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Estudo do livro de Apocalipse1
Uma divisão possível...
1. Introdução: natureza do livro, tema, autoria, bem-aventurança.
2. Sete cartas + visões 2.1 Deus, em seu trono, cercado por anciãos, anjos, criaturas e pelo
Cordeiro; ruídos violentos.
2.2 Abertura dos sete selos.
2.3 Trombetas tocando.
2.4 Taças do juízo de Deus.
3. Interlúdios
3.1 Governo mundial.
3.2 Conflitos espirituais.
3.3 Céu.
3.4 Adoração.
3.5 Anjos e religião falsa.
4. Término: descrição gloriosa do céu, sem lágrimas, onde Deus é tudo em
todos.
Autoria
Há diferentes opiniões sobre a autoria do livro de Apocalipse. Alguns
estudiosos defendem que é outro João — que não o apóstolo e autor do
evangelho — o responsável pelo registro da narrativa bíblica. João Marcos;
João Batista; João, presbítero; Cerinto ou alguém que tenha usado o
1 Este estudo não é autoral. Consiste, em sua quase totalidade, na compilação de ideias dos autores citados nas referências, ao final do capítulo.
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pseudônimo “João” para dar maior credibilidade ao escrito são algumas
opiniões existentes. A rejeição da autoria de João não é nova, datando da
época dos pais da igreja, mas também não é unânime, pois vários deles
consideraram João o autor.
No segundo século, Justino Mártir escreveu em sua obra Diálogo com
Trifo que o apóstolo João havia escrito o Apocalipse. Ireneu, Tertuliano,
Clemente de Alexandria, Orígenes e Papias também afirmaram a autoria de
João.
Dionísio, Eusébio, Cirilo de Jerusalém e Crisóstomo rejeitaram a autoria
joanina. Sua principal alegação é que existem muitas diferenças entre o grego
utilizado no evangelho e o grego de Apocalipse, o qual apresenta forte
influência semítica em sua estrutura.
Aqueles que consideram João o autor justificam as diferenças existentes
no grego com o argumento de que, quando escreveu o evangelho, João era
cidadão influente em Éfeso e, por isso, pode ter contado com a ajuda de um
amanuense, o que naturalmente não foi possível na situação em que se
encontrava na ilha de Patmos. É bom lembrar que todo o Novo Testamento foi
escrito em grego e que João era judeu. Outro argumento é que a natureza das
visões pode ter contribuído para a diferença entre os registros.
Hoje, entre os evangélicos, a opinião predominante é que o apóstolo
João é o autor do livro de Apocalipse, considerando-se evidências internas e
externas, como, por exemplo: registros de que João realmente esteve exilado
na ilha de Patmos, local em que o autor do livro disse estar quando recebeu a
revelação de Deus (Ap 1.9), e o fato de que, em todo o Novo Testamento,
apenas no evangelho de João e em Apocalipse Jesus é chamado de logos.
Datação
Muitos defendem uma data de escritura do livro diferente da comumente
aceita — o reinado de Domiciano —, cogitando os seguintes períodos:
1. Imperador Cláudio: 41-54 d.C.
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2. Imperador Nero (54-68 d.C.
3. Imperador Trajano: 98-117 d.C.
No século XIX, muitos dos estudiosos estavam convencidos de que o
governo de Nero era a data mais provável para a escritura de Apocalipse, em
razão da conhecida perseguição aos cristãos.
O fato de se poder comprovar ou não a ocorrência de perseguição nos
períodos listados é importante para a datação do livro, porque duas das cartas
dirigidas às sete igrejas mencionam sofrimento e perseguição (Ap 2.8-11; 3.8-
10).
A posição prevalecente, que defende a composição do livro durante o
governo de Domiciano (81-96 d.C), encontrou defensores nos séculos II, XVIII
e XX. Ireneu, Vitorino, Eusébio, Clemente de Alexandria e Eusébio foram
alguns desses defensores.
Na época de Domiciano, foram cunhadas moedas em que o imperador é
representado como “pai dos deuses”. Nesse período (década de 90), o culto ao
imperador era bem mais desenvolvido que no governo de Nero. Ainda que não
se possa provar uma perseguição generalizada sob a liderança de Domiciano,
com certeza, os cristãos sofriam pressão diária da parte de judeus e romanos,
pois Tácito, Plínio e Suetônio, apologistas cristãos do segundo século, afirmam
que os seguidores de Jesus eram muito desprezados. Diante desses
argumentos, a datação durante o governo do imperador Domiciano tem sido a
mais aceita, embora não se possa ter certeza.
Linhas de interpretação
Preterista: tudo que Apocalipse registra se refere à época em que foi escrito e
nela teve total cumprimento. A narrativa mostra como Deus livraria os cristãos
de seus opressores, registra a queda do Império Romano, a existência de
conflito entre a igreja e o Estado e estimula a fidelidade a Deus em
contraposição ao mundo pagão. Para os defensores dessa teoria, na época da
escritura do livro, havia pouca perseguição; o que existia era uma sensação de
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crise, e não uma crise real. A escatologia do livro seria, na verdade, uma
reinterpretação do presente, e não uma linha de tempo para o futuro. A data de
composição do livro, em razão de alguns desses argumentos, seria anterior a
70 d.C., pois acreditam que profetiza a queda de Jerusalém, sendo a batalha
de Armagedom o cerco à Cidade Santa.
Futurista: a partir do capítulo 4, a narrativa do livro trata dos tempos do fim,
aquilo que ainda está por vir, os acontecimentos que marcarão o fim da história
do homem na terra.
Historicista: interpretação proposta por Joaquim de Fiori, no século XII, para
quem o conteúdo de Apocalipse engloba a história da igreja na terra, bem
como se refere a acontecimentos históricos seculares, aos quais os eventos
podem ser associados.
Poética, mitológica, alegórica: o texto é figurativo e tudo que é descrito
representa o triunfo do Bem sobre o Mal. Remete a realidades espirituais
atemporais e se refere à interação da igreja com o mundo em todas as épocas
da história eclesiástica, retratando a vitória de Cristo e de seu povo ao longo da
história humana.
Obs.: Há subdivisões nessas linhas de interpretação e existem ainda outras
teorias, que são resultado de combinações de várias dessas.
Tema
Cristo triunfa no movimento da história humana como previsto desde o
Éden. Sua segunda vinda marcará a vitória sobre o Mal e o estabelecimento do
seu reino. Jesus é o Cordeiro de Deus que cumpre as profecias do Antigo
Testamento e assegura o triunfo final do plano de Deus para salvação da
humanidade.
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Gênero
João diz que Apocalipse é uma profecia (Ap 1.3; 22.7,10,18,19), o que,
por si só, estabelece o gênero do livro, embora a narrativa traga elementos
epistolares e apocalípticos.
O gênero profecia, na Bílbia, é marcado pela transmissão da mensagem
de Deus aos homens por meio de um oráculo (o receptor da mensagem
divina), com o intuito de chamá-los ao comportamento desejado por Deus.
Essas exortações têm um tom otimista, pois, em havendo arrependimento, a
bênção divina alcançará os destinatários. A mensagem é o anúncio de
salvação para o fiel e de juízo para o infiel.
Apocalipse apresenta elementos apocalípticos, porque revela segredos
divinos por meio de visões que se traduzem em estrutura narrativa; mostra
esperança de melhoria apenas para o futuro; o conteúdo é ético, ou seja, elege
o bem e condena o mal, exigindo fidelidade dos ouvintes, e promete salvação
para o fiel e juízo para o infiel.
Como a ordem de Deus é que João registre a revelação em cartas que
serão endereçadas às sete igrejas, pode-se dizer que o livro tem também
natureza epistolar.
Canonicidade
Vários pais da igreja rejeitaram o livro de Apocalipse como inspirado, daí
haver menos cópias dele do que há de outros livros do Novo Testamento.
Na igreja do Ocidente, Justino Mártir, Ireneu, Tertuliano, Hipólito,
Clemente de Alexandria e Orígenes sempre aceitaram Apocalipse como livro
canônico.
Na igreja do Oriente, Cirilo de Jerusalém, Crisóstomo, Teodoro de
Mopsuéstia e Teodoreto de Ciro não o consideraram canônico. Dionísio, aluno
de Orígenes, rejeitou a autoria de João, e Eusébio, a inspiração do livro.
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Apocalipse não entrou na lista de livros canônicos do Concílio de
Laodiceia, em 360 d.C., mas foi introduzido na lista do Concílio de Cartago, em
397 d.C., pois Atanásio defendeu sua canonicidade na íntegra. Finalmente, em
680 d.C., no Concílio de Constantinopla, Apocalipse foi considerado inspirado
por Deus e, desde então, não houve mais discussão.
Estudo versículo a versículo
Capítulo 1
Verso 1: Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus
servos as coisas que em breve devem acontecer e que ele, enviando por
intermédio do seu anjo, notificou ao seu servo João,
O texto começa dizendo que se trata de revelação da parte de Jesus
Cristo. O vocábulo grego apocalypsis, traduzido aqui por revelação, significa
“desvendamento”. O que estava encoberto, vendado, as verdades que antes
eram ocultas passam a ser conhecidas pelo homem por iniciativa de Deus, que
traz à luz a realidade desconhecida a respeito do seu controle soberano sobre
o futuro e de como encerrará, na história da humanidade, a aparente
supremacia das forças do mal.
Deus entregou a Cristo a incumbência de as revelar a João, o que se
deu por meio de um anjo. Jesus é Emanuel, Deus conosco, aquele a quem
Deus outorgou a mediação entre ele e os homens. Os anjos, ministros de Deus
que agem em nosso favor (Hb 1.14), estão presentes em diversas situações
em que Deus comunica algo aos homens (Gn 19.1; Is 6.6,7; Mt 1.20; Jo
20.12,13 etc.). A presença dos anjos é uma das marcas dos textos de natureza
apocalíptica.
João recebe a profecia e a registra, mas o verdadeiro autor não é ele. Ao
dizer que a revelação tem origem em Jesus Cristo, preliminarmente estabelece
a natureza divina do texto. Não se trata de mensagem de homens, mas de
Deus, logo merece crédito e possui autoridade.
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A mensagem recebida pelo apóstolo deve ser mostrada aos servos de
Deus, o que confirma o que tantas vezes se viu nas Escrituras: o interesse de
Deus em fazer conhecidas dos seus servos sua verdade e suas ações (Jo
15.15).
Os acontecimentos contidos no livro terão início em breve, daí por que
diversos estudiosos defendem a ideia de que o cumprimento das profecias é
paulatino e vem ocorrendo desde a época de sua revelação. A iminência dos
acontecimentos tem como objetivo levar o leitor a um senso de expectativa
(aguardar a volta de Cristo) e responsabilidade (estar preparado), o que deve
caracterizar todas as eras da igreja.
Verso 2: o qual atestou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo,
quanto a tudo o que viu.
Foi o próprio Jesus que entregou a João a palavra que deveria ser
revelada aos seus servos, por isso o apóstolo atesta que é palavra de Deus e
testemunho de Jesus Cristo, sendo, portanto, digna de crédito. A afirmação,
logo no início do livro, de que sua origem é divina traz segurança ao leitor, pois,
ao longo da história da igreja, têm surgido muitos falsos apocalipses e
previsões avulsas sobre o fim dos tempos.
Verso 3: Bem-aventurados aqueles que leem e aqueles que ouvem as
palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está
próximo.
Esta é a primeira das sete bem-aventuranças que ocorrem no texto e
traz, em seu bojo, exortação à perseverança e premiação para aqueles que se
mantiverem fiéis até o fim.
Deus considera bem-aventurados aqueles que leem, aqueles que ouvem
e aqueles que guardam as palavras da profecia. Ainda que a leitura do livro de
Apocalipse não seja fácil, Deus quer que o leiamos, que o ouçamos com o
coração e, em consequência, que obedeçamos ao que nele está registrado. O
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verbo hebraico para “ouvir” significa também “obedecer”, por conseguinte, na
perspectiva bíblica, ouvir e obedecer são a mesma coisa.
O objetivo do livro de Apocalipse não é apenas anunciar a intervenção
divina futura, mas chamar seus filhos à responsabilidade desde o presente. Há,
nessa bem-aventurança, exortação e consolo para a igreja. O fato de o tempo
estar próximo é o motivo pelo qual as palavras do livro devem ser guardadas.
Deus deseja que seu povo viva completamente voltado para ele e para os
valores do reino celestial.
Nesse verso, pela segunda vez no capítulo, o escritor bíblico menciona a
urgência dos acontecimentos (a primeira ocorre em Ap 1.1). Os gregos faziam
uso de dois termos para expressar noção de tempo: chronos e kairós. Chronos
é o tempo mensurável, contável, o tempo marcado pelo relógio; kairós é o
tempo subjetivo, o tempo da oportunidade, da decisão. O vocábulo usado no
verso 3 é kairós. Quando o apóstolo João diz que o tempo está próximo, talvez
possamos pensar em um tempo real (ressalvado o conceito de Deus sobre o
tempo em 2 Pe 3.8), mas principalmente que o tempo inaugurado pela
revelação é o tempo da oportunidade, a ocasião para se tomar uma decisão
sobre Deus e seu reino.
Esse trecho, compreendido pelos versículos 1-3, é, ao mesmo tempo,
título do livro (revelação), sumário escatológico (coisas que em breve devem
acontecer) e exortação ao povo cristão (bem-aventurança).
Verso 4: João, às sete igrejas que se encontram na Ásia, graça e paz a vós
outros, da parte daquele que é, que era e que há de vir, da parte dos sete
Espíritos que se acham diante do seu trono
O verso 4 dá início a uma nova seção, que se estende até o verso 6 e
começa com João, o autor humano, identificando-se. Na antiguidade, os textos
apocalípticos costumeiramente vinham identificados por pseudônimos, de
preferência, nomes de pessoas ilustres, para que o texto fosse bem recebido
pelos leitores (Apocalipse de Baruc, Apocalipse de Pedro etc.). Aqui não
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acontece isso, pois o apóstolo dá seu próprio nome (vide discussão sobre
autoria).
Os destinatários do livro e leitores originais são as sete igrejas que se
encontram na Ásia Menor, região, na época, debaixo do domínio romano. Não
se sabe por que essas igrejas teriam sido escolhidas: seriam elas destinatárias
reais ou representação de todas as igrejas em todos os tempos? Na época,
havia, na região, mais ou menos 40 igrejas, e a igreja de Colossos ficava a
poucos quilômetros de Laodiceia. Quem defende a ideia de serem simbólicas,
lembra a recorrência do número 7 no Apocalipse: 7 espíritos, 7 selos, 7
trombetas, 7 taças, 7 trovões, 7 bem-aventuranças, 7 “Eu sou...”.
Como essas igrejas existiram de fato e a mensagem de Deus é para
todos, a teoria que prevalece entre os cristãos é a combinação desses dois
pensamentos: as comunidades mencionadas são reais, mas o ensinamento
dirigido a elas não se encerra nelas, pois os problemas enfrentados são
situações por que muitas outras comunidades e indivíduos poderiam passar. A
mensagem foi relevante para os leitores originais e ainda é para os cristãos da
atualidade, a quem também é dirigida. Um forte indicativo dessa dupla função é
que, ao final de cada carta, aparece a expressão “ouça o que o Espírito diz às
igrejas”, no plural (grifo nosso).
João saúda as igrejas com “graça e paz”, fórmula de cumprimento
bastante comum nas epístolas do Novo Testamento (I Co 1.3; II Co 1.2; Gl 1.3;
Ef 1.2; Fp 1.2; II Ts 1.2; Fl 1.3; 2 Pe 1.2 etc.). A graça, garantida aos cristãos
pelo sacrifício de Cristo na cruz, permitiu o perdão de pecados e a consequente
reconciliação com Deus, condição para os homens terem paz.
Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo são a origem da graça e da
paz, por isso João diz que o cumprimento é da parte “daquele que é, que era e
que há de vir”, da parte “dos sete Espíritos que se acham diante do seu trono”
e, no verso seguinte, “da parte de Jesus Cristo”, completando a Trindade.
Essa caracterização tríplice de Deus remete à sua eternidade. O Deus
que atua no presente, foi conhecido no passado e será visto em ação no futuro,
quando eliminará o poderio do mal. Esse título de Deus aparecerá no livro
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outras quatro vezes, uma delas de forma idêntica e outras duas com alguma
variação (Ap 1.8; 4.8; 11.17; 16.5).
O Espírito Santo é revelado a João como sendo “os sete Espíritos” que
estão diante do trono de Deus. Há quem entenda que essa qualificação remeta
à passagem de Isaías 11.2, em que são listadas sete virtudes do Espírito
Santo. Zacarias 4.2,10 fala de sete lâmpadas e de sete olhos, o que também é
mencionado em Ap. 5.6, eventos que fazem com que alguns estudiosos
entendam que essa natureza séptupla do Espírito seja referência à sua
completude e perfeição. Em outras passagens de Apocalipse, os sete Espíritos
são novamente mencionados (Ap 3.1 e 4.5) e relacionados a outras figuras,
como as sete tochas, o que reforça o simbolismo do número sete. Interessante
observar que o Espírito séptuplo é tanto de Deus (Ap 3.1; 4.5) como de Jesus
(Ap 5.6), evidência da unidade existente na Trindade e da natureza divina de
Jesus Cristo.
Há ainda quem defenda que os sete Espíritos seriam anjos, mas os
textos em que a expressão aparece não abonam essa ideia, pois ela se liga à
Trindade, ao poder de Deus ou de Jesus de uma forma que não caberia a
anjos (Ap. 3.1: Cristo tem os sete Espíritos; 4.5: diante do trono de Deus estão
os sete Espíritos; 5.6: sete chifres, sete olhos, sete Espíritos). Fica, portanto,
apenas a menção à teoria.
Verso 5: e da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos
mortos e o Soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama, e, pelo seu
sangue, nos libertou dos nossos pecados,
Aqui, como ocorreu com Deus Pai, Jesus recebe qualificação tríplice: a
Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra,
títulos que serão temas essenciais no livro de Apocalipse.
Em vida, Jesus foi a fiel testemunha de Deus, comunicando aos homens
a mensagem recebida e realizando a missão que lhe foi delegada. Nunca se
intimidou diante dos poderosos de seu tempo, quer políticos, quer religiosos, e
nunca deixou de proclamar as verdades divinas, pagando com a própria vida o
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preço de sua obediência a Deus. Também por isso, no livro de Apocalipse, o
significado do termo “testemunha” progride para “mártir”, pois aqueles que
creem, por causa da atuação dos poderes cósmicos do mal, terão de sustentar
a fé ao preço da própria vida. Isso sempre ocorreu na história da igreja e ainda
ocorrerá até a volta de Cristo.
Algumas igrejas destinatárias estavam passando por pressão ou
perseguição, como se pode perceber pelo texto a elas endereçado, por isso
Apocalipse exorta os seguidores de Jesus a, semelhantemente a ele, serem
testemunhas fiéis e perseverarem até o fim. O testemunho dos santos é,
inúmeras vezes, mencionado na narrativa de João: Ap 1.9; 6.9; 12.11,17; 17.6;
19.10; 20.4.
Na morte, Jesus foi o primogênito, o primeiro a ressuscitar e não voltar
ao túmulo, inaugurando a promessa de Deus de que todos os que cressem
ressuscitariam no Dia do Senhor e com ele estariam para sempre. O termo
“primogênito”, diferentemente do que defendeu o arianismo (teoria de Ário,
presbítero em Alexandria), não indica que Cristo foi criado por Deus, não
sendo, portanto, ele mesmo Deus, senão que ele é o primeiro, aquele que
precedeu a muitos na ressurreição dos mortos.
O terceiro título de Jesus, Soberano dos reis da terra, ressalta o seu
poder sobre todos aqueles que, na terra, têm autoridade. Em Apocalipse,
predomina o conflito entre o Cristo exaltado e os soberanos deste mundo, pois
os reis são os inimigos de Jesus e contra ele se juntarão para a batalha final,
mas serão derrotados e obrigados a submeter a Deus a sua glória. Jesus
Cristo reina sobre a vida e sobre a morte e, embora possa não parecer a
alguns, já reina sobre os reis da terra, pois nunca deixou de ser Senhor.
Na segunda parte do versículo, tem início uma doxologia, construção
paralelística que, no caso, destaca o número 3: Jesus, que recebe três títulos,
realizou uma obra também de natureza tríplice: nos ama, nos liberta e, no
versículo seguinte, nos constitui reino e sacerdotes. Essa é a única vez, nas
Escrituras, que uma doxologia é dirigida unicamente a Jesus Cristo.
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A doxologia é uma forma litúrgica por meio da qual se exalta a grandeza
e a majestade divinas. No texto de Apocalipse, há outras doxologias (Ap 4.9-
11; 5.13; 7.12; 9.1,2), bem como em diversos livros do Novo Testamento (Jd
1.25; Gl 1.5; Fp 4.20 etc.). A doxologia que se inicia na parte “b” do verso 5 é a
primeira dirigida somente a Jesus e celebra sua obra e seu relacionamento
com seus discípulos.
Se a primeira parte do verso 5 diz quem Jesus é (a Fiel Testemunha, o
Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra), a segunda conta o que
ele fez por nós (ama, liberta e constitui). É a tríplice celebração da obra
salvífica de Cristo.
A obra de Jesus é toda ela firmada em seu amor por nós. O Bom Pastor
ama as ovelhas e dá sua vida por elas (Jo 10.11). Porque nos ama, Cristo foi
crucificado desde a fundação dos tempos, tornou-se homem e viveu entre nós
e, por fim, destruirá visivelmente o último inimigo, a morte, e nos entregará a
coroa da glória, para que estejamos para sempre com ele. O amor divino
permeia o Apocalipse e deixa clara sua preocupação em dar ao seu povo, que
sofre, uma mensagem de esperança, conforto, confiança, estímulo e regozijo.
Mais do que um livro sobre o final dos tempos, Apocalipse narra os fatos que
levarão a obra de Deus à sua conclusão por amor de nós.
O texto diz que, “pelo seu sangue”, Cristo nos libertou dos nossos
pecados. Como fruto de sua obra, nossas culpas foram expiadas e fomos
introduzidos no Reino de Deus. O tema do sangue, significando vida ou morte,
é recorrente em Apocalipse, aparecendo dezenove vezes. Jesus venceu o
império das trevas ao derramar seu sangue em nosso lugar, destruiu o poder
que o pecado exercia sobre os homens, aniquilou o último inimigo, a morte, e
nos comprou para Deus. Somos chamados a participar de sua glória, mas
também de seus sofrimentos, por meio do martírio vitorioso retratado no livro.
Verso 6: e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai, a ele a
glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!
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A primeira parte do verso 6 mostra o aspecto eclesiológico da obra de
Cristo, alusão a Êx 19.9, uma das promessas fundamentais da aliança com
Abraão. A igreja é o verdadeiro Israel, o cumprimento do Antigo Testamento, e
aqueles que creem são os verdadeiros sacerdotes de Deus: fazem parte do
reino e reinarão com Cristo (Ap 2.26: receberão autoridade sobre as nações;
3.21: assentar-se-ão com Cristo em seu trono; 5.10: reinarão sobre a terra;
20.4: terão poder para julgar; 20.6: reinarão com Cristo).
Na condição de sacerdotes, temos acesso direto à presença de Deus e
a tarefa de servi-lo. A obra sacerdotal de Cristo o levou à morte; nossa posição
de sacerdotes deve nos levar a um serviço sacrificial para Deus. Em Cristo,
experimentamos posição sobremodo elevada, pois seu reinado já começou,
ainda que não vejamos todos os seus efeitos. A escatologia de Apocalipse
baseia-se no princípio “já, mas ainda não”: tudo se consumou em Cristo, mas
essa realidade espiritual ainda está se estabelecendo no mundo visível.
A doxologia propriamente dita está em Ap 1.6b e é resposta à obra de
Cristo em 1.5b e 6a: “[...] a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos.
Amém!”. A glória é devida a Cristo, pois somente ele é Deus, sua obra é
superior e, por isso, é o único digno de adoração. A Cristo pertence o domínio,
pois derrotou na cruz todos os poderes do mal, sustenta todas as coisas em
suas mãos e esse poder é a garantia da vitória sobre as potestades que
confrontam a igreja. Essa glória e esse domínio são para todo o sempre, pois
têm natureza eterna, em contraste com a temporalidade da grandeza dos
homens. O “amém” (assim seja) representa o compromisso do autor e dos
leitores com a verdade que a doxologia encerra.
Essa doxologia, em que se exalta Cristo como o único digno de louvor e
adoração, vai de encontro ao culto ao imperador, prática bastante desenvolvida
na época de João. Inicialmente, apenas os imperadores mortos eram
cultuados, mas, com o passar do tempo, alguns aceitaram ou requereram
adoração em vida como forma de centralização do poder. Os historiadores
destacam que o culto não era direcionado à pessoa do imperador, mas à sua
essência divina (eram investidos de poder pelos deuses), mas, na prática, dava
no mesmo.
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Verso 7: Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o
traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Certamente.
Amém!
A segunda vinda de Cristo é aqui enunciada nos moldes das profecias
veterotestamentárias (Dn 7.13,14; Zc 12.10; Mt 24.30), sendo ela um dos
temas centrais do livro de Apocalipse.
A referência à universalidade da volta de Cristo aparece na afirmação de
que todo olho o verá, inclusive aqueles que o feriram, e todas as tribos da terra
se lamentarão sobre ele.
Há quem entenda que esse choro não é de remorso, mas resultado de
uma tristeza penitencial, ou seja, o reconhecimento de faltas para as quais se
busca perdão. Pouco provável que seja essa a realidade do texto, pois ele
sugere confronto com aqueles que se opuseram a Deus e a seu povo, quer
judeus, quer gentios. A essa realidade o apóstolo João firma um “certamente” e
um “amém” como demonstração de concordância e anelo.
Verso 8: Eu sou o Alfa e Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e
que há de vir, o Todo-Poderoso.
Somente neste versículo e em Ap 21.5,6, Deus Pai fala diretamente no
livro. Em Ap 22.13, é Jesus quem está falando. Deus é o início e o fim de todas
as coisas, realidade expressa pela primeira e última letra do alfabeto grego. Por
ser eterno, atemporal, Deus não teve início nem terá fim, mas fala em
linguagem compreensível aos homens, já que não seria possível a nós
apreender perfeitamente uma realidade fora da convenção do tempo.
Deus e Jesus Cristo dizem de si, em Apocalipse, que são o alfa e o
ômega, nova evidência da unidade entre eles e da natureza divina de Cristo
(Ap 1.8; 21.5,6; 22.13).
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Aqui o autor repete a tríplice qualificação de Deus que primeiro apareceu
no verso 4 e acrescenta a afirmação de que Deus é o Todo-poderoso, o único
que detém toda autoridade sobre todos os poderes do mundo, sobre toda a
criação, expressão que aparece nove vezes no livro.
Verso 9: Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na
perseverança, em Jesus, achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da
palavra de Deus e do testemunho de Jesus.
O verso 9 inaugura a primeira grande seção do livro, centrada nas cartas
às igrejas, e que se encerrará apenas em Ap 3.22. Os versos 9 a 20 do
primeiro capítulo narram a primeira visão, informam a origem do livro e trazem
a ordem a João de registrar o que vê.
João mostra, nesse verso, sua situação em relação aos leitores: irmão e
companheiro. Não é o apóstolo ou o presbítero que está falando, mas um que
lhes é igual. Ele se considera companheiro de tribulação, porque está exilado
na ilha de Patmos por causa da pregação da palavra de Deus e do testemunho
que deu de Jesus. É também companheiro no reino, pois a obra salvífica de
Cristo nos fez parte do reino do Filho (Cl 1.13). Por último, companheiro na
perseverança, pois não tem desistido do chamado e permanece sustentando a
fé ao preço de sua liberdade. A perseverança é a reação cristã esperada por
Deus no livro. Fazer parte do reino implica privilégios de naturezas diferentes:
desfrutar da segurança em Cristo e por ele padecer (I Pe 2.21).
A irmandade e o companheirismo destacam a afinidade existente entre
os cristãos, a comunhão de que desfrutam (koinonia), resultado do
relacionamento que primeiro se estabelece com Deus, daí João dizer que é
irmão e companheiro “em Jesus”.
O apóstolo afirma estar na ilha de Patmos por causa da pregação do
evangelho. Não se sabe ao certo quanto tempo João permaneceu exilado,
embora se opine por um período em torno de quatro anos. Ao que consta, João
não permaneceu mesmo muitos anos em Patmos, porque Domiciano foi
assassinado, e Nerva, seu sucessor, teria anistiado o apóstolo. A tradição
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sustenta que João voltou para Éfeso e lá morreu, embora não se saiba quanto
tempo depois.
Patmos é uma pequena ilha vulcânica no mar Egeu, com área total de
34,6 km2, a 60 km da cidade de Mileto, na Turquia. Na época de João, estava
sob o controle dos romanos, mas, a partir de 1522, foi tomada diversas vezes
pelos turcos, capturada pelos italianos em 1912, mas definitivamente dominada
pelos gregos desde 1948. Alguns estudiosos garantem que, na época de João,
a ilha era habitada e que o apóstolo gozava de liberdade para ir e vir.
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Verso 10: Achei-me em espírito, no dia do Senhor, e ouvi, por detrás de mim, grande voz, como de trombeta,
Os estudiosos cogitam que a expressão “em espírito” pode se referir a
uma experiência de êxtase, na qual o Espírito Santo assume o controle dos
sentidos, ou a uma experiência visionária dada pelo Espírito Santo. Como João
interage com o que vê, a segunda opção é mais aceita.
A expressão “no dia do Senhor” acredita-se ser referência ao domingo,
dia da semana escolhido pelos cristãos para reunião e celebração, por causa
do domingo da ressurreição.
Interessante notar que João primeiro ouve uma voz atrás de si e só
depois se volta para ver quem lhe fala. A voz é grande, como de trombeta, o
que provavelmente indica sua potência. À trombeta também se associam
temas como o anúncio da chegada do rei, a chamada à adoração e o
oferecimento de holocaustos no Antigo Testamento, situações que, de alguma
maneira, remetem à figura de Deus e de Cristo.
Verso 11: dizendo: O que vês escreve em livro e manda às sete igrejas: Éfeso,
Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia.
A ordem para João escrever alguma coisa aparece no livro de
Apocalipse 12 vezes. Aqui, Cristo ordena que ele escreva o que vê e o
encaminhe a sete igrejas, às quais enumera. É curioso o fato de a citação das
igrejas obedecer a uma ordem geográfica, ou seja, o percurso que faria um
mensageiro para entregá-las.
Como mencionado anteriormente, há quem defenda que não se trata de
igrejas reais, mas comunidades hipotéticas, simbolizadas pelo número sete, as
quais representariam todo o corpo de Cristo na terra. Prevalece, no entanto, o
entendimento de que houve, de fato, leitores originais, membros das igrejas
listadas, mas que o ensino contido nas cartas permanece atual, daí servir para
a igreja em todos os tempos e lugares.
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Verso 12: Voltei-me para ver quem falava comigo e, voltado, vi sete candeeiros
de ouro
João ouve uma voz, mas, quando se volta para saber quem estava
falando com ele, o que primeiro vê são sete candeeiros de ouro, cujo
significado é revelado pelo próprio Jesus no verso 20.
A visão iniciada no verso 10 só se encerrará no capítulo 4, verso 1, e é
preparação para as cartas.
Verso 13: e, no meio dos candeeiros, um semelhante a filho de homem, com
vestes talares e cingido, à altura do peito, com uma cinta de ouro.
A visão de João pode ser dividida em duas partes: a contemplação do
Cristo glorificado e a comissão recebida. Nesse primeiro momento, Cristo, a
figura central de Apocalipse, é apresentado. Talvez o que João viu não seja a
forma como veremos Jesus, mas uma representação de sua glória e poder.
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O apóstolo compara o que vê a uma figura semelhante ao filho do
homem, título sobejamente aplicado a Jesus no Novo Testamento para
destacar sua natureza messiânica: aquele que se tornou homem para cumprir
toda a lei e garantir a salvação aos que cressem (Mt 12.8; 13.37; 18.11; 24.37;
Mc 2.28; Lc 6.5). Essa expressão também é usada no Antigo Testamento em
relação a Ezequiel, uma pessoa comum, como referência à sua humanidade
(Ez 23.2; Ez 25.2; Ez 16.2). A semelhança daquele a quem João vê com um
homem nos faz lembrar que, ao subir aos céus, Cristo não perdeu seu aspecto
humano.
Essa figura semelhante a um homem está no meio dos candeeiros, o
que destaca a presença constante de Deus no meio da igreja (lembrando que a
igreja somos nós!). Ele usa vestes talares, típicas dos sacerdotes, ressaltando
seu papel de mediador entre Deus e os homens, ou, como acreditam alguns,
vestes reais, indicativo de sua autoridade, majestade e superioridade (Ap 15.6).
O cinto de ouro se posiciona debaixo do peito, e não na cintura, para alguns,
também sinal de superioridade, pois o escravo usava o cinto na cintura, e o
aristocrata, debaixo do peito.
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Verso 14: A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve; os
olhos, como chama de fogo;
Os cabelos brancos possivelmente representem dignidade e sabedoria,
pois esse era o significado das cãs nas culturas antigas. A comparação com a
lã e a neve se justifica pelo fato de serem referenciais perfeitos para a
brancura, comumente usados na antiguidade como exemplo de pureza
absoluta.
Os olhos, como chama de fogo, representam a percepção divina, à qual
nada escapa. Olhos capazes de depurar e purificar como só o fogo faz. Podem
também significar juízo, já que nada se pode esconder de Deus. Essa imagem
ocorre outras vezes no livro de Apocalipse (Ap 2.18; 19.12) e também no
Antigo Testamento (Dn 10.6; Ez 1.7).
Verso 15: os pés, semelhantes ao bronze polido, como que refinado numa
fornalha; a voz, como voz de muitas águas.
Novamente presente a ideia do fogo que purifica, pois os pés são
semelhantes ao bronze polido, refinado, sinal da glória e da força de Cristo. Os
pés de bronze remetem à pureza e à estabilidade.
Agora a voz é comparada à voz de muitas águas, voz poderosa (Ez
1.24; 43.2), a temível voz do Senhor mencionada também em Ap 1.10.
Verso 16: Tinha na mão direita sete estrelas, e da boca saía-lhe uma afiada
espada de dois gumes. O seu rosto brilhava como o sol na sua força.
Em toda a Bíblia, a mão direita simboliza poder e autoridade. O fato de
Cristo estar segurando as sete estrelas pode significar posse e proteção: ele as
tem e as preserva.
A espada é imagem que se repete no livro e simboliza o juízo. Da boca
de Jesus sai o juízo, ele o proclama, e esse juízo é tão justo e preciso, que se
assemelha a uma espada de dois gumes afiada. Em Apocalipse, a boca
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também é símbolo de juízo, pois o Cristo, detentor de autoridade judicial,
proferirá com sua boca o julgamento de cada ser humano.
O rosto brilhante lembra a passagem da transfiguração, em que o rosto
de Jesus resplandeceu como o sol (Mt 17.2), e, guardadas as diferenças, a
experiência de Moisés, que, por ter estado na presença de Deus, no monte
Sinai, de lá desceu com o rosto brilhando (Êx 34.29). No Sl 84.11, o salmista
diz que Deus é nosso sol e escudo, e Is 60.19, que é nossa luz. A referência à
luz do sol ilustra a glória de Deus em seu fulgor.
Verso 17: Quando o vi, caí a seus pés como morto. Porém ele pôs sobre mim
a mão direita, dizendo: Não temas; eu sou o primeiro e o último
Ao ver Jesus em sua glória, a humanidade de João não suportou a
grandiosidade da experiência. Não há ser humano que possa permanecer de
pé ou não ter o coração tomado por temor diante da presença augusta de
Deus. A consciência de sua pequenez fez João perder as forças. Ele viu Jesus
e temeu. Mas Jesus o encoraja, impondo-lhe a mão direita (novamente a figura
da autoridade) e dizendo-lhe para não ter medo. A mão que antes segurava as
estrelas agora abençoa o apóstolo. Isso nos estimula a, no relacionamento com
Deus, não dar lugar ao medo, pois deve estar baseado na certeza de seu amor
por nós.
A descrição de Deus em Ap 1.8 é aqui aplicada a Cristo, o que
novamente reforça sua divindade e unidade com o Pai. Em Ap 21.6 e 22.13,
essa expressão volta a aparecer. Jesus é a origem e o alvo de todas as coisas,
ele tem a primeira palavra na criação e a última na recriação, soberania que ele
tem juntamente com Deus Pai.
Verso 18: e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos
séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno.
Jesus é aquele que um dia experimentou a morte por amor de nós, mas
ela não pôde contê-lo. Esteve morto, mas agora vive por toda a eternidade.
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Nunca mais precisará passar pela morte, pois sua obra de salvação foi
completa e perfeitamente suficiente para remir os homens.
A morte e ressurreição de Cristo destruíram as forças cósmicas do mal,
por isso ele tem em seu poder as chaves da morte e do inferno, alusão ao seu
controle do mundo inferior (Mt 10.28).
Verso 19: Escreve, pois, as coisas que viste, e as que são, e as que hão de
acontecer depois destas.
Apocalipse interliga passado, presente e futuro, pois isso a ordem para
João escrever o que viu, o que é e o que ainda iria acontecer. Esse versículo
revela a perspectiva escatológica do livro em uma estrutura tríplice sobre o
tempo de cumprimento da revelação. As coisas que são podem ser referência
àquilo que é eterno ou a acontecimentos da época do apóstolo, que já seriam
parte da profecia em cumprimento. “As que hão de acontecer depois destas”,
naturalmente, se referem a fatos futuros.
Verso 20: Quanto ao mistério das sete estrelas que viste na minha mão direita
e aos sete candeeiros de ouro, as sete estrelas são os anjos das sete igrejas, e
os sete candeeiros são as sete igrejas.
A palavra mistério, que dá início ao verso 20, significa, na Bíblia,
segredos mantidos ocultos das pessoas no passado e que agora são revelados
por Deus.
As sete estrelas e os sete candeeiros aparecem nos versos 12 e 16,
mas sem explicação de significado. Aqui, o próprio Cristo revela o que
representam: os sete candelabros são as sete igrejas; e as sete estrelas, os
anjos das igrejas.
A menção aos anjos das sete igrejas suscita polêmica: seriam seres
celestiais ou líderes dessas comunidades? Predomina o pensamento de que se
trata da liderança das igrejas, pois Deus não endereçaria cartas a anjos. Outro
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argumento para corroborar essa teoria é que, se as igrejas são reais (tanto que
são nominadas), os anjos também são pessoas reais, que respondem pelas
igrejas, cuidam delas e devem encaminhá-las ao bom caminho. As cartas irão
permitir a esses homens perceber os problemas existentes em sua
comunidade e conduzi-la à mudança.
Aqui se encerra o estudo do primeiro capítulo. No capítulo 2, vamos nos
debruçar sobre as cartas às igrejas de Éfeso, Esmirna, Pérgamo e Tiatira,
quatro das sete totais.
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REFERÊNCIAS
DUCK, Daymond R. Guia fácil para entender Apocalipse. Rio de Janeiro:
Thomas Nelson, 2014.
MIRANDA, Neemias Carvalho. Apocalipse – comentário versículo por
versículo. Curitiba/PR: A. D. Santos Editora, 2013.
OSBORNE, Grant R. Apocalipse. São Paulo: Vida Nova, 2014.
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