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ESTÉTICA E INDÚSTRIA CULTURAL EM ADORNO

Dilmar Santos de Miranda'

RESUMO

o artigo analisa um dos aspectos mais rele-vantes da Teoria Crítica (desenvolvida por integran-tes da chamada Escola de Frankfurt) procurandoestabelecer uma estreita ligação entre a estética deTheodor Adorno e sua acirrada crítica 'a indústriacultural, termo por ele criado, juntamente com MaxHorkheimer, na obra Dialética do Esclarecimento.

RESUMÉE

L 'auteur établie une étroite liaison entre Iathéorie esthétique de Theodor Adorno, essentielmentauprês de Ia cathégorie de médiation, três precieusepour lui, et sa critique radicale par rapport auxproduits de I 'industrie culturele, expression crée parAdorno et Max Horkheimer, dans leur livre"Dialektik der Aufklãrung".

I Professor Assistente do Departamento de Ciências Sociais e Filo-sofia da UFC cursando, atualmente, o doutorado em Sociologia daUSP, na área de concentração de Sociologia da música.O texto-resumo sobre a indústria cultural (Adorno, 1986, Gran-des Cientistas Sociais, organizada por Gabriel Cohn), base desteartigo, é fruto das conferências radiofonizadas, proferidas porAdorno na Alemanha, em 1962. Muitas de suas concepçõescriticas, que seriam posteriormente tematizadas de forma maisaprofundada na Dia/ética do Esclarecimento, já se encontravamantecipadas em ensaios sobre o panorama musical de sua época,escritos na década de 30, sobretudo no "Über Jazz" (Sobre oJazz) de 1936/37 e o famoso Fetichismo na Música e a RegressãonaAudição, de 1938, em resposta ao não menos famoso ensaio AObra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução, de WalterBenjamim.

INTRODUÇÃO

A reflexão feita pela Teoria Crítica sobre a in-dústria cultural I, especialmente a de Adorno, insere-e-se no solo da análise da decadência da cultura da

sociedade burguesa, na era do capitalismo mono-polista tardio, conforme a formulação dos própriosfrankfurteanos. A concepção de arte autêntica, tãovaliosa para os frankfurteanos, como promesse debonheur-, num mundo administrado pela raciona-lidade instrumental, constitui-se num contrapontoinseparável para a análise realizada por Adorno so-bre a indústria cultural, com vistas a uma compreen-são mais adequada deste fenômeno.

A expressão indústria cultural foi cunhada porAdorno e Horkheimer em A Dialética do Esclareci-mento, de 1947. Recusando estabelecer um sinal deigualdade entre cultura de massa, expressão já emvoga, e democratização da cultura, Adorno expressadecididamente sua descrença no aspecto popular eespontâneo que a expressão cultura de massa pode-ria aludir. No limite, não é cultura, nem vem das mas-sas. Para Adorno, a noção de massa, por múltiplasrazões, é ideologia. A indústria cultural nos provê deuma cultura reificada, sem espontaneidade. "A indús-tria cultural é a integração deliberada, a partir do alto,de seus consumidores" (ADORNO, 1986:92). A tra-

2 Para os frankfurteanos, a arte autêntica representa a derradeiratrincheira das aspirações humanas por um novo tipo de sociedade."A arte, desde que se tornou autônoma, conservou a utopia que areligião não mais portava" (Horkheimer, apud Jay, 1977 :211). "Aarte, para utilizar uma fórmula de Stendhal que o Instituto gosta-va especialmente de citar, oferece une promesse de bonheur "'.(Jay, 1977:211). A expressão também era do agrado de Niestzche,para se opor à gratuidade da concepção kantiana de arte, que via obelo objeto de um desejo desinteressado (Cfr. Jay, op. cit.: 368,nota n" 33).

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dicional distinção entre arte superior e inferior se dissolvenum novo estilo unificado, para atender a um possívelgosto médio, um sistema de "não-cultura", uma espéciede "barbárie estilizada", na expressão de Nietzsche, àqual os autores da Dialética do Esclarecimento aderem(ADORNOIHORKHEIMER, 1991:121).

Essa nova estilização compulsória, ao desejar aintegração vertical, obedece à racional idade tecnológicada concentração econômica e administrativa do grandecapital. A indústria cultural traz no seu bojo as marcastípicas do mundo industrial moderno.

"[...] o terreno no qual a técnica con-quista seu poder sobre a sociedade é opoder que os economicamente mais for-tes exercem sobre a sociedade. Aracionalidade técnica hoje é a racio-nalidade da própria dominação [...]. Osautomóveis, as bombas e o cinema man-tém coeso o todo.. Por enquanto, a téc-nica da indústria cultural levou apenasà padronização e à produção em série,sacrificando o que jazia a diferença[alteridade negativa] entre a lógica daobra [código interno da obra de arte]e a do sistema social [lógica externa]"(ADORNOIHORKHEIMER, 1991 :114).

Ao adaptar seus produtos "culturais" ao consu-mo das massas, determinada pela lógica do mercado, aindústria provoca perdas, tanto nas formas culturais su-periores quanto inferiores. Na arte superior, perde-se aseriedade, na inferior sua rudeza espontânea que resis-te ao controle social. Na sociedade administrada, a men-sagem implícita de uma arte autônoma autêntica, outroraprotesto, nada mais é do que conformismo e resigna-ção. A arte, como expressão da negatividade do exis-tente, como promesse de bonheur, espécie de utopiaestética, a ser realizada numa sociedade "outra", torna-se consolo. A música popular, expressão da autentici-dade do Volkgeist (espírito de um povo), é destruída porum processo que faz dela, como de resto de toda artepopular, objeto de manipulação e difusão impostas porcima. Em certa medida, elementos culturais autênticose espontâneos do Volkgeist, travestem-se em culturavõlkisch, muito comum nas sociedades totalitárias, ondevelhas formas e hábitos culturais são reacionariamenterecuperados e reciclados para atender novas necessi-dades da racionalidade instrumentalizadora.

Ao eleger o primado do efeito, como caracterís-tica fundamental e imediata das mercadorias culturais,

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isto é, O princípio de seu valor de troca e não o do seupróprio conteúdo e de sua figuração adequada, os pro-motores da indústria cultural abolem um atributo essenci-al da arte autêntica - sua autonomia. Na verdade, umaautonomia pura na arte, nem o próprio Adorno admitia.

No "milagre estético" da Grécia antiga, predomi-nava um princípio utilitário na concepção da arte entreos clássicos. A teoria geral da arte na filosofia da épo-ca, encontrava subordinada à sua teoria sobre a técnicaenquanto manufatura. Segundo Sócrates, es bello 10que es útil y no /0 es más que en cuanto útil. (apudBAYER, 1993 :32). Platão, no Hippias Maior, propõe adefinição de beleza como "eficácia para algum bom pro-pósito" (apudOSBORNE, 1993:31). A tragédia desem-penhava função social fundamental, na educação docidadão livre da e para a pólis. Na verdade, o idealgrego do kalon kai agathon, belo e bom, apontava paraa primazia do belo da bios theoretikos, da vidacontemplativa e da práxis, do fazer ético. Num planoderradeiro, encontra a-se o belo utilitário, inferior porestar preso ao mundo sensível das coisas. "Para os gre-gos do 50 século, a fórmula /'art pour l'art teria sidomonstruosa ou simplesmente ininteligível" (SIKES, apudORBORNE, 1993 :31). A idéia contemporânea de artecomo "expressão" sensí el da pulsão criativa do artistaseria igualmente estranha à mentalidade clássica grega.

Na idade média, a grosso modo, a manifestaçãoartística expressa na música, pintura e escultura, alémde sua subsunção total à religião romana, enquanto for-ma e fundo, desempenhou papel crucial na propagaçãoe educação da fé cristã.

É na modernidade renascentista que a arte en-ceta sua trajetória rumo à autonomia e que terá seuapogeu no século XVIII, com a concepção de BeauxArts, ao se consumar o divórcio entre o artista e osartífices e oficiais, nos campos utilitários. Aliada à con-cepção de belas artes, desenvolveu-se a concepçãode prazer estético, ou seja, a sensação de gozo estéti-co na fruição da obra de arte, num clima de interioridadecontemplativa.

Para ADORNO, é na fase do capitalismo liberalque a arte, no horizonte do projeto civilizatório da Ilus-tração visando ao processo de autonomização dos ho-mens, aí também incluindo a Aufklãrung estética,constitui-se como promessa de autonomia, o que lhe éfrustrado com o advento da racionalidade do mundoinstrumentalizado. Antes, até a perda total de sua auto-nomia, a arte poderia ser secundariamente mercadoria,ao preservar o primado do seu valor-de-uso. Agora, osprodutos da indústria cultural são integralmente merca-dorias - é o império do seu valor-de-troca.

Adorno faz um julgamento mais nuançado sobrea indústria cultural, ao alertar que "não se deve tomarliteralmente o termo indústria" (ADORNO, 1986:94).O termo, de preferência, deve ser aplicado à estandar-dização do produto (característica por diversas vezesreiterada em outros ensaios) e à racionalização das téc-nicas de distribuição. Quanto ao processo de produção,por exemplo, no cinema, ao mesmo tempo que se pre-sencia procedimentos avançados de uma divisão técni-ca do trabalho, da introdução de máquinas e da separaçãodos trabalhadores dos meios de produção (configuran-do assim conflitos de classe típicos da sociedade bur-guesa moderna), conservam-se também formas deprodução artesanal, característica do período pré-bur-guês ou burguês liberal da produção artística autônoma.Com isso configura-se uma falsa idéia da existência deuma subjetividade individual criadora e mediatizadorana confecção do produto cultural, refúgio do imediatismoda vida. Essa ambivalência presente na indústria cultu-ral - estandardização x individuação (de preferênciapseudo-individuação, segundo ADORNO), desempenha,portanto, importante jogo ideológico, onde o estandar-dizado e o coisificado aparenta ser produto de umacriatividade individualizada. Tal mecanismo é reforçadopelo uso constante do star system. "Essa ideologia apelasobretudo para o sistema de 'estrelas' emprestado daarte individualista e da sua exploração comercial"(ADORNO, 1986:94). Essa ambivalência é tambémtematizada por MORIN (1984), no seu livro A Culturade Massa no Século XX - o espírito do tempo.

A compreensão mais adequada das críticasmais radicais que ADORNO dirige aos produtos daindústria cultural, exige uma reflexão mais acuradado seu conceito de mediação, categoria-chave na suateoria estética.

"O que eu, na Introdução à Sociologiada Música chamei de 'mediação' nãoé, como Silbermann3 supõe, o mesmoque 'comunicação ', ... De acordo com[o sentido hegeliano do conceito), amediação está na própria coisa [grifonosso), não sendo algo que seja acres-cido entre a coisa e aquelas às quaisela é aproximada ... algo que não se li-mita a perguntar como a arte se situana sociedade, como nela atua, mas que

3Alfons Silbermann, com quem polemizou sobre questões te6ri-co-metodológicas que, a seu ver, devem orientar pesquisas daSociologia da arte e damúsica.

queira reconhecer como a sociedade seobjetiva nas obras de arte" (ADORNO,1986:114).

Na introdução do livro da coletânea Grandes Ci-entistas Sociais dedicada a ADORNO, Gabriel COHN(1986:20) reafirma a central idade que o conceito demediação desfruta na estética adorniana: "Há media-ção da sociedade na obra de arte. Vale dizer, compo-nentes fundamentais do processo histórico-social nointerior do qual a obra é produzida estão incorporadosnela, naforma da obra".

Numa passagem da Teoria Estética, ADORNOé bastante enfático:

Os antagonismos não resolvidos da re-alidade retomam às obras de arte comoos problemas imanentes da sua forma.É isto, e não a trama dos momentosobjetivos, que define a relação da arteà sociedade. As relações de tensão nasobras de arte cristalizam-se unicamentenestas e através da sua emancipação arespeito da fachada fática do exterior,atingem a essência real (ADORNO,1988:16).

Esta é a chave-mestra para a compreensão donúcleo central da estética adorniana e de sua críticacultural. Adorno estabelece uma relação mediata entrea arte e a realidade histórico-social onde foi engendra-da. Como forma sensível particular, a arte autêntica eautônoma não é mero reflexo reiterativo das condiçõesextra-estéticas inscritas na realidade social que a possi-bilitou. Enquanto forma particular, diferencia do todo,para negá-lo. Não negação formal, mas determinada,segundo expressão do próprio autor (Cfr. ADORNO,1988:51).

A alteridade negativa da obra de arte se carac-teriza pela sua figuração como objeto sensível que, paraser percebido esteticamente, tem que negar uma reali-dade anterior. Essa alteridade também caracteriza a obrade arte no processo histórico de sua constituição e desua apreciação, na medida em que, ao superar os limi-tes da expectativa de uma tradição, ela rompe com asnormas sociais existentes. A arte, segundo ADORNO,na sua trajetória rumo à autonomia, tomou parte no pro-cesso de emancipação social, configurado pela suanegatividade, sob um duplo ponto de vista: tanto em re-lação à sua realidade social que a condiciona, como emrelação à sua origem, que a tradição histórica lhe atri-

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bui. Somente quando a arte renuncia a todo servilismo,quando entra em conflito com o poder social e seu pro-longamento na cultura e nos "mores", quando se desco-la do mundo fático, considerando como o seu outro, emanifestando que o mero existente deveria ser de ou-tra forma, uma sociedade "outra", realizando assim suautopia estética de promesse de bonheur, encontramoso verdadeiro sentido social da arte".

"A arte é a antítese social da sociedade, e nãodeve imediatamente deduzir-se desta" (ADORNO,1988: 19). A arte põe, enquanto momento sensível (di-mensão de sua positividade) e expõe a realidade, aomesmo tempo, a nega pela transfiguração recriadorado real. Condicionada pelo seu tempo, e por ser suaforma sensível de expressão, objetivada em obra artísti-ca, a arte internaliza as contradições sociais externas,negando e rompendo os limites que a constrangem.

A concepção de MARCUSE guarda estreita afi-nidade com a estética adorniana:

Podemos tentar definir a forma estéti-ca' como o resultado da transformaçãode um dado conteúdo (fato atual ou his-tórico, pessoal ou social) num todo inde-pendente: um poema, peça, romance, ele.A obra é assim 'extraída' do processoconstante da realidade e assume um sig-nificado e uma verdade autônoma. { ..] Aobra de arte re-presenta assim a realida-de, ao mesmo tempo que a denuncia. { ..]A forma estética constitui a autonomia daarte relativamente ao 'dado' { ..] Formaestética, autonomia e verdade encontram-se interligadas. Constituem fenômenossociohistóricos, transcendendo cada uma arena sociohistórica. Embora esta últi-ma limite a autonomia da arte, fá-lo seminvalidar as verdades trans-histôrica» ex-pressas na obra. A verdade da arte resideno seu poder de cindir o monopólio darealidade estabelecida (i. é, dos que a es-tabeleceram para definir o que é real).Nesta ruptura, que é a realização da for-ma estética, o mundo fictício da arte apa-rece como a verdadeira realidade"(MARCUSE, 1986:21s)5.

4 É no livro póstumo Teoria Estética (1970) onde o conceito denegatividade e sua importância ganham sua mais decidida expres-são no interior da obra adomiana.

5 Os grifos são do próprio autor.

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Em síntese, na concepção frankfurteana, a arteparece provocar um processo de interversão, onde, arealidade fática que aparenta ser verdadeira, é falsa; aarte que a nega, é a verdadeira realidade. À vida falsaou "prejudicada" de que fala ADORNO na MinimaMoralia, se opõe a arte com sua promesse de bonheur,de verdade e liberdade a ser realizada numa sociedade"outra".

Reside aqui, a distinção fundamental entre a ló-gica interna da obra de arte - a mediação da negativi-dade constituidora da arte autônoma - e a lógicainterna da indústria cultural, totalmente subsumida àlógica externa do sistema social que a engendra. Osprodutos da indústria cultural possuem uma relação ime-diata e de dependência com suas condições de produ-ção e as exigências da lógica do mercado. Ao duplicarseu conteúdo social imediato, toma-se pura ideologia.Na obra de arte existe mediação negadora; na indústriacultural, não. Tal imediaticidade presentifica uma espé-cie de saturação do social nos produtos culturais, hiper-reificando-os "[ ... ] as injunções sociais [... ] estãopresentes demais, aderidos a ela [indústria cultural] di-retamente, sem passarem pelo trabalho de sua conver-são para a forma da obra" (COHN, op. cit.:20). Aimediaticidade da indústria cultural é o império dapositi idade. ada é negado. Tudo é reiterado. Ao ana-lisar o efeito da imediaticidade provocado pelo cinema,ADO~ '0 profere que

quanto maior a perfeição com que suastécnicas duplicam os objetos empiricos,mais fácil se torna hoje obter a ilusãode que o mundo exterior é o prolonga-mento sem ruptura do mundo que sedescobre no filme ( ..] o filme adestra oespectador entregue a ele para se iden-tificar imediatamente com a realidade(ADORNO,1991:118s).

A indústria cultural é parasitária, tanto no apro-veitamento das técnicas extra-artísticas, fruto do desen-volvimento das forças produtivas, sem negá-Ias no seucódigo intra-artístico, bem como pela incapacidade deapresentar um substitutivo da aura, aquela "presençade um não-presente" único de que falava WalterBENJAMIM, dela servindo-se oportunisticamente, comouma bruma em decomposição.

Qualquer motivo, seja proveniente da arte supe-rior auratizada, como uma sonata de Beethoven, seja daarte inferior, como um conto do imaginário popular, so-fre a lógica da estética da "fórmula substituindo a for-

ma", ou mesmo da "fórmula antecedendo a forma", an-tecedendo a invenção ou mesmo a própria criação doautor. Estandardização, pseudo-individuação, repetição defórmulas exitosas, eis os ingredientes da receita da lógicamercantil. Um sucesso sucede a um outro, um hit subs-titui a um outro, uma novela copia a outra, em cadeia,numa ética de consumo que absolve o plágio, visto nãomais como delito, mas como unidade estilística exigi dapela lógica do mercado. Na verdade, a receita só alcan-ça êxito repetindo os clichês estereotipados. Uma dascaracterísticas do produto de consumo é sua serventiamenos para esclarecer do que para divertir, menos paranos revelar algo de novo do que "repetir-nos o que jásabíamos, o que esperávamos ouvir e repetir e que é aúnica coisa que nos diverte" (ECO, 1993:298).

ADORNO não nega importância à indústria cul-tural, como fenômeno de peso na cultura contemporâ-nea dominante, desde que a problematize com seriedade,questionando suas qualidades, seu conteúdo de verda-de ou de ausência de verdade, a estética de suas men-sagens reprimidas, etc. "A importância da indústriacultural na economia psíquica das massas não dispensaa reflexão sobre sua legitimação objetiva, sobre seu serem si, mas, ao contrário, a isso obriga" (ADORNO,1986:96). Ao analista não cabe qualquer indulgência irô-nica ou conformismo diante do fenômeno da indústriacultural. A relevância e seriedade dos estudos sobre otema se revelam quando a análise se desloca para aesfera psicológica, para as motivações e o comporta-mento dos consumidores. Onde a indústria cultural semostra mais eficaz nos seus propósitos evasistas, é notempo livre dos consumidores. No capitalismo tardio, otempo de não-trabalho é o prolongamento do mundo dotrabalho, por outros meios. A diversão escapista ofere-cida às massas, por meios tecnológicos, para fugir doquotidiano do trabalho, as coloca novamente em condi-ções de se submeterem a ele. °desenvolvimento técni-co-científico conquistou tamanho poder sobre as massas,durante o seu tempo livre e sobre a sua felicidade, de-terminando tão completamente a fabricação dos produ-tos para o seu entretenimento, que elas não têm acessosenão a cópias e reprodução do seu próprio trabalho.Para escapar do tédio e do sofrimento do processo detrabalho, versão burguesa-tardia do destino trágico deSísifo, "na fábrica e no escritório só se pode escaparadaptando-se a ele durante o ócio" (ADORNO,1991: 128). Adeptos do princípio me engana que eugosto, "os homens caem no logro [...], desde que issolhes dê satisfação por mais fugaz que seja, como tam-bém desejam essa impostura que eles próprio entrevê-em" (ADORNO, 1986:96).

A inclusão do autor nas fileiras dos apocalípticos,conforme a antinomia conceitual de UMBERTO ECO,éjustificada pela crítica demolidora à indústria cultural,denunciando, univocamente, seu caráter ideológico con-fonnista: "As idéias de ordem que ela inculca são sem-pre as do status quo ...Através da ideologia da indústriacultural, o conformismo substitui a consciência; jamaisa ordem por ela transmitida é confrontada com o queela pretende ser ou com os reais interesses dos homens"(idem: 97).

A condição de possibilidade da existência daindústria cultural, deve-se, principalmente, ao encoraja-mento e a exploração da debilidade do eu, consubs-tanciada nos processos regressivos da consciência doshomens, expressos na infantilização dos consumidores.Para ADORNO, reside aí o sucesso maior de umasociedade totalmente administrada, onde a indústria cul-tural desempenha um papel decisivo, onde a dessubli-mação repressiva, na expressão de Marcuse, substituia sublimação da estética autêntica. A indústria culturalé a versão contemporânea do suplício de Tântalo. Pro-meter e, ao mesmo tempo, não cumprir; oferecer e,imediatamente, privar, são uma única e mesma intençãoda indústria cultural.

Eis aí o segredo da sublimação estéti-ca: apresentar a satisfação como a pro-messa rompida. A indústria cultural nãosublima, mas reprime. Expondo repeti-damente o objeto do desejo, [...], elaapenas excita o prazer preliminar nãosublimado que o hábito da renúncia hámuito mutilou e reduziu ao masoquismo...A produção em série do objeto sexualproduz automaticamente seu recalca-mento (ADORNO, 1991, p.131).

A debilidade do eu imposta pela ideologia instru-mental implica a renúncia do direito de julgar o mundo,da possibilidade de julgar °agir dos homens. A marcamaior dessa debilidade implica a perda da subjetividade.° sujeito deixa de ser a sede da articulação daquelasubjetividade, dos valores da cultura. A subjetividade,outrora autônoma, agora subsumida à racionalidade deuma sociedade instrumentalizada, toma-se heterodi-rigida. Nas palavras do próprio autor "ela [indústriacultural] impede a formação de indivíduos autônomosindependentes, capazes de julgar e de decidir conscien-temente" (ADORNO, 1986:99).° projeto civilizatório da Aufklârung, que haviaprometido uma razão emancipadora, libertando os ho-

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mens do medo e da superstição, pelo desenvolvimentotécnico-científico, se frustra. A desmitificação do pró-prio mito é o último dos mitos. O resultado daqueledesenvolvimento provoca o uso pervertido da ciênciae da técnica, com vistas à dominação e instrumen-talização das massas. Progresso científico-tecnológicotraveste-se em antiiluminismo e antidesmitificação, ouseja, " ... a dominação técnica progressiva, se trans-forma em engodo das massas, em meio de tolher a suaconsciência" (idem: 99), impossibilitando assim, a cons-trução de uma sociedade democrática, pois é sua con-dição de possibilidade iniludível, a existência de sujeitosnão tutelados, enfim, de sujeitos autônomos.

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