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ESTADOS FRACASSADOS: OS DESAFIOS DA ANÁLISE GEOPOLÍTICA DA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

TC Cav ALISSON MAIA BILA

Rio de Janeiro

2018

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TC Cav ALISSON MAIA BILA

ESTADOS FRACASSADOS: OS DESAFIOS DA ANÁLISE GEOPOLÍTICA DA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de pós-graduação lato sensu em Ciências Militares.

Orientador: Cel Art MARCOS JOSÉ MARTINS COELHO

Rio de Janeiro 2018

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B595e Bila, Alisson Maia.

Estados Fracassados: Os desafios da análise geopolítica da República Centro-Africana. / Alisson Maia Bila. – 2018.

86f. : il ; 30cm. Orientação: Marcos José Martins Coelho Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ciências Militares). - Rio de

Janeiro: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, 2018. Bibliografia: f. 80-86. 1. ÁFRICA. 2. GEOPOLÍTICA. 3. REPÚBLICA CENTRO- AFRICANA. I. Título.

CDD 320.12

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TC Cav ALISSON MAIA BILA

ESTADOS FRACASSADOS: OS DESAFIOS DA ANÁLISE GEOPOLÍTICA DA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de pós-graduação lato sensu em Ciências Militares.

Aprovado em ____/____/ 2018.

COMISSÃO AVALIADORA

________________________________________________ MARCOS JOSÉ MARTINS COELHO – Cel Art - Presidente

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

_______________________________________ GIAN DERMÁRIO DA SILVA – TC Inf - Membro Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

__________________________________________ GUILHERME NAVES PINHEIRO – TC Inf - Membro

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

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DEDICATÓRIA

A minha esposa e filhas. A mais sincera homenagem pelo companheirismo e apoio durante a realização do curso e deste trabalho. Vocês são minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus pela força, por ser essencial na minha

vida, responsável por meu destino e por me guiar nesta caminhada. Aos meus pais e irmãos que me acompanham durante toda a minha vida,

por seus exemplos, carinho e pela confiança em mim depositado. Amo todos vocês. Eu gostaria de agradecer, também, ao Cel Coelho, orientador deste trabalho,

pela orientação segura, pela paciência e pelas observações importantíssimas para a conclusão deste trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho teve por objetivo entender as particularidades da

geopolítica dos conflitos e dos refugiados na República Centro-Africana. A

metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, abrangendo, principalmente,

trabalhos acadêmicos, artigos científicos e sites oficiais na internet. A instabilidade

decorrente do descaso francês e dos conflitos internos perdura por décadas no país,

onde predominam a diversidade dos grupos rebeldes, o interesse pelas riquezas

naturais e a constante interferência externa. A situação é agravada pela pluralidade

de religiões e de atores internacionais atuantes dentro do território centro africano,

provocando uma onda enorme de refugiados e uma grave crise alimentar. Os conflitos

são disputados por mercenários, rebeldes locais e terroristas internacionais e muitas

das vezes travados muito perto de zonas sob o controle das missões de paz. Nesses

combates observa-se o uso do simples machado até as armas mais sofisticadas,

facilitando a amplitude e abrangência da violência. Os nativos se camuflam facilmente

nas paisagens ou entre a própria população, com uma assimetria que dificulta a

atuação das forças regulares. Por estas razões, o assunto atrai a atenção crescente

de investigadores, políticos e estudiosos na busca de soluções concretas e

duradouras para a estabilização da parte mais conturbada do continente africano.

Entretanto, persiste a escassez de informação e a ausência de coerência e

coordenação das ações dos atores estatais e não estatais. Desta forma, este estudo

pretende analisar, de maneira sintética, os desafios da análise geopolítica da

República Centro-Africana, assunto pouco explorado até o momento, na língua

portuguesa.

Palavras Chave: África, Geopolítica, República Centro-Africana.

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ABSTRACT

The present work aimed to understand the particularities of the geopolitics of

conflicts and refugees in the Central African Republic. The methodology used was the

bibliographical research, covering mainly, academic works, scientific articles and

official websites on the internet. The instability arising from French neglect and internal

conflicts has persisted for decades in the country, where the diversity of rebel groups,

the interest in natural wealth and the constant external interference predominate. The

situation is aggravated by the plurality of religions and international actors operating

within the central African territory, causing a huge wave of refugees and a serious food

crisis. Conflicts are fought by mercenaries, local rebels and international terrorists and

often fought very close to areas under the control of peacekeeping missions. In these

combats the use of the simple axe is observed until the more sophisticated weapons,

facilitating the amplitude and scope of violence. The natives camouflage easily in the

landscapes or between the own population, with an asymmetry that hinders the

performance of the regular forces. For these reasons the subject attracts the growing

attention of researchers, politicians and scholars in the search for concrete and lasting

solutions for the stabilization of the most troubled part of the African continent.

However, there is still a lack of information and lack of coherence and coordination of

the actions of state and non-state actors. In this way, this study intends to analyze, in

a synthetic way, the challenges of the geopolitical analysis of the Central African

Republic, subject little explored until now, in the Portuguese language.

Keywords: Africa, Geopolitics, Central African Republic

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

ACN Aid to the Church in Need

CRS Catholic Relief Services

CICV Comitê Internacional da Cruz Vermelha

CEA Comunidade Econômica Africana

CER Comunidades Econômicas Regionais

CEMAC Comunidade Econômica e Monetária da África Central

DIH Direito Internacional Humanitário

DDR Programas de desarmamento, desmobilização e reintegração

DDRR Desarmamento, desmobilização, reintegração e reabilitação

ECHO Operações de Proteção Civil e Ajuda Humanitária

EUTM Missão de Treinamento Militar da União Europeia

FFP Fund For Peace

FACA Força Armada Centro-Africana

FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

FOMUC Força Multinacional na África Central

HRW Human Rights Watch

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IPIS International Peace Information Service

MINUSCA Missão Multidimensional das NU para a Estabilização da RCA

MISCA Missão Internacional de Apoio à República Centro Africana

MICOPAX Missão de Consolidação da Paz na RCA

OFCA Organização de Mulheres Centro Africanas

OCHA Escritório para a Coordenação dos Assuntos Humanitários

OFDA Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SADC Comunidade de Desenvolvimento da África Austral

SIDA Agência Sueca de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional

SDC Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação

TCE Tribunal Criminal Especial

TPI Tribunal Penal Internacional

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa da RCA ……………………………………............…………...………. 15

Figura 2: Mapa dos Estados Falidos ........................................................................ 34

Figura 3: Mapa dos recursos naturais ...................................................................... 39

Figura 4: Mapa das reservas naturais ...................................................................... 40

Figura 5: Mapa regional dos principais grupos rebeldes .......................................... 41

Figura 6: Mapa situação atual dos refugiados .......................................................... 51

Figura 7: Mapa das regiões controladas pelos grupos rebeldes .............................. 64

Figura 8: Mapa dos programas humanitários ativos na RCA ................................... 67

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------- 11

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA --------------------------------------------------------- 12

1.2 OBJETIVOS ------------------------------------------------------------------------------ 13

1.2.1

1.2.2

1.3

2

2.1

2.2

2.3

3

Objetivo Geral ----------------------------------------------------------------------------

Objetivos Específicos ------------------------------------------------------------------

JUSTIFICATIVA DA PESQUISA ----------------------------------------------------

METODOLOGIA ------------------------------------------------------------------------ DELIMITAÇÃO DA PESQUISA -----------------------------------------------------

CONCEPÇÃO METODOLÓGICA --------------------------------------------------

LIMITAÇÕES DO MÉTODO ---------------------------------------------------------

REFERENCIAL TEÓRICO -----------------------------------------------------------

13

13

14

15

15

16

16

17

3.1 CONCEITO DE ESTADOS FRACASSADOS ----------------------------------- 18

3.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DO STATUS DE REFUGIADOS --------------- 19

3.3

4 4.1

4.2

4.3

4.3.1

4.3.2

4.3.3

5

5.1

5.2

5.3

CONCEITO DE REFUGIADOS, DESLOCADOS INTERNOS E

APÁTRIDA --------------------------------------------------------------------------------

A GEOPOLÍTICA DOS CONFLITOS NA RCA -------------------------------- HISTÓRICO DOS CONFLITOS NA RCA -----------------------------------------

QUESTÕES ATUAIS ------------------------------------------------------------------

ASPECTOS GERAIS DA REPÚBLICA CENTRO AFRICANA--------------

Aspectos Políticos ----------------------------------------------------------------------

Aspectos Econômicos -----------------------------------------------------------------

Aspectos Psicossociais ---------------------------------------------------------------

OS IMPACTOS PARA A ÁFRICA CENTRAL E AS CONSEQUÊNCIAS PARA A REGIÃO ---------------------------------------------------------------------- OS IMPACTOS PARA A REGIÃO -------------------------------------------------

OS IMPACTOS PARA A RCA E SUA POPULAÇÃO -------------------------

AS CONSEQUÊNCIAS PARA A REGIÃO ---------------------------------------

20

23

24

27

33

35

36

40

43

43

45

50

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6

6.1

6.2

7

O PAPEL DA COMUNIDADE INTERNACIONAL E OS DESAFIOS PARA A AJUDA HUMANITÁRIA-------------------------------------------------- O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS -------------------------

OS DESAFIOS PARA A AJUDA HUMANITÁRIA -----------------------------

CONCLUSÃO --------------------------------------------------------------------------

53

56

65

75

REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------- 80

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1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa buscou estudar a geopolítica de um Estado Fracassado e

os desafios para a Comunidade Internacional. Para esta análise foi delimitado o

espaço geográfico da África Central, mais precisamente o território da República

Centro-Africana (RCA) e a influência dos países limítrofes.

A República Centro-Africana é uma ex-colônia francesa que obteve sua

independência em 1960. Os franceses governaram a região dividindo o território em

concessões, baseado em seus interesses. A França forneceu pouca assistência para

os serviços sociais e administrativos. Com isso, quase nenhuma infraestrutura foi

desenvolvida fora da capital Bangui, exceto para as áreas de mineração, como os

diamantes, ouro e urânio. A Região Nordeste, mais pobre, foi particularmente privada

de estradas e de serviços básicos, causando uma divisão territorial.

Atualmente, a RCA possui quase cinco milhões de habitantes e enfrenta, a

mais de uma década, conflitos internos de caráter político-religiosos que vêm

assolando o país, aliado à diversas ameaças existentes na região tornando motivo de

preocupação para a comunidade internacional devido à crise alimentar e à enorme

onda de refugiados e de deslocados internos.

Ao longo dos primeiros anos como nação independente, foi governada por

vários líderes autocráticos que permitiram que o país experimentasse uma grave crise

civil em 2004, levando à queda do governo vigente e contribuindo para a instauração

da desordem que perdura até os dias atuais.

Este cenário se agrava, ainda mais, com o recente movimento populacional

considerável e a necessidade de alimentos que o país vem enfrentando dentro de seu

território, o que afeta também os países vizinhos, como o Chade ao Norte, o Sudão a

Nordeste, o Sudão do Sul a Leste, a República Democrática do Congo (RDC) e a

República do Congo ao Sul e a República de Camarões a Oeste, deixando uma onda

de terror nos habitantes da região.

A República Centro-Africana localiza-se na parte central do continente africano,

tem uma área de cerca de 623 mil km² e não possui acesso ao mar. Sua força de

trabalho está concentrada no setor primário e grande parte da população vive na

extrema pobreza. As riquezas naturais são localizadas, principalmente, no noroeste e

sudeste do país. A capital Bangui é também a sua principal e maior cidade, localizada

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a sudoeste do país. A RCA possui duas línguas oficiais: o francês e o sango, o que a

torna um dos poucos países africanos a ter uma língua africana como oficial.

Desde que se tornou independente, vem convivendo com desentendimentos

internos onde se instaurou uma guerra civil, com agravamento a partir de 2013, com

a queda do governo de François Bozizé, exacerbando as rivalidades entre os cristãos,

maioria da população e os muçulmanos, minoria, pelas disputas dos territórios e

controle do país.

Diante disso, verifica-se o aumento dos conflitos e o agravamento da crise,

principalmente a partir de 2016, após as eleições oficiais, tornando-se um problema

importante, pois dificulta ainda mais o acesso à população carente de auxílio e a

atuação de forças regulares, dificultando a chegada da ajuda humanitária e de

recursos para os necessitados e para as tropas que atuam no país.

Nesse contexto, foram implantadas inúmeras missões para a estabilização da

República Centro-africana, como a Missão de Consolidação da Paz na RCA

(MICOPAX), em 2008, substituindo a Força Multinacional na África Central (FOMUC),

em vigor desde 2002, a Operação SANGARIS em 2013, a missão de paz liderada

pela União Europeia EUFOR, em 2014, a Missão Internacional de Apoio à República

Centro Africana (MISCA) e, posteriormente, a Missão Multidimensional Integrada das

Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA), que

atualmente trabalha de forma a restabelecer o controle e, consequentemente, otimizar

o monitoramento na região, contribuindo para a manutenção da paz mundial.

Em síntese, o caso da RCA necessita de um aprofundamento dos estudos e

da análise dos problemas que assolam o país e o continente africano, aumentando a

necessidade de socorro internacional para a sua população, em especial, para os

refugiados e para os deslocados internos. Por esse motivo, torna-se importante um

exame pormenorizado dos aspectos geopolíticos que expliquem a degradação deste

país.

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

Diante do panorama mostrado anteriormente e com a finalidade de verificar os

desafios da análise geopolítica da República Centro-Africana, foi realizado um estudo

de caso com o objetivo de entender como e porque esta grave crise vem ocorrendo

neste país, bem como o papel dos Organismos Internacionais dentro da RCA. Neste

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contexto, foi verificado, também, os desafios da ajuda humanitária no país em auxílio

aos milhares de deslocados internos e de refugiados.

1.2 OBJETIVOS

Os objetivos definiram a finalidade e a meta desta pesquisa científica. Eles

mostraram a direção do estudo ajudando a manter o propósito bem definido e

possibilitando o resultado final satisfatório.

1.2.1 Objetivo Geral

O objetivo geral direcionou o trabalho a ser realizado, de maneira a não perder

o foco principal da pesquisa buscando o estado final desejado. À primeira vista,

entende-se que as crises provocam repercussões locais profundas e que aumentam

significativamente o impacto regional e global, impondo desafios ainda maiores para

as Organizações Internacionais e para os atores que desempenham papel ativo na

gestão e na resolução dos conflitos internacionais.

Assim sendo, o objetivo geral deste trabalho foi o desafio de analisar os

aspectos geopolíticos de um país degradado em todas as dimensões, mergulhado em

conflitos internos e sem o controle de boa parte de seu território. Para isso, foram

analisadas as evidências que motivaram esses conflitos, bem como, os impactos para

a RCA e os estímulos da ajuda humanitária internacional, possibilitando compreender

melhor a dinâmica política deste país.

1.2.2 Objetivos Específicos

A fim de atingir o objetivo geral foram definidos alguns objetivos específicos

que facilitaram e guiaram esse trabalho, descritos a seguir:

a. Analisar a geopolítica dos conflitos na República Centro-Africana e as atuais

ameaças existentes, identificando as intenções dos grupos revolucionários

e a problemática dos refugiados e deslocados internos;

b. Analisar os principais impactos para a região da África Central e as

consequências para os países envolvidos; e

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c. Apresentar o papel da Comunidade Internacional e os desafios da ajuda

humanitária para a população da RCA.

1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA

A presente pesquisa justifica-se pela contribuição em compreender melhor as

causas desse problema político-social, que vem se agravando em diversas partes do

mundo, com o foco direcionado para os países africanos. Portanto, buscou-se

apresentar resultados atuais para conhecer melhor como e porque ocorre a falência

dos Estados e suas respectivas consequências.

O estudo contribui para a identificação de medidas que podem e devem ser

implementadas de modo a fortalecer a Proteção de Civis (POC), em diversos locais

do mundo, buscando evitar a escalada dos conflitos e permitindo a retomada do

desenvolvimento socioeconômico nos países.

O tema em questão é bastante relevante, pois pode responder às diversas

dúvidas sobre a motivação dos diferentes grupos étnicos-religiosos da região, em

travar conflitos frequentes e violentos, no continente africano. Outro ponto importante,

é que esse trabalho poderá trazer informações e conhecimentos relevantes sobre a

República Centro Africana, oferecendo suporte para os países que desempenham ou

desempenharão missões de paz naquele país.

Em suma, a pesquisa sobre a geopolítica na RCA poderá compor o cabedal de

informações para que se possa amenizar ou solucionar a problemática e contribuir

para a paz na região.

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2. METODOLOGIA

A pesquisa realizada foi do tipo Estudo de Caso Único Incorporado se valendo

da coleta e análise de dados qualitativos, com profundidade e abrangência, buscando

explorar fontes nacionais e internacionais.

O estudo de caso tem se mostrado muito útil em pesquisas que envolvam

fenômenos político-sociais para compreender melhor a dinâmica de um país. Neste

contexto, foi realizado um estudo bibliográfico com fontes baseadas em análise de

documentos, revistas, artigos científicos e coleta de dados em sites oficiais na internet,

permitindo o esclarecimento de detalhes relevantes de forma a enriquecer o conteúdo

da pesquisa.

2.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

A delimitação da pesquisa está focada nos motivos e condicionantes

responsáveis pela degradação da RCA. O estudo limitou-se apenas nas questões que

envolveram o território da República Centro-Africana e os países fronteiriços,

identificando os fatores em que esse fenômeno se materializou.

Desta forma, o foco principal foi levantar os aspectos mais importantes que

afetam a RCA e seus países vizinhos, balizando a área conforme a figura abaixo:

Figura 1: Mapa da RCA.

Fonte: reliefweb.

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Na imagem pode-se visualizar o território da RCA, com as principais zonas de

conflitos e observa-se que é nestas regiões aonde ocorrem a maior incidência de

refugiados e deslocados internos. Estas áreas concentram, também, os principais

recursos minerais do país, como ouro e diamantes.

2.2 CONCEPÇÃO METODOLÓGICA

O método serve para certificar que a pesquisa seja realizada de forma isenta e

com arcabouço científico, possibilitando que o resultado do trabalho seja satisfatório.

A pesquisa científica foi clara e objetiva para que o estudo do problema tivesse

confiabilidade.

A metodologia empregada do tipo exploratória, foi importante devido à pouca

experiência desse pesquisador sobre o tema e desta maneira, buscou-se o

conhecimento sobre como as coisas funcionam dentro do contexto da guerra civil na

RCA e suas implicações para o socorro humanitário.

2.3 LIMITAÇÕES DO MÉTODO

Esta subseção teve por finalidade descrever, de forma sucinta, as limitações

do método, bem como suas implicações para o resultado final do trabalho.

Com isso, verificou-se que a pesquisa apresentou dificuldades na coleta de

dados e informações, tendo em vista ser um assunto recente e que vem ocorrendo

em um país distante e com pouca cobertura midiática, devido, principalmente, pela

insegurança dentro do território africano. Acredito que a bibliografia seja pequena, o

que direcionou o pesquisador a buscar fontes nos principais sites sobre o país, como

por exemplo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR),

além da consulta em outros sites confiáveis disponíveis na internet, em relatórios e

trabalhos acadêmicos sobre o assunto.

Contudo, mesmo diante deste cenário de bibliografia escassa, acredita-se que

o método escolhido foi o correto e possibilitou uma análise clara, transparecendo o

sucesso do trabalho.

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3. REFERENCIAL TEÓRICO

Segundo Thales Castro, em Teorias das Relações Internacionais, o Estado é o

principal ator da interação internacional. O Estado é o meio e o fim, o agente interno

e externo, o ente principal que norteia as Relações Internacionais.

O marco do surgimento do Estado Nacional foram os tratados assinados na

Paz de Vestfália (1648), dentro do contexto da guerra dos trinta anos ocorrida na

Europa, onde vários países, principalmente a Alemanha, travaram conflitos com

motivações religiosas, dinásticas, territoriais e comerciais, levando ao surgimento do

conceito de Estado Soberano. (THALES, 2016)

De acordo com Max Weber, o Estado é o detentor do monopólio legítimo do

uso da violência. Na concepção do Estado Weberiano, a concentração e

monopolização do poder e sua aplicação nas políticas públicas visando o controle

social e a ordem política são fundamentais para a manutenção da unidade do Estado

Nacional.

Com base nestes conceitos preliminares, verificou-se que a Organização das

Nações Unidas (ONU) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados

(ACNUR) estão preocupados com o recente aumento da violência que vem ocorrendo

na República Centro-Africana (RCA), comprometendo o Estado Soberano Nacional e

que tem forçado um grande número de pessoas a se deslocarem para a fronteira do

Chade, Camarões, República Democrática do Congo (RDC) e República do Congo

agravando o fenômeno dos refugiados no centro do continente africano.

O grupo rebelde chamado de Ex-Seleka, de maioria muçulmana, e o grupo

conhecido por Anti-Balaka, de maioria cristã, são as duas principais entidades

revolucionárias que disputam o domínio do poder no país e atualmente já se

encontram espalhados por quase toda a República Centro-Africana (RCA),

exacerbando a “onda” de terror no país.

Para isto, esta seção foi organizada em 03 (três) conceitos e outros tópicos,

mostrados a seguir: 1) Conceito de Estados Fracassados; 2) Aspectos Históricos do

Status de Refugiados; e 3) Conceito de refugiados, deslocados internos e apátrida.

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3.1 CONCEITO DE ESTADOS FRACASSADOS

Conforme já citado, a partir da Paz de Vestfália, em 1648, constatou-se um

lento amadurecimento das instituições nacionais, que tinham a finalidade de controlar

suas sociedades. Essas entidades centrais foram se transformando e se tornaram

capazes de estabelecer a ordem pública, com territorialidade delimitada e

reconhecida, população permanente, governo aceito e com base em suas soberanias.

Outro fator relevante foi o surgimento das nações, sendo muito importante para

o estudo do Estado, revelando o conceito de tecido social e seu papel como a força

centrípeta do Estado. O processo de controle político e social de um grupo de pessoas

fez surgir a obrigação do fornecimento de segurança em todos os sentidos pelas

entidades soberanas.

Segundo Vattel (1758), em o Direito das Gentes, de 1758: os Estados ou as Nações

são dimensões políticas, com grupos de pessoas reunidas com o objetivo de conquistar

segurança e vantagens comuns, tendo seus próprios interesses e tomando decisões em

conjunto, tornando-os uma pessoa jurídica, com entendimento e vontade próprios e com

capacidade de ter direitos e deveres.

O conceito de Estados Fracassados está relacionado aos países que possuem

altas taxas de corrupção e criminalidade, interferência militar na política, instituições

judiciárias e legislativas ineficazes, além da presença de grupos terroristas e

paramilitares controlando parte de seu território. Estes países também possuem

indicadores como, padrões de declínio econômico progressivo da sociedade como um

todo, medido pela renda per capita, pelo Produto Interno Bruto (PIB), pelas taxas de

desemprego, pela inflação, pela baixa produtividade, pelo endividamento, pelos níveis

de pobreza ou pelas falhas nos negócios. Da mesma forma, leva em conta quedas

repentinas nos preços de commodities, da receita comercial ou do investimento

estrangeiro e qualquer colapso ou desvalorização da moeda nacional.

De acordo com Richard Haas (1994), a falta de coesão e de autoridade central

torna um Estado fracassado ou quase fracassado. Afirma ainda, que nestes casos

vários grupos lutam entre si para obter o controle do país, disseminando a violência,

o caos, o sofrimento da população e o desprezo pelos direitos humanos básicos,

sendo necessárias as intervenções visando à reconstrução do país e a ajuda

humanitária para a população desassistida.

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A falência de um Estado não ocorre de uma hora para outra, normalmente se

inicia com conflitos internos e a decadência de instituições e da infraestrutura básica

para a sobrevivência da população. Com isso, inicia uma violência generalizada, que

se transforma em guerra civil e posteriormente na queda do governo atual,

necessitando de intervenção externa para retomada da ordem interna. Estas

características são exemplos de vários países do Oriente Médio (OM) e da África,

como a República Centro-Africana.

A diferença entre os Estado fracassado ou quase fracassado, citados

anteriormente, se refere na eficácia e na efetividade, quanto ao seu nível de

funcionamento e operacionalidade de suas instituições e de seu aparato público.

Quando essa efetividade e eficácia forem baixas, com rupturas do tecido social, mas

sem a falência do Governo pode-se considerar em uma situação de quase falido.

Porém esses Estados quase falidos ficam vulneráveis a interferências externas ou até

mesmo facilitam o surgimento de regimes autoritários.

3.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DO STATUS DE REFUGIADOS

Com relação à importância histórica, nota-se que, a partir do final da II Guerra

Mundial, a perseguição nazista aos judeus levou a uma regulação, pela comunidade

mundial, sobre o termo refugiado. Naquela ocasião se falava em refugiado por um

enfoque coletivo, em que grupos étnicos sofreram privação de suas liberdades, com

perigo até mesmo de extinção, como os judeus. No decorrer do século XX, o termo

ganhou uma percepção mais peculiar, passando a ser usado também para indivíduos

ou pequenos grupos de indivíduos, para justificar as perseguições e execuções no

continente africano, que sofriam com diversas guerras civis levando à uma crise

humanitária, sem precedentes. (JUBILUT, 2007)

O estabelecimento do Instituto do Refúgio surgiu em 1919, no contexto da Liga

das Nações, após a Primeira Guerra Mundial. Fischel de Andrade afirma que o estudo

dos refugiados pode ser dividido em duas fases. Na primeira, que durou de 1921 a

1939, o conceito compreendia os grupos étnicos ou nacionais a que pertenciam os

refugiados. Já na segunda fase, de 1938 a 1951, o foco era o indivíduo que buscava

proteção, com foco na necessidade de assegurar as pessoas que haviam sido

afetadas por algum acontecimento político ou social, independente da definição de

seu grupo. (FISCHEL DE ANDRADE, 1996)

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A convenção de Genebra de 1951, que estabeleceu as regras internacionais

sobre o refúgio e o seu protocolo de 1967, são considerados a base do direito

internacional sobre os refugiados. Segundo Barichello (2014), após a Segunda Guerra

Mundial surge a preocupação internacional com a dignidade humana, as atrocidades

cometidas durante o holocausto motivaram o reconhecimento do status de refugiados.

(BARICHELLO, 2014)

Atualmente, o Direito Internacional para os Refugiados regula as ações

relativas ao assunto, sob a coordenação do Alto Comissariado das Nações Unidas

para os Refugiados (ACNUR). No Brasil foi criado, em 1997, o Comitê Nacional para

os Refugiados (CONARE), órgão de gerenciamento e execução no território nacional,

que mostra o avanço e a preocupação do país com o assunto.

3.3 CONCEITO DE REFUGIADOS, DESLOCADOS INTERNOS E APÁTRIDA

Os problemas transfronteiriços, normalmente, ocorrem como consequência da

existência de Estados Fracassados. Nestes locais, sucedem a evasão de grandes

contingentes populacionais para regiões vizinhas, sob a forma de refúgios, na busca

de necessidades básicas como alimentação, moradia, educação e segurança.

Segundo Andrew Natsios (1997), deve ficar bem evidente o completo

rompimento da autoridade do poder de polícia e da manutenção da ordem pública do

Estado, bem como, crise econômico-financeira severa, insegurança alimentar

generalizada e grande fuga para os países fronteiriços para poder comprovar a crise

humanitária de um Estado Fracassado.

O deslocamento forçado ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial,

principalmente dos judeus, estimulou a criação do Estatuto dos Refugiados de 1951

e pode-se observar que durante a Guerra Fria os conflitos tiveram, em sua maioria,

viés ideológico e os movimentos populacionais eram contidos pelas disputas entre os

dois blocos capitalista e socialista. O cenário internacional atual viu reacender o

fenômeno trazendo para o foco principal da mídia o caso dos refugiados,

especialmente o que vem ocorrendo no continente africano.

A primavera árabe, iniciada em 2010 na Tunísia e depois espalhada para os

demais países do norte da África e Oriente Médio, intensificou a fuga desses países

em guerra civil e encorajou milhares de pessoas a correrem risco de morte em uma

travessia do Mar Mediterrâneo em busca de uma vida melhor. Na África subsaariana,

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impossibilitados pelo grande deserto do Saara, esses movimentos populacionais se

restringem aos países vizinhos com semelhanças culturais e religiosas.

Quando se refere ao conceito de refugiado, trata-se de pessoas que saem de

sua terra natal por sofrerem perseguições, normalmente, motivadas por conflitos civis,

questões de raça ou religião, nacionalidade, grupo social rival, opiniões políticas

contrárias ou violação dos direitos humanos. Em virtude desse perigo e temor, essas

pessoas não podem ou até mesmo não querem valer-se da proteção desses Estados

e são rejeitados pelos mesmos, ficando impossibilitadas de retornarem para seus

lares.

De acordo com o Estatuto dos Refugiados, em seu Artigo 2º - Obrigações

gerais: “Todo refugiado tem deveres para com o país em que se encontra, os quais

compreendem notadamente a obrigação de se conformar às leis e regulamentos,

assim como às medidas tomadas para a manutenção da ordem pública”.

Os critérios para determinar a condição de refugiado constam em seu estatuto

de 1951. Esse processo de definição ocorre em duas etapas. Na primeira, é

necessário comprovar os fatos dos acontecimentos em cima dos refugiados. Na

segunda, é preciso aplicar os conceitos definidos pela Convenção de 1951 e pelo

Protocolo de 1967 em cima dos fatos ocorridos, ficando assim oficializado a situação

de refugiado.

Já os conceitos sobre deslocados internos se referem às pessoas deslocadas

dentro de seu próprio país, porém com as mesmas motivações dos refugiados.

Mesmo sofrendo essa violência generalizada, estas pessoas não cruzam as fronteiras

de seus países e, por isso, permanecem legalmente sob a proteção do Estado. Neste

caso, o impacto atinge uma determinada região dificultando ainda mais a recuperação

deste país.

Alguns autores, como Jane McAdam (2012), consideram o termo refugiados

climáticos ou ambientais como as pessoas obrigadas a abandonar sua cidade ou país

devido a mudanças no meio ambiente, porém esse conceito não possui amparo no

ordenamento jurídico mundial. As principais causas dessa migração são a

desertificação, secas e aumento do nível do mar. Atualmente, esse tipo de movimento

populacional ocorre na África devido a desertificação e nas ilhas Carteret, no Golfo da

Guiné, onde o aquecimento global fez aumentar o nível do mar, obrigando a retirada

de cerca de 2000 pessoas. (MCADAM, 2012)

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A Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951,

discorreu sobre a situação dos apátridas que também são considerados refugiados,

deixando de abranger outros casos de apátridas. Consequentemente, se fez

necessária a realização da Convenção Sobre o Estatuto dos Apátridas, aprovada em

Nova Iorque, em 28 de setembro de 1954. Esta Convenção definiu apátrida como

sendo: “toda a pessoa que não seja considerada por qualquer Estado, segundo a sua

legislação, como seu nacional”. Portanto, os apátridas podem nascer sem

nacionalidade ou ter sua nacionalidade negada por um Estado, ficando sem a

proteção do mesmo, um bom exemplo seriam os judeus dentro da Alemanha Nazista,

durante a primeira metade do século XX, também pode ocorrer quando o Estado deixa

de existir, deixando sua população sem nacionalidade.

Com essas definições anteriormente expostas, pode-se ter uma ideia do

referencial teórico em torno do continente africano, especialmente dos aspectos em

torno do fracasso de um país. Esses conceitos e conhecimentos foram importantes

para a pesquisa e possibilitaram a condução dos trabalhos por este pesquisador.

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4. A GEOPOLÍTICA DOS CONFLITOS NA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA

Historicamente, o mundo sempre viveu em intensos conflitos por motivos

diversos, como lutas pela independência, pela conquista de territórios, por riquezas

naturais, por questões religiosas, étnicas, dentre vários outros motivos. Em quase

todos os continentes é possível verificar focos de conflitos envolvendo alguns dos

temas acima, comprometendo a paz e a segurança da população local.

No continente africano essas tensões são constantes, principalmente na África

Subsaariana. Na parte central, vários países, como a República Centro-Africana, a

Angola e os Camarões, são tomados por uma violência generalizada, pressupondo

um descaso das autoridades e dos líderes locais.

Os capacetes azuis, como são conhecidos os militares a serviço da

Organização das Nações Unidas, que tem como missão a estabilização dos países

em crise, têm intervindo no continente africano por décadas buscando construir um

ambiente de paz duradoura.

De acordo com o site da ONU, a Missão de Estabilização da Organização das

Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO) é a maior e a mais

cara de todas. Atualmente, consome cerca de 20 mil militares, com um custo anual de

aproximadamente 1,4 bilhões de euros. Desde seu início em 1999, essa missão tenta

pacificar, sem sucesso, a região norte do país e já contou com o General do Exército

Brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, como um de seus comandantes.

Atualmente, a grande maioria dos conflitos na África são interestatais e de

grande complexidade, com inúmeros atores, estatais ou não, internos e externos, o

que exige das forças oficiais a criação de condições sustentáveis, imprescindíveis,

para a consolidação da paz. Este complexo mecanismo nem sempre tem o sucesso

esperado trazendo de volta conflitos em áreas já pacificadas.

Nos conflitos mais complexos cresce de importância os programas de

desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) - ou desarmamento,

desmobilização, reintegração e reabilitação (DDRR), essenciais para os países em

processo e em busca da paz. Esses programas são efetivos quando associados à

ajuda humanitária, à reforma dos setores de segurança e ao acompanhamento dos

direitos humanos. Se não executado corretamente podem impulsionar o recrutamento

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ilegal para os grupos armados, beneficiando as forcas irregulares dentro de um

conflito.

Alguns desses programas de DDRR, são coordenados por Organismos

Internacionais (OI), como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO),

além de Organizações Não-Governamentais (ONG) e visam atingir as comunidades

que necessitam de ajuda econômica e social, ao mesmo tempo, que buscam afastar

os elementos armados inseridos nestas comunidades, que utilizam dessas armas

para manter seus meios de subsistência e de sua proteção.

O conflito na RCA assume papel relevante na África Central, na medida que

possui duração longa, com características bastante agressivas e que vem gerando

uma onda de refugiados, sem precedente no país. Segundo o site das Nações Unidas,

uma Comissão Internacional de Inquérito foi criada pelo Conselho de Segurança e

concluiu que os principais atores do conflito na RCA cometeram graves violações dos

direitos humanos e humanitários internacionais, constituindo crimes de direito interno

e do Estatuto de Roma de 1998 (un.org, 2018).

O crime é generalizado em todo o país, incluindo roubo, destruição de

propriedades e casas, posse ilegal de armas, sequestro, assassinatos, torturas e

violência sexual. Para piorar a situação, o Exército Nacional da RCA (FACA) foi

desarmado, devido à suspeita de envolvimento na violência contra a população, além

da corrupção e indisciplina, dentro da instituição.

Após estas análises iniciais, serão mostrados estudos sobre as origens dos

conflitos na RCA, bem como, um panorama do que vem ocorrendo na atualidade e

sua ligação com a problemática da falência do país e as possíveis consequências

para a África Central.

4.1 HISTÓRICO DOS CONFLITOS NA RCA

Desde a sua independência em 1960, a RCA vem enfrentando conflitos

violentos. Estas hostilidades se incorporaram no país, ao longo dos anos, em uma

intensidade que contaminou a política, denegriu as instituições estatais, as estruturas

sociais e democráticas e o sistema judiciário, além de ter levado as Forças Armadas

ao flagelo.

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De acordo com Wendy Isaacs-Martin (2016), doutora na Universidade da África

do Sul (UNISA), a RCA experimenta uma violência incomum, com execuções

extrajudiciais, torturas, prisões, detenções arbitrárias e corrupção desenfreada do

Estado. Além disso, conta ainda, que existem múltiplos atores estatais e não estatais

envolvidos nesta violência, contribuindo para uma sociedade extremamente violenta.

(ISAACS,2016)

Os relatórios do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

(ACNUR) revelam que o movimento de refugiados e deslocados internos, na RCA, se

intensificaram nos últimos cinco governos, o de Patassé, de Bozizé, de Djotodia, o de

transição de Samba-Panza e o atual de Touádera, comprovando a escalada da

violência e a mudança das relações entre os líderes, os exércitos e as milícias,

deflagrando conflitos mais intensos nas transições destes mandatos. Esse caminho

de violência, marcado pelas atrocidades cometidas por diversos atores criaram um

ambiente de medo e desespero nas populações das diversas comunidades do país.

A composição dos grupos rebeldes nem sempre é formada, em sua totalidade,

por membros de uma determinada classe religiosa ou étnica, na maioria dos casos

incluem pessoas ou grupos com interesses em se beneficiar de questões políticas,

econômicas ou até mesmo territoriais.

Isaacs (2016) argumenta que os conflitos têm início quando os grupos

percebem que estão sendo excluídos, marginalizados ou que outros grupos estão

recebendo tratamento preferencial ou sendo favorecidos em questões diversas. Como

no país as pessoas são inseridas pela etnia, religião ou lealdades tribais, elas são

facilmente convencidas de que seu grupo pode estar sendo explorado. A doutora diz

ainda, que esses sentimentos podem gerar consequências sociais danosas, que em

sua forma mais extrema, levaria a uma tentativa de limpeza étnica ou religiosa.

(ISAACS, 2016)

De acordo com o site acnuk.org do Aid to the Church in Need (ACN) ou Ajuda

à Igreja que Sofre, em português, a população muçulmana, na RCA, permanece em

quantidade desproporcional e se encontra deslocada na parte ocidental do país ou

encurralada em locais aonde existem a proteção das forças para a manutenção da

paz, de onde não conseguem praticar a sua religião livremente. Ainda segundo o site,

no final de 2014, cerca de 80% dos muçulmanos do país foram expulsos de suas

aldeias e em meados de 2016, os que puderam pagar por sua viagem, regressaram

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ao país, sobretudo ao enclave tradicional muçulmano da capital Bangui, conhecido

como “Kilometre Cinp” (Quilômetro cinco).

Entre setembro e outubro de 2015, a capital Bangui foi palco de uma escalada

de violência quando encontraram, na madrugada de 26 de setembro, o corpo de um

jovem motorista de moto-táxi no 8º distrito de Bangui, predominantemente cristão. O

seu corpo foi abandonado em frente da mesquita de Ali Babolo, no bairro muçulmano

K5 e os possíveis acusados tinham tatuagens com os dizeres: “Feliz festa do Tabaski”,

importante comemoração do calendário islâmico no final da peregrinação a Meca. Por

esse motivo, milícias muçulmanas atacaram o vizinho 5.º distrito, com predominância

de cristãos, disparando as suas armas e incendiando centenas de casas. Horas mais

tarde, centenas de rebeldes Anti-balaka travaram batalhas sangrentas com os Ex-

Seleka (acnuk.org, 2018).

Os conflitos locais são por recursos naturais e pela busca de subsistência rural

da agricultura e da pecuária. A comunidade Peuhl se movimenta sazonalmente,

levando seu gado para outras pastagens, principalmente na região entre o Sudão, o

Chade e os Camarões executando, a séculos na região, a transumância,

deslocamento dos pastores com seu gado em busca de novas pastagens. Porém, as

pressões populacionais recentes exacerbaram este tipo de conflito no país.

(MCGREW, 2016)

A história colonial da RCA sob o domínio francês, o comércio ilegal de escravos

e o medo constante dos invasores fronteiriços levou a um sentimento atual na

população de que o país estaria sendo invadido e saqueado novamente por

estrangeiros. Por esse motivo, as forças de paz no país têm sido frequentemente,

vistas como tendenciosas e que essa falta de neutralidade ficava clara com a

nacionalidade das tropas das missões de paz, em sua maioria de países africanos.

Outro motivo, é o posicionamento das tropas camaronesas e da RDC estacionadas

ao longo da fronteira da RCA, aumentando o sentimento de invasão.

Segundo as Nações Unidas, os recentes ataques a tropas da MINUSCA,

principalmente por elementos Ex-Seleka e Anti-balaka, podem ter sido motivados por

animosidades históricas, devido à composição dessas tropas. Além disso, os indícios

do envolvimento das tropas da União Africana (UA), do Chade e do Congo na morte

ou o desaparecimento de civis, acalentaram as agressões recentes às tropas federais

da ONU (un.org, 2018).

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A exploração do conflito pelos países vizinhos e por seus apoiadores

internacionais resultaram na proliferação de armas, agentes saqueadores, ladrões de

gado, contrabandistas de diamantes e na exploração de recursos através das

fronteiras. Com isso, se faz necessário um estudo das redes de apoio e financiamento

dos grupos rebeldes, para melhorar a compreensão da dinâmica do conflito na RCA.

Outro ponto importante, são as dimensões espirituais do conflito. A crença de

alguns grupos armados em feitiçaria, como os Anti-balaka e a alta incidência da justiça

popular ou da máfia relacionada à punição de crimes de feitiçaria, bem como os outros

crimes contra crenças espirituais, ainda existentes no país, tornam o conflito na RCA

ainda mais complexo. Desta forma, as práticas e crenças de magias são tão

importantes que os tribunais oficiais recebem muitos casos de feitiçaria e muitas vezes

as alegações de bruxaria levam à justiça à sérias violações dos direitos humanos

(DUKHAN, 2016).

A RCA é um país sem saída para o mar, localizada no coração da África. Os

conflitos nos países localizados nesta região central são agravados pelo fato das

fronteiras serem porosas e de fácil migração entre os países. Os conflitos nos países

fronteiriços agravam esta situação, pois os combatentes rebeldes da RDC e do Chade

transpõem as fronteiras da RCA em busca de mais espaço no cenário de caos

regional.

Como muitos exércitos em outras partes da África, a FACA conta com efetivo

insuficiente, é mal treinada, mal disciplinada e mal preparada para enfrentar os

movimentos rebeldes e as milícias, somados a isso, pesa ainda a suspeita de

cometerem atrocidades contra os civis, queimando e saqueando casas e até mesmo

cometendo violência sexual contra a população.

Esta abordagem histórica dos conflitos na República Centro-Africana possibilita

um melhor entendimento do que vem ocorrendo, atualmente, no território do país,

facilitando o prosseguimento desta pesquisa.

4.2 QUESTÕES ATUAIS

Os conflitos atuais na RCA estão relacionados a motivos como a fragmentação

da segurança entre o estado e os grupos armados, o próprio conflito entre os grupos

armados, a falha nos serviços estaduais, a contestação política violenta sobre a

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população, a competição por recursos do país, o conflito agropastoril, os refugiados e

os deslocados internos que retornam aos seus lares.

As altas taxas de criminalidade são frequentemente relacionadas ao conflito

entre os vários grupos armados existentes no país. A privação econômica sofrida pela

maior parte da população agrava a situação caótica em que vive a RCA. Atualmente,

o principal conflito armado acontece entre as forças dos Ex-Seleka, primariamente

muçulmana, versus os Anti-balaka, principalmente cristã. Este conflito é uma potente

mistura de fatores políticos, religiosos, étnicos e familiares, com raízes na busca de

poder político, de recursos diversos e da necessidade de segurança de suas

comunidades.

Os muçulmanos e cristãos, de uma maneira geral, não são representados pelas

milícias dos Ex-Seleka e Anti-Balaka, respectivamente, nem as comunidades

muçulmanas e cristãs os apoiam. Tal como o Seleka, o próprio Anti-Balaka é uma

milícia, composta por várias facções de origem étnica semelhantes, porém com

maioria cristã. Da mesma forma que as outras milícias, ela luta por acesso político e

ganho material escondido atrás da fachada de autodefesa e autopreservação.

Os líderes de grupos rebeldes usam a ligação étnica-religiosa entre as pessoas

de uma determinada tribo ou bairro para estimular as hostilidades aos grupos

externos, exacerbando os conflitos e a violência na RCA. Esses sentimentos são

interpretados como autodefesa e que por se considerarem vítimas justificam os

ataques preventivos acreditando que suas vidas estão em perigo.

O recrutamento se torna relativamente fácil, pois os rebeldes usam esses laços

religiosos, culturais e étnicos para cooptar mais pessoas, dando um caráter de

rivalidade entre os muçulmanos e os cristãos. Outro fator importante é que primeiro

eles estabelecem entidades de autodefesa com a finalidade de proteger as aldeias e

comunidades e após conquistada a confiança e a sensação de segurança, fica mais

fácil recrutar novos integrantes motivados pela pobreza e pelo medo.

A cooptação de crianças soldados é um problema grave na região central da

África e principalmente na RCA. Na falta de serviços sociais e de infraestrutura

estadual, muitos dos jovens centro africanos não puderam prosseguir com sua

educação e esse ambiente adverso propicia o recrutamento de jovens e crianças para

os grupos rebeldes. A sua maioria é utilizada em núcleos de defesa nas zonas rurais

e no interior do país.

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As exportações de diamantes foram interrompidas, a partir de 2013, com a

intensificação dos conflitos. O processo Kimberly é um procedimento de certificação

da origem dos diamantes. Os principais compradores e produtores do mundo se

reuniram na cidade de Kimberly, África do Sul, em 2000, para tomarem as soluções

sobre a venda ilegal de diamantes e pedras preciosas. Este processo tem por

finalidade impedir o comércio ilegal dos brilhantes de conflito, os chamados

“diamantes de sangue” e garantir que eles não financiassem movimentos rebeldes

que minam os governos legítimos, pelo mundo.

As condições de trabalho e de segurança dos trabalhadores nas diversas áreas

produtoras da RCA continuam insatisfatórias. No sudoeste do país, forças Anti-Balaka

tomaram o controle das minas que eram dos muçulmanos. Juntamente com a

exploração de ouro e diamantes, os rebeldes se envolvem também em atividades de

saques, cobrança de impostos e extorsões para complementar sua renda e financiar

a sobrevivência do grupo.

O êxodo de refugiados muçulmanos, da etnia Peuhl, saindo da RCA, para os

vizinhos Camarões e Chade, após a ascensão dos grupos cristão Anti-balaka

trouxeram muitos problemas para a região, comenta Laura McGrew. As comunidades

locais desses países vizinhos culpam os refugiados de trazerem doenças para o seu

gado, já que muitos viviam em áreas remotas e sem acesso as vacinas. Os Peuhl

reclamam a perda do gado por roubos, doenças ou falta de comida, durante a

travessia das fronteiras, além de serem alvos de bandidos e sequestradores. Esses

conflitos agropastoris são baseados, principalmente, pela busca de pastagens, pelos

danos às lavouras, pelos roubos de gado e pelo acesso à água.

De acordo com Laura McGrew, a violência entre as comunidades pastoris e

agrícolas já existem a décadas no país, porém essa violência tem aumentado devido

à ligação entre os pastores e os rebeldes Seleka. O conflito agropastoril tem como

principais fatores: a migração de pastores externos, principalmente do Chade para a

RCA, a migração reversa dos pastores da RCA para o Chade devido ao conflito, a

radicalização de alguns grupos de pastores, a prática regular de “retaliação brutal” ao

roubo de gado, a perda das estruturas tradicionais de mediação dos conflitos e a

mudança da juventude ficando longe da prática pastoril, se juntando aos grupos

rebeldes e resultando no colapso dos setores agropecuário (MCGREW, 2016).

A maior parte da violência atribuída aos Peuhl são executados pelos oriundos

do Chade. Os principais incidentes foram entre eles e os Anti-balaka, relacionados ao

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roubo de gado, uso de terras em pastagens e impostos informais. Alguns desses

incidentes resultaram no fechamento de escolas e deslocamentos populacionais e,

em março de 2016, em Bambari, sete pessoas morreram nessa violência. Os

agricultores e as lideranças locais geralmente sabem pouco sobre o grupo de pastores

com quem estão negociando, sem falar na falta de motivações e expectativas desse

grupo para possíveis acordos (MCGREW, 2016).

Os interesses econômicos impulsionam grande parte da luta atual na RCA. Os

grupos rebeldes controlam parte das indústrias do país e a busca por recursos ocorre

com bastante frequência. A população muçulmana controla a maior parte da indústria

de mineração e muitos foram obrigados a apoiar os conflitos. Em algumas localidades

os cristãos reivindicaram os locais de extração de recursos minerais expulsando os

muçulmanos e utilizando esses recursos para manter o controle do território e

reivindicar a legitimidade política na capital Bangui.

Outro problema dos conflitos na RCA é a presença de intermediários

estrangeiros cujos papéis podem complicar ainda mais o retorno dos refugiados. A

permeabilidade das fronteiras e a falta de controle facilitam a interferência de atores

de outros países tirando proveito das estruturas das áreas de acolhimento e do

processo de regresso dos centro africanos.

Os principais atores dos conflitos na RCA e suas rivalidades são:

• Ex-Seleka vs. Anti-balaka, com motivação política (segurança) e econômica

(recursos);

• pastores vs. fazendeiros pelo uso da terra para lavoura versus pastoreio;

• Refugiados e deslocados internos vs. comunidades hospedeiras pela competição

por recursos, segurança econômica e uso da terra;

• Entre os diversos grupos étnicos com as lideranças políticas dando preferência aos

seus próprios grupos étnicos pela manutenção no poder e o acesso aos recursos;

• Cristãos vs. Muçulmanos, não devido à diferença ideológica ou teológica e sim na

busca de territórios; e

• Central Africanos vs. Estrangeiros, na dinâmica regional de acesso aos recursos do

país.

Os Anti-balaka podem ser divididos em três tipos, de acordo com seus

interesses, o primeiro com estruturas de comando ligadas aos principais líderes

políticos e econômicos. O segundo tipo é composto por milícias locais que buscam

justiça por abusos cometidos por forças Ex-Seleka e o terceiro são as quadrilhas

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criminosas independentes atuando, com impunidade, para ganhos pessoais. Estas

últimas, geralmente, usam armamento caseiro ou facões. Suas táticas se resumem

em pilhagens, incendiar aldeias, assassinatos e violência sexual. A maioria é

composta por jovens, seguidores da religião cristã e tem o hábito de usar suas armas

e status para gerar renda.

Os rituais de entrada dos Anti-balaka incluem feitiçaria e princípios da crença

cristã. Estes grupos usam amuletos para proteção, daí a origem do nome, anti-bala

AK, como um colete a prova de munição de AK-47, arma mais usada nos conflitos do

continente africano.

As principais reclamações dos grupos Anti-balaka é sua incapacidade de

retornar para suas casas com os itens básicos para a subsistência de suas famílias,

alimentam uma falsa expectativa com as reinvindicações não atendidas pelo governo,

colaborando para o agravamento dos conflitos. Seus componentes alimentam sua

força espiritual das tradicionais crenças de invencibilidade.

Outro grupo armado com atuação na RCA é o Exército de Resistência do

Senhor (LRA), de origem ugandense, que tem como líder Joseph Kony, conhecido por

seus atos de atrocidades cometidas na guerra civil de Uganda. Ao longo dos mais de

trinta anos, o LRA já matou cerca de 100.000 pessoas, incluindo civis, além de milhões

expulsas de suas casas. O LRA está presente no sudoeste da RCA, nas regiões de

matas densas e atuam nas áreas ricas em diamantes e ouro. Suspeita-se de o LRA é

composto, além de ugandenses, por grupos internacionais recrutados em diversos

países e sua presença na região continua a gerar enorme insegurança a população

centro-africana, devido aos sequestros e mortes.

Os extremistas religiosos, apesar do número pequeno, podem ser classificados

como possíveis atores do conflito. Em Boda, pequena cidade a cerca de 200 km a

oeste da capital Bangui, um pequeno grupo de religiosos utilizaram o conflito para

aumentar as tensões entre muçulmanos e cristãos e mobilizaram diversos jovens

motivados pelas crenças religiosas, para combater os Ex-seleka que tomaram a

cidade.

O grupo Seleka se separou, em 2013, após a dissolução pelo Presidente

Djotodia. Após conquistar o poder, o líder muçulmano resolveu nomear os rebeldes

para os vários cargos políticos no governo. Os líderes que não foram contemplados

ficaram insatisfeitos e criaram grupos dissidentes menores conhecidos como Ex-

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Seleka. Estes grupos atuam em várias regiões do país, a oeste, cooperam para

ampliar as suas áreas de controle, incluindo as rotas comerciais para o Chade.

No final de 2016, uma nova onda de violência atingiu a região central da RCA.

Os grupos rebeldes da União para a Paz na República Centro-Africana (UPC),

composta por combatentes da etnia Pehul e a Frente Popular para o Renascimento

da República Centro-Africana (FPRC), do líder Noureddine Adam, disputam o domínio

da cidade de Bambari e são incluídos nos grupos mais perigosos da RCA, assumindo

um protagonismo muitas das vezes maior do que os próprios Ex-Seleka e os Anti-

balaka. A cidade de Bambari assiste os conflitos mais violentos atualmente no país,

inclusive com ataques a militares da Força de Paz MINUSCA.

Os itinerários do conflito na RCA são consequências da sociedade

extremamente violenta do país. A violência no país afeta a maioria de sua população

que se sentem acuados pelas tensões decorrentes do conflito. Os acordos entre os

grupos armados e entre eles e o governo são temporários e instáveis e a volatilidade

muda de região para região, dificultando a identificação de um grupo específico de

vítimas do conflito (GERLACH, 2010).

Outros fatores podem agravar o conflito, como a distribuição irregular dos

recursos, a impunidade do governo e dos grupos rebeldes, a aplicação ineficiente da

ajuda externa, a marginalização e exclusão da sociedade centro-africana, o

desemprego generalizado, o uso incorreto dos meios de comunicação e o aumento

dos preços das commodities básicas encarecendo o abastecimento no país.

As alianças entre os grupos rebeldes são realizadas por interesses próprios,

pela autopreservação de seu grupo e pelas vantagens materiais. Essas coalizões são

frequentemente montadas e desmanteladas, com pouca ou até mesmo nenhuma

lógica ideológica, étnica ou religiosa. Essas mudanças resultam em grupos cada vez

mais diferentes e sem nenhum alinhamento lógico, dificultando ainda mais o

entendimento, a identificação e o combate pelas forças de paz.

Outro ponto negativo da montagem de novas coligações é que aumenta a

incerteza entre os diversos grupos da população, diminuindo a confiança e as

motivações nas comunidades. O resultado é o aumento dos conflitos étnicos, que são

usados pelos líderes para atrair mais recrutados. Além disso, os conflitos internos na

RCA ganham contornos semelhantes aos conflitos dos países vizinhos, como a grave

crise na República Democrática do Congo.

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As coalizões possuem objetivos, inimigos e agendas diferentes, além do apoio

de diferentes líderes, por este motivo, o conflito na RCA é complexo. Além disso, é

agravado pela temporariedade dos objetivos e das alianças, os irmãos de armas de

hoje se tornam os inimigos de amanhã.

O envolvimento de grupos terroristas, como o Estado Islâmico e o Boko Haran

infiltrados nos grupos rebeldes da RCA poderia ser um trampolim através do qual

combatentes estrangeiros se infiltram nos territórios africanos, onde hostilidades

recorrentes entre cristãos e muçulmanos atraem a radicalização extremista e o

recrutamento. O Boko Haran tem ligações com o Estado Islâmico e juntos

representam uma ameaça evidente na República Centro-Africana.

Infere-se, parcialmente, que a crise na RCA tem como antecedente a rivalidade

entre Bozizé e Djotodia, com início em 2003, desencadeando nos conflitos que duram

até os dias atuais. O estudo mostrou, até o presente momento, que a guerra na RCA

é uma prática quase que regular, com o uso de milícias e de exércitos rebeldes para

conquistar o poder político ou econômico, semelhantemente visto em muitos países

africanos. Os líderes da RCA usaram esse método para privar o grupo rival dos

recursos econômicos e apoio político, exacerbando as animosidades entre eles.

4.3 ASPECTOS GERAIS DA REPÚBLICA CENTRO AFRICANA

Há várias décadas a RCA vem enfrentando uma crise governamental, que

contribui para um colapso político-econômico cada vez mais proeminente. A

constante queda de governos aumenta a instabilidade e acumula inúmeros títulos

mundiais negativos, como os índices de pobreza, violência incontrolável, Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH) muito baixo, taxa de mortalidade entre as piores do

mundo, grande incidência de infectados com HIV, taxa de alfabetização baixa, bem

como índices econômicos preocupantes.

Segundo Nathalia Dukhan, esses indicadores insatisfatórios agravam o conflito

na RCA que vai muito além da simples rivalidade religiosa entre os Ex-Seleka e os

Anti-balaka. Os primeiros unidos pelas queixas contra o então presidente Bozizé,

deposto em 2013, e a promessa de oportunidade de enriquecimento pessoal por meio

do saque e os segundos motivados pela vingança religiosa e pela promessa de

ganhos econômicos nas regiões ricas do país. A percepção de que o conflito tem

somente caráter religioso negligencia a ineficiência das políticas nacionais e de outros

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impulsionadores dos conflitos, como interferência direta de países estrangeiros e da

rede de mercenários em busca de riqueza, controle estatal e dos recursos naturais

(DUKHAN,2016).

De acordo com Milkred Kiconco Barya, especialista em ciências sociais na

África, os interesses da população da RCA não são vistos com prioridade pelos

dirigentes. Esse descaso leva ao aumento de questões como déficit democrático; má

gestão e violações maciças dos direitos humanos; os conflitos armados; a ausência

do Estado em setores estratégicos para o país; privatização de indústrias e empresas

estatais; o pagamento excessivo da dívida externa; e interferência de grandes

potências, instituições internacionais e empresas multinacionais (KICONCO, 2005).

Na figura a seguir pode-se verificar um mapa, fornecido pelo site Fundo pela

Paz, Fund For Peace em inglês (FFP), dos países com seus índices de fragilidade,

onde a RCA aparece como o quinto país mais frágil do mundo em 2018

(fundforpeace.org, 2018).

Figura 2: Mapa dos Estados Falidos.

Fonte: site Fund For Peace.

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4.3.1 Aspectos Políticos

A instabilidade política é característica comum no continente africano. A história

de vários países foi marcada por golpes sucessivos nos governos, alternados por

ditaduras lúgubres e indesejadas, pela inexistência de programas de

desenvolvimento, pelo abandono dos poucos programas sociais vigentes e por

disputas entre lideranças políticas, religiosas, empresariais, étnicas e militares. O caso

recente da RCA toma um protagonismo no cenário africano e aumenta os desafios a

serem superados pela população e pela comunidade internacional.

A guerra civil de 2003/2004 colocou no poder o líder rebelde François Bozizé,

que dois anos depois realizou as eleições logrando-se vencedor no segundo turno. O

período de calmaria e dos tratados de paz em 2007 e 2011 durou até dezembro de

2012, quando o grupo rebelde Seleka iniciou uma escalada ofensiva partindo do norte

do país em direção à capital Bangui.

No início de 2013, o mesmo grupo depôs o presidente Bozizé, assumindo o

poder o líder Seleka Michel Djotodia, tornando-se o primeiro presidente muçulmano

da história do país. Em 2014, a falta de controle de Djotodia, em meio à crescente

violência que assolava o país, conduziu a um governo de transição sob o comando de

Catherine Panza, que durou até 2016. Com as eleições e a vitória de Faustin

Archange Touadéra a esperança de estabilidade e paz no país fracassou e com ela a

expectativa de diminuição das missões de paz.

Ao longo da história, a França imperialista se envolveu na política local

apoiando ou desestabilizando os governos centro-africanos, com o objetivo de extrair

recursos naturais de sua antiga colônia, o que contribuiu para algumas das principais

causas dos conflitos no país.

O sistema colonial francês na África era baseado na concessão de negócios,

extraindo pagamentos da população local. Esse sistema resultou em um apoio

limitado à infraestrutura física e humana, em uma enorme população analfabeta e

pobre e a uma inigualável falta de serviços governamentais, colaborando ainda mais

para a eclosão dos conflitos históricos na RCA.

Os países fronteiriços com a RCA também são atores importantes no cenário

político da região. O Chade assume o papel de ator chave devido ao apoio à líderes

centro-africanos, como Djotodia e por sua participação na criação do Seleka.

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Outros atores, como o Sudão, a República Democrática do Congo e os

Camarões desempenharam papéis consideráveis nos conflitos localizados na

fronteira, principalmente no acolhimento de grupos armados. Recentemente, os

Estados Unidos da América (EUA), a União Europeia (EU) e a União Africana (UA)

desempenharam papéis fundamentais na busca pela moderação do conflito.

As redes transnacionais de terroristas são personagens relevantes com o

envolvimento no recrutamento de rebeldes, em remessas de armas e no

financiamento da extração dos diamantes, aumentando a instabilidade na RCA.

Finalmente, a ONU e outros órgãos internacionais que merecem destaque no

cenário político atual da RCA, como esperança de combate aos grupos rebeldes e

estabilidade do país. Em que pese as melhorias necessárias, a MINUSCA, muitas

vezes vista como solução para a paz, é considerada tendenciosa e ineficiente por boa

parte da população. O envolvimento de alguns contingentes internacionais,

principalmente os de países africanos, em escândalos de abuso sexual prejudicou sua

já tênue reputação e fez com que a população perdesse completamente a confiança

nas tropas oficiais. Assim, de acordo com a localidade do conflito e da nacionalidade

das forças, as mesmas podem ser consideradas como heróis ou implicadas no

conflito.

Outro fator marcante na política da RCA, se refere à problemática migratória.

De acordo com Alexandra Magnólia Dias, a justificativa para a associação entre as

migrações e a segurança está ancorada em uma tendência de politização do

fenômeno de movimentação populacional, afirma ainda, que esse fenômeno

exacerbou as implicações políticas para os países de acolhimento (DIAS, 2011).

4.3.2 Aspectos Econômicos

Os índices econômicos dos países do continente africano não são bons. A

maioria das nações enfrentam inúmeros problemas econômico-financeiros que

influenciam diretamente a instabilidade interna. Segundo ANNAN, para que a África

conquiste a paz e a prosperidade deve buscar o crescimento econômico e com ele

diminuir a pobreza, a corrupção, a desigualdade, a má governança dos recursos

naturais, o desemprego juvenil e o fluxo financeiro ilícito, que desestabilizam e

enfraquecem o continente e o torna um terreno fértil para o terrorismo e o extremismo

violento (ANNAN, 2016).

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A descolonização africana, ocorrida no século XX, foi turbulenta baseada em

conflitos, corrupção e descaso das autoridades locais e internacionais, que

contribuíram para a decadência econômica da maioria dos países.

A integração econômica continental e os planos de recuperação são soluções

importantes na África. Neste contexto, destaca-se como principal bloco econômico a

Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), criada em 1992, com

seus 14 membros e dedicada à cooperação e integração socioeconômica, tendo como

principal parceiro comercial a EU.

A Comunidade Econômica Africana (CEA), criada em 1991, está inserida na

UA, visa à colaboração econômica dos Estados Africanos e possui representantes

regionais chamados de Comunidades Econômicas Regionais (CER), que tem como

objetivo principal conduzir os países africanos na direção do crescimento e

desenvolvimento sustentável.

A RCA se insere, além do CER, na Comunidade Econômica e Monetária da

África Central (CEMAC), que tem como objetivo principal promover o desenvolvimento

harmônico dos Estados-membros no contexto da criação de um verdadeiro mercado

comum, colaborando para a integração econômica da região.

Os desastres naturais, como secas e tempestades, no contexto das mudanças

climáticas, podem afetar as principais fontes de renda na RCA, a agricultura e a

pecuária. A falta de terrenos férteis, principalmente no norte do país, dificulta o plantio

e as pastagens, podendo agravar as animosidades do conflito agropastoril. Esse tipo

de conflito ocorre entre os agricultores e a população nômade (pastores), com

destaque na fronteira com o Chade, que vão migrando de uma região para outra em

busca de terreno fértil ou fugindo da desertificação, modificando os padrões de

transumância da região.

Os centros africanos dependem bastante da agricultura e da pecuária, esta

última com peso de quase 50% na economia agrícola. A despeito da RCA ser

conhecida por possuir recursos naturais, como ouro, diamantes, madeira e urânio,

muitos desses recursos são difíceis de acessar em escala industrial, dado a larga

distância, longe de áreas povoadas, insegurança com os grupos rebeldes, carência

de infraestrutura e corrupção no governo.

As principais exportações do país são diamantes, madeira, algodão e café; e

os principais parceiros comerciais incluem Bélgica, Camarões, China, República

Democrática do Congo, França, Indonésia, Marrocos, Holanda e Coréia do Sul. A

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água é abundante, em várias partes do país, com bom potencial hidroelétrico, porém

pouco explorado. Outra fonte de renda na RCA é a exploração da vida selvagem, em

que pese a caça seja ilegal, no país, ela é generalizada e lucrativa e bastante comum

em toda a região.

A exploração de diamantes é a mais importante na RCA. Atualmente, as

principais áreas são controladas por grupos rebeldes. Historicamente, o ouro e os

diamantes foram explorados e comercializados pelos muçulmanos. Este fato, se

tornou o principal motivo de reinvindicação dos grupos não muçulmanos e tem sido a

causa central dos conflitos no país.

O Processo de Kimberley é uma ferramenta para a certificação da origem dos

diamantes que são comercializados no mundo. Os principais produtores e

compradores mundiais de diamantes, reuniram-se na cidade de Kimberley, na África

do Sul, em 2000, para criarem mecanismos que garantissem que o comércio de

diamantes, chamados de diamantes de sangue, não fosse usado para financiar as

guerras civis.

Em decorrência deste processo, o comércio de diamantes foi proibido na RCA.

O país tornou um signatário, no início da década de 2000. Contudo, em 2013, com o

agravamento dos conflitos e a suspeita de uso do comércio de diamantes para

financiar a guerra, a RCA foi suspensa do Processo de Kimberley. Mesmo com essa

suspensão, cerca de 140 mil quilates de diamantes, no valor estimado de US$ 24

milhões, foram contrabandeados do país entre 2013 e 2014. Além disso, a proibição

não afetou a compra e venda dentro do país.

Recentemente, a ONG Global Witness, criada para fiscalizar a exploração de

recursos naturais e sua relação com os conflitos, em sua página oficial, denunciou a

RCA por manter o comercio ilegal de diamantes usando as redes sociais para a venda

e a consequente dificuldade de se provar a origem do comércio internacional deste

minério.

O ouro também tem papel importante na economia centro-africana, porém

assim como os diamantes, é controlado pelos principais grupos rebeldes, como o Ex-

Seleka e o Anti-balaka, agravando ainda mais a economia da RCA.

Os recursos minerais na RCA são motivos de disputas entre os dois principais

grupos armados do país. Como pode-se observar na figura abaixo, os recursos são

bem distribuídos por todo o território nacional. A localização dos conflitos coincide com

a localização desses recursos, confirmando a principal motivação dos grupos

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rebeldes. Atualmente, o urânio, com grande importância econômica, entrou no tema

das disputas antes direcionadas para o outro e os diamantes.

Figura 3: Mapa dos recursos naturais.

Fonte: IPIS – International Peace Information Service.

Os direitos trabalhistas são um problema na RCA. Os trabalhadores são

obrigados a pagar altas taxas de impostos, como taxas para proteção especial. O

trabalho forçado com horas diárias elevadas e o trabalho infantil complementam a

decadente economia e o descaso no país.

A maior parte da população se dedica à agricultura de subsistência de tabaco,

mandioca, amendoim, milho, sorgo, gergelim e banana-da-terra, embora a copa e o

algodão sejam exportações mais significativas. O setor agrícola representa 58% do

PIB. As exportações mais significativas são a madeira e os diamantes. As atividades

econômicas do país são insuficientes para sustentar a população e, no caso de

persistência da violência e da insegurança, há pouca esperança para o investimento

estrangeiro. Com a agricultura de subsistência, os estoques de alimentos são

vulneráveis a ataques e mais de 50% da população precisa de assistência estrangeira

para sobreviver. O governo tem enfrentado severos déficits em orçamentos

sucessivos, apesar da substancial ajuda externa.

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O desenvolvimento econômico da RCA é dificultado por diversos fatores, como

o isolamento geográfico, o sistema de transporte deficiente, a mão de obra pouco

qualificada, a ausência de um planejamento macroeconômico, os intensos conflitos

internos e o monopólio da rede elétrica e da rede distribuidora de combustível.

Nesta outra figura observa-se a localização mais precisa das reservas naturais

de urânio, de petróleo bruto, de ouro, de diamantes, de madeira e de energia

hidroelétrica no país.

Figura 4: Mapa das reservas naturais.

Fonte: IPIS – International Peace Information Service.

4.3.3 Aspectos Psicossociais

As características psicossociais do continente africano são marcadas pela

pobreza, violência e descaso das autoridades responsáveis. A população africana

cresce vertiginosamente agravando os índices sociais, contribuindo para a baixa

expectativa de vida e as altas taxas de natalidade e mortalidade infantil.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, foi criada no contexto

pós Segunda Guerra Mundial decorrente das atrocidades cometidas pelos nazistas

contra o povo judeu. Atualmente, os ataques praticados por grupos rebeldes, na RCA,

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levando a morte de vilas inteiras, por motivos étnicos, são violações de direitos

humanos no continente africano e sujeitos à justiça penal internacional.

A religião está interligada aos desejos dos grupos opositores. De acordo com

a figura abaixo, verifica-se uma nítida divisão entre cristãos, a oeste, e muçulmanos,

a leste, que travam disputas pelo domínio de territórios importantes para a economia

do país.

Figura 5: Mapa regional dos principais grupos rebeldes.

Fonte: o autor.

Os líderes religiosos são bastante importantes em uma RCA que tem a crença

inserida na população. O arcebispo Dieudonné Nzapalainga de Bangui, Imam Oumar

Kobine Layama e o pastor Nicolas Guérékoyaméné-Gbangou fundaram a Plataforma

Inter-religiosa pela Paz, exercendo papel preponderante na prevenção da guerra

sectária em seu país.

A associação Ajuda à Igreja que Sofre (ACN) diz que a nova Constituição

substitui a “Charte de la Transition” (Carta da Transição), que governou o país como

constituição provisória desde julho de 2013. O preâmbulo da nova Constituição

reconhece “a diversidade religiosa e cultural do povo Centro-africano, que contribui

para o enriquecimento da sua personalidade”. O artigo 10º garante “a liberdade de

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consciência, religião e culto” e proíbe “todas as formas de fundamentalismo religioso

e intolerância”. O artigo 24º proclama o caráter secular do Estado (acnuk.org, 2018).

De acordo com fatores relacionado a sociopolítica regional, a intolerância racial

e o fundamentalismo religioso estão entre os principais responsáveis pela migração

causada por fatores socioculturais (LUAPE, 2001).

A população nômade Peuhl, localiza-se basicamente na região norte do país,

exerce influência com a criação de gado e sua movimentação em busca de novas

pastagens, causando atritos com os agricultores.

A maior parte da população tem dificuldade de acesso a energia elétrica.

Os comerciantes de escravos muçulmanos dizimaram a população da RCA

durante o tráfico de escravos e contribuíram para o isolamento, falta de confiança,

deficiências nos serviços do Estado e pobreza geral do país.

De acordo com Veronique Barbelet (2015), as organizações com fins

humanitários enfrentam muitos desafios operacionais na RCA. O fornecimento de

ajuda humanitária, papel mais ativo na proteção, reduziu com o agravamento dos

conflitos. Com o aumento da crise em 2013, diversas agências humanitárias foram

atacadas e saqueadas por grupos Seleka, seus bens e recursos serviram para

sustentar a campanha rebelde. Após a retirada do presidente Bozizé, muitas

organizações com medo da violência e insegurança abandonaram a RCA e poucas

retornaram até agora. Com os níveis baixos de financiamento as ONGs têm

dificuldades em cumprir os custos de instalação no país (BARBELET, 2015).

A população centro africana acredita que dentro das tropas de paz, de uma

maneira geral, as forças francesas são frequentemente vistas como protetoras dos

cristãos, e outras tropas, como os bengalis e paquistaneses de que protegem os

muçulmanos.

Infere-se, parcialmente, que o cenário visto neste capítulo comprova uma RCA

bastante instável e com ricos recursos naturais, conciliados à falta de controle por

parte das instituições oficiais do país, facilitando ainda mais a propagação de grupos

rebeldes irregulares.

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5. OS IMPACTOS PARA A ÁFRICA CENTRAL E AS CONSEQUÊNCIAS PARA A REGIÃO

A seção anterior tratou dos conflitos e das principais ameaças que atingem o

continente africano, principalmente, na região da África Central. Este capítulo, dedica-

se ao estudo dos impactos destas ameaças e sua relação com as intensas lutas que

assolam o território da República Centro-Africana.

Os impactos dos problemas causados pelos conflitos regionais na maioria das

vezes não atingem somente a população dentro do espaço geográfico do país. Os

efeitos da globalização abrem espaço para a ocorrência e a propagação do terrorismo,

do tráfico de drogas, armas e pessoas e também de refugiados, afetando os países

de quase todo o globo.

O que acontece na RCA afeta seus vizinhos imediatos. A ausência de

segurança e o aumento da escassez de alimentos, têm provocado tumultos, saques,

estupros, assaltos, destruição de propriedades e diversos homicídios, aumentando o

impacto da crise no país. O medo da atuação das milícias leva as pessoas a se

deslocarem para outras áreas do país, com melhores estruturas e desenvolvimento,

como por exemplo a capital Bangui, intensamente disputada pelos grupos de

deslocados internos oriundos, principalmente da Região Noroeste.

Atualmente, tem aumentado a preocupação dos países que possuem relações

comerciais com o continente africano, pois a crise na República Centro-Africana está

impactando a estabilidade de toda a região, afetando os países que investem na zona

central da África.

Da mesma forma, a proliferação de grupos extremistas na África e os altos

níveis de instabilidade em seus países, dentre eles a RCA, facilitam a proliferação do

terrorismo, exigindo atitudes concretas da comunidade internacional, para evitar a

germinação de novos adeptos dessa prática violenta.

5.1 OS IMPACTOS PARA A REGIÃO

Os países fronteiriços da RCA vêm sofrendo fortemente com o atual colapso

deste país. A instabilidade do governo centro africano aliado ao crescimento do poder

dos principais grupos rebeldes, vem trazendo impactos negativos para os países

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limítrofes, gerando uma crise sem precedentes em toda a região central, com um

enorme movimento populacional, entre as fronteiras.

A Convenção de 1951, em Genebra, criou o instrumento regulatório para o

status legal dos refugiados, consolidando as leis internacionais para a proteção dos

movimentos populacionais obrigatórios. No entanto, essa Convenção só abrange os

casos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951. Com o passar dos anos, surgiu a

necessidade de incluir novos casos de refugiados dentro do aparato de proteção. Daí

a criação do Protocolo de 1967, pela Assembleia Geral das Nações Unidas,

complementando a Convenção de 1951.

O ACNUR é o principal órgão responsável pela supervisão e aplicação desses

dois instrumentos, que deve ser empregado sem discriminação de raça, religião, sexo

ou país de origem. Através dele, deve ser assegurado que, qualquer pessoa com

necessidade tem direito de buscar proteção ou refúgio em outro país. Atualmente,

cerca de 150 países são signatários dos dois documentos e o Alto Comissariado

busca constantemente que novos países os ratifiquem.

A região fronteiriça marginalizada e subdesenvolvida entre o Chade, a RCA e

o Sudão tem sido uma fonte de instabilidade na África Central há décadas. As alianças

regionais, os grupos rebeldes, os sindicatos de contrabando e as redes mercenárias

têm a capacidade de ameaçar a estabilidade regional, trazendo um impacto forte para

a região.

O Chade pode ter interesse na instabilidade da RCA, principalmente perto de

suas fronteiras onde possui muitas reservas de petróleo. A China que investe nos dois

países para a exploração desse minério, com a China Petroleum Corporation, vem

sofrendo impacto devido ao agravamento da crise na região. Atualmente, as

explorações na RCA se encontram paradas devido à insegurança na região, enquanto

que no Chade sua exportação já teve início.

A região da fronteira com os Camarões sofre impacto considerável com os

refugiados. Durante muitos anos, os fazendeiros e pecuaristas viveram em harmonia,

contudo, recentemente a pressão sobre as terras pastoris aumentou com a chegada

de centenas de milhares de refugiados na região, muitos deles com seus próprios

animais, comprometendo a histórica convivência pacífica entre os dois povos.

Algumas tribos de pastores se deslocam sob a proteção de grupos armados,

aumentando a violência com os agricultores e donos das terras, que sofrem ataques

frequentes dos grupos rebeldes armados.

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A forte migração na RCA resultou em colapso do setor pecuário e agrícola,

espalhando ainda mais os conflitos pelo território centro africano. Os conflitos deste

tipo incluem as já citadas brigas entre agricultores e pastores, entre as autoridades

locais e os agricultores, entre os refugiados e as autoridades locais e entre os próprios

refugiados. Além desses conflitos, as agências Humanitárias enfrentam problemas

com os chefes tradicionais da região sobre o direcionamento dos beneficiários, sobre

o tipo e a quantidade de bens e serviços disponíveis e quanto ao poder de decisão na

prestação dos serviços humanitários.

Em resumo, verifica-se que o Chade, país de maioria islâmica, tem fortes

vínculos com a população da Região Noroeste da RCA, de maioria muçulmana,

confirmando os vínculos culturais e os interesses econômicos. Por sua vez, a ligação

com Camarões tem forte teor territorial, com disputas por novas regiões de cultivo e

pastagem, muitas vezes com o uso da violência para a conquista do solo fértil,

aumentando o impacto sobre os dois países.

5.2 OS IMPACTOS PARA A RCA E SUA POPULAÇÃO

O impacto da crise na República Centro-Africana vem aumentando,

principalmente, após o aumento da violência em 2013. Em 2017, o número de

pessoas deslocadas internamente no país passou dos 600.000, um aumento de cerca

de 50% com relação ao ano de 2016 e a tendência é que, em 2018, essa porcentagem

aumente, tendo em vista o cenário atual dos conflitos no país. O mesmo acontece

com o número de refugiados que, em 2017, já passava dos 500.000 e em 2018 a

perspectiva é de um aumento ainda maior.

De acordo com o site da ONU, a probabilidade, atualmente, é de um em cada

quatro pessoas forçadas a morar fora de suas casas. A cada novo deslocamento para

uma segunda sede diminui a capacidade dos deslocados internos ou dos refugiados

de se reintegrarem aos seus locais de origem, tornando-os, ainda mais, dependentes

da ajuda humanitária. Essas pessoas tornam-se extremamente vulneráveis, pois são

privadas de alimentos, de água, de cuidados com a saúde, de abrigos e do acesso a

educação para seus filhos (un.org, 2018).

O público mais vulnerável é o de crianças menores de cinco anos e mulheres

grávidas lactantes, pois sofrem mais com a desnutrição. No geral, as famílias

enfrentam uma crise alimentar aguda porque as reservas alimentares e a produção

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agrícola do país diminuíram bastante devido à insegurança causada pelos conflitos e

aos atos de pilhagem, ocorridos regularmente nos estoques de alimentos. Os que se

encontram nos acampamentos para refugiados ou nos enclaves espalhados pelo país

são os que mais sofrem com essa insegurança alimentar, da mesma forma as

pessoas deslocadas que vivem em lares adotivos com pouco acesso aos meios de

subsistência.

O outro grupo importante da população afetada são as pessoas portadoras de

deficiência, os idosos, as crianças maiores de cinco anos e as famílias chefiadas por

mulheres e até mesmo por crianças que são vítimas de abuso e violência sexual.

Estas pessoas têm necessidades de cuidados de saúde, acesso à água potável e à

condições adequadas de higiene, saneamento básico e assistência alimentar.

A insegurança na RCA comprova também o grande risco de epidemias, como

a cólera, a meningite e as febres hemorrágicas. Segundo site do ACNUR, entre 2016

e 2017, cerca de cinco surtos de raiva canina foram registrados na capital Bangui e

nas cidades próximas, exigindo a mobilização de ajuda humanitária específica. A

proximidade da RCA com a República Democrática do Congo, onde regularmente tem

registrado surtos do vírus Ebola aumentam os riscos de febres hemorrágicas do tipo

viral e esta situação é bastante agravada pelas precárias condições sanitárias do país.

O saneamento básico é deficiente, com um número baixo de domicílios com

acesso à água e à rede de esgotos. Com o agravamento da crise, cerca de metade

dos centros de distribuição de água potável e instalações de saneamento foram

danificados, denegrindo a infraestrutura hidráulica já incipiente no país.

O Chade está extraindo óleo de campos de petróleo transfronteiriços ao longo

da fronteira com a RCA, o que pode estar esgotando as receitas de petróleo

acessíveis do país no futuro. Um acordo bilateral poderia favorecer a exploração e

fortalecer a relação entre as duas nações, além de contribuir para a economia da RCA,

minimizando os impactos para a população.

O êxodo forçado obriga muitas pessoas a abandonarem suas regiões. Muitas

aldeias já foram totalmente esvaziadas, como por exemplo em Bossangoa, no

noroeste do país, onde quase não se vê mais muçulmanos, população originária deste

local. O crime é generalizado em quase todo o país, incluindo roubo, destruição de

propriedades e casas, posse ilegal de armas, sequestros, assassinatos, torturas e

violência sexual, justificando o abandono das autoridades governamentais.

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A degradação política na RCA gera impactos nas forças militares que estão

fracas e mal equipadas, sem falar na corrupção que está inserida nos altos escalões

da força. As instituições judiciárias, antes baseadas no sistema judiciário francês, não

têm força para julgar e condenar os criminosos no país. Com isso, os grupos rebeldes

disfrutam de impunidade e continuam a realizar ataques covardes à população civil.

Segundo Laura McGrew (2016), é crítica a situação na RCA onde vem

ocorrendo diversas violações generalizadas e graves dos direitos humanos, muitas

delas causadas ou exacerbadas pelo conflito. Os atos mais graves são os

assassinatos extrajudiciais, a tortura, o uso de crianças soldados, a violência sexual

em mulheres e crianças, as prisões e detenções arbitrárias, a falta de julgamentos

justos, o tráfico humano, o trabalho forçado e infantil, o deslocamento forçado, a falta

de liberdade de movimento, bem como outras violações, aumentando os impactos

sobre a RCA.

Praticamente, todas as partes do conflito cometem abusos. Essas violações

são sofridas por todos os setores da população, incluindo vários grupos étnicos,

religiosos e políticos. Os abusos contra os cristãos foram cometidos quando os Seleka

chegaram ao poder, e posteriormente, os muçulmanos sofreram quando os grupos

Anti-balaka assumiram o controle das principais cidades do país (MCGREW, 2016).

Embora os muçulmanos constituem apenas 15% da população, eles têm

desempenhado papéis centrais no comércio da RCA e seu deslocamento afetou

severamente as redes e mercados de transporte, resultando em menor segurança

alimentar em todo o país, trazendo um enorme impacto negativo ao país.

Um impacto importante sofrido pela RCA é referente à cobertura midiática dos

conflitos. A imprensa está sendo afetada por problemas como, dificuldade ou falta de

acesso às áreas remotas dos conflitos e a falta de confiabilidade das informações

politizadas e preconceituosas. Diversos grupos de imprensa estão recebendo apoio

de ONGs, como a Internews e da Associação de Jornalistas de Direitos Humanos,

que possuem melhor acesso ao país, porém essa ajuda muitas das vezes é

insuficiente para esclarecer os fatos ocorridos dentro do país, dificultando a divulgação

internacional do conflito e prejudicando a população.

Os jornalistas locais são, constantemente, ameaçados e mortos, por divulgar

conteúdos da guerra. O caso mais conhecido, divulgado pela agência de notícias

Reuters, em maio de 2014, é o da jornalista francesa Camille Lepage, encontrada

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morta dentro de um veículo conduzido por milícias Anti-balaka, durante um

patrulhamento das forças de paz francesa.

Outro caso recente foi a morte de três jornalistas russos, na noite do dia 30 de

julho deste ano. O carro onde eles estavam foi atacado por cerca de dez homens

armados que abriram fogo contra o veículo. Os jornalistas estavam no país produzindo

um documentário sobre a atuação de um grupo de paramilitares mercenários russo

que, supostamente, estariam atuando no país. Mesmo que as circunstâncias exatas

das mortes não sejam reveladas fica evidente o impacto da impunidade e da violência

presente na RCA.

Os assentamentos populacionais isolados são separados pela falta de estradas

e de telecomunicações, reduzindo o contato entre as comunidades e aumentando a

desconfiança entre eles. Normalmente, se localizam ao longo das fronteiras, como

uma maneira de receber apoio externo e fugir dos ataques de grupos rivais. Muitos

destes assentamentos estão localizados na fronteira do Chade, de Camarões e da

RDC.

Outro impacto importante se refere às influências externas e à desconfiança

relacionada aos “estrangeiros”. O suposto envolvimento do Chade no apoio ao grupo

Seleka e na extração de recursos minerais é um bom exemplo desta desconfiança,

da mesma forma, a ingerência política da França na ex-colônia. Essa desconfiança

em relação aos estrangeiros acontece também internamente dentro dos grupos

étnicos, já que muitos têm receio de aceitar os africanos centrais de outros grupos ou

regiões, dividindo ainda mais o país e dificultando a integração da sociedade.

A dificuldade na distribuição de alimentos, de medicamentos e de sementes

para o plantio é outro impacto relevante, que são agravados pelos riscos de crise

alimentar e falta de comida para o ano de 2018. O controle de grandes extensões do

território continua nas mãos dos grupos armados, que estabelecem estruturas

paralelas de administração e tributações ilegais, impossibilitando ou limitando o

suprimento da população.

As condições de segurança e acesso à serviços essenciais para um retorno

seguro e digno ainda precisam ser melhorados em muitas áreas, prevendo a

permanência de um deslocamento a longo prazo. Além disso, os grupos armados

passaram a ter como alvos os trabalhadores humanitários e as forças de paz da

MINUSCA, o que resultou na morte de 14 soldados de paz em 2017 e mortes recentes

do contingente das Forças Armadas portuguesa. Essa situação restringe severamente

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o acesso e a proteção do ACNUR e de outras organizações humanitárias à população

nas áreas afetadas.

A crise recente de Ebola na República Democrática do Congo, em maio deste

ano, pode afetar a RCA. O site dos Médicos Sem Fronteira (MSF) publicou este ano,

que o país se encontra em área de risco pela proximidade da RDC, porém é difícil a

chegada da assistência médica em vários pontos do país, principalmente porque

alguns acampamentos já foram atacados e destruídos pelos rebeldes.

O diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos (PMA), David Beasley,

afirmou que em todas as áreas em que visitou, ouviu as pessoas aclamarem por

segurança alimentar no mesmo nível em que desejam a paz e que por isso, a

prioridade do PMA é romper o ciclo de violência e de fome. Na RCA, a fome e a paz

estão interligadas e que somados a incerteza política e aos movimentos populacionais

elevam os gastos a números exorbitantes, aumentando os impactos na população

(BEASLEY, 2018)

A resposta humanitária continuará a ser essencial, na medida que a população

da RCA não possui a capacidade de garantir sua própria sobrevivência e a capacidade

de gerenciar os conflitos dentro das comunidades sem a necessidade do uso da

violência, permitindo sempre o acesso das pessoas aos serviços básicos essenciais.

As necessidades específicas dos deslocados internos e dos refugiados exigem

respostas adequadas aos diversos ambientes e perfis socioeconômicos do país,

afetando, também, as famílias dos países anfitriões e as comunidades de acolhimento

dentro e fora da RCA.

Outro aspecto importante na RCA é a infraestrutura rodoviária deficiente, com

o acesso bastante limitado e inseguro. Menos de 3% das estradas são pavimentadas

e durante a estação chuvosa ficam intransitáveis. Também é bastante comum estas

estradas serem controladas por grupos rebeldes, que destroem pontes e cavam

trincheiras para dificultar o deslocamento dos grupos rivais e até mesmo das forças

de segurança e da ajuda humanitária que atuam no país. No caso específico da ajuda

humanitária os custos aumentam devido à utilização do frete aéreo ou até mesmo

impedem a chegada de recursos aos afetados.

A presença limitada do Estado facilita a proliferação de armas e munições

dentro do país, armando os civis e os rebeldes. Os mesmos justificam o uso dessas

armas para a autodefesa e de suas comunidades, como também para a proteção do

gado e das lavouras, aumentando o nível de violência na RCA.

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A escassez dos financiamentos compromete a capacidade de atuação dos

atores humanitários e dificulta a reestruturação da República Centro-Africana,

impactando as estruturas governamentais e impedindo o apoio para o retorno e

reintegração dos deslocados e refugiados, nos seus bairros de origem.

5.3 AS CONSEQUÊNCIAS PARA A REGIÃO

A grave situação na RCA trás consequências danosas para toda a região da

África Central. A falta de estradas e a insegurança desestimularam o desenvolvimento

da indústria e aumentaram o custo da produção e da comercialização dos produtos

entre os países, especialmente nas áreas mais distantes, como a zona rural,

dificultando o desenvolvimento regional.

De acordo com os Médicos Sem Fronteira, os problemas psicológicos afetam

parte considerável da população refugiada ou deslocada, devido aos impactos dos

longos anos de conflitos armados, degenerando a sociedade e as estruturas sociais.

Em que pese os poucos estudos sobre a situação da saúde mental no país, verifica-

se a grande necessidade de profissionais especialistas atuando no país, para

melhorar o suporte a população afetada pela crise.

Os conflitos prolongados têm mostrado algumas tendências na RCA, que

precisam ser combatidas. A discriminação e o estigma contra os grupos minoritários

continuam frequentes. O sistema habitacional é inadequado devido às destruições de

residências e da infraestrutura devido os conflitos e a negligência das autoridades,

com necessidades cada vez mais crescentes decorrentes das pressões

populacionais.

A má administração geral em relação à questão da ocupação ilegal de casas

pode trazer problemas com os retornos de refugiados e deslocados internos. A

constante desconfiança e a falta de aceitação entre os grupos rivais, dificulta os planos

de retorno para as aldeias e cidades. Por isso, o retorno é de baixo volume e em

poucos locais, necessitando o aumento dos esforços junto aos comitês de coesão

social e de paz, com a finalidade de melhorar a reintegração dessas pessoas.

O aumento da tensão social devido à falta de recursos e de emprego, estimula

o deslocamento obrigatório da população centro africana e causa a desordem pública

nas comunidades pelo país, como por exemplo o desrespeito dos jovens pelos idosos.

O aumento da justiça rebelde, motivados pela vingança e acusações de feitiçaria por

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grupos rebeldes rivais, também são evidencias dessa desordem social no centro da

África.

Uma consequência importante é o aumento da tensão agropastoril, pois os

pastores e os agricultores estão cada vez mais armados. Os corredores para

transumância, usados pelos pastores, foram alterados ou diminuídos devido ao

aumento da pressão populacional, das mudanças climáticas e dos ataques de grupos

armados, dificultando a manutenção da paz na região Norte da RCA.

Os ataques de grupos armados também estão aumentando a pressão

econômica, predominantemente em comunidades agrícolas que não podem mais

cultivar, e não estão mais integradas a estruturas de mercado maiores devido à

insegurança. No entanto, em certas localidades existe o envolvimento das autoridades

locais na mediação entre os agricultores e os pastores, amenizando as diferenças

entre os dois grupos.

Abaixo o mapa, de janeiro de 2018, da situação atual dos refugiados e

deslocados internos no país, por região. É possível visualizar a localização dos

principais campos de acolhimento e as regiões de maiores riscos para a população.

Figura 6: Mapa situação atual dos refugiados.

Fonte: UNHCR.

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Uma consequência da fragilidade da RCA é a disputa de grandes potências por

maior influência no país. A Rússia já doou, recentemente, armamento para a

segurança do Presidente Touadéra e o país africano começa a receber agora doações

da China e dos Estados Unidos da América. A maior doação virá de Pequim, com

mais de 70 veículos fabricados pela companhia chinesa Poly Tecnologies, como as

viaturas táticas da Dongfeng, os caminhões Steyr 6x6, as ambulâncias e os

caminhões de combate a incêndios. De Washington, virão cerca de 48 veículos, como

as caminhonetes Toyota Hilux 4x4 equipadas com sistema de comunicação e os

caminhões utilitários Renault K380. Todas estas doações representam o interesse dos

países em aumentar o espaço de influência geopolítica.

Diante do panorama apresentado neste capítulo, verifica-se que os impactos

da incerteza geopolítica na região, principalmente na RCA, aumentaram a

insegurança e diminuíram a confiança nas instituições oficiais do país, o que dificulta

a estabilização e manutenção da paz. Da mesma forma, os mesmos impactos

agravam, ainda mais, as consequências tanto para a RCA, quanto para os países

vizinhos, exacerbando o desequilíbrio da zona central africana e contribuindo para a

precariedade da vida da população da região.

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6. O PAPEL DA COMUNIDADE INTERNACIONAL E OS DESAFIOS PARA A AJUDA HUMANITÁRIA

Após a abordagem dos impactos sobre os países da região e suas

consequências mais importantes mostrados no capítulo anterior, será analisado o

papel da Comunidade Internacional, bem como, os desafios para solucionar a

problemática na República Centro Africana e aliviar o sofrimento de sua população

causado pelos conflitos e pela instabilidade no país.

A organização das normas globais do sistema internacional confere ao Estado

a responsabilidade pela Proteção de Civis (POC). No entanto, essa função o governo

da RCA não está conseguindo executar. A presença limitada do Estado no país tem

sido um problema crônico desde a sua independência no século passado e permitiu

a proliferação de milícias armadas que assumem o controle de grande parte do país

(BARBELET, 2015).

A impunidade talvez seja o maior desafio na RCA e este fator leva à

intervenções externas no país. A desordem ocorre pela certeza de que as forças de

segurança e até mesmo o sistema judiciário são inertes. Ataques a estabelecimentos

comerciais e invasões ao sistema prisional para libertação de presos são comuns no

país, principalmente após 2013.

O sistema judiciário da RCA conta com um tribunal supremo, um tribunal

constitucional, tribunais superiores e tribunais de magistrados, baseados no sistema

francês de direito civil, devido à relação histórica entre as duas nações. Até 2010,

existiam apenas cerca de 150 juízes e 40 advogados em todo o país, com sua maioria

atuando na capital Bangui. A maioria destes profissionais é mal paga ou até mesmo

não recebem proventos, deixando-os suscetíveis à corrupção. A maioria dos

processos criminais é tratada extrajudicialmente e diversos juízes são ameaçados ou

assassinados devido à parcialidade destas decisões judiciais.

De acordo com o site de notícias da ONU, a degeneração latente da justiça

centro africana levou ao então presidente do governo de transição, Catherine Panza,

a promulgar a lei criando, em junho de 2015, o Tribunal Criminal Especial (TCE). Um

tribunal híbrido composto por pessoal nacional e internacional, aplicando uma junção

da legislação Centro Africana com a legislação internacional, com o objetivo de

normatizar a aplicação da justiça no país. O projeto enfrentou algumas dificuldades

para entrar em funcionamento, no entanto, nos últimos meses, o recrutamento de

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vários magistrados internacionais e até mesmo de países da África Central,

impulsionou o projeto e está com a previsão de início dos trabalhos ainda no ano de

2018 (un.org, 2018).

Ainda segundo a ONU, o tribunal revisará e julgará os genocídios, os crimes de

guerra e os crimes contra a humanidade na RCA desde 2003 e será composto por

quatro órgãos: o próprio Tribunal, o órgão de Registro, uma unidade especial da

Polícia Judiciária e o Gabinete do Procurador Especial Toussaint Muntazini, nomeado

pelo presidente Touadéra, em 2017 (un.org, 2018).

O Conselho de Segurança da ONU concedeu Medidas Temporárias Urgentes

que coordenadas com o TCE, estrutura judicial intermediária, permitirá executar o

julgamento e as detenções dos supostos atores ilegais no país. O último recurso

caberá ao Tribunal Penal Internacional (TPI), instituído pelo Estatuto de Roma, em

1998. Corte esta, com sede em Haia, na Holanda e com atuação independente das

Nações Unidas (un.org, 2018).

Segundo a ONU, o desafio será grande, principalmente, devido ao aumento de

ataques recentes a unidades de Força de Paz. O tribunal especial vem para resolver

o problema da impunidade que ameaça a RCA, com a esperança de superar as

deficiências do sistema judiciário no país, responsabilizando os criminosos que

desestabilizam a população centro africana (un.org, 2018).

De acordo com o site ONU News, o secretário-geral das Nações Unidas,

Antônio Guterres, conta que o grande desafio na RCA será desarmar os grupos

rebeldes e reestabelecer a paz no país. Existem diversos grupos que estão

espalhados por todo o país. A capacidade de recrutamento é grande, devido à

ausência da segurança estatal e à falta de perspectiva da população e as fronteiras

longas e porosas dificultam ainda mais o estabelecimento da paz, complementa

Guterres (un.org, 2018).

Os efeitos dos conflitos impõem o deslocamento populacional irregular

necessitando de respostas na infraestrutura física e nos recursos humanos

devastados pelo trauma psicossocial, pelo medo e pela falta de confiança. No entanto,

apesar dos óbices, os africanos centrais mostraram grande resiliência no mero fato

de sua sobrevivência e em seu futuro, permanecendo muito otimistas sobre um

governo justo e honesto.

Segundo site da ONU, no dia 24 de maio de 2018, o Conselho de Segurança

aprovou, por unanimidade, uma resolução para proteger da fome as populações que

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vivem em ambiente de conflitos. Esta resolução proíbe que os governos ou os grupos

em conflito ataquem locais necessários a produção e distribuição de alimentos

(un.org, 2018).

Essa medida é histórica e a ONU é a primeira entidade a reconhecer,

oficialmente, os vínculos entre a guerra e a fome. Em seu texto, condena o uso da

fome como arma dos conflitos e solicita que todos os profissionais que vão levar ajuda

humanitária tenham livre acesso às zonas de conflito, para que possam dar apoio a

todas as pessoas necessitadas. Ainda segundo o site da ONU, atualmente, cerca de

60% das pessoas que sofrem de fome crônica estão localizadas em regiões de

conflitos.

De acordo com o site da FAO, que tem como diretor geral, o brasileiro José

Graziano da Silva, a RCA está entre os 10 países do mundo com as maiores crises

alimentares. Com esta resolução do CSNU, ficam proibidas, pelo direito internacional,

os ataques nas fazendas, mercados, moinhos, sistemas de água, sistemas de

processamento de alimentos, instalações de armazenamento de comida e ficam

protegidas as estruturas de distribuição de alimentos, contribuindo para os desafios

da ajuda humanitária (fao.org, 2018).

Ainda segundo a FAO, para uma resposta adequada e para amenizar a

problemática na RCA é necessário estruturar e priorizar adequadamente as

necessidades das populações afetadas. Primeiramente, tem que ser analisado a

vulnerabilidade e a magnitude dessas necessidades, mapeando cada grupo afetado

com suas características específicas dentro da crise. Em um segundo passo, deverão

ser estudadas as agências de colaboração humanitária e as de segurança com as

necessidades de cada região do país. É importante, também, a identificação dos

grupos rebeldes por área geográfica e a gravidade com que atuam sobre a população

(fao.org, 2018).

As vulnerabilidades da população e sua localização indicam e justificam as

intervenções humanitárias, lembrando que as prioridades geográficas podem mudar

de acordo com a evolução dos conflitos no país. A gravidade dos impactos afeta os

meios de subsistência da população e as necessidades de retorno, reintegração e

reinstalação no país de origem.

Diante deste cenário de desordem cresce de importância o papel dos

Organismos Internacionais, que a mais de uma década buscam retomar a ordem e a

paz na RCA, além de proporcionarem a ajuda humanitária para a maioria da

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população centro africana. O desafio da intervenção deverá ser complementado com

respostas sustentáveis, proporcionando a reconciliação e a reconstrução do tecido

social de um país marcado pelos conflitos. As respostas dependerão de soluções

duradouras, como a repatriação voluntária, o reassentamento em outro país e a

integração na comunidade de acolhimento.

6.1 O PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS

A atuação das Nações Unidas continua sendo essencial para os diversos

processos de paz em curso nos países africanos, não só por razões práticas, mas,

igualmente, como fator de legitimação das intervenções regionais.

A intervenção da ONU na República Centro-Africana já dura décadas. As

inúmeras missões de paz e de apoio sempre tiveram os mesmos objetivos básicos,

como a organização do sistema político e a reforma do setor de segurança, para

possibilitar uma vida melhor para a população sofrida do país.

As Nações Unidas consideram a RCA como um ambiente perigoso para os

trabalhadores humanitários e pode-se confirmar pelos recentes ataques a jornalistas,

a membros da organização dos Médicos Sem Fronteiras e até mesmo aos militares

da MINUSCA, dificultando o papel dos Organismos Internacionais.

Segundo Juliana de Paula Bigatão, as missões da paz da ONU se classificam

em Diplomacia Preventiva (Preventive Diplomacy), que visa evitar a deflagração dos

conflitos armados; Promoção da Paz (Peacemaking), ações diplomáticas

empreendidas após o início do conflito; Manutenção da Paz (Peacekeeping) ações

militares, no terreno do conflito; Imposição da Paz (Peace-enforcement) operações

com uso da força para restauração da paz; e a Consolidação da Paz (Peacebuilding)

executadas após a assinatura de um acordo de paz (BIGATÃO, 2013).

Desta forma, de acordo com Tatiana Carayannis e Mignonne Fowlis, o caso da

República Centro-Africana é diferente da maioria dos países africanos. O modelo

padrão das missões de paz tem sido inadequado, principalmente no objetivo de

restaurar a autoridade da Força Armada Centro-Africana (FACA). Ainda segundo

esses autores, a FACA, ao longo de décadas, sempre foi fonte de insegurança por

parte da população centro-africana e o modelo padrão de recuperação do controle

dos ciclos de segurança pelo Estado não funcionou porque nunca fez parte das mãos

desse Estado. Os grupos armados servem de autoproteção em grande parte das

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comunidades e muitas das vezes os programas, como o DDR e o DDRR, contribuíram

para aumentar o recrutamento por parte dos rebeldes, em vez de consolidar a

segurança nas mãos do governo.

Outro ponto importante é que essa dificuldade de proteção do Estado diminuiu

os interesses dos doadores internacionais, afastando os recursos do foco principal na

RCA. Por isso, cresce de importância o planejamento de longo prazo em que possa

unir as intenções dos doadores internacionais com a elite política da RCA, melhorando

o papel destes órgãos no país.

De acordo com o site da ONU, uma Comissão Internacional de Inquérito foi

criada pelo Conselho de Segurança, em 2013, para investigar os abusos dos direitos

humanos na RCA. Os relatórios desta comissão mostraram as atrocidades que vêm

ocorrendo dentro do país e a dificuldade do estado de prover a mínima segurança de

sua população.

A ONU busca respostas para melhorar a preparação dos contingentes

africanos elevando o nível operacional e reduzindo os problemas com a falta de

equipamentos e o adestramento de pessoal. De acordo com o secretário-geral, o

efetivo da missão de paz na RCA é insuficiente para resolver o grave problema no

país. Faltam equipamentos, recursos e capacitação de parte do efetivo,

principalmente dos contingentes africanos. Algumas medidas estão sendo

coordenadas pela ONU na luta contra os crimes de guerra e os genocídios, buscando

acabar com os massacres nas aldeias e o abuso sexual em mulheres e crianças.

De acordo com o site oficial do Estado-Maior Geral das Forças Armadas

portuguesas, a União Europeia assumiu uma difícil missão de ajudar na reconstrução

das Forças Armadas Centro Africanas. A Missão de Treinamento Militar da União

Europeia na República Centro-Africana (EUTM RCA), atualmente comandada pelo

Brigadeiro-General Hermínio Teodoro Maio, das Forças Armadas portuguesas, teve

início em 2016 e é responsável pelo preparo e organização da FACA. A readmissão

de militares das Forças Armadas e a aceitação de novos integrantes que participaram

de atos rebeldes enfrenta problemas devido aos crimes de guerra e violações dos

direitos humanos que estas pessoas carregam de seu passado recente.

Ainda segundo o site oficial, a missão EUTM RCA tem a finalidade de

providenciar o aconselhamento estratégico ao Ministério da Defesa e ao Estado-Maior

Geral das Forças Armadas Centro Africanas, visando, através do assessoramento e

da orientação, a reforma do sistema de defesa no país. Com isso, foi criado um centro

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de apoio para desenvolver a documentação básica da FACA, organizar o sistema de

educação e formação dos quadros, bem como, a criação de programas de

treinamento para as unidades militares presentes, principalmente, na capital Bangui.

De acordo com o site oficial da missão, O General português ESA PULKKINEN,

Comandante da EUTM RCA durante o ano de 2017, em visita a Bangui, em outubro

do mesmo ano, disse que apesar de alguns progressos da missão, ainda existe a

preocupação com o agravamento da situação de segurança e ajuda humanitária no

país, enfatizou, também, que a crise na República Centro-Africana seria resolvida não

através da força, mas através do diálogo, da justiça e da reconciliação. O general

salienta que apesar das restrições logísticas e do pequeno efetivo da FACA, o governo

de Touadéra já providenciou a mobilização das tropas, para além da capital Bangui,

no esforço da construção da paz no país. Porém, de acordo com o general, é

importante a restauração da autoridade do Estado, em todo o território nacional, como

fator chave para a resolução da crise na RCA.

O General Pulkkinen afirmou que outro ponto importante na busca pela paz é

o retorno das instituições e dos serviços públicos em todo o país e que, para isso, a

MINUSCA atuaria como principal facilitador, exercendo sua força dissuasora sobre os

grupos armados, sendo fundamental para a extensão da autoridade do Estado no

país.

A Rússia assinou recentemente, 2018, um acordo de cooperação militar com

a RCA. Informou o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, e o seu homólogo, a

ministra Marie Noelle Koyara, na exposição internacional de armamento, o Army-

2018, em Moscou. O acordo irá permitir o fortalecimento das ligações na esfera da

Defesa entre os dois países, afirmou Shoigu durante a cerimônia. O acordo envolve o

treinamento das FACA, permitindo inclusive que os militares das Forças Armadas

Centro-Africana estudem nas universidades do Ministério da Defesa russa. Além

disso, vários conselheiros russos já colaboram com as FACA, na proteção do

Presidente Touadéra.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

luta constantemente no combate a fome na RCA. A entidade busca aumentar o

acesso das famílias a sementes de qualidade, a ferramentas de trabalho e a

treinamentos especializados para melhorar a produção agrícola. Segundo seu site

oficial, o fornecimento de habilidades agrícolas será vital para a recuperação da

economia rural no país. Através de vários centros de aprendizes, os agricultores estão

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aprendendo as melhores práticas para o cultivo de hortaliças adequadas às condições

locais, além de criar pequenos animais, como porcos ou cabras. Essas habilidades

não apenas aumentam seu potencial de renda, mas também garantem o fornecimento

de produtos de boa qualidade nos mercados.

A FAO vem trabalhando através de parcerias para melhorar a análise de

segurança alimentar e a tomada de decisões no país. Essas boas práticas contribuem

para respostas oportunas e eficazes necessárias a segurança alimentar do país. A

insegurança na República Centro-Africana ainda é a principal causa que afeta o

acesso das famílias aos alimentos e meios de subsistência, interrompendo

significativamente as atividades agrícolas e pecuárias. Os anos consecutivos de

colheitas reduzidas, devido aos conflitos, agravados por interrupções do mercado e

declínio do poder de compra, levaram ao esgotamento dos estoques de alimentos, à

redução da produção, à adoção de mecanismos negativos de enfrentamento e ao

aumento da dependência da ajuda alimentar.

Atualmente, a RCA vive uma crise alimentar grave. A sua produção agrícola é

incipiente e a insegurança impede a distribuição necessária de alimentos à população.

Pensando nisso, a FAO divulgou em seu site oficial que buscará a implementação de

atividades agrícolas e a reabilitação de cadeias alimentares de valor, essas atividades

contribuirão para reduzir a insegurança alimentar, gerando desenvolvimento

socioeconômico, fortalecendo a resiliência e estabilizando a paz. Será fundamental

apoiar o governo em seu esforço para restaurar o setor agrícola, a fim de permitir que

as famílias agricultoras melhorem a sua capacidade de produzir, que possam

assegurar o acesso à alimentação e que consigam gerar renda suficiente para

fortalecer seus meios de subsistência.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), órgão da ONU,

responsável por defender os direitos das crianças, apoia a República Centro Africana.

Em seu site oficial, diz que a situação das crianças na RCA continua bastante crítica.

Cerca de um terço está fora das escolas, quase metade não está imunizada das

principais doenças da região e mais de 40% das crianças menores de cinco anos

sofrem de desnutrição crônica (unicef.org, 2018).

A assistência que o UNICEF oferece vem salvando muitas vidas. O apoio inclui

cuidados básicos de saúde, apoio às vítimas de violência e abuso sexual e o acesso

a locais temporários de educação, nos campos de refugiados e de deslocados

internos. De acordo com seu site, somente em 2017, o fundo apoiou a libertação de

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quase três mil crianças dos grupos armados no centro da África e ajudou a criar mais

de trezentos espaços de aprendizagem temporários para as crianças de famílias

refugiadas.

De acordo com a Sra. Marie-Pierre Poirier, Diretora Regional da UNICEF para

a África Ocidental e Central, o maior desafio do órgão, na região, está sendo a busca

por doadores humanitários internacionais para aumentar os recursos necessários às

crianças centro africanas.

Ainda segundo POIRIER (2018):

Com investimentos significativos em intervenções direcionadas, podemos fazer uma diferença real para as crianças, tanto em locais deslocados internamente quanto nas comunidades anfitriãs. O UNICEF e os nossos parceiros estão alcançando resultados encorajadores focados em quatro prioridades: aumentar a imunização, acabar com a desnutrição, oferecer educação e proteção, inclusive em situações de emergência. Precisamos de apoio para levar isso em grande escala com nossos parceiros (Tradução livre).

De acordo com seu site oficial, o UNICEF lidera o Mecanismo de Resposta

Rápida (MRR) que realiza avaliações sobre as novas crises, fornecendo itens não

alimentícios, água, saneamento básico e apoio de higiene às pessoas vulneráveis

recém-afetadas por choques, bem como, coordena com atores externos para garantir

respostas complementares em outros sectores essenciais. O MRR trabalha, também,

em conjunto na libertação de crianças dos grupos armados e a sua reunificação com

as suas famílias, fornecendo o apoio psicossocial apropriado (unicef.org, 2018).

O UNICEF e o MRR trabalham com os ministérios da RCA, para reforçar a

capacidade do Governo na coordenação, na liderança e na resposta humanitária,

contribuindo dia a dia para aumentar o acesso das pessoas aos serviços básicos.

O MRR é uma ferramenta disponível para a comunidade humanitária que

garante o monitoramento humanitário. Tem apoio da Agência dos Estados Unidos

para o Desenvolvimento Internacional (OFDA), da Agência Sueca de Cooperação

para o Desenvolvimento Internacional (SIDA), da Agência Suíça para o

Desenvolvimento e a Cooperação (SDC) e das Operações de Proteção Civil e Ajuda

Humanitária da Comissão Europeia (ECHO), atuando em caráter emergencial quando

as capacidades necessárias não estiverem disponíveis no local.

O objetivo do MRR é avisar a comunidade humanitária sobre os incidentes de

crise e reagir em situações de extrema vulnerabilidade. O órgão pré-posiciona

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equipamentos e pessoal especializado, distribuídos em regiões remotas do território

da RCA, com a missão de passar as informações aos órgãos competentes sobre a

situação dos afetados e atuar aonde não houver a capacidade de resposta rápida.

A União Europeia tem ajudado com recursos para a reabilitação de prisões

femininas em Bangui e a MINUSCA iniciou as visitas de inspeções para regularização

das instalações.

O ACNUR também está apoiando o governo da RCA em seus esforços para

traduzir a Convenção de Kampala sobre a proteção e assistência dos deslocados

internos ao direito interno do país.

A colocação estratégica de consultores internacionais, trabalhando em

conjunto com funcionários públicos e líderes políticos na RCA, poderá ajudar a

aumentar a capacidade do estado quando for usado em combinação com a ajuda

financeira de doadores internacionais.

Além disso, segundo o site da ONU, como parte de um programa de justiça e

segurança de emergência, o PNUD pagou 520 funcionários judiciais e de segurança

em Bangui e forneceu equipamentos e veículos básicos para que o setor pudesse

desempenhar suas funções.

De acordo com seu site, o ACNUR desenvolve uma estratégia de assistência

aos refugiados da RCA, buscando informar e identificar os refugiados mais

vulneráveis que deverão ser atendidos no ano de 2018. A estratégia baseia-se na

vulnerabilidade socioeconômica buscando atingir as regiões mais afetadas pelos

conflitos, em locais com alta densidade populacional deslocada.

Outra medida importante é a construção de novos abrigos comunitários de

emergência e novos campos de refugiados, na fronteira próxima a locais de recentes

movimentos populacionais, para posteriormente, facilitar a execução das operações

de repatriamento voluntário e sustentável, focando o retorno e a reintegração na

comunidade centro africana.

Os órgãos de ajuda humanitária, atuantes no país, estudam a viabilidade de

iniciar projetos de recuperação, para buscar resposta de emergência, em locais onde

existam mais potencial de fazê-lo. O foco será em regiões onde o retorno espontâneo

de pessoas deslocadas já estão em andamento. Nestas áreas, é muito importante que

os agentes humanitários trabalhem para criar as condições que facilitem e viabilizem

o retorno das pessoas para as suas casas em segurança e dignidade. A chave para

isso será o apoio às estruturas de liderança estaduais e tradicionais, aprimorando os

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mecanismos de resolução de disputas e fortalecendo a coexistência pacífica entre as

comunidades.

De acordo com o seu site, o escritório do ACNUR, na RCA, recebeu o Prêmio

Global de Excelência de 2017, concedido anualmente para repartições ao redor do

mundo baseado em suas atividades de campo. O ACNUR-RCA destacou-se no

quadro de soluções duradouras, nomeadamente através do apoio à coordenação

humanitária e as autoridades da África Central para o regresso voluntário dos

deslocados internos às suas casas ou aos locais de residência habitual. Outra

contribuição foi o fechamento de locais no país que se encontravam em um contexto

de segurança instável, principalmente nos arredores da capital Bangui.

O prêmio foi entregue ao Representante do ACNUR, no país, o senhor Buti

Kale, em Genebra, na presença de muitos outros representantes do ACNUR em todo

o mundo. Em 2018, o Sr Buti Kale permanece em sua luta no apoio aos refugiados na

RCA. Em abril deste ano, saiu em uma publicação do ACNUR, o SANGO TI

BEAFRICA, sobre o repatriamento voluntário de centros africanos que estavam na

República do Congo para a cidade de Bangui.

Em suas palavras Kale (2018) disse, na mesma publicação, que:

Decidimos conceder seus desejos apoiando os governos do Congo e da RCA para facilitar essa repatriação. Durante algum tempo, dezenas de refugiados centro-africanos do Congo já estão retornando espontaneamente a RCA, e particularmente a Bangui (Tradução livre).

As localidades em que estes refugiados estão podendo retornar são áreas de

relativa, paz e segurança, em que pese a violência que assola a maior parte do país.

Desde o início do programa de repatriação, quase 700 pessoas retornaram por meio

dos comboios terrestres ou por meios aéreos, principalmente para as cidades de

Mongoumba e Bangui. Para facilitar a adaptação, essas pessoas recebem um pacote

de repatriação, contendo por exemplo a alimentação por 3 meses. Outras centenas

de refugiados ainda esperam a hora de poderem retornar aos seus lares.

De acordo com o relatório do ACNUR, em 16 de maio deste ano, o ACNUR

Zemio Office organizou a primeira reunião do Grupo de Trabalho de Proteção. O

objetivo é criar uma estrutura para todos os atores de proteção compartilharem as

informações e a proteção dos dados, bem como, coordenar as suas respostas

preenchendo as lacunas e evitando a duplicação das atividades.

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O ACNUR divulgou, no final de janeiro deste ano, a proposta inicial do Pacto

Global para os refugiados. Esta iniciativa está sendo vista como o novo marco

regulatório sobre o deslocamento forçado no mundo.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (2018):

O pacto incorpora uma nova abordagem em que os principais

países de acolhida — que normalmente estão entre os mais pobres do mundo — obtêm o apoio de que precisam, e os refugiados podem contribuir para o futuro deles e das comunidades onde vivem, explica o alto-comissário adjunto da ONU para refugiados, Volker Türk (ACNUR, 2018).

De acordo com o site do ACNUR, espera-se que este pacto mobilize um maior

número de países interessados em auxiliar os estados anfitriões no gerenciamento da

crise dos refugiados. O setor privado e as instituições financeiras mundiais também

estão na lista de apoio ao pacto (acnur.org, 2018).

A concepção do novo documento visa eliminar a lacuna existente dentro do

sistema internacional de proteção, proporcionando um apoio eficiente e justo para as

instituições de acolhimento. O pacto deverá fortalecer os sistemas nacionais de

educação e saúde dos países receptores, melhorando os procedimentos atuais e

beneficiando também a população destes países. O texto possibilitará que os

refugiados aprendam e desenvolvam habilidades importantes para o sustento de suas

famílias, mesmo estando em situação de refúgio, viabilizando a reconstrução de suas

vidas no retorno aos seus países de origem.

Para que todos os planos de ajuda ao país funcionem é necessário solucionar

um dos maiores problemas da RCA. A falta de infraestrutura que limita o acesso dos

agentes humanitários às populações afetadas pela grave crise no país. O acesso à

zona central e nas demais áreas dos conflitos é dificultado pelos rebeldes e pelas

poucas estradas pavimentadas existentes. As chuvas e a volatilidade da situação de

segurança agravam ainda mais o deslocamento dos agentes de ajuda humanitária

tornando as entregas praticamente impraticáveis. Outro aspecto, é que os grupos

rebeldes, frequentemente, cortam os eixos rodoviários destruindo pontes ou cavando

enormes buracos nas estradas, o que reduz a ajuda às pessoas necessitadas e obriga

a utilização dos recursos humanitários para cobrir custos elevados desse transporte.

De acordo com o Serviço Internacional de Informações para a Paz (IPIS), os

bloqueios das rodovias possuem viés econômico e podem ser de três tipos: a

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cobrança pela passagem no local, a cobrança pela passagem dos recursos minerais

e a cobrança de acesso ao mercado. A maioria dos bloqueios são controlados por

grupos rebeldes distribuídos conforme o mapa abaixo (ipisresearch.be, 2018)

Figura 7: Mapa das regiões controladas pelos grupos rebeldes.

Fonte: IPIS.

De acordo com o site do OCHA, a insegurança é generalizada na RCA, os

ataques a agentes humanitários são frequentes, a infraestrutura rodoviária é precária

e o financiamento e a utilização dos recursos pelo governo são inadequados,

restringindo, ainda mais, o acesso dos profissionais humanitários. Mais de 95% das

estradas não são pavimentadas e a maioria delas ficam intransitáveis durante o

período das chuvas. Os constantes bloqueios por grupos armados aumentam as

tensões e obrigam a realização de voos para alcançar as áreas mais inseguras e

isoladas, como as regiões Norte e Nordeste do país, tornando a assistência

humanitária deficiente nestes locais.

A organização dos suprimentos em nível nacional é essencial para a resposta

humanitária necessária à população centro africana, para atingir a capacidade e a

continuidade dessa resposta é preciso superar as limitações de tempo, infraestrutura

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e segurança. O acesso territorial precisa ser reestruturado e construído pelo

fortalecimento dos serviços comuns de transporte e armazenagem dos produtos.

Desta maneira, as necessidades logísticas reduzirão o impacto da crise.

O serviço aéreo humanitário (UNHAS), presente no país desde a década

passada, compensa, em parte, a deficiência da rede rodoviária e a insegurança

realizando as entregas nos locais de difícil acesso e tornando-se essencial,

principalmente, no período das chuvas que vai de maio até novembro.

Outro órgão importante, a União Europeia emitiu um comunicado em seu site

oficial informando sobre o prolongamento da sua missão na República Centro-

Africana por mais dois anos, até 19 de setembro de 2020, para poder aconselhar

estrategicamente o Ministério da Defesa do país, as Forças Armadas e o Presidente

da República, garantindo a continuidade da Missão de Treino da União Europeia na

República Centro-Africana (EUTM RCA).

6.2 OS DESAFIOS PARA A AJUDA HUMANITÁRIA

O papel das organizações não estatais é muito importante nos países afetados

pelas crises político-sociais. A globalização encurtou as distâncias entre os países e

entre eles e a comunidade internacional, fazendo com que os problemas fossem

vividos por todas as pessoas. A internet facilitou a divulgação dos assuntos que

afetam os princípios morais da humanidade e possibilitou a mobilização mundial em

torno de dilemas atuais.

Atualmente, existem diversas organizações internacionais atuantes no

continente africano. Os comitês de coesão social ou comitês de paz trabalham juntos

com as autoridades locais e a sociedade civil, apoiados por ONGs, como a Catholic

Relief Services (CRS), o Conselho Dinamarquês de Refugiados e a Mercy Corps,

promovendo a paz e a resolução não violenta dos conflitos na RCA. Atuam também,

com esta finalidade, a Organização de Mulheres Centro Africanas (OFCA), com as

equipes de mulheres, os grupos de idosos e algumas entidades religiosas,

desempenhando papel ativo na busca da paz.

O componente religioso é muito forte no conflito da RCA. Neste intuito, foi

criada uma Plataforma Inter-Religiosa com a finalidade de discutir e planejar as ações

de mediação dos conflitos. A iniciativa foi tomada por ONGs relacionadas a fé, como

a Catholic Relief Services (CRS) e o Muslim Charities Forum e obteve apoio

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internacional, inclusive a união da Organização Médicos Sem Fronteira (BARBELET,

2015).

Segundo o site ACN, A visita do Papa Francisco a Bangui, em 29 e 30 de

novembro de 2015, marcou um ponto de mudança. Apesar de muitas preocupações

de que a violência em Bangui pudesse impedir o Papa de realizar a viagem, o Papa

Francisco visitou a mesquita central do PK5, onde pronunciou uma mensagem forte

de reconciliação entre cristãos e muçulmanos. Nesse dia, cristãos e muçulmanos

voltaram a se deslocar livremente em todas as partes de Bangui e, pela primeira vez

em muitos meses, os muçulmanos puderam se deslocar livremente em todo o lado

usando o seu traje, alguns deles chegando mesmo a participar na Missa Papal final

no principal estádio de Bangui, em 30 de novembro. No dia anterior, o Papa Francisco

foi à catedral de Bangui, numa visita que antecipou a abertura oficial do Ano Santo da

Misericórdia. Foi um acontecimento com um significado extraordinário no contexto da

violência inter-religiosa que assolou o país depois de 2012 (acnuk.org, 2018).

A visita do Papa Francisco criou um momento de grande emoção para todos

os centro-africanos. Muitos deles ficaram convencidos de que a sua presença tinha

“removido a maldição” que tinha caído sobre eles nos últimos três anos. No final de

dezembro de 2015, as eleições presidenciais e legislativas ocorreram numa atmosfera

muito mais calma. Em 30 de março de 2016, o recém-eleito presidente Faustin

Archange Touadera tomou posse, inaugurando um novo período de poder legítimo

que pôs fim a três anos de transição tumultuosa.

De acordo com Lewis Mudge (2015), observador de direitos humanos e

pesquisador, existem cinco desafios-chave para o novo governo na RCA: combater a

violência, combater a impunidade, desarmar grupos rebeldes e milicianos, retornar os

refugiados e os deslocados internos e obter o apoio de doadores. Essas observações

são muito semelhantes às descobertas de esta análise de conflito. O último desafio,

obter apoio de doadores, pode ser um dos principais desafios. A falta de apoio

adequado dos doadores pode levar ao fracasso da ajuda humanitária ao país,

contribuindo para o ressurgimento da violência. A Comissão de Inquérito da ONU

também citou o apoio dos doadores como sendo crucial para as várias medidas de

justiça transicional recomendadas e restabelecer uma cultura do estado de direito, a

fim de acabar com a impunidade. A revitalização econômica é também de importância

primordial, pelo que a ajuda ao desenvolvimento por parte dos doadores será

essencial. E, claro, o apoio dos doadores é necessário para os enormes esforços de

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reconstrução para reconstruir este país destruído e para devolver os muitos refugiados

e deslocados internos (MUDGE, 2015).

O suporte com uma infraestrutura adequada, um desenvolvimento econômico

e uma educação eficiente e que alcance a todos é extremamente importante para

atuar nas causas dos conflitos e proporcionar soluções duradouras na questão dos

refugiados da RCA. Neste contexto, cresce de importância os esforços para a

reconciliação no conflito agropastoril, nas diferenças étnicas e religiosas e em outras

rivalidades no país.

Os programas das ONGs buscam o fortalecimento da infraestrutura social,

reduzindo a violência e promovendo o diálogo dentro das comunidades. Contudo os

desafios são grandes, como por exemplo a dificuldade de acesso dentro das

comunidades, impossibilitando os esforços de mediação e reconciliação. A figura a

seguir mostra a localização dos diversos órgãos de ajuda humanitária presentes na

RCA.

Figura 8: Mapa dos programas humanitários ativos na RCA.

Fonte: USAID.

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A busca de soluções mutuamente agradáveis aos lados dos conflitos tem sido

muito difícil pelos atores que atuam na RCA. A inclusão da liderança local na tomada

de decisões, a criação de pontos do governo nas regiões mais afastadas, como as

zonas rurais poderiam melhorar o resultado dos programas sociais no país.

As organizações não-governamentais, atuantes na RCA, como a Human Rights

Watch (HRW), pressionam o governo centro africano para que ative o Tribunal

Criminal Especial para o julgamento dos crimes de guerra cometidos pelos rebeldes

e pelo governo.

A RCA necessita de maior apoio para sair da situação de um dos países mais

pobres do mundo. Historicamente, sempre lutou, sem sucesso, para tentar manter o

controle político e, principalmente, econômico em todo o território nacional. Esta

comprovada incapacidade de lograr êxito sozinha e os investimentos e doações

externas não são suficientes. A insegurança atinge até mesmo os profissionais de

ajuda humanitária de entidades importantes, como a Human Rights Watch,

organização internacional de direitos humanos, sem fins lucrativos e os Médicos Sem

Fronteira (MSF), dificultando o acesso à população centro africana. Uma resposta

positiva seria o aumento de doações externas, através de novas parcerias, visto que

a problemática de insegurança conduz a enorme onda de refugiados que afeta outros

países da África e do mundo.

Atualmente, os projetos de inclusão social de refugiados através da dança,

realizado pelo governo da República Democrática do Congo (RDC) está ajudando os

refugiados centro africanos alojados naquele país. A arte dando uma oportunidade ao

cidadão de ter uma vida melhor e digna mesmo fora de seu país de origem e em uma

situação de anormalidade.

De acordo com seu site oficial, a Anistia Internacional é um grupo com atuação

global que realiza campanhas e ações com o objetivo de fiscalizar os Estados

Nacionais, para que os direitos humanos internacionais sejam respeitados e

protegidos, mantendo seu compromisso de justiça, igualdade e liberdade para todos.

O órgão, fundado em 1961, atua independente de ideologia política, sem interesses

econômicos ou religiosos, não possui vínculos com nenhum governo e sobrevive de

doações. A entidade possui mais de 7 milhões de apoiadores e atuam em cerca de

150 países. Atualmente, é responsável por grande parte das denúncias contra as

atrocidades que vem ocorrendo na RCA, contribuindo para os desafios da ajuda

humanitária.

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O Fundo Humanitário da RCA, criado em 2008, é um instrumento de

financiamento humanitário, composto por vários doadores internacionais e sob o

gerenciamento do Escritório para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (OCHA/

RCA). O órgão possui como coordenadora geral, Najat Rochdi, nomeada pela ONU e

tem como objetivo garantir a previsão de financiamentos para atender às

necessidades do país, fortalecendo o sistema de coordenação humanitária da ONU.

A partir de 2013, com o agravamento da crise, o fundo aumentou os recursos

recebidos, que já passam dos US $ 150,0 milhões desde sua criação. Por diretriz do

fundo, as contribuições dos doadores não são reveladas, mesmo assim tem atraído

novos países doadores, como a Bélgica, em 2015, o Canadá e a Alemanha, em 2016

e outros países em 2017, como a Dinamarca, a Irlanda, o Luxemburgo, os Países

Baixos, a Noruega, a Suécia e o Reino Unido. O fundo é um dos principais

financiadores das ONGs que atuam dentro da RCA.

O Programa Alimentar Mundial (World Food Programme – WFP) foi

estabelecido pelo FAO e pela Assembleia Geral da ONU, na década de 1960, para a

ajuda alimentar nos países necessitados. Segundo seu site oficial, esta agência, que

possui sua sede em Roma, fornece alimentos a cerca de 90 milhões de pessoas, ao

redor do mundo. David Beasley é o diretor executivo atual do programa, que tem como

objetivo combater a desnutrição e erradicar a fome no mundo. O WFP vem exercendo

papel importante no continente africano auxiliando os refugiados e os deslocados

internos, bem como, desenvolvendo a capacidade de auto sustentabilidade das

populações afetadas, possibilitando a melhoria de técnicas para o plantio e o cultivo

de seus próprios alimentos.

O programa conta com doações de governos, de empresas nacionais e de

doadores anônimos, com foco nas mulheres e crianças, buscando erradicar a fome

infantil. Na RCA, o programa presta assistência alimentar e nutricional de emergência

às comunidades acometidas pelos conflitos, contando com a colaboração de outras

organizações humanitárias, como o ACNUR e a UNICEF. Além disso, o WFP distribui

alimentos nas escolas sob o domínio dos rebeldes, auxilia na vacinação, no

treinamento do pessoal especializado em saúde e na melhoria do tratamento de água

e do saneamento básico do país.

Ainda segundo o site, os pequenos agricultores também são favorecidos pelo

Programa Alimentar Mundial. Eles recebem recursos financeiros e assistência técnica

para melhorar a produtividade e a segurança alimentar, visando a se fortalecer frente

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a crises futuras. As refeições escolares e os alimentos dos programas nacionais de

distribuição são adquiridos destes pequenos agricultores, dando oportunidade de

melhorar a renda e conquistar a independência futura, além de amenizar a dificuldade

da ajuda humanitária devido às longas distâncias, a infraestrutura nacional precária,

a insegurança pelos conflitos e o transporte aéreo deficiente.

De acordo com Beasley, há uma necessidade urgente de abrigo, comida, água

potável, saúde, educação e cuidados para as crianças da RCA. Todavia, a distribuição

de alimentos enfrenta grande dificuldade devido aos constantes ataques aos

profissionais humanitários dentro do território da RCA, tornando-se um desafio

importante para o país (BEASLEY, 2018).

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), fundado em 1876, por Jean

Henri Dunant, é um órgão humanitário independente com a missão principal de

proteger as vítimas de guerras e de outras situações de violência no mundo. Com

sede em Genebra, na Suíça, mantém o princípio da neutralidade no relacionamento

com os países apoiados, não se envolvendo nas questões políticas e militares.

As principais atividades do comitê são a busca de pessoas desaparecidas, o

fornecimento de água, de alimentos e de assistência médica aos civis afetados. Busca

também, a difusão e o zelo pelo Direito Internacional Humanitário (DIH), evitando sua

violação, agindo de forma preventiva, para levar a ajuda humanitária nas diversas

comunidades espalhadas pelo mundo, buscando superar os desafios do auxílio aos

necessitados.

Na RCA, o CICV atua na assistência à população, principalmente, após a

intensificação dos conflitos, em 2013. Além do mais, contribui com os projetos de

apoio à sobrevivência, como a reparação das redes de abastecimento de água e de

esgoto em diversas cidades do país. De acordo com seu site, o comitê iniciou sua

atuação em 1983 no país e com presença permanente desde 2007. Neste período,

ajudou, com o apoio da Cruz Vermelha Centro-Africana, a reunião de famílias

separadas pelo conflito, bem como no tratamento e realização de cirurgias no Hospital

Comunitário de Bangui e no Hospital Municipal de Kaga Bandoro e também em locais

dos mais remotos do país. Infelizmente, em junho deste ano, grupos armados

invadiram o Hospital Regional de Bambari e ameaçaram médicos e pacientes, ferindo

a Resolução do Conselho de Segurança da ONU, quanto ao respeito pela

inviolabilidade da assistência à saúde, demonstrando a gravidade da atuação na RCA

e a ineficiência das autoridades locais.

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O Fundo Fiduciário Bêkou da União Europeia (EU), criado em 2014, tem como

objetivo apoiar a recuperação e interligar as ações de emergência, superação e

desenvolvimento da RCA. É o primeiro fundo gerido pela EU no país e busca superar

os desafios da ajuda humanitária, prestando auxílio a um dos países menos

desenvolvidos do mundo. Porém, necessita, ainda, melhorar a coordenação entra as

duas partes, a relação custo-eficácia dos procedimentos e os mecanismos de

acompanhamento e de avaliação. Atualmente, conta com doações de cerca de 136

milhões de euros, em que pese, estas doações não terem destinação específica, os

projetos na área da saúde, da reabilitação urbana, da segurança alimentar, dos

refugiados e da violência de gênero tiveram sucesso, beneficiando mais de quinhentos

mil cidadãos centro africanos.

Dentre os beneficiados estão os agricultores, com o recebimento de sementes

e ferramentas, as mulheres com instruções sobre a violência de gênero, a

infraestrutura pública com a reconstrução dos bairros pobres e violentos da capital

Bangui e os hospitais com vacinas e pequenas cirurgias. O fundo assegura grande

visibilidade para a EU além de melhorar as condições sociais e econômicas de grande

parte da população da RCA, garantindo o acesso aos serviços básicos de saúde e

aumentando a influência europeia na região.

O site do ACNUR citou a manifestação de mais de 50 prefeitos de cidades ao

redor do mundo, como Amsterdã, Barcelona, Berlim, Los Angeles, Manchester,

Cidade do México, Nova York, São Paulo e Sydney que estão se unindo para acolher

e incluir os refugiados em suas comunidades. A iniciativa Cities With Refugees,

cidades com Refugiados, salienta a importância de as cidades assumirem o

acolhimento dos refugiados espalhados pelo mundo. O Alto Comissário da ONU para

Refugiados, Filippo Grandi, afirmou, este ano, que o Dia Internacional da Mulher

aconteceu no contexto de um poderoso movimento global pelo direito das mulheres,

buscando igualdade e justiça para os casos de abusos de gênero (acnur.org, 2018).

Em suas palavras Grandi (2018) disse que:

No ACNUR, realizamos trabalhos concretos para avançar nesses

objetivos. Na República Centro-Africana, três centros estão agora ajudando mulheres deslocadas a melhorar suas habilidades de leitura, a abordar a violência sexual e de gênero, a se sustentarem e sustentarem suas famílias. Acreditamos que temos uma profunda responsabilidade em garantir que as diferentes vozes de mulheres e meninas sejam ouvidas e refletidas em cada passo, em todos os aspectos do nosso trabalho (GRANDI, 2018).

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Os desafios para a RCA são muitos e necessitam de tempo para se tornarem

realidade. As maiores necessidades da população centro africana são um suporte

adequado que possibilite o retorno, o reassentamento e a integração dos refugiados

e deslocados internos do país. Para isso, deve-se buscar a maior cobertura dos

serviços essenciais, com os meios de subsistência e um sistema de proteção

comunitário suficientes, fortalecendo a coesão social.

Os grupos mais vulneráveis, como as mulheres e crianças, necessitam de

ajuda específica, como a inclusão familiar em sua comunidade de origem, apoio

psicológico, acesso à cuidados preventivos e curativos, principalmente para as

mulheres grávidas e lactantes, apoio aos portadores de doenças crônicas

transmissíveis ou não e pessoas com transtornos mentais.

O analfabetismo das mulheres na RCA é muito alto, tornando um grande

desafio sua erradicação. A exclusão ou pausa nos estudos se devem a violência

sexual e os casamentos precoces, com riscos de gravidez involuntária, que se

intensificam com o aumento dos conflitos.

As crianças também são um desafio importante na RCA, elas ficam expostas

aos riscos referentes ao recrutamento por grupos armados, separando-os de suas

famílias precocemente e expondo ainda mais aos riscos da violência generalizada no

país. Em 2017, um grupo de crianças Peulh foi capturado e escravizado por grupos

armados, outras crianças foram acusadas de feitiçaria, ou obrigadas a casar-se ou até

mesmo ter seus órgãos genitais mutilados, essas práticas são o reflexo da perda do

papel de proteção do Estado. A mortalidade entre as crianças menores de 5 anos se

devem, principalmente, à malária, às infecções respiratórias agudas, às doenças

diarreicas, aos traumas físicos e à desnutrição.

Outro desafio relevante é o acesso à informação humanitária. As instituições

de ajuda humanitária carecem de dados suficientes sobre as regiões afetadas pelos

conflitos, como a idade, o sexo, o efetivo exato e as vulnerabilidades dos refugiados,

dificultando o apoio em saúde, segurança e bem-estar da população. Estes aspectos

são agravados pela ausência do Estado na maior parte do território da RCA, expondo

a população e abrindo caminho para os grupos rebeldes exercerem o papel da

segurança em suas comunidades.

A falta de um sistema de gestão de resíduos e de águas residuais trás riscos

para a saúde da população, tornando-se um desafio importante para as autoridades

locais. Com isso, as áreas com alta concentração de deslocados são mais vulneráveis

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as doenças, além do que, a falta de saneamento e a deposição dos resíduos sólidos

a céu aberto aumenta o risco de contaminação do lençol freático, agravando ainda

mais a problemática no país.

Os desafios para a RCA e para os atores presentes no país são diversos. De

acordo com o especialista em relações internacionais, Robert Muggah, em seu artigo

de agosto de 2018, sobre a paz na RCA, é muito difícil para a ONU pacificar a

República Centro-Africana. O autor diz que a violência neste país é provocada por

uma mescla crescente de sentimentos legítimos de injustiça política com um

oportunismo econômico mascarado. O conflito na RCA é comprovadamente

prolongado e de baixa intensidade, com o envolvimento de diversos grupos na disputa

pelos lucros e pelo poder (MUGGAH, 2018).

Para Muggah (2018), a situação é complicada de resolver pela dificuldade de

separar os civis dos combatentes e também, pela participação de grupos armados de

países vizinhos como o Chade. O autor lembra que desde que o país alcançou sua

independência, em 1960, já teve cerca de 12 missões de manutenção de paz.

Atualmente, a MINUSCA é a maior delas com mais de 14 mil militares, com um

mandato para proteger os civis e desmantelar os grupos armados.

Desde que iniciou a missão da MINUSCA, mais de 60 capacetes azuis já foram

mortos, conquistando a reputação de um dos mais perigosos países para as

operações humanitárias. Muggah salienta que “são atacados mais trabalhadores

humanitários por ano na RCA, do que no Afeganistão, no Iraque, na Somália ou na

Síria” (MUGGAH, 2018).

Outro ponto importante do artigo de Muggah, se refere à estimativa de mais de

cem milícias atuantes no país, várias delas atuando com autorização de

representação dos principais grupos Ex-Seleka e Anti-balaka, visando lucros

financeiros. Afirma ainda, que o Ex-Seleka lucra cerca de sete milhões de dólares,

anualmente, com taxas de passagens ilegais aplicadas aos pastores e caminhoneiros.

Para finalizar sua análise, Muggah (2018) salienta que a RCA está no epicentro

de uma rede regional de contrabando de diamantes, ouro, urânio, armas gado e

madeira e que a instabilidade do país se torna um paraíso para os grupos rebeldes e

comerciantes ilegais.

Até a década de 1990, a ONU não dispunha de um sistema de coordenação

para a ajuda humanitária, isso veio e ocorrer em 1992, com a criação do Departamento

de Assuntos Humanitários, que foi transformado no Escritório das Nações Unidas para

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os Assuntos Humanitários (OCHA), em 1998. Este órgão passou a coordenar os

atores operacionais durante as tragédias humanitárias, ou seja, as agências

especializadas, os fundos e programas da ONU e as Organizações não

Governamentais (ONG). O OCHA defende que a assistência humanitária abarca três

fases: a fase da emergência propriamente dita; a fase da reabilitação das

infraestruturas básicas do país, após o término do conflito armado; e a última fase é a

do desenvolvimento do país. Esta visão é direcionada para a eficácia do auxílio e na

coordenação de todos os atores, facilitando o trabalho dos diversos órgãos

envolvidos.

Em resumo, neste capítulo ficou evidente a grande importância dos diversos

órgãos da Comunidade Internacional para o processo de recuperação da RCA. O

papel dessas instituições se torna cada vez mais difícil, devido ao agravamento dos

conflitos dentro do país, o que faz aumentar, ainda mais, os desafios para atingir a

esperada solução duradoura e a paz para toda a região.

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7. CONCLUSÃO

A República Centro-Africana é um país sem litoral, localizado no coração da

África, dividindo a África cristã ao Sul da África islâmica ao Norte. Funciona como

corredor humanitário entre a África Ocidental e a Oriental e pode ser considerada peça

chave da geopolítica mundial dos refugiados, pela presença em seu território e sua

ligação com grupos terroristas perigosos como o Boko Haram e o Exército de

Resistência do Senhor (LRA). O breve estudo da geopolítica da RCA verificou-se que este país tem uma longa

história de violência partindo de uma trajetória turbulenta que antecede o conflito

armado que eclodiu em 2013. Para compreender melhor as raízes históricas e as

causas dos seus conflitos é necessário o estudo eficaz de todas as características

deste país, bem como as operações de paz antigas e recentes e as ações de ajuda

humanitária oferecidas pelos órgãos internacionais.

As Operações de Paz têm como tarefas ajudar a instituir governos, monitorar o

cumprimento dos direitos humanos, assegurar as reformas setoriais e até o

desarmamento, a desmobilização e a reintegração de ex-combatentes. O fracasso

das missões de paz, como a Sangaris (França) e atualmente a MINUSCA é agravado

pelos recentes ataques a militares da missão de paz e a agentes humanitários,

exacerbando a crise humanitária na RCA.

Neste sentido, a RCA pode ser considerada como um laboratório de aplicação

de missões e ajudas humanitárias. As operações de paz no país carecem de uma

estratégia política clara e de uma compreensão precisa da situação, bem como do

envolvimento sustentado necessário de atores regionais e internacionais. O fim da

violência e a garantia de estabilidade ainda são objetivos difíceis de serem

alcançados, apesar dos esforços dos diversos apoiadores.

No período da Guerra Fria, a bipolaridade entre as duas potências da época,

EUA e URSS, caracterizaram-se pela disputa por influência sobre as diversas nações

africanas. Com o colapso da URSS, em 1991, ocorreu um aumento da violência no

continente africano decorrente da total impunidade sobre as atrocidades cometidas

por lideranças tribais. Em 1993, o processo de democratização no Burundi foi anulado

pela guerra civil que assolou por anos o país. Em 1994, um genocídio acometeu

Ruanda, trazendo meses de extrema violência entre os tutsis e hutus. Os próximos

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anos foram marcados por conflitos em diversos países do continente africano,

especialmente na República Centro-Africana.

Desta maneira, fica explícito que a década de 1990 foi marcada pela grande

instabilidade e pelo surgimento de diversos Estados Fracassados, com destaque para

os países da África Central, como a própria República Centro-Africana, impedindo a

consolidação da democratização na região e gerando um caos difícil de controlar.

Em síntese, verifica-se que os Estados fracassados, pelo fato de terem suas

instituições degradadas e sem controle estatal, são uma ameaça tanto ao sistema

internacional, pela insegurança e pela instabilidade entre as nações, quanto para a

sua própria população, uma vez que ficam impossibilitados de recorrerem a um

governo corrupto e ineficiente. Estes aspectos agravam os impactos para a

população, trazendo muitas consequências, dentre elas o aumento de refugiados e

de deslocados internos, além de estimular o surgimento e o fortalecimento de grupos

rebeldes, aumentando os conflitos no país.

Na presente análise é possível constatar que a segurança dos cidadãos da

RCA é inevitavelmente fragilizada, pois o poder judiciário quase não existe e as forças

policiais estão presentes apenas na capital Bangui, dificultando a assistência nas

áreas rurais e impactando a maior parte da população do país. Além disso, qualquer

pequeno incidente é usado pelos protagonistas do conflito para exacerbar uma crise

ainda mais violenta e generalizada.

De acordo com Laura Mcgrew, uma das causas mais importantes do conflito

está relacionada com a falha dos serviços do Estado, principalmente nas áreas rurais

e periféricas. Este lapso pode ser atribuído a sua história colonial, marcado por

disputas políticas e estagnação econômica, resultando na aplicação seletiva dos

serviços sociais baseados na etnia, na religião e na lealdade política. A falta de

segurança, a corrupção, a precária infraestrutura de transporte e de comunicação e o

incipiente serviço básico oferecido pelo Estado se tornam um componente central na

dinâmica geopolítica do país. (MCGREW, 2016)

A República Centro Africana revela a fraqueza dos exércitos regionais

africanos, sem mobilidade e sem clareza de comando. Com a ausência do controle

territorial os conflitos se espalham rapidamente. As suas fronteiras extensas e porosas

facilitam a entrada de diversos grupos ilegais externos, aumentando a anarquia dentro

do país.

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À primeira vista, os objetivos futuros da Comunidade Internacional deverão

impedir que a RCA se torne um refúgio seguro ou uma zona de recrutamento para

grupos rebeldes e redes terroristas que possam desestabilizar ainda mais uma parte

já volátil da África, isso se agrava pelo caráter transnacional e transfronteiriço da crise

no país. Essas dinâmicas interligadas exigem uma resposta internacional integrada e

de longo prazo, com uma visão comum para esta região.

Uma saída importante seria o investimento em larga escala no

desenvolvimento sustentável e a regulação transparente dos recursos naturais, como

o petróleo, o urânio e os diamantes, cruciais para interromper as receitas que

financiam as atividades ilegais dos grupos armados e dos governos corruptos,

contribuindo para a estabilidade da região. O retorno dos refugiados para a RCA é um dos maiores desafios para os órgãos

de ajuda humanitária. Porém, esse retorno pode causar alguns problemas e necessita

ser muito bem planejado. Embora o retorno total dos refugiados e deslocados internos

ainda não esteja previsto, os retornos parciais futuros, sem dúvida, criarão riscos

generalizados de conflito. Como a propriedade e a terra (agricultura, residencial e

negócios) foram destruídas em um nível massivo, investimentos significativos terão

que ser feitos para restaurar o abrigo e os meios de subsistência aos retornados. As

necessidades de reabilitação são extremamente visíveis em muitas regiões.

Desta forma, a falta de confiança da população com os órgãos oficiais é um

grande obstáculo à coesão social, e serão necessários processos longos e profundos

para superar as diferenças do passado. Duas questões principais precisam ser

tratadas imediatamente: primeiro, a insegurança e, em segundo lugar, a composição

do governo em todos os níveis. Os investimentos precisam ser ampliados e

aprofundados, em busca da coesão de todo o país.

Outro ponto importante é que a RCA historicamente nunca foi capaz de

estender completamente a autoridade do Estado em todo o seu território. O legado

colonial francês resultou em estruturas estatais fracas, especialmente, nas áreas

rurais. Nesse vácuo de poder surgiram sistemas discriminatórios e que criam

desigualdade econômica e política, muitas vezes divididos pela etnia, pela família ou

por laços religiosos. O mau funcionamento das instituições estatais levou a outros

padrões sociais negativos, incluindo o nepotismo, o regionalismo, o tribalismo,

aumentando a insegurança e a impunidade. Os efeitos do conflito continuado também

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levaram a novos problemas, incluindo o desemprego generalizado e a separação da

sociedade, que antes viviam em relativa harmonia.

Desta forma, verifica-se que a crônica ausência de competência do Estado e a

presença dos grupos rebeldes, principalmente, na região fronteiriça com o Chade, o

Sudão do Sul e a República Democrática do Congo dificultam as ações de paz e de

ajuda humanitária, tornando-se um importante desafio para estas instituições.

Outro fator importante é que a RCA é cortada pela fronteira entre a África

muçulmana e a África cristã, no terço Nordeste do país, aumentando o caráter sectário

da crise. Neste sentido, o desafio seria a busca do entendimento entre as partes, com

a designação da área de responsabilidade de cada grupo religioso, visando a

produção conjunta para o desenvolvimento do país.

Os Estados Fracassados são ambientes propícios para o surgimento de novos

atores não estatais, como por exemplo os terroristas, que se aproveitam da

instabilidade do país para recrutar mais adeptos para as suas organizações. Neste

sentido, aumenta de importância o papel da Comunidade Internacional, buscando

melhorar a organização do Estado para melhorar a tomada de decisões pelo governo

atual.

O abandono ao longo de décadas deixou a RCA na periferia dos interesses

internacionais, facilitando o surgimento e fortalecimento de grupos rebeldes e

terroristas. Os conflitos prolongados e de difícil resolução, de uma maneira geral são

alimentados por rivalidades duradouras, ocorrendo um choque de interesses entre as

principais comunidades do país. Isso explica a dificuldade das ações da ONU e de

outros órgãos oficiais em eliminar a beligerância e trazer a paz para a população.

A diminuição da produção agrícola, a perturbação do mercado e o limitado

poder de compra das famílias contribuem para o aumento do número de pessoas com

insegurança alimentar em áreas afetadas por conflitos, dificultando o socorro pela

comunidade internacional e aumentando os desafios da ajuda humanitária em fazer

chegar os alimentos e medicamentos para os necessitados.

Por outro lado, verificou-se que apesar da fragilidade contínua do país, houve

avanços positivos, como a implementação do Plano Nacional de Recuperação e

Consolidação da Paz 2017-2021, pelo atual governo. Alguns esforços também estão

em andamento para coordenar a implantação básica de forças de segurança interna

e de provedores de serviços sociais básicos, a fim de reforçar o contrato social entre

a população e o Estado. A ajuda dos estados reconhecendo o caráter social e

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humanitário do problema dos refugiados, buscando fazer tudo o que esteja ao seu

alcance para evitar que esse problema se torne causa de tensão entre os Estados,

também vem reforçar o auxílio para a RCA.

Conclui-se, portanto, que as pessoas afetadas precisam de proteção imediata

e adequada, bem como de assistência emergencial para suprir suas necessidades

básicas e salvar suas vidas, mantendo a segurança e a dignidade. A presença

prolongada de deslocados internos nas comunidades anfitriãs afetam a recuperação

e o desenvolvimento dessas comunidades e aumentam a dependência da assistência

humanitária para todas as pessoas afetadas. Muitos refugiados e deslocados internos

perderam seus documentos oficiais, necessários para a sua identificação. Os

mecanismos locais e internacionais de justiça e governança precisarão administrar os

conflitos que surjam sobre os direitos de propriedade (comerciais e residenciais) e o

acesso aos mercados, vitais para o funcionamento de uma sociedade.

Em todo o caso, as medidas devem ser tomadas para proteger os civis através

de um sistema judicial fortalecido, com esforços para combater a impunidade que

assola o país, investigando e processando os casos de abusos, incluindo a violência

sexual e os crimes contra as crianças. A proteção deve ser dada também aos países

que recebem os refugiados, pois o asilo oferecido pode trazer encargos importantes

e necessidades específicas.

Por fim, entende-se que todos os aspectos mostrados anteriormente podem

estar longe de erradicar as causas profundas do conflito. O caso da RCA é muito mais

complexo do que se imagina, comprovado pelos constantes ataques a agentes

oficiais, em missão no país. A tropa empenhada na busca pela paz tem que estar em

constante preparo, procurando sempre aumentar sua capacidade e eficiência de

atuação. A análise geopolítica deste país mostra a gravidade da situação da zona

central do continente africano e, na medida que descortina este cenário de caos

iminente, contribui para uma possível solução que coloque o centro africano no rumo

do desenvolvimento e da paz.

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