído do corredor pode ser ouvido desde o interior da
sala; podem verificar‐se intrusões visuais se as paredes tiverem materiais inadequadamente
transparentes; a sala pode ver‐se invadida se os elementos que intermedeiam o seu acesso não
forem os adequados. Tais situações impedem que os espaços estáticos mais privados possam
constituir “ninhos seguros”, lugares de segurança e concentração para o indivíduo. A mesma falta de
privacidade acontecerá em relação a grupos de pessoas com interesses comuns se para elas não
forem previstas zonas específicas. Existem, então, duas questões fundamentais a ter em conta para
que este tipo de problemas não surja: os espaços de circulação devem estar devidamente
caracterizados e hierarquizados de forma a gerar zonas com características específicas que protejam
a privacidade dos espaços a que dão acesso e suscitem o convívio entre grupos específicos de
usuários; os espaços e elementos arquitectónicos que estabelecem a relação entre salas, entre
corredores e entre salas e corredores devem estar adequados ao nível de privacidade de ambas as
zonas que intermedeiam.
2. III.1. HIERARQUIZAÇÃO DO ESPAÇO DE CIRCULAÇÃO
Em qualquer edifício é necessário que as zonas de circulação estejam diferenciadas e
hierarquizadas de forma clara. Só desta forma se poderão gerar zonas de circulação suficientemente
calmas e silenciosas para acesso a espaços mais privados, melhorando a qualidade ambiental dos
últimos, e outras mais dinâmicas e ruidosas para acesso a espaços mais públicos, aumentando o
dinamismo dos corredores/átrios principais. Desta forma, tornar‐se‐á evidente para o usuário o nível
de privacidade de cada zona de circulação e dos espaços por ela acessíveis.
No Lar de Idosos De Drie Hoven (6.a.) entende‐se claramente a hierarquização do espaço de
circulação: a zona mais movimentada e ampla é constituída por um grande átrio central, acessível
por todos; num segundo nível estão os corredores mais largos que interligam este átrio com os
outros mais pequenos e dão acesso apenas a salas comuns e de serviços; num último nível estão os
corredores de acesso aos quartos, mais estreitos e menos movimentados do que qualquer outro
espaço de circulação do edifício. Desta forma, garante‐se que os corredores dos quartos sejam tão
pouco movimentados e ruidosos quanto possível, gerando um ambiente sereno de entrada no
espaço privado e protegendo‐o de ruídos indesejados. O grande átrio, pela sua dimensão e posição
central, ganha um forte carácter público, constituindo o centro de convívio do lar.
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6.a. Lar de Idosos De Drie Hoven, 1964‐74 / Herman Hertzberger
6.b. Diagrama de uma zona residencial (Oscar Newman, Defensible Space )
Está “organizada hierarquicamente com espaços privados, semi privados, semipúblicos e públicos. A estrutura reforça a vigilância natural,
ajuda os habitantes a reconhecerem os seus vizinhos mais próximos e melhora a possibilidade de tomar decisões sobre os problemas
comunitários em grupo.”34
“A hierarquia dos agrupamentos sociais reflecte‐se na hierarquia dos espaços comunitários:
a família tem uma sala de estar, as vivendas organizam‐se em torno a espaços comuns, a
praça exterior e o local colectivo interior; e por último, todo o conjunto residencial está
construído em volta de uma rua principal de carácter público na qual também existe um centro
comunitário. Os membros da família reúnem‐se na sala de estar; os habitantes do aglomerado
de vivendas, na praça do aglomerado; e os residentes de todo o bairro, na rua principal.”36
Numa cidade, as casas agrupam‐se em conjuntos residenciais, dentro dos quais a maioria dos
vizinhos se conhece entre si. Os conjuntos residenciais agrupam‐se em bairros, onde o contacto
entre pessoas já não é tão frequente nem próximo. Juntos, os bairros formam uma cidade, dentro da
qual habitantes de diferentes bairros poderão conhecer‐se e estimar‐se, mas na qual os encontros
são dificultados pela distância.
36 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; p.67
6.a. 6.b.
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O mesmo se pode passar num edifício. Retomemos o exemplo do lar de idosos (6.a.). A sua
estrutura é muito semelhante à de uma cidade: o átrio central corresponde à praça principal da
cidade, onde todos se encontram; cada uma das quatro ramificações principais (onde se situam as
comunicações verticais) corresponde a um pequeno bairro, organizado em torno de um diminuto
espaço comum – a praça do bairro; em cada braço existem dois corredores de acesso aos quartos –
ruas interiores –, relativos a um conjunto residencial da cidade. Nestes corredores existirá uma
maior comunicação directa entre residentes do que nas ramificações principais, e mais ainda do que
na totalidade do lar. Desta forma conseguem criar‐se subgrupos, onde o espírito de entreajuda e
comunidade poderá prosperar. Se todos os quartos fossem acessíveis através do mesmo corredor,
se não existissem formas de criar núcleos mais restritos de habitantes, o sentimento de pertença e o
espírito comunitário seria menor, dado não existir espaço intermédio entre o colectivo, demasiado
vasto e impessoal, e o individual, mais isolado.
“O estabelecimento de uma estrutura social e sua correspondente estrutura física, com
espaços comunitários a vários níveis, permite a deslocação desde grupos e espaços pequenos
até outros maiores, e desde espaços mais privados aos gradualmente mais públicos,
oferecendo uma maior sensação de segurança e um mais intenso sentido de pertença às zonas
situadas fora da vivenda privada.”37
Para que haja espírito de comunidade entre os habitantes de um edifício, os seus domínios
devem estar hierarquizados em função do convívio entre usuários. Nesse sentido, é essencial que o
tamanho dos grupos a formar não seja nem demasiado grande (impedindo o contacto próximo
entre as pessoas) nem demasiado pequeno (não suscitando estímulos suficientes e podendo gerar‐
se conflitos devido a uma excessiva proximidade). O carácter dos diferentes grupos deve também
ser tido em conta. Numa escola de ensino básico do 1º ao 9º ano, por exemplo, faz sentido criar uma
zona de corredor privada para professores (de acesso às respectivas salas de convívio, casas de
banho, etc.), já que os seus interesses são muito distintos relativamente aos dos alunos. E o mesmo
se passa em relação a estudantes de diferentes faixas etárias: dado que os seus interesses variam
muito de idade para idade, faz sentido criar zonas próprias para faixas etárias distintas. Ao mesmo
tempo devem ser previstos espaços onde alunos de todas as idades possam encontrar‐se, de modo
a criar um espírito de unidade dentro da escola e possibilitar contactos mais alargados.
37 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura, p. 131
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De forma a hierarquizar convenientemente o espaço de circulação de um edifício, os
corredores e áreas comuns deverão ser diferenciados em função de três factores fundamentais: as
características e interesses do conjunto de pessoas que vai utilizar cada um deles; o carácter e grau
de privacidade dos espaços a que dão acesso; o grau de movimento que pressupõem – que depende
dos espaços estáticos a que dão acesso directa e indirectamente, através da comunicação com
outros corredores. Depois de clarificados estes aspectos, podem então definir‐se as características
específicas de cada espaço de circulação. Nesse processo deve ter‐se em conta que, “assim como a
aplicação ao interior do tipo de organização espacial e do material referentes ao exterior faz com que o
interior pareça menos íntimo, as referências espaciais ao mundo interior fazem com que o exterior
pareça mais íntimo.”38 Quando o espaço interior é semelhante ao exterior, o usuário associa‐o
inconscientemente ao espaço público da rua e interpreta‐o como um lugar mais público. O mesmo
acontece em relação a espaços de transição exteriores, que poderão ter uma formalização
semelhante à do espaço interior, sendo por isso interpretados como zonas mais privadas.
A gradação desde os espaços dinâmicos mais públicos até aos mais privados deverá ser feita
tendo em conta vários aspectos que geram mais ou menos possibilidade de contacto entre usuários
e uma maior ou menor associação ao espaço exterior. São eles:
Largura – deve ser determinada em função do movimento de utilizadores e da existência de
zonas de estadia;
Altura – quanto mais alto for o espaço, maior será a probabilidade de suscitar associações
com o espaço exterior, tendo por isso um carácter mais público;
Materialidade – a utilização de materiais característicos do espaço público como, por
exemplo, os pavimentos de calçada, suscitará no usuário associações com o espaço exterior,
conferindo ao corredor uma índole mais pública;
Existência de zonas de estadia e de interacção – este tipo de zonas pode aumentar em
grande medida o contacto entre os usuários, fornecendo lugares para convívios prolongados
alternativos aos das salas comuns e facilmente acessíveis a todos. Podem ser de carácter
mais formal – mesas, bancos, cadeiras, sofás –, ou mais informal – degraus ou outros
desníveis onde as pessoas se possam apoiar ou sentar. Devem ser pensadas em função do
tipo de usuário. Por exemplo, no caso de uma escola de ensino básico, nos corredores
utilizados pelos alunos podem existir bancos fixos e zonas de jogos (como o ténis de mesa
ou jogos de tabuleiro); já na zona de professores, mobiliário mais confortável como sofás
38 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura, p. 86
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com mesas de apoio seria mais indicado. Deve ter‐se também em conta os espaços a que
dão acesso. No corredor de acesso à biblioteca não deverá haver jogos ruidosos, a menos
que o acesso ao espaço de leitura seja antecedido por antecâmaras que o isolem
acusticamente.
Iluminação – a existência de iluminação natural é um forte incentivo à permanência em
zonas de estadia previstas nos corredores; iluminação natural zenital ou superior,
especialmente se associada à verticalidade do espaço, suscita associações com o espaço da
rua, dando um carácter mais público ao corredor; o mesmo acontece quanto à iluminação
artificial, se utilizados candeeiros semelhantes aos do espaço público.
2. III.2. PORTAS, ESPAÇOS VÁLVULA, ESPAÇOS INTERMÉDIOS E DESNÍVEIS
Como forma de preservar e tornar evidente o carácter de cada espaço estático, assim como
criar lugares de encontro entre usuários, são utilizados elementos de pequena escala que gerem as
relações entre espaços dinâmicos e entre estes e os espaços estáticos. Estes elementos podem ter
um carácter mais ou menos aberto, aumentando ou diminuindo o grau o acesso a zonas
determinadas consoante o carácter mais publico ou mais privado de cada uma delas. Nos capítulos
anteriores foram já referidos dois tipos de elementos de transição: os espaços válvula, antecâmaras
que controlam e preservam o ambiente dos espaços a que dão acesso; os espaços intermédios, que
suavizam as transições entre espaços com características distintas e geram lugares para estar e
conviver. Para que qualquer um destes elementos possa cumprir a sua função, é necessário que
neles existam elementos móveis que controlem a entrada e saída de pessoas para além de
impedirem a passagem de ar, som e luz entre um espaço e o outro: as portas. Elas podem surgir
associadas aos espaços válvula ou aos espaços intermédios, mas podem também constituir, elas
próprias, um elemento de transição.
Em qualquer dos casos é fundamental que o nível de opacidade das portas se adeqúe à
transição que efectuam: devem ser totalmente opacas quando se pretende um isolamento visual
total dos espaços; podem conter uma parte de vidro transparente, de maneira a impedir uma
intrusão visual permanente mas, ao mesmo tempo, permitir que se tenha consciência das
actividades que se desenrolam nos espaços adjacentes e da pertinência ou não de transpor a porta ‐
um bom exemplo são portas que intermedeiam corredores e salas de aula em escolas, permitindo
que os alunos vejam se nela estão a decorrer aulas, podendo assim avaliar se a sua entrada
constituirá um factor de perturbação; podem ser totalmente transparentes, quando os espaços que
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interligam têm níveis de privacidade semelhantes e se pretende uma grande fluidez entre eles – por
exemplo, em corredores contínuos nos quais é conveniente existir algum isolamento acústico, estas
portas resolvem essa questão, ao mesmo tempo que mantêm a leitura do corredor como um só e
impedem colisões desnecessárias que poderiam ocorrer no caso de as portas serem opacas. As
portas deverão ser escolhidas de acordo com o nível de isolamento acústico que os espaços
pressupõem e, em função disso, utilizar vidro simples ou duplo, ou ponderar a utilização de
materiais isolantes no interior de portas opacas. O modo de abrir a porta é também muito relevante
para que o usuário entenda o grau de acesso a cada zona/sala de um edifício: se não existir qualquer
tipo de trinco ou fechadura, bastará empurrar ou puxar a porta para que ela abra, demarcando
suavemente a transição entre espaços; se existir um trinco e for necessário usar uma maçaneta para
transpor a porta, a demarcação da transição será já mais efectiva e as qualidades ambientais dos
espaços melhor preservadas; se for necessário utilizar uma chave para entrar na sala, existirá uma
privatização total do espaço, já que se torna acessível apenas por pessoas determinadas.
Um outro elemento de transição muito eficaz como forma de diferenciar zonas de
circulação e gerar espaços de estadia é o desnível. A existência de alguns degraus no interior de
zonas de comunicação (átrios ou corredores) torna as áreas situadas a uma cota superior um pouco
menos acessíveis, o que pode ser usado como forma de diferenciar e hierarquizar espaços e, em
certa medida, privatizar zonas específicas. A relação entre o átrio de entrada e os corredores de
distribuição para as salas da Faculdade de Direito da Cidade Universitária constitui um bom exemplo
da utilização desse recurso (7.a. e anexo 1).
7.a. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1958 / Porfírio Pardal Monteiro
Articulação entre átrio, auditório e corredor principal (à esquerda, o átrio; em frente, o corredor; à direita, o auditório)
A transição entre o átrio de entrada, o auditório e os corredores que
dão acesso às salas é feita através de mudanças de nível do chão.
A figura mostra‐as bem: a partir do átrio, sobe‐se para um patamar
que conduz ao auditório. A partir desse patamar, sobe‐se para os
corredores que dão acesso às salas de aula. Como o tecto está
sempre à mesma altura, o pé direito diminui progressivamente,
marcando a transição entre um lugar mais público (o átrio), e outros
mais privados (o auditório principal e os corredores de distribuição
para as salas de aulas). Assim, ao mesmo tempo que se mantém uma
relação aberta entre os corredores de distribuição e o átrio de
entrada (evidenciando que ambos pertencem ao mesmo sistema de
ruas interiores), conseguem tornar‐se claros os seus distintos graus
de privacidade.
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Ao mesmo tempo, um desnível pode diferenciar uma zona de circulação de uma de estadia,
mantendo a aparência de um só espaço, mas gerando zonas distintas. Os degraus resultantes da
desnivelação podem ser utilizados como assentos. É possível criar lugares deste tipo a várias escalas:
desde os mais recolhidos e intimistas até grandes escadarias/bancadas onde as pessoas possam
sentar‐se e conviver (8.a.).
2. IV. ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO COMO LUGARES DE INTERACÇÃO
Para além das necessidades fisiológicas básicas como comer ou dormir, é indispensável ao
Homem relacionar‐se com os seus semelhantes (não é por acaso que, nas prisões, estar numa cela
em isolamento constitui uma punição suplementar temida pelos reclusos). Este contacto pode
ocorrer entre elementos da família ou entre amigos próximos dentro dos espaços privados. Pode
ainda tomar muitas outras formas e acontecer numa infinidade de contextos. Destes teremos que
destacar o espaço público, onde a variedade de acontecimentos é ampla, oferecendo “[…]
abundantes variações sensoriais. Não há um só momento igual quando se circula entre as pessoas.” 39 É
nestes espaços que novos relacionamentos podem ter o seu início e onde se tem contacto com a
realidade social. Ao mesmo tempo, ao contrário do que acontece quando se vê passivamente
televisão na segurança do espaço privado (uma forma hoje tão generalizada de mitigar possíveis
carências de contacto humano), a vivência do espaço público permite participar e influir nos
acontecimentos.
39 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; p.29
A escadadaria é desenhada como um lugar de estadia e convívio.
8.a. Escola Stedelijk Dalton, 2003‐08 / Herman Hertzberger
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Os espaços de transição dos edifícios também oferecem este estímulo, embora em menor
escala do que, por exemplo, uma rua pedonal movimentada de um centro urbano como a Rua
Augusta, em Lisboa. No entanto, dado o seu carácter comunitário, eles podem constituir
insubstituíveis lugares de encontro e comunicação entre vizinhos. Para que tal aconteça, é
necessário que se criem condições de forma a possibilitar e estimular os contactos inter‐pessoais.
Assim, a questão que se coloca é: como dar vida ao espaço público e aos espaços de transição dos
edifícios?
2. IV.1. ACTIVIDADES E MOVIMENTO DE PESSOAS
Jan Gehl reflecte sobre o espaço público enquanto zona de contacto social. Segundo este
autor, “as pessoas e actividades humanas atraem outras pessoas. As pessoas sentem‐se atraídas pelas
pessoas […] Se há muita gente, ou se está a passar‐se algo, a tendência é que se incorporem mais
pessoas e acontecimentos, e as actividades crescem tanto em extensão como em duração […] Passa‐se
algo porque se passa algo.”40 Assim, de forma a criar espaços vivos, é necessário garantir o
movimento de pessoas, mas também estabelecer lugares e condições para estadias mais
prolongadas, já que “a vida entre os edifícios [e nos espaços de transição] é fruto do número e da
duração de cada um dos acontecimentos. O importante não é o número de pessoas ou acontecimentos,
mas o número de minutos passados no exterior.”41
2. IV.2. UMA RAZÃO PARA SAIR DE CASA
De forma a gerar movimento nos espaços públicos é necessário que as pessoas tenham
razões para sair de casa. Um desses motivos prende‐se com a necessidade ou o interesse em usar
serviços existentes em lugares próximos da habitação: ir às compras, aos cafés e restaurantes, ao
banco, à biblioteca ou ao salão de jogos, etc. Assim, é essencial que se prevejam lugares recreativos
e de comércio em função dos interesses da população de cada aglomerado urbano. Estes devem
estar a distâncias praticáveis a pé, já que de outra forma a distância constituirá um entrave à sua
utilização ou implicará o uso do automóvel como forma de acesso, diminuindo as possibilidades de
encontro entre vizinhos.
40 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; p.83
41 Idem, p.89
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A razão para sair de casa pode não consistir na necessidade ou interesse em aceder a
serviços localizados em edifícios, mas na participação em actividades que decorrem no espaço
público. Para isso devem prever‐se zonas de estadia com diferentes características, adaptadas aos
diferentes tipos de usuários e actividades, criando “condições para deambular e entreter‐se nesses
espaços, assim como participar num amplo leque de actividades sociais e recreativas.”42 Estes lugares
podem ser independentes dos edifícios – por exemplo, os parques infantis ou os bancos de rua –, ou
surgir associados a eles, como no caso das esplanadas.
2. IV.3. ACTIVIDADES PRIVADAS
Os espaços públicos poderão também ser animados por actividades privadas. Pátios
privados ou semi‐privados abertos para a rua constituem uma forma de estimular estadias
prolongadas que animam o espaço público, fomentando a comunicação entre vizinhos, assim como
entre habitantes e pessoas que passam na rua. Os pátios privados, em particular, para além de
servirem “como argumentos ou escusas para estar no exterior durante um prolongado período de
tempo”43 (a cuidar das plantas, a limpar o chão, pintar a guarda, etc.), sugerem também temas de
conversa entre vizinhos ‐ “As suas rosas estão muito bonitas, este ano!”44, algo indispensável para que
a comunicação possa ter lugar.
Para que pátios privados ou semi‐privados sejam vivenciados, é necessário entender a sua
zona de entrada como um espaço intermédio: “A planta da vivenda deve desenhar‐se de modo a que
as actividades desenvolvidas no interior da casa possam fluir livremente para o exterior. […] Portanto,
as zonas exteriores devem estar justamente ao lado das salas da vivenda. A própria entrada deveria
desenhar‐se de modo a que seja o mais fácil de trespassar possível, tanto funcional como
psicologicamente.”45 Este tipo de limites, utilizado em combinação com a existência de janelas de
onde se veja facilmente a rua, permite que os habitantes estejam ao corrente do que nela se passa,
servindo de estimulo à participação em actividades decorrentes (9.a.).
42 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; p.143
43 Idem, p.205
44 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; p.205
45 Idem, p.201
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2. IV.4. DAR UM PASSEIO
Existindo vários tipos de incentivos à utilização do espaço público, este tornar‐se‐á uma
zona onde acontecem coisas – as pessoas convivem nos cafés, caminham até ao supermercado,
encontram‐se nas entradas dos edifícios, permanecem nos pátios abertos ao espaço público
observando o que nele ocorre, etc. Desta forma, será mais provável que os habitantes queiram
simplesmente dar um passeio no espaço público e entreter‐se com as múltiplas situações que nele
ocorrem.
2. V. LUGARES ESTIMULANTES E AGRADÁVEIS
A formalização das zonas de estadia dos espaços públicos e de transição pode constituir um
incentivo à sua utilização ou, ao invés disso, desencorajar o seu uso, dependendo do seu nível de
adequação às necessidades humanas de estímulo e conforto.
2. V.1 VISIBILIDADE DAS ACTIVIDADES
Mais do que qualquer fachada de edifício, mais do que qualquer escultura, o que mais
interessa e desperta a atenção das pessoas são as actividades humanas. Num estudo da Escola de
Arquitectura da Real Academia de Belas Artes dinamarquesa, no qual são analisados os locais onde
os peões se detêm para observar alguma coisa que lhes chama a atenção (para o efeito foi escolhida
a principal rua pedonal do centro de Copenhaga), verificaram‐se muito poucas paragens em frente a
agências bancárias, salas de exposição ou montras insípidas de, por exemplo, caixas registadoras ou
porcelanas. Contrariamente, verificou‐se um grande número de paragens em frente a montras e
9.a. Ilha de Sporenburg, Amsterdão, Holanda
Uma relação fluida entre espaço público e privado através de varandas: realização de actividades privadas no espaço público.
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lojas relacionadas directamente com outras pessoas ou com o ambiente social circundante como
quiosques, exposições de fotografia ou lojas de roupa. Mas as actividades que se desenvolviam na
própria rua, como crianças a brincar ou músicos de rua, constituíam a principal atracção,
despertando um vivo interesse e agrupando, em alguns casos, um grande número de pessoas.46
Conclui‐se, portanto, que os espaços públicos devem possibilitar ao usuário uma boa
visibilidade das outras pessoas que os frequentam e das actividades decorrentes. Não devem criar‐
‐se ruas demasiado largas porque “se as ruas são demasiado largas e os espaços demasiado grandes,
perde‐se mais ou menos a oportunidade de poder ver, desde um sítio, o espaço e o que se está a
passar.”47 Os espaços públicos devem ser dimensionados “de maneira a que os seus bordos
correspondam aos limites do campo social de visão”48, tendo em consideração, por exemplo, a
máxima distância para ver o que se passa (entre 70 e 100 metros) e a máxima distância para
distinguir as expressões faciais (entre 20 e 25 metros).49 O posicionamento dos locais de estadia,
como zonas de bancos, deverá também ter em conta este aspecto, privilegiando os lugares com
vista para zonas dinâmicas ‐ “Os bancos que oferecem uma boa visão das actividades circundantes
usam‐se mais que os bancos com pouca ou nenhuma visão de outras pessoas”.50
2. V.2 PROTECÇÃO E EFEITO DE BORDO
Na determinação dos lugares de estadia nos espaços públicos e de transição deve ter‐se em
conta um outro aspecto fundamental: o sentido de protecção de cada lugar específico. “Quando
temos as costas protegidas, os outros só se podem aproximar de frente, sendo assim mais fácil estar
atento e reagir […] em caso de uma invasão não desejada do território pessoal.”51 Assim, os
acontecimentos ocorrem tendencialmente nos bordos dos espaços, onde nos sentimos mais
protegidos e temos uma visão mais abrangente das pessoas e actividades aí decorrentes: “Perto de
uma fachada estamos menos expostos do que se estivermos no meio de um espaço: não estorvamos
ninguém nem nada; podemos ver, mas não estamos demasiado visíveis, e o território pessoal fica
46 Referência a GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; pp.36 e 37
47 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; p.177
48 Idem ibidem
49 Referência a idem ibidem
50 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; p.35
51 Idem, p.163
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reduzido a um semi‐círculo em frente a cada indivíduo.”52 Gera‐se, deste modo, o efeito de bordo: as
actividades mais calmas e estacionárias acontecem geralmente nos bordos dos espaços públicos,
enquanto as mais movimentadas se passam usualmente no seu centro. Gehl dá‐nos um exemplo
esclarecedor: “As crianças juntam‐se na porta de casa durante uns momentos, até que começam a
brincar em grupo e ocupam todo o espaço.”53 É, então, necessário garantir que as zonas mais
periféricas dos espaços sejam lugares activos, prevenindo o problema a que Christopher Alexander
nos chama à atenção no seu livro A Pattern Language: “Se os bordos falham, o espaço nunca se chega
a animar.” 54
2. V.3 ASSENTOS
O carácter e a vida dos espaços públicos são grandemente determinados pela existência de
assentos. “Só quando existem oportunidades para se sentar é que podem haver permanências de longa
duração”55, ancoradas em actividades como “ […] comer, ler, dormir, jogar xadrez, apanhar sol, olhar
para a gente, falar, etc.”56 Por isso, e porque “os lugares para se sentar são eleitos com muito mais
cuidado do que os para estar de pé”57, é indispensável que a sua localização seja criteriosamente
eleita. Deve ser um local protegido, com boa vista para as actividades ocorrentes e ter boas
condições climáticas ‐ “Os lugares mais populares para se sentar encontram‐se nas bordas dos espaços
abertos, onde as costas ficam protegidas a vista é ampla e o clima local resulta mais favorável.”58
Os assentos principais como bancos, cadeiras, etc., devem situar‐se nos locais com
condições mais favoráveis – climáticas, de segurança, de vista para as actividades ocorrentes – de
modo a poderem ser utilizados por todas as faixas etárias. Devem ser confortáveis, já que serão
usados durante largos períodos de tempo. Para que sejam acessíveis a pessoas com dificuldades
motoras, os actos de levantar e de sentar não deverão apresentar dificuldades.
“Para além dos assentos principais, são necessárias muitas possibilidades de assentos
secundários e suplementares – em forma de escadas, pedestais, escadarias, muros baixos, caixas, etc. –
52 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; p.163
53 Idem, p.164
54 Idem ibidem
55 Idem; p.169
56 Idem ibidem
57 Idem ibidem
58 Idem, p.171
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para ocasiões em que a procura de assentos é particularmente elevada.”59 Estes destinam‐se aos mais
jovens, que “em muitas situações aceitam sentar‐se em qualquer sítio: no chão, na rua, nas escadas,
nos bordos das fontes e nos canteiros. Para estes, a situação geral tem um papel mais importante do
que os assentos.”60
A maneira como os assentos estão dispostos influi nas possibilidades de contacto entre os
seus ocupantes. Assentos costas‐com‐costas e em fila indiana (que não permitem que vejamos a
cara de quem está sentado num lugar próximo) ou demasiado espaçados entre si (dificultando a
conversação) não promovem o contacto entre usuários. “Em contrapartida, as cadeiras colocadas
juntas em torno de uma mesa, como nas esplanadas dos cafés, ajudam a iniciar as conversas.” 61 O
mesmo acontece quanto a bancos colocados frente a frente (que permitem ver e ouvir bem o
companheiro), ou bancos dispostos em ângulo, que tornam “um pouco mais fácil iniciar uma conversa
se há algum interesse mútuo em fazê‐lo; e se não queremos conversar, também nos é mais fácil libertar‐
‐mo‐nos de uma situação não desejada.”62
2. VI. PERSONALIZAÇÃO DOS ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO
2. VI.1 COMPETÊNCIA E DESEMPENHO
Para que exista um espírito comunitário nos espaços de transição públicos e semi‐públicos
dos edifícios, é indispensável que os seus usuários se identifiquem, revejam e sintam responsáveis
por eles. As questões relacionadas com os conceitos de língua, fala, competência e desempenho
poderão ajudar a um melhor entendimento das formas de estabelecer uma relação recíproca entre
usuário e espaço.
Ferdinand de Saussure faz a distinção entre langue e parole, entre língua e fala. A língua “é a
estrutura por excelência, uma estrutura que, em princípio, contém a possibilidade de expressar tudo o
que pode ser comunicado verbalmente.”63 Ela é um pressuposto fundamental do pensamento, já que
59 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; p.175
60 Idem, p.173
61 Idem, p.183
62 Idem, p.184
63 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura, p. 92
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as ideias só existem quando é possível transmiti‐las em palavras. A fala não é mais que o uso da
língua por parte do indivíduo para formular e transmitir essas ideias.
Influenciado por Saussure e Levi‐Strauss, Noam Chomsky introduziu os conceitos de
competência e desempenho, reinterpretando os princípios de língua e fala. “Competência é o
conhecimento que uma pessoa tem da sua língua, enquanto desempenho se refere ao uso que ela faz
deste conhecimento em situações concretas.”64
Herman Hertzberger faz a transposição destes conceitos para a arquitectura: “Em termos
arquitectónicos, pode dizer‐se que competência é a capacidade da forma ser interpretada, e
desempenho é o modo pelo qual a forma é/foi interpretada numa situação específica.”65
2. VI.2 EDIFÍCIO COMO INSTRUMENTO
“Quanto mais influência pudermos exercer pessoalmente sobre as coisas à nossa volta,
mais nos sentiremos emocionalmente envolvidos com elas, mais atenção lhes daremos e mais
inclinados estaremos a tratá‐las com cuidado e amor.”66
Ao contrário dos modernistas, Hertzberger considera que o edifício não deve ser uma
máquina, um aparelho que “faz o trabalho para o qual está programado, o que é esperado dele ‐ nem
mais nem menos.”67 Para este autor, os espaços vêm‐se despidos antes de serem habitados, pelo que
é fundamental que a arquitectura suscite imagens no usuário que o induzam a personalizar os
lugares, vestindo‐os consoante os seus gostos e necessidades. E compara o edifício com um
instrumento musical:
“Um instrumento (musical) contém essencialmente tantas possibilidades de uso quantos
forem os usos que lhe derem – um instrumento deve ser tocado. Dentro dos limites do
instrumento, cabe ao instrumentista extrair dele o que puder, segundo os limites da sua própria
capacidade. Desta maneira o instrumento e o instrumentista revelam as suas respectivas
capacidades um para o outro, completando‐se e realizando‐se mutuamente. A forma tomada
64 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura, p. 93
65 Idem ibidem
66 Idem, p.170
67 Idem ibidem
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como um instrumento oferece a ocasião para que cada pessoa faça o que mais deseja e, acima
de tudo, para que o faça à sua própria maneira.”68
Relacionando este raciocínio com os conceitos de competência e desempenho, pode afirmar‐
se que as competências de um edifício são exploradas pelo usuário, e que o resultado desta
interpretação, o desempenho, dependerá da forma como o usuário decifra o carácter do edifício.
Desta maneira, é importante que “o objecto construído possa cumprir mais de um propósito,
que possa representar tantos papéis quanto possível em benefício dos diversos usuários individuais.
Cada usuário será capaz então de reagir a ele à sua própria maneira, interpretando‐o de modo pessoal
para o integrar no seu ambiente familiar.”69
Gera‐se, assim, uma relação recíproca entre edifício e morador que reforça a identidade de
ambos: o edifício torna‐se mais rico devido a todos os elementos que os habitantes lhe adicionam e
os últimos sentem‐se mais eles mesmos ao viverem num espaço com as suas marcas pessoais.
2. VI.3 ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO E EXPRESSÃO DA INDIVIDUALIDADE
Os espaços de transição semi‐públicos (como corredores ou pátios) e as zonas de carácter
privado ou semi‐privado que se relacionam directamente com eles (como varandas ou entradas)
podem constituir lugares de expressão da personalidade dos habitantes de cada parcela privada.
Nelas, podem expor‐se objectos, criar‐se pequenas zonas de estar através de peças de mobiliário, ou
mesmo guardar utensílios e instrumentos (bicicletas, triciclos, guarda‐chuvas, etc.) quando
necessário. Para tal, é necessário entender estes lugares como instrumentos que hão‐de ser tocados
pelos habitantes. Os usuários deverão ser estimulados a neles mostrar a sua individualidade ou gerar
zonas de estadia. Alguns exemplos práticos são dados em 3.I.
Se assim for, ao caminhar pelos corredores e passear pelos pátios poderão conhecer‐se
algumas das características pessoais dos moradores através dos objectos dispostos nas suas
entradas e varandas. Como já atrás se referiu, isso pode sugerir possíveis temas de conversa entre
usuários ( – “Que bonito é o prato que colocou à entrada de sua casa!”), ou razões para a realização
de actividades em conjunto ( – “Que bela bicicleta! Não sabia que também fazia BTT!”). O simples
facto de os espaços privados visíveis e possivelmente acessíveis desde os espaços comuns estarem
personalizados gera uma atmosfera rica e propícia ao convívio. Simultaneamente, a existência de
68 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura, p. 170
69 Idem ibidem
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36
zonas de estadia nestes espaços privados origina estâncias prolongadas essenciais para a vida
comunitária.
Poderão também existir espaços públicos ou semi‐públicos (como pátios, ruas ou
corredores) onde se construam objectos em comunidade. Tal constitui uma forma eficaz de, por um
lado, os habitantes se conhecerem ou criarem laços mais fortes entre si e, por outro, haver uma
maior dedicação, vivência e sentido de responsabilidade pelo espaço público.
“Uma área de rua com a qual os moradores estão envolvidos, onde marcas individuais são
criadas por eles próprios, é apropriada conjuntamente e transformada num espaço
comunitário.”70
Nas Moradias Lima, um projecto de Herman Hertzberger, um tanque de areia projectado
para o centro do pátio comunitário foi decorado com mosaicos pelas famílias dos moradores. “No
começo, foram principalmente as crianças que contribuíram com os seus “ladrilhos”, mas logo de
seguida os adultos aderiram […]”71.
Conclui‐se que a existência de marcas individuais e comunitárias nos espaços públicos e de
transição abre as portas à formação de uma comunidade, espaço intermédio indispensável entre a
solidão do indivíduo isolado e a vastidão inalcançável da colectividade anónima.
70 HERTZBERGER, Herman ‐ Lições de Arquitectura, p. 43
71 Idem ibidem
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37
3. TRANSIÇÃO ENTRE ZONAS PÚBLICAS E PRIVADAS EM EDIFÍCIOS ANÁLISE DE EXEMPLOS PRÁTICOS
3. I. ESPAÇOS INTERMÉDIOS E ESPAÇOS VÁLVULA
Neste capítulo analisar‐se‐ão exemplos de espaços que realizam a transição entre zonas
públicas e privadas. Servirão como referência os princípios de espaço válvula e espaço intermédio
explicitados nos capítulos anteriores.
3. I.1. ENTRADAS EM QUARTOS OU APARTAMENTOS
Veremos seguidamente o modo como antecâmaras de entrada podem intermediar
corredores ou átrios interiores semi‐públicos e quartos ou apartamentos privados: no Lar de Idosos
de Drie Hoven (3.I.1.1) encontramos um bom exemplo de espaço intermédio; nas Residências
Documenta Urbana (3.I.1.2), antecâmaras com algumas características de espaços válvula; e na
Residência de Estudantes Alfredo Sousa (3.I.1.3) casos de espaços válvula por excelência. Assim, do
primeiro exemplo para o terceiro existe uma diminuição progressiva do grau de acesso à
antecâmara (devido ao crescente nível de encerramento em relação ao espaço de circulação). Como
consequência, assiste‐se à redução sucessiva das possibilidades de contacto entre vizinhos e ao
aumento gradual do isolamento sonoro e visual dos espaços privados.
3. I.1.1. LAR DE IDOSOS DE DRIE HOVEN
No lar de idosos De Drie Hoven, de Herman Hertzberger, os espaços de entrada nos quartos
constituem lugares intermédios abertos para o corredor (10). Eles são tão acessíveis a quem passa na
galeria como aos habitantes dos quartos, constituindo zonas que, como Hertzberger afirma, podem
pertencer quer ao domínio público (ou semi‐público, neste caso) quer ao privado.69 Esta
ambiguidade estimula o contacto entre habitantes, já que muitos mobilam as antecâmaras de
acesso aos seus quartos (10.a.) de forma a criar pequenas zonas de estar de onde podem ver quem
passa no corredor. Assim, este deixa de ser mono funcional, para ganhar algumas características de
uma rua de convivência.
69 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 40
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38
As janelas abertas para o corredor fortalecem a relação entre espaço semi‐público e privado,
permitindo que quem está no interior do quarto possa ver quem passa no corredor ou vigiar os
objectos que colocou no espaço de entrada, “não só como uma precaução contra o roubo, mas
simplesmente porque é agradável poder ver as próprias coisas ou verificar como as plantas vão indo.”70
A delimitar as antecâmaras estão os pilares de sustentação do edifício e pequenos muros
que servem como lugares para colocar plantas ou qualquer outro objecto que os moradores estejam
interessados em mostrar à comunidade. Mas, mais do que isso, estes muros baixos conformam
espaços mais pequenos que individualizam a entrada em cada quarto e onde se pode facilmente
colocar um tapete para limpar os pés.
Assim, os espaços de entrada funcionam como instrumentos que devem ser tocados pelos
moradores, proporcionando amplas oportunidades para a expressão individual através do mobiliário
ou de elementos decorativos.
70 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 40
Lar de Idosos De Drie Hoven, 1964‐74 / Herman Hertzberger
10.a. Corredor e espaço de entrada nos quartos;
10.b. Espaço de entrada nos quartos;
10.c. Planta do corredor e do espaço de entrada nos quartos
10.a.
10.b.
10.c.
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39
3. I.1.2. RESIDÊNCIAS DOCUMENTA URBANA
RESIDÊNCIAS DOCUMENTA URBANA
Nas Residências Documenta Urbana, de Herman Hertzberger, o espaço de entrada em cada
apartamento é constituído por uma antecâmara encerrada que se abre visualmente para a escada
através de uma porta de vidro, mas que protege a privacidade do interior da habitação, com a qual
comunica através de uma porta opaca (11.b.). Dado que ambas as portas possuem fechadura,
existem duas alternativas: a porta opaca pode permanecer aberta, expondo o hall privado de acesso
aos quartos e estabelecendo uma ligação suave entre o domínio comunitário e o privado; ou a porta
opaca permanece fechada, criando uma antecâmara encerrada e interrompendo‐se a comunicação
visual entre o hall da casa e a escada comunitária (11.a.). Nesta segunda hipótese, a antecâmara
tem características de espaço válvula: para além de proteger o espaço privado do ruído e das
intrusões visuais provenientes do átrio, constitui um lugar para limpar os pés ou colocar algum
objecto menos limpo de forma a não contaminar o interior da casa com a poluição trazida da rua.
Não se pode dizer que esta antecâmara constitua um espaço intermédio, já que pertence
administrativamente ao domínio privado e, a menos que a sua porta de vidro se encontre
permanentemente aberta, é unicamente acessível a partir dele. No entanto, esta zona de entrada
contém características muito próprias dos espaços intermédios, visto que possibilita a consciência
sincrónica das realidades que entremeia: permite o contacto visual entre a cozinha e a escada
através da janela da cozinha, que se abre directamente para a antecâmara de entrada (11.b.);
Residências Documenta Urbana, 1979‐82 / Herman Hertzberger
11.a. Escada de acesso
11.b. Planta geral
11.c. Antecâmara de entrada
11.a. 11.c.
11.b.
Espaços de Trans ição | Trans ição entre Zonas Públ icas e Pr ivadas em Ed i f í c ios
40
quando a porta opaca de entrada se encontra aberta, existe contacto visual entre o hall privado e o
patim da escada. Ao mesmo tempo, a antecâmara, o hall e a cozinha podem constituir lugares para
colocar objectos pessoais ou elementos decorativos, animando o espaço comum e expondo algo da
personalidade dos seus habitantes aos vizinhos. Todas estas características fazem aumentar o
número de oportunidades de convivência entre habitantes de diferentes apartamentos,
contribuindo para o espírito de comunidade.
3. I.1.3. RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES ALFREDO DE SOUSA
Na residência de estudantes Alfredo de Sousa, da autoria de Alberto de Sousa Oliveira e
Júlio Maurice, o espaço privado está organizado em módulos que contêm dois quartos (um singular
e um duplo) e dois espaços de higiene (um com duche e outro com sanita). Estas quatro divisões são
acessíveis através de uma antecâmara encerrada que comunica com o corredor de distribuição
(12.a.; 12.b.). Enquanto o corredor é acessível a todos os alunos (12.c.), a antecâmara serve apenas
três residentes, possibilitando o encontro a um nível mais próximo entre o habitante do quarto
singular e os do quarto duplo. A existência de um telefone na zona de entrada de cada módulo
permite a fácil comunicação entre habitantes de módulos diferentes (12.b.).
Este espaço de entrada tem um papel fundamental na gestão da privacidade e do encontro
entre os residentes. No entanto, não representa um espaço intermédio, já que se encontra
totalmente encerrado tanto em relação aos quartos como ao corredor. Não constitui, portanto, uma
zona que amenize as fronteiras entre o espaço semi‐público do corredor e o privado dos quartos,
Residência de Estudantes Alfredo de Sousa, Lisboa / Alberto de Sousa Oliveira e Júlio Maurice
12.a. Módulo dos quartos;
12.b. Antecâmara de entrada nos quartos;
12.c. Corredor de circulação.
12.a. 12.b. 12.c.
Espaços de Trans ição | Trans ição entre Zonas Públ icas e Pr ivadas em Ed i f í c ios
41
mas um lugar com carácter próprio e funções específicas que impede a contaminação do domínio
privado pelo público.
Esta antecâmara é o espaço tampão por excelência: conforma uma barreira à entrada de
estranhos no domínio privado dos quartos; diminui em grande medida a possibilidade de intrusão
visual do espaço privado por parte de quem passa no corredor; permite aos habitantes deixar aí o
guarda‐chuva e outros objectos, bem como limpar os pés num tapete apropriado, impedindo a
contaminação dos quartos com as sujidades da rua; constitui (em conjunto com o armário do quarto
maior e os dois módulos de higiene), uma barreira acústica que protege os aposentos do ruído do
corredor (12.a.).
A privacidade dos quartos está assegurada através das suas antecâmaras de entrada, mas o
contacto espontâneo entre habitantes de módulos diferentes não é por elas estimulado. Dado que,
para além disso, o corredor é estreito e não contém assentos ou elementos onde os estudantes se
possam apoiar durante uma conversa casual, as actividades comunitárias são remetidas
integralmente para os espaços comuns com funções pré‐determinadas: as cozinhas e salas de
estudo/estar. O encontro entre usuários é visto como um acto voluntário – para estar com os outros,
um habitante tem que se dirigir a salas específicas, ou então comunicar telefonicamente entre
módulos com colegas que já conhece. Desta forma, pessoas mais tímidas ou preguiçosas não se
dirigirão frequentemente aos locais especificados para o convívio, perdendo a possibilidade de
estabelecer novos contactos e desenvolver amizades. Se o espaço de circulação estimulasse a
comunicação entre residentes, o simples facto de percorrer um corredor constituiria uma valiosa
oportunidade para conhecer outros ou manter o contacto com quem já se conhece.
3. I.2. ENTRADAS EM SALAS DE ESCOLAS
3. I.2.1. ESCOLA MONTESSORI
Na escola Montessori, de Herman Hertzberger, o espaço de distribuição constitui uma
grande sala de estar comunitária, um espaço de encontro e brincadeira para todas as crianças da
escola. Cada sala de aula é vista como um “lar” autónomo, pertencente a um grupo específico de
alunos (inalterado ao longo do ano lectivo). A zona de entrada nestas salas estabelece a ligação
entre um lugar amplo, semi‐público e muito dinâmico, e um outro que se pretende mais tranquilo e
próprio de um grupo restrito (13.a.). A transição entre um espaço e o outro faz‐se gradualmente,
sem mudanças repentinas de ambiente: existe, em primeiro lugar, um espaço intermédio semi‐
aberto para o átrio comum, que é utilizado pelas crianças como lugar de recreio ou mesmo de
trabalho (13.b.; 13.c.); de seguida passa‐se pela porta de entrada para se chegar à zona mais pública
Espaços de Trans ição | Trans ição entre Zonas Públ icas e Pr ivadas em Ed i f í c ios
42
da sala (a parte do seu “L” mais próxima do átrio), onde se guardam os trabalhos dos alunos; só
depois se transita para a parte mais privada da sala de aula. Assim, a entrada é feita de uma maneira
suave, sem mudanças repentinas de ambiente.
Essa zona de transição entre a sala de aula e o átrio comum constitui o lugar mais adequado
para que cada turma exponha a sua criatividade: “Uma sala de aula, concebida como o domínio de um
grupo, pode mostrar a sua identidade ao resto da escola se lhe for dada a oportunidade de fazer uma
exposição das coisas com as quais o grupo está especialmente envolvido (coisas que as crianças fizeram
dentro ou fora da sala de aula).”71 A antecâmara aberta para o átrio constitui uma zona de exposição
informal e o mesmo acontece com as inúmeras janelas com peitoris generosos existentes na parede
que divide o átrio da sala de aulas, onde são colocados os trabalhos dos alunos ou objectos por eles
queridos. Nesta parede existe até um pequeno mostruário onde as crianças podem exibir as suas
obras de maneira mais formal. Isto permite aos alunos sentirem‐se mais identificados com o seu
“lar”, reforçando a identidade de um grupo restrito e, ao mesmo tempo, contribui para o espírito de
comunidade da própria escola na medida em que alunos de turmas diferentes têm acesso aos
trabalhos dos colegas.72
71 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 30
72 Referência a idem ibidem
Escola Montessori, 1960‐66 / Herman Hertzberger
13.a. Planta da escola Montessori | relação entre as antecâmaras de entrada e o espaço de distribuição;
13.b. Entrada na sala de aula;
13.c. Antecâmara da sala de aula, um espaço de trabalho e convívio.
13.a. 13.b. 13.c.
Espaços de Trans ição | Trans ição entre Zonas Públ icas e Pr ivadas em Ed i f í c ios
43
3. I.3. ENTRADAS EM EDIFÍCIOS
A entrada num edifício é, por excelência, um lugar de encontro onde os seus usuários se
cumprimentam e despedem. Deve pois ser entendida como um espaço intermédio onde existam
assentos ou apoios que suscitem os convívios informais.
Ao mesmo tempo, a entrada deve conter características de espaço válvula, protegendo o
ambiente interior de acordo com a agressividade do espaço público de forma a controlar a
passagem de som, a sujidade que possa ser conduzida pelos usuários desde a rua e as diferenças de
temperatura entre interior e exterior.
3. I.3.1. ESCOLA MONTESSORI
Na Escola Montessori, de Herman Hertzberger, as duas entradas são entendidas como
espaços intermédios. Constituem zonas igualmente acessíveis por ambos os lugares que interligam:
abrem‐se para o espaço da rua, diferenciando‐se dele através de pequenos desníveis e de muros
baixos, e são facilmente acessíveis desde o interior, estando os seus pavimentos ao mesmo nível.
Nestas entradas, as crianças podem conviver quando chegam cedo à escola ou enquanto esperam
pelos pais, e estes podem conhecer‐se ao aguardar a saída das crianças (14.a.). Os muros baixos são
frequentemente interpretados pelos usuários como assentos informais onde se permanece
enquanto se conversa, estuda ou vê as pessoas que passam, possibilitando a estadia (14.c.). Se
existisse uma zona coberta, a entrada poderia ser utilizada como lugar de permanência também nos
dias de chuva, abrigando pais e crianças durante os tempos de espera.
14.a. 14.b. 14.c. 14.d.
Escola Montessori, 1960‐66 / Herman Hertzberger
14.a. Entrada 1;
14.b. Planta da entrada 1;
14.c. Entrada 2;
14.d. Planta da entrada 2.
Espaços de Trans ição | Trans ição entre Zonas Públ icas e Pr ivadas em Ed i f í c ios
44
Os degraus que dão acesso a ambos os espaços de entrada desta escola estão posicionados
perpendicularmente em relação às portas de ingresso no edifício. Desta forma, o percurso desde a
rua até ao interior não se faz em linha recta, mas em “L”, suscitando um momento de pausa no acto
de entrada que consciencializa os usuários da mudança de ambiente entre o exterior e o interior,
entre o público e o semi‐privado (14.b.; 14.d.).
Simultaneamente, a porta de ingresso é posicionada de forma a gerar antecâmaras. No caso
da entrada 1 (14.a.; 14.b.), a antecâmara é encerrada por duas portas, funcionando como um espaço
válvula. Já na entrada 2 (14.c.; 14.d.), existe apenas uma porta a intermediar interior e exterior, não
se materializando um espaço válvula, pelo que o átrio interno se poderá encontrar mais exposto ao
ruído ou ao ar demasiado frio/quente a rua. No entanto, dada a tranquilidade da rua de acesso à
escola e o barulho produzido no interior pelos alunos, a falta de isolamento acústico pode não
constituir um problema para a escola (embora o possa ser para a vizinhança próxima). Por outro
lado, os diferenciais de temperatura poderão ser problemáticos dado que a escola se situa em Delft,
na Holanda, onde o frio se faz sentir durante o inverno.
3. I.3.2. FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Os edifícios da Fundação Calouste Gulbenkian foram projectados por Alberto Pessoa, Pedro
Cid e Ruy D’Atouguia. O primeiro elemento de transição entre estes edifícios e o espaço público é o
jardim da fundação que, em conjunto com os muros baixos que o delimitam, conforma uma eficaz
barreira acústica (15.a.). Simultaneamente, o facto de os edifícios se encontrarem subtilmente
elevados em relação à envolvente confere um carácter de ascensão aos seus caminhos de acesso,
pelo que o percurso realizado pelo usuário desde a rua até à entrada do edifício implica a
Fundação Calouste Gulbenkian, 1969/ Alberto Pessoa, Pedro Cid e Ruy D’Atouguia
15.a. Vista a partir da Avenida António Augusto de Aguiar | pode observar‐se o muro delimitante e declive do jardim que
funciona como barreira sonora
15.b. Edifício Sede da Gulbenkian e zona de entrada
15.c. Museu Gulbenkian | zona de entrada
15.a. 15.b. 15.c.
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45
consciencialização da mudança de ambientes entre o espaço público anónimo e um edifício
institucional.
A entrada na sede da Fundação é composta por dois elementos: uma zona de intervalo,
definida através de um estreito patamar elevado, acessível através de três degraus, e uma
antecâmara encerrada que constitui um espaço válvula (15.b.; 15.d.). Ambos têm, como objectivo
fundamental, dignificar o acto de ingresso dando a entender ao usuário o carácter público e
responsável da instituição.
Desta forma, no espaço de entrada não se prevêem assentos, sendo as zonas de estadia
remetidas para os inúmeros sofás com mesas de apoio do amplo átrio de entrada. Apesar disso, os
seus degraus poderão ser usados como bancos pelos usuários mais jovens durante as horas de
menor movimento.
O cunho institucional deste edifício é também tornado evidente através da nobreza dos
materiais do seu espaço válvula, que geram uma série de sensações visuais, tácteis e cinestésicas: a
antecâmara é composta por vidro transparente acastanhado cuja coloração impede a sensação de
continuidade espacial entre interior e exterior; os caixilhos das portas são de bronze, cujo peso
obriga a um movimento lento de abertura; o chão é alcatifado, gerando uma ampla zona para limpar
os pés.
Apesar de a antecâmara constituir um espaço encerrado, a transparência dos vidros que a
constituem permite a percepção simultânea do interior e do exterior. Este espaço válvula suaviza o
acto de ingresso no edifício e protege o interior da poluição e dos ruídos da rua (15.d.).
Fundação Calouste Gulbenkian, 1969/ Alberto Pessoa, Pedro Cid e Ruy D’Atouguia
15.d. Edifício da Sede | Espaço e antecâmara de entrada: zona de intervalo e espaço válvula
15.e. Museu Gulbenkian | Espaço de entrada: espaço intermédio
15.d 15.e
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46
O espaço intermédio da entrada do Museu Gulbenkian é um lugar mais amplo que o da Sede
e contém dois elementos: uma escada larga com um amplo patamar e um átrio coberto exterior
(15.c.; 15.e.). No primeiro, as apropriações informais são mais prováveis do que na entrada da Sede:
encontrando‐se distanciada em relação às portas de entrada, a escadaria pode ser usada enquanto
assento informal mesmo quando há muito movimento de pessoas; as guardas da escada
prolongam‐se para além dela, sendo utilizáveis como bancos. Não contendo elementos que possam
servir enquanto assento, o átrio coberto exterior só poderá ser usado enquanto lugar de estadia e
convívio se nele se permanecer de pé (por exemplo, em inaugurações ou recepções formais). A zona
formal de estadia (com sofás e mesas de apoio) encontra‐se no interior do átrio, à semelhança do
que acontece no edifício da sede.
Na entrada do Museu Gulbenkian não existe nenhum espaço válvula, pelo que a protecção
contra o ruído da rua é assegurada apenas pelo jardim (15.e.). A relação visual entre interior e
exterior desta entrada é semelhante à do edifício da Sede.
3. I.4. VARANDAS
3. I.4.1. APARTAMENTOS DA RUE DES SUISSES
No conjunto de apartamentos da Rue des Suisses, Herzog & De Meuron criam uma
interessante relação entre as habitações e o espaço público através de varandas privadas.
O projecto decompõe‐se em três edifícios principais. Dois deles fazem frente de rua,
fechando o quarteirão e deixando passagens para o pátio interior ao nível do piso térreo, e um
terceiro é implantado no interior do quarteirão, gerando pátios privados e um jardim de pequena
escala, que pode ser entendido como uma zona de condomínio ou enquanto espaço público
consoante as suas duas entradas sejam controladas ou não (16.a. e 16.b.). Em qualquer caso ele terá
sempre um carácter semi‐público devido à pequena escala e ao cunho estritamente habitacional dos
edifícios que o circunscrevem (os seus habitantes conhecem‐se ou reconhecem‐se entre si,
detectando facilmente qualquer estranho).
A relacionar os apartamentos (privados) com o jardim (semi‐público), existem varandas
contínuas encerráveis através de estores que permitem o controlo da entrada de luz e das intrusões
visuais que afectam tanto o espaço interior dos apartamentos como as varandas (16.c; 16.d.; 16.e.).
Possibilita‐se, assim, a criação de zonas exteriores privadas mais ou menos resguardadas em função
dos desejos dos usuários. No rés‐do‐chão, a cota do pavimento das varandas está elevada 40 cm em
relação à do pátio, o que, juntamente com as guardas metálicas e estores, ajuda a demarcar a
fronteira espacial (16.c.).
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47
A delimitação entre as varandas de apartamentos contíguos realiza‐se através de elementos
metálicos que não constituem barreiras visuais, o que permite a comunicação entre vizinhos embora
se traduza num menor grau de privacidade de cada apartamento (16.e.).
A abertura de varandas contínuas ao nível do piso térreo representa uma mais‐valia para a
vida comunitária, fomentando a comunicação entre vizinhos (entre quem está na varanda e os que
estão no espaço público) e facilitando a vigilância das crianças que brincam no jardim. Ao mesmo
tempo, o facto de a guarda da varanda ser um simples perfil metálico permite um acesso fácil ao
jardim, para onde os habitantes podem levar cadeiras, mesas ou outros objectos. Se assim for,
geram‐se estadias prolongadas no espaço público e, consequentemente, mais possibilidades de
encontro entre vizinhos.
Pode concluir‐se que as varandas dos apartamentos da Rue des Suisses são espaços
intermédios, já que permitem a consciência simultânea do jardim e do interior dos apartamentos,
assim como a comunicação entre os usuários de ambos. Ao mesmo tempo, quando as persianas
estão fechadas, podemos entendê‐las como espaços válvula que protegem o interior dos ruídos e
intrusões visuais provenientes do jardim.
16.a. 16.b.
16.c. 16.d. 16.e.
Apartamentos da Rue des Suisses, 1996‐01 / Herzog & DeMeuron
16.a. Fotografia geral do edifício;
16.b. Planta do conjunto;
16.c. Corte pelas Varandas;
16.d. Fotografia do interior de uma varanda;
16.e. Fotografia da rua arborizada.
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48
3. II. EDIFÍCIO COMO RUA
3. II.1. A RUA PÚBLICA DE CONVIVÊNCIA
“A rua deixou de ser um passeio no qual amigos e vizinhos podem manter práticas amáveis
e converteu‐se numa artéria de serviço pela qual circulam perigosos camiões e veículos
malcheirosos cheios de pessoas estranhas. Já não é mais o lugar onde pode brincar uma
comunidade de crianças ou passear um casal de namorados. Não é adequada nem sequer para
um cão. O conflito não resolvido entre peões e veículos fez dela um lugar ineficiente e
antiquado.”73
“Numa sociedade bem organizada que habita uma urbanização bem organizada (…) há um
sentimento inerente de segurança e pertença social que tem muito que ver com a clareza e
ordem simples da forma da rua (…). A rua é não só uma forma de acesso, mas também uma
área para a expressão social.”74
Para que uma rua se apresente como um lugar de expressão de vida comunitária é
necessário que nela existam três condições fundamentais: ser habitada por um número suficiente de
pessoas – tendo uma densidade de utilização apropriada; estar adequada ao transito pedonal e
conter elementos que permitam estadias mais prolongadas (bancos, escadas, etc.); apresentar uma
relação equilibrada e de reciprocidade entre a sua vida e a que se desenrola dentro dos edifícios.
73 ALEXANDER, Christopher; CHEMAYEFF: Comunidad y privacidad – Hacia una nueva arquitectura humanista, p.91
74 SMITHSON, Alison (ed.) ‐ Team 10 primer; p.98
17.a. A Rua de convivência
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49
É indispensável que a rua tenha uma adequada densidade de utilização, isto é, que seja
vivida por um número mínimo de pessoas, para que constitua um lugar animado. No entanto, uma
rua pode ser utilizada por muita gente mas ser um espaço morto, no caso de os seus usuários a
utilizarem apenas como zona funcional de circulação. É o que acontece em muitos lugares com
edifícios de grande escala e intenso movimento de pessoas mas que apresentam, a nível do rés‐do‐
‐chão, grandes extensões de fachadas cegas. A rua torna‐se um espaço monótono e pouco
estimulante. Ao invés disso, se os edifícios contiverem “frentes estreitas de maneira que haja a maior
quantidade de lojas (e entradas em edifícios) no troço de rua mais curto possível […] a longitude da rua
encurta‐se, as distâncias a pé reduzem‐se e a vida na rua melhora”75. Isto porque “as entradas são os
sítios onde quase sucedem sempre a maior parte das coisas”76 É através delas que os edifícios se
relacionam com a rua, que as pessoas entram e saem do espaço público. Ao aumentar o número de
entradas, aumentam‐se também as possibilidades de vivência da rua por parte de quem está dentro
do edifício. Por essa razão, é importante que existam entradas nos edifícios de ambos os lados da
rua (17.a.).
Deve também ter‐se em consideração o modo como essas entradas geram zonas de estadia
(possibilitando a ocorrência de conversas mais prolongadas entre quem entra e sai do edifício), ou
como se relacionam com o interior das habitações (estimulando os seus habitantes a sair à rua para
ver quem passa ou participar em alguma actividade que esteja a decorrer no momento). As entradas
poderão constituir lugares de estadia, mas estes também deverão surgir autonomamente, através
bancos ou zonas de estar públicas.
No entanto, é inútil que a rua tenha uma densidade adequada, frentes de edifícios estreitas e
zonas de estadia se não existirem condições adequadas ao trânsito pedonal e à permanência. Nas
cidades de hoje em dia, o principal factor que impede uma maior vivência das ruas é o tráfego
automóvel: é ruidoso e poluente; constitui um perigo de atropelamento eminente para o peão;
impede a relação directa entre peões que se encontram em lados opostos da rua, diminuindo as
possibilidades de comunicação entre eles. Um estudo de três ruas de S. Francisco, levado a cabo
entre 1970‐71 por Appleyard e Lintel demonstra que ruas com tráfego automóvel moderado têm
mais vida que outras de tráfego automóvel intenso (18.a)77.
75 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano, p.107
76 Idem ibidem
77 Referência a GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano, p.43
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50
3. II.2. A RUA SEMI‐PÚBLICA INTERIOR
Para além da questão da falta de vida em muitas ruas das cidades contemporâneas, existe o
problema da mono funcionalidade dos espaços de distribuição interiores dos edifícios. Para diminuir
os custos de construção, os corredores, escadas, halls e espaços comunitários de muitos edifícios
actuais têm as suas dimensões reduzidas ao mínimo, servindo apenas como elementos de
distribuição e não criando condições para o contacto entre usuários. Desta forma não se gera
espírito de comunidade, já que não existe nenhum lugar intermédio entre a rua e o espaço privado
onde as pessoas se possam encontrar e conhecer.
Para resolver este problema é necessário relacionar cada unidade do edifício com um
sistema público ou semi‐público de circulação que suscite o contacto entre usuários. No caso de
edifícios habitacionais de pequena escala, podem encontrar‐se soluções para dar a cada
apartamento uma relação directa com o espaço público, como é o caso das Moradias Haarlemmer
Houttuinen (19.a.; 19.b.; 19.c.)
Registo da frequência das actividades exteriores (pontos) e contactos entre amigos e conhecidos (linhas) em três ruas paralelas de S.Francisco.
Em cima: Rua com pouco tráfego.
3,0 amigos por pessoa;
6,3 conhecidos
“Todos se conhecem”, “Definitivamente uma rua aprazível”
No meio: Rua com tráfego moderado.
1,3 amigos por pessoa;
4,1 conhecidos
“Os vizinhos encontram‐se, mas não são amigos próximos.”;
“Não se sente que ainda exista uma comunidade, mas as pessoas cumprimentam‐se”
Em baixo: Rua com tráfego intenso.
0,9 amigos por pessoa
3,1 conhecidos
“Não é uma rua agradável, mas não é hostil”;
“As pessoas têm medo de ir para a rua por causa do tráfego”;
“Não é uma rua agradável, ninguém se oferece para ajudar.”
18.a. Estudo de três ruas de S. Francisco, 1970‐71 / Appleyard e Lintell
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51
No entanto, quando se trata de edifícios de maior escala nos quais é indispensável um
sistema de circulação interno próprio, este deve ser desenhado com o objectivo de, por um lado,
possibilitar o encontro entre habitantes de diferentes apartamentos ou de usuários de distintas
partes do edifício e, por outro, gerar zonas comunitárias de estadia onde os habitantes/usuários
possam permanecer e conviver sem invadir o espaço privado alheio. Para responder a esta
necessidade cria‐se uma rua de convivência interna, com carácter menos público do que as ruas
urbanas, uma vez que se pressupõe um acesso de alguma maneira controlado e restringido. Os
utilizadores destas ruas serão apenas os usuários do edifício, não caminhando por elas indivíduos
que se encontrem apenas de passagem, como acontece nas ruas públicas. O que se perde em
termos de variedade de pessoas em circulação ganha‐se em segurança e familiaridade, valores que
serão tanto mais fortes quanto mais sólidas forem as relações entre vizinhos. Evitam‐se os
problemas relacionados com o trânsito automóvel (poluição, ruído, perigo de atropelamento e
divórcio entre os dois lados da rua), inexistentes nestas vias pedonais. Estas ruas podem ter elevadas
Moradias Haarlemmer Houttuinen, Amsterdão, 1982 / Herman Hertzberger
19.a. Corte transversal pela rua;
19.b. A vida da rua;
19.c. A rua.
De forma a maximizar as oportunidades de encontro entre vizinhos, todos os apartamentos deste projecto são acessíveis a
partir da rua. O corte (19.a.) mostra como um edifício de quatro pisos pode prescindir de sistemas interiores semi‐privados de
distribuição: os duplex dos pisos inferiores têm entrada directa a partir da rua; os dos pisos superiores têm a porta de entrada no
primeiro piso, à qual se acede através de uma varanda que, por sua vez, comunica com a rua através de uma escada. No interior, sobe‐se
uma outra escada para chegar ao apartamento.
19.a.
19.b. 19.c.
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52
densidades e um elevado número de entradas para salas ou apartamentos, o que gerará muito
movimento. Os carros dos usuários permanecem na rua pública ou em parques de estacionamento,
obrigando os habitantes a percorrer as ruas interiores a pé, o que gera oportunidades de encontro e
convívio:
“Podemos ter uma visão fugaz de outras pessoas desde um carro ou da janela de um
comboio, mas a vida tem lugar a pé. Só “a pé” pode uma situação funcionar como
oportunidade significativa para o contacto e a informação, na qual o indivíduo se senta a seu
gosto e pode despender o seu tempo para experimentar, parar ou participar.”78
Para que suscitem a estadia é indispensável que as ruas interiores sejam bem iluminadas, de
preferência através de luz natural.
3. II.3. ANÁLISE DE EXEMPLOS
3. II.3.1. UNIDADE DE HABITAÇÃO DE MARSELHA
A Unidade de habitação de Marselha, de Le Corbusier, é um dos mais famosos edifícios onde
se congrega habitação e serviços indispensáveis para a vida de uma comunidade – como um jardim‐
de‐infância, um ginásio, uma enfermaria, um cabeleireiro, uma livraria ou lojas de alimentos. Tal
quantidade de serviços só poderá fazer sentido num edifício de grande escala, onde os corredores se
tornam verdadeiras ruas interiores (20.a.; 20.b.).
De forma a rentabilizar área de fachada e gerar uma grande densidade populacional, Le
Corbusier criou um módulo habitacional estreito e muito profundo (20.a.). Simultaneamente, os
apartamentos são duplexes e estão articulados para que um só corredor central dê acesso a três
pisos, como se pode observar no corte (20.c.; 20.d.).
Este esforço de rentabilização gera uma elevada densidade de utilizadores das ruas
interiores, condição fundamental para o encontro e comunicação entre residentes. Apesar disso,
estas ruas não foram pensadas como lugares para estar, mas apenas enquanto zonas de circulação:
não foram previstas zonas de estadia e convívio; as entradas para os apartamentos não são tratadas
como espaços intermédios apropriáveis pelos habitantes; os corredores são demasiado longos, não
se encontram subdivididos de forma a criar espaços contidos e vivenciáveis, e não são iluminados
naturalmente, o que diminui grandemente a sua qualidade ambiental, impedindo que se tornem
salas de estar comunitárias (20.b.).
78 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano; p.82
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53
Assim, as actividades comunitárias não se desenrolarão nos corredores, mas unicamente
em espaços específicos criados para o efeito que servem todos os habitantes, verificando‐se a falta
de zonas de convívio intermédias que sirvam conjuntos mais reduzidos de residentes, como
acontece no Lar de Idosos De Drie Hoven (ver 2.III., p.20 e 3.I.1.1., p.37).
3. II.3.2. CITÉ‐NAPOLÉON
“A cité Napoléon, em Paris, foi uma das primeiras tentativas, e certamente a mais notável,
de solução razoável para o problema da distância entre a rua e a porta de entrada num prédio
residencial de muitos andares.”79
Ao contrário da Unidade de Habitação de Marselha, os corredores de distribuição deste
edifício de habitação projectado por M. H. Veugni são pensados como lugares de contacto entre
vizinhos. O que mais os diferencia de exemplos menos conseguidos é o facto de serem iluminados
naturalmente. Pelo simples facto de conterem uma clarabóia, as probabilidades de serem utilizados
como lugares de estadia ou de brincadeira multiplicam‐se, particularmente nos pisos superiores,
onde há mais luz (21.a.; 21.b.; 21.e.). Havendo luz natural no corredor, faz sentido que nele se
abram janelas. Tal detalhe é importante já que, como acontece no lar De Drie Hoven (ver 2.III., p.20
79 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 39
Unidade de Habitação de Marselha, 1947‐52 / Le Corbusier
20.a. Planta do nível do corredor;
20.b. Fotografia da rua interior;
20.c. Corte transversal, sistema de distribuição;
20.d. Corte transversal geral
20.a.
20.b. 20.c. 20.d.
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54
e 3.I.1.1., p.37), é através delas que se estabelece o contacto entre os que passam no corredor e
quem está dentro de casa. Ao mesmo tempo, os habitantes enfeitam‐nas com plantas,
enriquecendo a atmosfera dos corredores e demarcando o seu espaço privado. As plantas surgem
também nas guardas mais próximas das entradas nos apartamentos (21.b.).
Dado que neste edifício, ao contrário da Unidade de Habitação de Marselha, cada corredor
serve apenas um piso (21.c.), é necessário encontrar outras estratégias para resolver o problema da
baixa densidade de utilizadores. Através da transparência vertical entre pisos, o conjunto de
corredores da Cité Napoléon é entendido como um só espaço, uma só rua interior que permite a
comunicação entre todos os residentes, aspecto que é intensificado pelo posicionamento das
escadas no seu interior (21.d.). Assim, os habitantes dos últimos andares são obrigados a atravessar
os vários pisos inferiores para chegar às portas das suas casas, providenciando‐se mais
oportunidades de encontro. Ao mesmo tempo, as escadas podem servir como assentos informais
para conviver ou descansar.
Cité Napoléon, 1849‐51 / M.H. Veugni
21.a. Rua interior, último piso;
21.b. Rua interior, penúltimo piso;
21.c. Corte longitudinal;
21.d. Planta da rua interior;
21.e. Rua interior, penúltimo piso.
21.a. 21.b.
21.c. 21.d. 21.e.
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3. II.3.3. CENTRO DE APOIO À TERCEIRA IDADE
O Centro de Apoio à Terceira Idade, do atelier CVDB, funciona simultaneamente como
centro de dia (situado no piso térreo) e residência (situada nos quatro pisos superiores) para idosos.
Dada a fraca mobilidade de grande parte destes habitantes, é importante que os espaços de
encontro e convívio lhes sejam facilmente acessíveis. Tal condição é resolvida através da criação de
uma rua de convívio interior (à semelhança da Cité Napoléon), evitando que os residentes
necessitem descer ao Piso térreo para conviver (22.d.).
A nível de iluminação, esta rua interior apresenta vantagens em relação à da Cité Napoléon
dado que, para além de nela existirem clarabóias que iluminam os pisos superiores (22.c.), os seus
topos são transparentes (22.b.; 22.c.; 22.d), fornecendo luz directa aos andares inferiores,
ampliando os limites visuais da rua até ao exterior e criando melhores condições de estadia nos seus
topos.
Centro de Apoio à Terceira Idade, 2002 / CVDB
22.a. Rua interior, segundo piso;
22.b. Rua interior, terceiro piso;
22.c Rua interior, último piso;
22.d. Planta – Piso de Quartos;
22.e. Corte transversal
22.a. 22.b. 22.c.
22.e. 22.d.
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Uma outra diferença importante entre este edifício e a Cité Napoléon é o facto de as escadas
se encontrarem fora do espaço da rua interior (22.d.; 22.e.), o que faz sentido devido à fraca
mobilidade dos usuários, que se servirão acima de tudo do elevador. Perde‐se a relação directa entre
pisos mas ganham‐se mais zonas apropriáveis (para pôr plantas, apoiar o braço, etc.) que, de outra
forma, estariam afectas às escadas.
Se, na Cité Napoléon, as entradas em cada apartamento estão perfeitamente demarcadas
(com excepção das que se situam ao lado do acesso às escadas), constituindo espaços intermédios,
no Centro de Apoio nem todas o estão, já que aqui a rua é mais estreita, não permitindo a existência
de um corredor central ao longo de toda a sua extensão.
No entanto, as bolsas criadas pelo conjunto de vazios de cada corredor, assim como os
espessos e largos vãos das portas de entrada nos apartamentos constituem zonas onde os
residentes poderão colocar plantas, objectos pessoais ou até mesmo cadeiras. Deste modo, o
carácter da rua interior derivará não só do movimento de pessoas, mas também do conjunto de
objectos nela colocados pelos residentes, que poderão simultaneamente constituir razões para a
estadia (por exemplo, ir regar ou arranjar as plantas).
Apesar de tudo, ao contrário do que acontece na Cité Napoléon, este tipo de situações não é
explorado até ao limite, já que não são previstos assentos ou apoios que as estimulem.
3. II.3.4. RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES “BIKUBEN”
A Residência de Estudantes “Bikuben”, do atelier AART, consegue, através de uma rua
exterior comunitária que percorre todo o edifício, aliar a existência de espaços comuns com a
privacidade dos apartamentos (23.c.; 23.d.; 23.e.).
Cada apartamento contém entre oito e nove quartos com janelas para o exterior e dois
espaços comuns (a cozinha e a sala de estar) abertos para o amplo saguão interno. Desta forma,
preserva‐se o carácter privado dos quartos ao mesmo tempo que se permite a comunicação visual
entre os espaços mais públicos dos diversos apartamentos e destes com a rua comunitária, através
do saguão (23.d.; 23.e.).
A rua comunitária é um espaço exterior coberto que tem início ao nível do espaço público e
termina no terraço descoberto da cobertura. Ela dá acesso a todos os apartamentos e às várias salas
comunitárias da residência, o que lhe confere um carácter semi‐público já que, embora seja acessível
por qualquer pessoa a partir da rua pública, é naturalmente controlada pelos seus habitantes (à
semelhança do que acontece no jardim dos apartamentos da Rue des Suisses (ver 3.I.4.1, p.47). As
Espaços de Trans ição | Trans ição entre Zonas Públ icas e Pr ivadas em Ed i f í c ios
57
bolsas existentes ao longo do seu percurso constituem lugares para estudar, conviver, apanhar sol
ou fumar um cigarro onde se poderão estabelecer zonas para estadias mais prolongadas através de
mesas e cadeiras. No entanto, o mobiliário fixo, que poderia constituir um forte incentivo à estadia,
não existe.
Estão, assim, garantidas as características essenciais para que esta rua estimule o contacto
entre residentes: sendo exterior, tem uma óptima iluminação natural; tem uma adequada densidade
de utilização; comunica visualmente com todos os lugares mais públicos da residência e dá acesso a
alguns deles; contém zonas de estadia. No entanto, o facto de se poder aceder directamente aos
apartamentos desde o exterior através dos núcleos de circulação vertical diminuirá a sua utilização.
23.c. 23.d. 23.e.
23.a. 23.b.
Residência de estudantes “Bikuben”, 2003‐06 / AART
23.a. Vista exterior
23.b. Corte
23.c. Esquema conceptual das salas comuns e da rua em espiral
23.d. Planta do piso 3
23.e. Planta do piso 6
Espaços de Trans ição | Trans ição entre Zonas Públ icas e Pr ivadas em Ed i f í c ios
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59
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
4. PROJECTO DE UM CENTRO MULTIFUNCIONAL E DE UMA RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES
4. I. PROBLEMAS DA CIDADE UNIVERSITÁRIA
Apresentam‐se, neste capítulo, os principais problemas que foram tidos em conta na
elaboração do projecto do Centro Multifuncional e Residência de Estudantes.
A cidade universitária da cidade de Lisboa apresenta uma grave deficiência de fundo: a falta
de qualidade do seu espaço público. As faculdades funcionam fechadas sobre si mesmas e o espaço
entre elas constitui uma mera zona de circulação. Deste tipo de solução urbana resultam dois
problemas principais: a falta de vida no espaço público entre os edifícios das faculdades e a sua
insegurança durante a noite, altura em que a cidade universitária se apresenta desertificada.
Às falhas na qualidade do espaço público deste pólo universitário poderia ter sido
contraposta a existência de zonas específicas onde os alunos das várias faculdades se reunissem. No
entanto, esses espaços são escassos, resumindo‐se à Aula Magna e às cantinas. A Aula Magna,
grande auditório da UL, funciona apenas para eventos específicos, não servindo como lugar
permanente de convívio. A Cantina 1, principal espaço comunitário da universidade, encontra‐se
sobrelotada. A sua entrada e corredores estão frequentemente congestionados devido à excessiva
afluência de alunos e à existência de um único acesso para servir toda a zona de refeições. Ao
mesmo tempo, o seu espaço exterior está subaproveitado, sendo encerrado através de uma
vedação que delimita um espaço triangular pouco claro e apresentando uma relação visual pouco
interessante com um parque de estacionamento ao ar livre (24.b.; 24.d.).
O comércio e a restauração poderiam ser uma forma de dar vida ao espaço público,
promover a interacção entre pessoas de diferentes faculdades e descongestionar as cantinas. Mas
no actual contexto quase todas as zonas comerciais se localizam dentro das próprias faculdades,
tanto as que dizem respeito às áreas específicas de cada instituição (por exemplo, livrarias
especializadas), como as mais genéricas (por exemplo, bares ou papelarias) que poderiam, pelo
menos em parte, existir fora das faculdades.
60
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
24.c. 24.d.
Existe um restaurante e uma agência bancária no átrio da Aula Magna (24.a.), mas estes
serviços revelam‐se claramente insuficientes como forma de promover o convívio entre faculdades e
inconsequentes no que diz respeito à melhoria do espaço público.
A inexistência de edifícios de habitação nos terrenos da cidade universitária é mais uma
causa da falta de vida do seu espaço público, especialmente ao fim da tarde, à noite e aos fins‐de‐
semana, quando a maioria das faculdades fecham ou têm pouco movimento. A habitação para
estudantes seria a que, mais obviamente, faria sentido existir num pólo como este. No entanto,
todas as residências estudantis da Universidade de Lisboa se encontram fora dos terrenos do pólo,
dispersas pela cidade. Na sua maioria trata‐se de edifícios de habitação de pequena ou média
dimensão reconvertidos, onde os alunos partilham apartamentos. O convívio residencial fica
limitado à escala de cada unidade habitacional, não sendo promovido um contacto mais alargado
24.a.
Alguns espaços comunitários da Universidade de Lisboa
24.a. Reitoria da Universidade de Lisboa ‐ Átrio da Aula Magna, Cidade Universitária, 1960 / Porfírio Pardal Monteiro | À direita pode ver‐se a zona de restaurante
24.b. Vista aérea da área da Cantina I | Relação com a envolvente urbana
24.c. Cantina I – espaço exterior de estadia
24.d. Cantina I – relação com o parque de estacionamento adjacente
24.b.
61
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
entre estudantes, como acontece nas residências bem estruturadas e de maior escala. Ao mesmo
tempo, dada a grande dimensão das divisões dos apartamentos originais, muitos dos quartos são
triplos ou quádruplos, gerando‐se problemas de privacidade, especialmente em relação aos alunos
que habitam estas residências por períodos alargados (em alguns casos, mais de 5 anos). Daí a
necessidade premente de quartos mais pequenos, para uma ou duas pessoas.
Um outro problema da Universidade de Lisboa (UL) foi tido em conta na elaboração do
projecto: a necessidade de relocalização do espaço destinado aos escritórios dos Serviços de Acção
Social (SAS) da UL. Hoje, estes encontram‐se repartidos em duas sedes, uma no edifício da cantina
1, onde se realiza o atendimento aos alunos, e outra num edifício habitacional reconvertido da Av.
da República, ao lado da antiga feira popular, onde se situa a administração central. Colocam‐se dois
problemas: as deficientes condições do espaço dos SASUL da Cantina 1 e a inconveniência de ter um
departamento administrativo separado em duas sedes distanciadas entre si.
4. II. O PROJECTO
As plantas apresentadas de seguida encontram‐se comprimidas para facilitado exame dos
aspectos de concepção e articulação de espaços. Todos os desenhos técnicos e descritivos do
projecto ‐ plantas, cortes e alçados ‐ podem ser consultados, com maior detalhe, no Anexo III.
4. II.1. OBJECTIVO
Para dar resposta aos problemas anteriormente enunciados, pretende‐se criar um lugar
unificador e simbólico na Cidade Universitária onde os usuários das várias faculdades se possam
conhecer e conviver, facilitando o acesso a equipamento essencial e tentando fortalecer o princípio
de relação entre as partes subjacente ao conceito de Cidade Universitária. Para além de trazer para
dentro dos limites deste pólo equipamento fundamental hoje espalhado por vários locais da capital,
este novo lugar surgirá como um complemento ao edifício da reitoria – que unifica e simboliza a
universidade do ponto de vista institucional e administrativo –, bem como às actuais cantinas,
colmatando a falta de espaços comunitários na universidade.
62
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
4. II.2. LOCAL
O local eleito para este projecto é o terreno a Sul da Cantina 1, onde hoje se situa um parque
de estacionamento. Este lugar apresenta várias características favoráveis aos objectivos a cumprir: é
facilmente acessível, dada a proximidade da entrada do metropolitano e de grande parte das
paragens de autocarro; situa‐se numa zona central do pólo, a distâncias razoáveis em relação às
diversas faculdades, ao Estádio Universitário e ao Hospital de Santa Maria (o que alarga o espectro
de possíveis usuários aos utentes e funcionários destas instituições); relaciona‐se visualmente com a
entrada da Aula Magna, constituindo um possível local de convívio a utilizar pelos espectadores dos
eventos aí realizados (desde assembleias e conferências a espectáculos musicais); é um lugar onde,
devido à existência da cantina, já existe uma grande afluência de alunos e funcionários,
especialmente nas horas de refeição (ao almoço e, em menor grau, ao jantar).
4. II.3. PROGRAMA GERAL
O programa do projecto subdivide‐se em três unidades fundamentais: uma praça, um
edifício multifuncional (27.a. – A) e uma residência de estudantes (27.a. – B, C, D, E).
A praça é delimitada, a Norte, pela Cantina 1 e, a Sul, pelo edifício multifuncional. O piso
térreo deste último constitui uma zona comercial que serve a praça, e neles prevê‐se a
predominância de restaurantes, cafés e bares que funcionarão como alternativas à cantina,
25.a. O terreno actual
25.b. Planta de implantação
25.a. 25.b.
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Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
descongestionando‐a. Este tipo de equipamento gera movimento durante todo o dia e, em alguns
casos, também à noite, animando as zonas de estadia adjacentes da praça – do lado Sul, as
esplanadas que servem os cafés, bares e restaurantes e, do lado Nascente, mesas ao ar livre
adstritas à cantina.
Nos dois pisos superiores do edifício multifuncional propõem‐se as seguintes unidades: um
espaço de escritórios destinado à relocalização dos Serviços de Acção Social da Universidade de
Lisboa (SASUL), onde irão instalar‐se todos os seus departamentos, unificando este serviço que hoje
se encontra dividido em duas sedes separadas; uma sala de estudo aberta 24 horas por dia que
servirá todos os alunos da universidade (27.a. e 28.a. – 4 ), possibilitando o estudo nocturno e
descongestionando as bibliotecas das faculdades, sobretudo em épocas de exames; várias salas
multiusos (27.a. e 28.a. – 5) que poderão ser utilizadas pelos alunos e funcionários das várias
faculdades ou por entidades externas à universidade (em regime de aluguer) para a realização de,
por exemplo, workshops, cursos ou actividades de grupos académicos (como tunas, grupos de
teatro ou conjuntos musicais); uma zona de convívio – com bar (27.a. – 2), átrio/sala de estar (27.a. –
1) e sala de jogos (27.a. – 3) – que promoverá a comunicação entre alunos das diversas faculdades.
26.a. Axonometria geral do projecto | À direita, a Cantina (pré‐existente). À esquerda, o Edifício Multifuncional e as Residências de
Estudantes.
64
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
O parque de estacionamento que hoje ocupa o local de implantação deste conjunto é
redesenhado como parte do novo edifício nos seus pisos 0 e ‐1. Trata‐se de um estacionamento
público que serve toda a cidade universitária, já que três dos seus quatro acessos são independentes
do resto do edifício, comunicando directamente com o exterior.
A residência de estudantes surge por cima do estacionamento e é composta por quatro
edifícios separados (27.a. e 28.a. – B, C, D, E) por três pátios amplos (27.a. – a, b e c). Pretende‐se
que seja um local de grande interacção entre usuários, tendo‐se optado pela construção de unidades
de média dimensão onde os espaços comunitários – corredores, pátios, sala comum e cozinhas ‐
representam um papel fundamental.
27.a. Planta piso 1
A | Edifício multifuncional;
B,C,D,E | Edifícios da residência;
a, b, c | Pátios.
1 | Átrio de entrada;
2 | Bar;
3 | Sala de jogos;
4 | Sala de estudo;
5 | Salas polivalentes.
7 | Sala comunitária da residência;
8 | Cozinha comunitária;
9 | Lavandaria comunitária;
10| Espaço válvula de separação entre a residência
e o Centro multifuncional.
I. Rua interior principal (ou corredor curvo);
II. Ruas interiores habitacionais;
III. Ruas exteriores.
Esta imagem será referenciada ao longo de todo o capítulo como esquema base para explicitação do programa
65
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
O edifício poente (27.a. e 28.a. – B) contém apartamentos T1 destinados a professores e
uma entrada própria desde o exterior, alternativa à entrada principal, para que este grupo de
usuários (com um modo de vida e interesses distintos dos alunos) tenha um acesso mais privado às
suas habitações.
O edifício nascente (27.a. e 28.a. – E) compreende apartamentos T1 destinados aos alunos
com mais posses e um estilo de vida mais individualista, já que incluem cozinha e casa de banho
privadas. No entanto, as habitações do piso superior poderão ser facilmente convertidas, consoante
a procura, em dois quartos independentes que partilham uma casa de banho e uma cozinha.
Os dois edifícios centrais da residência (27.a. e 28.a. – C e D) contêm quartos singulares e
duplos que são servidos por cozinhas e lavandarias comunitárias. Trata‐se de um modelo baseado
em espaços comunitários alternativo ao de apartamentos presente na maioria das residências da
UL, onde a comunicação entre residentes de diferentes unidades habitacionais é reduzida ou
mesmo inexistente. No questionário feito a alunos da residência Fraústo da Silva (ver Anexo 2),
quando interrogados sobre vantagens e desvantagens de viver em apartamentos para doze pessoas,
28.a. Planta piso 2
Esta imagem será referenciada ao longo de todo o capítulo como esquema base para explicitação do programa
A | Edifício multifuncional;
B,C,D,E | Edifícios da residência;
I. Rua interior principal (ou corredor curvo);
II. Ruas interiores habitacionais;
III. Ruas exteriores.
4 | Sala de estudo;
5 | Salas polivalentes;
6 | Escritórios dos Serviços de Acção Social.
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Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
dez num universo de vinte residentes afirmam que esse modelo “pode isolar os apartamentos uns em
relação aos outros”, reduzindo as possibilidades de convívio.
Todos os ingressos e saídas de alunos são controlados através da entrada no centro
multifuncional, garantindo a segurança do edifício da forma mais eficaz e económica. A maior parte
das residências hoje existentes em Lisboa tem uma entrada única por estas mesmas razões.
4. III. GRADAÇÃO DA PRIVACIDADE
Este subcapítulo tem o objectivo de clarificar o modo como a disposição e articulação dos
vários espaços do projecto garante, por um lado, a preservação da identidade das zonas mais
privadas e, por outro, o movimento e contacto entre usuários nos lugares mais públicos. Analisar‐se‐
á a hierarquização de domínios – o modo como o nível de privacidade de cada espaço específico
deriva da sua relação com o todo –, e os elementos específicos de articulação que garantem a
privacidade – portas, espaços válvula e espaços intermédios.
No projecto da Residência e centro de Estudantes existem três grandes zonas: a grande
praça, pública; o centro multifuncional, semi‐público, que serve todos os alunos e professores da
cidade universitária e cujo acesso, feito a partir da praça, é controlado; os quatro edifícios da
residência de estudantes, de maior privacidade, exclusivos dos habitantes respectivos e com acesso
a partir do centro multiusos.
4. III.1. PRAÇA
A praça constitui um espaço propício à estadia e ao convívio. É um lugar público aberto, com
fácil acesso a Nascente, Sul e Poente, mas resguardado em relação às vias de maior movimento.
Está separado – através de uma escadaria –, do movimento pedonal e automóvel da Av. Professor
29.a. Perspectiva geral do projecto | A praça conformada pela Cantina 1 (à direita) e pelo edifício proposto (à esquerda)
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Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
Gama Pinto, e encontra‐se protegido do ruído e movimento da Av. Professor Egas Moniz pelo
edifício do Centro Multifuncional (29.a.).
4. III.2. CENTRO DE ESTUDANTES
4. III.2.1. ESPAÇOS DE CIRCULAÇÃO E LUGARES DE CONVÍVIO
O centro multifuncional tem uma única entrada que, para estar resguardada dos ruídos e
movimento das ruas e, simultaneamente, gerar mais movimento no espaço público do projecto, é
feita através da praça. O ingresso no átrio de entrada do edifício é mediado por uma antecâmara
que dirige os usuários para o balcão de recepção onde se efectua o controlo de entradas e saídas.
Com carácter semi‐público, este edifício é acessível apenas aos alunos, professores e funcionários da
universidade.
Para se aceder às salas do centro (27.a.– I ) é necessário subir uma escadaria ampla e passar
pelo átrio de convívio (27.a. – 1), que constitui o sítio mais público e o principal lugar de encontro do
edifício, visto que dá acesso e se relaciona visualmente com o bar (27.a. – 2) e a sala de jogos (27.a. –
3). Os restantes espaços do centro, assim como os vários edifícios da residência de estudantes, são
acedidos através da rua interior curva (30.a e 27.a. – I).
De forma a tornar evidente o carácter mais público desses espaços de acesso e circulação
(átrios de entrada e de convívio e corredor curvo), todos eles são pavimentados com o mesmo
material e estereotomia da praça – vidraço ataíja amaciado –, criando uma continuidade com o
espaço público.
30.a. Perspectiva da rua curva principal vista desde o piso 2
À esquerda, uma janela que abre para o pátio central. Á direita, uma zona de estar aberta para o átrio de convívio. Ao fundo podem ver‐se as janelas superiores que fornecem iluminação indirecta e a luz proveniente do topo da rua.
68
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
Ao mesmo tempo, a rua interior curva é iluminada naturalmente de forma diversificada:
através de janelas superiores viradas a Norte, de aberturas pontuais a Sul (que o relacionam com os
pátios da residência) e, por último, de envidraçados nos topos que ampliam os seus limites visuais
para o exterior – à semelhança da rua interior do Centro de Apoio à terceira Idade (3.II.3.3., pp.54‐
56). Analogamente á rua interna da Cité Napoléon (3.II.3.2., pp.53 e 54), o seu espaço é amplo e
unifica os dois níveis do edifício através de pé direitos duplos e de escadas. As paredes são de betão,
o que salienta o carácter público da rua através do contraste com as paredes brancas das diferentes
salas a que dá acesso.
O grau de privacidade das diferentes salas reflecte‐se no nível da opacidade das suas portas:
as de acesso à sala de estudo são transparentes, permitindo que quem está no corredor veja o
interior sem ter que abrir a porta, evitando intromissões e ruídos desnecessários; todas as outras são
opacas, preservando a privacidade dos espaços a que dão acesso.
4. III.2.2. SALA DE ESTUDO
A sala de estudo está dividida em três partes que comunicam visualmente entre si, o que
permite controlar o ruído e simultaneamente manter a percepção visual de um único espaço amplo
(31). Ao mesmo tempo, existem pequenas salas acusticamente isoladas próprias para trabalhos de
Sala de Estudo 24 Horas
31.a. Perspectiva da Sala de Estudo desde o piso 1
31.b. Perspectiva da Sala de Estudo desde o piso 2
31.c. Piso 1 ‐ Planta da Sala de Estudo | Á direita, o bar e, à esquerda, uma sala polivalente.
31.d. Piso 2 ‐ Planta da Sala de Estudo
31.a. 31.b.
31.c. 31.d.
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Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
grupo (31.d). Estas salas são acessíveis a partir do corredor, evitando um aumento do movimento
nas zonas de estudo, e abrem‐se para a sala de pé direito duplo. Desta forma preserva‐se a relação
de continuidade visual e resolve‐se o problema do ruído produzido por estudantes a trabalhar em
grupo – vejam‐se os problemas assinalados por habitantes da residência Fraústo da Silva (Anexo 2).
O acesso à zona de pé direito duplo da sala de estudo é mediado por espaços tampão que a
isolam acusticamente (31.c). Tratando‐se da maior sala do centro de estudantes, é importante que o
ruído do corredor curvo (ou rua interior) seja controlado nos momentos de entrada e saída de
pessoas.
4. III.3. RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES
Para possibilitar o convívio entre todos os habitantes, mas também suscitar o contacto e
espírito de união entre vizinhos próximos (factor essencial para que os residentes se identifiquem
com os espaços comuns e cuidem deles), os espaços desta residência estão dispostos de forma a
conformar grupos de tamanhos e naturezas específicas:
‐ Todos os residentes se podem encontrar com os colegas da universidade nas salas de
convívio e no bar do centro multifuncional (27.a. – 1, 2 e 3) Este edifício tem capacidade para ser
utilizado por mais de 400 pessoas, e o seu grande corredor funciona como acesso aos quatro
edifícios da residência de estudantes, tornando‐se num importante local de circulação e encontro.
‐ As duas ruas exteriores (27.a. – III) e a sala comum do edifício nascente (27.a. – 7) servem
todos os habitantes da residência (que tem uma capacidade máxima de 174 pessoas).
‐ Cada pátio exterior (27.a. – a,b e c) estabelece a comunicação entre dois edifícios, mas
pode ser utilizado livremente por todos os habitantes da residência.
‐ Cada edifício habitacional (27.a.– B, C, D, E) contém a sua própria rua interior e, no caso
dos edifícios B e C, também uma lavandaria (20 pessoas no edifício B, 26 pessoas no edifício C, 56
pessoas no edifício D e 72 pessoas no edifício E)
‐ As cozinhas comuns, num total de 4, servem os residentes de cada piso dos edifícios C e D
(entre 24 e 36 pessoas)
‐ Os módulos de quartos, unidos por uma antecâmara de acesso ao corredor, agrupam 3
quartos individuais ou 2 duplos, servindo 3 ou 4 residentes respectivamente.
70
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
4. III.3.1. ESPAÇOS DE CIRCULAÇÃO E PÁTIOS
O acesso aos vários edifícios da residência faz‐se a partir da rua curva (30.a e 27.a.– I) do
centro de estudantes. A intermediar ambas as zonas de circulação existem espaços tampão que as
isolam visual e acusticamente, salvaguardando o carácter semi‐privado do espaço da residência e
protegendo‐o contra o ruído e as intrusões visuais de quem circula na rua principal.
Os corredores da residência são projectados com os mesmos princípios da rua do centro
multifuncional – iluminação superior, topos transparentes, pavimento igual ao da praça, paredes de
betão e comunicação entre os dois pisos através de pé direitos duplos e escadas. Assim, também
eles constituem ruas interiores, embora mais estreitas e baixas do que a principal, já que
pressupõem uma menor intensidade de utilização (32).
Na residência existem também duas ruas exteriores (27.a. – III) que atravessam os pátios e
interligam os 4 edifícios da residência, configurando um sistema de circulação alternativo à rua
principal do edifício multifuncional que autonomiza as circulações internas da residência. A rua F é
coberta por uma pala de betão que surge na continuidade dos tectos dos corredores (ou ruas
internas), unificando o conjunto e resguardando os usuários do sol e da chuva.
Os pátios são lugares onde residentes de edifícios diferentes se podem juntar. Se cada rua
relaciona os habitantes dos quartos de um edifício entre si, cada pátio relaciona os residentes dos
edifícios que o delimitam.
Rua interior de acesso aos quartos
32.a. Rua interior residencial – Piso 2
32.b. Rua interior residencial – Piso 1
32.a. 32.b.
32.a. 32.b.
71
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
4. III.3.2. ESPAÇOS COMUNS
No edifício E (27.a. e 28.a.), existe uma sala de convívio (27.a. ‐ 7) que serve toda a
residência e é facilmente acessível a todos os residentes visto que se situa no topo da rua exterior
coberta.
Em cada um dos dois edifícios centrais (27.a. – C, D) existe uma lavandaria própria (27.a – 9).
E em cada piso destes edifícios existe uma cozinha que é também sala de convívio, onde se prevê a
existência de sofás e de uma televisão. Embora cada cozinha sirva o seu piso específico, é possível
aos residentes utilizar qualquer uma delas para conviver, alargando assim a sua esfera social. Ao
mesmo tempo, as cozinhas do rés‐do‐chão abrem‐se para o pátio intermédio, onde está prevista
uma zona pavimentada adequada para colocar mesas de refeição (33.a.). Assim, residentes de
edifícios diferentes podem encontrar‐se no exterior para comer e conviver, e a circulação entre
cozinhas do piso térreo é directa, facilitando o contacto entre utilizadores.
4. III.3.3. MÓDULOS DE QUARTOS
Os espaços privados desta residência de estudantes organizam‐se em módulos, o que
permite a formação de subgrupos e estimula os contactos próximos entre residentes. Cada módulo
inclui dois quartos duplos ou três singulares que partilham duas áreas de higiene (34.a. – 2), uma
antecâmara de entrada (34.a. – 1) (que estabelece a comunicação entre os quartos, as zonas de
higiene e o corredor de acesso) e uma varanda (34.a. – 3).
33.a. Pátio central
Pode ver‐se, em primeiro plano, a zona pavimentada que relaciona as cozinhas de
ambos os edifícios habitacionais. Ao fundo, a pala que cobre uma das ruas exteriores.
72
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
4. III.3.3.1 ANTECÂMARA DE ENTRADA
À semelhança dos módulos habitacionais da Residência Alfredo de Sousa (3.I.1.3, p.40), o
conjunto formado pela antecâmara e os espaços de higiene constitui uma barreira que protege os
quartos do ruído do corredor. A antecâmara é também um lugar para deixar o guarda‐chuva
molhado ou limpar os sapatos, protegendo o quarto da poluição vinda da rua. Assim, embora não
proteja o habitante das intromissões visuais dado que contém uma janela aberta para a rua interior,
esta zona de transição constitui um espaço válvula (34.a. – 1).
4. III.3.3.2 CASAS DE BANHO
Optou‐se por um modelo de casas de banho partilhadas de modo a optimizar os custos de
construção e manutenção dos sistemas de esgotos e de distribuição de água. No entanto, criaram‐
se duas unidades separadas (uma com chuveiro e lavatório, e outra com sanita, bidé e lavatório), o
que permite a utilização dupla dos espaços de higiene, reduzindo os tempos de espera (34.a. – 2).
O facto de o acesso aos espaços de higiene ser feito através de um espaço tampão reduz a
probabilidade de ocorrerem três dos problemas mencionados no questionário feito na residência
Fraústo da Silva (onde as casas de banho são acessíveis através de dois quartos em simultâneo, não
podendo por isso ser fechadas à chave) (Anexo 2): a contaminação dos quartos por cheiros nefastos;
a casa de banho estar ocupada quando é necessário usá‐la; o espaço de higiene ser invadido
enquanto está a ser utilizado.
1 2 3
34.a. Planta de um módulo de vivência
1 | Antecâmara de entrada
2 | Áreas de higiene
3 | Varanda
73
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
4. III.3.3.3 QUARTOS DUPLOS
Nos quartos duplos existem duas zonas separáveis por uma cortina opaca: o espaço de
trabalho – situado perto da janela para que se estude com luz natural – e o lugar para dormir, que
pode ser protegido das intromissões visuais provenientes do pátio através da cortina (35.a.). Esta
configuração apresenta várias vantagens: à noite, um estudante pode estudar com a luz a acesa
enquanto o seu colega dorme numa zona sem luz; o residente que acorda mais tarde pode vestir‐se
na área de estudo, não incomodando o colega que continua a dormir; quando necessitam alguma
privacidade, os estudantes podem isolar‐se visualmente.
Tudo isto atenua os maiores problemas de privacidade colocados pelos estudantes que
responderam ao inquérito realizado na residência Fraústo da Silva (Anexo 2): ter “um horário de sono
diferente do colega” e não haver um “lugar para estar sozinho sem que ninguém me veja”. Nesse
mesmo questionário, mais de 40% dos inquiridos elegem o quarto como o principal local de estudo, o
que justifica a importância dada à privacidade desse espaço neste projecto.
De modo a evitar possíveis disputas pelo espaço de trabalho ou de arrumação, cada
residente tem o seu mobiliário próprio, em tudo igual ao do colega: um armário, uma cama com
mesa‐de‐cabeceira e uma zona de estudo com mesa, cadeira, prateleiras e gavetas.
4. III.3.3.4 VARANDAS
As varandas constituem zonas intermédias entre quartos e os pátios exteriores,
comunicando abertamente com esses espaços ao nível do rés‐do‐chão. O seu carácter semi‐privado
é tornado evidente através de três características: o desnível de 40 cm em relação ao pátio; os
pilares e paredes que impedem o contacto entre varandas de módulos de quartos contíguos (34.a.);
35.a. Quarto Duplo
74
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
e as portadas em harmónio (34.a. e 36.a.). Estas portadas podem estar fechadas (privatizando
totalmente o espaço da varanda e protegendo o quarto das intrusões visuais), semi‐abertas
(gerando espaços de varanda mais recolhidos e outros mais abertos); ou totalmente abertas
(relacionando de forma directa a varanda com o pátio). Trata‐se, assim, de uma solução muito
semelhante à das varandas dos apartamentos da Rue des Suisses (3.I.4.1 – pp. 46,47).
4. IV. O CONVÍVIO NOS ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO
4. IV.1. PRAÇA
4. IV.1.1. UM LUGAR VIVO
“Se há muita gente, ou se está a passar‐se algo, a tendência é que se incorporem mais
pessoas e acontecimentos, e as actividades crescem tanto em extensão como em duração. […]
Passa‐se algo porque se passa algo”81
Durante todo o dia, a praça terá movimento tanto dos alunos residentes como das pessoas
que frequentam ou trabalham no centro multifuncional, na nova zona comercial e na cantina.
Alunos e professores que frequentem o centro podem descer à praça para apanhar ar, beber um
copo e observar o que se passa, ou simplesmente presenciar os acontecimentos que aí se
desenrolam a partir das amplas varandas, que funcionam como camarotes privilegiados de
observação da vida pública.
81 GEHL, Jan – La humanización del Espacio Urbano, p.83
36.a. Pátio c
75
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
À hora do almoço, enchem‐se a cantina, os bares e os restaurantes, assim como as
respectivas esplanadas. A estadia, em alguns casos, prolongar‐se‐á por algum tempo depois da
refeição, animando a praça.
Ao longo do dia, e também à noite, é natural que grupos de amigos se juntem na praça a
conviver – sentados nos bancos, debaixo das grandes magnólias, ou mesmo abancados ou deitados
no chão (37).
À noite, as salas de estudo (acessíveis 24 horas por dia) e as salas de convívio estarão
abertas, iluminando a praça através da grande fachada de vidro, e os alunos poderão conviver pela
noite dentro em alguns dos bares. A praça funciona, assim, como um ponto vivo e seguro da cidade
universitária durante a noite.
37.a. 37.b
Praça
37.a. Planta do piso 0 | Pode ver‐se a relação da praça com a Cantina 1 e a zona comercial
37.b. Perspectiva interior da praça | Em primeiro plano, as mesas fixas que servem a cantina
37.c. Perspectiva da praça desde a rua | Em primeiro plano, a escadaria que constitui assentos secundários; à esquerda, as esplanadas
37.c.
76
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
Ao mesmo tempo, em dias de eventos festivos na Aula Magna ou no auditório da cantina 1,
a festa pode continuar na praça, com actividades espontâneas como música ou espectáculos de rua,
que contribuirão para que mais gente se reúna neste espaço, gerando um ciclo de crescimento de
convívio e vivacidade.
4. IV.1.2. O EFEITO DE BORDO
Toda a praça está desenhada de forma a proporcionar zonas de estadia nas zonas próximas
das fachadas: esplanadas de cafés, bares e restaurantes debaixo da galeria coberta do Centro
Multifuncional; mesas para refeições ao ar livre junto à fachada Nascente da Cantina; bancos junto à
Fachada Sul da cantina. O centro da praça permanece livre de equipamento fixo, num convite à
realização de espectáculos de rua ou ao convívio e permanência informal (é possível as pessoas
deitarem‐se ou sentarem‐se no chão).
O desenho da praça tem em conta o efeito de bordo referido em 2.V.2 (pp. 31,32),
assegurando a permanência de pessoas em zonas bem caracterizadas da periferia da praça e
deixando espaço livre no seu centro para a realização de actividades mais livres e espontâneas.
4. IV.1.3. ASSENTOS PRINCIPAIS E SECUNDÁRIOS
O equipamento fixo (assentos principais) da praça é constituído por bancos e mesas. Nos
bancos previstos para a zona Norte pode desfrutar‐se da envolvência e sombra das grandes
magnólias, assim como ter uma boa perspectiva do espaço circundante. Também as mesas e bancos
que servem a cantina estão num local com boa vista para as actividades circundantes, e poderão ser
protegidos do sol através de guarda‐sóis móveis. Prevê‐se que sejam fixos devido à preocupação da
gerência da cantina quanto a roubos de mobiliário móvel.
Os assentos secundários são as escadas e toda a superfície inclinada da praça central.
Ambos servem como locais de estadia nos dias de maior afluência, quando as esplanadas e assentos
principais se encontrem ocupados. Os degraus da escadaria funcionam como bancos desde onde se
podem observar as pessoas que passam na rua ou se dirigem para a praça. A inclinação da zona
central favorece a permanência, permitindo estar deitado ou sentado de forma mais confortável do
que numa superfície horizontal.
77
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
4. IV.2. CENTRO DE ESTUDANTES
4. IV.2.1. ESPAÇO DE ENTRADA
A entrada do Centro e residência de estudantes foi concebida com o intuito de constituir
tanto uma zona de controlo dos ingressos e saídas, como enquanto lugar para estar. Assim, para
estimular o convívio e a permanência na zona exterior de entrada, existem bancos corridos,
articulados com um recuo da fachada, onde os usuários poderão permanecer protegidos pela galeria
exterior coberta. No interior, existem bancos semelhantes que conformam um “L” e está prevista
uma zona de sofás.
4. IV.2.2. ZONA DE CONVÍVIO
O átrio principal do Centro de Estudantes é o centro de convívio de todo o edifício. Abre‐se
para a rua curva interior (principal eixo de circulação de toda a unidade), e contém a escada de
acesso à entrada do nível inferior, sendo necessário que todos os usuários o percorram para entrar e
sair do edifício. Constitui por isso um lugar propício ao encontro, e prevê‐se que aí exista um piano
(para música ao vivo), e sofás onde os estudantes podem conviver ou descansar durante os
momentos de pausa (38.a.).
Ao mesmo tempo, este átrio dá acesso e relaciona‐se visualmente com o bar e a sala de
jogos através de grandes panos de vidro (38.a.). Este conjunto de lugares conforma o centro de
convívio do edifício, frequentável por toda a comunidade académica da Universidade de Lisboa. A
separação dos três espaços através de vidro permite um isolamento acústico do bar e da zona de
jogos (lugares ruidosos) em relação às zonas de circulação e estadia existentes no átrio e na rua
interior.
38.a. Perspectiva do átrio principal
78
Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Projecto
4. IV.2.3. RELAÇÃO COM A PRAÇA
Este edifício tem uma estreita relação com a praça, já que a sua fachada Norte é totalmente
envidraçada e contém varandas que se abrem para ela (39.a.). Quem está dentro do edifício pode
sentir a vida da praça e, quem está na praça, pode ver as actividades que se realizam no interior do
edifício. Assim, edifício e praça potenciam mutuamente a estadia, já que um dos factores que mais
incentivam a utilização das zonas de estar é a possibilidade de observação das pessoas e actividades
decorrentes em redor.
As varandas situam‐se em lugares específicos do edifício, cumprindo funções diferenciadas:
uma relaciona o bar com o átrio de convívio e serve como esplanada do bar; outra relaciona a sala de
estudo com duas salas polivalentes, sendo um espaço mais calmo, bom para apanhar ar ou fumar
um cigarro nas pausas de trabalho; e outra constitui o espaço exterior privado dos escritórios dos
Serviços de Acção Social.
4. IV.2.4. RUA INTERIOR
Na rua curva interior existem várias zonas de estadia, situadas nos locais melhor iluminados
e desde onde se desfruta de vistas sobre zonas de actividade. Serão locais apropriados para conviver
ou descansar durante os momentos de pausa das actividades.
No piso 1 estão previstas zonas de sofás (40.a.) que servem os usuários da sala de estudo e
das salas polivalentes. Situam‐se junto aos dois grandes envidraçados que abrem perspectivas sobre
os pátios da residência, permitindo o contacto visual com as pessoas e actividades aí decorrentes.
No piso 2 foi criada uma varanda interior aberta para o átrio principal (40.b.) onde também
existem sofás para uso dos funcionários dos Serviços de Acção Social e dos usuários da sala de
39.a. Varanda do bar
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estudo. Neste piso, o topo Nascente do corredor é também um local apropriado para a estadia
(40.c.) e, no topo Poente, situa‐se a zona de espera dos SAS (equipada com bancos). Estes lugares
têm vista para o exterior através de grandes envidraçados.
Nos topos da rua interior, em ambos os pisos, existem varandas abertas para o espaço
público – lugares para apanhar ar ou fumar um cigarro (40.c.).
Rua curva principal
40.a. Perspectiva da rua curva principal – Piso 1 | A luz proveniente do pátio e a possibilidade de observar as actividades
aí decorrentes geram um lugar de estadia
40.b. Perspectiva da zona de estadia aberta para o átrio ‐ piso 2
40.c. Perspectiva da rua curva principal | Nos topos desta rua existem varandas e zonas de estadia
40.a
40.b
40.c
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4. IV.3. RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES
4. IV.3.1. RUAS INTERIORES
Os corredores (ou ruas interiores) dos vários edifícios da Residência de Estudantes
funcionam em parte como salas de estar.
Nos edifícios de apartamentos (27.a. – B, E), onde não existem cozinhas comunitárias e,
portanto, poderia sentir‐se a falta de espaços comuns de convívio, os corredores são de facto salas
de estar comunitárias, contendo sofás junto às suas janelas. Os habitantes do edifício B são
professores, pessoas com maiores exigências de conforto do que os jovens estudantes, pelo que
este mobiliário se adequa ao perfil do usuário.
Nos edifícios com módulos de quartos, são previstos assentos fixos de betão, onde os alunos
poderão sentar‐se enquanto esperam algum colega ou durante conversas espontâneas, mas
também colocar plantas ou outro tipo de objectos com os quais se identifiquem e que dêem
personalidade ao espaço do corredor. No piso 1, estes assentos surgem apoiados nas paredes do
corredor e, no piso 2, associados a espaços intermédios de entrada nos módulos habitacionais
(41.a.). Neste caso, a relação do assento com uma entrada específica é clara, havendo maiores
probabilidades de ser decorado pelos residentes desse módulo.
Em todos os edifícios da residência, os topos do segundo piso das ruas contêm bancos de
betão e sofás que conformam recantos de estadia e convívio.
41.a. Zona de estadia no topo de uma rua de acesso a quartos
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4. IV.3.2. ANTECÂMARAS COMO ZONAS EXPOSITIVAS
Em grande parte das residências de estudantes lisboetas estudadas verificou‐se que os
habitantes personalizam as portas dos seus quartos com cartazes (de bandas de rock, de
espectáculos, etc.) ou outros elementos decorativos. Para permitir este tipo de expressão, isto é,
que cada residente ou grupo de residentes expresse a sua personalidade, as antecâmaras dos
módulos de quartos têm janelas abertas para a rua interior (42.a.). Nelas podem colar‐se cartazes ou
expor objectos, pendurando‐os nos ganchos existentes para o efeito. Deste modo, à semelhança do
que acontece na escola Montessori (3.I.2.1., pp. 41,42) ao passar no corredor poderão observar‐se
as várias zonas expositivas e entender melhor os gostos dos seus habitantes. Assim, todos os
residentes se sentirão mais identificados com a comunidade, cuidando eventualmente melhor do
espaço comum.
Se a existência de janelas nas antecâmaras dos quartos pressupõe alguma perda de
privacidade, simultaneamente constitui um estímulo à exposição de objectos com o objectivo de
impedir a intrusão visual. No piso 1, estas janelas permitem a entrada de alguma luz natural nas
antecâmaras (desprovidas de clarabóia, ao contrário das do piso 2).
4. IV.3.3. RELAÇÃO ENTRE VARANDAS E PÁTIOS
Nos edifícios da residência de estudantes existe uma forte relação entre quartos e pátios.
Como acontece nas salas do centro multifuncional, que têm sempre vista para a praça, dos quartos é
possível ver os pátios e as actividades que aí se desenrolam, estimulando os residentes a interagir e
participar nas actividades que lá decorrem.
42.a. Perspectiva do piso 2 de uma rua de acesso aos quartos
Á esquerda podem ver‐se objectos e cartazes colocados por residentes na antecâmara de entrada
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As varandas funcionam como zonas intermédias que relacionam o quarto (privado) com o
pátio (comunitário) e o convívio entre residentes dar‐se‐á não só no pátio ou nas varandas, mas
também entre quem está de um lado e do outro. Nesse sentido, as escadas que interligam pátio e
varanda no piso inferior constituem uma outra zona intermédia de convívio potencial.
Simultaneamente, dada a inexistência de guardas nas varandas do piso inferior, o seu
espaço pode facilmente ser transposto para a zona de pátio mais próxima, onde poderão colocar‐se
mesas e cadeiras, espreguiçadeiras, etc. Desta forma, dá‐se uma apropriação privada do espaço
semi‐público do pátio que gerará estadias prolongadas, aumentando em grande medida a vivência
destas zonas exteriores.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos problemas mais preocupantes da actualidade é o isolamento social, que se prende
com a dificuldade em estabelecer grupos unidos de pessoas. Isso deve‐se a um entendimento
comum da sociedade segundo dois princípios opostos: a ideia de individualismo – no pressuposto de
que a pessoa se basta a si mesma, não necessitando de se relacionar com os outros –, e de
colectivismo – que implica a renúncia à responsabilidade pessoal em prole de um todo maior,
inalcançável, que é a sociedade como universo inteiro e fechado.
A organização de muitos edifícios e cidades é um reflexo destes mesmos princípios. O
espaço público é demasiado vasto e impessoal para que as pessoas com ele se identifiquem e por ele
se responsabilizem; e os edifícios e as habitações onde vivemos o dia‐a‐dia isolam‐nos
frequentemente da colectividade, reduzindo o nosso leque de contactos aos colegas de trabalho e
familiares mais próximos.
O texto que agora se conclui centrou‐se nas questões relativas aos espaços de transição e na
forma como podem tornar‐se decisivos enquanto incentivo à coesão e contacto sociais,
contrariando a tendência actual para o isolamento dos cidadãos.
No capítulo inicial foram abordados textos de referência que examinam e contextualizam o
problema, propondo soluções para o resolver. A maioria dos autores citados referenciam a
necessidade urgente de revitalizar o espaço público para que existam verdadeiras comunidades
onde as pessoas se estimem e se identifiquem com os lugares comunitários. É preciso que existam
razões para se sair de casa ou participar na vida colectiva. Para além das obrigações da vida diária,
isso só acontece se houverem atractivos reais que venham ao encontro dos interesses da população
tais como lojas, espaços de jogo para as crianças ou zonas de estadia. As últimas devem ser objecto
de atenção particular, sendo elencados os factores que determinam o seu grau de sucesso ou
insucesso como zonas de socialização.
Os espaços de distribuição dos edifícios devem ser entendidos como prolongamentos do
espaço público de convivência, suscitando o encontro e o convívio entre habitantes, e não enquanto
zonas mono‐funcionais de circulação. De forma a fomentar o espírito de união e a gerar um maior
sentido de identificação e responsabilidade em relação aos espaços comunitários, os habitantes
devem ser estimulados a personalizá‐los (por exemplo, através da existência de prateleiras ou
guardas onde se possam colocar plantas e objectos).
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É também fundamental que se suscite o contacto entre quem está no espaço público (ou nas
ruas e praças interiores) e os que usam o espaço privado através de lugares intermédios (como zonas
de entrada ou varandas), que constituem zonas de encontro por excelência.
No que respeita à necessidade de tornar evidentes as mudanças de ambiente entre espaços
ou à indispensabilidade de preservar a integridade e habitabilidade dos edifícios, não há vozes
discordantes entre os vários autores. Todos atribuem às zonas de transição um papel decisivo na
determinação do grau de acesso entre espaços, assim como na protecção destes relativamente às
agressões provindas do espaço público ou de outras divisões dentro do mesmo edifício – a sua
função de isolamento sonoro, visual, térmico e em relação à poluição. Mas alguns acentuam ao
extremo a função de protecção, propondo a utilização sistemática de antecâmaras encerradas – os
espaços válvula – e secundarizando as questões de socialização associadas à fluidez espacial e à
comunicação interpessoal; o texto dá conta dessas discordâncias e assume uma posição favorável às
opções que não desconsideram a dimensão colectiva.
Espaços válvula e espaços intermédios são ambos elementos arquitectónicos indispensáveis,
mas com utilidades completamente distintas. No entanto, podem ser utilizados em simultâneo,
como acontece na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde a relação com a rua é
estabelecida através de uma escadaria e pórtico de acesso que constituem espaços intermédios de
encontro e convívio, enquanto o interior do edifício é intermediado por um espaço válvula que o
protege dos ruídos, poluição e diferenças de temperatura.
No segundo capítulo, estuda‐se o modo como várias soluções arquitectónicas de espaços de
transição respondem a problemas concretos relacionados com programas de utilização e públicos
diversificados. Fica claro que o quadro teórico actual informa decisivamente a prática arquitectónica
recente, sendo evidentes duas abordagens distintas: a primeira pressupõe uma elevada
compartimentação através da utilização de espaços válvula que permitem isolar bem os espaços
entre si, mas que não estimulam as situações informais de convívio – como é o caso da Residência
de Estudantes Alfredo de Sousa; na segunda, os espaços de transição são vistos como lugares
intermédios que estimulam o convívio, mas que não isolam os espaços de forma tão eficiente –
como acontece nas entradas da Escola Montessori. Existem também soluções que conjugam ambas
as abordagens, como é o caso das entradas nos apartamentos das residências Documenta Urbana
ou das varandas dos Apartamentos da Rue des Suisses.
Os vários exemplos de ruas interiores estudados comprovam as vantagens sociais em
entender o espaço de circulação dos edifícios como um prolongamento do espaço público onde o
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Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Cons iderações F ina is
contacto entre habitantes é estimulado. Para tal, salienta‐se a importância da existência de
iluminação natural, lugares de estadia e uma densidade de utilizadores adequada.
No terceiro e último capítulo analisa‐se o projecto realizado no âmbito da tese segundo os
ensinamentos colhidos da teoria e dos exemplos escrutinados nos capítulos A e B. Através da
utilização de ruas de convívio interiores hierarquizadas de forma clara, criam‐se zonas para uso de
grupos específicos de usuários, fomentando o espírito de união. O convívio é também estimulado
através dos pátios da residência e das varandas para eles abertas, assim como pelo desenho da
praça, que prevê zonas de estadia com boa visibilidade para as actividades decorrentes.
São utilizadoss espaços válvula na entrada para a biblioteca, nas articulações entre o
corredor principal e os da residência, bem como nas antecâmaras de acesso aos quartos, onde os
habitantes podem mostrar aos vizinhos objectos ou cartazes com os quais se identifiquem através
de janelas abertas para o corredor.
Conclui‐se que, no projecto realizado, as ruas interiores e os pátios constituem o foco
central, sendo entendidos como lugares de convívio por excelência. Os espaços intermédios surgem
a eles associados, como forma estimular a estadia. Por outro lado, os espaços válvula surgem como
forma de criar barreiras efectivas entre zonas com níveis de privacidade muito distintos.
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Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Cons iderações F ina is
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Espaços de Trans ição em Arqui tectura | Referênc ias Bib l iográf icas
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RESIDÊNCIA de Estudantes “Bikuben”, Copenhaga – aart, ARQ‐A, Lisboa, Maio 2008, pp. 52‐57
CENTRO de Apoio à 3ª idade, Portela de Carnaxide – cvdb, ARQ‐A, Lisboa, Maio 2008, pp. 58‐63
Número total de palavras: 25 855
88 – a 1
ANEXO I. ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO NA FACULDADE DE DIREITO
UNIVERSIDADE DE LISBOA
RELAÇÃO PÚBLICO / PRIVADO E ESTÍMULO DO CONTACTO SOCIAL
PAPER AVALIADO NOS SEMINÁRIOS DE APOIO AO PROJECTO FINAL DE MESTRADO
E s p a ç o s d e T r a n s i ç ã o | A n e x o s
a 2
a 3
A1.I RESUMO
Neste trabalho são estudados os espaços de transição da
faculdade de direito sob duas perspectivas: como zonas de
contacto social e como forma de tornar claros os limites entre
zonas públicas e privadas.
Os espaços de transição mais públicos da faculdade, para
além de zonas de circulação, são lugares de estadia e convívio: os
corredores são amplos, bem iluminados e contêm bancos,
funcionando como um conjunto articulado de “ruas” de
convivência comparável a um sistema urbano; a zona exterior de
entrada conforma um lugar protegido semi‐coberto que detém
uma escadaria de cujos desníveis os usuários se apropriam como
encosto, assento ou apoio, gerando situações informais de
convívio.
Para que estes espaços de transição sejam locais
animados é necessário que sejam densamente utilizados. Neste
aspecto, a organização funcional da faculdade falha, já que os
corredores mais movimentados são os que têm piores condições
espaciais, sendo por isso as amplas ruas de convívio interiores
menos vivenciadas.
A clarificação dos limites entre lugares públicos e
privados tem como objectivo preservar o ambiente próprio de
cada espaço. Para tal, é necessário que o seu grau de acesso seja
evidente (de modo a evitar invasões da privacidade) e que
desfrute de um adequado isolamento visual e acústico. Tal é
conseguido através de três estratégias. A primeira consiste na
hierarquização de corredores, que são mais largos nas zonas de
maior utilização e, quando necessário, contêm portas a separar
zonas públicas e privadas. A segunda consta na utilização de
antecâmaras ou zonas de entrada, que são de dois tipos: espaços
tampão encerráveis através de portas que privatizam o acesso e
isolam visual e acusticamente os espaços; espaços de intervalo,
igualmente acessíveis por ambos os locais que intermedeiam,
evidenciando o seu carácter público. A terceira baseia‐se na
utilização de portas tanto mais opacas quanto mais privados são
os espaços a que dão acesso.
a 4
A1.1 INTRODUÇÃO
O objecto desta análise é o edifício original da faculdade de
direito, na cidade universitária. Não se contempla, então, a
construção que a expande para Sul, edificada posteriormente, de
distinta autoria (figura 1) e que alberga auditórios, salas de aula,
gabinetes e a biblioteca.
Tem‐se como objectivo analisar os espaços de transição
desta faculdade como potenciais zonas de convívio, verificar se
suscitam, ou não, o contacto social, e em que condições o
possibilitam. Ao mesmo tempo, estuda‐se a forma como estes
espaços articulam zonas com diferentes níveis de privacidade: que
dispositivos são usados para preservar o carácter de cada espaço;
de que forma os espaços de transição tornam evidente o grau de
privacidade das salas a que dão acesso. No que toca à relação
público/privado, os espaços de transição são vistos de duas formas:
como zonas tampão e como espaços de intervalo.
As zonas tampão são elementos com carácter próprio que
impedem a contaminação dos espaços uns pelos outros, permitindo
que “cada tipo de experiência possa desenvolver‐se por si mesma,
em condições especiais claramente definidas, e inclusive fisicamente
separadas das outras experiências” 1. Trata‐se, no caso da faculdade
de direito, de antecâmaras, pátios ou corredores encerráveis
através de portas que, para além de clarificar a transição entre
domínios, isolam os espaços visual e/ou acusticamente, impedindo
interferências indesejáveis entre actividades: “A integridade de
cada espaço, a preservação das suas características ambientais
especiais e cuidadosamente especificadas dependem dos elementos
físicos que estabelecem separação, isolamento, acesso e passagem
controlados de um domínio ao outro.” 2.
Os espaços de intervalo são zonas intermediárias “ (…) que,
embora do ponto de vista administrativo possam pertencer quer ao
domínio público quer ao privado, são igualmente acessíveis a ambos
os lados, isto é, quando é inteiramente aceitável, para ambos os
lados, que o “outro” também possa usá‐lo.” 3 Assim, ao mesmo
tempo que se consciencializam os usuários da transição entre
espaços, geram‐se lugares de encontro entre os utilizadores de
domínios adjacentes. No caso de estudo, trata‐se de antecâmaras
1 ALEXANDER, Christopher, CHERMAYEFF, Serge, Comunidad y Privacidad, p. 124 2 ALEXANDER, Christopher, CHERMAYEFF, Serge, Comunidad y Privacidad, p. 229 3 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 40
1 – Planta da faculdade de direito. O edifício original, a cinzento escuro; a sua ampliação posterior, a cinzento claro
a 5
abertas para os corredores ou do espaço de entrada aberto para a
rua, que não constituem barreiras abruptas, permitindo uma maior
fluidez espacial. No entanto, não isolam acusticamente os espaços.
A utilização dos espaços de transição como zonas de
convívio é analisada segundo os seguintes aspectos: condições
espaciais – dimensionamento e iluminação natural; existência de
elementos arquitectónicos ou de mobiliário que fomentem a
estadia; densidade de utilizadores e tipos de usuários que os
vivenciam.
Cada forma de transição/articulação específica é vista à luz
de conceitos sobre os quais também se reflecte de forma
autónoma. Assim, a entrada do edifício é entendida como uma zona
de soleira que gera situações de convívio; os corredores da
faculdade são interpretados como ruas interiores de convívio e
estadia; a articulação feita entre zonas públicas e privadas é
analisada à luz do conceito de grau de acesso.
A1.2 CONTEXTO HISTÓRICO
“Os três edifícios universitários – Faculdade de Direito,
Faculdade de Letras e Reitoria – mantêm de facto algo da dignidade
formal e da monumentalidade requerida pelo regime autoritário
que em 1935 os tinha encomendado e que em 1952 refaz a
encomenda” 4
A Faculdade de Direito foi desenhada como parte de um
conjunto de três edifícios que estruturam a alameda da
universidade, ao qual pertencem também a faculdade de letras e a
reitoria.
Projectada por Porfírio Pardal Monteiro entre 1952 e 1955,
e concluída em 1957, a faculdade de direito foi feita sob a alçada do
governo do Estado Novo, o que justifica o seu carácter solene e
imponente. Desta forma poder‐se‐á entender grande parte das suas
opções formais ‐ a imponência e grande escala da entrada, a
presença constante de escadarias ‐, da sua hierarquização
programática ‐ a valorização, em algumas situações, do carácter
simbólico e institucional em detrimento do carácter vivencial ‐ e da
sua inserção urbana ‐ a relação com a retórica Alameda da
Universidade, a implantação em função de um conjunto alinhado
simetricamente em relação ao eixo da alameda (figuras 2 e 3).
4 CALDAS, João Vieira, Porfírio Pardal Monteiro – Arquitecto. p. 88
2 – Fotografia. Edifícios da Reitoria, à esquerda, e da Faculdade de letras, em frente
3 – Planta da Alameda da Universidade. Edifícios a cinzento mais escuro: à esquerda, a Faculdade de Direito; à direita, a Faculdade de Letras; ao centro, a Reitoria.
a 6
Contudo, apesar do carácter imponente deste edifício,
especialmente quando visto no contexto da alameda, Pardal
Monteiro conseguiu uma boa hierarquização entre zonas públicas e
privadas, assim como um interessante desenho dos espaços de
transição, que possibilitam e fomentam o convívio entre os seus
utilizadores.
A1.3 PRINCIPAIS ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO
Os espaços de transição aqui analisados são: o pórtico e a
antecâmara de entrada, que estabelecem a relação com a rua; os
corredores, que são os primordiais elementos de distribuição do
edifício; os pátios, que intermedeiam espaço interior e exterior
(figura 4).
A1.3.1 PÓRTICO DE ENTRADA COMO SOLEIRA
A palavra soleira traduz‐se em inglês como doorstep, cujo
significado literal é: degrau da porta. O doorstep é, então, um
elemento que acentua a transição entre dois espaços – para se
passar de um para o outro é necessário, para além de abrir uma
porta, subir um degrau. Este degrau constitui uma zona intermédia
que relaciona duas zonas e que pode ser entendida como “um lugar
por direito próprio”5: quantas vezes não se vê, nas aldeias
alentejanas, pessoas sentadas no degrau da porta de entrada, a
observar o que se passa na rua! Quando na soleira, estes indivíduos
estão simultaneamente protegidos e expostos aos perigos do
exterior. Um exemplo esclarecedor é dado por Herman
Hertzberger: “A criança sentada no degrau em frente à sua casa
está suficientemente longe da mãe para se sentir independente,
para sentir a excitação e a aventura do grande desconhecido. Mas,
ao mesmo tempo, sentada ali no degrau, ela sente‐se segura, pois
sabe que a sua mãe está por perto. A criança sente‐se em casa e, ao
mesmo tempo, no mundo exterior” 6 (figura 5). Estabelece‐se, assim,
uma zona m onde “dois mundos se sobrepõem em vez de estarem
rigidamente demarcados”7. Pelas razões enunciadas, a soleira,
5 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 32 6 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 32 7 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 32
5 – A soleira como espaço intermédio 8
4 – Planta piso 0 Legenda: 1 – Pórtico de entrada; 2 – antecâmara de entrada; 3 – corredores; 4 – Pátio nascente; 5 – Pátio poente
a 7
entendida como doorstep, é o conceito que melhor ilustra a noção
de espaço de intervalo referido na introdução deste trabalho.
O espaço exterior de entrada da faculdade de direito,
composto pelo conjunto da escadaria e da galeria coberta (figura 6),
é aqui interpretado como uma zona de soleira alargada, como um
“degrau de porta” que se expande, constituindo um espaço
intermédio que não pertence claramente nem à rua, nem à
faculdade: se, por um lado, é uma expansão do edifício, um lugar
utilizável pelos seus usuários e a partir do qual se acede facilmente
ao interior, por outro abre‐se para a rua, sendo alcançável sem
problemas por qualquer estranho. Este espaço pode, então, ser um
lugar onde os usuários esperam por alguém, estando
simultaneamente protegidos em relação à rua e ao corrente de
todos os que nela passam, assim como resguardados da chuva e do
vento. Ao mesmo tempo, o espaço exterior de entrada suaviza o
acesso ao interior do edifício, consciencializando o usuário do acto
de passagem para uma zona de natureza distinta: da transição do
espaço da rua, totalmente público e mais anónimo, para o interior
de um edifício institucional, também ele público, mas onde se
pressupõe algum respeito pela instituição, induzindo a um modo de
estar mais contido.
Poderíamos interpretar formalmente esta zona de entrada
como uma forma retórica de dignificar o edifício através da
escadaria formal e da grande escala do espaço da galeria. No
entanto, ela será aqui analisada como algo que se opõe a este
espírito mais rígido e opressor: um lugar de convívio. É nela que os
usuários se encontram, ao entrar no edifício, e despedem, ao sair
dele. Nestes momentos, os alunos usam os degraus da escadaria e,
sobretudo, os dois blocos maciços que a ladeiam como zonas de
convívio, onde se sentam, encostam, ou apoiam o pé (figura 7). Esta
variedade de formas de apropriação do espaço da escada permite
que ambos os intervenientes numa conversa possam dar a
entender a sua vontade (ou falta dela) de continuar a conversar:
“No caso de um encontro casual, pode ser apenas um ponto para
apoiar o pé: um pequeno gesto que pode ser um sinal de que você
não se opõe à ideia de um contacto mais pessoal. Se a resposta a
esse primeiro gesto, provisório e não comprometedor, não se
revelar desagradável, então as duas partes podem assumir
sucessivamente posições mais permanentes, sempre de acordo com
o comprometimento ou não‐comprometimento que cada um
deseja.” 8 Desta maneira, sabendo ambos os intervenientes que se
podem retirar a qualquer momento, a conversa torna‐se mais
8 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 177
6 – Fachada e galeria de entrada
7 – Escadaria de entrada, uma zona de estadia
a 8
espontânea e os momentos de silêncio constrangedores (tão
comuns em encontros formais previamente agendados) são mais
improváveis: “Para que o contacto se possa estabelecer
espontaneamente, é indispensável uma certa informalidade, um
certo descompromisso. É a certeza de que podemos interromper o
contacto ou retirarmo‐nos quando quisermos que nos encoraja a
prosseguir.”9
A1.3.2 ANTECÂMARA DE ENTRADA
O primeiro espaço interior da faculdade de direito é um hall
que, tendo um pé direito mais baixo que os dos espaços que
interliga, prepara a entrada no átrio (figuras 8 e 9). Esta câmara de
compressão é um segundo elemento intermédio, já claramente
pertencente à faculdade, que acentua a consciência do acto de
entrada no edifício ao separar o espaço interior do exterior. É nela
que se situa o posto do recepcionista, servindo por isso como lugar
de acolhimento institucional.
Ao mesmo tempo, esta antecâmara isola o interior em
relação aos ruídos ou às correntes de ar provenientes do exterior.
Serve, então, como uma válvula, uma zona tampão (como referido
na introdução do trabalho) que impede a contaminação do espaço
interior pelo exterior, preservando a integridade ambiental do átrio.
Assim, este espaço controla os ruídos dos automóveis, a entrada de
ar frio (no inverno) ou quente (no verão) e, através de um tapete
para limpar os pés, a sujidade dos sapatos dos usuários. Verifica‐se,
desta forma, que os princípios defendidos por Chermayeff e
Alexander em relação à entrada numa casa particular são também
aqui aplicáveis: “Entrada para a casa, chegada protegida, espaço
para estar de pé, protecção contra a sujidade que se acarreta desde
a rua.” 10
O facto de as portas que encerram a antecâmara serem de
vidro evidencia o carácter público dos dois espaços que intermedeia
e o elevado grau de acesso entre ambos.
9 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 178 10 ALEXANDER, Christopher, CHERMAYEFF, Serge, Comunidad y Privacidad, p. 164
9 – Antecâmara de entrada
8 – Antecâmara de entrada
a 9
A1.3.3 CORREDORES COMO RUAS
“Numa sociedade bem organizada que habita uma
urbanização bem organizada (…) há um sentimento inerente de
segurança e pertença social que tem muito que ver com a clareza e
ordem simples da forma da rua (…). A rua é não só uma forma de
acesso, mas também uma área para a expressão social.” 11
Os corredores da faculdade de direito, ao serem amplos
(apresentando pé direitos altos e uma largura generosa) e
iluminados naturalmente, deixam de servir apenas como elementos
de distribuição, mas são também usados como zonas de estar,
tornando‐se “ruas” interiores (figura 10). A rua é, aqui, entendida
como “o que deve ter sido originalmente, ou seja, um lugar onde o
contacto social entre os moradores (neste caso, usuários) pode ser
estabelecido: como uma sala de estar comunitária” 12. Para além
dos espaços de estar mais privados que são as várias salas,
gabinetes e auditórios, deve existir uma zona onde os usuários se
possam encontrar. O corredor é, para tal, um local apropriado,
podendo ser visto como a sala de estar que articula um conjunto de
salas contíguas, fomentando o espírito de comunidade. Tal só será
possível se constituir um espaço vivo, movimentado, o que
pressupõe uma densidade razoável de usuários a utilizar as salas
por ele acessíveis. O tema da densidade não é bem explorado neste
edifício, sendo esse o principal factor que limita as potencialidades
de vivência nos seus corredores, como será referido mais adiante.
Para além de entender os corredores da faculdade de
direito como ruas, podemos pensar no seu conjunto de espaços de
circulação como um ambiente urbano.
“(…) Casa é cidade e cidade é casa (…) uma cidade não é
uma cidade a menos que seja também uma grande casa – uma casa
é uma casa apenas se também for uma pequena cidade.” 13 (figura
13). Pode extrapolar‐se deste raciocínio que, por um lado, na
cidade devem existir lugares de signo intimista que favoreçam,
como as salas de uma casa, a estadia, e que, por outro lado, os
espaços de circulação dos edifícios podem assumir um carácter
mais público e aberto: os corredores podem ser ruas e os átrios,
praças.
Tal analogia pode ser feita em relação à faculdade de
direito: a articulação entre os seus corredores e átrios gera um
ambiente análogo ao produzido pelo conjunto de ruas e praças de
11 SMITHSON, Alison; SMITHSON, Peter, Team 10 primer, p. 98 12 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 48 13 VAN EYCK, Aldo, Aldo Van Eyck – Hubertus House, p. 45
10 – “Rua” interior. Relação com pátio
11 – “Rua” interior. Relação com escadaria.
12 – Uma das escadarias principais
13 – Diagrama sobre a relação casa‐cidade,
por Aldo Van Eyck 13
a 10
uma cidade. Os vários pisos interligam‐se através de escadas que
podem ser vistas como prolongamentos dos corredores, já que são
directamente acessíveis a partir deles (sem que haja qualquer porta
a separá‐los), que o seu espaço é também amplo e, em dois dos
três casos, iluminado naturalmente (figuras 11 e 12). Desta
maneira, o sistema de corredores ganha a fluidez e abertura
espacial características do espaço urbano, aumentando as
possibilidades de comunicação entre os usuários que utilizam as
diferentes zonas do edifício, o que incentiva o espírito de
comunidade. No piso 0, uma parte do corredor é significativamente
mais larga, formando um espaço dilatado, como uma pequena
praça interior onde confluem várias ruas: o corredor principal, o de
acesso a um auditório e duas salas de aula, e o da zona de
administração (figuras 14 e 18).
A existência de bancos semelhantes aos de muitos jardins
lisboetas ao longo de todos os corredores evidencia o seu cunho
público e aberto, o seu carácter de rua de convívio. Neles, as
pessoas sentam‐se para ler o seu livro, para falar com
companheiros, ou simplesmente para observar os colegas que
passam.
A1.3.4 PÁTIOS
Os dois pátios da faculdade de direito constituem
importantes elementos de referência espacial, já que a maioria dos
corredores se localizam em torno deles. São lugares intermédios
entre o espaço exterior alheio à faculdade e o interior. Servem,
assim, como cenário visual dos corredores (figura 15) e de zonas
tampão que os protegem parcialmente do barulho da rua (através
da sua vegetação, no caso do pátio mais aberto, ou pelo facto de
não ter contacto com a rua, no caso do pátio interior).
O pátio fechado possui paredes de tijolo de vidro, o que dá
aos corredores uma relação interior/exterior interessante através
das semi‐transparências deste material e da variedade de tipos de
luz que é produzida: difusa, proveniente do tijolo de vidro, e
directa, oriunda do vidro transparente das janelas (figuras 10 e 16).
Por outro lado, as fachadas do pátio aberto para a alameda da
universidade contêm janelas abertas em panos de alvenaria. O
facto de os pátios compreenderem fachadas diferentes significa
que o ambiente que geram nos corredores é também distinto,
facilitando a orientação do usuário.
14 – “Praça” interior
16 – Pátio poente
15 – Relação do átrio de entrada com o pátio poente
a 11
A utilização dos pátios como zona de estar é escassa, já que
se encontram no piso de entrada, e portanto desnivelados em
relação ao piso –1, onde há mais movimento de alunos. Influi
também o facto de muitas das portas que lhes dão acesso estarem
permanentemente fechadas, não incentivando a sua utilização.
Assim, constituem zonas silenciosas onde poderá haver um
contacto mais íntimo entre quem os vivencie, mas não são
aproveitados como lugares de grande convívio que prolonguem o
espaço de estar dos corredores, sirvam de esplanada do bar ou de
espaço exterior das salas de ensaio das tunas.
A1.4 GRADAÇÃO DA PRIVACIDADE
Neste capítulo analisar‐se‐á o modo como são
hierarquizadas zonas do edifício e salas com distintos níveis de
privacidade.
A1.4.1 GRAU DE ACESSO
É essencial, num edifício como este, que o grau de
privacidade dos vários espaços seja evidente para os usuários. Só
deste modo se poderá preservar o carácter de cada espaço,
evitando equívocos como, por exemplo, que um aluno entre na sala
de reuniões do conselho directivo sem que disso se dê conta. O
princípio fundamental que permite evitar erros como este e tornar
evidente o carácter de cada área é o grau de acesso. Tem‐se, assim,
como objectivo “ (…) aumentar a consciência dos moradores e
visitantes (neste caso, os usuários) quanto à composição do edifício,
formado por ambientes diferentes no que diz respeito ao acesso. (…)
A escolha de motivos arquitectónicos, sua articulação, forma e
material são determinados, em parte, pelo grau de acesso exigido
por um espaço.”14 Assim, é determinante a
transparência/opacidade das portas, a abertura/fechamento entre
corredores com diferentes níveis de privacidade ou a existência de
antecâmaras que demarquem o nível de privacidade das divisões às
quais dão acesso. É através destes elementos que se hierarquizam
14 HERTZBERGER, Herman, Lições de Arquitectura, p. 19
a 12
os vários espaços da faculdade de direito, tornando claro o nível de
privacidade que cada um deles pressupõe.
Nota importante: Os vários tons de cinzento utilizados nas
plantas dos vários pisos aqui apresentadas correspondem ao grau
de acesso que cada espaço pressupõe. Assim, os corredores mais
públicos e abertos são apresentados a cinzento claro; as salas
acessíveis a todos os usuários (como as salas de aula, o bar ou as
salas de estudo) e os corredores secundários, que entremeiam o
acesso a salas mais privadas, num cinzento intermédio; as salas de
acesso restrito (como os gabinetes de administração, a cozinha, ou
as zonas de arquivos e arrumos), a cinzento escuro.
A1.4.2 HIERARQUIZAÇÃO DE DOMÍNIOS
Na faculdade de direito existe uma demarcação clara de
domínios com diferentes níveis funcionais, simbólicos e de acesso,
conseguida através da hierarquização de pisos e da disposição da
planta e da volumetria do edifício.
Os diferentes pisos são categorizados segundo o seu nível
de representatividade institucional. Os pisos 0 e 1 são os principais,
apresentando melhores qualidades espaciais e luminosas e
contendo os espaços com funções mais representativas: o átrio de
recepção, os auditórios, a administração e a grande sala de estudo.
O piso ‐1 é remetido para segundo plano, dispondo de menores
condições espaciais e luminosas, já que as suas funções (como o
bar, as livrarias ou as salas de aula menos imponentes) não servem
17 – Diagrama de zonas volumétricas com diferentes níveis de privacidade. As zonas mais públicas são apresentadas a cinzento mais claro
a 13
tão adequadamente como elementos demonstrativos do carácter
autoritário do regime do Estado Novo. O piso 2 é uma zona de salas
de aula de dimensões mais reduzidas, constituindo um lugar de
relevância menor no que se refere ao funcionamento do edifício.
Em termos simbólicos, visto do exterior, este piso realça a
volumetria do corpo central do edifício, conferindo‐lhe maior
proeminência.
Igualmente, a organização volumétrica do edifício
hierarquiza os níveis de representatividade e privacidade dos
espaços (figura 17). A zona mais pública e de representação
institucional é o volume central (1), onde se encontram, nos pisos 0
e 1, as funções que melhor afirmam esse carácter: o grande átrio de
entrada, o auditório principal, a grande sala de estudo e respectiva
sala museu. Nos pisos ‐1 e 2 localizam‐se funções menos simbólicas
(salas de aula e o bar), mas tal não entra em contradição com os
princípios do edifício visto que se trata de pisos secundários. Num
segundo nível de privacidade está o volume 2 e suas ramificações
(3), que contêm auditórios e salas de aula, funções mais ligadas à
vida académica e menos à expressão emblemática do edifício. Em
terceiro lugar, estão os volumes que fecham o pátio a norte e a
poente (4), onde se dispõem as funções de cunho mais privado,
como os gabinetes administrativos, as divisões de vários institutos e
concelhos, ou salas de aula de cariz mais restrito.
A largura dos corredores de cada uma destas zonas revela o
seu grau de utilização e de movimento de usuários. Assim, o espaço
de circulação mais amplo é o átrio de entrada, já que a grande
maioria dos que frequentam o edifício por ele têm de passar no
acto de ingresso (as entradas de serviço são pontuais e a existente
no edifício de ampliação da faculdade é menos utilizada que a
principal). Os corredores do volume 2 são os mais largos do edifício,
já que todos os usuários os têm de percorrer para aceder tanto às
várias salas, como às duas comunicações verticais principais. Os
corredores das zonas 3 e 4 são os mais estreitos, visto que dão
apenas acesso a salas, não sendo elementos de articulação entre
outros corredores ou espaços de acesso a escadas ou elevadores, o
que lhes confere um carácter mais tranquilo.
É de notar a coerência do posicionamento dos núcleos de
circulação vertical face à disposição geral do edifício: as duas
escadarias principais encontram‐se no volume 2, interligando os
corredores principais dos vários pisos; uma escada é acessível a
partir do volume 1; nenhum dos corredores secundários (3 e 4)
detém escadas ou elevadores. Verifica‐se, então, que as circulações
verticais se dispõem nos eixos públicos do edifício, acentuando o
a 14
carácter aberto destes e permitindo um ambiente mais pacífico nos
espaços de circulação secundários.
A1.4.3 PISO 0
No piso 0 existem salas de aula, vários auditórios (entre os
quais o grande auditório), a entrada principal da faculdade, uma
ligação ao edifício de ampliação da faculdade e uma zona
administrativa e para professores. Dado o carácter público da maior
parte dos seus espaços, este piso manifesta um significativo
movimento de pessoas.
O átrio de entrada (figura 19, espaço 3) é o espaço mais
público da faculdade: dá acesso aos vários corredores e ao
auditório principal (espaço 5), mas nunca a salas de aula ou
gabinetes, que presumem um maior nível de privacidade. Assim,
pessoas estranhas à faculdade podem aceder ao auditório sem que
tenham que passar por corredores de acesso a salas mais privadas.
Desta forma, o átrio funciona tanto enquanto espaço formal de
entrada na faculdade, quanto como zona onde os usuários se
reúnem antes e depois dos eventos realizados no auditório.
A transição entre o átrio de entrada, o auditório e os
corredores que dão acesso às salas é feita através de mudanças de
nível do chão. A figura 20 mostra‐as bem: a partir do átrio, sobe‐se
para um patamar que conduz ao auditório. Desde esse patamar,
sobe‐se para os corredores que dão acesso às salas de aula. Como o
tecto está sempre à mesma altura, o pé direito diminui
18 – Planta Piso 0 Legenda: 1 – Entrada exterior; 2 – Antecâmara de entrada; 3 – Átrio de entrada; 4 – Sala de aulas; 5 – Auditório; 6 – Recepção; 7 – Instituto de cooperação jurídica; 8 – Relações Internacionais; 9 – Sala de pedagógica; 10 – Arquivos; 11 – Secretariado; 12 – Sala dos Professores; 13 ‐ Sala do Presidente do Concelho directivo; 14 – Sala do Concelho Directivo; 15 – Sala do Presidente do Conselho Científico; 16 – Sala do Conselho Científico; 17 – Sala de Refeições do pessoal; 18 – Instalações Sanitárias; 19 – Ligação ao edifício de ampliação da faculdade
19 – Átrio de entrada
20 – Articulação entre átrio, auditório e corredor principal. À esquerda, o átrio; em frente, o corredor; à direita, o auditório.
a 15
progressivamente, marcando a transição entre um lugar mais
público (o átrio), e outros mais privados (o auditório principal e os
corredores de distribuição para as salas de aulas). Assim, ao mesmo
tempo que se mantém uma relação aberta entre os corredores de
distribuição e o átrio de entrada (evidenciando que ambos
pertencem ao mesmo sistema de ruas interiores), conseguem
tornar‐se claros os seus distintos graus de privacidade.
As duas entradas no auditório são antecedidas por
corredores mais estreitos, zonas de antecâmara que conferem
maior riqueza ao acto de entrada, diferenciando‐a em relação a
entradas em salas mais privadas (figura 21). Estes espaços de
intervalo estão abertos para o átrio, o que evidencia o carácter
público do auditório, mas não permite que sirvam como tampões
acústicos.
Na ala administrativa (a norte) e de professores (a poente),
situadas na zona 4 da figura 17, os corredores são mais estreitos
que os principais e separam‐se destes através de portas opacas
(figuras 22 e 23). Assim, embora as portas não estejam trancadas, é
facilmente entendível para alguém alheio à administração que, ao
transpor uma porta opaca, está a entrar num domínio mais restrito.
Ao mesmo tempo, o espaço destes corredores é menos ruidoso do
que o dos corredores principais, constituindo um tampão acústico
que protege o ambiente dos vários gabinetes.
A ala de professores, onde se situam as salas de professores
(espaço 12) e o conselho directivo (espaço 14), separa‐se da galeria
de acesso aos gabinetes administrativos (espaços 7 a 11) através de
um outro corredor paralelo, que funciona como uma zona tampão.
Desta forma, gera‐se uma área destinada exclusivamente a
professores, onde não existem interferências com a parte
administrativa. O mesmo acontece em relação às salas do conselho
científico (espaços 16 e 17), que são precedidas de antecâmaras. A
desvantagem desta solução está no facto de a ala de professores
ser servida por um corredor estreito, útil apenas como zona de
circulação, não se aproveitando o corredor mais espaçoso que lhe é
paralelo como zona de estar.
22 – Relação entre átrio de entrada e zona administrativa ‐ Fotografia tirada a partir do átrio de entrada. As escadas servem como elementos de transição entre o átrio e a zona administrativa. Ao fundo está a porta que dá acesso à zona de gabinetes.
21 – Antecâmara de entrada no auditório principal
23 – Corredor da ala administrativa e de professores
a 16
A1.4.4 PISO 1
No piso 1 situam‐se as salas de aula destinadas aos
mestrados e doutoramentos (figura 24, espaços 2), institutos e
parte da administração (espaços 9 a 23), algumas salas
museológicas (espaços 6 e 7) e a grande sala de estudo (espaço 1).
Trata‐se, assim, de uma zona com menos trânsito que o piso 0.
Deste modo, a relação entre a zona mais privada do
corredor (mais estreita, que dá acesso aos gabinetes da
administração) e a mais pública (mais larga, através da qual se
acede às salas de aula e à sala de estudo), é mais directa que no
piso 0, não sendo intermediada por portas. Assim, o corredor é
contínuo, podendo‐se deambular em torno de ambos os pátios sem
quaisquer entraves. As portas dos gabinetes da ala Norte (situadas
no volume 4 da figura 17), que se situam mais longe da zona mais
pública do corredor, abrem‐se directamente para ele, já que a
distância a percorrer até à entrada do gabinete é, por si mesma, um
elemento de transição. Em toda a ala poente, as salas são
precedidas de espaços tampão: antecâmaras que privatizam o seu
acesso e as isolam acusticamente (figura 25). Nesta ala, os espaços
mais próximos da zona pública do corredor são salas de aula (as
quais, separadas do espaço de circulação através de pequenos halls,
ganham um carácter mais íntimo e restrito, apropriado a
determinadas aulas de mestrado ou doutoramento) e os mais
afastados, gabinetes de institutos ou administrativos que, dado o
seu carácter menos público, usufruem de alguma privacidade
adicional pela distância em relação à zona mais movimentada do
24 – Planta Piso 1 Legenda: 1 – Sala de Estudo; 2 – Sala de aulas de Mestrados e Doutoramentos; 3 – Núcleo dos Timorenses; 4 – S. Prof. Adelino Carlos; 5 – S. Prof. Fernando Olavio; 6 – S. Museu Prof. Marcelo Caetano; 7 – Sala Museu Biblioteca; 8 – Núcleo dos Brasileiros; 9 – Instituto de Ciencias Juridico Económicas; 10 – Secretariado; 11 – Sala de Reuniões; 12 – Instituto de Ciencias Juridico Politicas; 13 ‐ Instituto do Direito do Trabalho; 14 – Instituto do Direito do Consumo; 15 – Centro de Documentação; 16 – Sala Prof. José Coelho; 17 – Sala Prof. Caetano da Mata; 18 – Centro de Documentação Europeia; 19 – Arquivo S. Pessoal e Contabilidade; 20 – Instituto Europeu; 21 – Serviço de Pessoal; 22 – Contabilidade; 23 – Tesouraria; 24 – Instalações Sanitárias
25 – Antecâmara de acesso a salas de institutos
26 – Antecâmara de acesso à sala de estudo
a 17
corredor. Estas antecâmaras poderiam funcionar como acessos que
privatizam serviços específicos. Tal acontece no caso do centro de
documentação europeia (figura 24, número 18), já que um dos halls
dá acesso apenas às suas três salas. Nos outros casos, a relação
entre as funções das várias salas acessíveis por cada hall não é tão
clara.
A presença da grande sala de estudo neste piso faz sentido,
já que se trata de uma zona mais calma e silenciosa da faculdade,
sendo por isso adequada ao estudo. A entrada nesta sala é
semelhante à do auditório, sendo precedida por um corredor mais
estreito que funciona como um espaço de intervalo aberto para o
corredor (figura 26). No entanto, a sua porta contém seis rasgos
horizontais de vidro que permitem entrever o interior deste espaço.
Todos os auditórios e salas de aula, por contraste, têm portas
totalmente opacas. Assim, torna‐se evidente que a grande sala de
estudo é uma sala mais pública, com um maior grau de acesso,
onde não é necessário pedir autorização para entrar.
A1.4.5 PISO –1
No piso –1 situam‐se todos os serviços [bar, tuna de
estudantes, livraria, reprografia, , secretaria, etc. (figura 27, espaços
2 a 8 e 12)] e um grande número de salas de aula. É também nele
que se desenvolve um dos corredores de ligação ao edifício de
ampliação da faculdade. Apresenta‐se, assim, como a zona da
faculdade com maior movimento de alunos.
27 ‐ Planta Piso ‐1 Legenda: 1 – Sala de Aula; 2 – Bar; 3 – Tuna académica; 4 – Sala de computadores/estudo; 5 – Livraria; 6 – Centro de Cópias; 7 – Laboratório fotográfico; 8 – Tipografia; 9 – Gabinete; 10 – Sala de Reuniões; 11 – Contabilidade; 12 – Secretaria e atendimento; 13 ‐ Cozinha; 14 – Instalações Sanitárias; 15 – Salas do pessoal de serviço; 16 – Arquivo Morto; 17 – Zona técnica; 18 – Ligação ao edifício de ampliação da faculdade
a 18
No entanto, trata‐se de um piso onde os corredores têm pé
direito mais baixo e menos luz natural do que os dos pisos
superiores, sendo mesmo alguns deles interiores. Tal escassez de
iluminação deve‐se ao facto de toda a sua luz provir de um estreito
saguão existente ao longo do perímetro dos pátios. Existe, assim,
um distanciamento entre pátio e corredor que é exacerbado pelo
facto de existirem apenas dois pontos de acesso entre eles,
situados na ala poente.
Os espaços exteriores deste piso, situados entre o edifício
em estudo e a sua ampliação, são também menos qualificados do
que os dois pátios principais, já que se encontram numa zona
intermédia entre o edifício original e a sua ampliação, não
apresentando a mesma coerência formal. Apesar disso, visto
estarem relacionados com os dois bares, são mais utilizados que os
pátios do piso superior (figura 30).
O acesso à secretaria (espaço 12) é feito através de um
corredor estreito e mal iluminado de comunicação com as salas de
aula, que se verifica ser perfeitamente inadequado dado o carácter
público desta função e o trânsito de usuários que gera.
O corredor que dá acesso ao laboratório fotográfico (espaço
7), à tipografia (espaço 8), e às salas de contabilidade (espaço 11) é
mais esguio que todos os outros e separa‐se deles através de uma
antecâmara, constituindo uma zona de acesso limitado.
Existem várias portas a subdividir o corredor que conduz ao
pátio, a poente. Através delas, geram‐se espaços tampão que
isolam o acesso às salas da tuna académica e controlam
acusticamente a sala de computadores/estudo, distanciando‐a do
ruído do corredor público, muito movimentado.
30 – Pátio poente, definido pelo edifício original e sua ampliação. É de notar o potencial das escadas como assento informal, uma situação semelhante à da soleira de entrada do edifício.
29 – Corredor de acesso a salas de aula
28 – Corredor principal, de acesso às escadas
a 19
A1.4.6 PISO 2
No Piso 2 existem unicamente salas de aula. O seu espaço de
distribuição é, como acontece no piso ‐1, menos qualificado do que
o das “ruas” dos pisos 1 e 2, já que não tem uma relação franca com
os pátios nem a amplidão necessária para que seja usado como um
lugar para estar, funcionando unicamente como zona de circulação.
Sendo acessível exclusivamente através de uma escada que o
interliga com o piso 1, o piso 2 constitui uma zona mais tranquila,
mas pouco relacionada com o ambiente e vida da faculdade.
A1.5 OBSERVAÇÃO CRÍTICA
Embora apresente dispositivos interessantes de gestão do
grau de privacidade dos espaços e estimulantes ruas interiores, este
edifício apresenta uma contradição basilar: a zona mais
movimentada, mais vivida do edifício é o seu piso com piores
condições espaciais. Ao remeter os serviços (em especial a
associação de estudantes e o bar) para o piso ‐1, ele torna‐se o
centro da vida social da faculdade. Os seus corredores
congestionam‐se e as agradáveis ruas dos pisos superiores nunca
chegam a ter a vida que poderiam caso tivessem uma maior
afluência de alunos. Assim, as amplas ruas/salas de estar
comunitárias e os pátios dos pisos 1 e 2 perdem algum do seu
sentido, dado que aí se verifica uma densidade de utilizadores
31 ‐ Planta Piso 2 Legenda: 1 – Sala de Aula
32 – Corredor de acesso a salas de aula
a 20
relativamente baixa: os alunos utilizam os seus corredores para aceder às salas de aula ou à grande sala de
estudo, mas é no piso ‐1 que encontram mais motivos de permanência. Aqui, para além de assistirem a aulas,
estudam na sala de computadores/estudo, utilizam os vários serviços (livrarias, secretaria, etc) ou convivem
nos dois bares. O facto de cada bar desfrutar do seu respectivo espaço exterior distancia os alunos dos pátios
dos pisos principais.
Verifica‐se que a hierarquia organizacional do edifício corresponde à hierarquia interna da instituição: os
alunos da licenciatura têm aulas nos pisos ‐1 e 2 (menos qualificados) e no primeiro piso; a administração e a
zona para alunos de Doutoramentos e Mestrados encontra‐se nos pisos nobres (pisos 0 e 1). No entanto, são
os alunos da licenciatura que constituem o grupo de usuários de maior dimensão e que mais dinamiza a
faculdade. A organização do edifício denota, assim, uma maior preocupação com o seu carácter institucional e
simbólico do que com os aspectos vivenciais.
A actual organização funcional da faculdade de direito não se distancia da disposição do projecto
original, situando‐se todas as zonas funcionais (administrativa, salas de aula, institutos, serviços, etc.) nos
locais inicialmente previstos. Pode concluir‐se, então, que a contradição aqui apresentada não deriva de
alterações de uso dos espaços, mas da concepção primordial do edifício.
A1.6 CONCLUSÃO
As conclusões a retirar desta pesquisa centram‐se em dois pontos fundamentais inerentes ao edifício da
faculdade de direito: a clarificação dos limites de cada domínio como forma a evitar conflitos entre zonas
públicas e privadas; a exploração dos espaços de transição como lugares de permanência e convívio.
O carácter vivencial dos espaços de transição é, neste edifício, explorado através dos corredores, da
zona exterior de entrada e dos pátios.
Os corredores principais funcionam como ruas de convívio interiores, dada a sua amplidão espacial, boa
iluminação natural e existência de bancos. Este conjunto de ruas, interligado verticalmente através de amplas
escadarias, forma um sistema contínuo e permeável análogo ao espaço urbano, facilitando o contacto entre
usuários de distintas zonas do edifício.
O espaço exterior de entrada, sendo um lugar de encontro e despedida, é também uma zona de estadia,
estabelecendo um espaço de intervalo entre a faculdade e a rua. A existência de uma escadaria constitui um
estímulo às situações de convívio informais, já que nela os usuários se podem sentar ou apoiar, dando a
entender ao seu interlocutor a sua vontade (ou falta dela) de prosseguir a conversa através da sua linguagem
corporal.
Os pátios, dada a sua falta de relação com funções que lhes pudessem dar movimento (como, por
exemplo, os bares), constituem zonas de estar sossegadas, mas pouco utilizadas. No entanto, têm um papel
fundamental como meio de iluminação dos corredores e como zona tampão que os protege dos ruídos da rua.
A vivência das zonas de transição depende, em grande medida, das actividades que decorrem nos
espaços a que dão acesso, já que são estas que determinam a densidade e frequência da sua utilização. Assim,
os corredores de acesso à zona de cafés e comércio têm mais movimento do que outros de ingresso em salas
de aula e auditórios, já que no caso dos últimos o corredor só conhece utilização significativa durante os
a 21
intervalos das aulas, e apenas por alunos e professores de determinadas turmas, enquanto que nos primeiros
se reúnem todos os usuários da instituição, o que garante movimento constante. As salas de administração e
institutos manifestam uma menor afluência de utilizadores do que as salas de aula, sendo consequentemente
os seus corredores menos movimentados do que os destas. O erro organizacional da faculdade de direito
reside no facto de o piso com maior movimento de alunos, onde estão os bares e lojas, ser aquele cujos
corredores têm piores qualidades de estadia. Desta forma, estas zonas de circulação são pouco utilizadas
como lugares de convívio e a densidade dos corredores/ruas dos pisos principais é limitada, já que as funções
que mais movimento geram lhes são alheias.
A gestão da relação entre espaços públicos e privados da faculdade de direito é feita através de três
estratégias: diferenciação de corredores segundo os seus graus de privacidade; existência e caracterização de
espaços de antecâmara que entremeiam corredor e sala; e caracterização das portas de acesso às salas.
A distinção do nível de privacidade de cada corredor é conseguida através do seu grau de dinamismo
(o facto de as circulações verticais interligarem apenas corredores mais públicos e de os mais privados não
constituírem zonas de passagem entre outros corredores, leva a que os primeiros sejam mais movimentados e
os segundos mais tranquilos) da sua amplidão espacial (quanto mais públicos, mais largos são os corredores,
facilitando o trânsito e gerando zonas de estadia) e do seu grau de acesso (os corredores mais privados
contêm portas que os isolam de zonas mais públicas).
As antecâmaras existentes neste edifício são de dois tipos: amplos espaços de intervalo abertos para o
corredor que evidenciam o carácter público das salas a que dão acesso e espaços tampão encerráveis que
isolam acústica e visualmente o espaço da sala em relação ao corredor, privatizando‐a.
O nível de opacidade das portas permite anunciar o grau de acesso dos espaços que encerram. A
interligar dois espaços marcadamente públicos – a zona exterior de entrada e o átrio principal – existem
portas de vidro, que permitem uma permeabilidade visual total; as portas da biblioteca são opacas, mas
incluem rasgos de vidro horizontais que permitem entrever o seu interior, tornando claro o seu carácter
público; as portas de auditórios, salas e gabinetes são totalmente opacas, conferindo‐lhes um maior nível de
privacidade.
A1.7 BIBLIOGRAFIA
ALEXANDER, Christopher, CHEMAYEFF, Serge, Community and privacy, versão consultada: Comunidad y
privacidad – Hacia una nueva arquitectura humanista, Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1970.
CALDAS, João Vieira, Porfírio Pardal Monteiro – Arquitecto, Lisboa: A.A.P. ‐ Secção Regional do Sul, 1997
HERTZBRGER, Herman, Lessons for students in architecture, versão consultada: Lições de arquitectura, São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
PEDROSA, Patrícia Santos, Cidade Universitária de Lisboa (1911‐1950) – Génese de uma difícil
territorialização, Lisboa: Edições Codibri, 2009
SMITHSON, Alison (ed.), Team 10 primer, Londres: MIT press, 1974
STRAUVEN, Francis et. Al., Aldo Van Eyck – Hubertus House, Amesterdão: StichingWonen, 1982
“Cidade Universitária de Lisboa”, Binário, Lisboa, 10‐1962, pp. 662‐685
a 22
E s p a ç o s d e T r a n s i ç ã o | A n e x o s
a 23
ANEXO II.
RELATÓRIO DE QUESTIONÁRIO A ESTUDANTES RESIDENTES
RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES FRAÚSTO DA SILVA
ESTUDO DAS NECESSIDADES VIVENCIAIS DE ESTUDANTES RESIDENTES PRÉVIO AO PROJECTO
E s p a ç o s d e T r a n s i ç ã o | A n e x o s
a 24
a 25
A2. RELATÓRIO DE QUESTIONÁRIO
A2.1 Introdução
Em Março de 2009, estando em fase embrionária a definição do programa do projecto final do
Curso de Arquitectura, entendi passar dois dias na Residência de Estudantes Fraústo da Silva, em Monte
Caparica, Almada.
Pretendi, ao participar no quotidiano da residência, ter um melhor entendimento do ambiente
vivido, das necessidades dos estudantes e das condições logísticas, organizacionais e de gestão dessa
unidade.
O questionário, realizado como complemento à estadia, pretendeu ampliar a informação recolhida
no local. Não houve a pretensão de fazer um estudo científico sobre a vivência nas residências de
estudantes, mas sim conhecer as experiências dos utilizadores finais desta tipologia.
A2.2 Amostra e organização das perguntas
A residência em estudo tem capacidade para 206 pessoas. No entanto, no momento em que o
questionário foi feito, havia 153 residentes, 58 dos quais responderam ao questionário.
Deu‐se especial relevância às relações de privacidade e ao entendimento das situações de convívio,
visto serem o principal objecto de estudo do projecto e tese da fase final do Curso.
Assim, dividiu‐se o questionário em 5 sectores:
I. Quartos Duplos
II. Casas de banho
III. Locais de estudo
IV. Locais de convívio
V. Comparação entre dois modelos de residências
Cada um dos sectores continha várias perguntas de resposta fechada, deixando‐se ainda margem para
que, através de perguntas de resposta aberta, os inquiridos pudessem expor livremente as suas opiniões.
Muitas das respostas dadas pelos residentes relacionaram‐se com questões alheias à arquitectura, como
problemas de gestão ou de segurança. Essas respostas não são aqui apresentadas por saírem fora do âmbito
de estudo.
a 26
A2.3 Questionário
Sou um aluno do 5ºAno de arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa e, este ano, tenho como exercício
principal de curso projectar uma Residência de Estudantes. Para perceber melhor o espírito e as
contingências deste tipo de infra‐estruturas, vim aqui dormir duas noites convosco. Provavelmente ver‐me‐
ás por aí!
Gostaria de te fazer algumas perguntas, que me ajudarão a entender as qualidades e problemas de uma
residência como esta.
Preencher o questionário demora entre 15 e 20 minutos. Depois de o fazeres, entrega‐o na recepção. Eu
passo por lá a buscá‐lo na 6ª feira à hora de almoço, antes de me ir embora!
Nas questões cuja resposta não se limita a ser “Sim” ou “Não”, podes assinalar todas as hipóteses que, para
ti, são válidas.
I. Quartos Duplos
1. Vives num quarto duplo?
□ Sim
□ Não agora, mas já vivi noutra altura
□ Não
Se respondeste Não, podes passar à pergunta 6.
2. Qual é a razão para teres ficado num quarto duplo e não num individual?
□ É mais barato
□ Partilhar um quarto é uma experiência de vida
□ Não havia quartos single disponíveis
□ Queria partilhar o quarto com um amigo/a em especial
□ Queria ficar com o meu namorado/a
□ Outra. Qual? _____________________________________________
3. Consideras que vale a pena partilhar um quarto pela experiência pessoal?
□ Sim, porque ganho um companheiro para a vida
□ Sim, porque aprendo a partilhar um espaço, o que me faz crescer
□ Sim, por outra razão. Qual? _________________________________
□ Não, porque não me dou bem com o/ meu/minha colega
□ Não, porque não tenho privacidade suficiente
□ Não, por outra razão. Qual? _________________________________
4. Tens problemas de privacidade no teu quarto duplo?
□ Sim
□ Não
Se respondeste não, podes passar ao ponto II
a 27
5. Os problemas de privacidade no teu quarto duplo derivam de:
□ O barulho que o teu/tua colega faz (ouvir música, falar ao telemóvel, etc.) te incomodar
□ Teres um de horário de sono diferente do/a teu/tua colega
□ Não existir um lugar próprio para te vestires sem que o teu/tua colega te veja
□ Não haver um lugar, por pequeno que seja, que seja só teu e onde possas estar sozinho/a
sem que ninguém te veja.
□ Outro. Qual? ______________________________________________
As perguntas 6 e 7 destinam‐se unicamente a quem nunca viveu num quarto duplo
6. Gostarias de ter a experiência de viver num quarto duplo?
□ Sim
□ Não
Se respondeste não, podes passar ao ponto II
7. Porque é que gostarias de ter a experiência de viver num quarto duplo?
□ É mais Barato
□ Partilhar um quarto é uma experiência de vida
□ Queria partilhar o quarto com um amigo/a em especial
□ Queria ficar com o meu namorado/a
□ Outra. Qual? _____________________________________________
II. Casas de banho
Este ponto do questionário é para ser respondido unicamente por quem tem casa de banho partilhada. Caso
tenhas uma casa de banho privativa, passa para o ponto III
1. O facto de a casa de banho ser directamente acessível a partir de dois quartos gera problemas de
privacidade?
□ Sim, e é um problema que me afecta
□ Sim, mas não me preocupa
□ Não
□ Outro. Qual? _______________________
2. Se achares relevante, descreve os problemas existentes
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_____________________________________
a 28
III. Estudo
1. Onde costumas estudar mais?
□ No quarto
□ Numa sala de estudo da residência
□ Numa biblioteca da universidade
□ Na cozinha
□ Outro. Qual? ____________________
2. O teu quarto apresenta boas condições de estudo?
□ Sim
□ Não
Porquê?_______________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
_____________________________________________
3. Com que frequência utilizas as salas de estudo da residência?
□ Todos os dias
□ 5 vezes por semana
□ 3 vezes por semana
□ 1 vez por semana
□ 1 vez por mês
□ Nunca
□ Outro. Qual?_____________________
4. Que actividades realizas na sala de estudo?
□ Estudar
□ Conviver
□ Navegar na internet
□ Outras. Quais?____________________
5. Existem condições para trabalhar nas salas de estudo?
□ Sempre
□ Muitas vezes
□ Às vezes
□ Raramente
□ Nunca
□ Outro. Qual?_____________________
Se respondeste “Sempre”, podes passar ao ponto IV
a 29
6. Quais são as razões para que as salas de estudo não funcionem?
□ Falta de supervisão
□ Muito barulho e movimento porque há pessoas a conviver
□ Falta de compartimentação que permita controlar o barulho de trabalhos de grupo
□ Outras. Quais?__________________________________________________
IV. Convívio
1. Dentro da residência, onde costumas conviver mais?
(a esta pergunta, responde com números de 1 a 7, sendo que o numero 1 indica o local onde mais
convives, e o 7 o local onde menos convives. Caso acrescentes hipóteses à lista, acrescenta também
a mesma quantidade de números)
□ Na sala comum
□ Nas salas de estudo
□ Nas cozinhas
□ Nos quartos
□ Nos corredores
□ Nas varandas
□ Nos espaços verdes exteriores
□ Outro. Qual?_______________________
2. Com que frequência utilizas a sala de convívio (onde está a TV e a mesa de Ping‐pong) da residência?
□ Todos os dias
□ 5 vezes por semana
□ 3 vezes por semana
□ 1 vez por semana
□ 1 vez por mês
□ Nunca
□ Outro. Qual?_____________________
3. Em relação à Sala de Convívio, assinala as características que consideras verdadeiras.
□ É pequena para tanta gente
□ Serve demasiada gente, não fomentando relações mais próximas
□ Devia haver mais salas, com um ambiente mais íntimo, onde grupos mais pequenos
pudessem conviver.
□ O facto de servir muita gente torna‐a um importante lugar de comunhão
□ O facto de estar aberta para a entrada dá‐lhe um carácter impessoal
□ O facto de estar aberta para a entrada dá‐lhe mais movimento, o que a torna um bom ponto
de encontro
□ A existência de uma varanda constitui um factor de atracção
a 30
□ Outras Sugestões
___________________________________________________________________________
___________________________________________________
4. Em relação às cozinhas, assinala as características que consideras verdadeiras.
□ Não gosto do facto de serem tão pequenas, porque limita a possibilidade de convívio
□ O facto de serem pequenas faz‐me sentir mais em casa
□ O facto de serem pequenas gera menos confusão, o que me agrada
□ Outras características .____________________________________________
_______________________________________________________________
5. Com que frequência tens visitas de amigos, de familiares ou do/a teu/tua namorado/a na
residência?
□ Todos os dias
□ 5 vezes por semana
□ 3 vezes por semana
□ 1 vez por semana
□ 1 vez por mês
□ Nunca
□ Outro. Qual?_____________________
6. Na tua opinião, a residência tem as condições necessárias para receber convidados?
□ Sim
□ Não
Porquê? ________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_______________________________________
7. Imagina o seguinte cenário:
Uma residência constituída por apartamentos de 12 pessoas, cada um com 4 quartos duplos e 4
quartos individuais. Cada apartamento tem o seu corredor, isolado dos outros espaços, a sua
cozinha e a sua lavandaria. As casas de banho são como as da residência onde te encontras.
Para além dos apartamentos, existem salas de convívio e de estudo comuns a toda a residência.,
onde as pessoas de apartamentos diferentes se podem encontrar.
O que achas deste modelo, comparando‐o com aquele onde vives actualmente?
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a 31
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Muito obrigado pelas tuas respostas!
Simão Botelho
a 32
A2.4 Resultados
I – Quartos Duplos
I.1 – Vives num quarto duplo?
Esta questão existe apenas como forma de direccionar os inquiridos para perguntas específicas, e de
entender a relação entre o tipo de quarto em que vivem e as opiniões que têm sobre os diversos assuntos.
I.2 ‐ Qual é a razão para teres ficado num quarto duplo e não num individual?
É de notar que todos os residentes que responderam que queriam “partilhar o quarto porque é uma
experiência de vida” ou que queriam “partilhar o quarto com um amigo/a em especial”, afirmaram também
que o facto de ser mais barato tinha influenciado a sua escolha. Assim, trinta dos residentes entrevistados
estão num quarto duplo por vontade própria ou necessidade. O factor económico é o mais determinante
no que respeita à tomada de opção entre viver num quarto individual ou duplo, seguido do facto de se
ganhar experiência de vida e, por último, do desejo de partilhar o quarto com alguém em especial.
No entanto, 44% dos residentes (22 pessoas num universo de 50) que vivem num quarto duplo prefeririam
viver num individual (os alunos em anos inferiores ao 3º Ano e aqueles para quem não havia quarto
individual disponível), podendo concluir‐se que, nesta residência, há falta de quartos individuais.
O número de residentes que habitam quartos duplos por vontade própria ou necessidade é superior ao dos
que estão num quarto duplo por falta de alternativa. Para além disso, 57% (17 pessoas num universo de 30)
dos residentes que habitam quartos duplos por vontade própria ou necessidade considera que estes têm
Respostas dadas por residentes que estão num quarto duplo por vontade própria ou necessidade
Respostas dadas por residentes que estão num quarto duplo por falta de alternativa
a 33
valências sociais importantes. Assim, conclui‐se que existe procura de quartos duplos e que estes podem
ter benefícios sociais.
I.2 – Consideras que vale a pena partilhar um quarto pela experiência pessoal?
A maioria dos residentes que responderam ao questionário considera que partilhar um quarto é uma
valiosa experiência pessoal, fomentando amizades e ensinando a partilhar espaço. O residente que
respondeu “Sim, por outra razão”, afirma que o facto de se conhecer pessoas novas valoriza a experiência
de partilhar um quarto.
10% dos residentes (cinco pessoas num universo de 50) apresentam simultaneamente respostas a favor e
contra o valor da partilha de quarto como uma experiência pessoal.
14% dos residentes (sete pessoas num universo de 50) não valorizam a experiência da partilha de um
quarto, especialmente devido à falta de privacidade.
Só um residente menciona o facto de não se dar bem com o seu colega. Os residentes que responderam
“Não, por outra razão”, afirmam ter problemas de arrumação, e sentir “a falta do [seu] próprio espaço”.
I.3 – Tens problemas de privacidade no teu quarto duplo?
A grande maioria de residentes afirma não ter problemas de privacidade nos seus quartos duplos. No
entanto, em alguns casos esta pergunta não foi bem entendida, existindo respostas contraditórias dadas
pela mesma pessoa: respondendo‐se, na pergunta I.2, que “Não [vale a pena partilhar um quarto pela
experiência pessoal], porque não tenho privacidade suficiente” ao mesmo tempo que, na pergunta I.3, se
afirma que “Não há problemas de privacidade no seu quarto duplo”.
a 34
I.4 – Os problemas de privacidade no teu quarto duplo derivam de:
A esta pergunta responderam unicamente aqueles que, na questão I.3, afirmaram ter problemas de
privacidade no seu quarto duplo. Como a maioria dos inquiridos respondeu não os ter, o número de
residentes que respondeu a esta questão é reduzido.
De entre os problemas de privacidade nos quartos duplos, destaca‐se o problema das diferenças de horários
entre colegas de quarto (com sete respostas) e o facto de não existir nenhum lugar onde o residente se
possa isolar (com seis respostas). O barulho feito pelo colega de quarto constitui um problema para três
residentes, e o facto de não haver um lugar para vestir com privacidade visual preocupa apenas um dos
residentes consultados.
As razões apresentadas pelos dois residentes que responderam “Não, por outra razão”, prendem‐se com
problemas de compatibilidade com o colega de quarto e conflitos com os vizinhos com quem se
compartilha a casa de banho (problema que vai para além da vivência dentro no quarto duplo, mas que é
uma realidade para os residentes).
I.6 – Gostarias de ter a experiência de viver num quarto duplo?
As respostas a esta pergunta foram dadas apenas pelos residentes que, na pergunta I.1, afirmaram
nunca ter vivido num quarto duplo.
Verifica‐se que dois residentes que nunca partilharam quarto têm interesse em fazê‐lo.
a 35
I.7 – Porque é que gostarias de ter a experiência de viver num quarto duplo?
A esta questão responderam os dois inquiridos que, na pergunta I.6, afirmaram ter interesse em
experimentar viver num quarto duplo. O número de respostas a esta pergunta é demasiado pequeno para se
tirar quaisquer conclusões.
II – Casas de Banho
As casas de banho desta residência são partilhadas e directamente acessíveis a partir de dois quartos
em simultâneo. Tal solução implica que esta nunca possa ser trancada por quem a usa, suscitando possíveis
intromissões indesejadas. Esta pergunta tem, como objectivo, averiguar se o sistema de casas de banho
implementado gera, ou não, situações de invasão de privacidade, e até que ponto isso constitui um
problema.
II.1 ‐ O facto de a casa de banho ser directamente acessível a partir de dois quartos
gera problemas de privacidade?
Pode concluir‐se que este modelo de casas de banho gera problemas de privacidade, já que mais de
metade das respostas é afirmativa. No entanto, estes problemas não preocupam a maioria dos residentes.
Sim Não
a 36
Apenas dois residentes afirmam que os problemas de privacidade derivam do facto de, enquanto um
estudante está na casa de banho, um residente do quarto ao lado abrir a porta, gerando situações
incómodas.
Outros problemas identificados pelos residentes prendem‐se com o problema da casa de banho ser
partilhada: oito estudantes mencionam a falta de higiene e de respeito pela calendarização da limpeza (são
os próprios alunos que limpam as suas casas de banho); sete pessoas falam do problema da casa de banho
estar ocupada quando é necessário usá‐la, especialmente quando é partilhada entre quatro pessoas com
horários muito semelhantes; um residente afirma que o facto da casa de banho ser partilhada cria conflitos;
um outro fala ainda de problemas com a utilização de Sprays por parte dos seus colegas, o que constitui um
problema devido à falta de ventilação, sendo o quarto invadido pelos cheiros.
Dois dos residentes afirmam que não têm problemas de privacidade porque partilham a casa de banho
com um bom amigo.
III – Estudo
Esta série de questões tem, como objectivo, averiguar os locais onde os residentes mais estudam e as
condições que lhes são disponibilizadas. Pretende‐se, também, saber até que ponto as salas de estudo da
residência são utilizadas para desempenhar outras funções.
III.1 – Onde costumas estudar mais?
As respostas a esta pergunta mostram que a maioria dos estudantes prefere estudar dentro da residência,
embora a universidade lhes seja muito facilmente acessível. É no espaço privado do quarto que mais
estudantes estudam (trinta e quatro respostas). As salas de estudo da residência são também muito
utilizadas (vinte e nove respostas), ao contrário das cozinhas, onde nenhum residente afirma estudar com
frequência.
Apenas catorze residentes afirmam estudar com mais frequência na universidade, fora da residência.
Entende‐se, assim, que os quartos devem ser projectados tendo em vista que os estudantes lá
estudam muito. Os espaços de estudo comuns no interior da residência devem ser previstos, já que muitos
estudantes preferem estudar neles.
a 37
III.2 – O teu quarto apresenta boas condições de estudo?
A maioria dos residentes considera que o seu quarto tem boas condições de estudo.
As razões dadas pelos residentes que consideram que o seu quarto apresenta boas condições de estudo são:
ter boa luz (4 respostas);
ser um lugar silencioso e sossegado (quatro respostas);
ter uma secretária com boa dimensão (quatro respostas);
poder estar sozinho (duas resposta);
poder estudar sentado ou deitado (uma resposta);
a existência de uma bancada com cadeiras é suficiente (uma resposta);
por ter espaço suficiente (duas respostas).
a disposição da mesa suscita o estudo (uma resposta)
O facto de viverem num quarto partilhado é um factor para considerar que não existem condições para
estudar nele. Residentes de quartos duplos afirmam que:
Existe pouco espaço de estudo (cinco respostas);
Há dificuldades em estudar por haver problemas com o colega de quarto (uma resposta);
Existe pouca privacidade (duas respostas).
Outros alunos que consideram que os seus quartos não têm condições de estudo afirmam que:
a mesa de estudo é muito estreita (uma resposta);
a mesa de estudo é pequena (duas respostas);
existe pouca iluminação (uma resposta).
III.3 – Com que frequência utilizas as salas de estudo da residência?
As salas de estudo desta residência têm uma utilização frequente, já que mais de metade dos inquiridos as
utiliza uma ou mais vezes por semana (trinta e quatro residentes). Vinte e dois residentes utilizam as salas
a 38
de estudo mais esporadicamente ‐ uma vez por mês, nunca ou, no caso dos que responderam “outro”, em
situações particulares. As situações apontadas são:
épocas de exames;
quando se estuda em grupo;
quando não se consegue concentrar no quarto.
III.4 – Que actividades realizas na sala de estudo?
Verifica‐se que a actividade principal realizada nas salas de estudo é estudar. No entanto, estas salas servem
também, na maioria dos casos (32 residentes num universo de 58), para conviver. O facto de a residência
possuir uma única sala comum pode estar na origem da utilização destas salas como lugares de convívio
menos públicos.
Os residentes que responderam “outras” afirmam que utilizam as salas de estudo para:
fazer festas (duas respostas)
jantar (duas respostas)
III.5 – Existem condições para trabalhar nas salas de estudo?
A grande maioria dos residentes responde que existem condições para trabalhar nas salas de estudo “às
vezes” ou “muitas vezes”, o que pressupõe a existência periódica de problemas impeditivos de boas
condições de estudo.
a 39
III.6 – Quais são as razões para que as salas de estudo não funcionem?
A esta pergunta responderam todos os inquiridos excepto aqueles que responderam “sempre” na
pergunta III.5.
Trinta residentes, num universo de cinquenta e três, afirmam que existe “muito barulho e
movimento [nas salas de estudo] porque há pessoas a conviver”.Pode concluir‐se que o facto de as
salas de estudo servirem simultaneamente como lugares de estudo e convívio piora o seu
funcionamento. Existe, assim, um conflito de funções.
38% dos residentes que responderam a esta questão (vinte, num universo de cinquenta e três)
considera que deveria haver uma maior compartimentação para controlar o barulho gerado
quando os alunos trabalham em grupo.
Um residente que respondeu “outras”, afirma que o facto de existirem muitas salas lhe permite
escolher uma que esteja vazia e em condições. Este aluno salienta o facto de já existir alguma
compartimentação das salas de estudo e considera que essa característica apresenta benefícios.
Só três residentes mencionam a falta de supervisão como um problema das salas de estudo,
podendo‐se concluir que a supervisão não é tida como factor essencial para o seu bom
funcionamento.
De entre as razões apresentadas pelos alunos que responderam “outras”, salienta‐se:
Falta de cadeiras e mesas (seis respostas);
Falta de espaço (duas respostas);
Falta de tomadas eléctricas (duas respostas);
Má iluminação (uma resposta);
Problemas de relação entre os usuários (uma resposta).
IV – Convívio
a 40
IV.1 – Dentro da residência, onde costumas conviver mais?
A esta pergunta, as respostas foram dadas com números de 1 a 7, sendo que o numero 1 indica o local onde
o residente mais convive, e o 7 o local onde convive menos. Foi feita uma média aritmética das respostas.
Espaços Classificação média
Na Sala Comum 2,4
Nas cozinhas 2,7
Nos quartos 2,9
Nas Salas de Estudo 3,45
Nos corredores 4,9
Nas varandas 5,4
Nos espaços verdes exteriores 5,8
Verifica‐se que é na sala comum e nas cozinhas que os estudantes mais convivem. Os quartos, mesmo
sendo zonas privadas, são também importantes lugares de convívio. Onze residentes afirmam que é o lugar
onde mais convivem, dentro da residência.
As varandas e espaços verdes exteriores não são os locais eleitos pelos residentes para conviver. Parte do
problema dos espaços verdes exteriores pode residir no facto de a relação entre o interior e o exterior ser
pouco directa. Alguns estudantes referem‐se a esta característica da residência como um defeito.
IV.2 ‐ Com que frequência utilizas a sala de convívio (onde está a TV e a mesa de Ping‐
pong) da residência?
a 41
Quase metade dos inquiridos respondeu que utiliza a sala de convívio diariamente, e dezoito residentes
frequentam‐na três ou cinco vezes por semana. Dos inquiridos, só onze é que frequentam a sala de convívio
uma vez por semana ou menos.
Conclui‐se que a Sala de convívio tem muito movimento.
IV.3 – Em relação à sala de convívio, assinala as características que consideras
verdadeiras.
Só existe uma sala de convívio de 70m2 para toda a residência, que servirá um máximo de 206 pessoas,
quando a residência está cheia.
IV.3.1 – Quantidade de pessoas que serve
A grande maioria dos residentes considera que o facto de a sala comum servir muita gente a torna um
importante lugar de comunhão (trinta e oito respostas). Poucos inquiridos consideraram que, ao servir
muita gente, a sala comum não fomenta relações mais próximas (três respostas). No entanto, alguns
residentes vêm a possibilidade de existência de salas mais íntimas para convívio de grupos mais pequenos
como uma vantagem (dez respostas).
Pode concluir‐se que a maioria dos residentes considera o carácter marcadamente público da sala comum
uma vantagem, e que cerca de 17% (dez num universo de 58) dos inquiridos sente a falta de espaços mais
íntimos.
a 42
IV.3.2 – Relação com a entrada
A relação da sala comum com a entrada é vista por muitos residentes como uma vantagem, dando
movimento à sala e tornando‐a um bom ponto de encontro (quarenta e três respostas). Poucos residentes
consideram que a relação da sala com a entrada lhe confere um carácter impessoal (quatro respostas).
IV.3.3 – Tamanho da sala e existência de varanda
As sala comum desta residência tem 50m2 e serve cerca de 220 pessoas.
A relação da sala comum com um espaço exterior (neste caso, com a varanda) é vista, pela maioria
dos residentes, como um factor de atracção (42 respostas).
Alguns residentes consideram a sala pequena para a quantidade de pessoas que a frequentam (9
respostas).
No que diz respeito a quem respondeu “Outras sugestões”, um residente sugere “ separar o local de jogos
do local de leitura e do de televisão”. Outros dois inquiridos afirmam, respectivamente, que:
A grande luminosidade da sala comum é um factor de atracção
A sala comum é um bom local de convívio porque é aberta
IV.4 – Em relação às cozinhas, assinala as características que consideras verdadeiras.
Cada cozinha da residência possui 10m2 e serve, em média, vinte pessoas (sendo que há assimetrias na
quantidade de gente que utiliza cada cozinha). As cozinhas estão abertas para os corredores de circulação,
Características positivas Características negativas
Características positivas Características negativas
a 43
sendo todas elas acessíveis a todos os residentes. Possuem, cada uma, uma mesa com cinco cadeiras como
local para comer.
Quem respondeu “outras características”, apontou dificuldades mais práticas:
O frigorífico, o fogão e as gavetas são pequenos para tanta gente (nove respostas);
A reduzida dimensão da cozinha leva a que, por vezes, se tenha que esperar para cozinhar, e a que
seja difícil haver muita gente a cozinhar ao mesmo tempo (doze respostas);
Problemas de roubos de comida e utensílios de cozinha porque os armários são acessíveis a
qualquer pessoa. (duas respostas)
Má distribuição dos utilizadores pelas cozinhas, havendo muita confusão em algumas (uma
resposta)
É claro o descontentamento de vinte residentes no que toca às dificuldades de convívio em cozinhas
pequenas. Em contrapartida, para oito residentes, a reduzida dimensão das cozinhas fá‐los sentir‐se
mais em casa. No que diz respeito a problemas de confusão nas cozinhas, doze residentes respondem
que o facto de serem pequenas gera menos confusão, e outros doze respondem o contrário.
Possivelmente, estas respostas derivam do facto de a população de residentes estar mal distribuída
pelas várias cozinhas, existindo cozinhas com muita e outras com pouca gente.
O facto de algumas pessoas jantarem nas salas de estudo (ver ponto III.4) poderá advir da reduzida
dimensão das cozinhas e do seu espaço de refeições.
IV.5 – Com que frequência tens visitas de amigos, de familiares ou do/a teu/tua
namorado/a na residência?
a 44
IV.6 – Na tua opinião, a residência tem as condições necessárias para receber
convidados?
Entre os residentes que responderam “Sim”, foi apontado que:
A sala de convívio é boa para receber gente
Entre os residentes que responderam “Não”, as razões apontadas foram:
Os quartos duplos são demasiado pequenos para dois ocupantes e convidados (quatro respostas)
Só existe uma sala comum com sofás para conversar (duas respostas)
Cozinhas têm poucas mesas e cadeiras
Os namorados não têm privacidade nos quartos duplos
V – Comparação de dois modelos de residência
a 45
Imagina o seguinte cenário: Uma residência constituída por apartamentos de 12 pessoas, cada um com 4
quartos duplos e 4 quartos individuais. Cada apartamento tem o seu corredor, isolado dos outros espaços, a
sua cozinha e a sua lavandaria. As casas de banho são como as da residência onde te encontras.
Para além dos apartamentos, existem salas de convívio e de estudo comuns a toda a residência, onde as
pessoas de apartamentos diferentes se podem encontrar.
O que achas deste modelo, comparando‐o com aquele onde vives actualmente?
O gráfico apresenta apenas os julgamentos de valor explícitos dados pelos residentes no seu comentário à
questão.
A tabela seguinte apresenta as respostas dos residentes, relacionando vantagens e desvantagens do modelo
proposto.
Vantagens Desvantagens
Gera grupos mais pequenos, fomentando relações
mais próximas (seis respostas)
Vai contra o espírito de grupo que uma residência
deve ter (três respostas)
Limita a escolha das pessoas com quem se convive
(uma resposta)
Gera mais privacidade e tranquilidade (três
respostas)
Pode isolar os apartamentos uns em relação aos
outros (dez respostas)
Há menos convívio e o estudo em grupo pelo facto
de as salas de convívio e de estudo estarem em
pontos centrais e não perto dos quartos (uma
resposta)
Saber quem limpa e utiliza a cozinha e a lavandaria
leva a um maior respeito e sentido de
responsabilidade pelas coisas dos outros, evitando
roubos (seis respostas)
É mais fácil haver organização doméstica (uma
O facto de se ter que utilizar uma cozinha em
específico pode gerar problemas entre residentes
(uma resposta)
a 46
resposta)
Gera isolamento acústico nos quartos, o que cria
melhores condições de estudo (cinco respostas)
É bom ter mais que uma sala comum (uma resposta)
O preço é mais elevado (duas respostas)
Um residente sugere que os apartamentos deveriam ser para mais estudantes.
E s p a ç o s d e T r a n s i ç ã o | A n e x o s
a 47
ANEXO III.
CENTRO MULTIFUNCIONAL E RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES
UM LUGAR DE ENCONTRO NA CIDADE UNIVERSITÁRIA DE LISBOA
PAINÉIS FINAIS DO PROJECTO
E s p a ç o s d e T r a n s i ç ã o | A n e x o s
a 48