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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

, assistida pela DEFENSORIA PÚBLICA DO

ESTADO DE SÃO PAULO, nomeada pelo Juízo de origem para atuar em defesa

da agravante, dispensada da apresentação do instrumento de mandato nos termos

do artigo 16 da Lei 1.060/50, fazendo uso das prerrogativas previstas no artigo

5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50, vem, respeitosamente, à presença de Vossa

Excelência, com fundamento no artigo 522 e seguintes do Código de Processo

Civil, tempestivamente, interpor o presente recurso de

AGRAVO DE INSTRUMENTO,

COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO,

contra a respeitável decisão de fl. 38, de acordo com os motivos de fato e de

direito expostos nas razões anexas.

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Requer, outrossim, seja o presente recurso recebido e que

seja concedido efeito suspensivo, na forma do artigo 527, inciso III, combinado

com o artigo 558, ambos do Código de Processo Civil, e processado na forma da

lei.

Formam o presente instrumento recursal não apenas as peças

obrigatórias indicadas no inciso I do artigo 525 do estatuto processual citado,

mas cópia integral dos autos.

Declara o defensor público da agravante que as peças

processuais e documentos que formam o presente instrumento são autênticos, nos

termos do parágrafo 1º do artigo 544 do Código de Processo Civil, com a redação

que lhe deu a Lei 10.352/01, ficando desde já requerida a observância do prazo

em dobro, bem como a prerrogativa da intimação pessoal dos membros da

Defensoria Pública para a prática de todos os atos processuais, conforme disposto

no artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50.

Por fim, as partes poderão ser intimadas nos seguintes

endereços:

a) Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Unidade

São Vicente: Rua Major Loretti, 11, Parque Bitaru, CEP: 11.310-380, na pessoa

do subscritor do presente recurso;

b)

Termos em que,

pede deferimento.

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São Vicente, 11 de março de 2011.

Rafael Rocha Paiva Cruz

Defensor Público

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RAZÕES DO RECURSO DE AGRAVO

Agravante:

Agravada:

Natureza: Internação involuntária

Processo:

Origem: 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de São

Vicente

EGRÉGIO TRIBUNAL

COLENDA CÂMARA

EMÉRITOS JULGADORES

I. Do relatório

Trata-se de ação, com pedido liminar, que objetiva a

internação compulsória da agravante no Hospital Geral Guilherme Álvaro ou, na

falta de vagas, em qualquer outro hospital da rede pública de saúde ou particular,

com a nomeação da agravada como curadora provisória para acompanhamento

da ação e da internação involuntária.

A agravada sustenta que a agravante possui esquizofrenia

paranóide e transtorno afetivo bipolar, mas se recusa a aceitar a internação em

hospital psiquiátrico.

Narra, ainda, que a agravante foi presa em flagrante em surto

psicótico no dia 08.02.11 e que, após pedido de liberdade provisória, obteria

alvará de soltura no dia 09.02.11, por volta das 14h.

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Argumenta que a agravante tem direito à saúde, que a Lei

10.216/01 garante a internação involuntária e que os genitores da agravante são

pessoas de idade que sofrem muito com as crises psiquiátricas, de forma que

necessitam da internação da agravante para que possam se restabelecer física,

emocional e psicologicamente.

O Ministério Público manifestou-se pelo concessão da

medida liminar, para o fim de determinar a internação psiquiátrica da agravante.

Em seguida, o MMº. Juiz proferiu a r. decisão de fl. 38:

“Vistos.

1 – Defiro a gratuidade.

2 – Estão presentes os requisitos para a concessão da liminar.

Os documentos médicos juntados, lavrados por psiquiatras,

atestam ser a ré portadora de ESQUIZOFRENIA

PARANÓIDE, com surtos psicóticos, e que ela se recusa a se

submeter a tratamento ambulatorial ou mesmo internação

voluntária. A autora, sua mãe, relata ser a ré agressiva e

oferecer risco à integridade física dos pais, pessoas já com

certa idade, e que não conseguem convencer a filha a se

tratar. O que gera circula vicioso de surtos e agressões.

Posto isso, DEFIRO A LIMINAR para autorizar a

internação da ré, por iniciativa de seus pais, em

estabelecimento psiquiátrico adequado para o seu quadro de

saúde, em regime fechado, independentemente do

consentimento da própria paciente, no local e pelo tempo que

for necessário segundo critério médico. Deixo de indicar o

hospital por não ser atribuição do juízo, posto que cada

unidade hospitalar tem suas regras próprias com relação a

vagas, tipo de paciente que recebe, etc., não se podendo

impor judicialmente a internação em determinado

estabelecimento sem que seja o local indicado por médico em

conjunto com a família do paciente.

Expeça-se a autorização.

3 – Sendo manifesta a incapacidade civil da ré, para receber

citação válida, nomeio CURADORA a sua mãe, autora, .

Depois de cumprida a liminar, dê-se vista dos autos à

Defensoria Pública para se manifestar na defesa dos

interesses da ré, no processo.

Int.”

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Em cumprimento à ordem judicial, foi expedido alvará para

internação voluntária, assinado o compromisso de curatela e, só então, aberta

vista dos autos à Defensoria Pública.

II. Da impossibilidade de conversão do presente recurso de agravo de

instrumento em retido

Sabe-se que a Lei nº 11.187/05 alterou de modo significativo

os dispositivos que regem os recursos interpostos contra as decisões

interlocutórias, no intuito de retirar a sobrecarga dos Tribunais pátrios, assim

como privilegiar as decisões proferidas pelos juízes singulares.

A mais significativa alteração introduzida pela aludida lei foi

a elevação definitiva do agravo retido à condição de regra, para os recursos a

serem manejados contra as decisões interlocutórias, sendo certo que a

interposição de recurso de agravo na forma instrumental ficou restrita a poucas

hipóteses, dentre as quais se encontra aquela representada pela possibilidade de

se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.

Pode-se constatar que tal alteração dá força imperativa ao

preceito, obrigando o relator a converter, invariavelmente, o agravo de

instrumento em retido, exceto na ocorrência de uma das hipóteses previstas no

artigo 527, inciso II, do Código de Processo Civil.

No caso, mostra-se evidente a necessidade de recebimento

do presente agravo na forma de instrumento, pois, caso ele seja recebido como

retido, causará lesão grave e de difícil reparação à agravante, que terá sua

liberdade cerceada por internação involuntária e ilegal em hospital psiquiátrico,

podendo sofrer danos irreparáveis à sua saúde.

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Assim, nos termos do artigo 527, inciso II, do Código de

Processo Civil, o presente recurso deverá ser obrigatoriamente recebido na forma

de instrumento, tendo em vista o perigo de lesão grave e de difícil ou incerta

reparação.

III. Do mérito

a) Da nulidade da r. decisão de fl. 38

Inicialmente, verifica-se que a ordem liminar é nula, motivo

pelo qual deve ser cassada e imediatamente suspensa.

Nota-se que a r. decisão de fl. 38 foi concedida e cumprida

sem a citação da agravante, que ainda não ocorreu, sem a observância do

procedimento previsto no artigo 218, parágrafo 1º do Código de Processo Civil e

antes da nomeação de curador especial para atuar em sua defesa, em violação aos

princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

De acordo com o artigo 218, “caput”, do Código de Processo

Civil, a citação não será feita quando se verificar que o réu é demente ou está

impossibilitado de recebê-la. Para tanto, exige o parágrafo 1º do referido artigo

que o oficial de justiça elabore certidão, descrevendo minuciosamente a

ocorrência, e que, em seguida, seja nomeado médico para examinar o citando.

Apenas após apresentação do laudo, o juiz nomeará curador ao réu e determinará

a citação na pessoa do curador, nos termos dos parágrafos 2º e 3º do Código de

Processo Civil.

Não obstante, no caso em tela, todo procedimento foi

ignorado. Sem qualquer certidão do oficial de justiça e sem laudo médico de

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perito judicial, a r. decisão de fl. 38 considerou que a agravada era incapaz para

receber a citação válida e nomeou como curadora a agravada.

Ao assim proceder, presumindo a incapacidade da agravante

para receber a citação, a r. decisão impugnada desconsiderou por completo a

condição de sujeito de direitos da agravante e todos os direitos garantidos às

pessoas com sofrimento mental, previstos na Constituição Federal, em diversos

tratados internacionais e na legislação infraconstitucional, como a Lei nº

10.216/01.

Além disso, descumpriu o previsto no artigo 218 do Código

de Processo Civil e os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido

processo legal, criando procedimento não previsto em lei, impedindo que a

agravante tenha ciência da ação e, inclusive, possa constituir advogado de sua

confiança para a defender.

Observa-se que o artigo 2º, parágrafo único, incisos V e VII,

da Lei nº 10.216/01, considerando que a pessoa com transtorno mental é sujeito

de direitos e deve ser tratada sem qualquer tipo de discriminação, nos termos do

artigo 1º da referida lei, garante à pessoa com transtorno mental o direito de ter a

presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de

sua hospitalização involuntária e o direito de receber o maior número de

informações a respeito de sua doença e de seu tratamento.

Contudo, tais dispositivos legais acabaram por ser

completamente desrespeitados, diante da r. decisão judicial que determinou a

internação involuntária da agravante sem que ela tenha sido sequer citada da ação

judicial.

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Salienta-se que a agravante possui vinte e quatro anos de

idade, já atingiu a maioridade há seis anos e, até a presente data, não há notícia

de que tenha sido proposta qualquer ação de interdição por seus familiares. Aliás,

a agravada propôs ação pleiteando apenas a internação involuntária da agravante,

mas não a sua interdição, o que indica que a agravante possa não ser incapaz para

a prática dos atos da vida civil.

Ademais, dependendo do tipo e intensidade do transtorno

mental, a agravante poderia ter absoluta capacidade para receber a citação

judicial, de forma que a presunção de sua inaptidão caracteriza preconceito

repelido pelo ordenamento jurídico pátrio.

Evidente que, apenas após certificação do oficial de justiça e

laudo judicial circunstanciado e devidamente fundamentado, é que se poderia

efetuar a citação da agravante na pessoa de seu curador, em observância ao artigo

218, parágrafos 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil, e artigo 6º da Lei nº

10.216/01.

Por outro lado, a ordem judicial foi proferida por juiz

absolutamente incompetente para tanto, visto que a demanda, na forma como foi

proposta pela agravada, não é de competência do Juízo de Família e Sucessões,

até porque não foi formulado qualquer pedido de interdição.

Tanto é assim que a própria agravada endereçou sua petição

inicial à Vara Cível da Comarca de São Vicente. Contudo, sem qualquer

justificativa, a ação foi remetida para o Juízo de Família, que, também sem

qualquer motivação, apreciou o pedido liminar e o deferiu.

No caso, a incompetência funcional do juiz caracteriza

incompetência absoluta e enseja a nulidade da r. decisão impugnada.

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Não bastasse isso, a petição inicial é inepta, pois dos fatos

narrados não decorre o pedido formulado, há falta de interesse de agir e o pedido

é juridicamente impossível, de modo que a petição inicial deveria ter sido

indeferida e o processo extinto.

Verifica-se que a agravada narra que a agravante possui

transtorno mental e recomendação médica para internação, mas não deseja ser

internada. Diante disso, requer seja determinada judicialmente a internação

involuntária da agravante sem discriminar prazo.

Contudo, caso a agravante realmente tivesse transtorno

mental e laudo circunstanciado determinando a sua internação, como determina o

artigo 6º da Lei nº 10.216/01, a internação involuntária poderia ocorrer

independentemente de ação judicial, desde que presentes as demais exigências

legais, como estabelecem os artigos 6º, inciso II, 7º e 8º da Lei nº 10.216/01.

Nesse caso, faltaria interesse de agir a agravada, que não

necessitaria da ação judicial para ter sua pretensão reconhecida, já que a

internação involuntária ocorre a pedido de terceiro e por recomendação médica,

não por ordem judicial.

Na verdade, a internação somente se dá por ordem judicial

quando ocorre na modalidade da internação compulsória, prevista no artigo 6º,

inciso III, da Lei nº 10.216/01, que é reservada para casos distintos do presente,

como os casos de medida de segurança.

Ademais, conforme já asseverado, não foi formulado pedido

de interdição da agravante, o qual seria necessário, nos termos do artigo 1777 do

Código Civil, de modo que o provimento jurisdicional pleiteado não é adequado

e, portanto, falta interesse de agir. Apenas foi requerida a internação involuntária

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sem discriminar prazo, de forma ampla e ilegal, até porque a internação depende

de laudo médico circunstanciado.

No caso em tela, ainda, o pedido judicial formulado pela

agravada não é compatível com os fatos por ela narrados e, do modo como foi

feito, sem prévia interdição e de forma ampla, representa pleito juridicamente

impossível.

Acrescenta-se, também, que a r. decisão impugnada é nula

por ausência de fundamentação suficiente e de razoabilidade.

Como se sabe, o artigo 93, inciso IX, da Constituição

Federal e o artigo 165 do Código de Processo Civil exigem que qualquer decisão

judicial seja fundamentada. De forma ainda mais específica, o artigo 273,

parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, estabelece que, “na decisão que

antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu

convencimento”.

Nesse sentido, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de

Justiça:

“NULIDADE - Decisão que revoga anterior designação de

audiência de justificação prévia e defere liminar de

reintegração de posso, sem referência aos elementos

caracterizadores dos requisitos do fumus boni iuris e

periculum in mora - Inadmissibilidade - Violação à norma do

art. 471, do CPC - Ausência de fundamentação também

verificada - Afronta aos arts. 93, IX da CF e 165, do Código

de Processo Civil - Nulidade decretada - Recurso provido

para este fim.”

(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Agravo de

Instrumento nº 0068357-86.2010.8.26.0000; 38ª Câmara de

Direito Privado; Rel. Spencer Almeida Ferreira; data do

julgamento 19.05.10; data de registro 21.06.10).

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“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Reintegração de posse –

Liminar - Deferimento - Alegação de posse velha e ausência

de comprovação do esbulho além da falta de fundamentação

da decisão - Ausência dos requisitos necessários à concessão

da medida - Decisão sem fundamentação - Liminar indeferida

- Recurso provido.”

(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Agravo de

Instrumento nº 9001844-17.2009.8.26.0000; 20ª Câmara de

Direito Privado; Rel. Miguel Petroni Neto; data do

julgamento 14.12.09; data de registro 28.01.10).

No caso em tela, nota-se que a r. decisão de fl. 38 não foi

baseada em laudo médico circunstanciado, como exige o artigo 6º da Lei nº

10.216/01, e nem apresentou motivação suficiente sobre a real necessidade de

internação.

Observa-se que o artigo 4º da Lei nº 10.216/01 estabelece a

excepcionalidade da internação hospitalar, que somente será indicada quando os

recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, circunstância que não foi

exposta e apreciada pela r. decisão impugnada como exigem o artigo 93, inciso

IX, da Constituição Federal e o artigo 165 do Código de Processo Civil.

Outrossim, a r. decisão impugnada foi extremamente ampla

e ultrapassou os limites do próprio pedido da agravada e da Lei nº 10.216/01. A

absoluta ausência de limitação temporal e de local concedeu verdadeira carta

branca à agravada, violando por completo a Lei nº 10.216/01, que estabelece que

a internação deve ser limitada ao período de surto e não pode ser feita em

estabelecimentos asilares ou desprovidos dos recursos que assegurem assistência

integral à pessoa portadora de transtorno mental, incluindo serviços médicos, de

assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros, além dos direitos

previstos no artigo 2º da lei referida.

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Por fim, salta aos olhos que a r. decisão impugnada não fez

qualquer menção aos requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil,

necessários para a concessão da tutela antecipada que acabou por ser deferida.

O que se percebe é que a r. decisão impugnada realizou

verdadeiro juízo antecipado de mérito, como se sentença fosse, mas no início do

processo, antes da citação da agravante, da apresentação de defesa, da oitiva

agravante e da realização de perícia, ignorando o direito de defesa, o

contraditório e o devido processo legal.

Dessa forma, as questões preliminares apontadas e a

ausência de motivação suficiente e de razoabilidade da r. decisão impugnada

ensejam a sua nulidade, de modo que se faz necessária a sua cassação e imediata

suspensão.

b) Da ausência de cabimento da medida liminar deferida

Ainda que não se considere nula a ordem liminar deferida,

faz-se imprescindível a sua cassação e imediata suspensão, pois ela não observou

as estreitas hipóteses legais para a concessão de tutela antecipada.

Como se sabe, a concessão de tutela antecipada é medida

excepcional, visto que a Constituição Federal garante os direitos à ampla defesa,

ao contraditório e ao devido processo legal.

De acordo com o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição

Federal, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal”. Já o inciso LV do mesmo artigo prevê que “aos litigantes, em

processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o

contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

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Assim, para que uma obrigação judicial possa ser imposta no

início do processo, antes do exercício da defesa e da produção de prova, é

necessário que haja prova inequívoca da verossimilhança das alegações e

fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, além da

reversibilidade do provimento, conforme previsto no artigo 273 do Código de

Processo Civil. Ademais, o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado,

ponderando-se o benefício trazido ao autor e o prejuízo imposto ao réu com a

antecipação da tutela.

No caso em tela, é evidente que os requisitos legais não

estão presentes em seu conjunto com a intensidade necessária para a antecipação

do provimento final, o qual, por se tratar de internação, representa violenta

intervenção aos direitos da agravante, sobretudo aos seus direitos à liberdade e

saúde.

De um lado, não há comprovação cabal da verossimilhança

das alegações. Isso porque, a internação é medida excepcional, conforme prevê o

artigo 4º da Lei nº 10.216/01, que somente pode ser realizada após frustrados os

recursos extra-hospitalares, durante período de surto, e mediante laudo médico

circunstanciado que caracterize os seus motivos, conforme dispõe o artigo 6º da

referida lei.

Nota-se que a agravada não apresentou documentos

suficientes que demonstrem a insuficiência dos recursos extra-hospitalares, pois

os receituários juntados indicam apenas que a agravante estava em tratamento

com médica particular Dra. , sem especificar a frequência, característica e

recursos envolvidos nos atendimentos para que se possa aferir se foram

esgotados todos os recursos extra-hospitalares disponíveis.

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Da análise dos documentos juntados pela agravada, percebe-

se que somente foram apresentados receituários de atendimento no sistema

público de saúde no ano de 2009, que não prescrevem a necessidade de

internação, o que indica que, desde então, a agravante apenas vinha fazendo

atendimento psiquiátrico particular e não vinha fazendo uso de todos os diversos

programas e recursos extra-hospitalares disponíveis para o seu atendimento, que

são eminentemente públicos.

Ressalta-se que, de acordo com o artigo 2º, parágrafo único,

incisos I, VIII e IX, da Lei nº 10.216/01, a pessoa com transtorno mental tem

direito a ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às

suas necessidades; a ser tratada em ambiente terapêuticos pelos meios menos

invasivos possíveis; ser tratada, preferencialmente, em serviços de saúde mental.

Ademais, verifica-se que a agravante não juntou aos autos

laudo médico circunstanciado que caracterize adequadamente os motivos da

internação.

Observa-se que o relatório médico mais recente, apresentado

pela agravada, indica, sucintamente, que a agravante apresenta crises psicóticas

frequentes e necessita de internação psiquiátrica, embora esteja fazendo uso

diário de medicamento.

É certo que o relatório apresentado não se trata do laudo

médico circunstanciado previsto no artigo 6º da Lei 10.216/01, pois, além de ter

sido elaborado por médico particular, não apresenta a motivação necessária.

Observa-se que os casos excepcionais de internação

psiquiátrica demandam análise de equipe técnica de saúde mental, de composição

multidisciplinar e pública, que avalie a condição do paciente em sua

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complexidade e que considere a normativa e os recursos disponíveis no sistema

público de atendimento, para que haja efetivo controle da extrema medida.

Nesse sentido, o relatório final da III Conferência Nacional

de Saúde Mental, convocada pelo Ministro da Saúde e organizada pelo Conselho

Nacional de Saúde (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL

DESAÚDE. Comissão Organizadora da III CNSM. Relatório Final da III

Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001.

Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, 2002, 213 p., ISBN

85-334-0592-8):

“6. Controle da internação psiquiátrica

No curso do processo de Reforma Psiquiátrica, é necessário

que os gestores estaduais e municipais estabeleçam

mecanismos efetivos para o controle das internações

psiquiátricas. Com este objetivo, foram aprovadas também as

seguintes propostas:

119. Estabelecer formas de controle único para a emissão de

AIH, assegurando que todas as internações necessárias sejam

autorizadas pelo serviço público, preferencialmente de base

territorial, constituído por equipe de saúde mental.

120. A internação e a reinternação psiquiátrica deverão

ocorrer após avaliação da equipe técnica de saúde mental dos

serviços substitutivos.

121. Estimular a criação de centrais de regulação de

internaçãopsiquiátrica com o objetivo de evitar internações

não indicadas.

122. Rever o critério de tempo de internação e garantir, por

meio de supervisões institucionais e fiscalizações, que o

tempo de internação seja o mais breve possível, de acordo

com avaliação e conduta psiquiátrica e da equipe

multiprofissional.” (p. 46-48, g.n.).

De outro lado, não há comprovação suficiente nos autos de

que a ausência de concessão da tutela antecipada cause dano irreparável ou de

difícil reparação à agravada e muito menos à agravante.

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Conforme já salientado, embora a agravada narre que os

transtornos da agravante começaram na adolescência e esta já conte com 24 anos,

sua interdição nunca foi pleiteada e sequer há nos autos documentos que atestem

que a agravante tenha iniciado tratamento médico antes de 2009. Salienta-se que

não há qualquer comprovação nos autos de que a agravante possua o

comportamento violento alegado.

Importante observar que não se pode utilizar o transtorno

mental da agravante, de intensidade e natureza ainda não suficientemente

demonstradas, de forma discriminatória, presumindo-se a necessidade de

internação como forma de auto-preservação, como veda o artigo 1º da Lei

10.216/01, até porque as internações são excepcionais, temporárias e não

configuram a melhor alternativa terapêutica.

Não bastasse isso, certamente, a internação representa

extrema violência ao direito de liberdade da agravante e pode caracterizar grave

ou até irreparável prejuízo à sua saúde, caso realmente ela não seja necessária,

sobretudo da forma severa, ampla e ilimitada como foi determinada pela r.

decisão impugnada.

Nesse sentido, há inequívoca violação ao princípio da

proporcionalidade, pois a r. decisão liminar, a pretexto de preservar o direito da

agravada, traz enorme violação ao direito da agravante, que pode ser encarcerada

em qualquer estabelecimento de internação psiquiátrica, em regime fechado, no

local e pelo tempo que qualquer médico determinar.

Sobre o tema, conveniente a transcrição da posição

jurisprudencial:

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“Interdição pretensão da curadora provisória à internação

compulsória J do interditando decisão que indeferiu a

antecipação da tutela, determinando a realização de perícia

médica ausência de dispositivo legal a amparar o pleito

conveniência de se aguardar a conclusão da perícia, para

melhor se aquilatar a necessidade ou não da internação.

Agravo improvido”.

(TJ/SP; Agravo de Instrumento n° 0162775-

16.2010.8.26.0000; Relator (a): Testa Marchi; Órgão

julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; da Comarca de

Bauru; Data do julgamento: 18/01/2011).

Em referido julgado, o Desembargador Relator bem

observou a excepcionalidade da internação psiquiátrica e a necessidade de prévia

perícia médica, com laudo circunstanciado, considerando que a medida

representa extremo cerceamento à liberdade:

“Tendo em vista a exigência legal, ainda não atendida pela

requerente, reputa-se conveniente, dada a situação

superveniente da alegada piora no estado de saúde do

requerido, uma prévia elaboração de perícia médica, com

laudo circunstanciado em que constem os elementos hábeis a

respaldar a medida que, conquanto possa ser salutar ao

interdito e à família, se mostra constritiva, em razão da

compulsoriedade. A cautela se justifica em virtude de que a

Lei n° 10.216/01, em seu art. 4o estabelece um limite

temporal para a internação e prevê que só deve ser indicada

quando os recursos extra-hospitalares ministrados tenham se

revelado insuficientes e, no caso, se revele a conveniência de

manter o paciente internado.

Acresce, ainda, que o mesmo art. 4o, em seus parágrafos

disciplina que o tratamento deve primar pela reinserção social

do paciente e oferecer assistência integral através de uma

equipe multidisciplinar. Ademais, em face da ausência de

dispositivo legal que autorize, de forma automática, ou ao

menos, desprovida de melhores elementos, a concessão da

tutela pleiteada, determinando a internação do paciente em

estabelecimento psiquiátrico, deve ser mantida a r. decisão

impugnada, até que ultimada a perícia médica, uma vez que a

internação compulsória, embora se destine à preservação da

saúde do paciente e bem estar dos que o cercam, não deixa de

ser um ato que, ao menos em tese, cerceia sua liberdade, o

que revela o cuidado com que agiu o MM. Juiz.

4. Ante o exposto, nega-se provimento ao agravo.”

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É certo, ainda, que a ordem liminar deferida aponta em

sentido contrário aos princípios da reforma psiquiátrica e ao Relatório Final da

IV Conferência Nacional de Saúde Mental (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Comissão Organizadora da IV

Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial. Relatório Final da IV

Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial, 27 de junho a 1º de julho

de 2010. Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, 2010, 210

p.), convocada pelo Ministro da Saúde, que objetiva a desinstitucionalização e a

extinção dos hospitais psiquiátricos para internação em regime fechado:

“2.4 ­ Atenção às pessoas em crise na diversidade dos

serviços

Princípios e diretrizes gerais

396. A consolidação da reforma psiquiátrica exige a

priorização, por parte dos gestores dos níveis federal,

estadual e municipal, da atenção à crise no âmbito da rede

substitutiva em saúde mental, considerando sua importância

fundamental na implementação de um processo efetivo que

possibilite a extinção dos hospitais psiquiátricos e de

quaisquer outros estabelecimentos em regime fechado.

397. Dessa forma, a IV Conferência ratifica a criação, o

fortalecimento, e a ampliação da rede de saúde mental e de

ações articuladas ­ saúde mental na atenção básica,

ambulatórios de saúde mental, Núcleos de Apoio à Saúde da

Família (NASF), Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS),

Residências Terapêuticas, CAPS I, II, III, CAPSi, CAPSad,

Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192),

Unidades de Pronto Atendimento (UPA)/Pronto

Atendimento, e leitos em hospitais regionais e gerais ­,

destacando que essa rede deve atuar na lógica antimanicomial

e interdisciplinar, integrada nas três esferas de governo.

398. Em paralelo, a Conferência enfatiza o

descredenciamento progressivo dos leitos psiquiátricos da

rede privada e a desativação progressiva dos hospitais

psiquiátricos públicos, com o cumprimento dos prazos

estabelecidos pelo Programa Nacional de Avaliação dos

Serviços Hospitalares/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria), e a

necessidade de garantir a participação das organizações de

usuários e de familiares, assim como o deslocamento dos

recursos financeiros para a criação e manutenção dos serviços

substitutivos.

(...)

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Atenção à crise na rede

403. Extinguir definitivamente toda e qualquer forma de

internação de cidadãos com sofrimento psíquico em hospitais

psiquiátricos e em quaisquer outros estabelecimentos de

regime fechado, acabando também com a

eletroconvulsoterapia no Brasil.

404. Garantir e ampliar o atendimento das situações de crise

em saúde mental 24 horas, priorizando CAPS III, no Pronto

Socorro Geral em articulação com a rede SAMU 192; em

municípios que não tenham estes dispositivos, garantir que os

serviços de emergência atendam às situações de crise em

saúde mental facilitando o acesso aos demais serviços de

saúde.

405. Garantir, sempre que o usuário com sofrimento psíquico

estiver em crise e que se faça necessária a intervenção em

emergência hospitalar, esta ocorra nos hospitais gerais que

tenham serviço de urgência e emergência.

406. Atender as emergências psiquiátricas em unidades gerais

24 horas, contando ainda com equipes volantes para dar

suporte matricial às unidades básicas e secundárias de saúde.

407. Garantir, em todo território nacional, a implantação

imediata de CAPS III, conforme a legislação vigente, dando

ênfase à importância desse dispositivo na atenção à crise na

rede substitutiva de saúde mental, dispensando o recurso ao

hospital psiquiátrico.

408. Garantir leitos de retaguarda noturna, finais de semana e

feriados, em Hospitais Gerais, inclusive em municípios de

pequeno porte, para cidadãos com sofrimento psíquico, assim

como leitos para síndrome de abstinência e desintoxicação

para adultos, crianças e adolescentes, com equipe capacitada

possibilitando tratamento humanizado.

(...)

2.5 ­ Desinstitucionalização, inclusão e proteção social:

Residências Terapêuticas, Programa de Volta para Casa e

articulação intersetorial no território

Princípios e diretrizes gerais

425. A consolidação da política de saúde mental do SUS,

orientada pelos princípios da reforma psiquiátrica, exige

estimular, ampliar e garantir os programas de

desinstitucionalização ­ com o conseqüente fechamento dos

leitos psiquiátricos ­ e a rede de serviços substitutivos que

favoreçam a inclusão e proteção a todos os cidadãos com

sofrimento psíquico.

426. Com essa perspectiva, a IV Conferência enfatiza a

necessidade de garantir e ampliar o acesso aos Serviços

Residenciais Terapêuticos e ao Programa de Volta para Casa

às pessoas com transtornos mentais que deles precisem, com

ampliação do processo de financiamento. No sentido de

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garantir a acessibilidade devem ser desencadeados

movimentos na direção de revisão das normativas e

legislação existentes.

427. Nesse contexto, é de fundamental importância ampliar

estratégias para fortalecer o protagonismo das famílias e dos

usuários dos serviços de saúde mental, tendo em vista a

necessidade de lutar contra o estigma e de favorecer a

inclusão social das pessoas com transtornos mentais.

428. Destaca­se, ainda, a relevância de todos os atores

assumirem o compromisso de não admitir nenhum tipo de

postura ou incentivo que contrarie os princípios da reforma

psiquiátrica, assim como não admitir políticas públicas

discriminatórias e excludentes aos cidadãos com sofrimento

psíquico.” (fls. 74-78, g.n.)

Acrescenta-se que os princípios da reforma psiquiátrica

foram incorporados inclusive no âmbito da aplicação das medidas de segurança,

conforme prevê o artigo 17 da Resolução nº 113, de 20 de abril de 2010, do

Conselho Nacional de Justiça:

“Art. 17 O juiz competente para a execução da medida de

segurança, sempre que possível buscará implementar

políticas antimanicomiais, conforme sistemática da Lei nº

10.216, de 06 de abril de 2001.”

No mesmo sentido, os artigos 1º e 4º da Resolução nº 4, de

30 de julho de 2010, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária:

“Art. 1º - O CNPCP, como órgão responsável pelo

aprimoramento da política criminal, recomenda a adoção da

política antimanicomial no que tange à atenção aos pacientes

judiciários e à execução da medida de segurança.

§ 1° - Devem ser observados na execução da medida de

segurança os princípios estabelecidos pela Lei 10.216/2001,

que dispõe sobre a proteção dos direitos das pessoas

portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo

assistencial de tratamento e cuidado em saúde mental que

deve acontecer de modo antimanicomial, em serviços

substitutivos em meio aberto;

(...)

Art. 4º - Em caso de internação, mediante o laudo médico

circunstanciado, deve ela ocorrer na rede de saúde municipal

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com acompanhamento do programa especializado de atenção

ao paciente judiciário.

Parágrafo único - Recomenda-se às autoridades responsáveis

que evitem tanto quanto possível a internação em manicômio

judiciário.”

Percebe-se, por fim, que a r. decisão impugnada foi

extremamente ampla e ultrapassou os limites do próprio pedido da agravada e da

Lei nº 10.216/01, contrariando os princípios da reforma psiquiátrica, pois

autorizou a internação psiquiátrica em regime fechado, em qualquer local e por

tempo indeterminado, segundo o critério de qualquer médico, sem exigir

qualquer tipo de prestação de contas ou obrigação por parte do curador.

Conforme asseverado, foi concedida verdadeira carta branca

à agravada, ignorando-se que a internação deve ser limitada ao período de surto e

não pode ser feita em estabelecimentos asilares ou desprovidos dos recursos que

assegurem assistência integral à pessoa portadora de transtorno mental, incluindo

serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e

outros, além dos direitos previstos no artigo 2º da lei referida.

Ademais, na hipótese de internação por ordem judicial, cabe

ao juiz levar em conta as condições de segurança do estabelecimento quanto à

salvaguarda da paciente, dos demais internados e funcionários, nos termos do

artigo 9º da Lei 10.216/01, de forma que não é suficiente a menção genérica de

internação em estabelecimento adequado.

Além disso, incumbe ao Ministério Público o controle da

internação psiquiátrica involuntária e dos estabelecimentos adequados para tanto.

Contudo, no presente caso, o órgão ministerial deixou de especificar qualquer

estabelecimento adequado para tanto na região.

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Nunca é demais lembrar o trágico caso do Sr. Damião

Ximenes Lopes, que, em 1999, foi vítima de tortura, maus tratos e faleceu nas

dependências da clínica psiquiátrica Casa de Repouso Guararapes, o que

ocasionou a condenação do Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos

Humanos.

Inequívoca, portanto, a necessidade de cassação e de

imediata suspensão da r. decisão impugnada.

IV. Atribuição de efeito suspensivo até decisão definitiva

O Código de Processo Civil, em seu artigo 527, inciso III,

estabelece a possibilidade de o Tribunal atribuir efeito suspensivo ao agravo,

assim como a antecipação de tutela, total ou parcial, da pretensão recursal.

No caso em tela, conforme exposto, há clara verossimilhança

das alegações da agravante, diante da nulidade da r. decisão impugnada e da

ausência de obediência aos requisitos legais para a concessão da ampla medida

liminar impugnada.

Por outro lado, a manutenção da r. decisão impugnada

causará lesão de grave e difícil reparação à agravante, com o cerceamento de sua

liberdade e o risco de dano grave à sua saúde.

Além disso, a manutenção da r. decisão impugnada também

causará inegável lesão grave e de difícil reparação ao Judiciário, que dará

efetividade a decisão nula, proferida em demanda que deve ser extinta.

Ante o exposto, necessária a concessão do efeito suspensivo

ao presente recurso, para suspender os efeitos da medida liminar deferida,

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cassando-se a curatela e o alvará deferidos e determinando-se a desinternação

judicial da agravante, bem como a intimação da agravada para que informe o

local de internação da agravante e do Ministério Público Estadual para que

informe se recebeu notícia da internação da agravante (artigo 8º, parágrafo 1º, da

Lei 10.216/01).

Caso assim não se entenda, no mínimo, requer-se a

concessão do efeito suspensivo para restringir a amplitude da ordem liminar, para

que a internação psiquiátrica seja realizada apenas após análise de equipe técnica

de saúde mental e elaboração de laudo médico circunstanciado, em Unidade de

Internação Psiquiátrica em Hospital Geral, comprovadamente adequado às

exigências da Lei 10.216/01, pelo prazo máximo de duração do surto, afastando-

se o regime fechado e exigindo-se do curador a apresentação de relatório mensal

sobre o estado de saúde da agravante e a necessidade de manutenção da

internação.

V. Dos pedidos

Diante de todo o exposto, requer-se:

a) seja recebido, processado e provido o presente recurso,

confirmando-se o efeito suspensivo pleiteado, para que a r. decisão de fl. 38 seja

definitivamente cassada, revogando-se a curatela e o alvará deferidos e

determinando-se a desinternação judicial da agravante, bem como a intimação da

agravada para que informe o local de internação da agravante e do Ministério

Público Estadual para que informe se recebeu notícia da internação da agravante

(artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei 10.216/01);

b) subsidiariamente, que seja provido o presente recurso para

que a internação psiquiátrica seja realizada apenas após análise de equipe técnica

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de saúde mental e elaboração de laudo médico circunstanciado, em Unidade de

Internação Psiquiátrica em Hospital Geral, comprovadamente adequado às

exigências da Lei 10.216/01, pelo prazo máximo de duração do surto, afastando-

se o redime fechado e exigindo-se do curador a apresentação de relatório mensal

sobre o estado de saúde da agravante e a necessidade de manutenção da

internação;

c) a intimação do Ministério Público para apresentação de

parecer;

d) a concessão dos benefícios da justiça gratuita;

e) a concessão de prazo em dobro e a intimação pessoal de

todos os atos do processo, nos termos do artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50.

Termos em que,

pede deferimento.

São Vicente, 11 de março de 2011.

Rafael Rocha Paiva Cruz

Defensor Público